Entre flores e claustros as poéticas de Florbela Espanca e Rosalía de Castro

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Entre flores e claustros As poéticas de Florbela Espanca e Rosalía de Castro (por Renata Bomfim) Florbela Espanca (1894-1930) Rosalía de Castro (1837- 1885)

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comunicação apresentada no IV Encontro de escritoras capixaba/ ES/Brasil.

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Entre flores e claustrosAs poéticas de Florbela Espanca e Rosalía de Castro

(por Renata Bomfim)

Florbela Espanca (1894-1930) Rosalía de Castro (1837- 1885)

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• Tenho pena hoje que vou envelhecendo,de ter fugido a sete pés de todas ascabotinagens e de ter vivido mais paramim, segundo o meu gosto, do que para osoutros. [...] Tudo desdenhei: ashomenagens baratas e os clamores dorebanho. Enchi o meu gabinete detrabalho de livros bons, a minha vida moralcom a minha arte, a meu gosto, sem mepreocupar com o sucesso, com o mercado,com a publicidade, coisas imprescindíveis aquem quer vencer, e rodeei-me dumadúzia e amigos fanáticos cuja admiraçãome orgulha e me faz bem. (ESPANCA,1996, p. 240).

• “Uma poeta ou escritora não pode viver humanamente em paz sobre a terra, posto que além das agitações do seu espírito, tem as que levantam em torno dela todos que a rodeiam” (Castro, 1866)

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Florbela Espanca(1894- 1930)

Vila Viçosa/Évora/Portugal

Obras poéticas:

-Trocando olhares (1916)

- Livro de Mágoas (1919)

- Livro de Sóror Saudade (1923)

-Charneca em flor (1931- póstumo)

-Juvenilha (1931)

Obras em Prosa:- As máscaras do destino (1931)

- Cartas de Florbela Espanca (1949)

- Diário do último ano (1981)

- O dominó preto (1982)

- Trocando Olhares (1994)

-Correspondência amorosa Perdidamente (2008)

-Fez traduções para o francês

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Rosalía de Castro(1837- 1885)

Santiago de Compostela/ Galícia/ Espanha

Obras poéticas:

-La flor (1857) (em castelhano)

- A mi madre (1863)

-Cantares galegos (1863)

-Folhas novas (1880)

- Em las orillas del Sar (1884)

Obras em Prosa:

-El cavallero de las botas azules (1867)

La hija del mar (1859)

Flávio (1861)

Ruínas (1866)

El primer loco (1881)

Conto Galego (1923- póstumo)

Fez tradução e escreveu artigos

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Negra sombra

Quando penso que te foste,

Negra sombra que me assombras,

Ao pé dos meus travesseiros

Retornas fazendo mofa.

Quando t’imagino ida,

No próprio sol se tu me mostras,

E és a estrela que brilha,

E és o vento que zoa.

Se cantam, és tu que cantas,

Se choram, és tu que choras;

E és o murmúrio do rio,

E és a noite, e és a aurora.

Em tudo estás e tu és tudo,

Pra mim e em mim mesma moras,

Nem me abandonarás nunca,

Sombra que sempre me assombras.

Negra sombra

Cando penso que te fuches,negra sombra que me asombras,ó pé dos meus cabezalestornas facéndome mofa.

Cando maxino que es ida,no mesmo sol te me amostras,i eres a estrela que brila,i eres o vento que zoa.

Si cantan, es ti que cantas,si choran, es ti que choras,i es o marmurio do ríoi es a noite i es a aurora.

En todo estás e ti es todo,pra min i en min mesma moras,nin me abandonarás nunca,sombra que sempre me asombras.

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Eu

Eu sou a que no mundo anda perdida,

Eu sou a que na vida não tem norte,

Sou a irmã do Sonho, e desta sorte

Sou a crucificada ... a dolorida ...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,

E que o destino amargo, triste e forte,

Impele brutalmente para a morte!

Alma de luto sempre incompreendida! ...

Sou aquela que passa e ninguém vê ...

Sou a que chamam triste sem o ser ...

Sou a que chora sem saber porquê ...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,

Alguém que veio ao mundo pra me ver

E que nunca na vida me encontrou!

Vaidade

Sonho que sou a Poetisa eleita,Aquela que diz tudo e tudo sabe,Que tem a inspiração pura e perfeita,Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridadePara encher todo o mundo! E que deleitaMesmo aqueles que morrem de saudade!Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá neste mundo...Aquela de saber vasto e profundo,Aos pés de quem a terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,E quando mais no alto ando voando,Acordo do meu sonho...E não sou nada!...

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Portugal e Espanha

Península Ibérica

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Cantares galegos (III)

Lugar mais formosonão houve na terraque aquele qu’eu mirava,que aquele que me coube.Lugar mais formosoNo mundo não achariaQue aquele de Galiza.Galiza encantada!Galiza florida,Qual ela não há:De flores cobertaCoberta d’espumas

[...]*Castelhana de Castela,Tão bonita e tão fidalga,Mas que para ser feraA procedência lhe basta:

Dizei-me, minha senhora,Já que vos mostrais tão ingrata,Se o meu rendimento humildeÂnsia de vômito vos causa,[...]

Dizem que na nobre Castelha,

Assim aos galegos se trata.

[...]

*

Castelhanos de Castela

Tratai bem os galegos:

Quando vão, vão como rosas;

Quando vem, vem como negros.

[...]

Foi a Castelha por pão,E saramagos lhe deram;Deram-lhe fel por bebida,Peninhas por alimento.

Permita Deus, Castelhanos, Castelhanos que detesto,Que os galegos morramAntes de vos pedir sustento.

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Cantar-te-ei, Galiza,Teus doces cantares,Pois assim me pediramna beira do Mar.Cantar-te-ei, Galiza,Na língua galegaConsolo dos males,Alívio das penas.Mimosa, suave, Sentida, queixosa,Encanta se ri, Comove se chora.

Qual ela não há Tão doce que canteSaudades amargas,Suspiros amantes,Mistérios da tarde,Murmúrios da noite:Cantar-te-ei, Galiza,Na beira das fontes.Pois assim me pediramPois assim me mandaramQue cante e que canteNa língua qu’eu falo.[...]

Cantares galegos (IV)

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Charneca em flor

Enche o meu peito, num encanto mago,

O frêmito das coisas dolorosas...

Sob as urzes queimadas nascem rosas...

Nos meus olhos as lágrimas apago...

Anseio! Asas abertas! O que trago

Em mim? Eu oiço bocas silenciosas

Murmurar-me as palavras misteriosas

Que perturbam meu ser como um afago!

E, nesta febre ansiosa que me invade,

Dispo a minha mortalha, o meu burel,

E já não sou, Amor, Sóror Saudade...

Olhos a arder em êxtases de amor,

Boca a saber a sol, a fruto, a mel:

Sou a charneca rude a abrir em flor.

Pobre de Cristo

Ó minha terra na planície rasa,

Branca de sol e cal e de luar,

Minha terra que nunca viste o mar,

Onde tenho o meu pão e a minha casa.

Minha terra de tardes sem uma asa,

Sem um bater de folhas...a dormitar...

Meu anel de rubis a flamejar,

Minha terra moirisca a arder em brasa!

Minha terra onde meu irmão nasceu

Aonde a mãe que eu tive e que morreu

Foi moça e loira, amou e foi amada!

Truz... Truz... Truz...-Eu não tenho onde me

acoite,

Sou um pobre de longe, é quase noite,

Terra, quero dormir, dá-me pousada!...

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A minha Dor

A minha Dor é um convento idealCheio de claustros, sombras, arcarias,Aonde a pedra em convulsões sombriasTem linhas dum requinte escultural.

Os sinos têm dobres de agoniasAo gemer, comovidos, o seu mal ...E todos têm sons de funeralAo bater horas, no correr dos dias ...

A minha Dor é um convento. Há líriosDum roxo macerado de martírios,Tão belos como nunca os viu alguém!

Nesse triste convento aonde eu moro,Noites e dias rezo e grito e choro,E ninguém ouve ... ninguém vê ... ninguém ...

Castelã da tristeza

Altiva e couraçada de desdém,Vivo sozinha em meu castelo: a Dor!Passa por ele a luz de todo o amor ...E nunca em meu castelo entrou alguém!

Castelã da Tristeza, vês? ... A quem? ...– E o meu olhar é interrogador –Perscruto, ao longe, as sombras do sol-pôr ...Chora o silêncio ... nada ... ninguém vem ...

Castelã da Tristeza, porque chorasLendo, toda de branco, um livro de horas,À sombra rendilhada dos vitrais? ...

À noite, debruçada, plas ameias,Porque rezas baixinho? ... Porque anseias? ...Que sonho afagam tuas mãos reais? ...

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Nasci quando as plantas nascemNo das flores nasci,N’uma alvorada mansinha,N’uma alvorada de abril.Por isso me chamam Rosa,Mas a do triste sorrir,Com espinho pra todos,Sem nenhum para ti.Desde que te quis, ingrato,Tudo acabou para mim,Pois tu para mim eras tudo,Minha glória e meu viver.

*

Paz, paz desejada:Pra mim, onde esta?Talvez não hei de tê-la...Não a tive jamais!

Sossego, descanso,Onde hei de acha-lo?Nos males que me matam,Na dor que me dão.

Paz, Paz, tu és mentira!Pra mim não existes!Uma vez tive um cravoCravado no coração,E eu já não me recordo se era aquele cravoDe oiro, de ferro, ou de amor.

Só sei que me fez um mal tão fundo,Que tanto me atormentouQue eu de dia e de noite sem cessar choravaqual chorou Madalena na Paixão.

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“Irmã, Sóror Saudade me chamaste…

E na minh'alma o nome iluminou-se

Como um vitral ao sol, como se fosse

A luz do próprio sonho que sonhaste.”

*

Ódio seria em mim saudade infinda,

Mágoa de o ter perdido, amor ainda!

Ódio por Ele? Não... não vale a

pena...

(Ódio?)

“Que doce, mas também,

Que triste é a solidão”

*

Já nem rancor nem desprezo

Já nem temos de mudanças,

Tão só uma sede..., uma sede

D’um não sei de quê que me mata

Rios da vida, onde estais?

Ar! Pois o ar me falta.

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V

Esse vai e aquele se vai,E todos, todos se vão,

Galiza, sem homens ficasQue te possam trabalhar.

Tens, em compensação, órfãs e órfãsE campos de solidão,

E mães que não tem filhosE filhos que não tem pais.

E tens corações que sofremLongas ausências mortais,Viúvas de vivos e mortosQue ninguém consolará.

Sei lá

Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem Quem sou? um fogo-fátuo, uma miragem...

Sou um reflexo...um canto de paisagem Ou apenas cenário! Um vaivém

Como a sorte: hoje aqui, depois além! Sei lá quem sou?Sei lá! Sou a roupagem De um doido que partiu numa romagem E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!...

Sou um verme que um dia quis ser astro... Uma estátua truncada de alabastro...

Uma chaga sangrenta do Senhor...

Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados, Num mundo de maldades e pecados,

Sou mais um mau, sou mais um pecador...

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Morte

“Alejandra, abre a janela, quero ver o mar...”

Cala, cão negro, não uives,

A porta de quem bem quero,

[...]

Se é que queres que alguém morra,

Eu sei d’um são que contente

Por ele vos dará a vida

E irá convosco aos infernos.”

(Rosalía de Castro. Basta uma morte)

Eu quero, quando morrer, ser enterrada

Ao pé do Oceano ingénuo e manso,

Que reze à meia-noite em voz magoada

As orações finais do meu descanso…

[...]

E a Lua há de dizer-me em voz mansinha:

- Ai, não te assustes… dorme… foi o Mar

Que gemeu… não foi nada… ‘stáquietinha…

(Florbela Espanca. A minha morte)

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