Entrevista com Sérgio Reis

4
PESCAVENTURA l 10 [ entrevista: Sérgio Reis ] POR: JANAÍNA QUITÉRIO l FOTOS: ALEXANDRE TOKITAKA l ARTE: PAULA BIZACHO PESCAVENTURA: Quer dizer que Sérgio Reis é apaixonado por pesca? Sérgio Reis: Tive, durante 18 anos, um hotel no Pantanal com estrutu- ra para pesca esportiva: você acha que sou ou não? Já pesquei muito no rio São Lourenço — em Barão de Melgaço-MT—, para onde só tinha como ir de avião. Dessa for- ma, não existia esse bando de pes- cador que vem com caminhonete, com ônibus, com tudo que você imagina. Por lá só pousava quem eu deixava. Quando eu não queria que alguém aparecesse, coloca- va um trator no meio da pista de pouso. A gente fazia questão de não ter problema com caçadores porque queríamos que lá fosse um lugar reservado e preservado. PESCAVENTURA: Como come- çou a pescar? Onde praticava? S.R.: O meu pai sempre pescou e, desde quando éramos crianças, nos levava para as represas de Guara- piranga e Billings-SP. Embora fosse menino, eu me lembro muito bem de pegar Bagrezinhos. Na década de 1950, pescava até no rio Tietê, que tinha um curso d’água muito diferente de como está hoje (ou seja, ele não era ‘retão’). Em uma das curvas do formato antigo, fica- va a fábrica da Cica — que produ- zia molho de tomate — cujos fun- cionários costumavam jogar muita casca de alimentos na beira do rio, e aquilo deixava o local cevado. Aí, pegávamos o bonde com nossas varinhas de bambu e levávamos um saco cheio de Lambaris para comermos ‘fritinhos’ no jantar. PESCAVENTURA: Qual mo- mento mais marcou você na pesca esportiva? S.R.: Foi o dia no qual pesquei, em uma noite, 32 Robalos com ar- pão. Isso aconteceu cerca de 800 metros adentro do rio Guaraú, em Peruíbe-SP. A gente costumava ir durante o dia para lá, quando ainda estava raso, e limpávamos a galhada. À noite, levávamos um lampião de carbureto — que tem a entrevista.indd 10 28/07/2011 15:39:30

description

Entrevista com Sérgio Reis sobre pesca esportiva publicada na Revista Pescaventura 4, em janeiro de 2010.

Transcript of Entrevista com Sérgio Reis

Page 1: Entrevista com Sérgio Reis

PESCAVENTURA l 10

[ entrevista: Sérgio Reis ]

POR: JANAÍNA QUITÉRIO l FOTOS: ALEXANDRE TOKITAKA l ARTE: PAULA BIZACHO

PESCAVENTURA: Quer dizer que Sérgio Reis é apaixonado por pesca?

Sérgio Reis: Tive, durante 18 anos, um hotel no Pantanal com estrutu-ra para pesca esportiva: você acha que sou ou não? Já pesquei muito no rio São Lourenço — em Barão de Melgaço-MT—, para onde só tinha como ir de avião. Dessa for-ma, não existia esse bando de pes-cador que vem com caminhonete, com ônibus, com tudo que você imagina. Por lá só pousava quem eu deixava. Quando eu não queria que alguém aparecesse, coloca-va um trator no meio da pista de pouso. A gente fazia questão de não ter problema com caçadores

porque queríamos que lá fosse um lugar reservado e preservado. PESCAVENTURA: Como come-çou a pescar? Onde praticava?

S.R.: O meu pai sempre pescou e, desde quando éramos crianças, nos levava para as represas de Guara-piranga e Billings-SP. Embora fosse menino, eu me lembro muito bem de pegar Bagrezinhos. Na década de 1950, pescava até no rio Tietê, que tinha um curso d’água muito diferente de como está hoje (ou seja, ele não era ‘retão’). Em uma das curvas do formato antigo, fica-va a fábrica da Cica — que produ-zia molho de tomate — cujos fun-cionários costumavam jogar muita

casca de alimentos na beira do rio, e aquilo deixava o local cevado. Aí, pegávamos o bonde com nossas varinhas de bambu e levávamos um saco cheio de Lambaris para comermos ‘fritinhos’ no jantar. PESCAVENTURA: Qual mo-mento mais marcou você na pesca esportiva?

S.R.: Foi o dia no qual pesquei, em uma noite, 32 Robalos com ar-pão. Isso aconteceu cerca de 800 metros adentro do rio Guaraú, em Peruíbe-SP. A gente costumava ir durante o dia para lá, quando ainda estava raso, e limpávamos a galhada. À noite, levávamos um lampião de carbureto — que tem a

entrevista.indd 10 28/07/2011 15:39:30

Page 2: Entrevista com Sérgio Reis

PESCAVENTURA l 11

Chapéu na cabeça e vara na mãoNa casa com vista para as curvas da Serra da Cantareira, que delimita a Zona Norte paulistana, o cantor, compositor e ator Sérgio Reis recebeu a equipe de reportagem da Revista PESCAVENTURA para uma agradável conversa sobre pesca esportiva ao som campestre de cigarras e aves. O ambiente de sua sala de estar, em cuja parede está pendurado um desenho de onça-pintada, foi o cenário perfeito para relembrar cenas da natureza e causos de pescaria. Conheça o lado pescador desse artista

luz amarela e não espanta o peixe, como a luz branca —, uma fisga de rã de cinco dentes (à semelhança de um grande garfo), um cabo de vassoura comprido e colocávamos luva na mão esquerda. Entráva-mos no mar de tênis e com meia de futebol contendo um papelão nela, para evitar que nos machucásse-mos. Demarcávamos a área com o pau da vassoura e, enquanto um segurava o lampião, os outros pes-cavam com um puçá indígena. Lentamente, chegávamos perto do peixe e, “zum!”, apanhávamos. Aprendi essa pescaria com um ve-lho que morava próximo de Cana-neia, no extremo sul de Ilha Com-prida-SP. Poucos a conhecem, mas é possível realizá-la ainda hoje, em

entradas de mangues, como em Angra dos Reis-RJ, por exemplo. PESCAVENTURA: Acredita em algum tipo de crença ou lenda que faça o pescador ter menos sorte?

S.R.: Eu vou contar uma muito en-graçada: há poucos anos fui a San-ta Catarina e tive a oportunidade de pescar com o Esperidião Amin — ex-governador do Estado. Nós fomos acompanhados de várias pessoas do Tribunal de Contas da União no barco do Amin, que pe-diu para a sua esposa, a prefeita de Florianópolis na época, fazer quibinhos para nossa “pescaria de costão”. Antes de sair para

encontrá-los, peguei no hotel al-gumas frutas, entre elas um cacho de bananas lindo. Pedi ao governa-dor que as colocasse junto com os quibes. Ele falou assustado: ‘Você trouxe banana para o barco? Se fi-zer isso não vai pegar nada’. E eu, incrédulo, debochei, porque nunca tinha ouvido falar naquilo. Mas, olha que coisa impressionante: fi-quei lá a manhã toda e não peguei nenhum peixe, enquanto eles pe-garam 156 Badejos. Depois eu tive que aguentar a gozação! Agora, es-tou marcando outra pescaria com eles e vou levar banana escondida para jogar na cara dos peixes.

Lembrança de sua antiga pousada no Pantanal

FOTO

: ARQ

UIvO

PES

CAvE

NTUR

A

entrevista.indd 11 28/07/2011 15:39:30

Page 3: Entrevista com Sérgio Reis

PESCAVENTURA l 12

Para que pegar um peixe lá de longe e trazer? No rio

Negro, afluente do Aquidauana — onde

Almir Sater tem a fazenda dele — não

pode embarcar peixe, e respeito isso”

PESCAVENTURA: Você gosta de pescar com isca artificial também?

S.R.: Artificial é uma isca boa! Uma vez, no Pantanal, não havia levado colher. Lá, na cheia, o peixe vai para o mato e, quando começa a vazante, todos aqueles que en-traram para o mato voltam para o rio e seguem a correnteza [e os ja-carés esperando]. Com uma rapala branca, desejei: “Seja o que Deus quiser”. Joguei a artificial e peguei uma Cachara grande. PESCAVENTURA: Tem algum peixe preferido?

S.R.: Qualquer um. Mas, cutucar um Dourado, quando ele pula, é

emocionante. Dourado de mar é bonito também.

PESCAVENTURA: Você come-çou a sua carreira artística can-tando rock n’ roll. Migrar para o sertanejo, para a música caipi-ra, tem a ver com voltar-se mais para a natureza? Por quê?

S.R.: Só tem! Eu sei que a turma que ouve sertanejo gosta de sítio — e da calma que ele dá. No Pantanal, tudo é devagar: o jacaré olha inerte, a capivara é quieta, o pássaro voa devagar, o rio corre lento... É outro tipo de vida, diferente dessa loucu-ra de cá. Aqui em casa, você ouviu alguma sirene de ambulância? Ve-nha ver meu jardim: tenho manga, mexerica, laranja, salsinha, abobri-

nha, alface, eu planto quase tudo aqui. Nós não comemos salada que vem de fora. Moro em São Paulo, mas junto à natureza. Quando acor-do, o que escuto? Os tucanos can-tando ‘rá, rá, rá’.

PESCAVENTURA: Tanto a pes-caria quanto a música têm re-lação com a natureza. Você conseguiu conciliar isso na sua vida...

S.R.: Depois que você vai para o interior, vai a um sítio e pesca em um riachinho, acabou. Não tem jeito, você delira e começa a amar a natureza. Na minha fazenda, no Mato Grosso do Sul, nem eu nem meu peão sabíamos que existia Dourado. O riozinho nascia na mi-

Sérgio Reis mostra a natureza da Serra da Cantareira vista de sua varanda

entrevista.indd 12 28/07/2011 15:39:36

Page 4: Entrevista com Sérgio Reis

PESCAVENTURA l 13

Eu sei que a turma que ouve sertanejo gosta de sítio — e da calma que ele dá. No Pantanal, tudo é devagar: o jacaré olha inerte, a capivara é quieta, o

pássaro voa devagar, o rio corre lento... É outro tipo de vida,

diferente dessa loucura de cá”

Quando é de tardezinha, pego a tralha de pescar

Com a matula no embornal, eu vou lá pro ribeirão –

Jogo o farelo no poço e a peixarada se assanha

E eu que conheço a manha, pego peixe de montão”

‘Meu sítio, meu paraíso’, interpretada por Sérgio Reis

nha grama, era uma ‘aguinha sem-vergonha’, mas, como havia várias nascentes, formava água que não acabava mais. Um dia, resolvemos entrar no meio do mato para ver se naquele rio tinha Dourado. E não é que arremessamos uma colher e o bicho bateu?

PESCAVENTURA: Você pesca-va durante as gravações da no-vela Pantanal? S.R.: Pescava muito, porque havia 60 pessoas na fazenda, ou seja, muita gente comendo. Aqueles que não filmavam, iam abastecê-la. De lá, tenho várias histórias engraçadas: eu, Almir Sater e Claudio Marzo fomos pescar, jus-tamente para alimentar o elenco, numa canoa grande amarela de seis metros. Tinha um rapaz lá, do

merchandising da Manchete, que pediu para ir conosco. Ficamos corricando, e eu segurava uma vara para empurrar a galhada. Foi quando vi uma sucuri no barran-co. Fiz um sinal silencioso para o Almir, que disse: ‘gente, vamos descer que quero fazer xixi’. Parei o barco e, com uma corda, peguei a cobra. Gritei: ‘Ô, Almir, olha uma sucuri, vamos levá-la por-que teremos de fazer uma cena com o filho do Tenório’. O menino ameaçou jogar-se na água, mas o convencemos de que era pior, de-vido às piranhas e aos jacarés. Só fizemos isso porque sabíamos que a sucuri estava inerte, “ruminan-do”, pois devia ter engolido, no mínimo, uma capivara.

PESCAVENTURA: Para encerrar. Você é adepto do pesque e solte?

S.R.: Sou! Para que pegar um peixe lá de longe e trazer? No rio Negro, afluente do Aquidauana — onde Almir Sater tem a fazenda dele — não pode embarcar peixe, e res-peito isso. Lá ninguém entra com isopor. É lei. Então, pesca-se para comer e, quando é por diversão, o peixe é solto, o que torna a pesca esportiva mais gostosa.

FOTO

: ARQ

UIvO

PES

CAvE

NTUR

A

entrevista.indd 13 28/07/2011 15:39:41