Envelhecimento e Senilidade

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  • 1763Rev Esc Enferm USP2011; 45(Esp. 2):1763-8www.ee.usp.br/reeusp/

    Senescncia e senilidade: novo paradigma na Ateno Bsica de SadeCiosak SI, Braz E, Costa MFBNA, Nakano NGR, Rodrigues J, Alencar RA, Rocha ACAL

    reSumoA senescncia e a senilidade so temas cada vez mais explorados, considerando o crescente aumento da populao idosa no mundo, principalmente no Brasil. A assis-tncia ao idoso deve prezar pela manuten-o da qualidade de vida, considerando o processo de perdas prprias do envelhe-cimento e as possibilidades de preveno, manuteno e reabilitao do seu estado de sade. Conhecer o cotidiano dos idosos tem sido um desafio para os profissionais de sade para implementar programas e aes que visem alcanar a manuteno do equilbrio no processo sade-doena, e nessa busca que temos envidado esforos para contribuir, de forma efetiva, nas estra-tgias de fortalecimento dos idosos e seus familiares, de forma a tornar possvel o de-sencadeamento de aes na promoo da sade, principalmente considerando que o desafio para este milnio construir uma conscincia coletiva para alcanar uma so-ciedade para todas as idades, com justia e garantia plena de direitos.

    deScritoreS IdosoEnvelhecimentoSade do idosoAteno Primria SadeNecessidades e demandas de servios de sade

    Senescncia e senilidade: novo paradigma na Ateno Bsica de Sade*

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    ABStrActSenescence and senility are themes of gro-wing interest, considering the inxrease of the elderly population in the wrold, parti-cularly in Brazil. Health care for the edlery should value to maintain quality of life, considering the loss process particular of aging and the possiblities to prevent, main-tenain and rehabilitate their health condi-tion. Knowing the everyday lives of the el-derly has been a challenge for health care professsionals regardint the implementa-tion of programs and actions that aim to maintain the balance of the health-disease process, and it is in this search that we have made efforts to constibute, effective-ly, with the strategies to strengthen the ed-lerly and their relatives so it becomes pos-sible to trigger health promotion actions, especially considering that the challenge for the millenium is to build collective awa-reness to achieve a society for all ages, with justice and the guarantee of full rights.

    deScriptorS AgedAgingHealth of the elderlyPrimary Health CareHealth services needs and demand

    reSumen La senectud y senilidad constituyen temas ampliamente investigados, considerando el aumento de la poblacin anciana en el mundo, principalmente en Brasil. La aten-cin al anciano debe velar por el manteni-miento de su calidad de vida, estimando el proceso de prdidas propias del envejeci-miento y las posibilidades de prevencin, mantenimiento y rehabilitacin de su salud. Conocer la rutina del anciano se ha tornado un desafo para los profesionales de salud en lo que atae a implementar programas y acciones que apunten a alcanzar el equili-brio del proceso salud-enfermedad, y en tal bsqueda hemos efectuado esfuerzos para contribuir efectivamente en las estrategias de mejoramiento integral del anciano y sus familiares, a fin de hacer posible el desen-cadenamiento de acciones promotoras de salud, considerando principalmente que el desafo para este milenio es construir una conciencia colectiva que alcance a una so-ciedad para todas las edades, con justicia y plena garanta de derechos.

    deScriptoreS AncianoEnvejecimientoSalud del ancianoAtencin Primaria de SaludNecesidades y demandas de servicios de salud

    Suely itsuko ciosak1, elizabeth Braz2, maria Fernanda Baeta neves A. costa3, nelize Gonalves rosa nakano4, Juliana rodrigues5, rubia Aguiar Alencar6, Ana carolina A. Leandro da rocha7

    SeneScence and Senility: the new paradigm in primary health care

    Senectud y Senilidad: nuevo paradigma en la atencin BSica de Salud

    * Extrado do Grupo de Pesquisa Senescncia e a Senilidade: Desafios no Cuidar, Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo, 2011 1Enfermeira. Professora Associada do Departamento de Enfermagem em Sade Coletiva da Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Senescncia e a Senilidade: Desafios no Cuidar, cadastrado no CNPq. So Paulo, SP, Brasil. [email protected] 2Enfermeira. Professora Doutora do Departamento de Enfermagem da Universidade Oeste do Paran. Cascavel, PR, Brasil. 3Enfermeira. Professora Doutora do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianpolis, SC, Brasil. 4Enfermeira Graduada pela Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo. Bolsista CNPq. So Paulo, SP, Brasil. 5Enfermeira. Professora Doutora da Universidade Positivo. Curitiba, PR, Brasil. 6Enfermeira. Doutoranda do Programa de Ps-Graduao da Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo. So Paulo, SP, Brasil. 7Enfermeira. Mestranda do Programa de Ps-Graduao da Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo. So Paulo, SP, Brasil.

    Recebido: 11/11/2011Aprovado: 29/11/2011

    Portugus / Inglswww.scielo.br/reeusp

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    Senescncia e senilidade: novo paradigma na Ateno Bsica de SadeCiosak SI, Braz E, Costa MFBNA, Nakano NGR, Rodrigues J, Alencar RA, Rocha ACAL

    introduo

    Envelhecer um processo natural que implica mudan-as graduais e inevitveis relacionadas idade e sucede a despeito de o indivduo gozar de boa sade e ter um estilo de vida ativo e saudvel. No ser humano, esse fenmeno progressivo, alm de desencadear o desgaste orgnico, provoca alteraes nos aspectos culturais, sociais e emo-cionais, que contribuem para que se instale em diferentes idades cronolgicas.

    A Organizao Mundial da Sade (OMS) considera o envelhecer como

    um processo sequencial, individual, cumulativo, irrever-svel, universal, no patolgico de deteriorao de um organismo maduro, prprio a todos os membros de uma espcie, de maneira que o tempo o torne menos capaz de fazer frente ao estresse do meio ambiente

    e, portanto, aumente sua possibilidade de morte. Ain-da para a OMS, o limite de idade entre o indivduo adulto e o idoso 65 anos em naes desenvolvidas e 60 anos nos pases emergentes. Logo, o envelheci-mento populacional uma consequncia do desenvolvimento(1).

    O aumento proporcional de indivduos idosos, adicionado ao declnio das taxas de fecundidade e ao desenvolvimento tecno-lgico e teraputico no tratamento de do-enas, especialmente as crnicas (DANT), influencia a tendncia de alterao da estru-tura etria da populao, especialmente no Brasil, com o consequente aumento do con-tingente de indivduos com mais de 60 anos, resultado do envelhecimento populacional que ocorreu em um curto perodo, trazendo importante impacto para o sistema de sade.

    O envelhecimento algo que ocorre paulatinamen-te, uma vez que o indivduo comea a envelhecer ao nascer(2). Entretanto, considerando os aspectos biofun-cionais, comea na segunda dcada de vida, embora de forma imperceptvel. No final da terceira dcada surgem as primeiras alteraes funcionais e estruturais e, a partir da quarta, h uma perda de aproximadamente 1% da fun-o/ano, nos diferentes sistemas orgnicos(3).

    O envelhecer normal est ligado capacidade de adaptao do indivduo aos rigores e s agresses do meio ambiente. Assim, cada sujeito envelhece a seu mo-do, dependendo de variveis como o sexo, origem, lugar em que vive, tamanho da famlia, aptides para a vida e as experincias vivenciadas. A exposio ao estresse ou ao tabagismo, a falta de exerccios ou a nutrio inadequada so outros fatores que contribuem para determinar a qua-lidade do envelhecimento(4).

    O envelhecimento e a doena no podem ser tratados como fatores intimamente dependentes ou interligados,

    porm existe maior vulnerabilidade a adoecer, ou seja, uma predisposio doena(5).

    A sade e a qualidade de vida dos idosos, mais que em outros grupos etrios, sofrem influncia de mltiplos fa-tores: fsicos, psicolgicos, sociais e culturais, de tal forma que avaliar e promover a sade do idoso significa conside-rar variveis de distintos campos do saber, numa atuao interdisciplinar e multidimensional.

    A assistncia ao idoso deve prezar pela manuteno da qualidade de vida, considerando os processos de per-das prprias do envelhecimento e as possibilidades de preveno, manuteno e reabilitao do seu estado de sade.

    Considerando que o processo sade-doena um fe-nmeno complexo, socialmente determinado e modula-do por condicionantes biolgicos, psicolgicos, culturais, econmicos e polticos, as necessidades de sade dos ido-sos referem-se a mltiplas dimenses do real e dizem res-peito singularidade dos fenmenos de sade ou doena que afetam os indivduos e suas famlias(6-7).

    Tal como as demais necessidades huma-nas, as necessidades de sade so social e historicamente determinadas e situam-se entre natureza e cultura, ou seja, no dizem respeito to somente conservao da vida, mas realizao de um projeto em que o in-divduo, situado entre o particular e o gen-rico, progressivamente se humaniza(8).

    Apesar dessas colocaes, na sociedade ocidental a preocupao com o envelheci-mento das populaes e suas consequncias

    psicolgicas, sociais e econmicas recente e a ateno tem sido orientada e limitada a certos auxlios s necessi-dades biolgicas de alimentao, sade fsica e asilo.

    Como prtica social, o cuidado organiza-se para aten-der necessidades de sade; entretanto, pode ou no cor-responder s necessidades concretas dos grupos sociais, visto que as relaes entre as necessidades de sade e as prticas de cuidado podem estar dissociadas, apreendidas a partir dos significados econmicos, polticos e ideolgi-cos, captados em sua historicidade e em sociedades con-cretas. Podem ainda ser apreendidas pelos resultados que produzem, ou seja, pela capacidade de produzir modifica-es nos perfis de sade-doena de uma dada populao. Essa segunda perspectiva remete compreenso e ava-liao das caractersticas e dos resultados das prticas em sade em funo de sua utilidade, viabilidade, exatido e tica.

    funo das polticas de sade contribuir para que mais pessoas atinjam idades mais avanadas com o me-lhor estado de sade possvel, ou seja, o envelhecimento ativo e saudvel o grande objetivo nesse processo. Se considerarmos a sade de forma ampliada, torna-se ne-

    O envelhecer normal est ligado capacidade de

    adaptao do indivduo aos rigores e s agresses do meio

    ambiente.

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    cessria alguma mudana no contexto atual em direo produo de um ambiente social e cultural mais favorvel populao idosa(9).

    A ideia de que a velhice dominada pela doena nem sempre se mostra como realidade, pois, mesmo existindo perdas, tanto no nvel biolgico como econmico, social e psicolgico, a manuteno das atividades e do engajamen-to social e familiar favorece o envelhecimento saudvel.

    Na busca de oferecer melhores condies de assistir o idoso e preocupado com a projeo de aumento des-sa populao na sociedade brasileira, o Estatuto do Idoso (Lei n 10.741, de outubro de 2003) representa um gran-de avano na legislao, embora ainda exista uma grande lacuna entre desejo e realidade(10).

    O reconhecimento e o enfrentamento das necessida-des de sade esto estreitamente vinculados a princpios bsicos do Sistema nico de Sade (SUS), em especial aos conceitos de integralidade e equidade, na medida em que exigem por parte das equipes de sade o esforo de traduo e atendimento dessas necessidades, exigindo aes articuladas e complementares, no cuidado de cada profissional, de cada equipe e da rede de servios de sa-de(11), que, por sua vez, dependem de informaes atuali-zadas, concretas e especficas dos diversos segmentos da comunidade.

    Facilitar o acesso da populao idosa aos servios de sade, principalmente tendo como porta de entrada a Ateno Bsica, considerando suas limitaes, deve ser a preocupao dos profissionais de sade(12- 13).

    Buscando conhecer o cotidiano dos idosos

    Em relao sade do idoso, vrios so os aspectos que inquietam. De um lado, o envelhecer como um pro-cesso progressivo de diminuio de reserva funcional a senescncia e, do outro, o desenvolvimento de uma condio patolgica por estresse emocional, acidente ou doenas a senilidade(1). Ambos exigem intervenes dos profissionais de sade, com atuaes focadas nesse seg-mento populacional.

    O maior desafio na ateno pessoa idosa contribuir para que, apesar das progressivas limitaes que possam ocorrer, ela possa redescobrir possibilidades de viver sua prpria vida com a mxima qualidade possvel. Essa pos-sibilidade aumenta medida que a sociedade considera o contexto familiar e social e consegue reconhecer as po-tencialidades e o valor das pessoas idosas, pois parte das suas dificuldades est mais relacionada a uma cultura que as desvaloriza e limita.

    A importncia do grupo de pesquisa A Senescncia e Senilidade: Desafios no Cuidar em Sade reveste-se na busca de subsdios do cotidiano dos idosos que frequen-tam ou no as unidades de sade, bem como no domiclio, de modo a possibilitar o desenvolvimento de programas e

    aes para profissionais de sade, que visem alcanar a com-preenso da significativa experincia do cuidar, almejando a manuteno do equilbrio no processo sade-doena. Assim, vrios temas tm sido eleitos como objeto de pesquisa, dos quais podemos destacar a integralidade na assistncia sade do idoso, os agravos sua sade, o enfrentamen-to da doena crnica e o cuidado no domiclio.

    Considerando que a possibilidade de organizao dos sistemas de sade est vinculada a fatores de ordem poltica, administrativa e gerencial, socioeconmica e cul-tural, entre outros, a implantao e a consolidao do SUS tm encontrado dificuldades em como os sistemas e as prticas de sade se organizam, no nvel local, para o atendimento s necessidades de sade da populao, dificultando a afirmao de seus princpios bsicos, como universalidade do acesso, equidade, integralidade, re-solubilidade, descentralizao e controle social(14), que se agrava quando se trata da populao idosa(12).

    Com vistas a compreender essa dinmica e os meca-nismos envolvidos nos processos de ateno ao idoso, buscamos conhecer o funcionamento de sistemas locais de sade, as experincias concretas de gestores, gerentes e trabalhadores das Equipes Sade da Famlia (ESF), espe-cialmente naquelas em que o crescimento dessa populao vem chamando a ateno, como o caso do Municpio de Santos, SP, atravs do vis da integralidade. Verificamos que, a despeito das dificuldades de implantar o SUS e, con-sequentemente, de programas que atendam as necessida-des dos idosos, percebe-se que h inteno dos gestores nessa busca, assim como de toda a ESF, e um esforo espe-cial para atender a esse seguimento populacional(13).

    O aumento de traumas nos idosos outro aspecto que tem chamado a ateno dos gestores em sade, vis-to que, alm dos agravos decorrentes desse incidente, se somam as doenas degenerativas, comuns nessa faixa etria e que comprometem a recuperao e a reinsero desse segmento na comunidade. Buscar indicadores para a preveno do trauma, principalmente aqueles provoca-dos por quedas, que o mais comum entre os idosos, foi objetivo de outra investigao que sinalizou para a ques-to de gnero, as medicaes de uso contnuo, problemas de audio e viso, presena de cuidador, como pontos a serem apontados para o risco de quedas(15).

    Considerando ainda os aspectos vinculados preven-o, indicadores tais como o aumento de doenas sexu-almente transmissveis (DST/AIDS) em idosos outro desafio que a Ateno Bsica (AB) enfrenta, pois, ao negli-genciar a sexualidade nessa populao, investe pouco na preveno e no controle, aumentando no s a incidncia desses agravos como seu diagnstico tardio(16-17). Nossas investigaes tm constatado o despreparo dos profissio-nais de sade para essa abordagem, assim como o pouco investimento em educao e preveno, indicando a per-manncia de estigmas em relao s DSTs, assim como os mecanismos para a sua preveno(16).

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    Muitos idosos so acometidos por DANT, que reque-rem acompanhamento constante. Essas condies crni-cas tendem a se manifestar de forma mais expressiva na idade mais avanada e frequentemente esto associadas a outros agravos (comorbidades). Ainda que no sejam fatais, tendem a comprometer de forma significativa a qualidade de vida dos idosos(9). Identificar formas para seu enfrentamento outro tema que tem despertado nosso interesse.

    Verificamos que, ainda que os profissionais de sade pouco utilizem essa abordagem, a espiritualidade, a reli-giosidade e a f interferem de maneira positiva no enfren-tamento da doena crnica e seus agravos e fortalecem a resilincia dos idosos, melhorando assim a sua qualidade de vida(18).

    A desospitalizao, com a consequente desinstitucio-nalizao do cuidado, est se tornando uma prtica co-mum. A existncia de uma poltica voltada para os idosos, sem que exista um programa governamental direcionado populao idosa portadora de dependncia, adicionada falncia do sistema previdencirio, faz com que a famlia paulatinamente se torne uma das nicas fontes de recur-so para o cuidado do idoso dependente.

    no domiclio que a famlia se desenvolve fsica, emo-cional, mental e espiritualmente; onde se estabelecem as relaes interpessoais, permeadas por crises e confli-tos. Nos momentos de doena, os membros da famlia ne-cessitam de apoio, objetivando a superao, a adaptao e o crescimento nas relaes de autoajuda e cuidado(19). Nesse sentido, alguns autores(20) referem que, em cada fa-mlia e para cada indivduo, os significados atribudos s suas experincias so nicos; dessa forma, devem ser res-peitadas suas singularidades e suas especificidades.

    Para o grupo de idosos cuidados no domiclio, h outro problema, relacionado ao cuidador. O papel do cuidador, familiar ou no, passa a ter importncia fundamental na assistncia do indivduo, especialmente se esta ocorre no domiclio. Em geral, as responsabilidades do cuidar reca-em sobre o cuidador.

    Esse contexto desafiador foi outro tema investigado, evidenciando que o cuidado domicilirio a um indivduo portador de um agravo sade, seja ele fsico ou mental, expe a famlia a uma srie de desafios significativos, prin-cipalmente pelas alteraes do modelo de famlia. Com o empobrecimento da populao, as mulheres passam a integrar a fora de trabalho, o que as leva a deixar o domi-clio para reforar o oramento familiar. Esse fenmeno evidenciado pelo aumento de ncleos familiares compos-tos apenas por idosos, mulheres e seus filhos menores. Esse novo papel na vida feminina faz com que muitas ve-zes a famlia fique nas mos dos idosos, que, por sua vez, acabam assumindo as tarefas domsticas, assim como o cuidado domiciliar ao enfermo(21).

    A existncia e a amplitude desses problemas, consi-derados naturais no olhar da sociedade, desencadeada por uma situao nem sempre planejada ou at mesmo trabalhada junto aos familiares, culminando por recair em um determinado membro do ncleo familiar, escolhido dentre seus componentes. Ao eleito nem sempre opor-tunizada a escolha dessa responsabilidade, diante das condies circunstanciais dos demais membros da famlia. Com a nova situao, a estrutura e o cotidiano familiar, at ento organizados dentro de determinados padres, sofrem variaes, principalmente pelo grau de limitao e dependncia do indivduo doente, se idoso. Assim, a instalao da doena no se restringe apenas a um nico ser, culminando por interferir em toda a dinmica fami-liar, principalmente quando h idosos cuidando de idosos, expondo-os a uma srie de desafios significativos(21).

    A necessidade de servios de suporte para esses sujei-tos sociais comea a surgir com uma grande premncia. Estudos destacam a capacitao de recursos humanos na rea da sade para o desenvolvimento de um trabalho junto populao, principalmente a idosa, apontando para a carncia por parte dos familiares de mais informa-es a respeito da doena, dos cuidados requeridos para o atendimento do doente, bem como de uma rede de su-porte social(22).

    Na busca da reduo precoce dos problemas de sade advindos da tarefa de cuidar, devem ser includas estrat-gias passveis de multiplicao, tais como cursos de capa-citao para cuidadores e o redirecionamento dos servios pblicos de sade, de modo a contemplar a assistncia do-miciliria, associada a uma reviso na formao acadmica dos profissionais de sade, com um enfoque maior para a assistncia populao idosa emergente(23-24).

    concLuSo

    funo das polticas de sade contribuir para que mais pessoas alcancem as idades avanadas com o melhor estado de sade possvel. O envelhecimento saudvel e ativo o grande objetivo nesse processo. Se considerarmos sade de forma ampliada, tornam-se necessrias mudanas no contexto atual em direo produo de um ambiente social e cultural mais favor-vel populao idosa.

    Como vimos, muitos so os caminhos para buscar o conhecimento para embasar e fortalecer o cuidado ao idoso. O reconhecimento desses fatores, que en-volvem valores, crenas, comportamentos e prticas da populao e dos profissionais de sade, essencial para que se compreenda de que forma os sistemas de sade e, mais especificamente, os processos de tra-balho em sade estruturam-se para o reconhecimento

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    e o enfrentamento das necessidades de sade da po-pulao idosa.

    Considerando os escassos recursos pblicos dispo-nveis do setor sade, devemos utilizar estratgias para compreender o processo de desgaste e fortalecimento do idoso, da famlia e do cuidador familiar para tornar possvel o desencadeamento de aes na promoo da sade e preveno do desequilbrio no processo sade/doena desses atores sociais.

    O profissional de sade, para atender a necessida-de de sade do idoso, deve ter sensibilidade para com-preend-lo em seu contexto sociocultural e fortalecer a responsabilizao e o entendimento de sua condio limitante, assim como de suas potencialidades.

    O grande desafio para este milnio construir uma conscincia coletiva de forma a que tenhamos uma so-ciedade para todas as idades, com justia e garantia plena de direitos.

    reFernciAS

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    Senescncia e senilidade: novo paradigma na Ateno Bsica de SadeCiosak SI, Braz E, Costa MFBNA, Nakano NGR, Rodrigues J, Alencar RA, Rocha ACAL

    correspondncia: Suely Itsuko CiosakEscola de Enfermagem da USPAv. Dr. Enas de Carvalho Aguiar, 419 Cerqueira CesarCEP 05403-00 So Paulo, SP, Brasil

    21. Braz E. Entre o visvel e o invisvel: as representaes sociais no cotidiano do senescente cuidador de idosos dependen-tes [tese doutorado]. So Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de So Paulo; 2009.

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