Ensino Religioso No Viés Da Teologia e História Cultural

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AS CONFLUÊNCIAS ENTRE A NOVA HISTÓRIA E TEOLOGIA CULTURAL PARA A IDENTIDADE DO ENSINO RELIGIOSO CLAUDIA REGINA KLUCK, Mestranda, PUC-PR, Curitiba – PR – BR. [email protected] 1. SOBRE AS PESQUISAS DO GRUPO – LEGISLAÇÃO E CURSOS DE FORMAÇÃO Historicamente o Ensino Religioso tem sido mote de estudo, discussão e reflexão e alguns grupos de pesquisa dispararam seus estudos a respeito disponibilizando os resultados obtidos a outros pesquisadores da área, como é o caso do Grupo de Educação e Religião 1 . Este grupo, dentre outras frentes de pesquisa a respeito do Ensino Religioso, tem reunido e disponibilizado importante documentação a respeito, a saber: legislações em níveis nacional e estadual; um profundo mapeamento quanto aos cursos de formação para a disciplina, em diferentes níveis (formação inicial, formação continuada, extensão, pós-graduação, etc.), teses e dissertações produção nacionalmente. O estudo a que se refere o presente texto é parte de pesquisa que se dedicou para a organização, fichamento e análise do conteúdo de livros didáticos do Ensino Religioso, no período entre 1901 a 2014, buscando favorecer o entendimento a respeito da identidade desta área do conhecimento. 1 Grupo formado e registrado na Capes desde 2005, cuja contribuição esta registrada e disponível em <htttp://www.gper.com.br>.

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Analisando a História Cultural eo Pensamento de Paul Tilich em face do ER

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AS CONFLUNCIAS ENTRE A NOVA HISTRIA E TEOLOGIA CULTURAL PARA A IDENTIDADE DO ENSINO RELIGIOSO CLAUDIA REGINA KLUCK, Mestranda, PUC-PR, Curitiba PR BR. [email protected] AS PESQUISAS DO GRUPO LEGISLAO E CURSOS DE FORMAOHistoricamente o Ensino Religioso tem sido mote de estudo, discusso e reflexo e alguns grupos de pesquisa dispararam seus estudos a respeito disponibilizando os resultados obtidos a outros pesquisadores da rea, como o caso do Grupo de Educao e Religio[footnoteRef:2]. [2: Grupo formado e registrado na Capes desde 2005, cuja contribuio esta registrada e disponvel em .]

Este grupo, dentre outras frentes de pesquisa a respeito do Ensino Religioso, tem reunido e disponibilizado importante documentao a respeito, a saber: legislaes em nveis nacional e estadual; um profundo mapeamento quanto aos cursos de formao para a disciplina, em diferentes nveis (formao inicial, formao continuada, extenso, ps-graduao, etc.), teses e dissertaes produo nacionalmente.O estudo a que se refere o presente texto parte de pesquisa que se dedicou para a organizao, fichamento e anlise do contedo de livros didticos do Ensino Religioso, no perodo entre 1901 a 2014, buscando favorecer o entendimento a respeito da identidade desta rea do conhecimento.Para o desenvolvimento da pesquisa foram utilizados os pressupostos da Histria Cultural, que tm sua gnese no movimento da Escola dos Annales e que desde os precursores Marc Bloch e Lucien Febvre tm sofrido mudanas ao longo dos anos. De uma Histria de longa durao (totalizante), das mentalidades at a Histria vista de baixo, micro-histria foram longos e pesados passos, que deram condies para que a proposio de novos temas e novas fontes pudessem ser testemunhos do que j ocorreu, ou melhor, neste caso, pelo vis da anlise histrica dos livros didticos utilizados na disciplina do Ensino Religioso, contribussem para o conhecimento de sua identidade.Depois da primeira gerao de Annales, a segunda, em que h uma aproximao da Histria com a Geografia. Um dos importantes representantes Fernand Braudel, que desenvolve questes a respeito do tempo e espao. Ele decompe o tempo da histria em outros tempos, que tem interrelao, a saber, o tempo social, o individual e o geogrfico, este ltimo marcando a relao entre o homem e o meio em que vive.A terceira gerao de Annales estabelece vnculos com os aspectos culturais das coletividades, mais antropolgica, e rompendo com uma histria total, ampla, passando a se dedicar a questes sociais e culturais, introduzindo outros personagens na historiografia, como a criana, a mulher, a famlia. Le Goff um cone desta gerao, e se dedica a estudar detalhadamente as transformaes do imaginrio medieval no ano 1000. A Nova Histria Cultural, quarta gerao da Escola dos Annales, surge em 1980 com as publicaes da historiadora Lynn Hunt. Tambm Carlos Ginzburg (1998) se dedica a histria deixada a margem, extraindo a partir do moleiro Menocchio, atravs dos documentos da Inquisio medieval, aspectos da estrutura e dinmica das realidades sociais. Alm dele Roger Chartier, terico por excelncia das pesquisas com base na Nova Histria Cultural tem se dedicado a pesquisa ao mundo dos impressos e em especial da cultura escolar.Insere-se na pesquisa, alm de Chartier, Paul Tillich distinguindo-se junto com a sua Teologia Cultural, como capazes de contribuir para o discernimento da identidade da disciplina. Tillich versa a respeito do conhecimento teolgico, muitos aspectos desenvolvidos pela Histria Cultural.Ento esto distintos os dois colaboradores para o substrato do Ensino Religioso. Substrato como sendo aquilo que constitui a essncia da disciplina, tendo em vista ser seu foco o conhecimento religioso diretamente ligado ao aspecto cultural das diferentes vertentes religiosas. SOBRE A DISTINO A RESPEITO DA IDENTIDADE DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL ENTRE 1901 E 1996Na Constituio de 1988 o Ensino Religioso de forma destacada, moveu um grande contingente a fim de que a disciplina permanecesse no currculo da escola brasileira. Isso se mostrou profcuo.Alm de constar na Constituio Cidad, tambm na Lei de Diretrizes e Bases 9496/96 e revises posteriores tm orientado de maneira a assegurar a formao bsica comum e respeito aos valores culturais e artsticos, nacionais e regionais. Na Lei de Diretrizes e Bases de 1996, versa que [...] art. 33 O Ensino Religioso, de matrcula facultativa, parte integrante da formao bsica do cidado e constitui disciplina dos horrios normais das escolas pblicas de Ensino Fundamental, assegurado o respeito diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo [...]. (REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, Lei n. 9.475 (22 julho 1997), in: FRUM NACIONAL PERMANENTE DO ENSINO RELIGIOSO, Parmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso, So Paulo, Ave Maria, 1998, 3a ed., p. 66.)De acordo com a lei brasileira a prtica e a identidade da disciplina deve abolir a prtica proslita e estar ligada fenomenologia de Husserl (1996, 7) que apresentada como uma cincia aparece conscincia, como aquela do sentido do mundo e das suas coisas, procurando compreender o homem a partir dos fatos, como forma de no parcializao, evitando a explicao a partir de conceitos e crenas prvias, e de referenciais anteriores ao exame do fenmeno. Essa vertente conceitual d condies de uma prtica pedaggica que observa a integralidade, da continuidade histrica e cultural.HISTRIA CULTURAL EM CHARTIERComo dito anteriormente, este estudo qualitativo, se serve da fenomenologia sob a tica de Edmund Husserl (1859-1938), que prope avanar para as prprias coisas (GIL, 2008, p. 14), sendo aquilo que visto imediatamente, orientado para o objeto ou para o dado, ou seja, o fenmeno no pretendendo aferir se o dado uma realidade ou aparncia. Assim o mtodo fenomenolgico busca compreender por meio da intuio e apresentar to somente o que o dado e esclarec-lo, pois no explica mediante leis nem deduz a partir de princpios, mas considera imediatamente o que est presente conscincia: o objeto. (GIL, 2008, p. 14).Tendo em vista a natureza dos materiais, cabe ao mtodo histrico, que investiga acontecimentos ou instituies do passado, auxiliar na percepo da influncia dos Livros Didticos na sociedade, sendo seu foco, ao refletir sobre suas razes, compreender sua natureza e funo conforme ensinam Marconi e Lakatos (2003, p. 107), as instituies alcanaram sua forma atual atravs de alteraes de suas partes componentes, ao longo do tempo, influenciadas pelo contexto cultural particular de cada poca. Portanto neste entrecruzamento de micro (livros didticos do Ensino Religioso) e macrohistria (Histria da Educao Brasileira) que a Histria Cultural pode dar sua contribuio.A caracterstica metodolgica da Histria Cultural, diz sobre as inmeras relaes possveis entre o detalhe e o contexto, tendo em vista s lentes utilizadas pelos pesquisadores na anlise das fontes, o que percebido por Burke (2005) como fora e fraqueza, pois enquanto flexibiliza as pesquisas, tambm pode fragmentar os temas abordados. A Histria Cultural aborda uma pluralidade de temas, que abre possibilidade para um sem fim de fontes. Alm das tradicionalmente utilizadas para o estudo da Histria da Educao legislao e documentos oficiais, relatrios e pareceres da instruo pblica, tambm outros documentos escritos de natureza oficial em geral novas fontes so utilizadas pelos historiadores, como imagens, fontes orais (gravaes, entrevistas e relatos), revistas pedaggicas, manuais escolares, jornais, peas publicitrias, obras artsticas, etc. A diversidade de fontes exige daqueles que se propem a analis-las, cuidado desde sua localizao, pois o tratamento das mesmas exige o rigor necessrio para lhe atribuir o valor da cientificidade, alm de poder propiciar um novo olhar para a escola pois estas se apresentam como locais que portam um arsenal de fontes e de informaes fundamentais para a formulao e interpretaes sobre elas prprias e, sobretudo, sobre a histria da educao brasileira (GATTI JNIOR, 2002, p.4).Compreender o modo de articulao entre os recortes sociais e as prticas culturais tem sido o esforo dos historiadores da cultura, com base na base terica desenvolvida por Burke, Chervel e Chartier.Burke explica que no existe uma defesa em prol da Histria Cultural, no quesito em ser a melhor forma de histria, porm ele explica que so necessrias suas contribuies, como forma de no se retornar ao modelo positivista dos documentos histricos de uma compreenso literal onde no se destacam os simbolismo (BURKE, 2005, p. 164).Chervel (1990, p. 220) contribui de diferentes maneiras, e uma das primeiras o entendimento a respeito das disciplinas escolares enquanto interventoras na histria cultural da sociedade. Seu iderio se localiza no bojo da histria cultural, pois entende que seu aspecto funcional o de preparar a aculturao dos alunos em conformidade com certas finalidades: isso que explica sua gnese e constitui sua razo social.Opta-se pelo posicionamento histrico em Chartier, tendo em vista seus conceitos de representao e apropriao, obtidos em pesquisas cujo foco foram os impressos e suas diferentes leituras, voltados principalmente para formao de docentes. Chartier contribui de forma especial ao sintetizar conceitos de outros tericos como Pierre Bordieu, Michel de Certeau, Michel Foucault e outros que do lastro para a formulao dos prprios conceitos. Servir-se de aporte terico que este autor desenvolve, poder refletir a respeito dos livros didticos do Ensino Religioso e descobrir um conjunto de significaes que se enunciam nos discursos ou nas condutas aparentemente menos culturais (CHARTIER, 2002, p.59), pois vai alm do entendimento de ser a cultura estabelecida somente por uma estrutura, como se fosse um nvel parte do todo social, na verdade necessrio pens-la como o todo das relaes, incluindo as econmicas ou sociais, que envolvem os esquemas de percepo e de apreciao de diferentes sujeitos e suas representaes constitutivas e a isso se pode chamar Cultura (CHARTIER, 2002, p.59) que inclui a dimenso prtica da vida.Para Chartier, necessria a articulao de um trabalho de classificao e de delimitao, as prticas em que pode perceber a identidade social e ainda as formas de discurso institucionalizadas, em instncias coletivas, que marcam a existncia do grupo estabelecem a noo de representao (CHARTIER, 1990, p.23).Desta forma, a Histria Cultural, para ele tomada como Histria Cultural do Social (CHARTIER, 2002), sendo onde se destaca a prtica como elemento fundamental.A utilizao dos estudos de Chartier tem se constitudo referenciais para historiadores, e em especial queles da Educao. Por exemplo, ao analisar os manuais escolares, desde sua elaborao, edio e distribuio, Chartier concebe estes materiais como produo cultural e ao analisar as condies de consumo restitui sua historicidade (CHARTIER, 2002, p.52-53).A reflexo sobre os livros didticos se estabelece num panorama que considera as determinaes legais e os reflexos destas na produo, quantitativa e qualitativamente, e posteriormente a sua apropriao por docentes e discentes, confirmando sua qualificao como produto cultural, pois os dados levantados do condies de perceber o que representa esse material, sua influncia, e o fazer pedaggico da escola brasileira, e se pode conceitu-lo como histria cultural, pois presente promover uma identificao das prticas, dos discursos (apropriaes) e representaes assumidas.TEOLOGIA CULTURALHegel apud Gibellini (1998, 85) apresenta a religio como princpio e fim de tudo, e igualmente aquilo que confere vida, animao e esprito a tudo, esse pensamento emana da obra de Tillich. Este olhou criticamente para a Teologia, e assim tornou possvel um dilogo no s entre diferentes pensadores, mas tambm os ensaios de dilogo entre as religies.Ele amplia o conceito de Deus como um Ser-alm-do-ser o que faz transbordar muito das circunscritas idias das religies a Seu respeito. Quando se refere a Ele como o Incondicionado apresenta quanto ilimitado, j que criador dos limites.Considerando ser um telogo de origem polonesa-alem, que atuou como capelo na primeira guerra mundial, tendo migrou aos Estados Unidos devido s ameaas de Hitler, este importante telogo protestante desenvolve alguns conceitos que vo alm do convencional, pois pensa a respeito da Cultura e isso afere um cunho social a prtica da religio.Esse autor coloca toda a criao de Deus, submissa a sua soberania, independente de ter ou no uma religio, pois, nada pode contrariar essa fora criadora, e em sua obra, apresenta que o ser humano vive para Deus, ainda que no o cultue ou o aceite. Para Tillich, apesar da liberdade de cada um, toda a criao no se esquiva dos olhares de Deus. Ele versa a respeito de cultura e religio como sendo religio a substncia da cultura e a cultura a forma da religio (GIBELINNI, 1998, 90), e por isso indissociveis, pensamento chave da teologia de Tillich. As culturas so, portanto, expresses humanas de ato cltico inato Deus, independente de sua conscincia e direcionamento voluntrio. Como se fossem diferentes religies, todos os atos seriam feitos para Deus, obedecendo a um propsito que no pode ser invalidado. Por isso os conceitos de heteronomia, autonomia e teonomia so muito importantes para a teologia tillichiana., e ele faz relao entre elas no mbito religioso necessariamente ligadas cultura.Alguns pontos importantes de sua Teologia Sistemtica merecem destaque: a liberdade do Esprito no condicionando-o esta ou aquela religio; a convergncia entre sagrado e secular e a pertinncia essencial mtua de religio e cultura que o foco de interesse deste estudo, onde se entende que a religio se expressa carregada por sua cultura pois assume seus caracteres em suas formas de expresso, segundo Tillich.CONFLUENCIASEntre os pressupostos terico-metodolgicos de Paul Tillich e Roger Chartier existem pontos de confluncia. Estes pontos destacados podem ser marcos para a identidade do Ensino Religioso.Com relao cultura, para Tillich, enquanto organizao simblica do mundo, ou dimenso simblica expressiva da vida social, necessrio que a sua vida e formao, at a vinda para a America do Norte, deram para ele informaes somente a respeito da situao cultural das elites.Seu conceito de cultura (derivado de colere, cuidar de) estaria ligado a cuidar de algo, manter vivo e fazer crescer. Porm, ao encontrar e cuidar de algo as pessoas no deixam inalterados o que foi encontrado, cria a partir dele e de seus prprios referenciais algo novo, que seja materialmente (funo tcnica), receptivamente (funo terica) ou reativamente (funo prtica).Para Tillich, baseado em Hegel, a anlise da totalidade da cultura tarefa filosfica, e a define como auto-criatividade da vida sob a dimenso do esprito, dividindo em teoria, onde a realidade apreendida e em prxis, onde a realidade configurada.Essa teoria converge com o pensamento de Chartier ao perceber que Cultura o conjunto de significaes que se enunciam nos discursos ou nas condutas aparentemente menos culturais (CHARTIER, 2002, p.59), correlacionando-as ao mundo do vivido, do real assim como Tillich.Para a Histria Cultural o que se deve pensar como todas as relaes, inclusive aquelas que designamos como relaes econmicas ou sociais, organizam-se segundo lgicas que colocam em jogo, em ao, os esquemas de percepo e de apreciao de diferentes sujeitos sociais, portanto, as representaes constitutivas que se pode chamar de cultura, seja comum a toda uma sociedade, quer seja prpria a um grupo determinado (CHARTIER, 2002, p.59).Quanto Histria, na perspectiva da Teologia da Cultura, perceptvel a ligao entre o ocorrido e a construo do sentido, conforme afirma Tillich o infinito tambm aparecera no passado por meio de formas expressivas de vida bem como nos seus grandes smbolos. Os perodos da histria passada tambm haviam sido revelatrios. (2010, 107). O autor explicita que essa inferncia que o ser humano d ao ocorrido torna o ato de pensar, e em especial pensar o passado, um caracter transformador. Falando da histria da filosofia, ele apresenta que ela mais do que a histria de algumas ideias interessantes que se contradizem entre si. a histria da auto-interpretao do homem (TILLICH, 2010, 137), ele diz que isso vai alm do julgamento da lgica, pois alcana tambm [...] o julgamento do sentido da existncia como um todo. A est a responsabilidade de pensar, bem como a sua grandeza (idem).Chartier (2002) apresenta a Histria Cultura como Histria Cultural do Social na qual a noo de prtica destaca-se como um aspecto fundamental, pois:a histria deve ser entendida como o estudo dos processos com os quais se constri um sentido (...) dirige-se s prticas que, pluralmente, contraditoriamente, do significado ao mundo. Da a caracterizao das prticas discursivas como produtoras de ordenamento, de afirmao de distncias, de divises; da o reconhecimento das prticas de apropriao cultural como formas diferenciadas de interpretao (CHARTIER, 1990, p.27-28).Ao ligar o sentido da existncia, movido atravs do pensar, de Tillich construo de sentido de Chartier, ligado a construo de sentido com as prticas se percebe a confluncia da necessidade de pensar, ensinar, discutir e reconhecer assim: ordens, afirmaes, distncias e divises como forma de apropriao cultural, confirmando que Histria Cultural percebida como uma Histria Cultural do Social (CHARTIER, 2002)As linhas metodolgicas dos dois autores tambm se encontram nos seus aspectos dialticos. O mtodo de empregar a tradio, em Tillich, foi eminentemente dialtico, no esprito do sic et non de Abelardo. (TILLICH, 2010, 19). De acordo com Braaten, sua teologia sistemtica foi construda segundo o ritmo de perguntas e respostas advindas da situao existencial (idem, 20). Tillich buscava selecionar e interpretar o material a partir, e considerando, um determinado ponto de vista, ou melhor, de um ponto de vista bastante abrangedor. Pois pensava que elencar pessoas em diferentes pocas que falaram sobre o mesmo assunto seria um modo estpido de fazer histria, mesmo se pudssemos justific-la com o adjetivo factual (TILLICH, 2010, 38). Tillich considerava a Histria importante para a existncia do hoje, do aqui e agora, por isso entendia no ser possvel interpretar a histria sem algum ponto de vista (TILLICH, 2010, 38).No aparato metodolgico da Histria Cultura emanam os conceitos de representao, apropriao e prticas, que se mostram importantes instrumentais e mtodo de anlise desenvolvidos por Chartier para interrogar os prprios objetos, em todas as suas estruturas. As categorias de cultura de representao e apropriao so noes essenciais para os estudos nesta perspectiva.Quanto noo de representao, onde so articulados aspectos bsicos da relao com o mundo social, o que seria um fazer prprio da classificao e da delimitao, onde surge a idia que a realidade construda; depois que atravs das prticas possvel se reconhecer a identidade social e ainda considerar as formas institucionalizadas onde instncias coletivas distinguem a existncia dos grupos (CHARTIER, 1990, 23). Com base em Bordieu, como um dos vrios autores sobre os quais Chartier se apia, as divises e classificaes traduzem as percepes do mundo real, enquanto representaes do mundo social. Elas so variveis, respeitando a cultura de cada sociedade, e determinadas pelos interesses desta. Por isso mesmo no so neutras, cada representao produz estratgias e formas de legitimar suas escolhas (CHARTIER, 1990, 17)A apropriao outro conceito que auxilia as anlises tendo em tela a histria social das interpretaes, remetidas para suas determinaes fundantes (que so sociais, institucionais, culturais) e inscritas nas prticas especficas que as produzem (CHARTIER, 1990, 26). O conceito de apropriao apresenta dialeticamente diferena e dependncia. Apesar da produo dos bens culturais seguirem regras, normas, hierarquias especficas (diferena), a questo da dependncia reforada pelo jogo de poder e cdigos de inteligibilidade, ligada aos princpios de organizao e diferenciao sociais (CHARTIER, 1999, 9-10) e que precisam ser considerados.A apropriao tem por objetivo uma histria social das interpretaes remetidas para as suas determinaes fundamentais (que so sociais, institucionais e culturais) e inscritas nas prticas especficas que as produzem (CHARTIER, 1990, 26). Com relao s prticas, no entendimento entre o que representa e como ou o que se apropria, que desemboca na formao/construo das identidades. Torna-se possvel, assim, perceber como acontece a apropriao das representaes, e a partir dela os seus reflexos sobre as prticas, que podem serem transformadas palatinamente em tradies.A forma que as representaes so assumidas (apropriadas) e como as prticas so interpretadas e assumidas, em diferentes sociedades e perodos, um vis histrico apresentado por Chartier, servindo-se de outras cincias para a compreenso e anlise de representaes, apropriaes e prticas como, por exemplo, a Sociologia, Antropologia e tambm, no caso do Ensino Religioso, da Teologia, cujas prticas docentes e educativas, devem pensar considerando tambm a cultura escolar, que no caso da pesquisa, se serve dos livros didticos. Estes, carregados de diferentes aspectos, mediam as relaes entre grupos e indivduos, e ao basear-se em representaes e em apropriaes, necessrio que se perceba um movimento confluente (FONSECA, 2003, 63) e dialtico.Entre Histria Cultural e Teologia da Cultura, faz-se o destaque tambm para o rigor no uso das palavras. Tillich frisa isso ao ensinar que conhecer a histria nos ajuda a entender o significado dos termos que usamos s vezes sem muita preciso (2010, 108-109) e Chartier em entrevista a Revista de Histria (2007) destaque que, por exemplo, a palavra moderna tem sentido ambivalente, e passa a detalhar essas diferenas. Outra afirmao a respeito da ntima contribuio da Histria para a Teologia foi proferida por Tillich que afirmando ser o principal propsito deste curso [que ministrava] ajudar a entender os prprios problemas procurando descobrir as suas razes no passado (TILLICH, 2010, 36), o que recupera o pensamento de Bloch em ser a Histria a cincia dos homens no tempo (2001, 7). Nesta definio Bloch coloca o historiador como aquele que no deve se ater ao passado, pois como sujeito ativo, est no presente, e olha por esta tica.Utilizando o pensamento de Bloch (2001, 45) que uma cincia nos parecer sempre ter algo de incompleto se no nos ajudar, cedo ou tarde, a viver melhor, se encontra a grande confluncia entre Teologia e Histria, completada na escola tambm atravs do Ensino Religioso.CONCLUINDOA Identidade do Ensino Religioso, fundamentada terico-metodologicamente na Histria Cultural, com o auxlio das crticas lentes da Teologia Cultural, d condies em ir alm das abordagens puramente pedaggicas, ampliando-se dessa maneira as fontes a serem utilizadas e a diversidade de tratamento das mesmas, servindo-se de diferentes testemunhos histricos, e propiciando desenvolver anlises que levem em considerao as mltiplas temporalidades, as permanncias e rupturas nas prticas escolares.Destarte possvel aferir que a Histria da Educao pode e deve ser compreendida e desenvolvida como um campo temtico da Histria Cultural, cujas prticas escolares devem, e urgem, serem vistas como prticas culturais.Um dos pressupostos da pesquisa que a escola, ao fazer uso de determinados objetos culturais, em especial no caso o Ensino Religioso, deles se apropria de forma criativa e diferenciada, como lembram os historiadores Chartier (1990) e Chervel (1990), e assim aferem disciplina os caracteres necessrios para que se distingua sua identidade.Referncias

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