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ENSINO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA: TEATRO E APRENDIZAGEM
HISTÓRICA
Aline Ferreira Rodrigues
Universidade Federal do Tocantins (UFT)
Rosária Helena Ruiz Nakashima
Universidade Federal do Tocantins (UFT)
Vera Lúcia Caixeta
Universidade Federal do Tocantins (UFT)
Resumo
Este texto é o resultado de uma pesquisa cujo principal objetivo foi refletir sobre as
potencialidades do teatro para o aprendizado sobre a História da África e da Cultura Afro-
Brasileira, no Ensino Médio. Para isto, foi realizada uma pesquisa qualitativa, orientada
pela observação participante, com o uso de diário de campo, durante nove encontros com
alunos da escola pública estadual CEM “Benjamim José de Almeida” de Araguaína-TO.
A partir de exercícios teatrais e de reflexões sobre a África e Cultura Afro-Brasileira,
defendemos a possibilidade de uma aprendizagem histórica que contribui tanto para o
desenvolvimento do protagonismo, da criatividade e da sensibilidade dos estudantes,
quanto para uma compreensão crítica e orientação histórica no tempo presente.
Palavras-chave: Ensino de História da África. Lei 10.639/2003. Teatro. Práticas de
Ensino. Criatividade.
TEACHING AFRICAN HISTORY: THEATER AND HISTORICAL LEARNING
Abstract
This text is the result of research whose main objective was to reflect on the potential of
theater for learning about the History of Africa and Afro-Brazilian Culture, in high school.
For this, a qualitative research was conducted, guided by participant observation, using a
field diary, during nine meetings with students from the state public school CEM
“Benjamim José de Almeida” from Araguaína-TO. Based on theatrical exercises and
reflections on Africa and Afro-Brazilian Culture, we defend the possibility of historical
learning that contributes both to the development of the protagonism, creativity and
sensitivity of students, as well as to a critical understanding and historical guidance in the
present time.
Keywords: Teaching African History. Law 10.639/2003. Theater. Teaching Practices.
Creativity.
Introdução
Nesta pesquisa ousamos pensar na integração arte, saber e cultura nas aulas de
História, no ensino médio, a partir do teatro, enquanto estratégia pedagógica na qual se
pode alcançar o interesse dos estudantes de forma lúdica, criativa, interativa e
humanizadora. O teatro pode ser considerado essa ponte, que revela possibilidades para
a construção dialógica, no qual “uma aula criativa, leva à invenção de outras histórias,
conduz o aluno ao lugar de criador, de protagonista de sua própria História” (SOARES
JÚNIOR, 2019, p. 184).
Durante o estágio supervisionado e as atividades de regência do Programa
Residência Pedagógica (https://capes.gov.br/educacao-basica/programa-residencia-
pedagogica) notamos algumas dificuldades dos alunos para se concentrarem nas aulas de
História. A partir disso, começamos a refletir sobre qual instrumento poderia mobilizar
para ajudar os estudantes em meio às suas dificuldades, o que nos levou aos seguintes
questionamentos: em que medida as técnicas, os métodos e os exercícios teatrais podem
ser utilizados como alternativas pedagógicas para reinventar as aulas de História e
conquistar o interesse dos alunos?
Assim, elaboramos um projeto de intervenção pedagógica sobre o Dia da
Consciência Negra, por ser tratar de uma data comemorativa que já fazia parte do
calendário escolar do Centro de Ensino Médio (CEM) “Benjamim José de Almeida”, no
município de Araguaína - Tocantins. Com o consentimento da direção da escola,
propusemos que uma peça de teatro fosse um elemento que poderia somar a essa atividade
pré-agendada. O objetivo foi para compreender a possibilidade da utilização da
representação teatral como elemento facilitador para tratar do tema “racismo” que,
eventualmente se mostra como mais inquietante ou até mesmo negligenciado no currículo
escolar.
Esse projeto de intervenção fazia parte das atividades planejadas no bojo do
Programa Residência Pedagógica, na qual as práticas didáticas foram centradas em uma
turma do segundo ano do ensino médio. Todos os alunos foram convidados a
participarem, mas, como parte do projeto ocorria no contraturno das aulas, do total de 25
alunos, oito se interessaram, sendo que um deles já participava de um grupo teatral da
cidade; já os demais tiveram sua primeira experiência com o teatro na escola, mas para
todos foi inédita a experiência de explorar o teatro para tratar de uma questão inquietante
para os alunos, o racismo. Os alunos participantes foram cinco meninas e três meninos,
com idades entre 17 e 21 anos.
Nesta pesquisa qualitativa, foram realizados nove encontros com os alunos na
escola, no período de 17 de outubro até 20 de novembro de 2019. Os encontros não tinham
um dia semanal específico para acontecerem e geralmente eram realizados na sala de aula
disponibilizada pela coordenação da escola. Os primeiros cinco encontros foram
momentos em que conseguimos trabalhar técnicas básicas do teatro por meio de jogos
teatrais inspirados nas obras de Viola Spolin (2001), pioneira na área dos exercícios
teatrais, assim como também a proposta de pesquisa e elaboração do roteiro da peça que
versava sobre História da África, que foi apresentada no Dia Nacional da Consciência
Negra, uma perspectiva que alcançamos ao longo da pesquisa.
Durante os encontros, sempre se buscou utilizar o teatro como uma abordagem
criativa para a discussão e a aprendizagem desta temática, focando na urgência de
evidenciar discussões étnicas e raciais na escola, principalmente nas aulas de História,
pois devemos levar em consideração que:
[...] Tem importado saber que, em um dia qualquer, alguém sonhou em libertar-
se, por exemplo, da malha asfixiante da escravidão, da violência de lesa-corpo
e lesa-alma, da dor de não ser cidadão, mas que encontrou em seus desejos
forças para resistir e lutar por uma sociedade mais justa. Tem feito sentido
entender que não existe normal ou anormal, apenas diferenças. Que brancos,
pretos, pobres, indígenas, gays, gordos, deficientes, são cidadãos e precisam
gozar do merecimento conquistado de ir e vir. Que a História só Ensino de
História e Sensibilidade faz sentido quando nós, professores, nos permitimos
criar uma roupa de garrafas cheias de orvalho capaz de conduzir nossos alunos
até o passado, e, de lá, construir nossas próprias percepções, sensações,
“verdades”. (SOARES JÚNIOR, 2019, p. 170).
A peça apresentada, posteriormente aos encontros e ensaios, foi denominada
como “Um Outro Conto Sobre a África” e trouxe em seu enredo uma proposta baseada
em uma modalidade dramática, na qual o conflito da peça busca realizar uma crítica
social, focada na temática da História da África, contada sob uma nova perspectiva.
A peça foi escrita por uma das pesquisadoras, buscando articular os conteúdos
curriculares já estudados pela turma, com elementos artísticos que pudessem mobilizar a
reflexão sobre o tema. Para enriquecer o roteiro, foi solicitado que os alunos fizessem
uma pesquisa e socializassem inspirações advindas de expressões artísticas diversas
produzidas por africanos. A partir desses subsídios, foi elaborado o roteiro composto por
três atos, poema, música e ao todo oito personagens. No processo foi necessário
apresentar novos caminhos criativos para refletir sobre a cultura africana e afro-brasileira,
de forma não estereotipada, folclórica ou preconceituosa, pois:
[...] A cultura, seja na educação ou nas ciências sociais, é mais do que um
conceito acadêmico. Ela diz respeito às vivências concretas dos sujeitos, à
variabilidade de formas de conceber o mundo, às particularidades e
semelhanças construídas pelos seres humanos ao longo do processo histórico
e social. (GOMES, 2003, p. 75).
Em cada encontro foi realizada uma oficina de exercícios teatrais, explorando
apenas a sensibilidade e a corporeidade no espaço, além de rodas de conversa sobre a
História e a cultura afro-brasileira, conduzida também por uma das pesquisadoras.
Através das rodas de conversas buscava-se compreender a perspectiva de cada integrante
acerca do que os mesmos estavam entendendo ou observando ao longo desta experiência
pedagógica e, depois, passava-se para a exploração das temáticas selecionadas.
O teatro enquanto instrumento de aprendizagem dinâmica
No primeiro encontro com os alunos, foi esclarecida a intenção de construir em
conjunto esse novo espaço de diálogo, articulado aos conteúdos do componente curricular
de História, presente em suas rotinas escolares. Foi destacado que seriam planejadas
ações, focando uma aprendizagem criativa, lúdica e coletiva, utilizando o teatro como um
instrumento para se alcançar esses objetivos, pois “o teatro é uma modalidade artística
que privilegia o uso da linguagem e promove o desenvolvimento da imaginação”
(OLIVEIRA; STOLTZ, 2010, p. 77). Assim, foi realizada uma roda com os alunos na
sala de aula para explicar os princípios básicos do teatro, através de exercícios teatrais
(Quadro 1).
Exercícios Objetivos
Quando eu falo eu me ouço
e me sinto
Ajudar o indivíduo a compreender o seu corpo em uma relação de
expressão facial e corporal.
Promover um controle das emoções e expandir as respostas que o corpo
dá a determinada situação em cena.
Ocupação de espaço Perceber o espaço em que estão.
Respeita o ambiente que a eles é oferecido, expressando-se por níveis
baixo, médio e alto.
O espelho Trazer a atenção de um aluno para o outro, para a construção de uma
relação de confiança em cena.
Quadro 1. Exercícios teatrais.
Fonte: Adaptado de Spolin (2001, p. 11 e 24).
Foi perceptível através desse momento inicial o quanto os alunos foram
interagindo uns com os outros e construindo intercâmbios e atitudes de colaboração entre
si. Essa observação fortaleceu a ideia de que o teatro é eficaz na construção de interação
social, agindo como um instrumento didático que contribui no processo de ensino e de
aprendizagem, pois “o desenvolvimento implica o estímulo do conjunto” (OLIVEIRA;
STOLTZ, 2010 p. 78), e um ensino diferenciado ocorre por meio da participação coletiva
e não apenas do fazer isolado. Sob este prisma, as Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCN) da Educação Básica apontam:
[...] a importância do lúdico na vida escolar, não se restringindo sua presença
apenas à Arte e à Educação Física. Hoje se sabe que no processo de
aprendizagem a área cognitiva está inseparavelmente ligada à afetiva e à
emocional. Pode-se dizer que tanto o prazer como a fantasia e o desejo estão
imbricados em tudo o que fazemos. Os estudos sobre a vida diária, sobre o
homem comum e suas práticas, desenvolvidos em vários campos do
conhecimento e, mais recentemente, pelos estudos culturais, introduziram no
campo do currículo a preocupação de estabelecer conexões entre a realidade
cotidiana dos alunos e os conteúdos curriculares. Há, sem dúvida, em muitas
escolas, uma preocupação com o prazer que as atividades escolares possam
proporcionar aos alunos. (BRASIL, 2013, p. 116).
Portanto, a criatividade é uma porta que, quando aberta, nos revela opções
enriquecedoras e prazerosas, capazes de provocar mudanças importantes no currículo
escolar. Conforme Oliveira e Stoltz (2010), fator importante é a percepção que Vygotsky
apresenta de que cada indivíduo é único e ocupa seu lugar no mundo, a partir de seu
contexto histórico-cultural. Assim é preciso ter uma preocupação em buscar conhecer o
mundo no qual os alunos estão inseridos, pois é através dele que os mesmos respondem
às propostas que lhe são reveladas diariamente em sala de aula. Em outras palavras,
sabemos que “a literatura sobre currículo avança ao propor que o conhecimento seja
contextualizado, permitindo que os alunos estabeleçam relações com suas experiências”
(BRASIL, 2013, p. 118).
Um dos comentadores de Vygotsky afirma que “instrumentos e signos são
construções sócio-históricas e culturais; através da apropriação (internalização) destas
construções, via interação social, o sujeito se desenvolve cognitivamente” (MOREIRA,
1999, p. 111). Sendo assim, é preciso considerar que o estudante também interaja com o
meio que o cerca, gerando uma relação mútua de um para o outro, como uma troca de
símbolos e significados.
De acordo com Moreira (1999), é a partir desse diálogo entre os estudantes e o
contexto sociocultural que a aprendizagem e o desenvolvimento são fortalecidos,
mediados pela interação social, por meio de signos e instrumentos específicos que
resultarão na construção de níveis de desenvolvimento real. Nesse movimento de
interação social, ao final do primeiro encontro, os alunos já expressavam bastante
entusiasmo e aos poucos demonstravam afetividade pela proposta desenvolvida. Logo
após o final de todos os exercícios teatrais, voltamos para a roda inicial e foi solicitado
para que eles falassem a primeira palavra (Figura 1) que viesse a mente.
Figura 1. Palavras verbalizadas pelos estudantes (1o encontro).
Fonte: Dados da pesquisa (2019).
Essas palavras expressaram o sentimento da maioria dos alunos, que demonstrou
desconforto nesse primeiro momento, por enfrentarem o desconhecido, vivenciando
alguns direcionamentos realizados no exercício de ocupação de espaço, no qual foi
determinado alguns comandos que os levassem a pensar as relações de opressão,
preconceito e violência presentes no contexto social em que estamos inseridos.
Ao considerar essas técnicas iniciais do teatro, isso foi avaliado como bom, porque
eles perceberam que tinham dado o primeiro passo para o novo. Foi emocionante vê-los
ao final do primeiro encontro, criando uma relação por meio do teatro, utilizando signos
e instrumentos que colaboraram para a construção da sua autonomia e a ampliação crítica
da compreensão do mundo.
Protagonismo na aprendizagem: autonomia estudantil
Nesta investigação, ousamos pensar em práticas pedagógicas que valorizem as
identidades dos estudantes, para que se reconheçam como sujeitos históricos. Logo, foi
apresentado no início do segundo encontro, uma proposta temática focada na cultura afro-
brasileira. Tratava-se de uma apresentação teatral que encerraria a etapa da pesquisa,
procurando estreitar as vivências deles com a de um continente extremamente rico em
cultura, tradições, e expressões artísticas diversas. Essa proposta encontrou sustentação
na Lei 10.639, de março de 2003, ao destacar no artigo 26-A “nos estabelecimentos de
ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre
História e Cultura Afro Brasileira”.
O objetivo foi voltar o nosso olhar para a África, buscando ir além de estereótipos.
A partir dessa proposta temática, foram realizados questionamentos sobre o que eles
pensavam ao ouvirem falar de “África” e a maioria das respostas trouxe,
majoritariamente, as seguintes expressões: fome e miséria. Assim, o objetivo se tornou
em ir além desses fatores que acabam por nos distanciar do olhar africano sobre a sua
própria História. Na sequência, foram realizados os exercícios teatrais (Quadro 2), como
uma proposta didática, para tornar o espaço dessa discussão mais sensível e dinâmica para
os alunos.
Exercícios Objetivos
Imitações periódicas Construir uma percepção rápida para o aluno, dos acontecimentos
que o cercam naquele determinado momento.
Quem iniciou o movimento? Exercitar a concentração coletiva e promover a observação e
análise entre eles.
Confiança em cena Construir uma relação de confiança entre os alunos presentes ali.
Quadro 2. Exercícios teatrais.
Fonte: Adaptado de Spolin (2001, p. 24).
Ao abordar os o teatro como um instrumento didático, para o ensino de História
nas escolas, é ideal ter em mente que, por meio dele, os alunos podem construir sua
autonomia para a aprendizagem, pois “o ensino e a aprendizagem Histórica ocorrem de
forma mais satisfatória quando o aluno vê significado no que aprende” (LIMA, 2018, p.
15).
Nessa perspectiva, Barca e Cainelli (2018) chamam a atenção para o conceito de
“consciência histórica”. De acordo com elas, “a forma como os indivíduos mobilizam os
conhecimentos históricos e constroem a sua consciência histórica conferem sentido à
história e a eles próprios” (BARCA; CAINELLI, 2018, p. 2). Para as autoras, é
fundamental dar esse espaço de interpretação para os alunos, levando-os a agir por meio
da imaginação, construindo contextos históricos, baseados em hipóteses sobre o passado.
Foi possível perceber que o teatro apresenta possibilidades para a ampliação da
consciência histórica dos alunos. Os exercícios teatrais (Quadro 2) se mostraram
importantes nesse processo de construção de uma aprendizagem criativa, lúdica e
coletiva. O exercício “confiança em cena” permitiu conexões e desenvolvimento de
sensibilidades entre os alunos, além de colaborar para a percepção de sua autonomia.
Durante esse momento, cada aluno recebeu um número que os identificava e,
enquanto eles ocupavam o espaço da sala, andando em círculos, foram verbalizados os
números de forma aleatória e aquele que fosse chamado tinha que se jogar ao chão, e a
responsabilidade de seus colegas era segurá-lo e não permitir que ninguém caísse.
Anteriormente, foram dadas explicações para que os mesmos não se machucassem no
decorrer do exercício, pois eles deviam se jogar ao chão, de forma lenta e com bastante
cuidado.
Machado (2004) experimentou a arte cênica como uma nova proposta didática,
através do projeto Fazendo Gênero. Ela frisou a importância da relação entre os alunos
afirmando que “os adolescentes iam reconhecendo o produto teatral como resultado do
trabalho de um grupo de pessoas” (p. 13), ou seja, observou a importância da atividade
realizada de forma coletiva, pois
[...] Na maioria das vezes, por uma série de razões, o aluno não se empenha
adequadamente ao estudo escolar. Porém, em uma dinâmica de ensaio, tendo
em vista um resultado concreto, é propiciada ao aluno a compreensão de si
como elemento importante da criação e da realização teatral. Este aluno passa
a compreender que sem seu esforço legítimo, dificilmente algo será efetivado,
alterando sua atitude em relação às suas tarefas. É estabelecido um
compromisso grupal em que cada um passa a exigir e ser exigido pelos seus
pares. (MACHADO, 2004, p. 81).
Ao final do segundo encontro, voltamos à roda inicial e novamente os alunos
falaram a primeira palavra (Figura 2) que expressasse as práticas desenvolvidas.
Figura 2. Palavras verbalizadas pelos estudantes (2o encontro).
Fonte: Dados da pesquisa (2019).
Essas palavras expressaram que foi possível fazer surgir, na sala de aula, uma
linguagem lúdica por meio de uma proposta didática inesperada pela turma. Assim como
Machado (2004, p. 16) afirma que:
[...] O artista manifesta uma forma de ver o mundo contextualizada social e
culturalmente, por isto está enraizado na sociedade em que insere. Por meio
de sua arte, traduz a maneira de viver e ver o mundo do seu grupo, expressa
seus valores, narra o vivido pela sua comunidade. Realiza um movimento
constante de construção, desconstrução e reconstrução em outras formas
simbólicas. (MACHADO, 2004, p. 131).
No terceiro encontro com os alunos, foi realizado um aquecimento, em seguida os
exercícios teatrais (Quadro 3). Foi interessante observar que os estudantes sempre
chegavam apenas no horário marcado do encontro ou até mesmo uns minutos depois, No
entanto, nesse dia, os alunos chegaram mais cedo e bastante animados para aquele
encontro. Foi notável essa mudança, mediante a expressão do interesse de cada estudante
em fazer parte daquela proposta criativa, diferente, lúdica e inesperada.
Exercícios Objetivos
Só perguntas Construir uma percepção rápida em cena.
Exercitar as habilidades de atenção e concentração
Eu mando e você é o
subordinado
Agir de forma descontraída para, posteriormente, pensar as relações de
opressão existentes na sociedade, assim como: trabalho escravo, racismo,
preconceito, dentre outras.
Cena de improviso Utilizar o inesperado para o aprendizado.
Promover uma apresentação teatral sem roteiro prévio, apenas no
improviso.
Quadro 3. Exercícios teatrais.
Fonte: Adaptado de Cia. Barbixas de Humor.
O terceiro exercício “cena de improviso” foi de fundamental importância para esta
proposta de explorar o teatro, como um instrumento pedagógico, para favorecer o
aprendizado de História. Foram entregues a eles dois cartões com um lugar escrito e, a
partir dele, teriam que desenvolver uma cena improvisada e encená-la para seus colegas.
Ao assistirem a cena, estes tinham que identificar qual o lugar em que ela acontecia. A
proposta principal foi usar como tema central a temática “racismo”.
De certo, esta temática se articula diretamente ao que tem acontecido e marcado a
história neste ano de 2020. Dois exemplos marcantes foram o de Floyd, um ex-segurança
negro de 46 anos, que morreu no fim de maio de 2020, após ter o pescoço prensado pelo
joelho de um policial branco por quase nove minutos; o segundo foi do menino de 5 anos
que morreu dia 2 de junho de 2020, após cair do 9º andar de um prédio, em Recife. Miguel
era filho de uma empregada doméstica e caiu de uma altura de 35 metros, após ser deixado
sozinho aos cuidados da patroa da mãe.
Silva (2010, p. 99) destaca a importância de refletirmos sobre “o currículo como
narrativa étnica e racial”, portanto, “constitui uma inflexão no pensamento educacional,
fruto das mudanças ocorridas em nossa sociedade devido às ações e demandas dos
movimentos sociais, dos grupos sociais e étnicos” (GOMES, 2003, p. 75). Nesse sentido,
segundo Nilma Gomes ao falar sobre Cultura Negra:
[...] Cabe ao educador e à educadora compreender como os diferentes povos,
ao longo da história, classificaram a si mesmos e aos outros, como certas
classificações foram hierarquizadas no contexto do racismo e como este
fenômeno interfere na construção da auto-estima e impede a construção de uma
escola democrática. É também tarefa do educador e da educadora entender o
conjunto de representações sobre o negro existente na sociedade e na escola, e
enfatizar as representações positivas construídas politicamente pelos
movimentos negros e pela comunidade negra. (GOMES, 2003, p. 77).
No que diz respeito ao exercício de improviso, os alunos estavam conectados a
cada apresentação, ficou evidente que eles perceberam que o objetivo era refletirem sobre
o racismo. Ao final do terceiro encontro, voltamos para a roda inicial e pedi que os alunos
que falassem apenas uma palavra (Figura 3) que resumisse para eles, de forma individual,
o que aquele momento significou.
Figura 3. Palavras verbalizadas pelos estudantes (3o encontro).
Fonte: Dados da pesquisa (2019).
Uma expressão artística, como afirmou Vygotsky, “é uma necessidade intrínseca
do ser humano” (OLIVEIRA; STOLTZ, 2010, p. 91). Por meio dela, o sujeito externaliza
emoções e sentimentos, assim, ele passa a conhecer-se e a conhecer os outros. Além disso,
cria “condições para a reflexão a respeito das próprias atitudes e possibilidades de
mudança na convivência social” (OLIVEIRA; STOLTZ, 2010, p. 91).
No quarto encontro houve um intercâmbio acerca das pesquisas que os alunos
realizaram sobre as produções artísticas do continente africano. Assim, alguns alunos
trouxeram informações sobre poemas, estilos musicais e expressões artísticas diversas
produzidas por africanos, que por meio de movimentos culturais, buscavam fortalecer
suas vivências, cultura, religião, tradição e memória. Um momento que, segundo Almeida
(2017), é indispensável para uma apresentação teatral relacionada à História, pois,
[...] O exercício de pesquisarem para o teatro, para montarem as peças,
estudarem os textos, também se torna um exercício de memória, pois os coloca
diante da questão: quem é o personagem que vou representar? Que mundo era
aquele no qual essa pessoa vivia? O que eu sei dessa pessoa? (ALMEIDA,
2017, p. 57).
Corroborando com essa visão, um aspecto importante que Oliveira e Stoltz (2010)
apresentaram sobre a perspectiva teórica de Vygotsky envolve considerar o meio que
cerca o aluno, assim como quais estímulos que lhes são atribuídos. Conforme Oliveira e
Stoltz (2010, p. 83) argumentam:
[...] A atividade criadora da imaginação está diretamente relacionada à riqueza
e diversidade das experiências vividas pelo sujeito, porque são estas que
oferecem o material para a fantasia. Experiência não necessariamente direta
com o objeto; ouvir relatos de fatos vividos por outras pessoas, descrições de
objetos vistos por outros olhos ou escutar histórias de culturas distantes são
também material rico para construir ideias. Para Vygotsky, a gênese do
pensamento generalizante está no desenvolvimento da imaginação.
Logo, o espaço escolar precisa ser um ambiente favorável às discussões sociais
que se relacionam diretamente com o nosso próprio contexto, com destaque para as
questões raciais e étnicas, pois como Gomes (2003) afirma:
[...] A construção de uma prática pedagógica que se configure como uma
resposta a essa pergunta [Quanto tempo ainda esperaremos para que a escola e
os educadores/as avaliem de forma séria e não essencializada a riqueza e a
fecundidade da cultura negra construída no Brasil, e o seu peso na formação
cultural das outras etnias?] não se limita à produção de pesquisas sobre o tema,
nem ao documento “pluralidade cultural” dos Parâmetros Curriculares
Nacionais. Na minha opinião, trabalhar com a cultura negra, na educação de
um modo geral e na escola em específico, é considerar a consciência cultural
do povo negro, ou seja, é atentar para o uso auto-reflexivo dessa cultura pelos
sujeitos. Significa compreender como as crianças, adolescentes, jovens,
adultos e velhos negros e negras constroem, vivem e reinventam suas tradições
culturais de matriz africana na vida cotidiana. (GOMES, 2003, p. 79).
Nesse aspecto, observa-se que não se trata de ser apenas uma opção abordar
questões raciais na escola, pois é, certamente, indispensável para a formação dos
estudantes, ou seja,
[...] A escola, enquanto instituição social responsável pela organização,
transmissão e socialização do conhecimento e da cultura, revela-se como um
dos espaços em que as representações negativas sobre o negro são difundidas.
E por isso mesmo ela também é um importante local onde estas podem ser
superadas. (GOMES, 2003, p. 77).
Na sequência, iniciamos a parte prática do encontro, com a repetição do exercício
“cena de improviso” (Quadro 3), realizado no encontro passado, mas com lugares
diferentes. O outro exercício (Quadro 4) foi realizado com o objetivo de criar diálogos
em uma cena improvisada, seguindo um roteiro baseado na ordem alfabética, ou seja, o
primeiro aluno começava a cena com uma frase que iniciava com a letra A e o segundo
com a letra B e assim sucessivamente. Um momento no qual os alunos foram instigados
a agir rapidamente, criando uma cena por meio de sua criatividade e imaginação.
Exercício Objetivos
Na ordem alfabética Trabalhar a concentração.
Impulsionar a criatividade e a imaginação dos estudantes.
Quadro 4. Exercícios teatrais.
Fonte: Adaptado de Spolin (2001, p. 50).
Alguns exercícios (cena de improviso e na ordem alfabética) foram realizados
com o objetivo de trazer à tona em sala de aula um comportamento criativo e inventivo
dos alunos. Segundo Oliveira e Stoltz (2010), nos processos de desenvolvimento, “a
criança passa gradativamente a utilizar mais as palavras do que as imagens, mais o
pensamento abstrato do que o pensamento concreto”. Nesse sentido é relevante que se dê
mais atenção para novos instrumentos e signos que podem ser mobilizados pelos alunos
e mediados pelo docente em sala de aula, para que estes atuem de forma criativa no seu
aprendizado, alcançando assim, conhecimentos superiores que vão além dos quais eles
estão rotineiramente acostumados. A partir de Vygotsky, Moreira (1999) ainda explica a
importância da zona de desenvolvimento proximal (ZDP) para os educandos nessa etapa,
na qual:
[...] define as funções que ainda não amadureceram, mas que estão no processo
de maturação. É uma medida do potencial de aprendizagem; representa a
região na qual o desenvolvimento cognitivo ocorre; é dinâmica, está
constantemente mudando. A interação social que provoca a aprendizagem
deve ocorrer dentro da zona de desenvolvimento proximal, mas ao mesmo
tempo, tem um papel importante na determinação dos limites dessa zona. O
limite interior é, por definição, fixado pelo nível real de desenvolvimento do
aprendiz. O superior é determinado por processos instrucionais que podem
ocorrer no brincar, no ensino informal ou formal, no trabalho. (MOREIRA,
1999, p. 116).
Oliveira e Stoltz (2010) afirmam que o teatro age exatamente na ZDP, com o foco
de colaborar para a interação e cooperação no ambiente escolar, que pode resultar em uma
percepção da criança, no que diz respeito aos seus próprios pensamentos. Um processo
que gera no estudante uma noção acerca da alteridade, dando espaço para uma discussão
sobre empatia, consequentemente empatia histórica também. Portanto, é preciso entender
que no teatro, associado à educação Histórica, representar é se colocar no lugar do outro,
assumindo a sua perspectiva sociocultural.
Ao final deste encontro, os alunos expressaram palavras (Figura 4) que refletiram
o que sentiam naquele momento após os ensaios e discussões realizadas.
Figura 4. Palavras verbalizadas pelos estudantes (4o encontro).
Fonte: Dados da pesquisa (2019).
Os alunos começaram a perceber que em cada desafio há um aprendizado. Logo,
ao utilizar o teatro, como uma abordagem criativa na sala de aula, é necessário
compreender que “a capacidade criadora está no ser, mas é preciso ensiná-lo a liberá-la”
(ALMEIDA, 2017, p.34). Assim,
[...] o desejo, a motivação e a busca constante do conhecimento contrariaram
a estagnação. Realmente, foi uma guerra na qual quem venceu foi o que move
o ser humano para a vida, a constante busca para a transformação pessoal,
política, cultural e social. Teatro é vida. Acreditamos que, através dessa
parceria, seja possível o ser humano sentir-se mais humano. Enfim, é urgente
termos a coragem de experimentar outras metodologias para o ensino-
aprendizagem. (ALMEIDA, 2017, p. 34).
Através de jogos teatrais, Almeida (2017) aborda que é possível integrar o aluno
ao grupo, gerar cooperação e coletividade e colaborar para a sensibilização motora e
sensível dos estudantes. Enfim, “o jogo permite ao ser humano experimentar e vivenciar
novas situações. É possível também desenvolver nos jovens, e não só neles, a imaginação
e a criatividade que existem dentro de cada um de nós” (ALMEIDA, 2017, p. 28).
No quinto encontro, realizamos a leitura da peça com os alunos, apenas para o
reconhecimento do roteiro inicial, trabalhando exercícios (Quadro 5) de entonação e
expressão vocal.
Exercício Objetivos
Aquecimento corporal e vocal Melhorar a entonação da voz.
Corrigir a expressão corporal em cena.
Preparar para a apresentação teatral.
Quadro 5. Exercícios teatrais.
Fonte: Adaptado de Spolin (2001, p. 4 e 31).
Em princípio, fizemos a leitura do roteiro em uma roda, sentados, sem as
marcações da cena, posteriormente trabalhamos a leitura, buscando interpretá-la na
prática, enquanto os alunos faziam uma ocupação de espaço (Figura 5). Os alunos
vivenciaram pela primeira vez o roteiro da peça. A princípio, demonstravam nervosismo,
mas logo depois eles estavam entusiasmados.
Na articulação “História e Teatro podem ser desenvolvidas as emoções, as
vivências, a coletividade, a resiliência e a alteridade, sensibilizando os envolvidos em
uma aprendizagem significativa” (ALMEIDA, 2017, p. 86). De acordo com Machado
(2017, p. 48), “Teatro é movimento. É nesse movimento constante que o processo
alienante da sociedade deve ser desvelado ao público, podendo servir não só para expor
as técnicas de sua permanência, como também as suas intencionalidades”. Para Oliveira
e Stoltz (2010), expressar por meio de atividades criativas é uma necessidade presente em
todo indivíduo, pois “[...] no teatro, desvela-se a informação da voz do autor, do corpo,
do gesto, da ação e da emoção” (p. 87).
Os demais encontros com os alunos se resumiram aos ensaios para apresentação
da peça (Quadro 6) e eles colaboraram com algumas outras ideias para enriquecê-la.
Enredo da Peça “Um outro conto sobre a África”
● A peça foi construída ao longo de três atos. Sendo a primeira parte uma introdução da proposta
temática que representada ao longo da encenação, seguida de uma interpretação teatral de um
poema africano Havemos de Voltar, de Agostinho Neto.
● A segunda parte foi baseada em uma característica que promove um teatro musicalizado, ao
inserirmos algumas partes da música Racismo é Burrice, do compositor e músico Gabriel
Pensador. Na trama da peça revela o seu núcleo, que diz respeito a intenção de ir além dos
estereótipos que são ditos sobre o continente africano e a sua História.
● A última foi um monólogo, em que a personagem tratou do racismo estrutural e de como ele
está presente na sociedade brasileira.
Quadro 6. Enredo da Peça.
Fonte: Dados da pesquisa (2019).
Cada estudante se viu envolvido com alguma parte da apresentação: trilha sonora
africana, ensaios, ideias sobre figurino, cenário e outros aspectos que compuseram toda a
apresentação. Foram momentos importantes nos quais se viram parte de todo o
aprendizado que construímos em conjunto. Eles começaram a assumir uma perspectiva
criativa, associada ao ensino de História. Um momento no qual o lúdico voltava a ganhar
espaço novamente espaço nos seus processos de aprendizagens.
De acordo com Soares Júnior (2019), essa é a principal forma de estreitar o ensino
de História aos interesses dos alunos, pois ao falar de sensibilidade, nesse componente
curricular, é possível encontrar metodologias capazes de revelar o fazer sentido que há
no ensino dos conteúdos de História, e esta é uma forma para que o aluno veja o real
sentido do seu aprendizado. O autor explica que:
[...] Fazer ‘fazer sentido’ para o nosso aluno é encontrar num currículo, muitas
vezes engessado, formas de burla, táticas diferenciadas de debate, exposição
daquilo que se pensa. É perceber que, nós professores, competimos com uma
indústria cada vez mais potente de produção de imaginação. É usar esses
recursos a nosso favor. (SOARES JÚNIOR, 2019, p. 171).
Portanto, o fazer sentido é encontrar métodos que possam ir além do básico e do
tradicional. A criatividade é capaz de expandir perspectivas, muitas vezes limitadas a uma
História processual petrificada que não interage com as experiências de vida dos alunos.
Finalmente, no dia 20 de novembro de 2019 realizamos um último ensaio antes
da peça e logo depois, no período vespertino, já começamos os preparativos para a
exibição ao público, ou seja, para os outros alunos da escola A coordenação pedagógica
da escola, juntamente com os docentes da área de Humanas, foram as responsáveis por
montar o cenário, que teve como fundo um painel (Figura 5). O critério para seleção das
imagens foi fomentar a visibilidade dos grandes personagens históricos negros e figuras
de pessoas africanas.
Figura 5. Painel confeccionado pela equipe pedagógica da escola e que serviu na
composição do cenário da peça.
Fonte: Dados da Pesquisa (2019).
A comunidade escolar foi convidada para ir à quadra para que prestigiassem o
“Dia da Consciência Negra”. O evento foi organizado pela área de Humanas da escola,
juntamente com a coordenação pedagógica, no qual houve declamação de poemas,
apresentação de capoeiras e discursos de professores sobre o racismo e questões raciais e
étnicas na escola.
Na sequência, os alunos apresentaram a peça, que durou cerca de cinco minutos.
Os estudantes se mostraram seguros e falas que foram difíceis para decorar ao longo dos
ensaios foram expressas com fluidez. O posicionamento do corpo, os gestos as expressões
faciais estavam sintonizadas com o texto que saia pela sua voz.
Enfim, a proposta temática, abordada através da apresentação teatral fez despertar
o interesse dos alunos para problematizarem alguns estereótipos sobre a cultura africana,
pois,
[...] se continuarmos a reproduzir essas leituras distorcidas, é muito provável
que o imaginário de nossas futuras gerações sobre a África, não sofra
modificações significativas. Neste caso, o papel das escolas e dos manuais
escolares e de fundamental importância. Apesar de encontrarmos leituras e
interpretações equilibradas e positivas acerca dos africanos, na legislação
escolar, em experiências nas salas de aula e em alguns dos livros didáticos, a
tendência majoritária é a reproduzir as imagens dos africanos escravizados,
brutalizados ou massacrados pela fome e conflitos, marcadas sempre pela
ausência de uma crítica ou reflexão histórica mais pontual. Se não mudarmos
os textos explicativos acerca da História da África, tal quadro dificilmente
poderá ser redesenhado, e, nosso espelho africano, continuará em pedaços.
(OLIVA, 2007, p. 18).
Ramos Júnior (2017) também se preocupou em investigar formas didáticas para
compreender a complexidade da cultura africana, bem como questões como racismo e
preconceito. Ele sugere “a) aulas menos logocêntricas e cartesianas; b) o reordenamento
do espaço da sala; c) aulas a serem realizadas com os discentes e não para os discentes,
etc.” Nesse sentido, observamos como o teatro pode ser um instrumento didático que pode
contribuir para as aulas, a fim de que os alunos possam aprender a lidar com suas
emoções, sentimentos, criatividade, interatividade etc. Assim, ao unir, criatividade,
sonhos, sensibilidade, emoções ao aprendizado histórico dos alunos, a simples leitura de
um texto pode se transformar em uma cena cheia de vida e cores para que o aluno
enriqueça a sua memória, a represente e a compreenda os desafios da sua época.
Percebemos que agir de forma criativa, através dessa articulação Artes Cênicas e
História, não depende de um espaço específico ou de recursos tecnológicos, ela se faz a
partir de ideias, com simplicidade, pois “com tão pouco, a aula de História torna-se uma
oficina de saberes e experiências” (SOARES JÚNIOR, 2019, p. 182). Dessa forma, não
podemos mais ignorar que:
[...] É preciso chamar a atenção dos professores para o fato de que sensibilidade
e experiência andam juntas, como um acordo íntimo. Não se vive o que não se
sente, e vice-versa. Nossos alunos não viveram a História, mas precisam
refletir sobre a História, passar pela experiência do imaginar, do sentir para
construir sua própria História. É preciso fazer com que os alunos vivam a
experiência de se posicionar sobre o mundo, que sirva para construir
subjetividades treinadas para ver, sentir, pensar, imaginar, para formar sujeitos
comprometidos com a sua comunidade, com os problemas de seu bairro, que
aprenda a conviver com a alteridade, com as opiniões divergentes, com
sensibilidade. É preciso fazer a História “fazer sentido”. (SOARES JÚNIOR,
2019, p. 179).
Ao final do evento fizemos novamente uma roda com os alunos, para que
pudessem falar, pela última vez, a palavra (Figura 6) que para eles pudesse resumir todos
os encontros e o que aqueles momentos significaram para eles.
Considerações Finais
Essas palavras (Figura 6), mais uma vez, trouxeram-nos a certeza de que é
possível utilizar o teatro como uma abordagem didática no ensino de História.
Figura 6. Palavras verbalizadas pelos estudantes.
Fonte: Dados da pesquisa (2019).
Elas expressaram a ideia de que, através do aluno, podemos reconhecer a sua
autonomia no desenvolvimento de seu conhecimento e que, acima de tudo, essa prática
pedagógica pode ser capaz de restaurar o interesse dos alunos nas aulas de História, assim
como esclarecer o sentido desses conteúdos curriculares para os mesmos. Em outras
palavras “[...] uma aula de História que não toca, que não acontece, que não faz sentido,
não promove a experiência, não é imaginada, não é sensível” (SOARES JÚNIOR, 2019,
p. 179).
Um aluno justificou que sua palavra seria “Eu”, porque a partir de todos os
encontros realizados, somando o teatro e o ensino de História, aqueles momentos de
reinventar o ensino; trazer à tona o lúdico; colocar em prática a imaginação criativa, foram
os únicos momentos em que ele pôde ser ele mesmo, assim como ele disse: “A minha
palavra é: ‘Eu’, porque esses foram os únicos momentos, aqui na escola, que eu pude ser
eu mesmo e me sentir bem com isso”.
Foi possível identificar que os participantes desta pesquisa ficaram satisfeitos em
possuírem um espaço no qual podiam discutir assuntos que os tocavam diretamente. Falar
sobre o racismo, através do teatro, foi uma oportunidade de expressarem os significados
e as experiências que os mesmos já vivenciaram e ainda compartilharem suas angústias e
esperanças entre si.
De certo, as práticas pedagógicas planejadas e desenvolvidas foram capazes de
instaurar o interesse dos participantes pelo aprendizado; de romper com o medo do novo
para resgatar o lúdico, o trabalho com a coletividade e a empatia. Foi possível observar
que o teatro é um caminho para a construção da responsabilidade em compreender as
relações de sua sociedade atual por meio da ação de procurar compreender o passado.
Nesse sentido, foi possível perceber o quanto a atividade teatral no ensino de
História colaborou para os próprios professores repensarem as suas aulas. Em outras
palavras, por meio desta pesquisa concluímos que ensinar da cultura e da História Áfro-
brasileira pode ser feito também através da participação ativa dos alunos e, através do
teatro, é possível entrar em contato com suas dores e alegrias, sonhos e desejos de
construção de uma sociedade mais justa e sem preconceitos de classe e de raça.
Referências
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metodológicas. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Goiás,
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SPOLIN, Viola. O fichário de Viola Spolin. São Paulo: Perspectiva, 2001.