entrevista carol barrteo. existe moda baiana?

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Entrevista CAROL BARRETO Olhe | 13 de outubro, 2009| 01 lusa preta, calça listrada preta e branca. Mais o Black Power, sua marca tatuada no ombro, o colar e o anelão laranja não escondem que Carol Barreto, 29 anos, é uma pessoa que tem estilo. Professora de Design de Moda e Gestão em Moda na Faculdade da Cidade, na Unifacs e na UniJorge, formada em Letras com Inglês e Mestre em Desenho Cultura e interatividade pela UEFS, tem larga experiência em pesquisa na área. Em 2008, fez uma pesquisa de Mestrado sobre Moda e Expressão Sexual: redesenho e construção da aparência no grupo das travestis de Salvador. Qual o seu conceito de moda? Muito além do conceito acadêmico, mas pessoal, enquanto mulher, e mais além enquanto mulher baiana. Eu acho que na verdade é indissociável esse conceito acadêmico, feminino e regional. Mesmo para profissionais que vão lidar somente com a prática, às vezes, ou com consultorias pra empresas, com o âmbito palpável da moda, ele precisa na verdade ter um aprofundamento teórico. Seja pra fazer uma blusa, pra construir uma imagem de moda num editorial ou simplesmente pra escrever sobre moda. A metodologia de um projeto de designer de moda, que é diferente do estilista, que é aquele que pensou numa peça, fez um desenho artístico, encontrou um tecido e costurou. Existe uma serie de condicionantes, de pré-requisitos e problemáticas que vão dar constituição a esse projeto. Hoje com as discussões que vão avançando, em âmbito nacional, com os congressos nacionais que a gente tem, com as publicações referentes às áreas que vem surgindo, né?! Já sabemos que a nossa área é fruto da consonância de diversas outras como a antropologia, a filosofia, a economia, na verdade é um compilado de diversas ou quase todas as áreas de estudos que a depender do foco que você tenha dentro da profissão você vai dialogar com uma serie de outras. Assim é importante se ver a moda não só como a expressão de um vestuário de um povo, não somente como a marca de um tempo, que já é muita coisa. É por meio da roupa que a gente expressa nossa concepção estética sobre nos mesmos e sobre os outros, nossa concepção estética sobre a cidade em que vivemos, sobre a região em que nos vivemos, as influências externas e estrangeiras que a gente tem, em relação a tudo que chega como informação. A sessão da tarde que a gente só ver filme americano, a novela da Globo que reconstrói esses personagens do cinema americanos pra gente, e vende a roupa, que constrói aquela personagem, como água. Mas o mais importante compreender é que todo processo de construção da aparência que não seja acidental é considerado como moda, por que se a gente considerar a moda apensa no âmbito comercial, a gente vai dizer que ela só existe no ocidente. Que as pessoas trocam de roupa por diversas vezes com a intenção ou de se expressar, ou de se agrupar determinados nichos sociais, se desagrupar desses mesmos nichos, ou de impor hierarquias sociais, poderes e etc... Mas nas civilizações mais tradicionais, nas Tribos africanas, na china imperial, as mulheres de Girafas, que tem na sua constituição estética visual uma marca mesmo da sua história cultural. Será que isso também não seria moda? Será que isso não seria um processo de expressão cultural, assim como essa roupa que a gente compra na loja e dá graças a Deus que vai acabar amanhã por que não assinamos um contrato pro resto da vida? A partir do momento que existe um projeto, Mesmo que não sendo um projeto escrito, gráfico metodologicamente escolhido, existe um projeto que foi feito pela sua cultura, pela sua sociedade, pela sua família que expressa na sua aparência. Mas a gente vê nessas indumentárias, na aparência dessas mulheres um diagnóstico daquilo que acontece naquela sociedade. Então tá muito além de escolher uma camisa listrada, ou uma calça jeans que a gente nem escolheu, inventaram pra gente que é confortável, que é prático, que é legal. E a gente usa todo dia no calor. Mas... Pessoalmente fora de todas as viagens acadêmicas, apesar de não conseguir separa muito, acredito que essa pele que a gente sobrepõe a nossa, são peles que carrega muito da nossa identidade. Você acha que existe um jeito baiano de se fazer moda? E o que há de diferente do resto do mundo? Diferencia-se pela questão das cores... A moda européia usa cores mais neutras, é mais bege, mais nude. As mulheres em SP se referenciam, ficam com seus ternos, no ar condicionado e tal.... Na Bahia é tudo muito mais exposto. Uma aluna, por exemplo, disse que tava no ponto de ônibus, uma ponta da tatuagem aparecendo, uma senhora levantou a blusa B Moda Baiana, realidades e perspectivas. ALEXANDRO MOTA E LUANA RIBEIRO

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existe moda baiana? entrevista da of. de comunicação escrita.

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Entrevista CAR O L B ARR E TO

Olhe | 13 de outubro, 2009|

01

lusa preta, calça listrada

preta e branca. Mais o Black

Power, sua marca tatuada no

ombro, o colar e o anelão laranja não

escondem que Carol Barreto, 29

anos, é uma pessoa que tem estilo.

Professora de Design de Moda e

Gestão em Moda na Faculdade da

Cidade, na Unifacs e na UniJorge,

formada em Letras com Inglês e

Mestre em Desenho Cultura e

interatividade pela UEFS, tem larga

experiência em pesquisa na área. Em

2008, fez uma pesquisa de Mestrado

sobre Moda e Expressão Sexual:

redesenho e construção da aparência

no grupo das travestis de Salvador.

Qual o seu conceito de moda? Muito além

do conceito acadêmico, mas pessoal,

enquanto mulher, e mais além enquanto

mulher baiana.

Eu acho que na verdade é indissociável

esse conceito acadêmico, feminino e

regional. Mesmo para profissionais que

vão lidar somente com a prática, às vezes,

ou com consultorias pra empresas, com o

âmbito palpável da moda, ele precisa na

verdade ter um aprofundamento teórico.

Seja pra fazer uma blusa, pra construir

uma imagem de moda num editorial ou

simplesmente pra escrever sobre moda. A

metodologia de um projeto de designer de

moda, que é diferente do estilista, que é

aquele que pensou numa peça, fez um

desenho artístico, encontrou um tecido e

costurou. Existe uma serie de

condicionantes, de pré-requisitos e

problemáticas que vão dar constituição a

esse projeto. Hoje com as discussões que

vão avançando, em âmbito nacional, com

os congressos nacionais que a gente tem,

com as publicações referentes às áreas que

vem surgindo, né?! Já sabemos que a

nossa área é fruto da consonância de

diversas outras como a antropologia, a

filosofia, a economia, na verdade é um

compilado de diversas ou quase todas as

áreas de estudos que a depender do foco

que você tenha dentro da profissão você

vai dialogar com uma serie de outras.

Assim é importante se ver a moda não só

como a expressão de um vestuário de um

povo, não somente

como a marca de um tempo, que já é muita

coisa. É por meio da roupa que a gente

expressa nossa concepção estética sobre

nos mesmos e sobre os outros, nossa

concepção estética sobre a cidade em que

vivemos, sobre a região em que nos

vivemos, as influências externas e

estrangeiras que a gente tem, em relação a

tudo que chega como informação. A

sessão da tarde que a gente só ver filme

americano, a novela da Globo que

reconstrói esses personagens do cinema

americanos pra gente, e vende a roupa, que

constrói aquela personagem, como água.

Mas o mais importante compreender é que

todo processo de construção da aparência

que não seja acidental é considerado como

moda, por que se a gente considerar a

moda apensa no âmbito comercial, a gente

vai dizer que ela só existe no ocidente.

Que as pessoas trocam de roupa por

diversas vezes com a intenção ou de se

expressar, ou de se agrupar determinados

nichos sociais, se desagrupar desses

mesmos nichos, ou de impor hierarquias

sociais, poderes e etc... Mas nas

civilizações mais tradicionais, nas Tribos

africanas, na china imperial, as mulheres

de Girafas, que tem na sua constituição

estética visual uma marca mesmo da sua

história cultural. Será que isso também não

seria moda? Será que isso não seria um

processo de expressão cultural, assim

como essa roupa que a gente compra na

loja e dá graças a Deus que vai acabar

amanhã por que não assinamos um

contrato pro resto da vida? A partir do

momento que existe um projeto, Mesmo

que não sendo um projeto

escrito, gráfico metodologicamente

escolhido, existe um projeto que foi feito

pela sua cultura, pela sua sociedade, pela

sua família que expressa na sua aparência.

Mas a gente vê nessas indumentárias, na

aparência dessas mulheres um diagnóstico

daquilo que acontece naquela sociedade.

Então tá muito além de escolher uma

camisa listrada, ou uma calça jeans que a

gente nem escolheu, inventaram pra gente

que é confortável, que é prático, que é

legal. E a gente usa todo dia no calor.

Mas... Pessoalmente fora de todas as

viagens acadêmicas, apesar de não

conseguir separa muito, acredito que essa

pele que a gente sobrepõe a nossa, são

peles que carrega muito da nossa

identidade.

Você acha que existe um jeito baiano de se

fazer moda? E o que há de diferente do

resto do mundo?

Diferencia-se pela questão das cores... A

moda européia usa cores mais neutras, é

mais bege, mais nude. As mulheres em SP

se referenciam, ficam com seus ternos, no

ar condicionado e tal.... Na Bahia é tudo

muito mais exposto. Uma aluna, por

exemplo, disse que tava no ponto de

ônibus, uma ponta da tatuagem

aparecendo, uma senhora levantou a blusa

B

Moda Baiana, realidades e perspectivas.

ALEXANDRO MOTA E LUANA RIBEIRO

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dela olhou a tatuagem e foi embora (risos).

Isso acaba refletindo no produto, na

modelagem... Temos aqui muitos

trabalhos de destaque, Márcia Ganem,

Vitorino Campos, Úrsula Félix... que

fazem trabalhos muito bonitos, mas falta

estrutura. Nas lojas, falta o mínimo: bom

atendimento, por exemplo. Uma amiga

minha visitou uma Louis Vuitton na

França e se impressionou com a dança das

mãos que as vendedoras faziam para

demonstrar o produto. Aqui, o

atendimento já é direcionado: você precisa

parecer que mora em bairro tal, que tem

dinheiro pra gastar, tem que estar bem-

vestido dentro das convenções do que é

estar bem-vestido. Não existem bons

vitrinistas, que saibam a melhor luz, o

melhor jeito de dispor o vestido; são

cuidados que fazem você passar por uma

vitrine e dizer eu preciso desse vestido e

passar por outro e nem reparar. Falta um

jornalismo de moda qualificada,

especializado. Urgentemente. Por que o

jornalista não tá capacitado pra fazer um

editorial de moda, uma boa reportagem

sobre o meio, assim como o designer

preparado pra escrever uma reportagem,

tem que se complementar.

Recentemente, tivemos a Semana

Iguatemi de Moda e o Barra Fashion;

temos estilistas de reconhecimento como

Márcia Ganem, entretanto a moda local

não tem ainda projeção nacional. Para

você, o que falta para a moda na Bahia

ganhar corpo?

Seria a apresentação nos eventos desses

profissionais locais, não adianta eu desfilar

só Fórum, Colcci, Vide Bula, Osklen, etc.

Os eventos são sustentados pela

colaboração dessas marcas, quem custeiam

os eventos de moda são marcas já

consagradas e estão interessadas na

produção do seu produto, por vezes a

promoção de algo que vai direto pra

vitrina, ou para a arara da loja. Mas o que

é que dá espaço pra moda local? Os

desfiles dos novos talentos do Barra, que é

onde você vê como está se desenvolvendo

a força criativa local. Não adianta também

que esse profissional esteja dependente

desses grandes eventos. Em São Paulo a

gente tem A Casa de Criadores que é um

evento independente, desfilam só

designers com determinado estilos de

trabalho. Aqui a gente não tem um evento

que se apresentam só designers de moda

daqui. Falta também iniciativa pessoal,

crença dos estudantes do poder criativo

deles.

Existe alguma organização desses

profissionais aqui na Bahia?

Ainda não, a gente vem de um histórico de

egos enormes, fruto da pouca

profissionalização e entendimento do que é

essa área de trabalho, que é uma área de

trabalho mesmo multidisciplinar, e tem

que ter trabalho de equipe. Eu não sou

melhor do que minha modelista, eu não

sou melhor do que minha costureira, nem

do que a modelo que está desfilando.

Somos uma equipe e todo mundo depende

de todo mundo pra o sucesso do evento, da

coleção, do negocio. Mas a gente vem de

um histórico de pessoas que são

maravilhosas e que pensam que só o

trabalho delas que são o máximo e que

aquele que tá chegando não tem muito

espaço. Com a profissionalização e os

surgimentos das escolas isso tem mudado

um pouco e que no futuro a gente tenha

essa possibilidade de agrupar trabalhos

idéias e construir algo... E aí então, quem

sabe, vai surgir uma moda baiana.

Sobre a relação sexualidade e moda. Em

entrevista a Marccelus Bragg, sobre sua

pesquisa a respeito de moda e expressão

sexual, na exposição fotográfica no Teatro

Gamboa, dois trechos me chamaram

atenção. Em um você dizia que “as cores

utilizadas pelas travestis servem de

espelho para a mulher de forma a mostrar

a quantidade de aparatos que existem na

construção da imagem feminina” e outro

que dizia que: “as calças, as roupas justas

para evidenciar as curvas, conseguidas,

construídas às custas de tanto esforço,

tanto investimento, seja financeiro,

psicológico, emocional...”. O reforço da

identidade feminina, da sua sensualidade

própria, através da moda, se estende às

mulheres, para você? Como poderia ser

feito isto?

A gente sabe que o gênero é uma

construção cultural. A mulher do Brasil de

hoje não é a que viveu no Brasil há

décadas atrás, nem a que vive no

Afeganistão. E essa manipulação, esse

gerenciamento desses aparatos

vestimentários mostram que trabalho a

gente tem pra construir essa imagem

feminina. A diferença é que a partir de

uma constituição biológica, com contornos

diferentes do corpo feminino, se tem um

esforço geralmente árduo e

cronologicamente localizado:

(exemplifica) A partir dos quinze anos,

Sharon colocou cinco copos de silicone no

peito. Com quinze anos! Mas a gente,

antes de ter peito, a gente sabe que existe

sutiã, inclusive que aumenta o peito, que

modela de tal e tal jeito... Querendo ter

peitão ou não você tem que ter, porque o

sutiã vem com peito grátis, você já compra

o peito na Marisa, na C&A, na Av. Sete. O

cabelo também. Toda essa construção que

a gente aprende ao longo da existência:

“com tal idade já pode depilar a perna,

com tal idade já pode tirar a sobrancelha”.

E começa a ler revistinha que diz (risos)

“faz esfoliação com açúcar e mel”. Tudo

isso que a gente acha que é orgânico, que

já nasceu com a gente é tão culturalmente

construído como no universo das travestis.

Mas no sentido da exploração da

sexualidade, da sensualidade. Se a mulher

também, do ponto de vista da moda, quer

explorar a sensualidade através da calça

justa, do decote... O estereótipo da...

Da piriguete... (risos)

Piriguete, isso! Assim como a travesti quer

reforçar sua identidade feminina, a

mulher opte pela opção de também

reforçar isto através da moda, de forma a

se sentir desejada. Por isto a pergunta: o

reforço da identidade feminina, da sua

sensualidade própria, através da moda, se

estende às mulheres, para você? Como

poderia ser feito isto?

Há escolha a partir do momento em que

ela age criticamente diante daquela

possibilidade, abre essa porta e entra.

Quando você já nasceu dentro daquela

porta e pra você só existe aquele caminho,

será que seria uma escolha?Será que não é

um condicionamento social de que aquela

mulher só serve, mais uma vez construído

historicamente, como um elemento a ser

utilizado? No momento que eu quero

utilizar isso ao meu favor e de modo

consciente e bem pautado

ideologicamente, eu escolhi. A gente tem

hoje, para você ter um exemplo palpável

disso, as novas pin-ups que vão recuperar

aquele movimento burlesco do início do

séc. XX, que tendem a explorar sua

sensualidade, sua sexualidade de modo

bastante particular, criando muitas vezes

uma aparência fora de todos os padrões,

estranha mesmo. Por exemplo, a técnica

do interlace, que vai gradativamente

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apertando, diminuindo o contorno da

cintura, pra conseguir aquela diferença

enorme, como no séc. XIX entre a anca, a

parte superior... Junto com isso o uso da

maquiagem forte, de unhas vermelhas, é

certo-não certo dizendo que tem um

limite-cobertas de tatuagens, saltos

altíssimos... Explorando o universo do

fetiche, mas que advém de uma cultura

elaborada e não de uma vitimização social.

Por vezes aquela criança é estimulada

desde cedo a se portar daquela maneira,

tendo como única possibilidade da sua

vida a conquista de um parceiro, que vá

provê-la, proteger, pagar... Precisa ver até

que ponto isso é um posicionamento.

Quando eu saio nua na rua por que eu

tenho motivo pra aquilo eu escolhi, mas

quando eu acredito que - eu nem posso

misturar essas coisas, é tão perigoso esse

discurso, né? –o caminho para o sucesso e

a felicidade feminina vem da exploração

do seu corpo, da abertura mesmo da

exploração sexual, como a gente tem visto

nos pagodes e tal...

Pergunto isso porque em outras classes

sociais isso vem mais diluído, essa coisa do

silicone mesmo: o reforço da feminilidade

da travesti, quando põe o silicone é

análogo ao da mulher.

É tão análogo isso que você falou, e é

muito bom esse seu ponto de vista, que nós

temos alunas, extremamente jovens, que

nem tem o corpo todo formado ainda que

já botaram silicone. O peito da minha mãe

é bem maior que o meu peito, e olhe que

eu tenho 29 anos! Minha mãe tem 52. O

peito da menina de 18 anos pode crescer

muito até os 25, mas “eu preciso ser

sensual hoje e agora senão a felicidade não

está garantida a mim”. Pense que tinha o

espartilho lá que diminuía a cintura e ia

colocar o peito lá em cima. A gente entra

no mercado de trabalho, cria um monte de

atividades além de ser a mulher bonitinha,

magra e (risos) desmaiando de vinagre do

marido, mas a gente tira esse espartilho de

cima da pele e coloca sob a pele! Primeiro

na década de 80, com excesso de

abdominais, e posteriormente com o

advento da cirurgia plástica que vai

redesenhar essa estrutura do espartilho.

E o texto que você apresentou no Enecult,

sobre a manipulação da moda enquanto

materialização do universo cultural? O

que você acha que foi absorvido do

universo cultural baiano?

Moda comercial? Quando eu falo moda aí,

falo do processo gerenciamento da

aparência, como eu falei dessa coisa da

escolha: quando você pensa e age a partir

do que já projetou em sua cabeça; que é o

caso de travesti, drag queens, por exemplo.

Do universo cultural, o que é introjetado

nesse âmbito comercial da moda, talvez a

necessidade do fazer artesanal da roupa,

que muitos estilistas se utilizam da

moulage e não da modelagem plana pra

construir a peça; que vem da tradição de

que nossas mãos são extremamente

importantes no processo criativo. Eu

mesma, além de professora, sou designer

de moda e se eu construo uma coleção em

que eu não fiz nada manualmente, pra mim

ela não é minha: “ah, beleza, a roupa tá

linda, mas eu não interferi em nada.”. As

técnicas artesanais, o artesanato-não só o

crochê e a renda, que infelizmente a gente

utiliza muito pouco e com a pouca

importância que tem no cenário mundial-e

também a necessidade de evidenciar o

corpo feminino. Porque em Salvador

nunca, até agora, a gente faz uma roupa

que vá esconder ela por completo. Por

mais que eu esconda, esse tecido não é

rígido ao ponto de que a estrutura da roupa

seja bizantina, retangular e dura e que

ninguém vá ver seio, ninguém vá ver um

movimento, nada.

Voltando um pouco mais pra Bahia,

Sincretismo religioso é um tema sempre

muito associado ao nosso estado, pra você

isso se aplica também nas produções

baianas de moda? Qual relação pode ser

feita entre religiosidade e moda?

A relação é intrínseca, A religião vai

condicionar a sua visão de mundo, que vai

culminar na sua forma de vestir e nas suas

escolhas, mas eu acho que muitas das

vezes se privilegia essas religiões

afrodescendentes por conta mesmo de uma

visibilidade que anda no sentido contrário

dos padrões ocidentais que a gente tem. As

proporções são outras as cores, os

volumes. São completamente diferentes.

No momento que você se apropria de um

elemento como esse você tem que se

esforçar pra não reproduzir a

indumentária, mas pra entender o conceito

daquela veste e criar algo que tenha a

referência, mas que não seja a reprodução.

Muitas vezes o que a gente tem de moda

afro, moda não-sei-o-que... você vê que

não são pesquisas que não foram bem

aprofundadas.

Na Bahia há uma tendência de reduzir

quadros, no teatro, por exemplo, a gente

tem o ator, que dirige, que faz a produção,

que faz a sua assessoria de imprensa...

(Interrompe) Em moda é desse jeito

também, e ele só não desfila por que não

dá tempo (risos)

Isso dificulta um pouco o acesso ao

mercado de trabalho, você não acha?

Mas eu acho que não é só a vontade do

designer de fazer a assessoria dele, quanto

contratar modelos, às vezes é falta mesmo

de verba ou de conhecimento de que cada

coisa tem de ser feita por um profissional,

por que esse profissional sabe como fazer

a assessoria, esse sabe como fazer o plano

de marketing,... É a questão mesmo do

recurso. Por que é uma profissão que você

precisa de muita grana pra investir.

E suas apostas como novíssimos nomes

para a moda baiana?

Silas (Filqueiras) todo mundo conhece,

começou, sumiu um pouquinho, e voltou

agora muito bem, o trabalho que ele

apresentou no Barra Fashion foi incrível.

Agora, são dois pólos, dois elementos que

temos em foco: Vitorino, que acaba de

chegar e já se estabelece como uma marca

profissional, que faz uma mágica; não de

uma hora pra outra, mas de uma pessoa

que vem trabalhando há muito tempo, mas

que apareceu agora pra mídia. Quando vi

na sala a primeira coisa que Vitor fez:

(imita): “Ah, professora porque eu quero

lhe mostrar uns croquis que eu fiz...”. Eu

pensei, “Não. Tem alguma coisa errada!

Como é que ninguém viu o croqui?” Aí ele

me mostrava o editorial que fez sozinho,

com uma fotógrafa em Feira de Santana,

um trabalho extremamente profissional.

Dito e certo. Assim que teve a primeira

visibilidade, nunca mais parou. Mas são

dois processos criativos diferentes. De

pessoas mais desconhecidas e que podem

ter uma propulsão de mercado... às vezes é

perigoso, porque um trabalho de sala de

aula que é bom, mas a pessoa não

consegue mercado...Tem Nália Portela,que

ainda não ganhou concurso nenhum, mas é

incrível o trabalho dela, sobre

indumentária eclesiástica, faz uma análise

pra transformar em coleção de moda e em

editorial com referência no rock’n roll e no

desenho dos games. A menina é uma

monstra! Eu acredito que assim que ganhar

um concurso não vai ter pra ninguém!

Porque lê muito, pesquisa, escreve, costura

e constrói imagem de moda para editorial.