Entrevista Joel Rufino
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entrevista
Joel Rufino
Leitores se formam nasescolas em que hsincera afeio pela literatura
JJoel Rufino dos Santos um dos Nada abalou sua disposio denossos mais importantes escritores para falar sobre minorias ou sobre marginali-zados: ndios, negros, mulheres, pobres.Nos seus mais de 30 livros de literatura,so essas as suas personagens mais queri-das.
Dentre seus livros, muitos premia-dos, destacam-se: Quando voltei, tive umasurpresa (FTD), Uma estranha aventuraem Talalai (Global), O soldado que noera (Moderna), Quatro dias de rebelio(Jos Olympio), O curumim que virougigante (tica), O caador de lobiso-mem (Salamandra), Marinho, o mari-nheiro (Quinteto) e o mais recente: Ogrande pecado de Lampio e a sua terr-vel peleja para entrar no cu (Dimenso).
crianas e adolescentes. No por acaso,representa o Brasil no prmio de 2006 doIBBY Hans Christian Andersen, oNobel da Literatura Infantil.
Mas Joel muito mais do que isso,que j muito. Atua como intelectual eprofessor incansvel na discusso dos pro-blemas sociais, educacionais e culturaisbrasileiros se que essas questes podemser separadas.
Como historiador, teveHistria Nova do Brasil, escritaNelson Werneck Sodr, recolhida
sua
com
peladitadura militar. Ele mesmo foi recolhido priso de 1973 a 1974, alm de se terexilado certo tempo no Chile.
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Entrevista concedida aANTONIETA CUNHA
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Joel Rufino
Presena Pedaggica: Um dado impor-tante de sua obra que, mesmo emlivros de Histria do Brasil, voc umextraordinrio contador de histrias, e oleitor um ouvinte privilegiado. Qual aorigem dessa qualidade?Rufino: Supondo que possuo essa quali-dade a mim atribuda, seria um talentonatural. Muitos possuem o gosto deouvir boas histrias, leram grandes con-tadores (Dickens, Jack London, JorgeAmado, Cervantes, aquela Velha Totniade Z Lins...), mas no quer dizer quesejam, eles prprios, bons contadores dehistrias. Por outro lado, pessoas quenunca leram podem ter o gosto de ouvire contar histrias. Conclui-se, assim, queser um extraordinrio contador de his-trias natural, ou uma habilidadedesenvolvida especificamente ao longoda vida por algumas criaturas. Quandodigo talento natural, no me refiro aoinato, mas ao que se desenvolveu natural-mente durante a infncia e a adolescn-cia, graas a uma conjugao de fatoresdo temperamento e do meio social.
sual, a mesma que marcou para sempreFaulkner e Dostoivski, mas tambm oaparentemente sereno Machado de Assis.A partir dos 13 anos, quando comecei aler os grandes livros, me lembro de Olobo do mar (Jack London), A l e a neve(Ferreira de Castro), A volta ao mundo emoitenta dias (Jlio Verne), Terras do sem-fim (Jorge Amado), ramos seis (Sra.Leandro Dupr), A condessa Vsper e Ocoruja (Aluzio Azevedo), Os irmosKaramazov (Dostoivski), todo o LimaBarreto, mas sobretudo Clara dos Anjos,Policarpo Quaresma e Recordaes do escri-vo Isaas Caminha. Foram leituras demenino entrando na adolescncia. Notenho lembrana de livro que me impres-sionasse antes dos 13 anos, salvo a Bblia.No li nem leram pra mim MonteiroLobato. Das saudosas antologias escola-res, me lembro de uns retalhos de texto(Euclides da Cunha, Joaquim Nabuco,Graa Aranha, Machado, Mrio deAndrade...) e, vivamente, de um versoque dizia: Nem caminho deixam para osque l ficam. Penso que de um poemalongo de Vicente de Carvalho sobre oenterro de um menino, mas no sei, pre-feri nunca confirmar.
PP: Quais foram as suas leituras, nainfncia?Rufino: Tudo o que me caa nas mos:gibis, jornais, romances presenteados porparentes que apreciavam o meu vciode ler, seletas escolares (Meu tesouro,Caminho Suave, Antologia popular brasi-leira etc.). E, sobretudo a Bblia, noqualquer uma, mas a boa e velha Bbliaprotestante, de linguagem trgica e sen-
PP: O av Joel conta histrias para aneta Victoria? Que histrias voc/elaescolhe?Rufino: Uma graa de ser av ter netopra contar histrias. Contando-as praVictoria sinto-me minha av encarnada.Isso se chama atavismo, ou ancestralida-
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Muitos possuem o
gosto de ouvir
boas histrias,
leram grandes
contadores,
mas isso no quer
dizer que sejam,
eles prprios,
bons contadores
de histrias.
Por outro lado,
pessoas que
nunca leram
podem ter o gosto
de ouvir e contar
histrias.
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Joel Rufino
de: voc prolonga o antepassado no suces-sor. Victoria, como possivelmente todacriana, gosta das histrias com mistrio,algo que ningum viu, ningum sabe, queest l espreita para nos engolir. Demanh, acordando de frente para o mar,ela me disse: O mar parece uma paredeazul que as crianas rabiscaram. De fren-te para este mesmo mar, ela senta no meucolo e ouve histrias minhas ou de outros,novas ou antigas, tranqilizadoras ouhorrveis. Vai assim se humanizando. Dasminhas, Victoria parece gostar mais de Ocurumim que virou gigante. Descobriu umerro (e prometeu guardar segredo): naltima pgina conto que o curumim sedeitou na areia da praia e se esticou, cheiode vergonha. Depois, como que foi apa-recer em forma de ilha, em pleno mar? Ahistria boa, mas vov errou.
gnero menor. No creio que literaturapara crianas seja menor. literaturacomo a outra, exige talento, densidadetemtica e formal e verdade. Verdade a qualidade de ser convincente, seja l oque voc escreva. Mau escritor paracriana o que se vale de uma linguagemtatibitate para veicular reminiscnciassem grandeza, coisinhas, miudezas, liesmorais etc. Bom escritor para criana oque se vale de linguagem literria, em simesma incomum, para expressar a estra-nheza enorme com que o mundo se apre-senta a uma criana. Em suma, escrevopara criana com convico de que paracriana.
PP: Voc publicou h algum tempo Oque racismo, pela Brasiliense, e acabade publicar, pela Dimenso, O grandepecado de lampio e sua peleja paraentrar no cu. Qual a sua viso do racis-mo no Brasil de hoje?Rufino: Os brasileiros temos pavor deparecer racistas. Isso positivo, sabemosque algo vergonhoso e cruel. Noentanto, pelo menos num dos seus sen-tidos, a sociedade brasileira racista no sentido de forma prolongada dedominao de um (ou vrios) grupossobre outro (ou outros) com base noracialismo. Racialismo, que em simesmo no racismo, mas apenas umaignorncia, a crena de que a espciehumana se divide em raas, como osces. No caso da espcie humana oque nos vem ensinando a gentica
PP: Voc um escritor que conseguefalar tanto a crianas bem pequenasquanto a adolescentes e adultos. Muitosautores que escrevem para crianas tma preocupao de dizer que no escre-vem para o pblico infantil. O direcio-namento para tal pblico posterior escrita. Voc diria o mesmo de sua cria-o literria?Rufino: Quando escrevo para crianas,escrevo para crianas. Cada escritor sabede si. Ao dizer que no escrevem delibe-radamente para criana, mas para o leitorem geral, esses escritores talvez estejamintimidados pelo senso comum quepensa ser a literatura infanto-juvenil um
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No creio que
literatura para
crianas seja
menor. literatura
como a outra,
exige talento,
densidade
e verdade.
Verdade a
qualidade de ser
convincente, seja
l o que voc
escreva. Mau
escritor para
criana o que se
vale de uma
linguagem
tatibitate para
veicular
reminiscncias
sem grandeza,
coisinhas,
miudezas, lies
morais etc.
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raa a prpria espcie; o termo novale, portanto, para designar brancos,pretos, amarelos, caucasianos etc.
Nem todas as pessoas que crem naexistncia de raas so racistas. Racista outra coisa: quem usa essa errnea idiade raa como forma de dominao eco-nmica, social, poltica etc. Essa distin-o parece complicar a questo, mas necessria. H muito preconceito racialno Brasil, quem no o sofre tende asubestim-lo, ao contrrio de quem vtima dele mas preconceito racial no exatamente racismo. H quem nogoste de preto, h quem no goste debranco, de mulato, de nissei, de louro eassim por diante. mais ou menos comoquem no gosta de capixaba, de gacho,de paraba. Pura negatividade de quemno gosta e, por isso, no se aproximado outro. Pode estar perdendo algo: hgente boa e ruim em qualquer dessesgrupos. Tambm a discriminao racialainda no exatamente racismo: coinci-de com aquilo que os antroplogos cha-mam de etnocentrismo; nesse sentido,por exemplo, quase todos os povos apraticam (embora sem a noo modernade raa). Quando os jesutas chamavamos ndios de gentios e tentavam conver-t-los f crist, faziam discriminaoracial; tambm quando os tupis se auto-denominavam assim (tupi quer dizerfilhos de Tup), discriminavam todos osoutros (inclusive outros ndios) comofilhos sem criador, parentes dos piolhose samambaias.
Racismo no , pois, preconceito oudiscriminao. O que ento? Umaforma de dominao social que surgiuaparecida com a moderna civilizaocapitalista, em que os brancos europeus eseus descendentes dominam (pelo colo-nialismo/imperialismo) as populaesamerndias, africanas e asiticas, comajuda da crena de que uns nasceram parapossuir bens, mandar, governar etc. eoutros para trabalhar, obedecer, seremgovernados. Racismo, numa palavra, anaturalizao de um fato histrico (adominao europia do mundo). Oracismo brasileiro este. O caso deLampio, que narro num livro paracrianas (O grande pecado deLampio), de preconceito racial,mas a rigor no de racismo, pois oscangaceiros, eles mesmos, eram mesti-os sertanejos em luta contra a ordemsocial imposta pelos brancos do litoralem conivncia com os latifundirios dointerior. Lampio foi um excepcionalguerrilheiro da luta prolongada e san-grenta que os pobres no-brancos tra-vam contra a ordem social em que osricos e brancos so os beneficirios. Elefoi o que os historiadores costumamchamar de bandido social: aplicou asmesmas regras do sistema que o oprimiapara lutar contra esse sistema.
PP: A sua permanncia na priso, comopreso poltico, tem sido citada em passa-gens de alguns de seus livros, alm deter gerado o extraordinrio Quando vol-
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Nem todas as
pessoas que
crem na
existncia de
raas so
racistas. Racista
outra coisa:
quem usa essa
errnea idia de
raa como forma
de dominao
econmica, social,
poltica etc. Essa
distino parece
complicar a
questo, mas
necessria.
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tei, tive uma surpresa, para adolescentes.Como Graciliano, que voc parece apre-ciar tanto, no pretende escrever suasMemrias do Crcere?Rufino: No pretendo escrever mem-rias do crcere, embora aqui e ali reme-more alguns episdios daquela experin-cia. Memrias desse tipo vm filtradas,no so profundamente verdadeiras. Omemorialista esconde suas covardias,seus medos, no consegue transmitir aterrvel solido do torturado, o misto deorgulho e desnimo que sofre. Acabamfalsas. Graciliano e outros talvez tenhamconseguido aparecer integralmente emsuas memrias ou, talvez, no pretendes-sem isso. Cada caso diferente. Li diver-sas memrias de ex-presos da ditaduramilitar, encontrei aquela verdade profun-da em poucos. Um exemplo: Uma tem-pestade como a sua memria. A histria deLia, de Maria do Carmo Brito (Rio deJaneiro, Record, 2003). No caso do meuQuando eu voltei, tive uma surpresa, deve-se levar em conta que, na origem, no eraum livro, mas cartas que escrevi com ainteno de manter a ligao com meufilho, um menino de oito anos. Amaquiagem (algum o chamou de Avida bela dos pobres) e a omisso sejustificam. No conto nada alm do queservia ao objetivo: a ligao com meufilho. As cartas foram guardadas cuida-dosamente por minha mulher Teresa,me de Nelson, e foram transformadasem livro por iniciativa dela ao perceber ovalor que teriam como depoimento,
digamos, universal, para quaisquer pais efilhos ameaados de separao.
PP: A grande maioria de sua obra,mesmo para crianas pequenas, umaenorme diverso, junto com uma ques-to social importante. Para voc, fazerliteratura desenvolver conscincias?Rufino: No diretamente. Literatura uma forma de conhecimento distinta dasociolgica, antropolgica, poltica etc.Seu objeto distinto: o ser humano naqui-lo que ele tem de mais original, as relaesde famlia (desejo, dio, inveja, fraternida-de etc.). E seu mtodo tambm: parachegar quele objeto joga com palavras. Porisso alguns dizem que a psicanlise umgnero literrio. Se, no final da leitura, oleitor (criana ou adulto) se tornou maishumano, a literatura cumpriu sua tarefa.Nesse caso se poderia dizer que a literaturadesenvolve conscincia: a conscincia danossa trgica humanidade. Quanto conscincia poltica, por exemplo, pode serum propsito deliberado do escritor emalguns momentos excepcionais guerra,revoluo, invaso imperialista, escraviza-o, ditadura etc. e , sem dvida, vlido.Tanto assim que poucos escritores conse-guiram fazer boa literatura poltica. maisdifcil, embora no parea.
PP: No podemos deixar de focalizar oinstigante Como podem os intelectuaistrabalhar para os pobres? Voc responde,nas 256 pginas do livro, pergunta dottulo? Como a sintetizaria?
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Literatura uma
forma de
conhecimento
distinta da
sociolgica,
antropolgica e
poltica. Seu
objeto distinto: o
ser humano
naquilo que ele
tem de mais
original, as
relaes de
famlia (desejo,
dio, inveja,
fraternidade etc.).
E seu mtodo
tambm: para
chegar quele
objeto joga com
palavras.
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Rufino: Nem todos os intelectuais que-rem trabalhar para os pobres. Os quequerem e se esforam para isso o fazempor uma tica: um imperativo moral aque no conseguem fugir, sem se senti-rem angustiados, diminudos aos seusprprios olhos. Para isso, devem semanter absolutamente (no relativa-mente) crticos com relao ao mundo, cultura e sua prpria funo afinal,o que chamamos intelectuais umacorporao profissional a servio deuma racionalizao do mundo que ataqui s beneficiou o capital. Um corol-rio dessa regra: o intelectual para ospobres deve ficar longe de igrejinhas,cenculos, academias de letras, comen-das e elogios. Nesses espaos ele s ajudaa si mesmo. Outra coisa que ele podefazer largar a crena cega em idias evalores modernos ocidentais, que servi-riam para todos os homens de todos oslugares. Mas o principal da resposta estno seguinte: os intelectuais que queremtrabalhar para os pobres devem reco-nhecer que os pobres produzem seusprprios intelectuais. Sendo assim,devem interagir com estes em busca deum novo intelectualismo, no qual asqualidades de uns e de outros se fecun-dem. O lugar em que se dar o encontrodos dois tipos de intelectual a publisfe-ra o Estado de hoje, constitudo pelogoverno mais a sociedade civil. Esta uma sntese da resposta que ofereo pergunta do ttulo. O livro um ensaio,gnero em que voc parte de uma base
consolidada de conhecimentos para umsalto especulativo. Ensaio uma indisci-plina, digamos assim, a que voc temdireito depois de muita disciplina.
PP: Ainda nesse livro, voc convida oleitor a passear entre os intelectuais,polticos e artistas. Poderia citar, nessascategorias, os mais caros a voc?Rufino: Sempre vi o futebol como umgnero de arte popular. Assim, admireiprimeiro os artistas da bola: Zizinho,com quem consegui me relacionar s vs-peras dos seu 80 anos; Lenidas, oDiamante Negro; Didi; Garrincha... Namsica popular, atravs da qual se expres-sam tradicionalmente os intelectuais dospobres, admirei Paulo da Portela, o fun-dador das escolas de samba; AdoniranBarbosa; Z Quti (Eu sou o samba/ Avoz do morro sou eu mesmo, simsenhor...); Nei Lopes... Admirei tam-bm, entre os intelectuais dos pobres,Cipriano Barata; Carolina Maria de Jesus(a escritora catadora de papel que foibest-seller nos anos 60); Arthur Bispo doRosrio; Gabriel da Casa da Flor... Entreos intelectuaisadmirei LimaAndrade, Caio
propriamente ditos,Barreto, Mrio de
Prado Jnior, NelsonWerneck Sodr, Darcy Ribeiro, ArianoSuasssuna... Entre os polticos, GetlioVargas, Joo Goulart, Leonel Brizola...Tais artistas, intelectuais e polticos meso caros no sentido em que me sintoinspirado por eles: fizeram coisas que eugostaria de ter feito. Sou crtico, contu-
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O intelectual para
os pobres deve
ficar longe de
igrejinhas,
cenculos,
academias de
letras, comendas
e elogios. Nesses
espaos ele s
ajuda a si mesmo.
Outra coisa que
ele pode fazer
largar a crena
cega em idias e
valores modernos
ocidentais, que
serviriam para
todos os homens
de todos os
lugares.
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do, da sua obra e, em alguns casos, da suavida, no resvalando para o culto perso-nalidade.
mostrar nesses ensaios que sempre pos-svel pensar diferente.
PP: Voc ocupou alguns cargos polticos(Presidente da Fundao Palmares eSecretrio Adjunto da Cultura no RJ).Considera que nesses postos pde fazero que se props realizar?Rufino: No. O que nos propomos reali-zar nos cargos pblicos sempre mais doque o realizado. Essa perda do jogopoltico, a no ser para os mal-intencio-nados. Sempre samos perdendo, mas,como disse Darcy Ribeiro, na maiorparte dos casos prefiro estar do lado dosperdedores ao dos vencedores. NaFundao Palmares, por exemplo, tenteiintroduzir a questo do negro nas estra-tgias de governo, principalmente atravsdo direito comunitrio s terras remanes-centes de quilombos. Apesar de meussucessores terem conseguido avanosnessa questo, como se v pela adoo,pelo governo Lula, da ao afirmativa, odireito comunitrio terra emperrou. Nocaso da Secretaria de Cultura do Rio, porexemplo, as jornadas de cultura emmunicpios do interior que concebi noprosperaram. Talvez, nesses e em outroscasos, a minha pretenso fosse descabida.
PP: Nesse mesmo livro, entre outrasanlises brilhantes, h uma bela reflexosobre o livro Angstia, de GracilianoRamos. No seria natural reivindicar-mos que voc nos brindasse com umaobra sobre a literatura brasileira?Rufino: Estou entregando a uma editorauma coleo de ensaios sobre a literaturabrasileira: Quem ama literatura no estu-da Literatura. Gosto de ttulos provocan-tes. Fui professor de literatura brasileira(UFRJ) por mais de vinte anos, e meincomodava o formalismo (espcie debaixo estruturalismo) que domina asnossas faculdades de Letras. Esse forma-lismo, herana da contracultura dos anossetenta, uma das razes do niilismo denossos professores: de um modo geralacham que enquanto professores de litera-tura nada devem ou podem fazer peloPas. As aulas e papers em que debati essamaneira de ver se transformaram emensaios: a velha questo da forma-con-tedo, realismo e tipo literrio, o culto aMachado de Assis, a importncia dognero cartas, materialismo e idealismoem crtica literria, literatura e poltica,telenovela como literatura, o ensino deletras no Brasil etc. Tambm o ensino eos estudos literrios acabaram engessadospelo pensamento nico, essa maneira dever em que o dominante, apenas por s-lo, tomado como verdadeiro. Tento
PP: Na sua opinio, as polticas deincentivo leitura do governo federaltm sido eficazes? Que sugestes vocdaria com o mesmo propsito?Rufino: A primeira pergunta muitodifcil para mim, no sei se essas polticas
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O que nos
propomos realizar
nos cargos
pblicos sempre
mais do que o
realizado. Essa
perda do jogo
poltico, a no ser
para os
mal-intencionados.
Sempre samos
perdendo, mas,
como disse Darcy
Ribeiro, na maior
parte dos casos
prefiro estar do
lado dos
perdedores ao dos
vencedores.
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tm sido eficazes, no tenho dados.No bom julgar distncia, seminformaes do que est acontecendona realidade. A primeira idia quetemos a propsito das polticas pblicas que no do em nada, mas nem sem-pre assim. Os problemas aqui somuito grandes, crescem numa propor-o geomtrica, enquanto os meios doEstado no crescem, ou crescem emproporo aritmtica. No caso doincentivo leitura, tenho s vezes aimpresso (mas s a impresso) dehaver uma tendncia a aumentar maisdo mesmo: mais bibliotecas, mais dis-tribuio gratuita de livros, mais cam-panhas de leitura... Isso significa, emgeral, aumentar tambm a burocracia,que acabar por frear a expanso dosprogramas. Vi na frica bibliotecasvoadoras: professoras aposentadas ousimplesmente pessoas que gostam de lere recebem uma pequena quantidade delivros para fazer circular entre poten-ciais leitores do bairro. Recebem umapequena ajuda de custo, o que, parauma aposentada ou um desempregado,pode significar muito, e fazem o quegostam: ler. E criam uma comunidadeleitora local, no importa se pequena.O governo no precisa construir prdioalgum, contratar ningum. Claro queno d voto, inaugurao ou anncio.Aes criativas como essas no seriamrepeties burocrticas como as que fra-cassam no Brasil.
PP: Que aes da escola e do professorpodem contribuir para a formao doleitor?Rufino: Tambm nesse aspecto, a opi-nio de quem est de fora vale pouco. Hbastante gente trabalhando nessa rea edesconheo suas anlises e propostas.Contudo, firmado na minha prpriaexperincia, conclu que, onde h sinceraafeio pela literatura, crianas leitorasaparecem. Talvez a escola pudesse agir nacriao desses ambientes de sincera afei-o pela literatura. Ora, literatura no exclusivamente, nem principalmente, ado livro. Literatura existe na msicapopular, mesmo a de massa. Existe tam-bm na novela de televiso, no cartazpublicitrio e assim por diante. Ela existena fabulao infantil: toda criana inven-ta mundos abstratos, canes, teatro.Uma boa ao evitar a represso a essacapacidade de fabulao, praticada portantos professores. Falo de uma espciede desregulamentao da fabulao...Confio, tambm, em aes no-burocr-ticas, que no exijam construes, acer-vos, funcionrios, inauguraes, publici-dade. Aes discretas do Estado e doMercado, sem se confundirem de formainadequada.
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No caso do
incentivo leitura,
tenho s vezes a
impresso (mas s
a impresso) de
haver uma
tendncia a
aumentar mais do
mesmo: mais
bibliotecas, mais
distribuio
gratuita de livros,
mais campanhas
de leitura... Isso
significa, em
geral, aumentar
tambm a
burocracia, que
acabar por frear
a expanso dos
programas.