Ensino de Portugues Lingua Estrangeira

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    ALMEIDA, Mrio Srgio Pinheiro Moreira de. Ensino de portugus lngua estrangeira P. L. E.

    lngua global. Revista Virtual de Estudos da Linguagem ReVEL. V. 2, n. 2, maro de 2004. ISSN

    1678-8931 [www.revel.inf.br].

    ENSINO DE PORTUGUS LNGUA ESTRANGEIRA P.L.E.-

    LNGUA GLOBAL

    Mrio Srgio Pinheiro Moreira de Almeida1

    [email protected]

    1. CONSIDERAES PRVIAS

    Pretende-se com este trabalho salientar uma perspectiva de ensino que incorpore

    a vertente lingustica, isto , o ensino da gramtica e do lxico da lngua, e a vertente da

    cultura, bem como chamar a ateno para a elaborao de ferramentas cada vez mais

    adequadas ao ensino de uma lngua estrangeira.

    Enquanto ensinante de Portugus Lngua Estrangeira P.L.E. tem-se sempre

    em considerao um dos aspectos fundamentais para o aprendente, que , sentir-se oprincipal interveniente na sesso da aula ou lio. Ele deve aperceber-se do esforo que

    o ensinante desenvolve de modo a existir o menor nmero de equvocos e falhas de

    comunicao.

    Se no quotidiano nos deparamos com dificuldades em percebermos os outros,

    ainda que falantes nativos de uma mesma lngua, imagine-se no contexto de ensino de

    uma lngua estrangeira. Este facto releva as seguintes questes: Como deve o ensinante

    desenvolver os contedos para um pblico-alvo de modo a garantir resultados mais

    satisfatrios? Que estratgias deve o ensinante utilizar de forma a catalisar o processo

    de aprendizagem do aprendente?

    A finalidade do ensino/aprendizagem de uma lngua estrangeira que os

    aprendentes se tornem aptos a comunicar nessa lngua para satisfazerem as suas

    1 Instituto de Lingustica Terica e Computacional ILTEC, Portugal.

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    necessidades2. Ora, perante um grupo de pessoas que quer aprender uma outra lngua o

    ensinante deve ter conscincia das razes que levam a que aquele conjunto de pessoas a

    queira aprender. O ensinante deve, pois, encarar este desafio como uma partilha de

    experincias, em que a interaco surge como veculo para o sucesso dos aprendentes.

    A base desta interaco deve passar, necessariamente, por compreender o ensino deuma lngua estrangeira como uma descrio das emoes que resultam da comunicao

    (ou tentativa de) numa outra lngua.

    Ao ensinar-se Portugus a estrangeiros no se pode limitar apenas ao ensino da

    lngua. Para o aprendente, conhecer a cultura da lngua , sem dvida, uma motivao

    que acelera a aprendizagem. Por cultura da lngua, especificamente da lngua

    portuguesa, entendo todas as imagens, sons, msicas, lugares, gastronomia, etc., onde

    h associao ao portugus.

    Estas expectativas fazem com que o ensinante transmita ao aprendente a ideia decrescimento cognitivo enquanto atento e sensvel aprendizagem. Ter como resultado

    no s o seu desenvolvimento lingustico nas competncias lexicais, gramaticais e

    sintcticas, mas, espera-se, o seu desenvolvimento emprico. O aluno ou aprendente

    dever sentir-se mais experiente durante a aprendizagem e dever aceder a ela enquanto

    um intercmbio de culturas, de sentimentos e da livre circulao de conhecimentos.

    Em suma, a cultura da lngua a insero do aprendente no universo cultural da lngua,

    e deve ser considerada como um factor indispensvel na aprendizagem de um novo

    cdigo lingustico.

    Esta insero do aprendente tem de ser prevista paralelamente ao ensino da lngua, ao

    qual necessrio a disponibilizao de ferramentas que lhe sejam cada vez mais

    adequadas. Citaremos como exemplo o fenmeno das combinatrias lexicais para o qual

    preciso um mtodo particular de ensino.

    2. O ENSINO E A APRENDIZAGEM DAS COMBINATRIAS LEXICAIS

    O fenmeno das combinatrias lexicais percebido de modo diferente por um

    falante nativo e por um aprendente de lngua estrangeira. Como? Para um portugus, o

    substantivo elevadorcombina-se com o verbo apanhar. Ele sabe-o intuitivamente, sem

    2 in Nvel Limiar (1988).

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    qualquer explicao prvia, uma vez que o conhecimento das combinatrias lexicais

    inato. J um aprendente de P.L.E. tentar recorrer ao conhecimento da sua lngua

    materna e de outras, para seleccionar um verbo que combine com o substantivo e

    exprima assim a mesma ideia. Um aprendente de P.L.E. em Portugal deve saber que

    para o substantivo elevadortem de usar o verbo apanhare no os verbospegar, tomarou agarrar. Ao contrrio, um aprendente de P.L.E. no Brasil para o mesmo substantivo

    usar o verbo tomaroupegar. Noutro caso, como bater as botas, o nativo lusfono sabe

    que o significado desta combinatria lexical morrer. J o aprendente ter de associar

    um significado independente do significado de cada lexia da combinatria. Assim, a

    aprendizagem desse fenmeno lingustico por parte desse pblico deve acontecer como

    a aprendizagem do lxico dessa lngua, ou seja, deve ser aprendido de cor.

    Que dificuldades apresenta um aprendente de lngua estrangeira em compreender as

    combinatrias lexicais?Se um aprendente ouvir a expresso brincar com o fogo ele no poder

    simplesmente somar os significados de brincarefogo e da extrair um novo significado.

    Se o fizesse, obteria o seguinte resultado:

    Brincar com fogo brincar Fogo resultado

    divertir-se

    em jogos`

    desenvolvimento

    simultneo de calor e luz

    que produto da

    combusto de matrias

    inflamveis`

    divertir-se em jogos

    em que haja

    desenvolvimento

    simultneo de calor e

    luz que produto da

    combusto de matrias

    inflamveis`

    Como podemos notar, o aprendente cairia em erro, para alm de no tirar os

    devidos resultados como se pode confirmar com o significado resultante da

    combinatria:

    brincar com o fogo meter-se levianamente em coisas ou empresas perigosas,

    arriscadas; arriscar-se imprudentemente

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    Verifica-se, assim, que o significado de uma expresso no resulta do somatrio

    dos significados das suas lexias formadoras, logo, no h composicionalidade. Como

    outros exemplos poderamos citar: fogo de palha; (estar) uma bala; passar a perna em;

    tirar o tapete

    Veja-se agora a compilao das combinatrias lexicais a partir dos dicionriosde lngua geral. Ao observar o tratamento que lhes dado, por exemplo, no Aurlio Sc.

    XXI, constata-se que estes tipos de dicionrios tm, por norma, uma seco, geralmente

    na parte final do verbete, onde so compiladas as combinatrias. Ento, se tomarmos

    como exemplo pedra no sapato, necessrio, antes de mais, saber que esta

    combinatria estar compilada no verbetepedra, pois o dicionrio privilegia o primeiro

    substantivo da combinatria, mas atente-se, que, geralmente, o aprendente no vai

    consultar o prefcio do dicionrio para conhecer os detalhes da compilao do lxico.

    Atente-se ainda para a diferena de tratamento dada s combinatrias por partede um dicionrio de lngua. A assistematicidade de tratamento das combinatrias pode

    provocar perplexidade no agora aprendente/consulente no momento da busca duma

    definio. Este aprendente/consulente ter mesmo de ser persistente seno facilmente

    desistir da sua busca, tal o nmero exaustivo de remisses, de sinonmia, e at ausncia

    de locues.

    Na busca do significado de uma combinatria lexical, o aprendente/consulente

    pode deparar-se com os seguintes cenrios:

    a) no encontrar nos verbetes das lexias que compem a locuo;

    b) encontrar a locuo e desde logo a sua definio;

    Sair de banda escapulir-se furtivamente

    c) encontrar a locuo definida por outra locuo;

    Levar uma bandeira - levar um fora Banho de ervas - Banho-de-cheiro

    d) encontrar a locuo definida por outra locuo e esta definida por sinnimos

    (palavras simples) *;

    Dar de lngua - dar lngua - tagarelar, parolar, taramelar, linguajar.

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    e) encontrar a locuo definida por palavra simples sinnima e esta definida

    novamente porlocues ou palavras simples sinnimas;

    Bafo de boca - Bafo (5) - Conversa fiada, bazfia, gabolice, prosa

    f)encontrar a locuo definida por outra locuo e s ento a definio *;

    Vir baila - Vir a propsito; fazer-se lembrado oportunamente.

    Conforme se pode verificar, para um aprendente de lngua estrangeira e mesmo

    para um lusfono, o tratamento dado s combinatrias lexicais pelos dicionrios de

    lngua geral revela-se inadequado. Por esta razo, enquanto ensinante de lngua

    estrangeira, considero vlida a proposta de tratamento apresentada pela LEC

    Lexicologie Explicative et Combinatoire (Meluk I. et al. 1995) da TST Teoria

    Sentido-Texto (Meluk, I. e olkowskij, A. 1970), a qual por meio de abordagem

    semntica prope que3:

    i) as combinatrias lexicais no composicionais so descritas numverbete prprio;

    ii) as combinatrias lexicais composicionais so descritas no verbeteda palavra-chave. Assim, apanhar o elevadorestaria descrito no

    verbete elevador e banho-de-cheiro, banho de ervas, banho

    cheiroso estariam descritas no verbete da palavra-chave banho.

    Para concluir, por se tratar de um conhecimento lexical necessrio no processo

    de aquisio de um idioma, estes tipos de combinatria lexical devem estar descritos

    nos manuais de ensino de lngua estrangeira. No entanto, os manuais de lngua no

    apresentam espao fsico necessrio para a descrio das combinatrias lexicais. Por

    isso, h a necessidade de elaborao de um guia de combinatrias lexicais para o ensino

    de P.L.E. Este guia seria constitudo por vrios volumes de acordo com os diferentes

    nveis de competncia lingustica contemplado nos manuais, auxiliando de maneira

    particular a aquisio desta especificidade lexical. As combinatrias estariam vinculadas

    Para uma discusso detalhada desta proposta consultar as referncias Meluk I. et al. 1995a, eMeluk I. 1995b, bem como os dicionrios tericos elaborados pela teoria Meluk I. et al. 1984, 1988,1992, 1999.

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    aos temas abordados pelos manuais. Um guia concebido de tal forma seria, sem dvida,

    uma ferramenta que aceleraria a aquisio da competncia comunicativa por parte do

    aprendente.

    Retomando a perspectiva de P.L.E. enquanto ensino contnuo e acompanhado da

    sua cultura, no se pode estancar geograficamente este ensino, ou seja, enquantoensinante no me devo referenciar apenas aos lugares, msica, gastronomia ou arte

    de Portugal, que o meu pas. Tenho, necessariamente, de atentar a frica, a Europa, a

    Amrica, a sia que so quatro dos cinco continentes onde existem pases ou territrios

    em que a Lngua Portuguesa lngua oficial. Tenho, obrigatoriamente, que me lembrar

    que o Portugus a sexta lngua materna a nvel mundial e que por ser lusfono, me

    fao entender em sociedades to distintas como a cosmopolita So Paulo ou a regional

    Lubango, ou a minha Lisboa ou a bela Maputo da minha av.

    3. CONCLUSES

    Acredito que quem ensina uma lngua estrangeira deve ter conscincia do papel

    dessa lngua no mundo. No caso do Portugus, no apenas dos portugueses, de todos

    que com ela (com)vivem, uma lngua global, sem fronteiras e de acesso livre para a

    sua aprendizagem. Espero que com o EURO 2004, bem como aconteceu com a EXPO

    98, o portugus seja uma lngua mais conhecidae por isso mais difundida e defendida

    por aqueles que tm, ainda, certezas quanto sua importncia no mundo.

    Quando se ensina uma lngua estrangeira deve, pois, ter-se a conscincia que,

    para alm da ampliao das necessidades de comunicao, que acredito ser uma das

    principais razes por que se aprende uma lngua, existe um outro factor que ser

    cobrado ao ensinante no final do curso, o da certeza do desenvolvimento psicossocial

    dos intervenientes. Ainda mais na era da Globalizao, da abertura de fronteiras, da

    livre circulao de bens e servios e da interdisciplinaridade. Todos factores propcios

    para a diversidade cultural na aprendizagem, e todos factores decisivos perante a

    positiva abertura alteridade enquanto forma de sentir o mundo diferente.

    Urge, desta forma, a conjugao dasferramentas adequadas ao ensino de lngua

    estrangeira com o ensino da cultura de lngua, de forma a possibilitar ao aprendente um

    ensino global de lngua.

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    Agradeo Dra. Renata Stela Valente que releu este artigo e cujos comentrios

    permitiram uma argumentao mais elaborada das propostas apresentadas.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    1. BARBEIRO, L. (1998). O Jogo no ensino-aprendizagem da lngua. Leiria: Legenda Edio e Comunicao.

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