Entre o ensino artesanal e o ensino manufatureiro

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Texto acerca das contribuições de Gilberto Luiz Alves no cap 3 do seu O trabalho didático na escola moderna.

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  • ALVES, Gilberto Luiz. Comenius: chave terica da escola moderna

    e da organizao manufatureira do trabalho didtico. In: ______ O

    trabalho didtico na escola moderna: formas histricas. Campinas,

    SP: Autores Associados, 2005.

    Joo Pedro Garcez

    Danilo Censi

    Emerson Folharini

    Katiane Cezimbra

    Jonny Augusto Warken

    Rogrio Tofoli1

    2

    O presente texto visa trazer tona algumas consideraes

    que Gilberto Luiz Alves traz na passagem Comenius: chave terica

    da escola moderna e da organizao manufatureira do trabalho

    didtico, o terceiro captulo de seu livro O trabalho didtico na escola

    moderna. Nesse trecho do livro, Alves visa trabalhar o transcurso

    1 Acadmicos do curso de Histria, na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), campus Erechim.

    entre um ensino de cunho artesanal para outro de cunho

    manufatureiro, utilizando a produo de Comenius, com sua

    Didctica Magna, como sintoma e causa deste transcurso. Para isso

    retomaremos primeiramente alguns aspectos do ensino pr-

    Comenius, o ensino tratado por Alves como artesanal. Em seguida

    trataremos da concepo de ensino manufatureiro, suas implicaes

    e motivaes, a contribuio de Comenius e esse ensino como

    reflexo dos meios de produo. Por ltimo ser problematizado -

    mesmo que superficialmente - o uso ainda corrente de algumas

    propostas de Comenius: seriam elas ainda concebveis diante da

    nossa atual condio histrica?

    Iniciando o texto, j lemos uma importante constatao de

    Alves, de que um trabalho didtico majoritariamente de

    caractersticas artesanais perdurara at o Dezesseis (sc XVI)3. O

    que seria esse ensino artesanal?, Alves nos fornece uma primeira

    aproximao com ele.

    A relao entre preceptor e o discpulo era de

    natureza individual, mesmo quando a

    responsabilidade daquele se dividia entre dois ou

    mais jovens. O ensino era ministrado, com

    predominncia, em ambientes internos e externos

    da residncia do discpulo ou da prpria

    residncia do preceptor. (p. 59)

    2 Texto produzido para a disciplina de Didtica Geral, ministrada pela prof. Dr. Adriana Sanceverino, em junho de 2015. 3 Ao menos no recorte, talvez eurocntrico, proposto pelo autor.

  • Neste cenrio ocorrem algumas inovaes que constituiriam

    um terreno frtil para o proposto por Comenius. O autor cita o zelo

    pela integridade dos textos originais do Humanismo; o acesso de

    todos leitura e a escrita da Reforma; iniciativas rumo criao de

    uma instituio de ensino por Melanchton e Ratke, nomes da

    Reforma; e a de Claude Baudel, aluno de Melanchton, que props

    ordem aos contedos didticos. A partir disso podemos pensar as

    condies de emergncia do discurso da Reforma protestante,

    afirmando a necessidade desta instituio social focada na educao

    de jovens e crianas. E aqui que partimos para Comenius.

    Jan Amos Komensk (1592-1670) foi um bispo protestante

    morvio, mais conhecido por ns pela traduo de seu nome para o

    Latim, Comenius, e para o portugus, Comnio. Em meados do

    Dezessete, refletindo o pensamento da vanguarda (burguesa) da

    Reforma protestante, ele empreendeu a mais elaborada iniciativa

    prtica visando realizao dessa nova instituio social

    especializada, cuja finalidade era a de ensinar tudo a todos4, a

    Didctica Magna. A universalizao do ensino era considerada uma

    necessidade social.

    Comenius foi importante personagem para o transcurso do

    qual falvamos, do ensino artesanal para o ensino manufatureiro.

    Seu ttulo, a Didctica, pensava o estabelecimento escolar como

    uma oficina de homens, comparado com a ordem encontrada nas

    manufaturas. Antes de tentar uma definio do ensino manufatureiro,

    vamos pensar a produo manufatureira, a partir de algumas linhas

    de Alves: a produo manufatureira desejava produzir mais

    4Alves p.63 5 Alves p.65

    resultados com economia de tempo, de fadiga e de recursos; com

    isso pensamos nas regras da diviso do trabalho, que produziriam,

    para Alves, o trabalhador parcial.5

    Como isso se dava no ensino? Atravs da superao do

    mestre artesanal pelo professor manufatureiro. O mestre era um ser

    privilegiado, nas palavras de Alves, algum de destacada

    intelectualidade; Comenius, visando a universalizao do ensino,

    atravs da simplificao e objetivao do trabalho didtico quis

    transformar o trabalho didtico em algo que qualquer homem

    mediano pudesse fazer.6 Essa simplificao e objetivao se dava

    nos instrumentos de trabalho; o manual didtico tinha objetivos de

    barateamento. Com a ajuda de instrumentos, todos os homens

    poderiam realizar, com o mesmo grau de excelncia, tarefas

    anteriormente s executadas por seres privilegiados7. Melhor

    elabora esta rota, do mestre artesanal ao professor manufatureiro,

    Alves:

    O primeiro, um sbio, que na condio de

    preceptor, realizava um trabalho complexo, desde

    as operaes correspondentes alfabetizao

    at a transmisso das noes humansticas e

    cientficas mais elaboradas, cedia lugar ao

    professor manufatureiro, que passava a ocupar-

    se de uma pequena parte desse extenso e

    complexo processo. Como consequncia da

    diviso do trabalho didtico em nveis de ensino,

    em sries e reas de saber, tal como a concebera

    6 Alves p.67 7 Alves p.67-67

  • Comenius, o professor especializava-se em

    algumas operaes, constitutivas de unidades

    identificadas como etapas da escolarizao,

    tornando-se dispensvel o domnio prtico do

    processo de formao da criana e do jovem

    como um todo. (p.68)

    Diante de algumas dificuldades que a universalizao do

    ensino encontrava no perodo, como a limitao de recursos; a

    limitao de acesso ao livro clssico; o pequeno contingente de

    pessoas habilitadas ao exerccio do magistrio; e a insuficiente

    infraestrutura fsica; Alves avalia a proposta didtica de Comenius

    como uma prtica concebvel na poca.

    Aqui, ainda nos parece imprudente tentar um posicionamento

    definitivo sobre a obra de Comenius. Se por um lado ela visou um

    bonito intuito - como a universalizao do ensino nos parece -, por

    outro podemos questionar quais camadas sociais visava Comenius

    projetando essa universalizao. Ser que seriam todos mesmo?

    Tambm, e agora retomando a Alves, hoje essa concepo de

    didtica mostra-se obsoleta. Dado que Alves considerava a prtica

    comnica concebvel na poca, hoje o tempo outro, marcado por

    novas necessidades sociais e dotado de recursos tecnolgicos

    sofisticados para san-las com maior propriedade8. Por isso Alves

    prope a construo de uma nova didtica. Esta, segundo ele, no

    deve mais organizar a produo do trabalho didtico segundo

    princpios manufatureiros, e sim fundamentando-se nos recursos

    tecnolgicos contemporneos. Mesmo assim no recusando a

    utilizao de tecnologias de outras pocas. E devem ser seus

    8 Alves p.71

    objetivos claros a democratizao do conhecimento e a formao

    para o exerccio da cidadania.

    O entendimento das condies histricas nas quais

    Comenius produziu seu pensamento subsidia nossa crtica ao

    vigente sistema de ensino. Alves no seu texto, alm de auxiliar nessa

    compreenso, ainda comea um direcionamento uma projeo de

    uma nova didtica, da qual ns, humildemente, ainda nos sentimos

    inbeis de propor uma elaborao.