Envelhecer: incapacidade de ver a beleza

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Reportagem interpretativa produzida para o website de crítica de mídia Canal da Imprensa. Edição 154: Indústria da Beleza (13/04/2015 a 26/04/2015).

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Envelhecer: incapacidade de ver a beleza 

Por Thamires Mattos

Desde pequena, Amanda percebeu que as crianças são flores com espinhos,

ou seja, ao seu ver, elas podem ser preconceituosas. No início do Ensino

Fundamental, a menina tinha uma aparência diferente das colegas. Na época,

seus pais estavam separados e seu pai decidiu cortar o cabelo da criança.

Quando olhou para o novo visual, Amanda achou “ridículo”. Por isso, passou

por outro corte de cabelo para reparar o primeiro penteado. A mãe aprovou,

pois acreditava que seria uma maneira de prevenir piolhos, os quais são

comuns em ambiente escolar. Ela já não tinha mais as madeixas longas e

castanhas de antes. Ao chegar à sala de aula, foi recepcionada com ofensas e

xingamentos.

 

A temática das conversas paralelas faziam alusão à dúvida da feminilidade da

jovem. “Certa vez eu fui em direção ao banheiro feminino e meus colegas

trancaram a entrada. Eles me obrigaram a usar o banheiro masculino. Chorei

muito”, lembra com tristeza a hoje mulher, universitária e dona de um longo

cabelo, Amanda Salomoni. A jovem acredita que o padrão de beleza imposto

sobre ela durante a infância afeta sua vida até hoje.

 

Histórias como a de Amanda não são isoladas. De acordo com uma pesquisa

divulgada em 2010 pela organização não- governamental Rathbone, 56% das

jovens inglesas e galesas de 16 a 22 anos sofreram abuso verbal, físico ou

online por conta de sua altura, peso ou estilo de cabelo. Já no Brasil, o Instituto

de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) chegou a conclusão em 2012 de que

alunos obesos da rede pública e privada de ensino são grandes vítimas de

preconceito e agressão. Cerca de 132 mil estudantes do 9º ano do Ensino

Fundamental participaram da pesquisa. Entre eles, 54% que se acham “muito

gordos” afirmam que são vítimas de bullying na rede pública. Já nas escolas

particulares, essa porcentagem sobe para 63%.

 

Atuação da mídia na Indústria da Beleza

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De acordo com a doutora em Ciências Sociais Paula Melani Rocha, a mídia

representa e explora estereótipos de beleza muito distantes da realidade. “Há

um aumento da busca pela perfeição. Isso cria uma insatisfação com o corpo e

incentiva o consumo excessivo de cosméticos. Ser ‘inalcançável’ é o que

aumenta a busca”, afirma Paula. A socióloga também ressalta que não são

apenas jovens que sofrem com a pressão por aspecto belo. “Podemos tomar

por exemplo as mulheres que trabalham em frente às câmeras. Elas devem

seguir um padrão de aparência que esteja de acordo com os valores de nossa

sociedade em geral. Na grande maioria, não vemos mulheres acima de

cinquenta ou sessenta anos apresentando jornais. Até pouco tempo atrás, nem

cabelos cacheados ou compridos eram utilizados”, lembra.

 

Já a coordenadora do Curso de Tecnologia em Cosmetologia e Estética da

Universidade do Vale do Itajaí - Univali, Juliana Cristina Gallas, discorda da

visão da socióloga. Juliana argumenta que “o mercado não exige um padrão de

beleza, e sim funcionários saudáveis. Se analisarmos obesidade como doença,

alguém obeso sempre colocará em dúvida o seu rendimento. Por isso,

empregadores sempre terão também ressalvas”. Entretanto, a esteticista

destaca que, mesmo que a mídia e a sociedade enalteçam um padrão de

beleza “magro”, isso nem sempre é verdadeiro. Pois, ser uma pessoa magra

não é sinônimo de ser uma pessoa saudável.

 

Paula opina que no jornalismo esportivo a exigência pela “aparência perfeita”

aumenta, pois a audiência é majoritariamente masculina. “Nesse caso, não se

preza apenas pelo conteúdo, pois ele está atrelado à aparência que, por sua

vez, está ligada à construção cultural da mulher como um ser sedutor e atrativo

aos homens. Dessa forma, é fácil perceber que vivemos em uma sociedade

machista”, diz a doutora em Ciências Sociais.

 

Mudanças de comportamentoMesmo em uma sociedade em que o machismo impera, a socióloga reconhece

que muitos comportamentos estão mudando – inclusive por causa da Indústria

da Beleza. “Agora, os homens também podem se cuidar. Isso revela um dos

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grandes poderes desse mercado que é muda a cultura em vigor e, também, o

jeito de agir das pessoas”, explica Paula.

 

De acordo com a cosmetóloga Juliana Gallas, o mercado da beleza está em

crescimento há 10 anos e vem se preocupando com a qualidade dos produtos

e serviços oferecidos. Contudo, mesmo assim, o indivíduo que passa por

tratamentos de beleza e cirurgias plásticas deve se preocupar com os

procedimentos pré e pós-cirúrgicos. “Muitas pessoas entendem a cirurgia

plástica como um processo fácil para ficar mais bonito, emagrecer. Na

realidade, pode acontecer um efeito contrário se precauções não forem

tomadas. Esse tipo de processo auxilia e favorece a manutenção da estética do

corpo, mas não é a única ferramenta para isso. A pessoa deve fazer os devidos

exames e passar por um acompanhamento profissional para que não tenha

nenhum prejuízo durante ou após a operação”, argumenta Juliana.

 

Tendências do mercado estéticoO Brasil já lidera o ranking de cirurgias plásticas - dos 11,6 milhões de

procedimentos realizados no mundo, 12,9% são feitos em nosso país. Indo na

contramão de outros setores do mercado que sofrem com a crise econômica

internacional, a Indústria da Belezafatura cada vez mais. O chamado “Índice

batom” foi notado, pela primeira vez, pelo presidente da fábrica de cosméticos

americana Estée Lauder, Leonard Lauder. Logo após a queda das Torres

Gêmeas e a baixa atividade econômica estadunidense em 2001, a venda de

cosméticos cresceu.

 

De acordo com informações da Associação Brasileira da Indústria de Higiene

Pessoal e Perfumaria (Abihpec), em 2010, ano em que o Brasil cresceu 7,5%,

o lucro do setor foi de aproximadamente R$ 30 bilhões. Com a previsão de

aumento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2014 em apenas 0,15%, a

expectativa de rendimento do setor em 2015 é de R$ 42,6 bilhões – 42% a

mais do que em 2010.

 

Seria a Indústria da Beleza tanto um “baú do tesouro” quanto uma “fonte da

juventude” não-mitológica? Para Juliana Gallas, sim. “Quando você compara a

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crise que vivemos em nosso país e analisa uma clínica de estética, é possível

perceber que as pessoas não deixaram de consumir esses produtos. Alguns

itens do mercado da beleza se tornaram prioritários. As ofertas de serviço e de

procura aumentaram”, confirma a cosmetóloga. Já Paula Rocha tem outra

opinião: “a curto prazo, a tendência da nossa sociedade é cuidar mais da

estética; mas, a longo prazo, não temos como saber. Alguns salões de beleza

que resistiram à crise já estão fechando”, diz a socióloga.

 

O escritor tcheco Franz Kafka (1883-1924) acreditava que “quem possui a

faculdade de ver a beleza não envelhece”. Assim, a busca pela fonte da

juventude é desnecessária, já que a verdadeira jovialidade e perfeição não

derivam apenas de aspectos exteriores, mas sim da capacidade de enxergar

também o cerne humano.