Entrevista Final: 29/06/2009 Investigador: Gostaria de...

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Entrevista Final: 29/06/2009 Investigador: Gostaria de saber se de algum modo consegue caracterizar a reacção dos alunos no momento em que é introduzida uma tarefa de investigação. Se é que é possível caracterizar a reacção deles... Professora: As primeiras tarefas de investigação que começaram a fazer, eram coisas estranhas, achavam que eram coisas...não era bem Escola. Tinham perspectivas, expectativas em relação à Escola que era a professora dizia e eles reproduziam. Portanto no princípio, nos primeiros tempos do primeiro ano, aquilo para eles era qualquer coisa de muito estranho, não sabiam para que lado se haviam de virar, não sabiam sequer como haviam de começar. era estranho porque os miúdos vêm para a Escola com uma expectativa e muitos vêm com expectativas muito marcadas. Ou porque os pais tiveram determinado tipo de experiências quando andavam na escola, ou porque...De qualquer maneira vêm com expectativas de que o professor diz e eles fazem, e eles fazem tanto melhor se fazerem como o professor diz. Ora numa investigação, o professor não diz nada. São eles que vão ter de ir à procura. Portanto ao princípio a coisa era muito estranha. O que eu notei pelo facto de insistir neste tipo de tarefas, não só na Matemática, porque o currículo

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Entrevista Final: 29/06/2009

Investigador: Gostaria de saber se de algum modo

consegue caracterizar a reacção dos alunos no

momento em que é introduzida uma tarefa de

investigação. Se é que é possível caracterizar a

reacção deles...

Professora: As primeiras tarefas de investigação

que começaram a fazer, eram coisas estranhas,

achavam que eram coisas...não era bem Escola.

Tinham perspectivas, expectativas em relação à

Escola que era a professora dizia e eles

reproduziam. Portanto no princípio, nos primeiros

tempos do primeiro ano, aquilo para eles era

qualquer coisa de muito estranho, não sabiam para

que lado se haviam de virar, não sabiam sequer como

haviam de começar. era estranho porque os miúdos

vêm para a Escola com uma expectativa e muitos vêm

com expectativas muito marcadas. Ou porque os pais

tiveram determinado tipo de experiências quando

andavam na escola, ou porque...De qualquer maneira

vêm com expectativas de que o professor diz e eles

fazem, e eles fazem tanto melhor se fazerem como o

professor diz. Ora numa investigação, o professor não

diz nada. São eles que vão ter de ir à procura.

Portanto ao princípio a coisa era muito estranha.

O que eu notei pelo facto de insistir neste tipo de

tarefas, não só na Matemática, porque o currículo

não é partido...não se pode fazer investigação na

Matemática e depois ter outro tipo de comportamento

nas outras áreas, se não estraga-se o que se está

a fazer...

Inv: Tem portanto de se fazer um trabalho integrado...

Prof: Este tipo de trabalho tem de abranger as

áreas todas de aprendizagem, ou melhor, é uma forma

de estar na aprendizagem. Agora, ultimamente, o que

eu noto é que eles cada vez que lhes é apresentada

uma tarefa de investigação, eles atiram-se à tarefa,

ficam entusiasmadíssimos, atiram-se, estão sempre à

espera de encontrar qualquer coisa e ficam muito

entusiasmados e são muito curiosos.

Inv: A criatividade foi ...como direi...

Prof: Foi sendo trabalhada, foi sendo construída.

Isto teve um processo de construção, não uma coisa

inata nos meninos, nem que eles trazem. Alguns que

vêm mais...com expectativas menos fechadas, quando

a gente lhes apresenta as coisas até começam a fazer

porque é próprio das crianças serem curiosas,

meterem-se a fazer as coisas, etc...

Mas isso não é geral, há expectativas que são

criadas socialmente sobre o que se faz na Escola que

tem muito peso, e portanto os alunos que têm menos

background cultural, que são aqueles que têm mais

dificuldade em se atirar a uma tarefa...o que noto

agora ao fim destes dois anos é que a gente agora

apresenta-lhes uma proposta e eles ficam

imediatamente muito envolvidos e muito entusiasmados.

Isto também exige que haja alguma organização entre

eles, porque uma tarefa de investigação não se faz

sozinho.

Não é um trabalho isolado e não é um trabalho que

se faça em pouco tempo, é um trabalho que demora

tempo e que em princípio é feito em grupo. Isto

também tem de ser trabalhado, tem de se ir...os

miúdos tem de ir aprendendo que as coisas na Escola

não dito e feito, que não é o mais rápido possível

que é o mais importante, porque eles também vêm com

a ideia que se forem o primeiro a acabar, isto logo

no princípio do primeiro ano, se for o primeiro, sou

o melhor. Portanto isto também tem de ser muito

Trabalhado, não é fazer rapidamente, que demora tempo,

e que muitas vezes se vai dar a caminhos que não têm

saída mas que esses caminhos são tão importantes como

os outros, se não forem dar a esses caminhos não

conseguem desenvolver, e que o importante é o

explicar, o argumentar...é que numa tarefa de

investigação não há um certo, um correcto, e também

é muito difícil dos miúdos lidarem com isso.

Também é uma aprendizagem que leva tempo, e essa

parte do não ser certo, não ser correcto, com estes

miúdos ainda não está longe de ser atingida porque

estão sempre à espera de fazer uma coisa certa e ter

o “agrement” da professora, até são eles que me oferecem

o lápis vermelho, as canetas vermelhas para lhes por

certos.

Inv: Então faz sentido falar em resistências da parte

deles quando propõem uma tarefa? Ou já houve mas agora

não há?

Prof: Eu acho que há resistência, não é resistência...

há um desconcerto, há uma estranheza, há um não saber

o que fazer...

Inv: Mas agora vai havendo aceitação...

Prof: Vai havendo entusiasmo, não sei se estas tarefas...

eles gostam muito, quando se fazem muitas tarefas de

investigação de seguida, imagina que numa semana há duas

ou três, uma de ciências, um trabalho com textos e há

uma de Matemática...é uma semana abençoada. Porque andam

entusiasmadíssimos muito envolvidos etc...Agora não sei

como é que eles vêem isso reflectido naquilo que eles

acham o que é o chato da Escola, que é o haver tarefas

repetidas, é o ter de dar contas do que aprenderam.

Nós podemos resumir muito a avaliação ao que ele fazem...

o portfólio...mas isso em miúdo muito pequenos isso não

lhes cria...só isso não lhes queria uma certa necessidade

de olhar para as coisas com dois olhos, quando chega uma

coisa de avaliação assim um bocadinho externa...olham

para aquilo dizem que é uma grande chatice e não fazem

nada. Portanto, há outra vertente que realmente é o

fundamento da Escola, que é tens de dar contas por

escrito daquilo que sabes, e para dares conta por escrito

tens de ler, tens de estar com atenção, se nos

envolvermos muito em tarefas de investigação...esta outra

vertente como não tem interesse passa por cima.

Inv: Então e como é que uma tarefa de investigação pode

ser introduzida?

Prof: Eu acho que progressivamente se vão tendo formas

diferentes de se introduzir. Ao princípio a tarefa de

investigação tem de ser muito amparada, muito alicerçada,

têm que se dar muitas muletas aos meninos para eles se

ampararem, para perceberem o caminho, exporem... Agora

chegamos a uma altura que basta colocá-la e os miúdos

envolvem-se e vão por aí a diante. Para mim agora a

questão é a saída. Eles evoluíram, eles envolveram-se,

eles trabalharam, houve processos mobilizados

nomeadamente na Matemática, houve conceitos, houve

processos, e agora como é que eu posso dar conta disto,

de todo este processo de evolução e de desenvolvimento

dos miúdos em termos da avaliação, em termos externos,

em termos exteriores. Para mim agora vai ser complicada

é a saída, que tipo de produtos que vamos produzir.

Inv: Perguntei como pode ser introduzida, não sei se faz

sentido, mas pergunto agora como é que deve ser feito?

Prof: Se os miúdos são muito estranhos em relação a uma

tarefa de investigação, ela tem de ser introduzida

amparada, alicerçada com os miúdos, a partir de certa

altura que eles lhe começam a tomar o gosto, basta

introduzi-la e os miúdos imediatamente se organizam,

mesmo o tipo de organização em grupo, a discussão em

grupo, o apresentar das grelhas e dos produtos e da

apresentação uns aos outros.

Eu acho que a partir do momento que se constrói uma

certa dinâmica de investigação, é uma coisa que não

temos de ter grandes problemas. Como é que deve? Eu

acho que o que há de ter em conta é isto, o contexto

dos miúdos, como é que eles vêm a tarefa, o que é que

aquilo representa para eles, e depois é preciso ter

sempre este cuidado de que é uma coisa importante,

que não é um trabalho que a gente está a fazer que é

muito divertido e que ali não há aprendizagem. Ou

seja, há que haver um trabalho final de reflexão,

de sistematização, para mim agora está nos finais.

Inv: Então mas na introdução, gosta de diversificar?

Não se preocupa com isso...na maneira como é feita a

introdução da tarefa?

Prof: Sim, eu gosto muito de diversificar, e quanto mais

diversificar melhor. depois as tarefas de investigação

são coisas muito atraentes, podem ser apresentadas das

mais diferentes maneiras, e muitas vezes para quem está

desperto para este tipo de...para trabalhar em termos de

investigação, acontece que nas situações mais inesperadas

aperecem situações em que a gente percebe que é mesmo

ali, que é agora, que é neste momento que é preciso, que

é agora que a gente vai propor uma investigação sobre

um contexto que está criado, que é preciso desenvolver.

Nem sempre pela dinâmica escolar é possível aproveitar

todos esses tempos. O professor tem de ter este cuidado;

primeiro: de ir introduzindo sistematicamente; e por outro

lado não se deixar embalar por todas as situações que são

muito interessantes porque às vezes a dinâmica escolar

não se compadece com isso.

Inv: Ia perguntar quais as preocupações que costuma ter

no momento de introduzir a tarefa, mas se calhar já me

foi respondendo a isso que tem a ver com o apoio do aluno,

com o contexto...

prof: E com o à vontade, com a capacidade que eles vão ter

de não se desligar, de envolver, de eles próprios colocarem

questões...é isso que eu acho que seja fundamental que

esteja à partida.

Inv: Então e ao nível de recursos materiais, quando introduz

uma tarefa, que materiais gostaria de dispor para poder

utilizar na tarefa que propõe ou isso não é preocupante?

Prof: Eu acho que a Escola devia estar mais estruturada

porque os materiais acabam por aparecer, quer seja na

Matemática, quer seja nas outras áreas, dependendo muito do

esforço do professor...muitas vezes é um bocadinho

improvisado...não um determinado tipo de material mas há

frascos, palhinhas...há muita improvisação, e aqui eu tenho

esta vantagem...como já tenho a sala há muito tempo vou

acumulando.

Se em qualquer altura surgir aí uma situação, é uma questão

de eu ir à procura e fazer as coisas saltar. Mas a Escola

precisava de ter uma estruturação e uma organização que

suportasse o trabalho do professor.

Em termos da utilização das TIC, porque neste momento...a

minha sala é absurda, é ridícula porque cada vez que eu

preciso de utilizar de alguma coisa tenho de dispor de muito

tempo para por tudo a funcionar, tenho de prever que tenho

de ter um intervalo, a hora de almoço que permita suportar

que ponha as coisas disponíveis. Portanto, nada está

disponível é tudo muito improvisado...quando não há uma

coisa há um arame...

Inv: E no meio disso tudo, qual é o papel do aluno nesta

fase de introdução da tarefa?

Prof: Como eu disse hà pouco, há situações que ocorrem

durante o tempo em que estamos todos em conjunto em que é o

aluno que a pouco e pouco é ele próprio que vai colocando

as questões, os alunos envolvem-se em determinadas procuras,

em determinadas...em curiosidades em comum, e aí há um

contexto ultra-favorável ao desenvolvimento de uma

determinada investigação. Quando o professor quer forçar

um bocadinho isso, primeiro tem de os preparar...tal dia

nós vamos fazer...todo esse trabalho implica que haja um

plano que é partilhado com os alunos, uma planificação que

é partilhada não só diariamente, muitas vezes semanalmente

ou até mensalmente.

Tem de haver por parte dos alunos uma assunção que é esses

temas que nós vamos estudar, como é que os vamos estudar...

isso pressupõe do ponto de vista da metodologia da

organização da aprendizagem um grande conjunto de coisas,

as planificações partilhadas, as avaliações partilhadas, o

ir relembrando que é tal dia que se faz para que eles comecem

a ganhar aquela predisposição. O papel deles...muitas vezes

eu reservo-lhes o papel de serem eles a recolher o que é

necessário. Portanto digo-lhes vamos investigar... e eles

trazem de casa ou jornais ou... Sei que uma das primeiras

investigações que fizemos o ano passado foi sobre a flutuação,

logo no princípio do primeiro ano no primeiro período e eles

recolheram imensos brinquedos a ver se flutuavam ou não, e

eles testaram na banheira enquanto estavam a tomar banho.

Portanto é preciso que os alunos de alguma maneira estejam

despertos. A minha finalidade é que a pouco e pouco passe para

eles a possibilidade de serem eles a montar investigações

para eles fazerem e que lhes interessem, a apresentar o

relatório final e apresentar o relatório aos outros. Isso não

é fácil até ao quarto ano porque os miúdos são muito dependentes

mas há alguma possibilidade de fazer isso.

Inv: Falando agora um pouco mais em concreto das TIC, consegue

de algum modo enumerar vantagens da utilização das TIC para

introduzir uma tarefa de investigação?

Prof: Sim, consigo. Acho que as TIC são fabulosas, ou melhor,

quando estou a preparar os trabalhos com os alunos as TIC são

fabulosas. Nem sempre tenho possibilidade de concretizar isso

em todos os aspectos porque se houvesse a possibilidade de

aceder livremente à internet, com quadros interactivos... Eu

acho que a introdução de tarefas de investigação em quase

todas as áreas teriam de mobilizar as TIC. Nós temos do ponto

de vista o potencial que as tecnologias nos oferecem um

conjunto imenso de recursos, quer seja porque temos imagens,

porque temos mapas, o Google Earth, os animais todos em

imagem, em movimento. Pela parte da imagem, pela parte das

questões que essas imagens podem ou não podem colocar, pela

parte do manancial de informação que tem de ser seleccionada,

organizada, pela parte da rapidez de processamento e

organização da informação.

Quando os alunos são rápidos a fazer tabelas à mão com lápis...

é importante mas depois na fase da sistematização isso fica

tudo em papel de cenário que depois fica tudo no canto e que

não há espaço para os expor todos. Começa a ser cada vez

mais urgente que haja uma forma de os armazenar com segurança...

não com estas... é que o problema das TIC é que vem um e tem

uma ideia e muda o processador, o browser, vem outro e muda...

que tem outra ideia. Nós na Escola estamos constantemente

soterrados com alterações que provocam que alguém vá ganhar

dinheiro com isso, não há uma gestão e isso é muito complicado.

Inv: E desvantagens...ou não faz sentido perguntar por

desvantagens?

Prof: Uma das desvantagens é essa. Portanto através da

utilização das TIC está-se neste momento a fazer muito

marketing, no fundo está-se aqui a fazer muita propaganda,

publicidade e a introduzir isso nos miúdos de forma um

pouquinho acrítica.

Inv: E no desenvolvimento da tarefa, o papel do aluno qual

será?

Prof: O papel do aluno é envolver-se, é...colocar questões,

é organizar os dados, é um papel muito activo. Às vezes os

alunos ficam fechados porque não sabem muito bem o caminho...

o papel do aluno é esse mesmo, é trabalhar em grupo, é ouvir

o outro, é estar disponível que é uma coisa muito difícil,

é saber ouvir os colegas e levar em conta o que eles dizem

porque nestas idades o que se passa na cabeça deles parece

que é o mundo inteiro e portanto é muito difícil.

Inv: E o seu papel, qual é?

Prof: É desbloquear essas questões, é tentar desbloquear, é

fazer com que a actividade dos alunos seja orientada, não em

relação a uma resolução certa, é orientada no sentido de eles

evoluírem e nunca os deixar ficar presos, aflitos e

bloqueados com a questão.

Inv: Então como vê a sua intervenção no trabalho do aluno?

Procura não intervir ou intervém...como faz a gestão da sua

intervenção?

Prof: Eu acho que o papel da minha intervenção é muito o de

colocar questões, e colocar questões que sejam significativas

e deixá-los a pensar. É devolver-lhes os bloqueios que têm

sob a forma de uma questão que lhes permita um bocadinho

quebrar o bloqueio o avançar, mas...isto para mim é o papel

mais difícil do professor, é a coisa mais difícil. Por muito

que se pense que tipo de questões vou colocar aos alunos,

como é que vou desbloquear, por muito que eu imagine...sem

dar de oferta a resposta, sem quebrar o processo de

descoberta deles, sem quebrar a investigação...

Às vezes nós não estamos a perceber muito bem o que vai na

cabeça dos alunos, a questão que estamos a colocar vai

quebrar o processo que ele tinha e estamos a colocar o nosso.

Para mim este é o papel mais difícil, por muito que eu

imagine, por muito que eu pense, deparo-me sempre com

imensas situações que eu não sei que questão vou colocar

àquele aluno para não ferir susceptibilidades, para fazer

que eles tenham um processo que evolua, que seja de

investigação, que seja de desenvolvimento e que não bloqueie,

que lhe resolva alguns bloqueios.

Inv: E no seguimento disso, gostaria de lhe perguntar como é

que encara a situação dos alunos não chegarem aos resultados

que tinha pensado quando propôs a tarefa?

Prof: Eu acho que em muitas situações esse é o lado mais

positivo da questão. Eles evolvem-se num processo de

investigação, num processo de descoberta, expõem as suas

situações, chegam a um resultado, comunicam o resultado e é

nesse processo de comunicação, quando começa a ficar

partilhado pela turma toda, quando eles começam a por em

comum que surgem as grandes...imagine que aquilo não bate

certo, é aí que eles todos sentem que aquilo não bateu certo.

Vamos por isto do seguinte modo, vamos por isto em termos de

uma investigação de Matemática, e já me aconteceu, estamos a

arrumar bombons dentro de caixas, eles põe imensas resoluções,

depois quando estamos a por em comum com os desenhos...

acontece que os outros dizem "mas isto não pode ser porque

te sobram não sei quantos bombons" ou... Quando eles se

interpelam, fica claro na cabeça de todos um conjunto de

coisas que não estavam concretas.

Inv: Mas a questão é, como é que encara a situação de eles

não chegarem a um resultado que tinha traçado como objectivo

final?

Prof: Isso a mim não me incomoda. O que me importa é que

eles ponham aquilo em comum e que vejam qualquer coisa que

não bate certo. Garanto que eles nunca mais se esquecem.

Quando acontece um processo desses e se chega a uma situação

que não bateu certo, é uma parte do programa, é uma parte do

saber que fica adquirido por eles. Fica muito adquirida, na

cabeça deles fica muito clara e não voltam a ter dúvida,

podemos passar à frente.

Inv: Vamos então supor que os alunos chegam a um dado

resultado e que entre eles até existe consenso mas a professora

pensava que eles podiam mais além, que os resultados ficam

aquém do previsto...

Prof: Nessa altura o professor deve planear outra tarefa a

seguir, tem de arranjar outro contexto em que o mesmo processo

seja mobilizado...isso acontece muita vez. Uma coisa é chegarem

a resultados errados...é difícil os diferentes grupos chegarem

todos aos mesmos resultados errados e isso está resolvido, a

outra questão... há imensas situações em que eles não chegam

nem de longe nem de perto àquilo que eram as nossas

expectativas,

isso o professor tem como garantido. Vamos devagarinho e vai ter

de reinventar situações em que o mesmo processo seja mobilizado

para continuarmos a andar.

Inv: Na primeira entrevista disse-me que promove a criatividade

dos alunos. Agora o que quer que me diga, é se no

desenvolvimento da investigação, essa promoção da criatividade

é para todos os alunos, também para os que têm

mais dificuldades?

Prof: É essencialmente para estes. Às vezes ouvimos muitos

discursos em muitos locais, e ouvimos dizer que os miúdos por

si são curiosos, que as crianças são criativas. Como os apanho

aos 5, 6 anos, não tenho nada essa ideia. Os miúdos quando

chegam aqui à escola, ou porque é a situação de Escola, ou

porque é a primeira situação em que eles estão socialmente em

conjunto, são reprodutores dos contextos que têm e revelam

todas as prespectivas, todas as expectativas que lhes foram

metidas na cabeça. Eles estão muito mais de acordo com aquela

perspectiva de que o homem nasce velho e depois a pouco e pouco

se vai renovando. Os miúdos vêm e não são nada criativos, eu

acho que a criatividade, esta questão da criatividade só

acontece quando há uma base de conhecimento e uma capacidade

crítica perante as coisas se não, não há criatividade, se eu

não souber tudo o que já foi feito antes...curiosidade há, mas

os meninos quando entram na Escola vêm quase moldados para

que na Escola não haja curiosidade. Quer por aquilo que se

fala da Escola, quer por causa das avaliações, quer porque do

ponto de vista social e do ponto de vista da comunicação

social, tudo o que se diz sobre a Escola...é o que se diz e

eu acho que há contextos mais ou menos favoráveis a que os

meninos venham mais ou menos abertos e mais ou menos curiosos

mas há contextos muito desfavoráveis e eu penso que neste

momento estamos a atravessar um deles.

Inv: Então e a interacção que se estabelece entre os alunos

durante uma investigação...é relevante? é importante?

Prof: É relevante e é muito importante e também não é um

dado adquirido. Ou seja, a interacção entre eles é um

objectivo do trabalho do professor. No fundo acabamos por ter

aqui um conjunto de metas e objectivos que são absolutamente

externos à matéria que estamos a estudar, no fundo o que nós

estamos a falar é de capacidades transversais, é de eles

serem capazes de discutir, de ouvir, de argumentar tendo em

conta a visão do outro. Os meninos quando são muito pequeninos

não se colocam nesta terceira pessoa, ou seja, ele pode estar

a falar mas não estou a entender a perspectiva dele, estou a

entender a minha perspectiva sobre o que ele está a dizer.

Este é um processo muito difícil e muito moroso e não sei se

durante o primeiro ciclo chegaremos muito longe.

Inv: E quando ouve algum aluno a dizer que chegou a um dado

resultado, costuma intervir ou não faz comentários?

Prof: Eu tento não dar a entender a minha percepção sobre os

resultados mas não sei se isso é fácil...não sei se consigo.

Tento nunca dizer se está certo ou se está errado, nunca

lhes dar a entender se estou de acordo ou não, mas isso não

é fácil.

Inv: Embora de algum modo já o tenha dito, para que uma

tarefa de investigação se desenvolva em pleno, tem alguma

preferência no modo como os alunos são organizados? Grupos

com 2, 3 mais?

Prof: Pois, eu acho que isso depende. Primeiro depende do

tamanho da turma e depende do tipo de investigação que se

está a fazer. Tem de haver sempre um número de grupos

suficiente para que no fim possa quando houver apresentação

haver interacção e discussão. Haver processos diferentes,

haver descoberta de processos diferentes. Não posso ter dois

grupos...é muito pobre. Se tiver uma turma muito pequena eles

fazem mais em grupos de dois, três para ter quatro ou cinco

grupos na turma para no fim ter resultados e apresentações

diversificadas. Por outro lado se eu vir que o tema....ou se

precisar de muitos recursos e não tenha posso fazer três ou

quatro grupos. Depende muito da situação e depende muito do

que estamos a estudar. Às vezes já tenho tido poucos recursos

mas faço o trabalho em termos coordenados, ou seja uns fazem

primeiro e depois vão os outros, ou seja há uma rotatividade

para haver mais diversificação.

Inv: Falando ainda dos materiais mas não relativamente ao

seu acesso, supondo que este está garantido, o que quero

saber é se os resultados condicionam os resultados?

Prof: Sim claro. Se a nossa imaginação funciona de mais e

os materiais são grandes adaptações...há situações em que

são necessários materiais estruturados, que são necessárias

as coisas tais e quais. Não podemos aldrabar, não podemos

inventar, não podemos ser imaginativos por aí, porque se

não os resultados não vão dar... Apesar de ás vezes nós

querermos fazer coisas, estamos subordinados a que existam

materiais adequados, não podemos trabalhar com cubinhos

feitos em casa pelos pais, depois as medidas não batem certo

e aquilo depois não funciona. Se é para trabalhar com tangran,

é com tagran mesmo! Não é com uma coisa recortada de um

livro... um papel que depois amachuca... As coisas exigem

uma determinada estruturação. Eu às vezes opto por não fazer

quando não tenho os materiais adequados em determinadas

situações.

Muitas vezes com as TIC, se não houver um desafio externo

como este agora, com a logística toda que é necessária, é

natural que a gente ás vezes não faça tanto. Por exemplo em

termos do estudo dos animais, as estagiárias estiveram aqui

a estudar os animais sem utilizarem as TIC, isso para mim

foi assustador porque não se via o contexto, não se via...

estamos a falar de adaptações.

Estamos a estudar sem ver se o meio é seco se é... eu acho

que as TIC fazem muita falta. Quando é muito difícil...

temos de abrir mão de algumas coisas.

Inv: Mas vantagens, é possível enumerá-las? À pouco

questionei-a no momento da introdução, mas agora pensando

na fase de desenvolvimento do trabalho.

Prof: Há certas investigações no âmbito da Matemática que

não se fazem sem o recurso da calculadora, não faz sentido

fazer uma investigação se uma criança tem de fazer cem ou

duzentas contas para chegar a uma conclusão. Nesse caso, a

calculadora ou como nós fizemos com o Excel fechado, se eles

não puderem experimentar livremente um número muito grande

de casos não vale a pena.

Ficam com imensas questões por colocar e portanto ficam muito

limitados. Portanto, se exigir ao aluno que tenha um trabalho

repetitivo muito pesado não vale a pena fazer investigações

sem TIC. As TIC são muito favoráveis nesta capacidade de dar

ao aluno um grande número de experiências e muito

diversificadas e em muitas situações, também pela imagem,

pela representação, pelo contexto que dá. Se estivermos a

falar de Ciências, por exemplo quando estamos a estudar um

meio mais natural... é claro que as TIC dão uma imagem

partilhada. Nós podemos estar a falar de um rinoceronte mas

eu não sei o que vai na cabeça do miúdos... uns podem estar

a pensar num parecido com um hipopótamos outros...se nunca

viram um rinoceronte... Este tipo de trabalho permite que

exista um referente partilhado na turma, as TIC devem

permitir criar um referente partilhado na turma.

Inv: Agora já na fase das discussões finais, nessa fase qual

é o papel do aluno?

Prof: O papel do aluno é conseguir comunicar, com linguagem

adequada às diferente áreas...se for uma dramatização é com

o corpo...mas na Matemática é saber comunicar com linguagem

matemática adequada aos colegas de forma a fazer-se entender,

o processo e o seu raciocínio e a conclusão a que chegou.

Inv: E o seu papel qual é?

Prof: O meu papel é gerir estas intervenções, gerir e

permitir que os outros alunos coloquem questões sem amachucar.

Imagine-se que alunos fizeram uma investigação e que chegaram

a conclusões perfeitamente desajustadas...mas que para eles

tinha uma certa lógica... quando estão a apresentar, eu não

posso deixar que os outros alunos de alguma maneira

ridicularizem, gozem.... esta coisa dos risinhos... tem de

haver um conjunto de normas sociais estabelecidas na turma por

forma a garantir que este trabalho é possível.

Inv: E nessa fase de discussão, que recursos normalmente

utiliza?

Prof: Ou a apresentação em papel, em cartaz, cartolina, papel

de cenário ou também se utiliza muito o retroprojector com

acetato que dá muito jeito. No retroprojector aquilo podem-se

lá pôr peças que faz sombra, vê-se a mexer... Utilizar as

TIC para a apresentação dos trabalhos...é uma conquista que

vai sendo agora muito lentinha e que eu espero poder explorar

muito melhor agora com esta questão dos Magalhães. Vamos ver

se os Magalhães realmente constituem um recurso disponível

na sala.

Inv: Mas o que eu queria saber é se não há grande necessidade

de materiais...

Prof: Há! Se houvesse um quadro interactivo e os alunos

tivessem oportunidade de utilizar para apresentar grelhas...

era muito melhor. Mesmo assim eu acho que começa a ser

urgente, quer pelo contexto em que os miúdos se desenvolvem,

quer pela vida quotidiana, começa a ser urgente que eles

comecem a apresentar as investigações por meios tecnológicos.

quer pelo Movie Maker, quer pelo... o PowerPoint já se vai

fazendo, mas há mais...Agora há um que sincroniza

fotografias no Magalhães e que dá uma visão de 360º

de um aspecto... Eu acho que são meios que começam a ser

muito importantes. Agora temos de por os alunos a

aprenderem a utilizar essas coisas. Também se diz que

é muito fácil, que os meninos utilizam as TIC com muita

facilidade e eu não tenho nada essa experiência. Há miúdos

que são muito rápidos e isso, mas chegam só até certos

sítios. Quando é orientar e apresentar uma investigação,

utilizar um PowerPoint, isso aí já não gostam tanto! Basta

utilizar um Word para apresentar um texto, também não é

uma coisa muito requerida aqui na sala. Por exemplo, o

computador está sempre disponível e aberto, eles podem lá

ir escrever e experimentar e está muitas vezes às moscas...

Inv: E o que a preocupa mais na discussão final de uma

investigação?

Prof: Que a comunicação seja adequada, que os argumentos

sejam... o que eu gostava e gosto quando acontece é que

eles discutam argumentos, oponham argumentos uns aos outros.

Preocupa-me muito que os outros miúdos em vez de dizer

"Não é nada assim..."tenham a capacidade de montar uma

questão que vá por em causa um processo de um outro colega

e dizer que esse processo não é o mais económico, não é o

mais rápido e que sejam capazes de questionar os

colegas, isso é o que mais me preocupa e é o grande

objectivo. Isso é muito difícil, não é rápido.

Inv: E será possível enumerar vantagens da utilização das

TIC no momento da discussão final?

Prof: Haveria toda a vantagem pela possibilidade de voltar

atrás, refazer... mesmo os alunos que estão a argumentar de

poder refazer, reformular e ... as TIC tinham toda a

vantagem. E vejo que teriam toda a vantagem, aqui não

tenho os recursos rapidinhos mas eu vejo... os alunos

reformularem.... Os alunos fazem uma investigação,

chegam a determinadas conclusões, partilhamos as

conclusões e agora todos... aí sim o processo de avaliação

começava a ganhar forma, cada um por si individualmente

vai fazer, reformular aquilo tudo de maneira a colocar

num produto... agora sem TIC isso demora muito tempo e

é massacrar os miúdos com mais tarefas.