Ensino superior público privilégio de poucos - enpess - 2008

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ENSINO SUPERIOR PÚBLICO — UM PRIVILÉGIO DE POUCOS Guiomar de Oliveira Passos 1 Marcelo Batista Gomes 2 RESUMO O texto aborda o acesso ao ensino superior, enfocando condições econômicas e culturais e ações e estratégias desenvolvidas pelos aprovados nos cursos mais concorridos ao vestibular de 2005 da UFPI. A referência é Pierre Bourdieu sobre as relações entre o sistema de ensino e a estrutura social e vale-se de dados, obtidos em questionário e em entrevista com 50 sujeitos, escolhidos conforme o coeficiente de aproveitamento. Constatou-se que o acesso ao ensino superior público tem estreita relação com o nível cultural global da família e favorece aqueles de maior renda o que acentua as desigualdades sociais. PALAVRAS-CHAVE: Democratização. Ensino Superior. Universidade. Política de educação superior. ABSTRACT The text approaches the access to the higher education, focusing economic and cultural conditions and actions and strategies developed for the approved ones in the courses more concurred for the vestibular contest of 2005 of the UFPI. The reference is Pierre Bourdieu on the relations between the system of education and the social structure and valley of data, obtained in a questionnaire and interview with 50 subjects, chosen as the coefficient of recovery. It was found that access to public higher education has close links with the overall cultural level of the family and favors those of higher income which accentuates social inequalities. KEYWORDS: Democratization. Higher Education. University. Higher Education Policy. 1 INTRODUÇÃO O material explorado neste trabalho consiste num corpus formado pelos depoimentos de alunos aprovados nos cinco cursos mais concorridos do vestibular de 2005 da Universidade Federal do Piauí em torno de suas propriedades culturais: escolarização de avós e tios, bens culturais familiares e práticas culturais próprias e familiares. São dados coletados em pesquisa mais ampla, financiada pelo CNPq e integrante do PIBIC/UFPI, que 1 Professora da Universidade Federal do Piauí no Mestrado em Políticas Públicas e no Departamento de Serviço Social. 2 Bolsista no Programa de Iniciação Científica da Universidade Federal do Piauí.

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ENSINO SUPERIOR PÚBLICO — UM PRIVILÉGIO DE POUCOS

Guiomar de Oliveira Passos1

Marcelo Batista Gomes2

RESUMO

O texto aborda o acesso ao ensino superior, enfocando condições econômicas e culturais e ações e estratégias desenvolvidas pelos aprovados nos cursos mais concorridos ao vestibular de 2005 da UFPI. A referência é Pierre Bourdieu sobre as relações entre o sistema de ensino e a estrutura social e vale-se de dados, obtidos em questionário e em entrevista com 50 sujeitos, escolhidos conforme o coeficiente de aproveitamento. Constatou-se que o acesso ao ensino superior público tem estreita relação com o nível cultural global da família e favorece aqueles de maior renda o que acentua as desigualdades sociais.

PALAVRAS-CHAVE: Democratização. Ensino Superior. Universidade. Política de educação superior.

ABSTRACT

The text approaches the access to the higher education, focusing economic and cultural conditions and actions and strategies developed for the approved ones in the courses more concurred for the vestibular contest of 2005 of the UFPI. The reference is Pierre Bourdieu on the relations between the system of education and the social structure and valley of data, obtained in a questionnaire and interview with 50 subjects, chosen as the coefficient of recovery. It was found that access to public higher education has close links with the overall cultural level of the family and favors those of higher income which accentuates social inequalities.

KEYWORDS: Democratization. Higher Education. University. Higher Education Policy.

1 INTRODUÇÃO

O material explorado neste trabalho consiste num corpus formado pelos

depoimentos de alunos aprovados nos cinco cursos mais concorridos do vestibular de 2005

da Universidade Federal do Piauí em torno de suas propriedades culturais: escolarização de

avós e tios, bens culturais familiares e práticas culturais próprias e familiares. São dados

coletados em pesquisa mais ampla, financiada pelo CNPq e integrante do PIBIC/UFPI, que

1 Professora da Universidade Federal do Piauí no Mestrado em Políticas Públicas e no Departamento de Serviço Social.

2 Bolsista no Programa de Iniciação Científica da Universidade Federal do Piauí.

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tem como objetivo “analisar a seletividade no interior do sistema de educação superior

público” (PASSOS, 2006).

Na pesquisa, a questão investigada é a seguinte: quem tem acesso à universidade

pública no Piauí? Vale dizer, quem consegue superar a barreira de entrada no ensino

superior público? Neste texto, expõem-se informações relativas às condições econômicas e

culturais e as ações e estratégias desenvolvidas para ultrapassarem as barreiras de acesso

à universidade pública. Trata-se, assim, da caracterização dos sujeitos e do exame das

ações e estratégias desenvolvidas por eles e suas famílias para usufruírem de uma política

pública que não apenas oferece oportunidade de acesso a um bem necessário e cobiçado

na sociedade atual como impacta sobre o emprego e a renda.

Desse modo, expõe-se a problemática da equidade social no acesso ao ensino

superior brasileiro, em particular daquele custeado com recursos oriundos do fundo público.

Essa tem sido uma preocupação recorrente de estudiosos (SCHWARTZMAN, 1996;

PORTES, 2003; PINTO, 2004; ZAGO, 2005) e do Estado brasileiro. Este constou a

ampliação da oferta e a redução das desigualdades como uma das metas do Plano Nacional

de Educação (BRASIL, 2001) e tem implementado ações, como o PROUNI — “Programa

Universidade para Todos” — e REUNI — “Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e

Expansão das Universidades Federais”, instituídos, respectivamente, pela lei nº. 11.196 de

13 de Janeiro de 2005 (BRASIL, 2005) e pelo Decreto nº. 6.096 de 24 de abril de 2007

(BRASIL, 2007).

O acesso ao ensino superior, segundo Bourdieu (2002), resulta da seleção direta e

indireta experimentada ao longo da escolaridade, pois, explica “o sistema escolar não é um

fator de mobilidade social, tudo tende a mostrar que ele é um dos fatores mais eficazes de

conservação social, fornecendo a aparência de legitimidade às desigualdades sociais” (p.

41). Seguindo-o, examinam-se as propriedades daqueles que ingressaram na Universidade

Federal do Piauí nos cursos mais concorridos no vestibular de 2005 (Medicina,

Enfermagem, Serviço Social, Nutrição e Direito), analisando-as na estrutura das relações de

classe da sociedade piauiense.

Assim, trata-se de um estudo que importa à teoria, podendo refutar ou confirmar um

“princípio de inteligibilidade” que tem orientado um conjunto de reflexões sobre os sistemas

de ensino e aos elaboradores, implementadores e analistas das políticas públicas,

preocupados com a democratização do acesso à universidade e ao ensino superior público.

Oferece-lhes elementos para balizar apreciações e ações, ampliando o campo de

investigação sobre os efeitos das políticas públicas sobre a estrutura social, em particular

sobre o princípio da eqüidade que as tem norteado.

Os dados foram obtidos através do questionário, aplicado pela Comissão

Permanente de Vestibular da Universidade Federal do Piauí (COPEVE), quando da

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inscrição nesse processo seletivo, e de entrevista com 50 sujeitos, dos cinco cursos mais

concorridos em 2005, com maior e menor coeficiente de aproveitamento, conforme listagem

obtida junto a o NPD (Núcleo de Processamento de Dados da Universidade Federal do

Piauí).

A exposição está dividida em três momentos. No primeiro, caracterizam-se os

sujeitos da pesquisa, enfocando as propriedades econômicas e culturais suas e das

famílias; no segundo, são apresentadas as trajetórias escolares e as estratégias suas e das

famílias para lograrem êxito escolar e, por último, analisa-se o acesso ao ensino superior

público no Brasil, enfocando seu papel na reprodução da estrutura social.

2 OS BENEFICIADOS COM A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR PÚBLICA

No vestibular de 2005, conforme dados divulgados pela Universidade Federal do

Piauí (2006), 18.064 candidatos concorreram as 2.345 vagas, o que significa que apenas

13% obteriam aprovação. Nos cinco cursos mais concorridos, eram 4.104 candidatos para

275 vagas, por conseguinte, apenas 6,7%, aproximadamente, poderiam lograr êxito. Estes,

na maioria, conforme se constatou pelos questionários, ingressaram pela modalidade

gradativa3, obtiveram aprovação no primeiro vestibular, são teresinenses, solteiros,

cursaram o ensino médio durante o dia, na modalidade regular e em escola particular,

muitos tendo ainda freqüentado cursos pré-vestibulares e são, de alguma forma,

dependentes economicamente da família.

A renda das famílias de que dependem varia de 1sm a mais de 20sm, mas 83,2%

estão na faixa de mais de 3 até 20sm, sendo mais da metade dos aprovados oriundos de

famílias com rendas de mais de 3 até 10sm. É interessante destacar que o número de

aprovados cresce à medida que aumenta a renda, particularmente na faixa mais de 2sm até

10sm, salvo no curso de Serviço Social, cujo crescimento vai de mais de 1sm a mais de

5sm, denotando que é nesse curso que se concentram aqueles provenientes dos extratos

populares.

Na comparação com a renda da população piauiense também se verifica uma

relação inversa, enquanto a população diminui à medida que as faixas de renda vão se

3 O processo seletivo para ingresso nos cursos de graduação da Universidade Federal do Piauí consiste em um “concurso seriado, classificatório” denominado PSIU (Programa Seriado de Ingresso na Universidade), que consiste em duas modalidades: 1ª) GRADATIVA, provas realizadas em três etapas correspondentes às três séries do Ensino Médio regular, de no mínimo três anos e 2ª) GERAL, com as provas das três séries realizadas de uma única vez, ao final do Ensino Médio. Inclui, nas duas modalidades, o conteúdo específico das matérias e disciplinas do Núcleo Comum Obrigatório deste nível de ensino: Língua Portuguesa, Língua Estrangeira (Inglês, Espanhol e Francês), Matemática, Biologia, Química, Física, Geografia e História (Universidade Federal do Piauí/COPEVE, 2006).

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elevando, entre os aprovados é o contrário, o número de aprovados cresce até 10sm,

depois dessa faixa, diminui, mas não se igualando à proporção de habitantes.

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

Até1s.m.

Maisde 1até 2S.m.

Maisde 2até 3S.m.

Maisde 3até 5S.m.

Maisde 5

até 10S.m.

Maisde 10até 20S.m.

Maisde 20S.m

Populaçãopiauiense

Alunosaprovados

Gráfico 1: Renda da população economicamente ativa do Piauí e das famílias dos aprovados. Fonte: Pesquisa direta e IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD, 2005 (apud CEPRO, [2007]).

As condições econômicas refletem a escolaridade na família; 86,5% das mães e

77,1% dos pais dos aprovados cursaram ensino médio ou superior. Só neste último, estão

41,5% das mães e 36% dos pais. Na população piauiense 23,1% são analfabetos, 49%

cursaram o ensino fundamental incompleto, 5,9% ensino fundamental completo, 16,5%

ensino médio, completo e incompleto e 5,6% o ensino superior, ou seja, 78% cursaram até o

ensino fundamental, enquanto, 22% têm a escolaridade da maioria dos pais e mães dos

aprovados nos cursos mais concorridos do vestibular de 2005 da Universidade Federal do

Piauí.

É exatamente a menor parcela da população, conforme a escolaridade, que tem

acesso ao ensino superior público. Assim, tanto no que se refere à renda quanto à

escolaridade os aprovados nos cursos mais concorridos distinguem-se da população

tomada em seu conjunto, pertencendo, face esses critérios, aos segmentos mais bem

situados no espaço social local.

Nas entrevistas, confirmou-se a situação cultural privilegiada dos aprovados.

Constatou-se que 64% tinham algum familiar cursando ou com curso superior, muitos (38%)

com um, outros (20%) com dois e alguns poucos com mais de três (6%). Todavia, essa é

uma conquista recente, pois entre os avós paternos apenas 8% têm escolarização superior

e entre os maternos 6%, registrando-se, em todos os cursos, analfabetos (18% entre os

paternos e 12% os maternos). A escolaridade mais elevada, para a maioria (68%), inicia-se

a partir da segunda geração, com os tios.

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A conquista recente se expressa nos bens culturais possuídos pela família, isto é, no

capital cultural no estado objetivado (escritos, pinturas, monumentos). A maioria das famílias

dos aprovados possui filmes (66%) e assinatura de revistas (44%), todavia, há aqueles

(36%) que são proprietários de obras de arte e biblioteca (30%). Isso, por um lado,

demonstra mais a força da indústria cultural do que a inculcação e assimilação de uma

propriedade, ou, nos termos de Bourdieu (2002, p. 74), “um ter que se tornou ser, uma

propriedade que se fez corpo e tornou-se parte integrante da ‘pessoa’, um habitus”. Mas, por

outro, expõe a heterogeneidade das condições culturais dos aprovados em que alguns,

graças ao poder aquisitivo, podem dispor de bens cultivados.

As práticas culturais também espelham que o capital cultural ainda não foi

incorporado, expondo a condição de ‘novatos’ da maioria, isto é, de que não houve tempo

de investimento suficiente para que a acumulação desse capital redundasse em

socialização. Assim é que as famílias freqüentam, principalmente, festas (62%), cinemas

(58%) e shows musicais dançantes 54% e os aprovados, assistem a filmes e cultivam a

leitura. O primeiro foi citado por 76% dos entrevistados, muitos (50%) na própria casa, mas

há os que vão ao cinema, estes são 40%. A segunda é prática citada por 58%, havendo

quem lesse até três livros por mês, por vezes de obras literárias (58%), além daqueles

indicados pela bibliografia dos cursos, outros, só livros técnicos (14%) e alguns também de

auto-ajuda (12%). O teatro é freqüentado por poucos (10%) e, esporadicamente.

Os aprovados, portanto, em grande parte, fazem partem de uma minoria econômica

e cultural, todavia, nem todos ocupam as mesmas posições no espaço social local, havendo

aqueles que por possuírem melhores condições econômicas e, por conseguinte, culturais,

dispõem tanto de bens cultivados quanto têm praticas culturais prestigiosas.

O percurso escolar desses sujeitos é o que se expõe a seguir.

3. A ESCOLARIZAÇÃO ATÉ A UNIVERSIDADE – ESFORÇO FAMILIAR E RENTABILIDADE DO CAPITAL CULTURAL

Como já indicava a aprovação da maioria pela modalidade gradativa e a aprovação

no primeiro vestibular, os ingressantes nos cinco cursos apresentam trajetórias escolares

regulares, realizadas em escolas particulares, quase sempre mais de uma, mas, em grande

parte, marcadas por sucessos constantes, sendo aprovados por média e destacando-se em

relação aos colegas. Isso, conforme o depoimento de alguns, refletia o gosto pelo estudo:

“estudei toda vida em escola particular, [...] sempre aprovado por média, nunca fui

reprovado, nem fiz recuperação. Relativamente me destacava, porque gostava de estudar”

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(MED. 024)5. Ou, ainda, interesse ou esforço denodado: “sempre estudei em escola

particular, três escolas, sempre fui aprovada por média, nunca fiquei reprovada e nem fiquei

para recuperação, nem fiz prova final. [...], por que estudava bastante” (ENF. 37).

Os egressos da escola pública também tiveram trajetórias regulares e exitosas, ainda

que nem sempre numa só instituição. Diz um, “sempre estudei em escola pública, até a 8ª

série em escola pública estadual e 1º, 2º e 3º ano no CEFET. Sempre fui aprovada por

média e ficava entre os primeiros, graças a Deus” (S.S. 25). Outro diz:

Estudei do maternal a quarta serie do SESI (Serviço Social da Indústria), próxima da minha casa; da quinta até a oitava série estudei no São José e do primeiro ao terceiro ano no CEFET. Nunca fiquei reprovada, (quase) sempre aprovada por média, mas algumas vezes fiquei para recuperação (S.S. 15).

A família participa desse processo desde os primeiros momentos não apenas com

apoio material, financeiro e afetivo, mas também forjando hábitos, como o da leitura de

historias na infância, além de estimular e acompanhar, diariamente as atividades escolares,

quando não tinham tempo, contratavam professores particulares, em síntese, foram pais

engajados no projeto de escolarização dos filhos.

Além dos pais, participam da escolarização avós, tios, tias, amigos, professores e até

vizinhos. Quase sempre, apoio moral e estímulos, informação sobre o sistema de ensino,

ajuda nas tarefas de casa, mas, por vezes, principalmente avós e tios, também ajuda

material e financeira, na aquisição de livros, pagamento de mensalidade escolar, ou

assegurando moradia, para aqueles de menor poder aquisitivo.

Os estudantes tinham à sua disposição, portanto, estrutura familiar e rede de

relações sociais dotadas de capital cultural, que lhes possibilitaram formas variadas de

aquisição do capital escolar, apoiando-lhes ou incentivando-lhes nos estudos ou, ainda,

ajudando-lhes material e financeiramente nos dispêndios escolares. Com efeito, a ajuda na

escolarização é traço marcante do ethos familiar, ou seja, a família se porta de modo a

inculcar nos filhos seus valores face ao capital cultural. Isso mostra, por um lado, o papel da

família na transmissão cultural e, por outro, as implicações escolares da herança cultural.

CONCLUSÃO

4 Cada entrevista recebeu um código indicativo do curso e foi numerada conforme a ordem de tabulação (de 01, 02,... 50. A abreviação indicativa do curso ficou da seguinte forma: MED, Medicina; DIR, Direito; ENF, Enfermagem; S. S, Serviço Social).

5 Alguns dos depoimentos, seguindo as indicações de Bourdieu (1998), em respeito aos entrevistados, foram aliviados de certas frases confusas, redundâncias verbais, tiques de linguagem (“não é”, “pois bem”), uso recorrente e desnecessário de pronomes pessoais (eu ou ele). Mas jamais se substitui uma palavra e todos os cortes foram assinalados.

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As informações obtidas permitem concluir que aqueles que ingressam no ensino

superior público federal no Piauí se distinguem da população tomada em seu conjunto, pois

possuem condições educacionais, econômicas e ocupacionais médias ou superiores e, por

conseguinte, ocupam posições elevadas no espaço social local. Os aprovados nos cinco

cursos mais concorridos no vestibular de 2005 na Universidade Federal do Piauí provêm,

majoritariamente, de famílias cujos genitores têm grau de instrução média e superior e renda

familiar maior que 3 salários mínimos. Os estratos da população de renda inferior a 3sm,

apesar de serem a maioria (73,04%), particularmente, os que têm rendimentos de até 1sm

(23,24%), têm participação reduzida na aprovação e êxito no processo seletivo.

À renda e escolaridade se junta o trabalho escolar realizado pela família e, ainda que

de forma escassa, os bens e práticas culturais do ambiente familiar. Assim, o acesso ao

ensino superior público tem estreita relação com o nível cultural global da família, por

conseguinte, é um elemento favorecedor daqueles de maior renda, que não apenas podem

pagar os custos da educação básica em instituições privadas, em grande parte, caras e do

estudo em tempo integral como proporcionam aos filhos ambiente e oportunidades culturais

privilegiadas. Desse modo, a política de educação superior, acentua as desigualdades, não

apenas oferecendo, gratuitamente, um bem que possibilita importantes ganhos privados ao

longo da vida como também conservando e ampliando as propriedades daqueles que já os

possuem. Com isso, perpetua a iníqua estrutura do sistema de ensino e mantém a estrutura

das relações entre as classes.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Portaria MEC Nº 569, de 23 de Fevereiro de 2006 . Regulamenta o art. 11 da Lei no 11.180, de 23 de setembro de 2005; descreve procedimentos para recebimento da bolsa-permanência para alunos beneficiados com bolsa integral pelo PROUNI. Disponível em: <http://www.sinepe-mg.org.br/legislacao/ens_superior/prouni/index.html>. Aceso em: 11 mar. 2008.

BRASIL. Decreto nº. 6.096 de 24 de abril de 2007. Institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - REUNI. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6096.htm>. Aceso em: 11 mar. 2008.

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BRASIL. Ministério da Educação, Plano de Desenvolvimento da Educação: razões, princípios e programas. 2007. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/livro/livro.pdf> Acesso em 11 mar. 2008.

BOURDIEU, Pierre. A Escola Conservadora: as desigualdades frente á escola e à cultura. In: NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio (Orgs). Escritos de Educação. Trad. Aparecida Joly Gouveia. 4. ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 2002, p.39-64.

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ZAGO, Nadir. A condição do estudante: um estudo o acesso no ensino superior. XII CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA. Belo Horizonte, maio – jun, 2005.

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