Entrevist Pedro X Agora [1-06-2014]

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Entrevista ficcional com Pedro X Gontijo, líder do movimento de emancipação e consolidação da municipalidade. ocorrido entre 1909 e 1935. Baseado em boletins-documento e textos esparsos por revistas e jornais de 1947 a 1960.

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A3 | POLÍTICA Divinópolis31 de maio e 1º de junho de 2014

Entrevista com PEDRO X GONTIJOBrasa descoberta: dados na mesa e jogo aberto

Sonia Terra e Flávio Flora

Mesmo carregando o tí-tulo de “Pai do Município”, Pedro X Gontijo nunca foi devidamente reconhecido, agradecido e nem homena-geado sufi cientemente por suas ideias e seus ideais, que ultrapassaram sua própria existência. Polêmico em seu tempo, destacou-se pela per-sonalidade forte e envolvi-mento pleno em defesa dos interesses da coletividade.

Empregando o recurso da fi cção na história, vol-tamos aos arquivos para buscar respostas a algumas indagações sobre o lado pouco valorizado de Pedro X Gontijo. Para apresen-tar as ideias, o pensamento e a fi losofi a de vida desse grande personagem da his-tória local, empregamos o método da entrevista, em

um verdadeiro diálogo com seus boletins de 1947 a 1954, artigos da revista “Tribuna Livre” (1954), seu Epítome da História de Divinópolis (1962) e estudos historio-gráfi cos apresentados por Flávio Flora na Tribuna Li-vre da Câmara Municipal (2011).

Neste diálogo, Pedro fala de sua vida política, do seu desvelo para com a admi-nistração pública, das suas experiências no poder e de seu envolvimento com a localidade. Na visão dele, Divinópolis vem sofrendo dos mesmos problemas do início, mas com a diferença do tamanho: água, esgoto, saúde, segurança, educa-ção e gastos públicos sem-pre foram problemas locais graves e não solucionados, defi nitivamente, por causa da descontinuidade admi-nistrativa. Eis os principais trechos da entrevista:

ATIVISTA FRANCO E OUSADOAgora – O senhor é considerado o “Pai do Municí-

pio”, mas muita gente ainda torce o nariz...X Gontijo – Os meus saudosos companheiros me

legaram o dever sagrado de olhar para esta terra que continua sendo deles, minha e nossa. E eu, enquanto vida tive, colaborei e fi scalizei, não olhando caras que para mim não valiam nada como não valem para os ci-dadãos prestantes; grandes e pequenos para mim, são iguais, são a mesma coisa; eu não reconheço grandeza de ninguém sobre os outros. O Dever e a Justiça é que são grandes.

Por que diziam que o senhor era doido? Qual o principal motivo para lhe colocarem esta pecha?

Me chamaram de doido quando discursei no jantar de inauguração do trecho da ferrovia Belo Horizonte--Triângulo, em 1910, e defendi a emancipação da vila. O termo foi popularizando-se sobre a minha pessoa e to-dos que ombrearam comigo a campanha da emancipa-ção e sustentação da autonomia foram taxados de doi-dos: Padre Matias, Tônio Olímpio, Francisco Ribeiro e outros que aderiram. Talvez porque nossas ideias eram voltadas para o futuro no presente e porque tínhamos uma simpatia pela visão metafísica do mundo; eu pela fi losofi a yogue.

Farmacêutico por formação, o senhor na verdade era um alquimista ou um bruxo?

Ser farmacêutico na minha época era uma profi ssão dignifi cante e com grande importância social, dado que a medicina não era tão avançada e os remédios, muitos restritos. O farmacêutico sempre teria uma composição que amenizasse o sofrimento de alguma doença e por isso era muito considerado. Mas não fui nem bruxo nem alquimista, mas um estudioso de plantas medicinais na-tivas com meu amigo José Clementino, saudosa alma de Campos.

Ter sido prefeito biônico manchou sua biografi a? Por que mancharia? Eu havia levado o nome de Jo-

velino Rabello para o governador-interventor, como o mais indicado e capaz, mas lá chegando, ouvi que mi-nha nomeação já estava pronta e seria publicada no dia seguinte; então, eu me senti honrado, mas com um peso muito grande nas costas. O que pensava é que a história havia me dado uma nova incumbência, que a revolu-ção era uma oportunidade para consolidar o município e que deveria tomar algumas decisões necessárias para implantar a nova organização do governo local, com a separação dos poderes (Prefeitura e Câmara) e a insta-lação do Termo Judiciário que se arrastava desde 1916.

LUTA PELO BEM COLETIVOO que o senhor tem a dizer sobre a pouca valoriza-

ção dada à sua notória liderança política, desde que, sozinho, tomou a bandeira da criação do município, em 1911, até a sua consolidação, em 1935? O que o se-nhor diria aos que criticaram sua postura autoritária, especialmente após a campanha de 1947 e, principal-mente, depois de 1954, quando seu grupo perdeu as eleições?

[Pergunta longa, que merece uma resposta longa] A verdadeira paz está na luta inteligente entre homens que se aperfeiçoam. Eu me sinto admiravelmente bem colocado: cidadão prestante, no meio da rua, falando em seu nome e não no de partidos políticos. E tenho creden-ciais bastante para fazê-lo: tem sido contra meu peito que se quebram as ambições dos piratas e aventureiros do município, através dos anos. A verdade, mesmo quando dura, é a verdade: eu tive de trazer gente de fora, padre Matias Lobato e doutor Francisco Ribeiro de Carvalho (de Lavras) para que se criasse o município. Criei-o, pois, contra a vontade do povo, para ser útil ao povo.

O que o senhor pensa do povo? Ele é culpado de tudo quanto de ruim acontece na política? Quem é o povo que o senhor tanto defende?

Sempre lutei a favor do povo, não para ser agradável ao povo, que é uma imensa multidão de ninguém, mas para ser útil aos meus semelhantes, que nada me devem por isso. “Quem cumpre o seu dever não merece elo-gios”. O povo que eu defendo, à falta de uma expressão melhor, é o povo divinopolitano que vai se plasmando. Divinopolitanos que não vendem seus votos, não se vendem; só desejam o bem de nossa terra. [Povo divino-politano é] o que está consciente de que as divergências políticas morrem à boca de urna. Divinópolis voa e pro-blemas e mais problemas inadiáveis se amontoam.

PROBLEMAS INSISTENTESO que mais o incomoda no Divinópolis de hoje?Nosso município, pela sua situação geográfi ca, pos-

sui condições objetivas para um grande progresso. Te-mos grandes rios, grandes quedas d’água que são fa-tores indispensáveis de desenvolvimento econômico. Apesar do desenvolvimento progressivo da população do nosso município, vivemos num atraso que não se

justifi ca de maneira nenhuma.

Que conselhos o senhor daria para mudar os rumos desta história?

Só será possível minorar a miséria de nosso povo de-senvolvendo a economia do nosso município. Só pode-remos desenvolver a economia do nosso município se o mesmo tiver ampla autonomia e elegermos um prefeito que só tenha compromissos com o povo e que preste contas dos seus atos unicamente ao povo.

Desculpe a obviedade da pergunta, mas é oportuna: que presente o senhor daria a Divinópolis hoje, pelo 102o aniversário do município?

Como em todos os dias 1º de junho, hoje, na Praça Municipal, pedimos licença e todos nós, juntinhos, esta-mos aqui; viemos passar o dia com o nosso povo, com a nossa gente, não é Patriarca? Não é, padre Matias? Não é, Tônio Olímpio? Não é, Ribeiro? E como estou feliz com isso. Mas, de presente material, eu daria mesmo a Divinópolis a limpeza da imundície em que se encontra o rio Itapecerica, uma destinação correta do lixo e do esgoto urbano e proteção aos mananciais que ainda res-tam, para que nossa população não volte às privações do passado.

ESPIRITUALISTA E YOGUEAntes de apresentar as perguntas fi nais, neste sin-

gelo encontro virtual (ou de espíritos, como o senhor disse), uma indagação de ordem moral: o senhor teria dito que não gostaria de ser lembrado, nem mesmo de-pois de morto. Isso foi verdade?

Meia verdade. O fato é que perdemos as eleições de 1954 e o nosso grêmio Tudo por Divinópolis (TD), mui-to dividido por candidaturas fracas, baqueou, e então deitaram falação sobre a minha pessoa, tentando man-char a minha vida pública. Disseram que eu era apro-veitador do município. Me atingiram muito, à minha honra, minha família, mas não me derrubaram. Eu dis-se a eles, por um boletim, e volto a repetir, que a mim eu me basto e nunca precisei do Município para coisa nenhuma, dele nada quero, de nada preciso, nem dele nem de ninguém, nem em vida, nem depois de minha morte, quando julgo muitíssimo útil a mim o mais rá-pido e completo esquecimento do meu nome. Sou um espiritualista, bastante yogue.

A propósito, qual o fato por trás dessa repetida fra-se: “Eu me basto e ainda sobra de mim para os meus amigos?

Foi nas eleições de 1947. Porque apoiava Jovelino para prefeito, os políticos contrários divulgavam bole-tins agressivos contra as nossas candidaturas. A minha para vereador. Mas eu não quero nada da política e não preciso dela para nada, a não ser para o bem da coletivi-dade. Eu sou eu, penso com a minha cabeça e não com a cabeça de ninguém. Eu me basto e sobro de mim mes-mo para me dividir entre os meus concidadãos. Eu, quer na minha vida particular, quer na minha vida pública, tenho uma só norma de conduta, sou brasa descoberta: dados na mesa e jogo aberto. Quem achar bom, muito obrigado. Quem achar ruim, coma menos.

Senhor Pedro X Gontijo, Pedro X, X Gontijo, “Cabe-leira” (nomes que passam à eternidade, contrariando aquela depressão de 54) – tenho a lhe informar que, em memória de sua dedicação ao município de Divinópo-lis, um grupo de admiradores, entre parentes diretos, profi ssionais liberais, jornalistas, historiadores, fun-cionários públicos, empresários e cidadãos prestantes fundou o Instituto Pedro X Gontijo, para recuperar o seu legado político e disponibilizar para as atuais e fu-turas gerações como um lutador idealista coletivista.

Não há mais feridas em meu peito, reconheci e cor-rigi meus erros. Sabe (?), me dá uma alegria ser lembra-do pelo bem que eu sempre quis para Divinópolis e sua gente. Combatemos e vencemos muitas batalhas; per-demos algumas, mas não perdemos muito. O município perdeu mais... Quanto à associação fundada em minha homenagem por esses admiradores, minha gratidão eterna pela espontaneidade. Peço que não se esqueçam das intervenções, do entusiasmo e do desprendimento de padre Matias Lobato, Francisco Ribeiro de Carvalho, Francisco Machado Gontijo, Antonio Olympio e Joveli-no Rabelo na consecução da autonomia de Divinópolis. Não os deixem esquecidos, porque sempre estarão em minha memória.

Para encerrarmos, esta conversa com o Pai de Divi-nópolis, à véspera do centenário da cidade, assim ele-vada em 1915, o senhor tem a palavra fi nal.

Antes de encerrar, então, gostaria de dizer que onde haja sacrifício de um interesse público, lume descober-to ou coberto de cinza, eu farei levantar a fumaça para que os divinopolitanos vejam com seus próprios olhos e ajudem, depois, a combater essas mil e uma patifa-rias que andam por aí, nos setores os mais diferentes, com capas as mais diversas. Se eu cometi alguma injus-tiça, foi involuntária, sou um homem; é só me meterem a madeira – a madeira da crítica construtiva. Não me importo.

“Os meus saudosos companheiros me

legaram o dever sagrado de olhar para esta terra”

Tem sido contra meu peito que se quebram as ambições dos piratas e

aventureiros do município