ENSINO POR PROJETOS – AUTORES E...

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1 ENSINO POR PROJETOS – AUTORES E CONCEPÇÕES Larissa Cirillo Rollo Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação Vera Cruz Isabel de Lourdes Esteves Orientadora RESUMO O presente trabalho de conclusão de curso tem como objetivo descrever e comparar as principais concepções sobre o trabalho com projetos em educação. Para isso, foi realizada uma pesquisa bibliográfica sobre três autores escolanovistas que fundamentam tais concepções - Dewey, Decroly e Freinet - e sobre dois autores atuais que discorrem sobre o tema - Hernández e Lerner. São apresentados o contexto no qual escreveram e suas ideias a respeito do tema. Foram também analisados os pontos de convergência e de divergência entre eles. Palavras-chave: trabalho com projetos, Hernández, Lerner, Decroly, Freinet, Dewey. 1 INTRODUÇÃO Nas últimas décadas, têm chegado ao Brasil muitos trabalhos relacionados a projetos na educação. “No momento atual, essa prática pedagógica está sendo difundida, como inovadora, em escolas públicas e particulares de forma bastante rápida.” (Menezes e Cruz, 2007) Enquanto cursava a Faculdade de Pedagogia, em diversas disciplinas, os professores falavam a respeito do trabalho com projetos tanto na Educação Infantil quanto no Ensino Fundamental. Percebia que não há apenas uma definição a respeito e surgiu daí o interesse de aprofundamento no estudo acerca dessa estratégia pedagógica.

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ENSINO POR PROJETOS – AUTORES E CONCEPÇÕES

Larissa Cirillo Rollo

Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação Vera Cruz

Isabel de Lourdes Esteves

Orientadora

RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso tem como objetivo descrever e comparar as principais concepções sobre o trabalho com projetos em educação. Para isso, foi realizada uma pesquisa bibliográfica sobre três autores escolanovistas que fundamentam tais concepções - Dewey, Decroly e Freinet - e sobre dois autores atuais que discorrem sobre o tema - Hernández e Lerner. São apresentados o contexto no qual escreveram e suas ideias a respeito do tema. Foram também analisados os pontos de convergência e de divergência entre eles. Palavras-chave: trabalho com projetos, Hernández, Lerner, Decroly, Freinet, Dewey.

1 INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, têm chegado ao Brasil muitos trabalhos relacionados a

projetos na educação. “No momento atual, essa prática pedagógica está sendo difundida,

como inovadora, em escolas públicas e particulares de forma bastante rápida.”

(Menezes e Cruz, 2007)

Enquanto cursava a Faculdade de Pedagogia, em diversas disciplinas, os

professores falavam a respeito do trabalho com projetos tanto na Educação Infantil

quanto no Ensino Fundamental. Percebia que não há apenas uma definição a respeito e

surgiu daí o interesse de aprofundamento no estudo acerca dessa estratégia pedagógica.

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Ao pesquisar sobre este tema, descobri que não há apenas um autor que teoriza

sobre o assunto; pelo contrário, vários autores discorrem sobre perspectivas e

fundamentos diferentes.

Considero relevante para a minha formação e para a formação dos alunos de

Pedagogia em geral que seja explicitada a distinção entre as diferentes concepções de

projetos e seus fundamentos.

O objetivo deste artigo é, portanto, responder a questão: quais são as principais

concepções sobre o trabalho com projetos na sala de aula e seus fundamentos?

2 METODOLOGIA

De acordo com Sá-Silva, Almeida e Guindani (2009), o uso de documentos em

pesquisa favorece a compreensão da dimensão do tempo, pois possibilita a observação

do processo, ou seja, da evolução do tema. Para eles,

O uso de documentos em pesquisa deve ser apreciado e valorizado. A riqueza de informações que deles podemos extrair e resgatar justifica o seu uso em várias áreas das Ciências Humanas e Sociais porque possibilita ampliar o entendimento de objetos cuja compreensão necessita de contextualização histórica e sociocultural. (p.2)

Os autores (2009) afirmam também que tanto a pesquisa documental quanto a

pesquisa bibliográfica têm o documento como objeto de investigação. No entanto, essas

duas modalidades de pesquisa apresentam diferenças quanto ao tipo de documento

estudado. Segundo Oliveira (2007, apud Sá-Silva, Almeida e Guindani, 2009), a

pesquisa bibliográfica analisa documentos de domínio científico, ou fontes secundárias,

ou seja, que já foram trabalhados por estudiosos do assunto. A pesquisa documental, por

outro lado, tem com base fontes primárias, isto é, materiais que ainda não receberam

tratamento analítico, e tem como objetivo produzir novos conhecimentos.

A respeito da pesquisa bibliográfica, Oliveira (idem) afirma que

é uma modalidade de estudo e análise de documentos de domínio científico tais como livros, periódicos, enciclopédias, ensaios críticos, dicionários e artigos científicos. Como característica diferenciadora ela pontua que é um tipo de “estudo direto em fontes científicas, sem precisar recorrer diretamente aos fatos/fenômenos da realidade empírica”. Argumenta que a principal finalidade da pesquisa bibliográfica é

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proporcionar aos pesquisadores e pesquisadoras o contato direto com obras, artigos ou documentos que tratem do tema em estudo: “o mais importante para quem faz opção pela pesquisa bibliográfica é ter a certeza de que as fontes a serem pesquisadas já são reconhecidamente do domínio científico” (OLIVEIRA, 2007, apud Sá-Silva, Almeida e Guindani, 2009, p.6)

Este trabalho é resultado de uma pesquisa bibliográfica. Segundo Tozoni-Reis

(2010) “A pesquisa bibliográfica tem como principal característica o fato de que a fonte

dos dados é a bibliografia especializada” (p. 2), ou seja, os dados para a produção do

conhecimento pretendido são buscados em autores e obras selecionadas de acordo com

o tema do trabalho.

Tozoni-Reis (2010) afirma ainda que “a pesquisa bibliográfica tem como técnica

central a leitura e como instrumento principal o fichamento bibliográfico” (p. 5). Inácio

Filho (apud Tozoni-Reis, 2010) coloca que o fichamento apresenta elementos

fundamentais, como “informações completas sobre autor, obra e contexto histórico da

produção; resumo; identificação do(s) objetivo(s), da tese (ideia original defendida pelo

autor) e do referencial teórico (conceitos, categorias e pressupostos); informações sobre

as fontes e referências bibliográficas utilizadas pelo autor” (p. 5). O fichamento é

importante, pois possibilita a sistematização da coleta de dados que serão analisados no

trabalho.

Nesta pesquisa, não haverá entrevistas ou observação de campo. A coleta de

dados se dará a partir de diversas leituras e fichamentos feitos cuidadosa e

sistematicamente a partir das leituras e estudo acerca dos autores selecionados. As

informações obtidas através destas leituras serão analisadas de forma a apresentar as

coincidências e as divergências entre os conceitos dos autores sobre a temática em

questão.

O processo foi iniciado com a pesquisa acerca dos educadores contemporâneos

que elaboram teorias sobre o desenvolvimento de projetos enquanto recurso pedagógico

para a aprendizagem; e, nos deparamos com as ideias de Fernando Hernandez e Délia

Lerner. Ao longo da pesquisa, avaliou-se a importância de apresentar os percursos

teóricos que embasam os contemporâneos. Foram estudados, então, textos de Jean

Ovide Decroly, Célestien Freinet e John Dewey.

3 CONTEXTOS

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3.1 Escola nova

Para compreender as ideias dos autores estudados, é importante entender o

contexto do qual faziam parte quando trabalharam com a concepção do trabalho

pedagógico com projetos e escreveram sobre educação.

Dewey (1859-1952), Decroly (1871-1932) e Freinet (1896-1966) viveram numa

época em que na Europa e na América do Norte os fundamentos e os métodos da escola

denominada tradicional, na qual os alunos eram passivos e o professor detentor do

conhecimento o transmitia a partir de repetição e da memorização, estavam sendo

questionados e novas ideias sobre educação surgiam. Esse novo conjunto de ideias e

práticas foi chamado de Escola Nova.

Segundo Vidal (2000) a Escola Nova foi construída a partir de sua diferença em

relação à escola tradicional, com a ressignificação de seus materiais e métodos.

Algumas de suas principais características são a centralidade das crianças nas relações

de aprendizagem e a exaltação do ato de observar (ver) e de agir (experimentar) do

aluno para a elaboração do próprio saber. Por essa nova perspectiva, o ensino se dava na

direção do concreto para o abstrato, do próximo para o distante e o método valorizava a

aquisição de conhecimento pelos sentidos. No estudo de ciências naturais, por exemplo,

eram realizadas excursões para observação dos fenômenos naturais e na escola,

atividades em laboratórios, para se reproduzir experiências científicas. Essa nova

concepção de educação tinha como foco, portanto, a aprendizagem e não o ensino,

como acontecia na escola tradicional.

3.1.1 Decroly

Decroly nasceu em Rennaix, na Bélgica em 1871. Estudou medicina e focou

seus estudos em anatomia patológica. Em 1898, mudou-se para Bruxelas e lá foi

nomeado responsável pelo departamento das “crianças anormais e com trauma da

linguagem”. Nesse cargo “descobriu o abandono humano, social e pedagógico no qual

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vegetavam seus pequenos pacientes. A escola popular os condenava quase sempre ao

fracasso e à marginalização; ela estava longe de assegurar a prevenção pela educação

que constituía sua ideologia oficial.” (Mafra, 2012, p. 13). Entretanto, acreditava que a

escola, propriamente organizada, poderia ser o meio mais potente de assegurar a

profilaxia da inatividade, da miséria e do crime. Assim, engajou-se na luta pela

obrigatoriedade escolar.

Em seu trabalho com as crianças “anormais”, lançou mão de práticas inovadoras,

desafiando os fundamentos da escola clássica, como métodos, programas e

classificações. Ao tornar-se médico chefe de uma pequena clínica na Sociedade de

Pediatria, inaugurou, em 1901, o “Instituto de ensino especial – Laboratório Psicológico

do Dr. Decroly”, onde trabalharia pelo resto de sua vida. Neste local, as crianças tinham

uma vida normal e recebiam uma educação a mais ampla possível, sem distinção entre o

que era ensinado a crianças normais ou não. Ali, pode aumentar a riqueza de suas

observações a respeito das características psicológicas dos pequenos.

A partir de suas experiências, Decroly propôs uma forma de educação na qual

elementos da vida, do cotidiano, da sociedade, fossem trazidos para dentro da escola

para se tornarem objetos de observação dos alunos. A “aula-oficina”, na qual os alunos

são ativos, substituiu a aula tradicional, onde o professor detentor do conhecimento fala

e as crianças repetem e memorizam. “Decroly propõe um processo educacional no qual

a ontogênese reproduz em miniatura a filogênese.” (Mafra 2010, p. 33) Dessa forma,

valorizou o trabalho escolar com atividades de colheita, caça, artesanato, construção,

jogos e criação artística. Além disso, associou a vida à solidariedade, e acreditava que

esta também deveria ser desenvolvida na escola a partir de atribuição de

responsabilidades individuais e coletivas, com eleições de delegados, rodízio de tarefas,

prestação de contas etc. Assim, os alunos ajudariam na gestão da escola e receberiam

formação moral e política para a democracia. Para Decroly, educação opera com o

aprender a viver. Acreditava, portanto, que a escola tinha o dever de proporcionar a

experimentação. As crianças deveriam submeter o objeto em estudo a suas hipóteses,

através de exploração sistemática. Ao fazer essa experimentação e relacioná-la ao que já

conhece e à sua vida, o aluno reproduz o percurso da ciência experimental e tem a

possibilidade de pensar, inventar e de usar sua criatividade e afetividade no processo de

aquisição do conhecimento.

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3.1.2 Dewey

De acordo com Teitelbaum e Apple (2001), John Dewey nasceu na cidade de

Burlington, Vermont, nos Estados Unidos em 1859. Teve uma carreira prolífica,

passando por diversas áreas do conhecimento, como filosofia, educação, psicologia,

sociologia e política e faleceu em 1952. Nesse tempo, vivenciou o processo de

transformação pelo qual passava o país, que se desenvolvia rapidamente, indo “de uma

sociedade agrícola relativamente simples para uma nação urbana-industrial muito mais

complexa.” (idem, p. 196). Isso gerou em Dewey grande preocupação quanto a como

manter uma comunidade democrática e coesa num período cheio de mudanças

econômicas e culturais.

Graduou-se na Universidade de Vermont e lecionou em escolas secundárias por

alguns anos, durante os quais escreveu alguns ensaios filosóficos. Deu continuidade a

seus estudos em Filosofia na Universidade John Hopkins e em 1884 concluiu sua tese

de doutoramento sobre o filósofo Emmanuel Kant. Posteriormente, lecionou Psicologia

e Filosofia nas Universidades de Michigan e de Minnesota e foi chamado para presidir

um departamento que combinava Filosofia, Psicologia e Pedagogia na Universidade de

Chicago. Lá, “Dewey fundou uma escola-laboratório de nível básico para ajudar a

avaliar, modificar e desenvolver as suas ideias psicológicas e educativas” (idem, p.

197).

Dewey acreditava que “apenas a crítica e a experiência racional associada às

preocupações com a criação de uma sociedade humana e justa” (idem, p.198) poderiam

alcançar o objetivo maior da educação, que, para ele, era o desenvolvimento de uma

comunidade democrática.

Entendia, portanto, que a escola possuía natureza moral e social e que poderia

servir como uma “comunidade em miniatura”. Sua visão era de que “a escola é vida” ao

invés de ser uma instituição que prepara para a vida (como se ela só começasse após a

escolarização). Para Dewey, “a melhor preparação para a democracia consistia em

proporcionar oportunidades aos estudantes (e também aos professores), de engajarem-se

ativamente na vida democrática.” (idem, p. 198)

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Dewey preocupava-se com a formação social dos alunos e “defendeu que a

escola deveria assumir um papel participativo na transformação para uma melhor ordem

social” (idem, p.199) Para ele,

através do estudo e do envolvimento ativo nas atividades sociais básicas (aquilo que denominou “ocupações”) tais como cultivo de alimentos, cozinhar, construir abrigo, fabricação de vestuário, criar estórias e trabalhos artísticos, etc, a criança estará em melhores condições para se iniciar no envolvimento moral e social. Ser-lhes-ão assim providenciadas oportunidades para aprenderem “os instrumentos de uma efetiva direção própria” assim como uma determinada sensibilidade relativamente às questões sociais, e a capacidade (incluindo destrezas de leitura, escrita e resolução de problemas) de actuar sobre elas. Com efeito, a sala de aula deveria abarcar uma espécie de vida comunitária democrática, preocupada com a dignidade humana e com a inteligência científica que era pensada fora da escola. Os “meios” eram, na verdade, os “fins”. (p.199)

Um conceito importante para entender a visão de Dewey sobre a educação é o de

experiência, que para ele “é uma forma de interação, pela qual os dois elementos que

nela entram – situação e agente – são modificados” (Westbrook e Teixeira, 2010, p. 35).

Dessa forma, na experiência humana de reflexão e conhecimento há alteração

simultânea no agente do conhecimento e na coisa conhecida. Essa é a experiência

educativa, ou inteligente, através da qual podemos perceber relações antes

desconhecidas e dar-lhes significados. Vida e aprendizado estão, portanto,

intrinsecamente conectados. Ou seja, para Dewey, a educação não pode ser um processo

passivo.

Além disso, Dewey criticava as escolas nas quais o currículo separa o

conhecimento em “matérias” isoladas, dividindo e fracionando o mundo, reorganizando

e classificando fatos de acordo com um princípio geral alheio aos aprendizes.

Repreendia também práticas escolares como não levar em conta as tendências e

impulsos nativos ou já existentes na criança; não desenvolver a iniciativa para o trato

com situações novas e dar relevo exagerado a exercícios que asseguram eficiência

mecânica com prejuízo de uma assimilação mais pessoal e mais rica das coisas.” (idem,

p. 54)

3.1.3 Freinet

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Segundo Legrand (2010), Célestin Freinet nasceu em 1896, em Gars, pequeno

povoado montanhês, na França. Enquanto estudava na Escola Normal de Professores,

em Nice, teve início a primeira guerra mundial. Freinet lutou na guerra e foi gravemente

ferido em 1917, o que lhe causou problemas respiratórios. “Esse fato ele próprio

interpretava como causa parcial do caráter inovador de suas ideias pedagógicas, em que

a atividade dos alunos substitui em boa medida a técnica “giz e cuspe” do professor.”

(idem, p. 3) Em 1920, começou a trabalhar como professor numa pequena escola em

Bar-sur-Loup, lugarejo de 1000 habitantes. A partir daí criou a imprensa dentro da

escola, participou de congressos internacionais da “Educação Nova” e foi membro ativo

do sindicato e do Partido Comunista, fato que influenciou sua concepção de pedagogia

popular.

Após algumas transferências e contratempos, em 1935, Freinet e sua esposa,

Elise Freinet, começaram sua escola própria, em Vence. Essa escola tinha caráter livre e

experimental, as salas eram espaçosas e os alunos eram internos e predominantemente

das camadas sociais desfavorecidas.

Durante a segunda guerra mundial, Freinet foi preso e levado para um campo de

concentração, mas em seguida foi libertado. Morreu em 1966, em Vence e Elise Freinet

encarregou-se de manter viva a memória do marido.

Freinet afirmava que as crianças não se interessavam pela escola, pois esta não

tinha nenhuma relação com sua realidade, com seu cotidiano. Em suas palavras, “o

trabalho escolar não as interessa porque já não se inscreve no seu mundo.” (Freinet,

1976, p.11) Por isso, buscou sempre modernizar a escola, modificando seus materiais,

melhorando suas técnicas e adaptando-a ao meio.

Freinet (1976) criticava a pedagogia tradicional da época, dizendo que

As aulas tradicionais, centradas em regulamentos uniformes e numa prática escolar ditada pelo meio escolar e pela tradição, parecem-se todas, na disposição dos bancos, na presença da cadeira do professor, na conservação dos cadernos, na prática e conteúdo das obrigações e das lições, previstas antecipadamente pelos programas, pelas circulares e pelos manuais escolares que as complicam e agravam. (p. 49)

Diferentemente dessa escola, Freinet defendia uma escola baseada na vida dos

alunos, no seu meio, nos seus interesses, nas suas atividades. Dessa forma, cada escola

teria suas particularidades e características idiossincráticas. (Freinet, 1945, p. 54)

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Percebe-se, portanto, que os três autores criticavam a escola tradicional e davam

importância fundamental para a experiência do aluno. Não posicionavam o professor

como sendo o detentor do conhecimento que deve ser transmitido aos alunos, mas

posicionavam o aluno como aquele que pode observar, experimentar e aprender com o

meio. Outra ideia que aparece bastante é a necessidade de relação entre o que se aprende

na escola e a vida do aluno, suas vivências cotidianas. Além disso, valorizavam a

formação num ambiente democrático, ou seja, pretendiam que a escola funcionasse

como uma pequena comunidade, na qual os alunos fossem participativos e

contribuíssem para a formação de uma sociedade mais democrática.

3.2 Construtivismo

Hernandez e Lerner são autores atuais e vivem num momento em que as ideias

da Escola Nova já foram em grande parte superadas e substituídas por novas teorias na

área da educação. Entre essas novas teorias, destaca-se o construtivismo, que tem como

maior expoente Jean Piaget.

Segundo Becker (1994), Piaget (1896-1980) mostrou que o conhecimento não

nasce com o indivíduo, nem é dado pelo meio social. O sujeito constrói seu

conhecimento na interação com o meio tanto físico como social. Ou seja, sujeito e

objeto não têm existência prévia, eles se constroem simultaneamente quando “o sujeito

age sobre o objeto, assimilando-o: essa ação assimiladora transforma o objeto. O objeto,

ao ser assimilado, resiste aos instrumentos de assimilação de que o sujeito dispõe no

momento. Por isso, o sujeito reage refazendo esses instrumentos ou construindo novos

instrumentos, mais poderosos, com os quais se torna capaz de assimilar, isto é, de

transformar objetos cada vez mais complexos.” (p. 89) Essa transformação das formas

de assimilação constitui a acomodação.

Dessa forma, o construtivismo supera as ideias empiristas, que afirmam que a

aquisição do conhecimento acontece quando o sujeito vê, ouve, toca no objeto, ou seja,

quando associa estímulo e resposta; e as teorias apriorísticas, que acreditam que “se

conhece porque já se traz algo, ou inato ou programado na bagagem hereditária, para

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amadurecer mais tarde, em etapas previstas” (idem, p. 90). Pela teoria construtivista, o

conhecimento

não é dado nem nos objetos (empirismo) nem na bagagem hereditária (apriorismo). O conhecimento é uma construção. O sujeito age, espontaneamente - isto é, independentemente do ensino, mas não independentemente dos estímulos sociais -, com os esquemas ou estruturas que já tem, sobre o meio físico ou social. Retira (abstração) deste meio o que é do seu interesse. Em seguida, reconstrói (reflexão) o que já tem, por força dos elementos novos que acaba de abstrair. Temos, então, a síntese dinâmica da ação e da abstração, do fazer e do compreender, da teoria e da prática. (p.91, grifos do autor)

Portanto, pode-se dizer que o construtivismo se baseia na noção de que nada, a

rigor, está pronto e de que o conhecimento, especificamente, não é algo terminado. Ele

se constitui a partir da interação do indivíduo com o meio, físico e social. Interação essa

que pressupõe a ação do sujeito, pois “antes da ação não há psiquismo nem consciência

e, muito menos, pensamento.” (idem p.88)

Segundo PIAGET, conforme vimos, o aluno é um sujeito cultural ativo cuja ação tem dupla dimensão: assimiladora e acomodadora. Pela dimensão assimiladora ele produz transformações no mundo objetivo, enquanto pela dimensão acomodadora produz transformações em si mesmo, no mundo subjetivo. Assimilação e acomodação constituem as duas faces, complementares entre si, de todas as suas ações. Por isso, o professor não aceita que seu aluno fique passivo ouvindo sua fala ou repetindo lições que consistem em dar respostas mecânicas para problemas que não assimilou (transformou para si). (Becker, 1994, p.92, grifos do autor)

Nas palavras de Piaget (1970, apud Becker, 1994), "as relações entre o sujeito e

o seu meio consistem numa interação radical, de modo tal que a consciência não

começa pelo conhecimento dos objetos nem pelo da atividade do sujeito, mas por um

estado indiferenciado; e é desse estado que derivam dois movimentos complementares,

um de incorporação das coisas ao sujeito, o outro de acomodação às próprias coisas". (p.

92)

3.2.1 Hernández

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Fernando Hernández é espanhol, doutor em Psicologia e professor titular de

História da Educação Artística e Psicologia da Arte na Faculdade de Belas Artes da

Universidade de Barcelona.

Com base na concepção construtivista de Lev Vygotsky (1896-1934) acerca da

perspectiva relacional da aprendizagem – os alunos aprendem através da interação e

troca de experiências -, Hernández defende que a aprendizagem ocorre em grupo, e

propõe o trabalho com resolução de problemas interdisciplinares, sem a

compartimentalização das disciplinas, sem uma resposta certa que deve ser encontrada,

sem um fim previamente determinado.

Para ele, o mais importante não é o resultado ou o produto final, mas sim o

processo de investigação, de pesquisa, de criação de hipóteses, de síntese de

informações e de geração de sentido que une os novos conhecimentos e as relações que

vão se estabelecendo entre eles e as experiências dos indivíduos. Neste aspecto, embasa-

se também na teoria de John Dewey.1

3.2.2 Lerner

Délia Lerner é Argentina e pesquisa a Didática da Língua e da Matemática.

Professora titular do Departamento de Ciências da Educação, da Faculdade de Filosofia

e Letras da Universidade de Buenos Aires, coordena a equipe de Práticas da Linguagem

para Currículo Escolar da secretaria municipal de Educação de Buenos Aires e presta

assessoria em educação, no Brasil e em vários países da América Latina.

Segundo Lerner (2002), a aprendizagem “longe de ser linear, acumulativa e

irreversível - supõe aproximações simultâneas ao objeto de conhecimento desde

diferentes perspectivas, supõe coordenações e reorganizações cognitivas que dão novo

significado de forma retroativa às interpretações originalmente atribuídas aos conteúdos

aprendidos.” (p. 20)

1 A influência de John Dewey é descrita no livro HERNÁNDEZ, F.; VENTURA, M. A organização do

currículo por projetos de trabalho: o conhecimento é um caleidoscópio. Porto Alegre: ARTMED, 1998.

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Pode-se afirmar, portanto, que ambos os autores consideram a interação entre o

sujeito e objeto do conhecimento e as alterações que são simultaneamente provocadas

ao longo do processo de aprendizagem.

4 TRABALHO COM PROJETOS

Nem todos os autores estudados falam diretamente sobre o que são projetos e

como trabalhar com eles nas escolas. Porém todos apresentam ideias que se relacionam

com esse tema e que auxiliam a compreensão da prática pedagógica que opera através

da estratégia de organização dos conteúdos por projetos.

4.1 Dewey

Dewey embasou sua obra na concepção filosófica do pragmatismo. Tal

concepção vai no sentido oposto ao da filosofia tradicional de Platão que concebia o

mundo sob uma perspectiva dualista: de um lado o mundo sensível, onde nós vivemos e

temos nossas experiências e do outro o mundo das ideias, um plano racional, onde estão

as verdades absolutas e ao qual devemos ascender. Tal visão dicotômica valoriza a

racionalidade e desvaloriza a experiência (Cunha, 2006).

Dewey deu grande importância à experiência dos alunos e aos seus interesses.

Entretanto, não defendia que o ensino fosse completa e exclusivamente centrado na

criança, pois considerava essencial o trabalho do professor, como aquele que propõe e

dirige as atividades, mas de forma reflexiva, se questionando e reinventado a partir das

experiências vividas.

“O que se aprende, “isoladamente”, de fato não se aprende. Portanto, tudo deve

ser ensinado, tendo em vista o seu uso e sua função na vida.”. É apenas quando a

criança percebe a relação e a função do que vai aprender que ela tem interesse e impulso

para realizar os “exercícios” necessários. (Westbrook e Teixeira, 2010, p.61)

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Afirmava que o objetivo da educação numa sociedade democrática é “habilitar

os indivíduos a continuar sua educação – ou que o objetivo ou recompensa da

aprendizagem é a capacidade de desenvolvimento constante.” (idem, p. 74). Portanto, os

objetivos educacionais não devem ser pensados a partir das expectativas dos adultos,

independentemente da capacidade dos educandos, nem devem ser demasiadamente

uniformes, ignorando suas diferentes características. Os bons objetivos têm alguns

pontos em comum, como “basear-se nas atividades e necessidades intrínsecas (incluindo

instintos naturais e hábitos adquiridos) de determinado indivíduo a ser educado.” (idem,

p. 82); “ser passível de se traduzir em um método de cooperação com as atividades dos

que recebem a instrução” (idem, p. 83) e não devem ser últimos, pois sempre haverá

conexões a serem feitas. (idem, p. 84)

Afirma ainda que os objetivos educacionais devem ser gerais e abrangentes, no

sentido de que devem ampliar a percepção dos alunos, estimulá-los a perceber diversas

relações e conexões de forma a terem uma observação mais ampla e flexível dos

fenômenos. (idem, p. 85)

Quando alguém está absorvido, o assunto o transporta. Perguntas espontâneas lhe ocorrem; uma torrente de sugestões o inunda; depara e segue outras pesquisas e leituras; não precisando despender energia em prender o espírito ao assunto (enfraquecendo, assim, a força útil à matéria e criando um estado de ânimo dividido), é a matéria que o prende, imprimindo ao ato de pensar um impulso para frente. O entusiasmo genuíno é atitude que opera como força intelectual. O professor que desperta tal entusiasmo em seus alunos conseguiu algo que nenhuma soma de métodos sistematizados, por corretos que sejam, poderá obter. (idem, p. 126)

Em contrapartida,

Quando os alunos estudam assuntos muito distantes de sua experiência, assuntos que não despertam curiosidade ativa alguma e que estão além do seu poder de compreensão, lançam mão, para as matérias escolares, de uma medida de valor e de realidade, diversa da que empregam fora da escola, para as questões de interesse vital. Tendem a tornarem-se intelectualmente irresponsáveis; não perguntam a significação do que aprendem, isto é, não perguntam qual a diferença trazida pelo novo conhecimento para as outras suas crenças e ações. Sucede o mesmo quando se impõe ao estudante um grande número de assuntos ou fatos desconexos, não lhe concedendo tempo nem oportunidade para que pondere seu sentido. [...] O resultado é que a mente estudantil torna-se confusa; confusa, não somente a respeito de coisas particulares, mas, também, a respeito das razões básicas que concedem às coisas um valor de crença. (idem, p. 127)

4.2 Decroly

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Decroly assemelhava a inteligência a “um instinto superior” cuja energia é

transformada em interesse. Pode-se entender, portanto, o interesse como “sinal interno e

comum a todas as necessidades e sentimentos de um sujeito (o desejo sendo a forma

consciente desse fenômeno), enquanto que a curiosidade seria o sinal externo, aparente

principalmente para um observador externo, sinal esse podendo ser consciente ou

inconsciente.” (Mafra, 2010, p. 22)

Propôs, assim, uma pedagogia que leve em consideração o interesse do

educando, pois a partir desse interesse a criança potencializa suas motivações e libera

sua criatividade. Dentro de uma ideia de educação global, o autor enfatizou a

importância da valorização da afetividade, assim como da inteligência, para que se

possa alcançar o desenvolvimento harmonioso da personalidade infantil. Defendia ainda

a importância da expressão não verbal no ambiente educativo, instancia que é

normalmente negligenciada pelas escolas tradicionais.

Decroly não hesitou em utilizar ideias completamente novas na educação e

aquilo que é chamado de método Decroly não é exatamente um método, mas uma

concepção tão maleável que mostra que a educação pode contar com inúmeras

constantes. O mais poderoso conceito da pedagogia decroliana é o conceito de “vida”

(idem, p. 29). A frase que melhor define sua pedagogia é “para a vida e pela vida”.

Assim, pode-se afirmar que “o primeiro objetivo que é preciso atribuir à escola é o de

assegurar a cada indivíduo as chances de sucesso na existência que lhe espera” (idem, p.

29).

Decroly defendia, então, uma educação na qual a criança tivesse direito de

escolha, afirmando que “o que é necessário é a participação ativa dos alunos no que diz

respeito à sua própria formação.” (idem, p. 37). Dessa forma, na pedagogia de Decroly,

eram os alunos que faziam o programa, sugerindo assuntos dos quais gostariam de

tratar, negociando com o grupo os temas a serem trabalhados e construindo em grupo

um projeto coletivo de trabalho a longo prazo. A liberdade estimula o trabalho escolar e

os exercícios realizados tem sentido e utilização imediatas, sendo instrumentos para a

procura de soluções que enriquecem a aprendizagem.

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Contrariamente ao que se acredita frequentemente, os interesses dos alunos percorrem, aliás, os pontos essenciais dos currículos oficiais. Imersos na mesma cultura que os autores dos programas, as crianças vivem a mesma atualidade, se colocam os mesmos problemas, procuram as mesmas informações. Mas os planos de trabalho não devem se submeter a uma ordem exterior às preocupações imediatas dos alunos, nem a um recorte em partes que contradigam a complexidade interdisciplinar da maioria das questões; o estudo é sincrônico com o interesse ou a atualidade que lhe induziu. (idem, p. 38)

Decroly chamou de “centro de interesse” a ideia básica que dá início a um

projeto e afirmou que esta ideia básica vem do meio próximo à criança, sendo suscitada

pelos fenômenos que acontecem ao seu redor e pelos objetos que a ela se apresentam.

Para ele, a exploração de um centro de interesse poderia se estender pelo ano inteiro e

vários tipos de conhecimento seriam construídos a partir das “ideias associativas”, pois

“qualquer tema apresenta aspectos científicos, econômicos, geográficos, históricos,

literários, jurídicos que requerem a introdução de técnicas e de noções emprestadas das

diversas áreas, sem que os seus laços jamais se percam de vista.” (idem, p. 40)

Pela perspectiva global, entendia que o pensamento da criança acontece de modo

a integrar diversas facetas simultaneamente (idem, p.41). Entretanto, percebia que na

escola os adultos costumam querer por ordem nesse caos que é o pensamento infantil e

arbitrariamente obrigam as crianças a pensarem a partir do mais simples ao mais

complexo, da parte ao todo, do concreto ao abstrato e do particular ao geral. Tal

ordenação não tem nada de natural para a criança. Segundo Decroly, a criança já tem a

capacidade de observar abstrair, generalizar e se expressar desde muito cedo, mas a

escola tradicional reprime esse modo natural de pensar do aluno e impõe-lhe uma forma

de aprender totalmente arbitrária.

4.3 Freinet

Freinet, em seu livro Técnicas Freinet na escola moderna (1976), chamou sua

pedagogia de Técnicas Freinet em oposição ao termo Método Freinet. Ele explicou essa

escolha de terminologia ao afirmar que método “é um conjunto definitivamente

montado por seu iniciador” (p. 44) e o que ele propunha não era uma forma de agir

definitiva e fechada, pelo contrário, sua pedagogia era aberta e livre e “foi pensada

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como uma atividade concreta, vivenciada como “técnicas de vida”. Segundo suas

próprias palavras, a serviço da libertação dos homens.” (Legrand, 2010, p. 16)

Em seu livro Essai de psychologie sensible (Freinet,1950, apud Legrand, 2010)

Freinet expôs a teoria subjacente às técnicas que adotava. O tateio experimental, ou seja,

a experiência realizada por uma necessidade, é que gera a aprendizagem real. O

aprendizado se dá a partir de um desejo interno e não por uma pressão externa.

O “tâtonnement expérimental” (tateio experimental) sintetiza, para ele, o essencial. A escola existe para ensinar, mas o aprendizado não deve operar-se por uma intervenção externa ao aluno (...) O essencial deve provir do próprio aluno. Ora, a necessidade de saber nasce do obstáculo, da descontinuidade nas evidências, da ignorância e da pesquisa que levará ao conhecimento. Para ser eficaz, a busca do conhecimento deve ser espontânea, motivada pela necessidade anterior daquele que procura e pesquisa por conta própria, o que, evidentemente, incluirá erros e acertos. (Legrand, 2010, p.30)

Assim, a essência do aprendizado seria a memorização espontânea de um

processo bem-sucedido e, por isso, repetido. “Em 1964, Freinet diz: “Nenhum de nossos

atos é o resultado de uma escolha objetiva e científica, como habitualmente se crê, mas

é fruto de um tateio experimental.” (idem, p. 31)

O conhecimento, portanto, não pode ser transmitido de forma acabada e fechada,

ele deve ser construído a partir de tentativas bem sucedidas repetidas ao longo do tempo

e analisadas em comparação com outras experiências e debates.

Sua primeira inovação foi a aula-passeio, na qual professor e alunos saíam da

sala para observar o ambiente natural e humano do entorno. Freinet (1976) contava que

nesse tipo de aula, “partia com as crianças, pelos campos que circundavam a aldeia. Ao

atravessarmos as ruas, parávamos para admirar o ferreiro, o marceneiro ou o tecelão,

cujos gestos metódicos e seguros nos inspiravam o desejo de os imitar.” (p. 23) Na volta

à sala, os relatos do passeio eram usados para criação de textos.

Freinet buscava sempre o aprendizado que tivesse sentido para os alunos e que

se relacionasse a sua realidade e necessidades cotidianas. No campo da leitura, por

exemplo, Legrand (2010) explica que “ler, para ele, não é ler de modo repetitivo trechos

escolhidos pelo autor de um manual ou pelo professor. Ler é procurar o texto de que se

tem necessidade, seja para se distrair ou, sobretudo, para agir” (p.20)

Seguindo o mesmo princípio, Freinet trabalhava a Matemática com base na

realidade concreta, principalmente por meio da medição, com atividades como

fabricação, cultivo, pecuária e comercialização. Em suas palavras:

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o cálculo deve ser um instrumento de ação sobre as coisas. A aritmética se justifica, não pelo acesso desencarnado aos números e às operações, mas na medida em que sirva para medir os campos, pesar os produtos, calcular os preços, os juros devidos ou a se cobrar. Trata-se, portanto, de mergulhar o cálculo escolar na vida do entorno, convertendo-o num cálculo vivo.” (FREINET, 1976, p. 18)

Ainda no mesmo sentido, o estudo do meio, com observações realizadas no

ambiente vivo era ponto de partida para o trabalho com Ciências, que visava atiçar a

curiosidade dos alunos para a busca pelo conhecimento, para a investigação e a

organização do saber. “O mais importante, para Freinet, é a criação de meios que

suscitem perguntas.” (Legrand, 2010, p. 24) Em história, também se trabalhava a partir

da exploração do ambiente próximo, para se reconstruir o passado do entorno através da

pesquisa.

Em relação ao uso do tempo escolar, defendia que este não fosse separado

conforme as disciplinas e dividido de forma repetitiva todos os dias da semana. Ele

usava o tempo de modo flexível, dando importância ao imprevisível e à autonomia das

crianças, com períodos de trabalho coletivo e períodos de trabalho individual segundo

os “planos de trabalho” elaborados por cada aluno no início da semana. Em sua

escola, ao invés de seguirem planos determinados prévia e autoritariamente, professores

e alunos preparavam juntos seus planos de trabalho às segundas-feiras. (Freinet, 1976,

p. 75). Segundo Legrand (2010), os planos de trabalho eram como “compromissos

assumidos, contratos pessoais de trabalho” (p. 27)

Freinet trabalhava com técnicas de auto avaliação que eram realizadas ao longo

do tempo e que possibilitavam aos alunos se darem conta das novas competências que

estavam adquirindo. Para ele, o papel do professor era auxiliar o aluno, sentando-se ao

seu lado e ajudando-o a aperfeiçoar o que está fazendo, encorajando-o a avançar.

4.4 Hernández

Hernández (1998, p. 73) não fala sobre o trabalho com projetos, mas sim sobre

projetos de trabalho. Segundo o autor (1998), os projetos de trabalho não são um

método. Para se fazer entender, apresenta a definição de método como

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uma maneira concreta de proceder, de aplicar o pensamento, de levar a termo uma pesquisa etc., com a finalidade de conhecer a realidade, de compreender o sentido ou o valor de determinados fatos, de interpretar corretamente os dados da experiência, de resolver um problema, uma questão...(p. 75)

As razões pelas quais o projeto de trabalho não deve ser considerado um método

são: não existe uma sequencia preestabelecida; não há linearidade ou previsibilidade; o

professor também aprende; não pode ser repetido da mesma forma; não se ensina na

ordem do mais fácil ao mais difícil ou do mais próximo ao mais distante, nem pouco a

pouco, nem das partes ao todo (Hernández, 1998, p. 78-79). Assim, por ser “um

processo baseado no intercâmbio e na interpretação da atitude para com a aprendizagem

[...] não pode ser reduzido a uma fórmula, a um método ou a uma didática específica.”

(Hernández, 1998, p. 80)

Hernández diferencia claramente os projetos de trabalho do método de projetos e

da pedagogia de projetos. Segundo o autor (2002), tanto o método de projetos quanto a

pedagogia de projetos

são propostas “centradas no aluno” e naquilo que se supõe que ele deva aprender (...) são perspectivas baseadas em concepções vinculadas a uma noção de desenvolvimento marcada pela ideia de progresso e de acomodação a imperativos externos (...) são propostas regidas por visões “modernas” do sujeito que aprende, da função da escola que doutrina e que estabelece de forma restritiva o que se deve aprender nela. (p. 19)

Em oposição a essa forma de trabalhar, sustenta que na perspectiva dos projetos

de trabalho parte-se das questões que surgem dos alunos a respeito de si mesmos e do

mundo e não do conteúdo que deve ser ensinado. As perguntas suscitadas é que dão

origem aos problemas a serem pesquisados. Para ele, o conhecimento está em dar

sentido às informações e experiências e apropriar-se delas. Tal sentido é algo

socialmente construído e o conhecimento, portanto, não é composto por verdades

absolutas, mas por apropriações que cada um faz daquilo que descobre e vivencia.

O autor (2002) defende que os projetos de trabalho devem ser realizados

coletivamente e dá grande importância ao diálogo e à reflexão sobre o conhecimento

compartilhado. Esse diálogo implica “que as pessoas estejam envolvidas na conversa de

maneira espontânea, construindo-o (se) a partir das ideias dos outros” (Hernández,

2002, p. 21) o que impede que o professor faça intervenções que dirijam os alunos a

respostas pré-estabelecidas ou a verdades absolutas. O papel do professor, nessa

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perspectiva, não é simples, ele deve ser mediador e facilitador da aprendizagem, um

guia para os alunos, mas não uma autoridade. Cabe ao docente “ter uma escuta atenta

sobre o processo do grupo que serve de apoio à uma situação de aprendizagem”, e ter “a

habilidade de saber comunicar e interpretar as relações do grupo” (idem, p. 21). O

professor deve, portanto, estabelecer um “diálogo entre iguais” na sala de aula e delegar

aos alunos a responsabilidade sobre sua aprendizagem: “os alunos são professores e os

professores, aprendizes.” (idem, p. 21)

O objetivo da proposta dos projetos de trabalho é “passar da centralidade na

aprendizagem individual à colaboração entre os que aprendem (e também entre os

professores) na construção do conhecimento.” (idem, p. 19) Nessa perspectiva aprender

significa a colaboração entre os sujeitos nas fases de “investigação crítica, análise,

interpretação e reorganização do conhecimento e do processo reflexivo que o

acompanha.” (idem, p. 20). Nesse tipo de trabalho, os alunos são ativos e sujeitos da

aprendizagem, que leva em conta o contexto e as emoções e sentimentos que surgem ao

longo do processo.

São eles que a dirigem tendo como objetivo uma finalidade compartilhada entre

si e com o professor também. Ao pesquisarem e refletirem sobre as questões que

apresentam, podem “desenvolver a consciência de aprender e impulsionar estratégias de

pensar sobre a própria aprendizagem.” (idem, p. 20)

Dessa forma, os projetos de trabalho favorecem nos alunos a aquisição de

capacidades como a autodireção (tomada de iniciativa), a criatividade, a formulação e

resolução de problemas (criação de diagnóstico, hipóteses, estratégias), a integração

(síntese de ideias), a tomada de decisão e a comunicação interpessoal. Essas

capacidades contribuem para uma formação mais flexível e completa (Hernández, 1998,

p. 73).

4.5 Lerner

Em seu livro Ler e escrever na escola - o real, o possível e o necessário, Lerner

(2007) distingue quatro modalidades organizativas pra o trabalho escolar: projetos,

atividades habituais, sequências didáticas e situações independentes.

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Os projetos têm como característica principal o fato de se orientarem para a

realização de um propósito, para a elaboração de um produto final tangível (como um

livro, uma peça de teatro ou uma exposição), que é desde o início compartilhado com os

alunos. Os projetos oferecem contextos nos quais o aprendizado ganha sentido tendo em

vista o objetivo compartilhado. Eles são flexíveis quanto à duração, podendo ocorrer

por dias ou meses, e são coletivos. Na maioria dos casos, os alunos participam da

criação de um cronograma das etapas a serem percorridas até a conclusão do projeto.

Durante o ano letivo podem ocorrer diversos projetos sucessivamente (idem, p. 88).

As atividades habituais são aquelas que acontecem de forma sistemática e

previsível semanalmente ou a cada quinze dias durante um longo período de tempo ou

até durante todo o ano letivo. São atividades que propiciam a criação de hábitos e “são

particularmente apropriadas para comunicar certos aspectos do comportamento leitor”

(idem, p. 88). Alguns exemplos relacionados à leitura são a contação de histórias,

inteiras ou por capítulos e a leitura compartilhada.

As sequências de atividades, ao contrário das modalidades descritas

anteriormente, tem uma duração limitada a algumas semanas de aula e durante o ano

letivo várias delas podem acontecer. Cada sequência tem um foco específico de

conteúdo e inclui atividades individuais, em pequenos grupos e coletivas. (idem, p. 89)

As situações independentes, por sua vez, são divididas em dois tipos: as

situações ocasionais, nas quais se trabalha com um conteúdo significativo “que não tem

correspondência com as atividades que estão sendo realizadas no momento” (idem, p.

89) e as situações de sistematização, que são atividades que permitem aos alunos

sistematizar e organizar os conteúdos que estão sendo trabalhados através das outras

modalidades.

Em entrevista, a autora explica que as modalidades organizativas se originaram

com o objetivo de evitar a divisão dos conteúdos trabalhados na escola em disciplinas

isoladas e de distribuir melhor o tempo escolar. As diferentes modalidades visam, assim,

impedir que as atividades ocorram de forma fracionada e que se encerrem em si

mesmas, sem proporcionar que os alunos relacionem os novos conhecimentos aos

conhecimentos que já possuem e as suas experiências. Dessa forma “as modalidades

organizativas propostas tendem a concretizar na aula uma distribuição do tempo que não

implique na fragmentação do objeto de ensino” (Faria, 2010). Em outra entrevista

publicada no Diário do grande ABC, Lerner frisa que

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O importante é que a articulação de diferentes modalidades organizativas tornem possível a co-existência de temporalidades diferentes: em um mesmo momento do ano, por exemplo, podem estar em curso, quase simultaneamente, um projeto que dura quatro meses, uma atividade habitual que se estende por todo o ano, uma sequência de um mês e meio e uma situação de sistematização que ocupa três ou quatro aulas. O essencial é que contribuam para preservar o sentido da leitura e da escrita nas práticas sociais.

Ainda nessa entrevista, Lerner aprofunda mais o tema do trabalho com projetos

na escola. Narra que os projetos são importantes para preservar o sentido no

aprendizado, pois as ações são planejadas para a elaboração de um produto final. Tal

objetivo, compartilhado pelos alunos, é o fio condutor das atividades e assegura a

continuidade e o significado do trabalho. Lerner declara que “como sabem para onde

vão, os alunos podem tomar iniciativas, podem continuar com o trabalho empreendido

sem depender a cada instante de indicações pontuais do professor” (Faria, 2010) Quanto

à interdisciplinaridade dos projetos, Lerner aponta que a noção de projeto não pode

identificar-se com a de unidade temática nem requerer a integração com outras áreas

como condição necessária. Para ela, os projetos só podem ser considerados

interdisciplinares se responderem aos propósitos das diferentes áreas envolvidas, ou

seja, quando além de gerarem avanço e aprendizado efetivo de conteúdo de mais de

uma disciplina.

5 COMPARAÇÕES

Percebe-se que entre os autores estudados há diversos pontos de convergência e

alguns de divergência. Os três autores escolanovistas, apesar de utilizarem conceitos

diferentes, têm concepções bastante semelhantes em relação ao trabalho com projetos.

Ao mesmo tempo, a comparação entre os dois autores atuais estudados em relação aos

mais antigos, revela que Hernández baseou-se bastante neles e sua teoria apresenta

diversas características que já apareciam em Dewey, Decroly e Freinet. No entanto,

Lerner não segue exatamente a mesma linha que estes autores e sua concepção de

projeto exibe alguns aspectos peculiares não relacionados a tais autores.

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Comparando-se agora os cinco autores, nota-se, primeiramente, que nenhum

deles apresenta um método sobre como trabalhar com projetos em educação, ou seja,

não elaboram um manual a respeito do que devem fazer os professores ao utilizar a

perspectiva de projetos. Pelo contrário, colocam que não querem dar uma receita

definitiva, completa e fechada a ser seguida, pois o que propõem não é algo concreto,

linear e reproduzível, mas sim algo aberto e flexível. Falam de concepções, princípios e

objetivos educacionais que em cada situação, cada escola e com cada grupo de alunos

podem ser trabalhados de maneiras diferentes, pois dependem também dos sujeitos

envolvidos, ou seja, dos alunos e professores que participam do trabalho.

Um ponto de convergência que pode ser observado entre Dewey, Decroly,

Freinet e Hernández diz respeito à importância dada ao interesse dos alunos para a

definição do que será estudado. Para eles, a ideia básica de onde se inicia um projeto

deve partir dos estudantes, de suas questões e necessidades intrínsecas, pois se partindo

do interesse dos alunos, eles terão sua motivação para o aprendizado impulsionada e

ampliada. A partir dessa ideia central, que Decroly denominou de “centro de interesse” é

que se construirá coletivamente um plano de trabalho, como chamou Freinet, ou um

projeto de trabalho, na denominação de Hernández. Para eles, não é o professor quem

deve escolher previamente os conteúdos a serem trabalhados. Estes devem ser eleitos

junto com os alunos e com base em suas questões. Estas, por partirem dos estudantes,

serão necessariamente relacionadas com a realidade e com as experiências deles.

Aqui se encontra outro aspecto de convergência das teorias de Dewey, Decroly e

Freinet, a relação entre o que se aprende na escola e a realidade dos alunos. Todos eles

apontam que é fundamental que os novos conhecimentos se conectem com o cotidiano

dos estudantes e com suas experiências e que eles possam perceber sua função para suas

vidas. Ou seja, o conhecimento não pode ser abstrato, arbitrário, isolado e desconectado

da existência dos sujeitos que aprendem.

Mais um ponto em que Dewey, Decroly, Freinet e Hernández concordam é em

relação à valorização da experiência na educação, chamada pelo terceiro de “tateio

experimental”. Todos dão grande importância à experimentação por parte dos estudantes

e defendem que a escola e seu entorno sejam lugares nos quais eles possam agir, criar e

testar hipóteses, cometer erros e acertos, chegar a conclusões e adquirir conhecimento

de forma ativa.

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Além disso, esses quatro autores valorizam também as conexões entre os

conhecimentos e as ligações que são feitas pelos próprios alunos entre diversas áreas do

conhecimento. Lidam, portanto, com diversas disciplinas simultaneamente, dentro de

um mesmo projeto, evitando assim a fragmentação do aprendizado em disciplinas

isoladas. Isto significa que trabalham com a interdisciplinaridade.

Apesar de todas essas semelhanças em suas teorias, os autores apresentam

alguns aspectos diferentes entre si. Dewey, por exemplo, valorizava a formação social e

acreditava que a escola deveria ser uma comunidade em miniatura que proporcionasse

oportunidades aos estudantes de engajarem-se ativamente na vida democrática. Por

outro lado, Decroly valorizava bastante o papel das emoções e da afetividade no

processo de aprendizagem e dava grande importância às atividades não verbais, como

artes e movimento. Freinet, por sua vez, inovou na área da leitura e da escrita, criando o

texto livre, a leitura global e a correspondência entre escolas. Já Hernández, baseado na

perspectiva relacional de Vygotsky, defende fortemente o trabalho coletivo e

colaborativo, no qual todos os sujeitos possam se escutar e trabalhar juntos.

Lerner não apresenta explicitamente algumas das características compartilhadas

pelos outros autores. Ela entende o projeto como uma entre várias modalidades

organizativas que devem ser usadas na escola e que possui características objetivas,

como a necessidade de um produto final que é elaborado coletivamente pelos alunos.

Além disso, em sua concepção, é o professor que escolhe quais conteúdos quer trabalhar

e também qual será esse produto. Entretanto, sua visão de projetos traz alguns aspectos

que são encontrados nos outros autores, como a participação dos alunos na elaboração

dos passos a serem percorridos durante o projeto, o trabalho em grupo e a flexibilidade

em relação à sua duração. Outro ponto importante a ser considerado é que Lerner pensa

nos projetos como forma de dar sentido ao aprendizado, que é dado pelo produto final.

Ou seja, as atividades realizadas e os conhecimentos adquiridos fazem sentido para o

aluno, pois contribuem para a elaboração do produto final do projeto. Percebe-se que

Hernández também valoriza muito o sentido no aprendizado. Ele inclusive define o

conhecimento como a ação de dar sentido às informações adquiridas. No entanto, para

ele, o sentido vem da apropriação que cada sujeito faz daquilo que experimenta,

descobre e vivencia e não está necessariamente atrelado a uma produção concreta.

Outro ponto interessante de comparação entre Lerner e os outro quatro autores

diz respeito à interdisciplinaridade e a transdiciplinaridade. Enquanto estes trabalham

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com a interdisciplinaridade, como exposto anteriormente, pode-se entender que Lerner

trabalha mais com a transdisciplinaridade, pois aborda os mesmos conteúdos em

diferentes momentos e utilizando as diversas modalidades organizativas que definiu. Ou

seja, um mesmo conceito aparece de forma diferente quando abordado dentro de cada

modalidade.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa pesquisa mostrou que há diversos autores antigos e contemporâneos que

escreveram e trabalharam com projetos em educação. Apesar de cada um deles ter suas

características e concepções específicas, pode-se perceber, entre os autores estudados,

que alguns princípios são compartilhados por todos. De modo geral, os projetos partem

de questões trazidas pelos alunos, ou seja, são gerados do interesse das crianças e de sua

curiosidade sobre o mundo; são trabalhos realizados coletivamente, com toda a turma

ou em subgrupos dentro de uma turma; apresentam um objetivo, que pode ser

concretizado num produto final, e na maioria das vezes são interdisciplinares, ou seja,

geram aprendizagens em diversas áreas do conhecimento.

Apesar de seguirem alguns princípios norteadores, os projetos não tem uma

fórmula pronta a ser seguida e repetida, pelo contrário, constituem uma forma de se

trabalhar bastante flexível, pois podem abordar diversos temas, de modos diferentes,

com tempo de duração variável e com grupos de diferentes tamanhos.

Dessa forma, o uso de projetos como estratégia de ensino pode servir a diversas

idades e a diferentes disciplinas. Santos Ventura (2002) relata resultados muito positivos

do trabalho com projetos num curso técnico de mecânica no Centro Federal de

Educação Tecnológica de Minas Gerais. O autor conta que ao trabalharem com projetos,

os alunos demostraram mais interesse pelo aprendizado, envolveram-se mais com os

conteúdos do curso, melhoraram a socialização e se mostraram mais autônomos e

criativos. Além disso, afirma que utilizar os novos conhecimentos para produzir algo,

produto final do projeto, torna o aprendizado mais significativo.

Pode-se afirmar, portanto, que o trabalho com projetos é uma estratégia de

ensino bastante favorável ao aprendizado, tanto de conteúdos conceituais, quanto de

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conteúdos procedimentais e atitudinais, pois além de produzir novos conhecimentos, os

alunos têm a oportunidade de produzir algo concreto e de trabalhar em grupo. Assim,

além de aprenderem a conhecer, aprendem também a fazer e a conviver, saberes

fundamentais para uma educação de qualidade.

É válido lembrar que essa estratégia é uma entre várias boas estratégias de

aprendizagem e que ela não precisa substituir as outras, mas pode ser usada em conjunto

com outras modalidades de ensino de forma a enriquecer a educação.

REFERÊNCIAS

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