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entrevista Um ano depois de sancionada a lei que criou o Ministério da Pesca e Aquicultura (Lei 11.958, de 26/6/2009) e a nova Lei de Pesca (11.959, de 30/6/2009), a Revista ECOAVENTURA dá voz a um dos principais atores no palco de discussão para o crescimento da pesca esportiva no País. O engenheiro agrônomo João Carlos Kruel, que está à frente da Apego (Associação de Pescadores Esportivos de Goiás) e da FBPE (Federação Brasileira de Pesca Esportiva), fala sobre os principais desafios a serem superados para a consolidação do tripé pesca esportiva, conservação ambiental e ecoturismo Não há mais espaço para POR: JANAÍNA QUITÉRIO l FOTOS: ARQUIVO ECOAVENTURA l ARTE: PAULA BIZACHO romantismo ambiental” entrevista l João Carlos Kruel 12 ecoaventura l PESCA ESPORTIVA, MEIO AMBIENTE E TURISMO Entrevista.indd 12 27/01/2012 17:07:31

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Entrevista publicada na Revista Ecoaventura 10, em julho de 2010: Um ano depois de sancionada a lei que criou o Ministério da Pesca e Aquicultura (Lei 11.958, de 26/6/2009) e a nova Lei de Pesca (11.959, de 30/6/2009), a Revista ECOAVENTURA dá voz a um dos principais atores no palco de discussão para o crescimento da pesca esportiva no País. O engenheiro agrônomo João Carlos Kruel, que está à frente da Apego (Associação de Pescadores Esportivos de Goiás) e da FBPE (Federação Brasileira de Pesca Esportiva), fala sobre os principais desafios a serem superados para a consolidação do tripé pesca esportiva, conservação ambiental e ecoturismo

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Um ano depois de sancionada a lei que criou o Ministério da

Pesca e Aquicultura (Lei 11.958, de 26/6/2009) e a nova Lei

de Pesca (11.959, de 30/6/2009), a Revista ECOAVENTURA

dá voz a um dos principais atores no palco de discussão

para o crescimento da pesca esportiva no País. O engenheiro

agrônomo João Carlos Kruel, que está à frente da Apego

(Associação de Pescadores Esportivos de Goiás) e da FBPE

(Federação Brasileira de Pesca Esportiva), fala sobre os

principais desafios a serem superados para a consolidação do

tripé pesca esportiva, conservação ambiental e ecoturismo

Não há mais espaço para“POR: JANAÍNA QUITÉRIO l FOTOS: ARQUIVO ECOAVENTURA l ARTE: PAULA BIZACHO

romantismo ambiental”

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Ecoaventura: Como resolução do Decreto Presidencial 6.981, de 13/10/2009, o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) coordena uma comissão, junto com o Ministério do Meio Ambiente, para promover um novo “ordenamento do uso sus-tentável dos recursos pesqueiros”. Qual tem sido a proposta apresen-tada por eles?

João Carlos Kruel: A proposta do Governo é priorizar o aspecto social das comunidades ribeirinhas — uma população de aproximadamente 600 mil pessoas, das quais 80% são analfabetas, e que realmente necessitava de um res-gate social. Assim, quando o Presidente Lula equiparou o pescador profissional ao produtor rural, que a partir de agora tem acesso ao crédito rural, mais barato, entre outras facilidades proporcionadas pela nova Lei de Pesca, ele propiciou a legítima dignidade — até então inexis-tente — a essa categoria. Entretanto, esse não é o fórum adequado para solu-cionar problemas dessa magnitude, pois não se trata de discutir um ordenamento social e, sim, de um recurso natural que, embora renovável, é finito — o peixe.

EA: Isso signifi ca que as autorida-des públicas não estão priorizando a conservação ambiental? E como se enquadra a pesca esportiva nes-sa discussão?

Kruel: Embora a lei preconize preo-cupações em resolver o processo de pressão sofrido pelo estoque pesqueiro, não está privilegiando esses temas, muito menos tem dado atenção ao de-bate sobre o enquadramento da pesca esportiva como alternativa de gestão e, sobretudo, de solução ambiental. Quando a nova lei foi editada, o poder público teve a oportunidade de incluir a pesca esportiva como categoria — em vez de ser tratada como subcatego-ria da pesca amadora.

EA: Qual a diferença entre pesca amadora e pesca esportiva?

Kruel: Esse é o grande dilema pelo qual o Governo está passando, pois ainda não conseguiu visualizar a abrangência desse segmento ao apenas considerar o ato de pescar e soltar. A diferença entre pesca esportiva e outras categorias é o seu compromisso com a conservação da natureza, com a qualidade da água, com a preservação das matas ciliares, com a geração de emprego e renda por meio do turismo de pesca — que é uma indústria limpa capaz de agregar muito mais para quem vive da pesca do que a venda de peixe a R$2 ou R$5. A pesca esportiva é o único segmento de pesca organizado no País, por meio do associa-tivismo, formado por pessoas compro-metidas com a causa do meio ambiente. É ela que representa a amadora, e não o contrário, como entendem as autorida-des públicas.

EA: E o que a FBPE e a Apego têm levado como proposição nas reuni-ões para o ordenamento pesqueiro?

Kruel: Na última reunião, que acon-teceu em Goiânia no fim de maio, pedimos para que fosse incluído na instrução normativa o reconhecimento da pesca esportiva como categoria, de forma que pudéssemos participar de um processo de ordenamento mais amplo e justo para todos. Isso porque é preciso mudar a concepção de pesca no País, ou seja, é preciso pensar a atividade como turística, esportiva, de conservação ambiental, além de fonte de trabalho. Tentamos demonstrar que não há interesses antagônicos, que não se deve dividir os segmentos entre os “preferidos” (pescadores profissionais com o tema de resgate social) e os “pre-teridos” (pescadores amadores e espor-tivos). Queremos rediscutir as normas que estabelecem as cotas de pescado. Como distribuir algo do qual sequer sabemos o tamanho? Assim, como não há dados, por precaução, reduz-se a cota para a pesca amadora de dez para cinco quilos, por exemplo.

Muito mais do que apenas pescar e soltar, a pesca esportiva é a realização plena da conservação ambiental e deveria receber políticas públicas como categoria, não subcategoria da pesca amadora

É preciso mudar a concepção de pesca no País, ou seja, pensar a atividade como turística, esportiva, de conservação ambiental, além de fonte de trabalho”

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De acordo com a Lei 11.959, rede é material predatório para a pesca amadora. E para a profi ssional, não? O risco de liberar para um é autorizar para todos, e aí o estoque terá inevitavelmente um fi m”

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EA: Esse diálogo com o MPA tem sido produtivo?

Kruel: Pouco. Embora o ministro, Alte-mir Gregolin, tenha criado áreas neces-sárias de interlocução com a sociedade, os representantes da pesca esportiva só têm voz e não voto. Assim, oferecem--nos um “prato feito” com as normas a serem discutidas, como se houvesse um consenso, e ignoram a divergência sobre os rumos da pesca esportiva.

EA: Então já existe um desenho de como será apresentada a proposta de ordenamento pesqueiro?

Kruel: Sim, há, digamos, um pré-orde-namento. E alguns pontos formulados são bastante preocupantes. Por exem-plo, o Defeso foi incluído no ordenamen-to geral da pesca, de tal forma que o Go-verno nos diz que só poderemos pescar em lugares onde não há peixe, ou seja, será proibido pescar durante o ano todo em embocadura de rios, corredeiras, confluência de lagos etc., como também no período de férias, quando saímos para pescar com a família. Entretanto, essa medida não alivia em nada para o estoque pesqueiro. A rediscussão da cota, sim. Além disso, a Lei 11.959 prevê a definição de material predatório. Para a pesca amadora, rede é predatória, e para a profissional, não? E o princípio da isonomia? O risco de liberar para um é autorizar para todos, e aí o estoque terá inevitavelmente um fim.

EA: Tendo em vista essas adversi-dades, você se considera otimista ou pessimista para a resolução desses confl itos?

Kruel: Estou extremamente otimista, pois vejo o crescimento do segmento a partir do empenho das pessoas e pela maturidade do processo, com maior profissionalização, maior responsabili-dade, compromisso ambiental, turismo responsável, prestação de serviço com maior qualidade aos pescadores esporti-vos, maior empenho da própria indústria na fabricação de materiais melhores e mais baratos. Tudo isso é um avanço enorme, inclusive no que diz respeito à predisposição do Governo em escutar. Agora cabe a nós uma competência técnica, científica e ter experiência — o que temos — para demonstrarmos que o ordenamento pesqueiro abrange todas as categorias e que só políticas públicas capazes de contemplar o conjunto da obra são a solução para cumprir, por lei, o aspecto de conservação ambiental previsto no novo ordenamento.

EA: Como a Revista ECOAVENTU-RA pode ajudar?

Kruel: Isso é algo novo. O que estou vendo da ECOAVENTURA e do futuro programa ECOAVENTURA NA TV é um comprometimento das pessoas envolvidas com o tripé meio ambiente, turismo e pesca esportiva. Qualquer uma das pernas desse tripé que não

funcionar vai comprometer a outra. Não há mais espaço para incompe-tência e tentativas. O espaço é agora para profissionalismo de todos os envolvidos, porque não só a sociedade está exigindo isso, como o momento histórico também. A abertura de um espaço para discussão sobre o turismo de pesca, baseado na sustentabilida-de ambiental e no uso racional desse recurso, é um aspecto essencial. É preciso socializar as informações, o que poderá até direcionar novos rumos, novas contribuições e descobertas de novos talentos e de pessoas capazes de contribuir com essas perspectivas.

O ordenamento de pesca brasileiro existe desde a criação do Ibama, em 1989. De lá pra cá, o estoque pesqueiro reduziu drasticamente, o que exige novas orientações para o setor

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