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ENSINO E APRENDIZAGEM EM LÍNGUA PORTUGUESA: ALGUNS PERCURSOS Terezinha Costa Hashimoto Bertin [email protected] Aprendizagens e Linguagens Refletir sobre sujeitos e contextos de aprendizagens no universo específico do ensino da língua portuguesa nos faz, necessariamente, rever aspectos desse ensino minimamente contextualizados em uma história recente, sem o que talvez não se compreendam algumas propostas nos dias de hoje. Um olhar sobre um breve percurso dessa história, nos ajuda tanto a entender alterações na compreensão e na organização desse ensino para sujeitos que já fazem uso da língua, quanto a refletir sobre como esses sujeitos podem se apropriar de um saber que seja significativo para se tornarem usuários competentes da língua: ler, escrever, falar , escutar com a competência necessária para dar conta de seus propósitos de interação e de comunicação. Sem desconsiderar uma história anterior, acreditamos poder apontar a década de 70, do século passado, como um período que marcou com profundas transformações a educação no Brasil. Propostas e práticas conflitantes coexistiram a partir dessas transformações. No início dessa década, sob a influência do regime militar, a Lei 5692/71 apresentou uma alteração importante na forma de estruturar o que deveria ser objeto de ensino em língua portuguesa. Foi proposto como eixo organizador uma grande área – Comunicação e Expressão - abarcando um amálgama de várias disciplinas que seriam responsáveis pelo desenvolvimento da capacidade de comunicação do aluno: língua portuguesa, inglês, artes, educação física foram entendidas como co-partícipes nesse objetivo. Esse amálgama gerou a visão que contribuiu para que se iniciasse um processo de alteração muito significativa: o ensino da língua portuguesa passou a ser compreendido

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ENSINO E APRENDIZAGEM EM LÍNGUA PORTUGUESA: ALGUNS

PERCURSOS

Terezinha Costa Hashimoto Bertin [email protected]

Aprendizagens e Linguagens

Refletir sobre sujeitos e contextos de aprendizagens no universo específico do ensino da

língua portuguesa nos faz, necessariamente, rever aspectos desse ensino minimamente

contextualizados em uma história recente, sem o que talvez não se compreendam

algumas propostas nos dias de hoje. Um olhar sobre um breve percurso dessa história,

nos ajuda tanto a entender alterações na compreensão e na organização desse ensino

para sujeitos que já fazem uso da língua, quanto a refletir sobre como esses sujeitos

podem se apropriar de um saber que seja significativo para se tornarem usuários

competentes da língua: ler, escrever, falar , escutar com a competência necessária para

dar conta de seus propósitos de interação e de comunicação.

Sem desconsiderar uma história anterior, acreditamos poder apontar a década de 70, do

século passado, como um período que marcou com profundas transformações a

educação no Brasil. Propostas e práticas conflitantes coexistiram a partir dessas

transformações.

No início dessa década, sob a influência do regime militar, a Lei 5692/71 apresentou

uma alteração importante na forma de estruturar o que deveria ser objeto de ensino em

língua portuguesa. Foi proposto como eixo organizador uma grande área –

Comunicação e Expressão - abarcando um amálgama de várias disciplinas que seriam

responsáveis pelo desenvolvimento da capacidade de comunicação do aluno: língua

portuguesa, inglês, artes, educação física foram entendidas como co-partícipes nesse

objetivo.

Esse amálgama gerou a visão que contribuiu para que se iniciasse um processo de

alteração muito significativa: o ensino da língua portuguesa passou a ser compreendido

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como um exercício de formas de se expressar em diversos contextos e disciplinas, não

necessitando de recortes de conteúdo mais específicos.

Paralelamente, contudo, persistia a prática de um ensino da língua portuguesa com

ênfase no estudo da gramática normativa, descritiva. A gramática entendida como a

descrição da norma padrão da língua, eleita como oficial, e que ditava as regras que

regem esse padrão; portanto, uma gramática norteadora de usos voltados para o bem

falar e o bem escrever. Nessa gramática, parte dos modelos e exemplos utilizados como

referência eram os textos de autores consagrados na literatura.

Foi também a partir da década de 70 e ao longo da década de 80, que avanços dos

estudos em Linguística, seguidos pelas pesquisas e estudos da Sociolinguística, da

Linguística textual, da Análise do Discurso e outras ciências/disciplinas centradas em

linguagem e comunicação, trouxeram novos enfoques sobre o ensinar e o aprender a

língua portuguesa.

Especialmente por meio da linguística e da sociolinguística reavaliou-se a noção de erro

e acerto em língua. A aceitação de que há variedades linguísticas inúmeras – regionais,

sociais, etárias, profissionais, contextuais, formal, informal – levou à certeza de que

todas as variantes são válidas e legítimas. E, sem dúvida, o são. Isso gerou a concepção

de adequação de usos da língua: quando um uso é adequado à situação, quando é

inadequado.

Mesmo passados alguns anos, ainda há polêmicas sobre isso: o confronto entre os que

acatam todas as variantes linguísticas como legítimas e válidas e os que relutam em

aceitar essa posição na defesa de uma língua “mais correta”, pautada pelas regras da

gramática normativa.

É nessa época – meados da década de 70 - que tem início um debate que perdura até

hoje: corrigir ou não o aluno, pois a aceitação das variantes implicava, para alguns, o

uso da língua sem regras ou restrições de qualquer natureza. Nessa época, houve um

período em que tudo o que era produzido pelo aluno deveria ser acatado, sem que se

fizessem intervenções nessa produção, priorizando-se a criatividade, a expressão livre.

Pelo receio, pertinente, de se afirmar um preconceito contra formas de expressão mais

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populares, regionais ou informais, as práticas de ensino em língua portuguesa

enfatizaram que o aluno deveria deduzir, a partir de usos, as escolhas de linguagem mais

adequadas a determinadas circunstâncias. Para isso não seria preciso descrevê-las

sistematicamente como era feito com a gramática; falar em erro passou um tabu para

muitos.

Estudos, textos de orientação para professores passaram a considerar que o ensino da

gramática poderia ser o “vilão” gerador de bloqueios no aluno a ponto de comprometer

a capacidade de expressão e de criação mais espontâneas. Demonizou-se o ensino da

gramática, priorizou-se a expressão livre, sem normas.

Não foi apenas sobre a gramática que houve alterações: alteraram-se as concepções

sobre o poderia ser o ensino da leitura e o ensino da produção de textos.

É preciso destacar, também a partir da década de 70, a contribuição marcante dos

estudos da psicogênese de Piaget e a divulgação dos estudos sobre pensamento,

linguagem e interação (sócio-interacionismo) de Vygotsky. No ensino da língua, a visão

sobre as etapas de desenvolvimento da criança e a interação como elemento constitutivo

do sujeito determinam transformações radicais nas práticas pedagógicas.

As transformações desse período avançam pela década de 80 e na esteira da psicogênese

de Piaget, é preciso um destaque especial para as pesquisas encaminhadas por Emília

Ferreiro, sobre como pode ocorrer a apropriação da escrita pela criança. Essas pesquisas

estimularam inúmeros outros estudos, especialmente sobre práticas de ensino que

facilitassem esse aprendizado.

O final da década de 80 e a década de 90 viveram não apenas os efeitos de uma abertura

política, mas também a efervescência de estudos e pesquisas na área de educação.

Planos nacionais de educação, diretrizes nacionais para a educação, parâmetros

curriculares foram gerados sob os efeitos dessa efervescência. Com o ensino da língua

não foi diferente. As ciências da comunicação e das linguagens tiveram avanços muito

relevantes e intensos. Atualmente grande parte das concepções que fundamentam o

ensino da leitura e da escrita na escola são também extensões desse período.

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A multiplicação de estudos e pesquisas sobre o ensino da língua e das linguagens, por

sua vez, além das reflexões sobre novas práticas, trouxe, a partir de muitas fontes, a

avaliação dos alunos, com ênfase na análise do desempenho específico em leitura e em

escrita. Essa análise, corroborada pelos resultados e avaliações nacionais e

internacionais – mesmo que façamos ressalvas a essas avaliações em relação a

conteúdos avaliados ou à forma como têm sido aplicadas - constataram que a maioria de

nossos alunos têm grandes dificuldades na leitura e na escrita.

As causas do mau desempenho de nossos alunos são inúmeras, mas acreditamos que

podemos localizar algumas dessas causas a partir desse breve percurso que fizemos.

Nossa leitura é a de que houve equívocos de interpretação de teorias surgidas nestes

últimos 40 anos, sobre o que pode significar a construção do conhecimento sobre a

língua. Incorreu-se em algumas práticas que subtraíram do processo de ensino e

aprendizagem momentos que levassem em conta a necessidade de sistematização de

conteúdos e de intervenções específicas e bem localizadas no decorrer do aprendizado

da e sobre a língua.

No ensino da língua portuguesa, um dos argumentos que induziu à não sistematização

de conteúdos foi o de considerar-se que nenhum falante de língua português constrói

uma frase como:

Carro o levou conserto para.

e, mesmo sem ter passado pela escola, constrói

Levou o carro para conserto.

Se, por um lado, essa consideração é indiscutível, por outro, esse entendimento levou a

que considerassem o aprendizado da língua como resultado quase natural de vivências

espontâneas. Isso dificultou a compreensão de que não há um aprimoramento no uso da

língua- falada e escrita- se não houver mediação e intervenção precisas no processo de

ensino e de aprendizagem.

Temos presenciado em sala de aula - do ensino fundamental ao superior – impasses que

revelam uma fenda profunda no domínio mínimo da língua portuguesa : grande parte de

nossos alunos não leem bem, não produzem textos razoáveis- levando-se em conta os

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gêneros mais presentes e mais comuns nas práticas sociais -, não consideram aspectos

convencionais da língua , com propriedade suficiente para dar conta de necessidades de

escrita em diferentes contextos e com propósitos diversos.

Essa história recente, os estudos e as pesquisas resultantes desses percursos, as

avaliações apontam para a certeza de desafios (grandes) a serem enfrentados em relação

ao ensino de língua portuguesa:

- necessidade de uma delimitação de conteúdos específicos – conceituais e

procedimentais (v. COLL, 1998) - em língua portuguesa, abrangendo a formação do

leitor pleno, do produtor de textos – orais e escritos – competente e do sujeito que

domina o sistema escrito da língua;

- revisão do que se considera sistematização de conteúdos e de procedimentos

em língua portuguesa, com o cuidado para que isso não seja um retrocesso a

procedimentos mecânicos de repetição que eliminem a sistematização por meio

de práticas de uso da língua em situações as mais próximas possíveis dos usos

reais da linguagem, de desafios de leitura e de escrita com problematizações

crescentes, de exercícios de dedução de regularidades sobre o sistema da

escrita...;

- análise do que significa uma intervenção qualificada no processo de ensino

e aprendizagem em língua portuguesa que leve em conta o que fazer a partir

ponto em que o aluno efetivamente está, isto é, do ponto que indica o que ele já

sabe e o que precisa para avançar.

Grande parte das propostas pedagógicas desenvolvidas pela escola carece de um

planejamento com o foco definido de forma clara e em que estejam presentes aspectos

essenciais, especialmente a delimitação de conteúdos: seleção e escolha de conteúdo

relevante, significativo. Por exemplo, diante da escolha de um conteúdo como VERBO,

ainda há que se considerar outras escolhas para que haja uma delimitação: pode ser a

temporalidade para estruturação de textos com coerência temporal, ou para o exercício

das relações temporais na linguagem; pode ser a concordância com tipos diferentes de

sujeito.

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Um conteúdo procedimental, “a construção de um saber fazer” (Coll:1998), por

exemplo, sobre a leitura ,supõe escolhas como: ler para aprender ou aprender a ler

(Solé: 1998). Por ser um conteúdo calcado em habilidades, a delimitação clara das

habilidades a serem enfatizadas em cada momento é fundamental: localização de

informações, as relações de sentido por meio de inferências, o exercício de um

posicionar-se criticamente... sempre com ênfase no desenvolvimento da proficiência em

leitura. Essa delimitação supõe também um diagnóstico do ponto em que o aluno se

encontra para que nossas escolhas atendam aos aspectos em que o aluno precisa

avançar.

Cada um desses conteúdos requer o desenvolvimento de etapas ou momentos de

construção: ativação e mobilização de conhecimentos prévios, construção do conceito,

reconhecimento do conteúdo em contextos diferenciados, aplicação em novas situações,

estudo de formas de organizar o conhecimento aprendido, ampliação, avaliação, mesmo

que pontual.

O processo de construção de um conhecimento sobre um conteúdo delimitado, exigirá

a organização de processos de sistematização e de avaliação.

Isso tudo construirá uma sequência didática de conteúdos, um plano com as etapas que

desenvolveremos para dar conta dos objetivos em relação ao conteúdo delimitado.

Segundo Heloísa Amaral1, sequências didáticas são um conjunto de atividades ligadas

entre si, planejadas para ensinar um conteúdo, etapa por etapa. Devem ser

organizadas de acordo com os objetivos que o professor quer alcançar para a

aprendizagem de seus alunos; elas envolvem atividades de aprendizagem e de

avaliação.

O que pode constituir uma sequência didática de conteúdos em língua portuguesa.

Especialmente para as séries iniciais do Ensino Fundamental, as concepções de

Alfabetização e Letramento contribuem muito para esse fim. Ao distinguir entre

1Heloísa Amaral, Mestre em educação, pesquisadora do CENPEC, Comunidade Escrevendo o Futuro: http://escrevendo.cenpec.org.br/

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Alfabetização e Letramento, a professora Magda Soares (2003) fez a ousadia de

apresentar delimitações que clareiam muito a prática em relação a esses dois conceitos.

Num momento em que pensar em qualquer forma de delimitação de conteúdos,

principalmente para o ensino de língua portuguesa nas séries iniciais, era polêmico,

Magda Soares refere-se à Alfabetização em sentido específico, isto é, a apropriação do

sistema de escrita pela criança como a apropriação de tecnologias da escrita.

Essa visão facilita muito a delimitação de conteúdos específicos de alfabetização,

inclusive com recortes de conteúdos em sequências didáticas organizadas

especificamente para esse fim.

Na alfabetização inicial a organização sequências didáticas de conteúdos para a

apropriação do sistema da escrita supõe a clareza sobre o foco do que está sendo

construído com o aluno: a concepção geral de um sistema que é alfabético – não é, por

exemplo, ideográfico - e que, portanto, demanda que para dele se apropriar se conheçam

com precisão os elementos que o estruturam: fonemas (sons), grafemas (letras).

Na construção, por exemplo, do conhecimento sobre as características do sistema

alfabético em que nem todo grafema/letra tem apenas um fonema/som correspondente

ou que nem todo fonema/som tem apenas um grafema correspondente. Veja:

- /d/ é um fonema/som que corresponde a um único grafema: a letra D;

- /s/ é um fonema/som que pode corresponder a vários grafemas/letras: S,C,SS,X,Ç,

Z,XC,SC.

- X é um grafema/letra que corresponde a vários fonemas/sons.

Dominar –plenamente - as bases do sistema de escrita, suas possibilidades, para depois

apreender regras e convenções de uso deve ser, no processo de alfabetização, um

conteúdo bem delimitado em etapas, o que significa bem organizado em sequências

didáticas em que poderá haver , inclusive recortes bastante específicos de conteúdos.

Por exemplo, organizar uma sequência didática específica para o emprego do S, SS ou

Ç.

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É preciso que o aluno não só observe, deduza a existência desses elementos, mas

também saiba, aos poucos, empregar o que aprendeu a “descrever”, evidentemente sem

a necessidade do domínio de uma terminologia, mas tendo os elementos necessários

para descrever o que conheceu como fonte de um saber sobre a língua que lhe permita

avançar para outros conceitos, por exemplo, o que significa a escrita ortográfica.

Consideremos: a palavra você não pode ser escrita assim: vosse. Embora o sistema lhe

ofereça essa possibilidade, há uma convenção ortográfica, uma lei que determina um

registro e não aceita outro.

Se, num primeiro momento, o aluno trabalha com possibilidades, pois está se

apropriando dos elementos que estruturam o sistema de escrita, e elabora a hipótese de

escrita vosse , e acatamos como uma hipótese, num outro momento, num outro recorte

de conteúdo que tenha como foco as bases da ortografia oficial, o registro vosse deve ser

revisto – com muita clareza – como uma hipótese que tem de ser esclarecida e

substituída.

Alguém tem de “contar” para o aluno que é erro. O aluno tem de avançar da hipótese

para a certeza. Deverá deduzir que em no nosso sistema de escrita há regras, há leis de

uso que o regem. Isso é ensinável.

A sequência didática deve delimitar recortes ao longo do processo de aprendizagem,

deve prever momentos de intervenção clara e também prever momentos em que se

ensina e não apenas se espera (às vezes longamente) que o aluno perceba esses

conteúdos. Coll (1998) afirma: tudo que pode ser ensinado deve ser ensinado.

Fundamental ainda: a sequência didática deve ordenar etapas que possam contemplar

momentos de construção de conceitos e de organização do conhecimento construído.

Uma coisa é certa: não se aprende ou se apreende algo efetivamente se não se participar

do processo de construção.

Partindo-se do princípio dos três eixos – leitura- produção oral e escrita- domínio do

sistema da língua portuguesa – há um questionamento: é possível o “recorte” de

conteúdos, sem correr o risco de descontextualizar esse conteúdo?

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Muitos de nós ouviram nestes últimos anos que, ao empregarmos um texto para ensino

de aspectos do sistema de escrita, poderíamos incorrer no uso de texto como pretexto

para o ensino de aspectos linguísticos ou de gramática. Há um tempo atrás essa prática

foi condenada e alguns deixaram de “ensinar” aspectos específicos do sistema de

escrita, por ficarem confusos em relação ao ponto de partida para esse ensino. Mas, se

não partirmos de ocorrências reais – em textos autênticos ou situações reais de

comunicação – como tornar significativo para o aluno o que deverá ser aprendido e

ensinado? Há momentos em que o texto é pretexto, sim.

Retomando um pouco a ideia da necessidade de delimitação de conteúdos, nas últimas

décadas, tornou-se muito forte a concepção de que o aperfeiçoamento do leitor

aconteceria mais pela quantidade de textos lidos, do que pelo desenvolvimento de

estratégias e processos metacognitivos – habilidades, conhecimentos incorporados pelo

sujeito para suas atividades de cognição - que sustentam o ato de ler. Hoje essas

estratégias e habilidades são conteúdos específicos de ensino: estratégias podem ser

ensinadas, habilidades podem ser desenvolvidas por meio de atividades específicas.

Ler muito para ler bem era a crença; sob essa ótica, ler bem foi em parte entendido

como resultado da quantidade de leitura realizada pelo indivíduo. Nesse sentido, o papel

da escola seria o de, prioritariamente, “desenvolver o gosto” pela leitura, entendendo-se

isso como o ler bastante. Desenvolvido “o gosto”, o aperfeiçoamento do leitor seria

quase uma consequência natural. Não se considerava que para gostar de ler, dentre

múltiplos fatores sociais, culturais, é fundamental saber ler, aprender a ler.

Hoje, fala-se também em apropriação de estratégias e habilidades de leitura...

A produção de textos passou pela fase em que se “tinha uma ideia, uma inspiração” , e

essa ideia deveria fluir sobre o papel, desde que “alguém” não bloqueasse ,não

interferisse com excesso de correção ou monitoramento. Passou a se enfatizar a escrita

espontânea como caminho para o bom desenvolvimento de um texto escrito ou falado.

Assim como o que ocorreu com o ensino da leitura, em relação à produção de textos, a

expressão espontânea se sobrepôs à produção planejada. Esta última ficou relegada.

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Eram como se fossem práticas excludentes. Hoje temos clareza de que não são: são

complementares e cada uma delas pode ser objeto de desenvolvimento em sequência

didática específica.

Hoje fala-se em planejamento da escrita.

Mas a pergunta - o que abrange um ensino de língua portuguesa para alunos que já

falam, já se comunicam nessa língua? - permanecerá sempre em aberto, pois os estudos

não param em busca de novas respostas. Este texto são reflexões e não teve a pretensão

de responder a todas as perguntas. Pode se dizer que houve chegadas, mas o percurso de

buscas continua.

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VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

Sites

Nos sites indicados abaixo, você pode conseguir subsídios para o trabalho do professor e para a prática em sala de aula.

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• Programa Além das Letras: www.alemdasletras.org.br • Biblioteca do movimento Todos pela Educação: http://www.

todospelaeducacao.org.br/biblioteca • Comunidade Escrevendo o Futuro: http://escrevendo.cenpec.

org.br/ecf/ • Portal do Professor (MEC): http://portaldoprofessor.mec.gov.

br/index.html • Ensino Fundamental de nove anos – Orientações gerais

(MEC): http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/noveanorienger

• Centro de referência em Educação Mário Covas: www.crmariocovas.sp.gov.br

• Net Educação: www.neteducacao.com.br

• Portal da educação:www.portaldoprofessor.mec.gov.br

• Site com sugestão e sinopse de 21 filmes voltados para a educação:

http://www.lendo.org/21-filmes-em-que-a-educacao-e-um-tema-criativo/