Entrevista com a Yasser Arafat

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Ano 2 número 65 De 27 de maio a 2 de junho de 2004 – 9 SEGUNDO CADERNO PALESTINA João Alexandre Peschanski de Ramallah (Palestina) O presidente da Autoridade Nacional Palestina, Yasser Arafat, denuncia o massacre do qual o povo palestino é vítima. Segundo ele, desde 2001, foram 73 mil pessoas mortas e feridas por soldados israelenses. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Arafat, Prêmio Nobel da Paz em 1994, con- dena a política do primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, acusado de cometer um crime contra a huma- nidade. Para deter o massacre, diz, a comunidade internacional precisa mobilizar-se. Impedido de sair há três anos de seu quartel-general, que está em ruínas e sob constante ataque de soldados israelenses, ele acredita que a paz ainda pode ser construída e alcançada na região. Brasil de Fato – A população israelense, a não ser uma ínfima minoria, se cala quanto à vio- lência que o governo de Sharon promove na Palestina. O que falta para surgir um grande mo- vimento em Israel que se oponha à ocupação? Yasser Arafat – Em Tel Aviv, no dia 15 de maio, ocorreu uma manifestação com mais de 150 mil pessoas, todas israelenses. Querem a paz, e por isso sem- pre temos contato com elas, mostrando o que se passa com o povo palestino e denunciando a política de Sharon. O grupo que governa Israel hoje é extre- mista e não quer o diálogo, mas sim interromper as negociações e matar todos os que tentarem impedi-los de ter o domínio to- tal do território. É o grupo que assassinou o primeiro-ministro is- raelense Itzakh Rabin. É o mesmo grupo que promove um massacre cotidiano da população palestina nos territórios ocupados. É o mes- mo grupo que destrói qualquer uma de nossas tentativas de criar um Estado palestino. BF – Milhares de casas destruí- das, plantações queimadas, pes- soas assassinadas. A violência do Exército de Israel não tem limites? Arafat – Não respeitam nem mesmo lugares sagrados. Na Se- mana Santa, soldados israelen- ses atacaram a Igreja do Santo Sepulcro, que está em território palestino, e destruíram parte do local, considerado sagrado pa- ra muçulmanos e católicos. Os soldados não permitem que os muçulmanos entrem em Jerusa- lém para orar. Perto de Ramallah, havia a igreja mais antiga do mundo, chamada Santa Bárbara, que foi completamente dinamita- da pelos soldados. E qual era a explicação? Mais tarde descobri- mos que destruíram a igreja mais antiga do mundo para construir parte do muro que isola a po- pulação palestina. Infelizmente, não houve protestos internacio- nais contra isso. Lembra quando os talebans explodiram aquelas imagens de Buda (no Afeganis- tão, em março de 2001)? Naque- le momento, houve protestos em todo o mundo. Como isso pode ser aceito pelo mundo? BF – A comunidade internacio- nal, salvo em algumas ocasiões, não ousa denunciar o governo israelense, muito por medo do apoio que Sharon recebe do go- verno dos Estados Unidos. O que os governantes de outros países dizem para o senhor? Como jus- tificam suas posições? Arafat – O presidente estaduni- dense, George W. Bush, justificou o ataque ao Iraque, acusando o governo do país de possuir armas de destruição em massa. Segundo da Redação Cartas de pessoas que estão morando no Iraque e enviadas ao Brasil de Fato – os autores não querem ser identificados para não sofrerem represálias – dizem que o país é um campo de batalha, há mais de um ano. Aviões de guerra e helicópteros militares sobrevoam o céu dia e noite e os bombardeios são ininterruptos. Tanques e blinda- dos estadunidenses causam conges- tionamentos nas estradas e nas vias urbanas, matando civis, que são a maioria das vítimas da guerra. Não há ordem pública, autori- dade ou governo. Segundo as car- tas, no Iraque não há documentos legais; impera a lei da selva. “As pessoas vivem num pesadelo. A porcentagem de desemprego é mui- to alta, como também é muito alto o risco de trabalhar para as forças da coalizão ou empresas estrangeiras, pois sempre há riscos de atentados por parte dos resistentes iraquia- nos”, dizem os textos. MAIS IMUNIDADE? Os Estados Unidos defendem uma nova resolução do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) para isentar suas tropas de responsabilidade por crimes de guerra em operações da própria ONU. Essa isenção foi aprovada em 2000 e prorrogada em 2003, até junho de 2004. Agora, o governo estadunidense pede nova prorrogação, mesmo em meio à indignação mundial contra a tortura de civis iraquianos por soldados invasores. “Devido às recentes revelações da prisão de Abu Ghraib (em Bag- dá), o governo dos Estados Unidos escolheu um terrível momento para pedir tratamento especial sobre cri- mes de guerra”, comentou Richard Dicker, da organização Human Rights Watch, com sede em Nova York. “O Conselho de Segurança da ONU não deveria conceder favores especiais a nenhum país, incluídos os EUA”, acrescentou. Os abusos cometidos pelos sol- dados estadunidenses justificariam um julgamento por crimes de guer- ra, segundo advogados, mas os Es- tados Unidos não podem ser levados perante o Tribunal Penal Internacio- nal (TPI), porque Washington não ratificou o Estatuto de Roma, que o criou. O presidente Bill Clinton (1993-2001) assinou o estatuto em dezembro de 2000, mas, em maio de 2002, seu sucessor, George W. Bush, retirou a assinatura. Pouco depois, o governo esta- dunidense lançou uma campanha contra o TPI. Assim, ameaçou vetar operações de paz da ONU, a menos que o Conselho de Segurança desse imunidade aos cidadãos estaduni- denses perante esse tribunal. Além disso, os Estados Unidos assinaram uma série de acordos bilaterais, inclusive com Estados membros do TPI, que obrigam as contrapartes a não entregarem sol- dados estadunidenses ao tribunal mundial. (Com IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br) Arafat pede ajuda internacional Presidente diz que governo israelense não respeita palestinos e que toda a humanidade precisa detê-lo Quem é Yasser Arafat é o presidente da Autoridade Nacional Palestina. Prêmio Nobel da Paz em 1994, juntamente com o então primeiro- ministro de Israel, Itzakh Rabin, ele lidera as negociações para acabar com a ocupação israelense nos territórios palestinos desde 1969. Em 1988, ele aconselhou o povo da Palestina a renunciar à luta armada contra israelenses e, em 1996, foi eleito presidente da Palestina. Em declarações recen- tes, o primeiro-ministro israelen- se, Ariel Sharon, disse que Arafat era um risco para a segurança de Israel e que, por isso, poderia ser eliminado. IRAQUE Cartas relatam terror cotidiano pesquisas estadunidenses, o go- verno israelense usa e abusa de armas químicas, especialmente urânio, contra a população pa- lestina. Outros estudos chegaram ao mesmo resultado. As conse- qüências das armas químicas israelenses são quase idênticas às das bombas atômicas de Na- gasaki e Hiroshima. Infelizmente não protesto internacional contra isso. O governo de Israel constrói um muro que confisca terras – 58% das terras palestinas na Cisjordânia – e cria pequenos guetos de populações, cercados e controlados militarmente, e a comunidade internacional se ca- la. Nas condições atuais, e sob ataque constante de Israel, não dá para criar um Estado. Em todas as declarações das autoridades palestinas, incluindo as minhas, apontamos nossa vontade de criar a paz e cooperar para construí- la. Enquanto falamos de paz, os soldados israelenses confiscam ou arrasam nossas melhores terras. BF – A grande mídia diz que a ofensiva em Rafa é a pior de todos os tempos. Arafat – A destruição é quase to- tal. Casas, vidas, tudo se perde. Agora falam de uma possível re- tirada, mas é uma grande men- tira. Falam da retirada de “al- gumas” posições militares, mas não todas. Diziam que não mais atacariam, mas a metade da cidade de Rafa está destruída. Dezenas de pessoas morreram. Sharon declara publicamente que continuará a destruir casas em Rafa, mesmo contra decisões da Organização das Nações Unidas (ONU), e a separar cada vez mais a Cisjordânia de Gaza. Também propõe dividir a Faixa de Gaza em três partes, desco- nectadas umas das outras, além de manter o controle sobre pa- lestinos por terra, mar e ar. Gaza se transformou em uma grande prisão, com todos os níveis de terror que isso gera. Até o mo- mento, 80% das terras cultivá- veis de Gaza foram destruídas. Quem pode aceitar isso? Infeliz- mente, não há suficientes protes- tos internacionais. Nos últimos três anos e meio, temos 73 mil pessoas mortas ou feridas. Dos feridos, 31% são crianças. O nú- mero de inválidos cresce a cada dia, e hoje representa 38% dos feridos. Também não há protes- tos internacionais. Além disso, o governo israelense adota uma política de confiscar todas as arrecadações tributárias desti- nadas às autoridades palestinas. Não temos como manter nossas escolas e hospitais funcionando. A vida cotidiana de nosso povo se torna quase impossível. A destruição dos prédios públicos é quase total, temos que recons- truir tudo. E quando reconstruí- mos, eles atacam de novo. BF – O senhor vive isolado, no meio de prédios totalmente destruídos. É assim a vida dos palestinos hoje? Arafat – Estou há três anos iso- lado, vivendo no meio de uma destruição indescritível e sob ataque constante, e sou o presi- dente eleito. A situação do povo é muito pior. Três mil observado- res internacionais acompanha- ram a eleição e concluíram que era legítima. Mas isso nada vale para os soldados israelenses que intensificam a violência contra nosso povo. É um castigo coleti- vo imposto ao nosso povo. O que pedimos é o cumprimento das decisões internacionais, que in- dicam a necessidade de se criar um Estado palestino soberano, com base em acordos que assi- namos com o governo israelense. São milhares de acordos e reso- luções assinadas e aceitas, tanto por nós quanto por israelenses, que nunca foram cumpridos. Alguns deles firmados com o próprio Sharon, quando ele era ministro (das Relações Exterio- res), em 1998. Posso enumerar cada um deles, e o mundo sabe que nenhum foi cumprido. O go- verno israelense quer construir a paz só no discurso, pois tem uma política de guerra e massacre. A destruição ocorre sem parar, acompanhada do terror, em Ga- za e na Cisjordânia. BF – As negociações não funcio- naram. Como os palestinos e as pessoas solidárias à luta contra a ocupação israelense podem ajudar a acabar com o massa- cre? Arafat – A comunidade inter- nacional precisa se mobilizar. Estamos sendo massacrados e pedimos socorro. O mundo não aceitou o Muro de Berlim, e o Muro foi destruído. É preciso criar uma rede internacional para derrubar o muro que o governo israelense constrói. As resoluções da ONU existem; por que não mandam ajuda militar, que seja? Mandam tropas para diversos países, e por que não para a Pa- lestina também? A comunidade internacional precisa proteger os campos de refugiados pales- tinos, isso faz parte dos direitos internacionais. É preciso que haja observadores internacionais para ver o massacre. Não há proteção internacional para nós. Em Belém, quando a cidade foi sitiada, tentaram incendiar uma igreja, patrimônio universal da humanidade, dizendo que havia terroristas escondidos. O governo israelense não respeita a huma- nidade e é toda a humanidade que precisa detê-lo. E quando pessoas solidárias à luta do po- vo palestino vêm protestar aqui, muitas vezes são deportadas ou até assassinadas. O governo is- raelense não respeita as decisões e a vontade da humanidade. É preciso detê-lo. Armadilhas feitas com pedaços de pau e concreto para impedir que helicópteros pousem no pátio do quartel general de Arafat O mesmo grupo que assassinou Itzakh Rabin promove um massacre cotidiano nos territórios ocupados Hussein Hussein-Ho/AFP João Alexandre Peschansk

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Arafat pede ajuda internacional

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Ano 2 • número 65 • De 27 de maio a 2 de junho de 2004 – 9

SEGUNDO CADERNOPALESTINA

João Alexandre Peschanskide Ramallah (Palestina)

O presidente da Autoridade Nacional Palestina, Yasser Arafat, denuncia o massacre

do qual o povo palestino é vítima. Segundo ele, desde 2001, foram 73 mil pessoas mortas e feridas por soldados israelenses. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Arafat, Prêmio Nobel da Paz em 1994, con-dena a política do primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, acusado de cometer um crime contra a huma-nidade. Para deter o massacre, diz, a comunidade internacional precisa mobilizar-se. Impedido de sair há três anos de seu quartel-general, que está em ruínas e sob constante ataque de soldados israelenses, ele acredita que a paz ainda pode ser construída e alcançada na região.

Brasil de Fato – A população israelense, a não ser uma ínfima minoria, se cala quanto à vio-lência que o governo de Sharon promove na Palestina. O que falta para surgir um grande mo-vimento em Israel que se oponha à ocupação?Yasser Arafat – Em Tel Aviv, no dia 15 de maio, ocorreu uma manifestação com mais de 150 mil pessoas, todas israelenses. Querem a paz, e por isso sem-pre temos contato com elas, mostrando o que se passa com o povo palestino e denunciando a política de Sharon. O grupo que governa Israel hoje é extre-mista e não quer o diálogo, mas sim interromper as negociações e matar todos os que tentarem impedi-los de ter o domínio to-tal do território. É o grupo que assassinou o primeiro-ministro is-raelense Itzakh Rabin. É o mesmo grupo que promove um massacre cotidiano da população palestina nos territórios ocupados. É o mes-mo grupo que destrói qualquer uma de nossas tentativas de criar um Estado palestino.

BF – Milhares de casas destruí-das, plantações queimadas, pes-soas assassinadas. A violência do Exército de Israel não tem limites?Arafat – Não respeitam nem mesmo lugares sagrados. Na Se-mana Santa, soldados israelen-ses atacaram a Igreja do Santo Sepulcro, que está em território palestino, e destruíram parte do local, considerado sagrado pa-ra muçulmanos e católicos. Os soldados não permitem que os muçulmanos entrem em Jerusa-lém para orar. Perto de Ramallah, havia a igreja mais antiga do mundo, chamada Santa Bárbara, que foi completamente dinamita-da pelos soldados. E qual era a explicação? Mais tarde descobri-mos que destruíram a igreja mais antiga do mundo para construir parte do muro que isola a po-pulação palestina. Infelizmente, não houve protestos internacio-nais contra isso. Lembra quando os talebans explodiram aquelas imagens de Buda (no Afeganis-tão, em março de 2001)? Naque-le momento, houve protestos em todo o mundo. Como isso pode ser aceito pelo mundo?

BF – A comunidade internacio-nal, salvo em algumas ocasiões, não ousa denunciar o governo israelense, muito por medo do apoio que Sharon recebe do go-verno dos Estados Unidos. O que os governantes de outros países dizem para o senhor? Como jus-tificam suas posições?Arafat – O presidente estaduni-dense, George W. Bush, justificou o ataque ao Iraque, acusando o governo do país de possuir armas de destruição em massa. Segundo

da Redação

Cartas de pessoas que estão morando no Iraque e enviadas ao Brasil de Fato – os autores não querem ser identificados para não sofrerem represálias – dizem que o país é um campo de batalha, há mais de um ano. Aviões de guerra e helicópteros militares sobrevoam o céu dia e noite e os bombardeios são ininterruptos. Tanques e blinda-dos estadunidenses causam conges-tionamentos nas estradas e nas vias urbanas, matando civis, que são a maioria das vítimas da guerra.

Não há ordem pública, autori-dade ou governo. Segundo as car-tas, no Iraque não há documentos legais; impera a lei da selva. “As pessoas vivem num pesadelo. A

porcentagem de desemprego é mui-to alta, como também é muito alto o risco de trabalhar para as forças da coalizão ou empresas estrangeiras, pois sempre há riscos de atentados por parte dos resistentes iraquia-nos”, dizem os textos.

MAIS IMUNIDADE?Os Estados Unidos defendem

uma nova resolução do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) para isentar suas tropas de responsabilidade por crimes de guerra em operações da própria ONU. Essa isenção foi aprovada em 2000 e prorrogada em 2003, até junho de 2004. Agora, o governo estadunidense pede nova prorrogação, mesmo em meio à indignação mundial contra a tortura

de civis iraquianos por soldados invasores.

“Devido às recentes revelações da prisão de Abu Ghraib (em Bag-dá), o governo dos Estados Unidos escolheu um terrível momento para pedir tratamento especial sobre cri-mes de guerra”, comentou Richard Dicker, da organização Human Rights Watch, com sede em Nova York. “O Conselho de Segurança da ONU não deveria conceder favores especiais a nenhum país, incluídos os EUA”, acrescentou.

Os abusos cometidos pelos sol-dados estadunidenses justificariam um julgamento por crimes de guer-ra, segundo advogados, mas os Es-tados Unidos não podem ser levados perante o Tribunal Penal Internacio-nal (TPI), porque Washington não

ratificou o Estatuto de Roma, que o criou. O presidente Bill Clinton (1993-2001) assinou o estatuto em dezembro de 2000, mas, em maio de 2002, seu sucessor, George W. Bush, retirou a assinatura.

Pouco depois, o governo esta-dunidense lançou uma campanha contra o TPI. Assim, ameaçou vetar operações de paz da ONU, a menos que o Conselho de Segurança desse imunidade aos cidadãos estaduni-denses perante esse tribunal.

Além disso, os Estados Unidos assinaram uma série de acordos bilaterais, inclusive com Estados membros do TPI, que obrigam as contrapartes a não entregarem sol-dados estadunidenses ao tribunal mundial. (Com IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)

Arafat pede ajuda internacionalPresidente diz que governo israelense não respeita palestinos e que toda a humanidade precisa detê-lo

Quem éYasser Arafat é o presidente da

Autoridade Nacional Palestina. Prêmio Nobel da Paz em 1994, juntamente com o então primeiro-ministro de Israel, Itzakh Rabin, ele lidera as negociações para acabar com a ocupação israelense nos territórios palestinos desde 1969. Em 1988, ele aconselhou o povo da Palestina a renunciar à luta armada contra israelenses e, em 1996, foi eleito presidente da Palestina. Em declarações recen-tes, o primeiro-ministro israelen-se, Ariel Sharon, disse que Arafat era um risco para a segurança de Israel e que, por isso, poderia ser eliminado.

IRAQUE

Cartas relatam terror cotidiano

pesquisas estadunidenses, o go-verno israelense usa e abusa de armas químicas, especialmente urânio, contra a população pa-lestina. Outros estudos chegaram ao mesmo resultado. As conse-qüências das armas químicas israelenses são quase idênticas às das bombas atômicas de Na-gasaki e Hiroshima. Infelizmente não há protesto internacional contra isso. O governo de Israel constrói um muro que confisca terras – 58% das terras palestinas na Cisjordânia – e cria pequenos guetos de populações, cercados e controlados militarmente, e a comunidade internacional se ca-la. Nas condições atuais, e sob ataque constante de Israel, não dá para criar um Estado. Em todas as declarações das autoridades palestinas, incluindo as minhas, apontamos nossa vontade de criar a paz e cooperar para construí-la. Enquanto falamos de paz, os soldados israelenses confiscam ou arrasam nossas melhores terras.

BF – A grande mídia diz que a ofensiva em Rafa é a pior de todos os tempos.Arafat – A destruição é quase to-

tal. Casas, vidas, tudo se perde. Agora falam de uma possível re-tirada, mas é uma grande men-tira. Falam da retirada de “al-gumas” posições militares, mas não todas. Diziam que não mais atacariam, mas a metade da cidade de Rafa está destruída. Dezenas de pessoas morreram. Sharon declara publicamente que continuará a destruir casas em Rafa, mesmo contra decisões da Organização das Nações Unidas (ONU), e a separar cada vez mais a Cisjordânia de Gaza. Também propõe dividir a Faixa de Gaza em três partes, desco-nectadas umas das outras, além de manter o controle sobre pa-lestinos por terra, mar e ar. Gaza se transformou em uma grande prisão, com todos os níveis de terror que isso gera. Até o mo-mento, 80% das terras cultivá-veis de Gaza foram destruídas. Quem pode aceitar isso? Infeliz-mente, não há suficientes protes-

tos internacionais. Nos últimos três anos e meio, temos 73 mil pessoas mortas ou feridas. Dos feridos, 31% são crianças. O nú-mero de inválidos cresce a cada dia, e hoje representa 38% dos feridos. Também não há protes-tos internacionais. Além disso, o governo israelense adota uma política de confiscar todas as arrecadações tributárias desti-nadas às autoridades palestinas. Não temos como manter nossas escolas e hospitais funcionando. A vida cotidiana de nosso povo se torna quase impossível. A destruição dos prédios públicos é quase total, temos que recons-truir tudo. E quando reconstruí-mos, eles atacam de novo.

BF – O senhor vive isolado, no meio de prédios totalmente destruídos. É assim a vida dos palestinos hoje?Arafat – Estou há três anos iso-lado, vivendo no meio de uma

destruição indescritível e sob ataque constante, e sou o presi-dente eleito. A situação do povo é muito pior. Três mil observado-res internacionais acompanha-ram a eleição e concluíram que era legítima. Mas isso nada vale para os soldados israelenses que intensificam a violência contra nosso povo. É um castigo coleti-vo imposto ao nosso povo. O que pedimos é o cumprimento das decisões internacionais, que in-dicam a necessidade de se criar um Estado palestino soberano, com base em acordos que assi-namos com o governo israelense. São milhares de acordos e reso-luções assinadas e aceitas, tanto por nós quanto por israelenses, que nunca foram cumpridos. Alguns deles firmados com o próprio Sharon, quando ele era ministro (das Relações Exterio-res), em 1998. Posso enumerar cada um deles, e o mundo sabe que nenhum foi cumprido. O go-verno israelense quer construir a paz só no discurso, pois tem uma política de guerra e massacre. A destruição ocorre sem parar, acompanhada do terror, em Ga-za e na Cisjordânia.

BF – As negociações não funcio-naram. Como os palestinos e as pessoas solidárias à luta contra a ocupação israelense podem ajudar a acabar com o massa-cre?Arafat – A comunidade inter-nacional precisa se mobilizar. Estamos sendo massacrados e pedimos socorro. O mundo não aceitou o Muro de Berlim, e o Muro foi destruído. É preciso criar uma rede internacional para derrubar o muro que o governo israelense constrói. As resoluções da ONU existem; por que não mandam ajuda militar, que seja? Mandam tropas para diversos países, e por que não para a Pa-lestina também? A comunidade internacional precisa proteger os campos de refugiados pales-tinos, isso faz parte dos direitos internacionais. É preciso que haja observadores internacionais para ver o massacre. Não há proteção internacional para nós. Em Belém, quando a cidade foi sitiada, tentaram incendiar uma igreja, patrimônio universal da humanidade, dizendo que havia terroristas escondidos. O governo israelense não respeita a huma-nidade e é toda a humanidade que precisa detê-lo. E quando pessoas solidárias à luta do po-vo palestino vêm protestar aqui, muitas vezes são deportadas ou até assassinadas. O governo is-raelense não respeita as decisões e a vontade da humanidade. É preciso detê-lo.

Armadilhas feitas com pedaços de pau e concreto para impedir que helicópteros pousem no pátio do quartel general de Arafat

O mesmo grupo que assassinou Itzakh Rabin promove um massacre cotidiano nos territórios ocupados

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