Entrevista com David Miranda - #AsiloSnowden

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Política Jornal do Comércio - Porto Alegre 20 Terça-feira 28 de janeiro de 2014 Poitras (jornalista que também re- cebeu documentos de Snowden) e trazer os Estados Unidos para esse debate que a gente está tendo hoje. Ele fez isso tudo, então eu admiro muito a pessoa que ele é. JC - Na petição online já são mais de 900 mil pessoas aderin- do à campanha. O que espera desse movimento? Miranda – Eu, o Avaaz e a co- letivo Juntos estamos trabalhando para poder entregar no começo do mês lá no Congresso brasileiro a petição. A gente vai lá fazer esse pedido de asilo pra ele (Snowden). JC – E o que o Brasil tem a oferecer a Snowden? Miranda – O Brasil pode pro- teger os direitos humanos dele, que, em primeiro lugar, é o que os Estados Unidos querem caçar. O governo norte-americano quere colocar ele numa cadeia para não poder participar desse debate ex- tremamente importante que ele ajudou a criar há oito meses. Com o Brasil dando asilo permanente a ele, diferente da Rússia que deu asilo temporário, ele poderá con- tribuir para o debate. Na Rússia ele não pode falar nada. Estando em um país que dê asilo perma- nente a ele, que possa debater, o mundo inteiro vai poder se bene- ficiar. JC - O que acha de Snowden não ter aceitado asilo, na época, cedido por países sul-america- nos? Miranda - Você viu o que aconteceu com o avião do Evo Mo- rales? Então, por que você acha que ele não aceitou esses países? Porque ele precisa de um país for- te como o Brasil ou a Alemanha, a França, para poder falar assim: “Nós estamos dando asilo para ele”. Os EUA não vão simplesmen- te mandar descer o avião de um líder de Estado. É aquela velha mentalidade: os Estados Unidos ainda são um império, e nós so- mos aquela velha colônia. Eles estão subestimando a gente. JC - Blogueiros brasileiros enviaram algumas perguntas para o ex-funcionário da CIA e da NSA. Uma das questões su- gere que Snowden, vindo para o Brasil, poderia correr o risco de ser extraditado para os EUA pelo presidente do STF, Joaquim Barbosa. Acredita que ele corre esse risco aqui? Miranda – Acredito que não. Se você vai dar asilo para uma pessoa, você simplesmente não vai extraditá-la... Você vai ficar em um impasse muito grande. Você vai chegar em um país com uma promessa de asilo e de repente ex- traditar aquela mesma pessoa? O mundo inteiro está com o holofote em cima disso. Acho que é muita especulação sobre uma coisa que politicamente não seria correta à visão do mundo. JC - Usando o exemplo da espionagem feita pela NSA à Petrobras, Snowden teria outras coisas que poderiam afetar de certa forma a economia brasi- leira? Miranda – Eu não posso espe- cular sobre documentos que pos- sam existir. Eu posso falar que há mais documentos sobre o Brasil, que a gente vai publicar de acor- do com o tempo. No momento nós estamos trabalhando com mais de 20 países. De acordo com os do- cumentos que acharmos que tem interesse para o público, a gente vai fazendo as publicações. Não sei se há documentos mais fortes que esse (da espionagem à Petro- bras), se há mais fracos, mas com certeza tem mais documentos so- bre o Brasil. JC - A retenção no aeroporto de Londres durou nove horas. Como foi ficar durante todo esse tempo sendo interrogado por MOBILIZAÇÃO David Miranda faz campanha para Brasil dar asilo a Snowden Leonardo Pujol , especial para o JC [email protected] “Falaram que aqui no Sul faz frio, mas me enganaram”, dis- se David Miranda, ao chegar na Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ). Ele coordena o projeto que pressiona o País a conceder asilo ao ex-analista de sistemas da Agência de Segurança Nacio- nal dos Estados Unidos (NSA, na sigla em inglês) e ex-funcionário da CIA Edward Snowden. Estrate- gista de marketing e companhei- ro do jornalista norte-americano Glenn Greenwald, Miranda falou com exclusividade ao Jornal do Comércio minutos antes de parti- cipar do debate “Soberania digital e vigilância na era da internet”, no Conexões Globais, sexta-feira pas- sada. Foi a primeira vez que ele veio a Porto Alegre. Em uma tarde em que os termômetros bateram nos 35º C, visivelmente tímido e com calor, Miranda falou à reportagem do JC na sala Cecy Frank, no quarto an- dar da CCMQ. Durante a entrevis- ta, ele demonstrou admiração por Snowden, confirmou que há mais documentos que dizem respeito à espionagem norte-americana no Brasil e acusou o governo inglês de abuso de poder. No debate em que participou, disse que se o País não conceder asilo ao ex-agente norte-americano, poderá sugerir a proposta ao Mercosul. A entrevista completa pode ser acessada no site www.jornaldocomercio.com.br, no link Fórum Social Temático. Jornal do Comércio – Está empenhado na campanha para que o Brasil conceda asilo a Edward Snowden. Que imagem tem dele? David Miranda - Eu não o conheço pessoalmente. A gente só se fala por meio de comunicação segura na internet. Ele é um gran- de herói pra mim. Largou mão de tudo, da segurança pessoal, da família, dos amigos, do trabalho, só pra poder sair do país dele, en- tregar estes documentos há oito meses para o Glenn e para Laura seis agentes de segurança? Miranda – Essa lei que eles (agentes de segurança do aero- porto de Heathrow, em Londres) usaram contra mim, em 97% do tempo, as pessoas ficam menos de uma hora detidas lá. Um mês antes de me deterem, entraram no escritório do The Guardian (jornal que fez as primeiras pu- blicações sobre a espionagem), quebraram os HDs, fizeram apa- gar tudo e ameaçaram jornalistas que estavam trabalhando nessas histórias. Então o The Guardian ficou quieto durante um mês. Daí, os agentes foram atrás dos outros jornalistas que estavam fazendo isso. Eles me pegaram, me interrogaram, como uma for- ma de quebrar esse círculo, para não fazerem mais publicações. Não conseguiram. Eles simples- mente mostraram ao mundo o abuso de poder. Com essa lei você é obrigado, você não pode ficar em silêncio. Eu tive que responder a todas as perguntas. Depois de nove horas, se um dos agentes achar que você não ha- via cooperado, ele pode te dar voz de prisão. Olha esse poder vasto que tem uma lei quando você está passando em trânsito por um país. Foi abuso de poder. Uma lei que é contra terrorismo. Eles falam que material jornalís- tico hoje em dia é terrorismo e que eu participo de espionagem. Este cenário só serve para ver o quanto esses governos precisam disso: de jornalistas sérios, para trazer mais transparência. JC - O que continham os ma- teriais apreendidos e qual é a situação atual deste caso? Miranda – Ali era meu mate- rial de trabalho. Meu celular, meu computador. Eu fui à Alemanha para ter algumas reuniões, entre outros aspectos sobre o filme da Laura, fui entregar material jor- nalístico a ela. Havia matérias das quais eu não tinha conheci- mento e tinham materiais meus de trabalho. Tudo foi apreendido e continua com o governo inglês. Não tem previsão de devolução. Eu estou com um processo contra eles e, em fevereiro, tenho uma audiência no Reino Unido, onde estarei representado por meus ad- vogados. JC - Qual é o papel da inter- net no mundo atual? Miranda – A internet é o maior mecanismo que a gente tem de comunicação, de criati- vidade e de expressão humana hoje. Você pode trabalhar o dia inteiro estressado e quando che- ga no computador você pode ser um outro personagem ali, se expressar da forma que quiser. Você pode criar um livro, pode ter um blog, pode postar fotos, pode conversar com milhões de pessoas sobre milhões de assun- tos. A internet é um lugar onde você pode ter intimidade, onde pode se recriar e ser criado. Mas ela também tem um outro lado, que é o que a gente está mostran- do agora: o monitoramento das nossas ações e nosso comporta- mento pelos governos e empre- sas. Esse debate que está se insta- lando agora é para ver qual o real papel da internet nas nossas vi- das. Se é uma grande ferramenta do governo para poder controlar nossas vidas e o que a gente faz ou se realmente esse mecanismo é para a liberdade de expressão. “Há mais documentos sobre o Brasil, que a gente vai publicar de acordo com o tempo. Não sei se são mais fortes que esse (da espionagem à Petrobras), mas com certeza tem mais documentos sobre o País” Miranda falou sobre soberania digital e vigilância na era da internet CAROLINA HICKMANN/ESPECIAL/JC

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David Miranda, responsável pela campanha #AsiloSnowden no Brasil, concedeu entrevista exclusiva ao Jornal do Comércio.

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Política

Jornal do Comércio - Porto Alegre20 Terça-feira28 de janeiro de 2014

Poitras (jornalista que também re-cebeu documentos de Snowden) e trazer os Estados Unidos para esse debate que a gente está tendo hoje. Ele fez isso tudo, então eu admiro muito a pessoa que ele é.

JC - Na petição online já são mais de 900 mil pessoas aderin-do à campanha. O que espera desse movimento?

Miranda – Eu, o Avaaz e a co-letivo Juntos estamos trabalhando para poder entregar no começo do mês lá no Congresso brasileiro a petição. A gente vai lá fazer esse pedido de asilo pra ele (Snowden).

JC – E o que o Brasil tem a oferecer a Snowden?

Miranda – O Brasil pode pro-teger os direitos humanos dele, que, em primeiro lugar, é o que os Estados Unidos querem caçar. O governo norte-americano quere colocar ele numa cadeia para não poder participar desse debate ex-

tremamente importante que ele ajudou a criar há oito meses. Com o Brasil dando asilo permanente a ele, diferente da Rússia que deu asilo temporário, ele poderá con-tribuir para o debate. Na Rússia ele não pode falar nada. Estando em um país que dê asilo perma-nente a ele, que possa debater, o mundo inteiro vai poder se bene-ficiar.

JC - O que acha de Snowden não ter aceitado asilo, na época, cedido por países sul-america-nos?

Miranda - Você viu o que aconteceu com o avião do Evo Mo-rales? Então, por que você acha que ele não aceitou esses países? Porque ele precisa de um país for-te como o Brasil ou a Alemanha, a França, para poder falar assim: “Nós estamos dando asilo para ele”. Os EUA não vão simplesmen-te mandar descer o avião de um líder de Estado. É aquela velha mentalidade: os Estados Unidos

ainda são um império, e nós so-mos aquela velha colônia. Eles estão subestimando a gente.

JC - Blogueiros brasileiros enviaram algumas perguntas para o ex-funcionário da CIA e da NSA. Uma das questões su-gere que Snowden, vindo para o Brasil, poderia correr o risco de ser extraditado para os EUA pelo presidente do STF, Joaquim Barbosa. Acredita que ele corre esse risco aqui?

Miranda – Acredito que não. Se você vai dar asilo para uma pessoa, você simplesmente não vai extraditá-la... Você vai ficar em um impasse muito grande. Você vai chegar em um país com uma promessa de asilo e de repente ex-traditar aquela mesma pessoa? O mundo inteiro está com o holofote em cima disso. Acho que é muita especulação sobre uma coisa que politicamente não seria correta à

visão do mundo. JC - Usando o exemplo da

espionagem feita pela NSA à Petrobras, Snowden teria outras coisas que poderiam afetar de certa forma a economia brasi-leira?

Miranda – Eu não posso espe-cular sobre documentos que pos-sam existir. Eu posso falar que há mais documentos sobre o Brasil, que a gente vai publicar de acor-do com o tempo. No momento nós estamos trabalhando com mais de 20 países. De acordo com os do-cumentos que acharmos que tem interesse para o público, a gente vai fazendo as publicações. Não sei se há documentos mais fortes que esse (da espionagem à Petro-bras), se há mais fracos, mas com certeza tem mais documentos so-bre o Brasil.

JC - A retenção no aeroporto de Londres durou nove horas. Como foi ficar durante todo esse tempo sendo interrogado por

MOBILIZAÇÃO

David Miranda faz campanha para Brasil dar asilo a Snowden

Leonardo Pujol, especial para o [email protected]

“Falaram que aqui no Sul faz frio, mas me enganaram”, dis-se David Miranda, ao chegar na Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ). Ele coordena o projeto que pressiona o País a conceder asilo ao ex-analista de sistemas da Agência de Segurança Nacio-nal dos Estados Unidos (NSA, na sigla em inglês) e ex-funcionário da CIA Edward Snowden. Estrate-gista de marketing e companhei-ro do jornalista norte-americano Glenn Greenwald, Miranda falou com exclusividade ao Jornal do Comércio minutos antes de parti-cipar do debate “Soberania digital e vigilância na era da internet”, no Conexões Globais, sexta-feira pas-sada. Foi a primeira vez que ele veio a Porto Alegre.

Em uma tarde em que os termômetros bateram nos 35º C, visivelmente tímido e com calor, Miranda falou à reportagem do JC na sala Cecy Frank, no quarto an-dar da CCMQ. Durante a entrevis-ta, ele demonstrou admiração por Snowden, confirmou que há mais documentos que dizem respeito à espionagem norte-americana no Brasil e acusou o governo inglês de abuso de poder. No debate em que participou, disse que se o País não conceder asilo ao ex-agente norte-americano, poderá sugerir a proposta ao Mercosul. A entrevista completa pode ser acessada no site www.jornaldocomercio.com.br, no link Fórum Social Temático.

Jornal do Comércio – Está empenhado na campanha para que o Brasil conceda asilo a Edward Snowden. Que imagem tem dele?

David Miranda - Eu não o conheço pessoalmente. A gente só se fala por meio de comunicação segura na internet. Ele é um gran-de herói pra mim. Largou mão de tudo, da segurança pessoal, da família, dos amigos, do trabalho, só pra poder sair do país dele, en-tregar estes documentos há oito meses para o Glenn e para Laura

seis agentes de segurança? Miranda – Essa lei que eles

(agentes de segurança do aero-porto de Heathrow, em Londres) usaram contra mim, em 97% do tempo, as pessoas ficam menos de uma hora detidas lá. Um mês antes de me deterem, entraram no escritório do The Guardian (jornal que fez as primeiras pu-blicações sobre a espionagem), quebraram os HDs, fizeram apa-gar tudo e ameaçaram jornalistas que estavam trabalhando nessas histórias. Então o The Guardian ficou quieto durante um mês. Daí, os agentes foram atrás dos outros jornalistas que estavam fazendo isso. Eles me pegaram, me interrogaram, como uma for-ma de quebrar esse círculo, para não fazerem mais publicações. Não conseguiram. Eles simples-mente mostraram ao mundo o abuso de poder. Com essa lei você é obrigado, você não pode ficar em silêncio. Eu tive que responder a todas as perguntas. Depois de nove horas, se um dos agentes achar que você não ha-via cooperado, ele pode te dar voz de prisão. Olha esse poder vasto que tem uma lei quando você está passando em trânsito por um país. Foi abuso de poder. Uma lei que é contra terrorismo. Eles falam que material jornalís-tico hoje em dia é terrorismo e que eu participo de espionagem. Este cenário só serve para ver o quanto esses governos precisam disso: de jornalistas sérios, para trazer mais transparência.

JC - O que continham os ma-teriais apreendidos e qual é a situação atual deste caso?

Miranda – Ali era meu mate-

rial de trabalho. Meu celular, meu computador. Eu fui à Alemanha para ter algumas reuniões, entre outros aspectos sobre o filme da Laura, fui entregar material jor-nalístico a ela. Havia matérias das quais eu não tinha conheci-mento e tinham materiais meus de trabalho. Tudo foi apreendido e continua com o governo inglês. Não tem previsão de devolução. Eu estou com um processo contra eles e, em fevereiro, tenho uma audiência no Reino Unido, onde estarei representado por meus ad-vogados.

JC - Qual é o papel da inter-net no mundo atual?

Miranda – A internet é o maior mecanismo que a gente tem de comunicação, de criati-vidade e de expressão humana hoje. Você pode trabalhar o dia inteiro estressado e quando che-ga no computador você pode ser um outro personagem ali, se expressar da forma que quiser. Você pode criar um livro, pode ter um blog, pode postar fotos, pode conversar com milhões de pessoas sobre milhões de assun-tos. A internet é um lugar onde você pode ter intimidade, onde pode se recriar e ser criado. Mas ela também tem um outro lado, que é o que a gente está mostran-do agora: o monitoramento das nossas ações e nosso comporta-mento pelos governos e empre-sas. Esse debate que está se insta-lando agora é para ver qual o real papel da internet nas nossas vi-das. Se é uma grande ferramenta do governo para poder controlar nossas vidas e o que a gente faz ou se realmente esse mecanismo é para a liberdade de expressão.

“Há mais documentos sobre o Brasil, que a gente vai publicar de acordo com o tempo.

Não sei se são mais fortes que esse (da espionagem à Petrobras), mas com certeza

tem mais documentos sobre o País”

Miranda falou sobre soberania digital e vigilância na era da internetC

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