Entre o bairro e a metrópole: projeto de uma biblioteca

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Entre o bairro e a metrópole Projeto de uma biblioteca Trabalho final de Graduação FAUUSP Juliano Ijichi Machado Orientação Prof. Dr. Luís Antônio Jorge Junho de 2012

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Trabalho final de graduação FAUUSP de Juliano Ijichi Machado Orientação de Luís Antônio Jorge

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Entre o bairro e a metrópoleProjeto de uma biblioteca

Trabalho final de Graduação FAUUSPJuliano Ijichi MachadoOrientação Prof. Dr. Luís Antônio JorgeJunho de 2012

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IntroduçãoBiblioteca

DesafiosNovas Práticas

Entre o Bairro e a MetrópoleArqueologia Urbana

A linha vermelha do metrôVila Matilde

CicatrizO projeto

RitmoAgradecimentos

Bibliografia

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Sumário

Entre o bairro e a metrópoleProjeto de uma biblioteca

Trabalho final de Graduação FAUUSPJuliano Ijichi MachadoOrientação Prof. Dr. Luís Antônio JorgeJunho de 2012

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Introdução O trabalho partiu de um desejo de investigar a relação entre a sociedade e o acesso à informação no espaço da biblioteca. Ao mesmo tempo, esta investigação foi convergindo para outra questão; como potencializar a vida em comunidade, criar uma postura coletiva em bairros de uma metrópole como São Paulo, em que as pessoas conhecem cada vez menos seus vizinhos, e a busca do indivíduo parace ser sua proteção da interferência do outro. Nesta conjuntura, a questão que coloco é como a biblioteca poderia fazer parte do cotidiano dos moradores de um bairro, aproximando as pessoas que vivenciam as mesmas inquietações perante sua situação na cidade.

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Biblioteca Faz parte de uma necessidade humana, algo instintivo, o esforço para o armazenamento de sua memória. Em parte, surge como uma precaução; uma informação adquirida pode ser requisitada em algum outro momento de nossas vidas. O acesso à informação também representa a posse do conhe-cimento, e a vida em sociedade faz surgir também a necessidade de reparti-lo e transmiti-lo para as próximas gerações. Porém o simples armazenamento da informação não garante sua posse; deve haver um meio de organizar todo o acervo para que a informação possa ser acessada quando for preciso. Assim, a biblioteca apenas se caracteriza como tal quando há uma forma organizadora de todo o acervo. Conceitualmente, então, a biblioteca é a ação concreta do homem para não perder o que ele próprio produziu. “A biblioteca, real ou virtual, enquanto concent-ração de esforços de ordenamento da produção intelectual do homem, permanece como fator essencial do desenvolvimento. E nunca acabará.” (MILANESI, Luís. Biblioteca. São Paulo : Ateliê editorial, 2002. p.12)

Muito se discute sobre o futuro das bibliotecas, como elas acompanharão as mudanças da relação entre a sociedade e a informação, as possibilidades que surgem com as novas plataformas de leitura. A internet também surge como uma questão impor-tantíssima a ser explorada, como afirma Robert Darnton: “A explosão dos modos eletrônicos de comunicação é tão revolucionária quanto a invenção de tipos móveis.” (DARNTON, Robert. A questão dos livros. São Paulo: companhia das letras, 2010, p.14) Como o próprio Darnton afirma, mesmo que a biblioteca pareça a mais arcaica das insti-tuições, “sua posição central no mundo do saber as torna ideais para mediar os modos impresso e digital da informação.” (DARNTON, Robert. A questão dos livros. São Paulo: companhia das letras, 2010, p.14). Segundo ele, a função da biblioteca vai muito além de ser um depósito de livros. Deve funcionar como o espaço onde o conhe-cimento é construído, como ele mesmo diz, um “centro do saber”. Não devem funcionar como um posto de saúde, aonde só se vai quando há neces-sidade. Deve fazer parte do cotidiano das pessoas.

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Desafios Além da intermediação entre os modos eletrônicos e impresso da informação, existem outros diversos desafios que as bibliotecas terão de enfrentar para voltar a ser referência de espaço para a construção do conhecimento. Se observarmos São Paulo, por exemplo, a cidade brasileira com o maior número de bibliotecas (segundo pesquisa do Ministério da Cultura encomendado a FGV em 2009), é nítida a falta de identificação entre a população e a bibliote-ca. A grande colaboração que uma biblioteca pode dar para uma sociedade mais justa é formando leitores, no sentido mais amplo da palavra, fazendo dos moradores cidadãos pensantes com voz ativa. Porém, para a conquista deste objetivo, muitos são os desafios a serem enfrentados.

O longo caminho para se tornar um leitor.

São diversos os fatores que influem no caminho de alguém para se tornar um leitor. Aquele que é analfabeto assim o é por uma série de fatores sociais históricos. Está sob influência direta de sua condição social, do lugar onde mora, das condições em que é obrigado a viver. Assim, de modo geral, podemos dizer que ele “menos faz e mais é feito” (MILANESI, Luís. Biblioteca. São Paulo : Ateliê editorial, 2002. p.33).

Mesmo sabendo ler, não quer dizer que a pessoa irá fazê-lo. Ela deve ter a vontade de ler. E o desejo de ler, mesmo podendo ser estimulado, não é uma característica moldável; não basta obrigá-la a ler para que nasça nela o prazer por esta atividade. Tendo o desejo pela leitura, agora é necessário que existam condições para que este desejo seja aplicado; deve haver espaço apropriado para a leitura, acesso a livros, revistas, jornais e internet, mas também para o encontro de leitores, espaços para compartilhar informações, opiniões, leituras, ou seja, estimular o aprendizado mútuo entre interessados nos mesmos assuntos, obras ou autores.

A informática e a internet.

Um grande desafio para as bibliotecas é saber aproveitar a potencialidade das inovações tec-nológicas relacionadas à informática que vem ocor-rendo nos últimos tempos. Percebeu-se de cara a possibilidade de unificar os inúmeros catálogos em uma base de dados virtual, assim, facilitando as buscas e consultas relacionadas ao acervo. A internet agora coloca muitos outros desafios e possibilidades a serem explorados pela biblioteca. Tornando cada computador um emis-

desafios

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sor e receptor de dados, as barreiras geográficas de acesso à informação deixam de existir; a possibilidade de se ter um acervo quase infinito de informação sem ocupar espaço físico, apenas a memória de um servidor, expõe possibilidades muito atraentes, como unificar ou compartilhar o acervo entre diversas bib-liotecas de qualquer lugar do mundo. Agora que o livro pode ser tanto impresso quanto digital, surgem também novas plataformas de leitura. Estes meios cada vez mais estão se populari-zando, e as bibliotecas devem também dar atenção a este tipo de leitura. As mudanças culturais e compor-tamentais da sociedade também devem gerar uma mudança do espaço onde estas atividades acontecem. Quando a imprensa de Gutenberg barateou o custo de produção de livros e textos houve uma grande impulsão da disseminação do conhecimento. Aumentaram-se assim o número de leitores e tam-bém de escritores. Se antes era escasso, passou a ser excesso. O monopólio do saber escapou das mãos dos clérigos. Tamanha mudança da relação da socie-dade com a informação resultou também na mudan-ça do espaço das bibliotecas. “As pequenas salas com livros acorrentados e com ar de capela não eram mais suficientes.” (MILANESI, Luís. Biblioteca. São Paulo : Ateliê editorial, 2002. p.26) Como Darnton afirmou, passamos hoje por

uma revolução tão relevante quanto a da imprensa de Gutenberg. Logo, não faz sentido a biblioteca resistir a essas novas possibilidades; a plataforma digital de leitura, vídeos, músicas, teatro, livros impressos, todas essas formas de expressão podem e devem se relacionar no espaço da biblioteca.

Os jovens e a biblioteca

Talvez o momento mais importante na formação de um leitor seja a infância. Se a criança descobre o prazer da leitura é bem provável que para o resto de sua vida haja um livro na cabeceira de sua cama. Neste momento então, tanto a biblioteca quanto a escola, devem funcionar como espaços para se estimular a autonomia do jovem pela busca contínua de conhecimento. Porém, o que vemos não apenas em São Paulo, como no país de modo geral, é um sistema educacional que desestimula o jovem a buscar o prazer nos livros. A criança não deve ir para a biblioteca por obrigação, mas assim se sente quando a escola a induz a fazer uma pesquisa mecânica na biblioteca. Ao entrar, a criança irá ao atendente com o verbete pedido pela escola a ser pesquisado. O atendente, que normalmente não é um especialista em leitura infantil, provavelmente irá mostrar na enciclo-

pédia o verbete solicitado; a obrigação do aluno estará cumprida, ele vai para casa assistir televisão, atividade mais atrativa para ela do que pesquisar determinado termo na biblioteca. O grande potencial de um jovem em relação à criatividade e curiosidade então não é estimulado como deveria pela escola. Interessante observar que, excluídas as imposições escolares, os jovens se mostram espontâneos em relação a livros, revistas e filmes. Assim, no momento mais importante de sua formação como leitor, o jovem não recebe o estímulo necessário nos locais mais propícios: a escola e a biblioteca.

“Assim se caracteriza uma das mais trágicas situa-ções para a formação da pessoa: não ter a pos-sibilidade de acesso ao conhecimento, não poder exercitar o intelecto, a imaginação, a sensibilidade com as artes e os engenhos criados pelo homem.” (MILANESI, Luís. Biblioteca. São Paulo : Ateliê editorial, 2002. p.58)

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Novas Práticas Estimulando a criatividade das crianças

O grande desafio então para a biblioteca é se tornar o espaço que estimule a criatividade da criança; em uma fase da vida em que a curiosidade é tão grande, esta deve ser estimulada para que seja o motor de novas e contínuas descobertas. Além disso, o espaço deve ser propício para as mais diversas atividades que possam ajudar a criança a absorver o conteúdo lido. Atividades coletivas são muito bem vindas para que o assunto estudado seja discutido entre os pequenos leitores; pensamentos muito interessantes podem surgir dessas conversas. Neste aspecto, o espaço deve permitir variadas atividades. “O espaço físico para a criança deve ser, pois, mutante, com áreas para o acervo, que não exige nenhuma sofisticada técnica de organização, e áreas para todas as formas de ações individuais ou de grupo, objetivando desenvolver a atividade criativa.” (MILANESI, Luís. Biblioteca. São Paulo : Ateliê editorial, 2002. p.60) Assim, criando um espaço de educação livre de cobranças, provas e obrigações, o interesse da criança é movido por sua própria curiosidade, seus próprios interesses. A formação de um leitor, nesta situação, acontece de forma muito mais natural.

Além da leitura convencional

O jovem que já passou da infância também se encontra em um momento de extrema importância em sua formação como indivíduo. Este também é um público que gosta de buscar suas referências culturais nas mais diversas mídias, portanto a biblioteca deve expor relações entre estes diferentes estímulos; o teatro, a música, a leitura digital, cinema, o jovem deve perceber que o conhecimento pode ser adquirido de todas estas formas, e o mais importante, o mesmo tema exposto de diversos modos pode mostrar ao jovem que podem existir diversos pontos de vista para determinada questão. Interessante observar que a resistência em aproveitar o potencial destas novas práticas está muito mais na biblioteca do que no jovem. “Entre o soneto e uma performance, o caminho pode ser mais curto do que parece. Os adolescentes com-preendem e apreciam isso. A resistência está muito menos neles do que nas bibliotecas.” (MILANESI, Luís. Biblioteca. São Paulo : Ateliê editorial, 2002. p.93) Se não oferecer algo além da leitura tradicional, o interesse deste público em frequentar a biblioteca será muito baixo.

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Em busca do conflitoA biblioteca como elemento de desordem

Para Roland Barthes, o texto que proporciona a fruição, o prazer físico, é aquele que nos faz entrar em conflito, nos desconforta, no sentido de questionar nossas bases culturais. “Texto de fruição: aquele que põe em estado de perda, aquele que desconforta (talvez até um certo enfado), faz vacilar as bases históricas, culturais, psicológicas do leitor, a consistência de seus gostos, de seus valores e de suas lembranças, faz entrar em crise sua relação com a linguagem” (BARTHES, Roland. O prazer do texto. 5 ed. São Paulo: Perspectiva, 1999. p.20) Sem conflito, não há criação, apenas reprodução da ordem já estabelecida. Assim, sendo a própria leitura um instrumento para se chegar ao conflito, a biblioteca surge como o meio para questionar a ordem já estabelecida, como afirma Milanesi: “seria conve-niente organizar um modelo de biblioteca que não fosse apenas consequência, mas pudesse ser meio ativo de contradição e, como tal, um instrumento de desordem.” (MILANESI, Luís. Ordenar para desordenar. São Paulo : Ateliê editorial, 1986. p.27) A biblioteca tem grande potencial de

cumprir este papel, pois trabalhando com um conjunto tão amplo de informações, seu discurso é um gerador de conflito. Os meios de comunicação e mesmo a escola são vigiados ideologicamente, logo, con-tribuem para a manutenção da ordem. Na biblio-teca não há como haver um discurso direcionado.

Construindo a coletividade

A rede global de informação, cada vez mais densa, fez de cada homem um possível comunicador. Porém, um comunicador anônimo e solitário. Mesmo com a intensificação da globalização, o cidadão ainda é da cidade, e não do mundo. Sua vida está muito mais conectada com as pessoas com quem convive, com quem divide o ônibus, quem passa por nós durante o caminho para o trabalho ou escola. As pessoas que vivem próximas provavel-mente têm sentimentos e inquietações comuns. A biblioteca surge como o espaço físico onde as pessoas podem exercer seu papel de cidadão co-municador, não solitário e anônimo, mas em uma conjuntura pública e coletiva. Nesta conjuntura as diferenças se expressam, as discussões surgem, a coletividade pode assim ser construída. Talvez

não haja lugar mais propício para se construir esta coletividade do que a biblioteca, quando esta funciona como um centro do saber, uma fábrica do conhecimento. Assim, a biblioteca deve funcionar como o espaço para aproximar as pessoas, organizar a comunidade, fazê-las questionar, coletivamente, a ordem já estabelecida, motivando assim decisões coletivas. Com uma função de organizar a comu-nidade, então, deverá oferecer outros diversos serviços voltados para os moradores da região. A população deve identificar na biblioteca o espaço para se conseguir informações de todos os tipos. Qualquer que seja sua dúvida, deve pensar na biblioteca como o lugar para se informar. Não importa se é uma pesquisa sobre Einstein, uma curiosidade em torno dos filmes de Fellini ou se é sobre a data mais próxima de vacinação do bairro. Ou mesmo não tendo nenhum desejo específico sobre determinado assunto, deve ser o local onde procuramos o vizinho para bater um papo, mostrar uma revista interessante sobre o assunto que conversaram no ponto de ônibus no outro dia. Quando a biblioteca se torna parte do cotidiano das pessoas, vira um instrumento para mudar a vida de cada indivíduo:

novas práticas

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“Um filme pode levar a uma obra de sociologia e um texto de história pode despertar interesse pela ópera ou uma peça de teatro motivar uma decisão coletiva. Nesse panorama, a informação deixa de ser uma obrigatoriedade dos rituais da vida estudantil e passa a ser uma alavanca para mover o indivíduo e seu mundo” (MILANESI, Luís. Biblioteca. São Paulo: Ateliê editorial, 2002. p.99)

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Entre o bairro e a metrópole Com a função de criar ou fortalecer a coletividade de bairros e comunidades, a biblioteca torna-se um articulador dos moradores da região perante as questões do próprio local e de sua relação com a cidade. Assim, passa a ser um interlocutor entre o bairro e a metrópole.Para tanto, deve ser presença constante na vida dos moradores. Minha proposta de projeto será uma biblioteca que funcione como um portal entre a metrópole e o bairro. Assim, surge o desafio de trabalhar com estas duas escalas; deve ter uma forte relação com o local e ao mesmo tempo um olhar atento à cidade. Sua presença como um portal deve estar associada aos pontos de chegada e saída mais importantes do bairro, como uma ponte entre a comunidade e o transporte público, tornando-se assim parte do cotidiano dos moradores da região. Antes de ir ao trabalho, o morador pode pas-sar pela biblioteca, conferir os eventos do bairro, tomar um café com o vizinho e depois pegar o ônibus. Ao voltar, passa também pela biblioteca, se interessa pelo filme que está passando no auditório, encontra seu filho na biblioteca infantil, pega um livro e vai para casa.

Ao fazer parte da vida do bairro, surge, no es-paço mais adequado, a possibilidade de se discutir questões que são comuns a todos, o conjunto de informações disponível em uma biblioteca podem motivar decisões coletivas que mudem a situação do bairro em relação à cidade. Ao mesmo tempo, muda também a percepção da realidade de cada in-dividuo, questionando a ordem, os valores, as bases culturais e históricas que não encontram conflito nos outros meios de comunicação e nem mesmo na escola.

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Arqueologia urbana Definido o contexto urbanístico e a função que a biblioteca pode exercer para a construção de uma vida coletiva dentro de um bairro, surge assim um conjunto de ideias que constituiriam um partido arquitetônico que poderia ser utilizado em diversas situações na cidade de São Paulo. A forma de abordar este conjunto de ideias que mais me interessou foi o desenvolvi-mento de um projeto arquitetônico específico para um determinado local, já que o conceito apenas se mostraria válido se materializado em um edifício inserido em determinado contexto urbano, mostrando-se assim como um ensaio, um exemplo, de um conjunto de ideias que funciona em deter-minado local e poderia funcionar em outros locais com a mesma relação entre bairro e metrópole. Parte importante neste processo então foi identificar as situações urbanas em que os conceitos estudados que guiarão o projeto possam ser mais bem aproveitados. Chamei esta fase da pesquisa de “arqueologia urbana”, no sentido de que será uma investigação, uma busca pela cidade com o intuito de encontrar situações que sejam interessantes para implantação do projeto. Esta busca se inicia nos grandes eixos de circulação da cidade que contam com transporte público. Nestes eixos, é importante identificar

os pontos de chegada e saída dos moradores de bairros e comunidades, por exemplo, aquele ponto de ônibus onde descem quase todos os passageiros; certamente é um importante ponto de chegada e saída de pessoas do bairro. Uma estação de trem, metrô ou um terminal de ônibus junto a áreas de alta densidade podem caracterizar um local apropriado para a implantação da biblioteca, funcionando como portal entre a metrópole e o bairro.

arqueologia urbana

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Detalhes de fotos tiradas nesta etapa da pesquisa. Fotos de Vila Matilde(1), Rio Pequeno/São Remo(2 e 3), Penha (4) e Vila Esperança (5 e 6).Visitando os bairros, algumas dinâmicas de circulação, fluxos e usos já se mostravam claras. Ao mesmo tempo, já pensava em como uma biblioteca poderia interferir nesta dinânima, apenas imaginando (e as vezes rascunhando em um caderno) algumas possibilidades.

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A linha vermelha do metrô A linha 3 do metrô, a vermelha, é a linha de maior demanda do metrô com cerca de 331 mil em-barques diários, conectando os bairros da zona leste ao centro da cidade de São Paulo, da estação Corinthians/Itaquera até a estação Palmeiras/Barra Funda. No trecho da estação Corinthians Itaquera até a estação Pedro II existe a forte presença da Ra-dial Leste, eixo rodoviário que acompanha a linha de metrô. Acompanhando este eixo, ao nos afastar do centro, percebemos um contexto urbanístico semelhante nos bairros que vão passando, e as esta-ções de metrô vão dando a marcação de quando um bairro se torna outro. Cada bairro, mesmo com suas característi-cas específicas, sua memória, sua história, tem con-textos urbanos parecidos pela forte presença destes dois eixos de transporte. Este eixo faz a costura destes bairros com o resto da cidade, é a face da metrópole que se expõe mais próxima do morador local. O ritmo acelerado da Radial Leste com milhares de carros passando por dia, das estações de metrô com a entrada e saída, às vezes simultânea na chegada dos trens, de milhares de pessoas com pressa, todo este ritmo desenfreado característico deste eixo de circulação contrasta de forma muito

forte há apenas alguns metros ao lado, com o ritmo calmo dos bairros, as pessoas começam a recon-hecer umas às outras, as vias já não são mais tão hostis ao pedestre como a Radial Leste. Grande parte do fluxo que chega do metrô ainda não terminou sua jornada. Linhas e terminais de ônibus ao redor das estações ainda abastecem as localidades mais distantes dos bairros. Assim, as estações de metrô atendem a um contingente de pessoas muito mais abrangente do que os mora-dores da região próxima à estação.Passei então a investigar as regiões próximas às estações de metrô da linha vermelha por considerá-las com características oportunas para o desen-volvimento do projeto da biblioteca; são os mais fortes pontos de chegada e partida dos moradores do bairro, localizam-se onde a escala metropolitana se encontra com a local, são os pontos de travessia entre os dois lados do bairro cortado pelo eixo da Radial Leste e é a região que faz parte do cotidiano de quase todos os moradores locais. Nas visitas que fiz às estações, o nível de complexidade que percebi na região da estação Vila Matilde me deixou estimulado para desenvolver o projeto.

a linha vermelha do metro

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Radial Leste, linha vermelha do metro e linha coral da CPTM.Foto tirada na passarela da estação de Metrô Vila Matilde

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Vila Matilde Há diversos elementos que adicionam certa complexidade no desenvolvimento do projeto da biblioteca nesta região. Apenas para deixar claro, são complexidades que julguei que seriam interessantes de serem encaradas no projeto pela possibilidade de reforçar a ideia de biblioteca que tinha em mente. A estação se conecta com um terminal de ônibus; ao norte deste, um terreno vazio (com alguma ideia de praça, mas basicamente um terreno onde nada acontece) onde passa o Córrego do Rincão. Entre o terminal e o terreno há um muro, interrompendo o que poderia ser uma bela relação entre a praça e o terminal de ônibus. O córrego segue paralelo à Radial Leste, sendo o principal afluente da margem direita do Rio Aricanduva. Na região da estação Vila Matilde, o córrego passa pelo Piscinão do Rincão e vai até o Conjunto Habitacional Rincão, construído no início da década de 90 com 306 unidades habitacionais. Ao lado do piscinão, uma EMEI e uma CEI. Há também uma Casa de Saúde do outro lado da Radial Leste, acessada por um viaduto com um estreito passeio para os pedestres. Entre o conjunto do Rincão e o terminal de ônibus, um estacionamento que ocupa uma quadra inteira, subutilizando um local que poderia

ser uma praça ao lado do terminal, criando um raro momento de respiro para o pedestre que anda pela Radial Leste. A possibilidade destes equipamentos tão importantes para o bairro serem integrados por meio da biblioteca criam um grande potencial para a construção da coletividade local.

Vila Matilde

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1. Piscinão do Rincão2. CEI e EMEI3. Córrego do rincão4. Estação de Metrõ Vila Matilde5. Terminal de ônibus6. Estacionamento7. Conjunto Habitacional Rincão8. Casa de Saúde / Hospital São Carlos

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Cicatriz O piscinão do Rincão é uma paisagem chocante. Uma solução paliativa para a questão da drena-gem urbana deixou uma cicatriz no bairro da Vila Matilde. Sem nenhum pensamento urbanístico, torna-se um elemento que o bairro não acolhe; tanto sua imagem simbólica, seu significado para a infra-estrutura urbana, quanto seu espaço físico. Para o bairro, torna-se principalmente uma cicatriz, justamente no local onde a escala local de bairro se encontra com a escala metropolitana.

cicatriz

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Em uma das visitas que fiz ao local, havia uma obra ao lado do piscinão, aproveitei e entrei para observá-lo mais de perto, visto de lado, uma paisa-gem que não se vê da rua. Havia chovido alguns dias antes, o piscinão ainda deveria estar com cerca de 20 centímetros de água. Ali estava o local mais agradável que presenciei da região, a grama contrastando com os reflexos da água, era possível imaginar as crianças saindo das escolas infantis deitando na grama, jogando bola. Ou seja, o local mais agradável da região estava escondido, dando as costas para os moradores do bairro, mostrando-se apenas como um buraco com mau cheiro para quem o vê da avenida.

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ProjetoDiante das complexidades do local, o partido do projeto mostra-se como um ensaio de como um ponto de chegada e partida de um bairro (no caso a estação de metrô Vila Matilde) torna-se um ponto de irradiação de equipamentos públicos de interesse local ligados por uma biblioteca, o edifício que potencializa a postura coletiva do bairro em relação à metrópole. A água agora tem importância fundamen-tal na região, o piscinão, antes uma cicatriz deixada no bairro, agora se torna um lago, ainda com sua função no sistema de drenagem urbana, mas con-vidando a população local a usufruir e acolher o espaço para as mais diversas atividades. O Córrego torna-se elemento fundamental na estruturação de um novo eixo de circulação entre os equipamentos públicos locais. Acompanhando o córrego, uma biblioteca linear 5 metros acima do nível da rua, funcionando também como passarela, um passeio ininterrupto para o pedestre entre os equipamentos públicos, tanto os pré-existentes, como os criados no projeto. A cidade agora se torna mais acolhedora ao pedestre, que tem sua própria camada de rua, sem a interferência dos automóveis, um local mais humano, passível de encontros, não esbarrões.

Uma rua-biblioteca, mas não um caminho monó-tono e sim um caminho que mostra ao cidadão as diferentes formas de leitura, as diferentes formas de se construir o conhecimento. Este é o elemento chave do projeto, pois desta rua-biblioteca afloram os novos equipamentos na medida em que o contexto urbano se torna propício. Por exemplo, no encontro entre a biblioteca linear e as escolas infantis (CEI e EMEI) foi locada a biblioteca infantil, como uma extensão ao ensino das escolas, um local para educação, mas sem as obrigações e cobranças que inibem a descoberta guiada pela curiosidade típica das crianças. Na ponta oeste da biblioteca linear, um volume de circulação vertical que atende tanto à biblioteca infantil como o auditório, um volume independente suspenso no meio das águas do lago; o que antes era o piscinão, uma cicatriz, um local esquecido no bairro, agora é o local das apresenta-ções de artes, dos grandes debates, dos encontros, os moradores locais agora sentem que é um local a ser apropriado, aproveitado e acolhido. No encontro entre o eixo da passarela do metrô e a biblioteca linear surge um edifício que articula as diversas cotas e de forma mais clara determina a ligação entre os dois lados do bairro,

antes uma relação confusa, o eixo terminava em um jogo de rampas que descia até o terminal de ônibus, como se a função da passarela fosse apenas ligar o metrô ao terminal, agora de forma mais ampla liga os dois lados da cidade cortados pelo eixo da Radial Leste. A quadra onde estes eixos se encontram torna-se então um ponto muito importante no projeto, lá está o maior potencial de encontro entre as pessoas, ainda mais estimulado pela forte pre-sença do terminal de ônibus. Tamanho o potencial de encontro das pessoas, abre-se uma praça semi rebaixada parcialmente coberta, tornando-se um pátio para as salas de oficina, salas de música e dança, terminal de ônibus e a biblioteca do edifício de articulação.

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1. Lago2. Auditório3. Biblioteca infantil4. Rua biblioteca5. Edifício de articulação6. Praça7. Edifício garagem8. BicicletárioExistentes9. CEI e EMEI10. Estação Metro vila Matilde11.Terminal de ônibus12. Conj. Hab. Rincão13. Hospital São Carlos

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Acima da praça semi-rebaixada, a biblioteca linear também ganha características de praça, torna-se um ambiente mais aberto, mais livre, como local de encontro é onde se pode conversar mais alto. Na ponta leste da biblioteca, a quadra que antes era totalmente ocupada por um estaciona-mento agora é um local mais humano, uma praça se abre dando respiro ao pedestre que caminha pela Radial Leste. As vagas de carro que antes ocupavam o solo foram transferidas para o edifício garagem, atendendo assim os usuários de au-tomóveis que fazem percursos mais curtos, apenas em vias locais, e fazem os deslocamentos maiores de metrô, ao centro e em direção à Itaquera. Na praça, um bloco de circulação vertical faz a ligação com a biblioteca. O pedestre, antes obrigado a utilizar o viaduto para atravessar o eixo da Radial Leste, agora pode utilizar uma passarela de pedestres para chegar ao outro lado do bairro, onde está localizada a Casa de Saúde. A passarela afasta então o tran-seunte de uma transposição que não foi pensada para eles, o viaduto com calçadas apertadas, sem proteção contra os automóveis, um local cujo ritmo frenético e desumano não é favorável à vivência da cidade, ao encontro, à conversa, à apreensão da paisagem urbana. Esta passarela, então, faz a

ligação entre a biblioteca, o edifício garagem e o lado sul da Vila Matilde. Na chegada da passarela de pedestres, um passeio público faz a ligação com a passarela do metrô, passando por um bicicletário. Este passeio público é muito importante para o projeto; faz o fechamento de um anel de circulação ininterrupta para o pedestre, reforçando a ideia do ponto de chegada e partida de um bairro como ponto ir-radiador de equipamentos para a comunidade local.

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A importância da luzNa busca de referências, dois projetos me chamaram a atenção por traduzirem uma visão específica de seus autores em relação à leitura e como o controle da luz tem papel fundamental na materialização destas visões.

Louis Kahn, Biblioteca de Exeter.

Amante dos livros, Kahn afirma que “um livro é uma oferenda e deve ser tratada como tal”. Assim, a biblioteca era, portanto, um local de devoção. Deveria ser o ambiente que “estimule e assegure o prazer de ler e estudar”. Esta, então, seria toda a

reverência que os livros necessitavam.A biblioteca de Exeter mantém o acervo de livros na parte central do edifício, em uma relativa escuridão, enquanto a parte destinada à leitura fica na parte mais perimetral, com a entrada de luz natural, pé direito duplo e nichos individuais de leitura junto às janelas. Este ambiente traduzia para o que Kahn considerava o instinto natural do leitor: “um homem com um livro vai para a luz. Uma biblioteca começa desta maneira” (LOBELL, John. Between Silence and Light. Boston & London: Shambhala, 2000.).

Biblioteca de Viipuri, Alvar Aalto

A biblioteca de Viipuri, de Alvar Aalto, tem abertu-ras zenitais para iluminar o salão principal. A luz rebate na parede branca acima das prateleiras de livros e cria um ambiente com iluminação própria para a leitura.Os croquis de Aalto já deixam clara esta preocupação. Associadas a essas aberturas há também dispositivos de iluminação artificial que jogam a luz na parede para incidir no livro em direção diagonal.

Biblioteca de Viipuri, de Alvar Aalto; aberturas zenitais associadas com

iluminação artificial

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Biblioteca de Exeter, de Louis Kahn.Miolo do edifício com a luz mais controlada e as mesas de leitura em seu perímetro.

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Rua bibliotecaO controle da luz, então, torna-se essencial para caracterizar os diferentes ambientes da biblioteca linear, sua relação com a cidade e o nível de imersão na leitura. Com 10 metros de largura e 450 metros de comprimento, a rua biblioteca poderia se tornar um elemento grande demais, no sentido de um espaço frio, monótono, desumano. A fragmentação deste espaço em diferen-tes ambientes que se correlacionam dá personali-dade à rua, cria momentos que se diferenciam, que vão mais facilmente se gravar na memória de quem passa por lá. São nessas diferenças de ambientes que o usuário consegue assimilar

informações como sua posição geográfica diante do edifício, a lembrança de um encontro que teve em determinado lugar ou onde estava aquele livro que gostou em determinado dia etc. Os livros ficam sempre na fachada sul, mais protegida do sol, ocupando a fachada de forma irregular, abrindo visuais para a cidade, ora ocupando do piso ao teto, ora formando apenas uma linha na altura da visão. Na parte mais central, onde os eixos se cruzam, a biblioteca torna-se o local de encontro, das conversas e discussões, ganha ares de praça, a relação com a cidade torna-se muito mais patente.

Não há fechamento na fachada norte, abrindo-se o visual para o bairro e para a praça semi-rebaixada abaixo da biblioteca. Bancos de 1,5x1,5m de madeira arranjam-se de maneira a proporcionar os mais diversos tipos de reuniões e encontros; o leitor neste espaço sempre terá alguém à sua frente ou ao seu lado.

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1. Café2. Foyer do auditório

3. Seção audiovisual4. Área de leitura em mesas

5. Recepção6. Sistema de busca

7. Área de leitura em bancos

8. Sanitários

I. planta da rua bibliotecaesc. 1:2000

II. corte longitudinal genérico olhando para a fachada sul

III. corte transversal genéricoesc. 1:250

1 2 3 4 5 6 7 4 8

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À medida que o leitor deseja aumentar sua imersão na leitura, sua imersão no edifício também se intensifica. Ao se afastar do ambiente central, o encontro dos eixos, o ambiente torna-se mais efetivo para uma leitura mais concentrada, mais confortável, um ambiente um pouco mais silen-cioso, a fachada norte agora tem um fechamento translúcido, com algumas aberturas, o leitor ainda deve lembrar-se de sua situação perante a cidade, do fato de estar em uma rua elevada. Ainda na biblioteca linear há o acervo au-diovisual sem nenhuma separação abrupta com o acervo de livros, como uma mensagem ao usuário de que a biblioteca pode e deve ser formada por diferentes meios de se conseguir a informação, todos têm seu valor e devem se complementar. Neste ambiente, o fechamento translúcido toma conta de toda a fachada, sem aberturas, destacando e evidenciando o fato das novas plataformas de leitura terem sua luz própria e diferenciando este ambiente dos demais.

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O anel de circulaçãoPara fechar o anel de circulação, ligando a chegada da passarela de pedestres com a passarela do metrô, foi proposta uma alteração no sistema viário. A alça de acesso ao viaduto tornou-se mais compacta, liberando o espaço para a chegada da passarela de pedestres, formando um passeio público contínuo, sem a interrupção de vias de automóveis; uma afirmação de que o viário deve privilegiar o pedestre. Fazendo a ligação entre o passeio público e a passarela de pedestres há um bicicletário em rampa que faz também a conexão entre o nível da Radial Leste com o nível da

passarela. Na outra ponta deste eixo, no térreo, há também um bicicletário, atendendo à população do lado norte do bairro. A passarela de pedestres encontra a biblioteca linear na praça que antes era uma estacionamento; o que antes era um depósito de carros agora é um local de descanço e respiro para o pedestre. O lago de formato circular contrasta com os ângulos retos do encontro dos eixos de circulação da passarela e da biblioteca. A função de guardar os automóveis agora é do edifício garagem; neste edifício de 5 andares, o motorista volta a ser pedestre. Pode agora

vivenciar a cidade em um ritmo mais humano. A percepção do que esta a sua volta torna-se mais cuidadosa.

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1. Antiga alça de acesso2. Nova alça de acesso

3. Bicicletário

I. viário antes da intervençãoII. Viário alterado

esc. 1:2000III. Passeio público

esc. 1:1000

1 2

3

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1. Sanitários2. Rampa subida

3. Rampa descida

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I. planta no nível da praça

II. planta no nível da passarela de

pedestres

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LagoA escolha dos materiais tem papel fundamental na apreensão da escadaria como um elemento independente, sua textura de concreto contrasta com o gramado na margem do lago, deixando claro que a escadaria, além de resolver o desnível de 3 metros entre o nível da quadra e a margem do lago, tem também a função de uma praça. Os degraus se alargam em determinados pontos formando espaços de estar, os muros formam arrimos, direcionam caminhos e geram espaços mais reclusos. Forma-se uma arquibancada para contemplação da margem gramada, que contrasta com a água.

Na ponta oeste da biblioteca, após o encontro entre o eixo de circulação entre a passarela do auditório e a circulação da biblioteca linear, está localizado o café, em uma área de remanso acima das águas do lago/praia urbana. A água então volta a ser valorizada em uma cidade que dá as costas para seus rios mais importantes

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I. planta do trecho do lago

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1. Café2. bilheteria

3. Sanitários4. Sala de controle de áudio

e iluminação

I. planta auditórioII. corte AAesc. 1:500

1

2

3

4

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A biblioteca infantilA criança não necessita de uma técnica de orga-nização sofisticada do acervo. Sua busca deve ser movida muito mais pela sua curiosidade. O ponto mais importante então no projeto da biblioteca in-fantil é o volume central, ligado à biblioteca linear, de pé direito triplo com aberturas de tamanhos e formas variadas. O piso torna-se uma topografia criada, exagerada, como se fossem tiras de madeira que, ao subir e descer formam espaços para as estantes de livros se encaixarem. Intercalam-se tiras com inclinações muito altas com tiras com inclina-ções acessíveis, para garantir o acesso a todas as estantes de livros.

Assim, a apreensão que a criança tem sobre o tempo torna-se elemento fundamental no enten-dimento deste edifício; as aberturas variadas levam focos de luz que variam dependendo do horário, do dia, e mesmo da estação. Ao visitar a biblioteca de manhã, uma estante de livros terá um foco de luz e algum outro local parecerá claro o suficiente e agradável para se ler. No fim da tarde, o espaço já não é mais o mesmo, o foco de luz está em outras estantes de livros, outros lugares parecem agradáveis para se deitar e ler. Este tipo de variação é importante para a criança se sentir sempre estimu-lada a ir atrás de novas e emocionantes descobertas

literárias, ao mesmo tempo em que vai descobrindo as possibilidades e potenciais do edifício. É também um espaço onde são possíveis as mais variadas atividades coletivas, encenações, encontros e trocas de informação. De forma mais lúdica, pode ser um espaço onde a criança se sente um gigante em seu próprio mundo, com morros e colinas, a forma mais comum de paisagem natural em seu imaginário, com a luz passando entre as nuvens. Este tipo de associação desperta emoções que ficam na memória da criança, esta se sente ligada ao local pela sua memória, como afirma o cineasta Wim Wenders:

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1. Sanitários2. teatro

3. Área de leitura4. seção de audiovisual

5. Pátio externo

I. planta biblioteca infantil. esc. 1:500

II. corte AA. esc. 1:250

5

1

2

4

3

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“As paisagens e as imagens urbanas despertam nas crianças emoções, associações, ideias, histórias. Temos a tendência a esquecê-las quando envelhec-emos.” (WENDERS, Wim. A paisagem urbana. Revista do Patrimônio Histórico Artístico Nacio-nal, nº 23: Cidade, Ministério da Cultura, 1994.) Ainda segundo o cineasta, o arquiteto deveria encarar como uma missão criar estes espaços que criem associações na memória das crianças, associações que de alguma forma a acompanham para o resto da vida, criando laços afetivos entre o indivíduo e seu local de origem: “Agora, para concluir meu discurso, peço-lhes que encarem ainda uma vez o seu trabalho de um outro modo, como uma missão: criar para os meninos de amanhã lugares de origem, cidades e paisagens que constituirão o mundo das imagens e a imaginação desses meninos.” (WENDERS, Wim. A paisagem urbana. In Revista do Patrimônio Histórico Artístico Nacional, nº 23: Cidade, Ministério da Cultura, 1994.) Os fundos das escolas infantis agora estão de frente para a biblioteca, logo o caráter do espaço muda. Um conjunto de rampas vai buscar uma relação entre as duas escolas, que antes não existia e cria-se um pátio de frente para a biblioteca. Neste edifício ainda estão presentes um pequeno teatro, de um lado, e o acervo audiovisual, do outro, com o espaço vazio entre eles, como um pátio onde a criança percebe que todas as formas de se chegar à informação podem e devem se relacionar, seja o teatro, o livro, o filme etc.

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Praça centralEste é o espaço da afirmação da biblioteca como local de discussão e construção do conhecimento, e não um mero depósito de livros. Sendo semi-rebaixada, a praça possibilita ao pedestre na cota da rua ter plena visualização do que lá acontece, torna-se um espaço convida-tivo; o espaço vazio ao centro é onde as diversas formas de busca de informação se convergem potencializando este como espaço de articulação local, das grandes discussões e dos encontros, um pátio para as salas de oficinas, dança, música, sala de leitura. Todas estas salas têm uma relação muito franca e aberta com os espaços da praça e

do terminal. As salas de oficina tem uma circulação perimetral onde o visitante pode acompanhar sua produção, gerando interesse na participação das mais diversas atividades que lá podem acontecer. As salas de dança e de música podem ser vistas tanto da circulação do pátio como do termi-nal de ônibus. Impossível passar por perto e não querer parar um pouco, respirar, acompanhar, nem que seja por alguns segundos, os ensaios que estão acontecendo.

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1. Salas de oficinas2. Sanitários

3. Sala de dança4. Sala de música

5. Sala de audiovisual

I. planta praça central. esc. 1:500

1 2 3 4

5

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Corte AA. esc. 1:250

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O edifício de articulaçãoNo encontro dos eixos de circulação está locado o edifício que articula todos os níveis da praça cen-tral; o nível da rua (734), a praça rebaixada (732) e a biblioteca linear (739). A articulação é feita de três formas diferentes. Seguindo pelo eixo de circulação da passarela do metrô há uma caixa de escadas e elevadores que dão acesso ao nível da rua, do lado do bicicletário. Dentro do edifício, em um espaço com pé-direito triplo, rampas com uma linha de livros que a acompanham fazem a articulação entre os níveis e ao mesmo tempo é um corredor de biblio-

teca. De manhã, as pessoas podem subir por essas rampas, pegar um livro que chame sua atenção para ler no metrô enquanto vai ao trabalho. Outro conjunto de rampas se desenvolve do lado oposto, no perímetro do edifício, e tem sua chegada diretamente na rua biblioteca. Assim, entre estes dois conjuntos de rampas, surge um espaço que é sempre visto por todos os lados. No miolo do edifício, pode-se observar pessoas circulando em todas as direções, como uma pequena representação do ritmo acelerado da metrópole e suas dinâmicas de circulação, mas aqui de forma mais humana, mais controlada, um local

de respiro onde a leitura pode despertar a vontade do transeunte de parar alguns minutos, vivenciar um espaço de transição entre a cidade e seu bairro, talvez pegar um livro, sentar com mais calma e ler.. Luminárias pendentes valorizam o pé-direito alto do espaço, ocupando-o de forma muito sutil. Este edifício, torna-se então, o ponto que melhor representa o encontro entre as escala da cidade e do bairro; dos dois lados, caminhos que articulam a rua, a praça, a biblioteca e o metrô, no miolo um espaço de remanso, onde se pode descansar, conversar com mais calma, encontrar (ou conhecer) um vizinho.

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1. Bicicletário2. Área de Leitura

3. Café

I. planta nível da ruaII. planta nível da biblioteca

LinearIII. Corte AA

esc. 1:500

1 2

3

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I. perspectiva interna do edifício

II. Corte BBesc. 1:500

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Ritmo O ritmo acelerado da vida nas grandes metrópoles nem sempre torna possível o convívio entre vizinhos de bairro. As massacrantes jornadas de trabalho, o tempo gasto para se locomover de um local a outro, o stress do trânsito, tudo isso faz com que o trabalhador chegue exausto ao seu bairro. Sua rotina muitas vezes se resume a acordar cedo, enfrentar o stress do trânsito ou a superlotação do transporte público, trabalhar por 8 horas ou mais, chegar do trabalho, jantar, assistir televisão com a família e depois dormir para acordar cedo no dia seguinte e repetir as mesmas atividades. Nesta conjuntura o potencial da criação de uma postura coletiva para determinada comuni-dade se esvai, assim como a formação de um leitor com uma postura crítica em relação às questões colocadas pela cidade. Porém, como arquiteto, devo acreditar que a transformação do espaço pode exercer a trans-formação da vida das pessoas e de suas rotinas. O trabalhador que chega exausto, pode aproveitar e já buscar o filho que o espera na biblioteca infantil depois das aulas. Ao subir na biblioteca linear, vê seu vizinho tomando um café, aproveita e faz um lanche com o filho. Conversan-do, descobre que vai passar um filme interessante na sala de audiovisual e que no fim de semana terá

uma peça de teatro no auditório com atores da comunidade. Depois do filme, ao passar pela praça, observa a aula de dança e imagina se a filha não gostaria de começar a ter aulas lá. Pega um livro e vai para casa lê-lo na cama antes de dormir. A variedade de atividades acontecendo, as possibilidades de encontro, dão potencial para que cada dia da vida de quem por lá passa seja único.

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Agradecimentos Agradeço ao meu orientador Luís Antônio Jorge, pela dedicação e apoio durante estes dois semes-tres. Aos meus colegas e amigos, pelas discussões, ensi-namentos e conversas. Por me apresentarem novas visões e questionamentos. Em especial aos que me ajudaram na reta final deste trabalho: Bhakta Krpa, Flávio Bragaia, Georges Boris, Leonardo Klis, Luís Fernando, Tamara Tarasiuk.Aos colegas do Galpão, pelo exemplo de como exercer a profissão com comprometimento e paixão pela arquitetura.À minha família, pelo apoio e pela motivação.

agradecimentos

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Bibliografia BARTHES, Roland. O prazer do texto. 5 ed. São Paulo: Perspectiva, 1999.DARNTON, Robert. A questão dos livros. São Paulo: companhia das letras, 2010FLEIG, Karl. Alvar Aalto.São Paulo : Martins Fontes 2001.HERTZBERGER, Herman. Lições de arquite-tura. São Paulo : Martins Fontes, 1999, 2006.LOBELL, John. Between Silence and Light. Bos-ton & London: Shambhala, 2000.MILANESI, Luís. A casa da invenção . São Paulo : Ateliê editorial, 2003.MILANESI, Luís. Biblioteca. São Paulo : Ateliê editorial, 2002MILANESI, Luís. O que é biblioteca. São Paulo : Ateliê editorial, 1983MILANESI, Luís. Ordenar para desordenar. São Paulo : Ateliê editorial, 1986WENDERS, Wim. A paisagem urbana. Revista do Patrimônio Histórico Artístico Nacional, nº 23: Cidade, Ministério da Cultura, 1994

bibliotrafia

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