O jovem de hoje descobre, cada vez mais cedo, que não basta apenas ser um bom aluno e tirar boas no-tas para garantir um futuro profis-sional de qualidade. Há uma série de habilidades e competências que devem ser desenvolvidas, já nessa fase, para que o estudante possa desenvolver-se pessoal e profissio-nalmente de maneira correta.

É preciso avaliar se a escola está

efetivamente preparando os jovens para o mundo que o espera. O mundo do trabalho, com suas ca-racterísticas e dinâmicas próprias, é totalmente diferente do mundo escolar. É possível aos educadores fazer com que a escola, sem per-der a sua essência de formação educacional, desenvolva habilida-des necessárias à sobrevivência do estudante no mundo real?

Entrevista

| março 2008 13

P O R N A I R A P A S S O N I

[ M Á R I O S É R G I O C O R T E L L A ]

ATIVIDADES & EXPERIÊNCIASAtualmente, as organizações buscam profissionais com dinamismo, auto-nomia, habilidade para trabalhar em equipe. A escola de hoje forma um aluno com essas características?MÁRIO SÉRGIO CORTELLA Nem sempre; algumas escolas estão ini-ciando agora um trabalho pedagógico que escape de arcaísmos e, ao mesmo tempo, não deixe de proteger o tradicio-nal. No mais das vezes a escolarização pública ou privada é feita sem a eman-cipação epistemológica dos discentes, fazendo, por isso, com que se tornem meros depositários de informações acu-muladas em quantidades soterrantes.

A&E É papel da escola preparar o alu-no para a vida profissional?CORTELLA A vida profissional é par-te integrante da vida; desse modo, se-ria estranho que a escola se omitisse nessa dimensão. Evidentemente, com exceção das escolas de profissionali-zação específica (que preparam mais diretamente para trabalhar em algo), cabe ao restante preparar para o Tra-balho em geral. Uma sólida formação científica, consciência crítica e autô-noma e laços de cidadania e solidarie-dade social são os elementos que aju-dam nessa tarefa quando partilhados com discentes.

A&E O bom resultado na escola ga-rante um bom lugar no mercado de trabalho?CORTELLA De forma alguma. O bom resultado na escola é pré-requisito para o aproveitamento de oportuni-dades melhores, mas não há garantia em um mercado volátil e que se altera com velocidade. O mercado tem in-terfaces com o deslocamento do Ca-pital pelo planeta, o que faz com que

a rapidez das transformações impeça uma previsão infalível sobre postos de trabalho a ser sustentados com mais perenidade. Um exemplo? A indústria aeronáutica vivia um de seus melhores momentos em 2001; em setembro da-quele ano, um único e impactante fato quebrou parte das empresas. Outro exemplo? O agronegócio brasileiro se deslocou fortemente para a produção e exportação de grãos nos anos 1990; hoje, há uma substituição acelera-da por uso da terra na elaboração de combustível vegetal.

A&E A escolaridade básica deixou de ser diferencial nos dias de hoje. Quais habilidades devem ser desenvolvidas para garantir a empregabilidade?CORTELLA A primeira delas é a ca-pacidade de estar permeável para o aprendizado contínuo; nenhum e ne-nhuma de nós está mais qualificado, e sim em “estado permanente de qua-lificação”. A segunda é aumentar ao máximo o repertório de conhecimen-tos, por meio da ciência, da técnica, da arte, da filosofia, etc; um diferen-cial hoje é a criatividade e a iniciativa e essas decorrem de uma mente mais multidisciplinar, capaz de enxergar para além do óbvio.

A&E A preocupação em preparar para o lado profissional não deixa de lado a formação pessoal?CORTELLA Nós somos uma pessoa, e só uma; a isso chamamos “indivíduo”, ou seja, o que não se divide. Por isso, não existe vida “profissional”, vida “familiar”, vida “pessoal”. O que há é a vida da pessoa, com inúmeras ocor-rências concomitantes. Uma escola que ajude a preparar para um aspecto exclusivo e imediatista, está falhando na tarefa da formação integral.

O ser humano não deve se considerar

qualificado, mas em permanente

estado de qualificação

14 março 2008 |

A&E O que a escola deve fazer para não perder sua essência a ainda assim adequar-se aos novos tempos?CORTELLA A Escola é uma institui-ção social cuja essência fulcral é a ca-pacidade de cuidar: cuidar do conhe-cimento, cuidar do futuro, cuidar da cidadania, cuidar da educação esco-lar como instância de formação. Hoje temos, inclusive na escola, muitos “descuidos”, oriundos especialmente de uma certa arrogância de muitos de nós que, em um mundo de veloz mudança, supõe já saber o que faz. Esquece-se (e aí a essência se perde) que só é um bom ensinante quem também for um bom aprendente, e temos muito a aprender.

A&E Como as escolas acompanham as transformações do mercado de trabalho? As instituições de ensino sabem como incentivar os diferentes direcionamentos profissionais?CORTELLA Muitas escolas fazem um trabalho sério e contínuo de esclareci-mento dos discentes e das famílias. É preciso lembrar que nos nossos novos tempos não há mais uma correspon-dência linear entre “graduação” e “car-reira”, isto é, nem sempre o curso su-perior feito será traduzido em carreira naquela área. A complexificação do mercado de trabalho está conduzindo mais a uma preocupação com funções do que com cargos. Desse modo, a escola mais cuidante promove semi-nários, chama profissionais, provo-ca debates em torno da temática das carreiras e profissões. Não há como a escola estar acompanhando passo a passo o mercado, por serem instâncias com dinâmicas diferentes; o mercado muda de hoje para amanhã, enquanto a escola lida com gerações e com um tempo que não é tão elástico.

A&E Os professores estão preparados para lidar com essas mudanças?CORTELLA Uma pessoa inteligente e crítica, sendo professor ou não, está sempre preparada quando se dispõe a preparar-se continuamente. Se eu supuser que já sei o que preciso para ser docente, esqueci-me que atuamos com Vida, e Vida é Processo, e Proces-so é Mudança. Então, não preciso es-tar “partindo” o tempo todo, mas, isso sim, ficar em estado de prontidão para quando for necessário partir...

A&E Para finalizar. Quais competên-cias os alunos devem desenvolver para o mercado de trabalho?CORTELLA Cinco competências es-senciais necessitam estar presentes entre docentes e discentes: humildade, sinceridade, integridade, pluralidade e solidariedade. Humildade para saber que somos qualificantes, em vez de já qualificados; sinceridade para impe-dir ilusionismos que inundam as pro-messas de um mercado não sempre acolhedor; integridade para recusar a idéia maléfica do “fazemos qualquer negócio”; pluralidade para favorecer o convívio com as diferenças e o acolhi-mento das diversidades; solidarieda-de, para não abandonarmos o máxima da vida cooperativa: Ex pluribus unum (Um por todos; Todos por um).

MARIO SERGIO CORTELLA, filósofo, com Mestrado e Doutorado em Educa-ção, professor titular do Departamento de Teologia e Ciências da Religião e da Pós-Graduação em Educação (Cur-rículo) da PUC-SP (na qual atua desde 1977); docente convidado da Funda-ção Dom Cabral e do Gvpec/FGV-SP. Foi Secretário Municipal de Educação de São Paulo (1991/1992) e é autor, entre outras obras, de “A Escola e o Conhecimento” (Cortez), “Não Espere pelo Epitáfio...” (Vozes), “Não Nasce-mos Prontos!” (Vozes), e “Qual é a tua Obra: Inquietações Propositivas sobre Gestão, Liderança e Ética” (Vozes).

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