Entrevista para A Tribuna | Redes Sociais & Criminalidade

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LIDIANE DINIZ DA REDAÇÃO Uma rede social que reúne pes- soas a seus amigos e àqueles com quem trabalham, estu- dam e convivem. A descrição do Facebook revela que o ser humano, por natureza, tem a necessidade de fazer parte de grupos, compartilhar anseios e conquistas. Especialistas alertam, no en- tanto, que nem sempre isso ocorre como deveria. Da mes- ma maneira que as pessoas se utilizam da rede para tratar de assuntos importantes e unir es- forços em movimentos sociais, há quem faça uso desse meio virtual com objetivos não tão nobres. A discussão não é nova, mas volta à tona com a divulgação de mensagens e dados registra- dos no perfil de dois dos crimi- nosos detidos pela polícia na manhã de domingo, após assal- to a um grupo que praticava tamboréu nas areias da praia do Boqueirão, em Santos. Detidos, Higor Carvalho Cor- reira, 19 anos, e Gabriel Bispo Bezerra da Silva, 18 anos, são mais dois entre os milhões de usuários conectados a uma das redes que mais congrega mem- bros em todo o País e em outras partes do mundo. Utilizam seus perfis, assim como o de colegas, não apenas para mar- car encontros com os chama- dos “parças” (sic), mas tam- bém para fazer apologia às dro- gas, exibir fotos de ações e en- viar mensagens de apoio a com- panheiros que estão presos por relação com crimes. Profissionais que analisam mídias sociais afirmam ser par- te do perfil do brasileiro exibir suas conquistas e pensamen- tos para atrair a atenção de colegas e da família. “O mesmo acontece com os criminosos. Fora da internet eles já fazem questão de mostrar seus carros luxuosos e andar com corren- tes grossas no pescoço, que na rede são expostas como tro- féus”, pontua Wellido Teles, as- sessor de Comunicação Social do Centro Universitário Mon- te Serrat (Unimonte) e especia- lista em marketing digital. Ele aponta, no entanto, que é o sentimento de impunidade que tem reforçado esse tipo de postura na internet. Mesmo com dados acessíveis a qual- quer usuário cadastrado na re- de social, dificilmente ele será pego por algo postado. Por isso, Teles alerta para o cuidado que os demais cida- dãos devem ter ao postar em seus perfis no Facebook. “Às vezes, no ímpeto de comparti- lhar suas conquistas ou mes- mo por exibicionismo, muitas pessoas revelam números de documentos, o endereço da ca- sa e do trabalho. Não perce- bem o risco que correm. Elas tornam-se alvo fácil para indiví- duos com má intenção”. POLÍCIA A análise de perfis de supostos criminosos já é uma praxe en- tre os setores de inteligência da polícia, segundo o delega- do Seccional de Itanhaém e titular da Anti-Sequestro de Santos, Níemer Nunes Ju- nior. Ele aponta, inclusive, in- vestigações positivas que re- sultaram em prisões. “Em mui- tas situações, delinquentes fo- ram pegos e reconhecidos após postarem as conquistas de suas ações ilícitas. Mas é preciso lembrar que as redes também são utilizadas por eles como meio para chegar às novas vítimas”, reforça. Ele diz que a recomendação é não colocar detalhes consis- tentes sobre a vida e a rotina nesses ambientes virtuais. PERFIS Não são apenas os posts de Higor e Gabriel que eviden- ciam a participação de indiví- duos em ações ilícitas e em “quadrilhas”, como eles mes- mos denominam, em mensa- gens trocadas entre um gru- po. Mas a partir desses dois perfis é possível avaliar que o número de pessoas que utilizam as redes sociais pa- ra articular ações ilícitas, sem obstáculos, pode ser maior do que se imagina. Chama a atenção que am- bos os perfis, assim como os de “amigos” da rede, são mem- bros da comunidade “Paz, Justiça e Liberdade”, lema da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Os posts registrados ao lon- go do feriado também reve- lam que é por meio do Face- book que eles comunicam to- dos os passos, assim como os encontros em locais públicos e a movimentação: “to che- gando em casa na porta do meu prédio, logo comando da p.m. fiquei memo como (...) eu vo preso de novo; vá- rios boina, mas graças a deus susu” (sic). Após a prisão de Higor e Gabriel, as mensagens eram de apoio: “para os familiares do Gabriel e do Higor, ami- gos, parentes, família, nós es- tamos com vcs 2. Deus é com vcs, nos te amamos muito, es- tamos torcendo, tudo vai da certo. É nois, fé em deus” (sic). ❚❚❚ Na manhã de ontem, o grupo que joga tamboréu na praia deixou de lado o espor- te na areia para dar lugar ao jogo de cartas. A mudança, no entanto, não foi suficiente para esquecer o crime ocorri- do há três dias, a poucos me- tros da barraca onde ocor- rem os encontros nos finais de semana e feriados. Foram muitos os amigos de Daniel Sampaio Junior, que segue internado na San- ta Casa em razão de um tiro no rosto, que passaram pelo local para ter notícias dos companheiros de esporte. A cada um que chegava, a polê- mica sobre o crime ocorrido domingo e a onda de violên- cia que assola a Cidade ganha- va novo impulso. O comerciante Gerson Luiz da Silva, que também teve sua corrente levada pelo grupo no domingo, fez ques- tão de frisar o que já havia dito à Reportagem no dia anterior. “A população não deve se calar diante da ação de bandidos”. Ele acredita que é preciso registrar nas delegacias mesmo os peque- nos furtos, para que os índi- ces de criminalidade corres- pondam à realidade enfrenta- da pela população. Apesar de alguns não acre- ditarem que a ação será sufi- ciente para reverter a onda de crimes, o grupo concorda que cruzar os braços não mu- dará nada. “Vamos tentar, juntamente com o pessoal da liga do tamboréu e outras entidades esportivas, fazer al- go que chame a atenção”, adianta. Eles afirmam, no entanto, que as pequenas infrações já ocorrem com frequência no calçadão da praia e nas ruas que dão acesso à orla, no bairro Boqueirão. “A novida- de nesse caso é o disparo contra alguém na areia. Mas vários já tiveram objetos rou- bados por bandidos em ruas próximas”, cita o responsá- vel pela barraca, Wagner Monteiro. HELICÓPTERO TAMBÉM Diferente do cenário descrito por ambulantes, trabalhado- res e banhistas que estiveram no local domingo pela ma- nhã, ontem a Reportagem identificou várias viaturas e policiais em diferentes pon- tos da orla da praia. Peruas da Guarda Municipal circula- vam pela areia. Turistas e munícipes tam- bém disseram que ontem foi possível avistar o helicóptero da Polícia Militar em patru- lhamento pela orla da praia, em diversos momentos. Na segunda-feira, o co- mando da Polícia Militar foi procurado para informar o número de homens que com- puseram o efetivo durante os dias do feriado prolonga- do. O setor de Comunicação do 6º Batalhão avisou que não poderia divulgar esse da- do, mas que a corporação dispõe de estratégia que ga- rante a segurança dos muní- cipes e de turistas que estão na Cidade. Grupo pede reforço no policiamento Veículos da Guarda Municipal circulavam ontem pela areia da praia e havia viaturas e policiais em alguns pontos. Helicóptero da Polícia Militar realizava patrulhamento em diversos momentos durante o feriado Falta de segurança na orla da praia santista volta ao debate depois do ocorrido no domingo, quando bandidos assaltaram e atiraram em jogadores de tamboréu. Criminosos divulgam ações pela internet A face do crime exposta na rede social Pelo Facebook, marginais combinam movimentações ilícitas, mostrando que site é usado na união de esforços para o bem e para o mal Câmeras são instaladas ao longo da orla, na tentativa de evitar crimes FOTOS CARLOS NOGUEIRA Quarta-feira 21 A TRIBUNA Local A-3 [email protected] novembro de 2012 www.atribuna.com.br

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Fui um dos entrevistados nesta reportagem de A Tribuna, de 21 de novembro de 2012, sobre a exibição de criminosos em redes sociais, como o Facebook, destacando seus atos ilícitos como troféus.

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Page 1: Entrevista para A Tribuna | Redes Sociais & Criminalidade

LIDIANEDINIZ

DAREDAÇÃO

Umaredesocialquereúnepes-soas a seus amigos e àquelescom quem trabalham, estu-dam e convivem. A descriçãodo Facebook revela que o serhumano, por natureza, tem anecessidade de fazer parte degrupos, compartilhar anseiose conquistas.Especialistas alertam, no en-

tanto, que nem sempre issoocorre como deveria. Da mes-ma maneira que as pessoas seutilizam da rede para tratar deassuntos importantes eunir es-forços em movimentos sociais,há quem faça uso desse meiovirtual com objetivos não tãonobres.A discussão não é nova, mas

volta à tona com a divulgaçãodemensagens edados registra-dos no perfil de dois dos crimi-nosos detidos pela polícia namanhãdedomingo,apósassal-to a um grupo que praticavatamboréu nas areias da praiadoBoqueirão,emSantos.Detidos,HigorCarvalhoCor-

reira, 19 anos, e Gabriel BispoBezerra da Silva, 18 anos, sãomais dois entre os milhões deusuários conectados a uma das

redesquemaiscongregamem-brosemtodooPaíseemoutraspartes do mundo. Utilizamseus perfis, assim como o decolegas, não apenas para mar-car encontros com os chama-dos “parças” (sic), mas tam-bémparafazerapologiaàsdro-gas, exibir fotos de ações e en-viarmensagensdeapoioacom-panheirosque estãopresosporrelaçãocomcrimes.Profissionais que analisam

mídiassociaisafirmamserpar-te do perfil do brasileiro exibirsuas conquistas e pensamen-tos para atrair a atenção decolegaseda família. “Omesmoacontece com os criminosos.Fora da internet eles já fazemquestãodemostrar seus carrosluxuosos e andar com corren-tes grossas no pescoço, que narede são expostas como tro-féus”,pontuaWellidoTeles,as-sessor de Comunicação Socialdo Centro Universitário Mon-teSerrat(Unimonte)eespecia-listaemmarketingdigital.Eleaponta,noentanto,queé

o sentimento de impunidadeque tem reforçado esse tipo depostura na internet. Mesmocom dados acessíveis a qual-quer usuário cadastrado na re-

de social, dificilmente ele serápegoporalgopostado.Por isso, Teles alerta para o

cuidado que os demais cida-dãos devem ter ao postar emseus perfis no Facebook. “Àsvezes, no ímpeto de comparti-

lhar suas conquistas ou mes-mo por exibicionismo, muitaspessoas revelam números dedocumentos,o endereçodaca-sa e do trabalho. Não perce-bem o risco que correm. Elastornam-sealvofácilparaindiví-

duoscommáintenção”.

POLÍCIA

Aanálise deperfis de supostoscriminosos já é uma praxe en-tre os setores de inteligênciada polícia, segundo o delega-do Seccional de Itanhaém etitular da Anti-Sequestro deSantos, Níemer Nunes Ju-nior. Ele aponta, inclusive, in-vestigações positivas que re-sultaramemprisões. “Emmui-tas situações, delinquentes fo-ram pegos e reconhecidosapós postarem as conquistasde suas ações ilícitas. Mas épreciso lembrar que as redestambém são utilizadas poreles comomeio para chegar àsnovasvítimas”, reforça.Ele diz que a recomendação

é não colocar detalhes consis-tentes sobre a vida e a rotinanessesambientesvirtuais.

PERFIS

Não são apenas os posts deHigor e Gabriel que eviden-ciamaparticipaçãode indiví-duos em ações ilícitas e em“quadrilhas”, como eles mes-mos denominam, em mensa-gens trocadas entre um gru-po. Mas a partir desses dois

perfis é possível avaliar queo número de pessoas queutilizam as redes sociais pa-ra articular ações ilícitas,sem obstáculos, pode sermaior doque se imagina.Chama a atenção que am-

bos os perfis, assim como osde“amigos”darede,sãomem-bros da comunidade “Paz,Justiça eLiberdade”, lemadafacção criminosa PrimeiroComandodaCapital (PCC).Ospostsregistradosaolon-

go do feriado também reve-lam que é por meio do Face-bookque eles comunicam to-dos os passos, assim como osencontros em locais públicose a movimentação: “to che-gando em casa na porta domeu prédio, logo comandoda p.m. fiquei memo como(...) eu vo preso de novo; vá-rios boina, mas graças a deussusu”(sic).Após a prisão de Higor e

Gabriel, as mensagens eramde apoio: “para os familiaresdo Gabriel e do Higor, ami-gos, parentes, família, nós es-tamos com vcs 2. Deus é comvcs, nos te amamosmuito, es-tamos torcendo, tudo vai dacerto.Énois, féemdeus” (sic).

❚❚❚ Na manhã de ontem, ogrupo que joga tamboréu napraia deixou de lado o espor-te na areia para dar lugar aojogo de cartas. A mudança,no entanto, não foi suficientepara esquecer o crime ocorri-do há três dias, a poucos me-tros da barraca onde ocor-rem os encontros nos finaisde semana e feriados.Foram muitos os amigos

de Daniel Sampaio Junior,que segue internado na San-

ta Casa em razão de um tirono rosto, que passaram pelolocal para ter notícias doscompanheiros de esporte. Acada um que chegava, a polê-mica sobre o crime ocorridodomingo e a onda de violên-ciaque assola aCidade ganha-va novo impulso.O comerciante Gerson

Luiz da Silva, que tambémteve sua corrente levada pelogrupo no domingo, fez ques-tão de frisar o que já havia

dito à Reportagem no diaanterior. “A população nãodeve se calar diante da açãode bandidos”. Ele acreditaque é preciso registrar nasdelegacias mesmo os peque-nos furtos, para que os índi-ces de criminalidade corres-pondamà realidade enfrenta-da pela população.Apesar de alguns não acre-

ditarem que a ação será sufi-ciente para reverter a ondade crimes, o grupo concorda

que cruzar os braços nãomu-dará nada. “Vamos tentar,juntamente com o pessoal daliga do tamboréu e outrasentidades esportivas, fazer al-go que chame a atenção”,adianta.Eles afirmam, no entanto,

que as pequenas infrações jáocorrem com frequência nocalçadão da praia e nas ruasque dão acesso à orla, nobairro Boqueirão. “A novida-de nesse caso é o disparo

contra alguém na areia. Masvários já tiveram objetos rou-bados por bandidos em ruaspróximas”, cita o responsá-vel pela barraca, WagnerMonteiro.

HELICÓPTEROTAMBÉM

Diferente do cenário descritopor ambulantes, trabalhado-res e banhistas que estiveramno local domingo pela ma-nhã, ontem a Reportagemidentificou várias viaturas epoliciais em diferentes pon-tos da orla da praia. Peruas daGuarda Municipal circula-vampela areia.Turistas e munícipes tam-

bém disseram que ontem foipossível avistar o helicópteroda Polícia Militar em patru-lhamento pela orla da praia,emdiversosmomentos.Na segunda-feira, o co-

mando da Polícia Militar foiprocurado para informar onúmerodehomensque com-puseram o efetivo duranteos dias do feriado prolonga-do. O setor de Comunicaçãodo 6º Batalhão avisou quenãopoderiadivulgar esseda-do, mas que a corporaçãodispõe de estratégia que ga-rante a segurança dosmuní-cipes e de turistas que estãonaCidade.

Grupo pede reforço no policiamento

Veículos da Guarda Municipal circulavam ontem pela areia da praia e havia viaturas e policiais em alguns pontos. Helicóptero da Polícia Militar realizava patrulhamento em diversos momentos durante o feriado

Falta de segurança na orla da praia santista volta ao debate depois do ocorrido no domingo, quando bandidos assaltaram e atiraram em jogadores de tamboréu. Criminosos divulgam ações pela internet

AfacedocrimeexpostanaredesocialPelo Facebook, marginais combinammovimentações ilícitas, mostrando que site é usado na união de esforços para o bem e para o mal

Câmeras são instaladas ao longo da orla, na tentativa de evitar crimes

FOTOSCARLOSNOGUEIRA

Quarta-feira 21 ATRIBUNA Local [email protected] novembro de2012 www.atribuna.com.br