Ensaio sobre o Movimento Cívico-Militar ocorrido em 31 de março de 1964, no Brasil -

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Ensaios

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rEflExõEs

Movimento cívico-militar

de 31 de março de 1964

Organização de Araken Hipolito da Costa

Editora Revista AeronáuticaRio de Janeiro

2014

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PrEÂMBUlO

ENsAIOs sOBrE O PENsAMENTO BrAsIlEIrO

A grande questão do pensamento brasileiro é querer saber quem é o “Ser Nacional” e que “Nação” é esta.

Sem sombra de dúvida, é possível dizer que o pen-samento brasileiro nasceu, propriamente, no século XVIII, com as ideias de Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), o Marquês de Pombal, que pretendeu efetivar uma ruptura radical com a tradição da cultura portuguesa, em que procurava transformar o chama-do “Saber da Salvação”, no ensino da Universidade de Coimbra, em um saber, de fato, científico. Estes primeiros parâmetros, somados à intenção de formar um Império além-mar, com a língua portuguesa e instituições ju-rídicas, acabaram por orientar o desenvolvimento das instruções estratégicas do “Novo Mundo”.

Outro aspecto relevante, a ser destacado, foi o en-contro das culturas em novo território. Chegando nestas terras, o conquistador português já encontrou os indíge-

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nas, incorporando ao território, logo depois, o trabalho escravo do negro africano. As peculiaridades de cada uma dessas etnias, somadas, gerou uma verdadeira “miscigenação cultural”, que hoje perfaz concretamente a nossa cultura.

Além dessa experiência singular e bela da miscige-nação, dois fatores muito importantes alicerçaram as bases da nascente civilização: primeiramente foi a de-terminação de se manter um território indiviso e depois foi a necessidade de se preservar a unidade da língua trazida pelo colonizador.

Quanto à formação do homem brasileiro, constatamos que os homens portugueses chegaram ao Brasil, prati-camente, desacompanhados, e os escravos, sendo, em média, de três homens para uma mulher. A miscigenação dessas raças com as mulheres indígenas resultou em um povo com sistema imunológico mais resistente. Assim, o nosso país teve um significativo aumento demográ-fico, sendo o “útero indígena” a grande mãe da nação brasileira. Embora exista considerável volume de obras sobre o processo de formação histórica da nacionalidade brasileira, esses estudos não nos esclarecem totalmente. Indicam que a consciência clara do “Ser Brasileiro” surgiu na terceira geração aqui nascida.

A formação do Brasil e, consequentemente, a do brasileiro, sofreu influências do autoritarismo político e intelectual português, notadamente na criação do Estado, aliás, como demonstrou o fato histórico da Independência, quando nos tornamos Império antes de nos tornarmos nação. Este autoritarismo criou o Estado Forte, que permanece até os dias atuais, oscilando entre governos condutores e governos populistas e mantendo--se no poder, uns pela força e, outros, por políticas ques-tionáveis. Esta situação é agravada por não existir uma

Filosofia Política Nacional, a fim de ordenar o Estado. O Estado interfere como indutor da economia como modelo corporativista – nem liberal nem coletivista – dificultando a força empresarial desde os primórdios, como o ocorrido com o Visconde de Mauá.

O processo de formação do Estado Moderno foi ca-racterizado pela unidade territorial, unidade das Forças Armadas, unidade de soberania e unidade de governo. Paralelamente, aconteceu a adoção das línguas nacionais na produção nacional.

O Estado Português se organizou ao longo do processo de expulsão dos mouros e de afirmação da independência em relação à Castela, processo iniciado por D. Afonso Henriques, em 1128, e que está virtualmente concluído com a ascensão ao trono da Casa de Avis, em 1385.

Outro aspecto fundamental na formação do Estado Moderno foi o nascimento das filosofias nacionais, não em oposição à filosofia universal, mas como reflexões e investigações suscitadas por problemas filosóficos que marcaram as distintas traduções nacionais.

Podemos demonstrar, como exemplos: a racionalidade de René Descartes (1596-1650) o qual colocou a razão humana como a instância legítima da verdade. Sua filoso-fia lançou as bases para a construção da nação francesa.

Por outro lado, o empirismo de John Locke (1632-1704), além de realçar a importância da experiência na elaboração do conhecimento humano, alicerçou o libera-lismo e a construção cultural da nação inglesa.

O Criticismo de Kant (1724-1804) representou um esforço em avaliar os alcances da razão humana, pro-pondo que o problema central de toda crítica é o juízo. A revolução copernicana de Kant trouxe os arcabouços para a formação política da Alemanha.

Já o pragmatismo de William James (1842-1919)

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conferiu um papel determinante à ação e à prática na definição da verdade, que é a expressão fiel do modo de pensar e agir do povo americano.

No Brasil, a partir da Escola de Recife (Séc. XIX), em Pernambuco, iniciou-se, com Tobias Barreto, uma corrente filosófica nitidamente brasileira, o “culturalis-mo”. Tobias Barreto afirmou que é pela cultura que o homem vai se diferenciar dos demais entes naturais. Destacou-se, portanto, da natureza com esta faculdade que lhe é própria e, a partir daí, observou o mundo e procurou dar-lhe sentido, desenvolvendo sempre as for-mas do conhecimento que brotam e evoluem ao longo da história. Esta corrente sugeriu que o homem, através das potencialidades da cultura, viabilizasse a necessá-ria integração com o mundo científico. Tal pensamento permeou a construção do pensamento brasileiro, unindo matrizes do positivismo, do liberalismo e do idealismo Kantiano ao âmbito da moralidade, alicerçada, por sua vez, a partir de fundamentos oriundos do cristianismo. Dessa inter-relação de correntes nasceu o Pensamento Filosófico Brasileiro.

A formação do Estado Moderno exigiu a unidade das Forças Armadas. No Brasil, a Marinha nasceu com a che-gada da corte de D. João VI, em 1808. Com a criação da Real Academia Militar, em 1810, nasceu o Exército. O currículo de modelo pombalino é meramente profissional de cunho científico, não contemplando nenhuma abertura para temas filosóficos ou ético-políticos, destinando-se à formação de engenheiros e de oficiais do Exército.

Após a Guerra do Paraguai (1865-1870) surgiu um novo Exército e uma nova Marinha, que somados ao po-sitivismo inoculado na Escola Militar da Praia Vermelha, pelas mãos de Benjamim Constant, compõem o pensa-mento militar brasileiro.

Augusto Comte (1798-1857) embriagado com o de-senvolvimento da ciência, da tecnologia e da indústria daquela época, desenvolveu o positivismo, primado na ciência e no entusiasmo que a ordem na sociedade pro-moveria o progresso. No positivismo de Comte, a filosofia é uma espécie de guardiã das ciências, tirando o seu aspecto crítico e metafísico. Desta forma, o Pensamento Militar Brasileiro, apoiado no positivismo, idealizou a doutrina da Escola Superior de Guerra (ESG) e planejou o desenvolvimento, a segurança e a integração do terri-tório brasileiro e, ao mesmo tempo, o planejamento das condições do desenvolvimento tecnológico brasileiro.

Outro segmento vital para se entender o Pensamento Brasileiro é encontrado nas artes, que é uma manifesta-ção do espírito, em que se insere a cultura popular bra-sileira, a qual traduz a sensibilidade da alma nacional. A cultura popular é aquela que sofre menos a influência do mundo globalizado, por isto, a sua valorização é um po-deroso instrumento de afirmação da identidade nacional. A nossa cultura popular, fortemente inspirada no folclore, é de base essencialmente lusitana, embora o indígena e o negro, evidentemente, tenham dosado essa formação, contribuindo com seus rituais, seus cantos, suas músicas e suas danças e, atualmente, é intensamente mestiçado. A cara do Brasil de hoje é dotada de múltiplas facetas culturais, entre outras, da alegria negra do samba, do sentimento de liberdade e de vida comunitária dos ritmos e danças indígenas, a da nostalgia portuguesa do Fado.

A literatura brasileira é um manancial de informações sobre o “Ser Nacional”, da formação da sociedade, das suas manifestações culturais, da manutenção e divulga-ção da língua pátria e partícipe da identidade nacional. Destacamos: José de Alencar (1829-1877), sobre o índio; Euclides de Cunha (1866-1909), a psicologia do sertanejo

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e dos costumes; Câmara Cascudo (1898-1986), folclore e etnografia; Gilberto Freyre (1900-1987), formação do brasileiro e Sérgio Buarque de Holanda, Darcy Ribeiro, dentre outros, com suas visões de Brasil.

Ponto marcante para a nossa literatura foi a criação da Academia Brasileira de Letras (ABL), em 1896, e a figura ímpar de Machado de Assis (1839-1908), com um extraordinário legado à nossa brasilidade. Um exemplar desta intenção é seu artigo “Instinto de Nacionalidade”.

Desdobramentos da nossa literatura são encontrados na Semana de Arte Moderna, idealizada pela elite inte-lectual e artística paulista, em 1922, 100 anos depois da Independência. Questionava a identidade nacional do ser brasileiro e, também, procurava desligar-se das influências artísticas europeias, especialmente a fran-cesa, na tentativa de encontrar as raízes nacionais. No pensamento antropofágico de Oswald de Andrade brinca-se que todos aqueles que desembarcassem no Porto de Santos, no litoral de São Paulo, necessitariam da vacina antropofágica, transformando-se e adotando os sentimentos da brasilidade.

Embora a pintura portuguesa não representasse uma tradição pictórica em termos absolutos, como a espa-nhola e a francesa, na Semana de Arte Moderna surgiu a obra Abaporu, de Tarsila do Amaral. Posteriormente a construção do MASP, em 1947, as bienais, a partir de 1950, a explosão dos modernistas a Hélio Oiticica, pro-piciou, hoje, o reconhecimento internacional da estética brasileira.

No mundo das imagens, como as artes plásticas, o cinema nacional iniciou-se com a fundação no Rio de Janeiro, em 1941, da Atlântida Filmes, apresentando as chanchadas, de gosto popular e com o cunho nitidamen-te brasileiro. Em São Paulo, no ano de 1950, surgiu a

Companhia Cinematográfica Vera Cruz, o qual foi produ-zido o filme “O Cangaceiro”, em 1953, com diálogos de Rachel de Queiroz, premiado no Festival Internacional de Cannes. Em 1969, Joaquim Pedro de Andrade levou para a tela o personagem Macunaíma, de Mário de Andrade. E, logo a seguir, apareceu o Cinema Novo em que Glauber Rocha despontou.

A Arquitetura anterior das casas portuguesas, aque-dutos, passando pelas esplendorosas igrejas barrocas, chegou à modernidade brasileira com a construção de Brasília.

Nessa mesma Semana de Arte Moderna, a música de Carlos Gomes e Villa-Lobos encarnou o espírito brasileiro e se projetou no campo internacional. A riqueza musical transpirou as alegrias e tristezas do nosso povo por meio de representantes de uma legião de compositores, tais como: Noel Rosa, Pixinguinha, Luiz Gonzaga, Ernesto Nazaré, Tom Jobim e tantos outros, manifestando-se no choro, no frevo, no forró, no samba, na bossa nova e no tropicalismo.

O terceiro segmento formador do pensamento brasi-leiro foi o religioso. A nossa catequese foi com os jesuítas. O catolicismo firmou-se e tornou o Brasil o maior país católico do mundo. Temos uma característica devocional da nossa fé que produz multidões nas peregrinações a Aparecida, em São Paulo; a Juazeiro, no Ceará, para vi-sitar o monumento ao Padre Cícero, e o Círio de Nazaré, em Belém do Pará.

A filosofia social no Brasil norteia-se pela busca do bem comum dos cidadãos, alicerçados pela orientação da filosofia tomista. Os valores nacionais fundamentam-se na ética cristã e nos valores absolutos do cristianismo como verdade, bondade, justiça, sabedoria e amor, os quais estão na base da ação prática de nosso povo e do

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O pensamento nacional é, em suma, erigido pelo seu valor universal. Nisto reside sua força e presença junto aos outros povos. Assim sendo, a alma cordial de nosso povo tem sido, no transcurso do tempo, um exemplo de diplomacia, tolerância e entendimento para todas as culturas, os credos e os povos. O Brasil nasceu de um projeto português de universalidade de viver em paz com todos os povos.

Um padrão de instituição brasileira capaz de mostrar a maneira de ser de um povo cordial foi o Itamaraty. Barão do Rio Branco (1845-1912), exemplo da nossa diplomacia, com seu profissionalismo apolítico e sua con-vivência pacífica entre nações, deixou um legado como ensinamento, conceitos, exemplos, princípios e valores.

Assim, estudar o pensamento brasileiro nos permite tomar consciência, gradativamente, do que é, de fato, “ser brasileiro”, além de nos estimular a preservar a cul-tura e os valores nacionais, partes singulares da nossa brasilidade, daquilo que nos constitui como nação e, sobretudo, a necessidade de elaborar o entendimento de que a nação deve prevalecer sobre o Estado. Mas, ainda há muitos mistérios a serem desvendados no carimbó, no bumba meu boi e no samba deste povo que dança e é feliz na Terra de Santa Cruz.

Araken Hipólito da Costa – Cel AvDiretor do Departamento Cultural

do Clube de Aeronáutica

desejo que temos de uma nação mais justa e mais ple-namente cristã. Tais valores repudiam, em sua essência, todas as formas de materialismo e totalitarismo, típicas de regiões fascistas e comunistas.

Como anjos anunciadores, a Comunicação Nacional consolidou a língua portuguesa, moldou a unidade na-cional e, sobretudo, tornou pública a alma nacional. O primeiro jornal brasileiro, criado em 1808, foi o “Correio Braziliense”, de Hipólito da Costa, editado em Londres, sendo o “Jornal do Commércio”, de 1827, o mais antigo em circulação.

Embora Roquete Pinto seja o pioneiro da radiodifusão, em 1936, foi a Rádio Nacional que se firmou como o maior veículo de comunicação até os anos 1960.

Em 1950, Chateaubriand criou a TV Tupi. Mas, a partir de 1965, a TV Globo, de Roberto Marinho, aproveitou a linguagem estética das artes plásticas, do cinema e da ópera brasileira. O carnaval e as danças do nosso folclore, somados ao conteúdo do rádio, transformou-o em um veículo nacional, impondo uma forma de pensar, através de suas novelas, seu jornalismo etc. Recentemente, a TV Globo ampliou sua área de atuação, levando a língua portuguesa a mais de 280 milhões de pessoas.

Nos estudos realizados pelo Grupo de Estudos, obser-vamos que o homem é um Ser Cultural na visão ética; vimos que é livre na visão ontológica e que é espírito e a imagem de Deus. Analisando a trajetória do Ser Brasileiro, mostrou-se a superação dos conflitos nos momentos cruciais da nossa história. Essa superação de-lineou, também, a formação do espírito do brasileiro tão bem sintetizado por Ribeiro Couto (1898-1963), membro da Academia Brasileira de Letras, como sendo o espírito do “homem cordial”. Do homem cordial há uma projeção para o círculo familiar e o Estado.

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PENsAMENTO BrAsIlEIrO

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AGrADECIMENTOs

Ao Ten Brig Ar Ivan Moacyr da Frota, Presidente do Clube de Aeronáutica, ao Maj Brig Ar Márcio Callafange, 1º Vice-Presidente e o Cel Av Luis Mauro Ferreira Gomes, 2º Vice-Presidente pelo estímulo aos trabalhos do Grupo de Estudo e a realização deste Ensaio.

Ilustração e Capa Araken Hipolito da Costa

Coordenação Editorial Araken Hipolito da Costa

Programação VisualRosana Guter

RevisãoMárcia Helena Mendes dos Santos

Produção GráficaLuiz Ludgerio Pereira da Silva

ImpressãoColorset Indústria Gráfica Ltda.

Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica

R332 Reflexão:movimentocívico-militarde31demarçode1964. OrganizadoporArakenHipólitodaCosta.RiodeJaneiro:Editora RevistaAeronáutica,2014.(sérieensaios;11).160p.

1.FilosofiaPolítica–Ensaios.2.CiênciaPolítica-EnsaiosI.Título. II.Série.

CDU130.2(81)

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Araken Hipolito da Costa - Cel AvDiretor do Departamento Cultural

APrEsENTAÇÃO

Este ensaio revela as ideias e fatos do movimento cívico-militar de 1964, comemorando 50 anos da vitória sobre a tentativa de impor à Nação brasileira um governo comunista.

Foram escolhidos quatro estudiosos para produzir este ensaio, com conhecimento da Fonte primária e, sobretudo, com liberdade de expressão, a fim de traduzir com fidelidade os acontecimentos de 64:

Soreano Neto, historiador com larga experiência no ensi-no e na elaboração de livros, traz uma cronologia didática e sintética acrescida dos aspectos jurídicos inerentes aos atos.

Cambeses, um geopolítico de representação nacional, conduz uma análise usando a metodologia da Escola Superior de Guerra, proporcionando uma visão comparativa das di-versas expressões do Poder Nacional.

Ricardo Velez, um filósofo com repercussão nos estudos do Pensamento Brasileiro, aborda a questão de cientificismo brasileiro, mostrando a herança pombalina, um reflexo do Estado autoritário, até os dias atuais.

Francisco Martins, filósofo e querido mentor das pesqui-sas do Pensamento Brasileiro no Clube de Aeronáutica, alerta que a falta de uma Filosofia Política leva a improvisações nefastas à Nação.

Creio no valor deste ensaio por reconstruir este período marcante da História do Brasil, com objetividade e lucidez, proporcionando uma reflexão sobre a importância da pre-valência da Nação sobre o Estado.

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sUMÁrIO

Cronologia e aspectos jurídicos ................................. 23

Manoel Soriano Neto

Análise sobre a ótica do Poder Nacional ..................... 49

Manuel Cambeses Júnior

Cientificismo Brasileiro ...........................................103

Ricardo Vélez Rodríguez

Filosofia Política .....................................................135

Francisco Martins de Souza

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REFLEXÕES MoviMEnto cívico-MiLitaR dE 31 dE MaRço dE 1964

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O MOvIMENTO CívICO-MIlITAr DE 31 DE MArÇO DE 1964

Manoel Soriano Neto

Considerações PreliminaresMuito já se disse e escreveu acerca do memorável

Movimento Cívico-Militar de 31 de março de 1964, tam-bém chamado de Revolução ou Contrarrevolução. Hoje, em face de a atual conjuntura política, este importante capítulo da História-Pátria é propositadamente omitido, deturpado e/ou interpretado sob um viés revanchista e ideológico. Urge, pois, que a verdade seja exposta e restabelecida, máxime para a juventude, que vem sendo vítima de uma atoarda constante de desinformação e propaganda, encetada pelos perdedores de 50 anos atrás.

Assim, pretendemos trazer à apreciação dos que-ridos leitores, de forma despretensiosa e abrangente, sempre imbricada com a fidelidade histórica, enfoques relativos aos acontecimentos ocorridos naqueles idos de 1964. Acreditamos, piamente, que “História é Verdade e Justiça!”.

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REFLEXÕES MoviMEnto cívico-MiLitaR dE 31 dE MaRço dE 1964

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em 27 de novembro, junto ao monumento erguido na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, as Forças Armadas rendem um comovente preito de homenagem aos heróis-mártires da barbárie comunista, que, daquela época aos dias atu-ais, foi sempre repudiada pelos militares brasileiros, sendo certo que “esquecer, também é trair”. Diga-se que, durante anos, tal cerimônia contou com a presença do presidente da República, o que não mais acontece, lastimavelmente, sendo também hoje proibidas as solenidades alusivas nas Organizações Militares, o que é mais lamentável ainda. Recomendamos, por ser a melhor fonte histórica sobre o assunto, a nosso sentir, a leitura das edições históricas do “Jornal Inconfidência”, de Belo Horizonte, intimorato periódico que há anos vem abordando com profundidade e riqueza de detalhes esta página triste de nossa História que bem pode ser sintetizada em duas palavras apenas: traição e covardia.

3) No ano de 1937, o presidente Getúlio Vargas im-plantou o “Estado Novo”. Duas ideologias antípodas se digladiavam acerbamente: o comunismo e o integralismo. As Forças Armadas foram infiltradas por profitentes das ditas ideologias. A paz social apresentava-se muito abalada e uma das razões da implantação da Nova Ordem foi o restabeleci-mento da lei e da ordem.

4) Em 1945, os militares de-puseram o presidente Vargas e foram realizadas eleições gerais, tendo sido eleito presidente o General Eurico Gaspar Dutra; o Partido Comunista elegeu di-versos candidatos, inclusive Luiz Carlos Prestes para senador.

General Eurico Gaspar Dutra

Recorrência HistóricaMister se faz, antes de abordarmos fatos relativos ao

Movimento, que façamos um retrospecto de seus antece-dentes de cunho histórico-político-ideológico, aí incluídas as causas remotas e recentes, a fim de que bem se compre-enda como se passaram alguns episódios que desejamos narrar.

Inicialmente, eis uma incompleta e muito sumária cro-nologia de aspectos (pródromos) antecessores do 31 de março de 1964 que julgamos relevantes:

1) No Brasil, em 1922, foi criada a “Seção Brasileira da Internacional Comunista”, chamada de Partido Comunista do Brasil. Anote-se que havia uma cláusula no programa deste novel Partido, subordinando-o ao Partido Comunista da União Soviética (PCUS), a quem devia obediência insti-tucional tanto que dele era uma Seção, sendo as diretrizes emitidas por Moscou fielmente cumpridas. O proselitismo desenvolvido pelos comunistas era intenso e constante, inclusive nas Forças Armadas, o que deveras alarmava o governo.

2) Em final de novembro 1935, a Intentona Comunista eclodiu em Natal, Recife e Rio de Janeiro. O seu principal mentor foi o ex-Capitão do Exército, Luiz Carlos Prestes, que cumpriu ordens recebi-das da Rússia. O termo “intentona” quer dizer “intento diabólico, louco”, o que de fato foi, eis que militares fardados, coturnos calçados, em pleno cumprimento do dever legal, foram chacinados à socapa por companheiros de farda – facínoras crapulosos – de forma cruelmente traiçoeira e covarde. Todos os anos, Luiz Carlos Prestes

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Goulart, contando com o apoio do Comandante do III Exército, General Machado Lopes. O regi-me parlamentarista foi a solução encontrada para se evitar uma guerra civil.

9) Em janeiro de 1963, reali-zado um plebiscito, João Goulart assumiu, plenamente, os po-deres presidenciais. Iniciou-se

um período de intensa instabilidade político-social; de inflação galopante; de agitações populares no campo, nas cidades, nos meios estudantil, político, sindical e militar; de infiltração comunista em todas as expres-sões do Poder Nacional, inclusive na Igreja, nas Forças Armadas e no meio estudantil; de luta pela implantação de uma “República Sindicalista”, com todo o poder para os sindicatos; de criação de milícias ou grupos paramilitares, como as “Ligas Camponesas”, no Nordeste, e os “Grupos dos Onze Companheiros”, no Sul do país; de constan-tes e programadas greves de cunho político-ideológico, com agressivos piquetes nas entradas das fábricas e empresas; de incitamento à convulsão social, promovido por poderosas organizações como o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), o Pacto de Unidade e Ação (PUA), a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI) e outras, como alertou à nação o General Pery Bevilácqua; de tentativas, por vezes coroadas de êxito, de quebra da disciplina e da hierarquia nas Forças Armadas – o que era até incentivado pelo próprio presidente da República, como evidenciaremos adiante etc. Diga-se que o estado de caos daquela época teve o total repúdio da imprensa, do clero, de grande parte do Congresso Nacional, da imensa maioria da população ordeira e

5) No ano de 1947, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou o registro do Partido Comunista do Brasil (era esta a denominação; o Partido Comunista Brasileiro, com a sigla PCB, só fora instituído em 1960), em face de a já citada cláusula que o vinculava ao Partido Comunista da União Soviética e, também, pela série de badernas por ele pro-movidas em todo o País.

6) Fidel Castro assumiu o poder em Cuba no ano de 1959.

7) Em 31 de janeiro de 1961, tomou posse na presi-dência da República o candidato da União Democrática Nacional (UDN), Jânio da Silva Quadros, que venceu por larga margem de votos o candidato do Partido Social Democrático (PSD), General Teixeira Lott. Mas, Jânio frustrou os seus eleitores da conservadora UDN ao em-palmar teses esquerdistas, chegando a condecorar, em 19 de agosto de 1961, com a mais alta comenda nacional (a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul) o san-guinário guerrilheiro Ernesto “Che” Guevara. Também ele se voltou à prática de atos menores e mesquinhos, como a proibição de corridas de cavalo, brigas de galo, uso de biquínis nas praias etc.

8) No dia 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros re-nunciou ao seu mandato, surpreendendo toda a nação. Tal atitude ocasionou uma grave crise político-militar, posto que os ministros militares, almirante Sílvio Heck, General Odylio Denys e Brigadeiro Grum Moss eram

contrários à posse do Vice-Presidente João Goulart, que visitava, oficialmente, a China comunista. Houve, então, uma séria e indesejável cisão nas Forças Armadas, devida à reação do governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, que criou a “Rede da Legalidade” a favor da posse de

General Odylio Denys

Leonel Brizola

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laboriosa e das Forças Armadas – à exceção de uma minoria minimante atrelada ao débil “dispositivo mili-tar”, montado pelo chefe da Casa Militar da Presidência, General Assis Brasil (diga-se que este militar, após a consolidação do movimento revolucionário, foi o mais severamente punido dentre os oficiais-generais, eis que expulso do Exército e não expurgado da Instituição para a inatividade ex officio, como outros das três Armas, contrários à Nova Ordem).

Aqui, façamos um alentado parêntese, conexo ao tema: muito se condena, hodiernamente, o “golpe militar da direita com o apoio dos Estados Unidos”. Entretanto, os pregoeiros dessas teses, falsas e canhestras, recusam-se a contextua-lizar os fatos; a relembrar a REAÇÃO do povo ao estado de anarquia então vigente e das históricas “Marchas da Família, com Deus, pela Liberdade”. Esquecem-se da ojeriza ao governo central, da parte dos governadores dos principias estados da Federação, de grande parcela do Congresso, da imprensa, da Igreja etc.; negam-se a rever o que foi farta e amplamente publicado na grande imprensa daquela época; a pesquisar os relatórios das Organizações Militares que foram

protagonistas das ações para a derrubada do governicho de então; a ler, em bons livros e revistas, os historiadores isentos e não contaminados ideologicamente; a inquirir os de ilibada honestidade intelectual, que viveram a hostil con-juntura em comento e podem, com conhecimento de causa, analisá-la com imparcialidade, tudo levando à comprovação da INEVITABILIDADE da Contrarrevolução (ao depois, ex-plicaremos esta expressão) de 1964, igualmente apodada, com muita propriedade, de “Revolução Redentora!” Todo bom historiador acredita nas leis constantes e invariáveis da História, como as do horologium historiae ou pendulum historiae (relógio ou pêndulo da História). Ora, em vista da situação caótica dos anos anteriores e de 1964, a revolta da população brasileira e de suas Forças Armadas não poderia ser outra e era nitidamente previsível e inexorável, como inexorável foi o igualmente acontecido em inúmeros outros países que passaram por semelhantes situações, ao longo dos tempos. Historiadores norte-americanos dizem que “em História, não há ifs and buts. Mas, existem muitos, hoje, que desejam a releitura ou a mudança, a seu talante, de forma amadorista, inconsequente e irresponsável das milenares e imutáveis balizas da História, a “Mestra da Vida”. É muita presunção desses neo-escrevedores de estórias...

Ainda no bojo desta sintética cronologia, passemos à apresentação das principais causas, remotas e recentes, a nosso entender, que levaram à eclosão do Movimento:

1) Causas Remotas (Mediatas):A criação, em 1922, do Partido Comunista do Brasil, em

especial pela ação de proselitismo fortemente desencadea-da em todo o Brasil, com sérios reflexos para a paz social.

A Intentona Comunista de 1935, já abordada anterior-mente. Não consideramos o “tenentismo”, como querem muitos, uma das causas remotas da Contrarrevolução, apesar de o acendrado patriotismo e acrisolado idealismo

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(“a regeneração da Pátria”) de jovens e valorosos oficiais como Juarez Távora, Cordeiro de Farias, Eduardo Gomes e outros que participaram ativamente das ações em 1964. É que houve uma ofensa contundente à disciplina, à hierar-quia e à autoridade, quando vitoriosa a Revolução de 1930, ocasião em que os “Tenentes” passaram a chefiar superiores hierárquicos por conta das funções que exerciam, mormen-te, as de Interventores em vários estados. Um dos objetivos da Revolução de 1964 era, em especial, a restauração dos mencionados princípios, fortemente violentados...

2) Causas Recentes (Imediatas), dentre outras:a) A renúncia de Jânio Quadros, em 1961, já apreciada.b) A fundação, em maio de 1962, da Associação dos

Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB), de cariz esquerdista, à revelia dos regulamentos militares, embrião de um nocivo “sindicalismo ou associativismo militar”, assaz pernicioso, no seio das instituições militares.

c) A Revolta dos Sargentos em Brasília. Tal bernarda ocorreu em 12 de setembro de 1963, na Capital Federal, deflagrada por suboficiais e sargentos da Marinha e da Aeronáutica e motivada por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou ilegal a elegibili-dade das Praças. Os sublevados ocuparam as instalações do ministério da Marinha e de outras instituições federais, além de fazerem prisioneiro um ministro do STF. Diga-se que, estranhamente, naquele dia, o presidente da República ausentara-se de Brasília só regressando depois que o Exército debelou a rebelião.

d) O monumental comício de 13 de março de 1964, realizado na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, com a presença do presidente da República, de vários ministros (inclusive o da Guerra) e de gradas autoridades. O pre-sidente prometeu implementar as reformas “na lei ou na marra” e foram pronunciados diversos e incendiários discur-

sos que pregavam a desobediência civil, a luta de classes, a encampação das refinarias, a revisão da Constituição, a subversão em todas as expressões do Poder Nacional etc. A massa humana vociferava agressivas palavras de ordem e portava bandeiras vermelhas do Partido Comunista, faixas e cartazes insultuosos aos “gorilas” e ao governador da Guanabara, Carlos Lacerda.

e) A Circular Reservada do Chefe do Estado-Maior do Exército (EME), General-de-Exército Humberto de Alencar Castello Branco, datada de 20 de março de 1964. Nessa Circular, o chefe do EME prevenia seus subordinados para o acelerado processo de instauração de uma “Constituinte como caminho para a consecução das reformas de base e o desenvolvimento em maior escala de agitações genera-lizadas do ilegal poder do CGT”. Advertia que “As Forças Armadas são invocadas em apoio a tais propósitos”. E, adiante: “A ambicionada Constituinte é um objetivo revolu-cionário pela violência com o fechamento do atual Congresso e a instituição de uma ditadura. A insurreição é um recurso legítimo de um povo”. E mais à frente: “Entraram as Forças Armadas numa revolução para entregar o Brasil a um grupo que quer dominá-lo para mandar e desmandar e mesmo para gozar o poder? Para garantir a plenitude do grupamento pseudo-sindical, cuja cúpula vive na agitação subversiva cada vez mais onerosa aos cofres públicos? Para talvez submeter a nação ao comunismo de Moscou? Isto, sim, é que seria antipátria, antinação e antipovo”.

Como se observa, o General Castello Branco já vis-lumbrava uma iminente revolução comuno-sindicalista no país. Destarte, são muito coerentes e apropriadas as afirmações, de competentes exegetas, de que a Revolução de 31 de março foi, na realidade, um con-tragolpe, uma Contrarrevolução, vale dizer, uma revo-lução oposta a outra revolução, de cunho ideológico e

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reserva aos seus irmãos de armas, de título “Sentinelas Alertas”, em que os signatários alertavam a nação e as Forças Armadas quanto às ações ilegais do presidente da República, que extrapolava os “limites da lei” (esta expressão era da Constituição de 1946, como comenta-remos adiante), e estimulava a luta de classes, a cizânia e a inversão de valores no meio militar.

g) O Motim dos Marinheiros. Em 25 de março de 1964, cerca de 1.400 sócios da já mencionada e ile-gal Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB) amotinaram-se na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, no Rio de Janeiro, gritando palavras de ordem e dando vivas a João Goulart e ao Almirante Aragão (Comandante do Corpo de Fuzileiros Navais). Os insurretos exigiam o reconhecimento da espúria AMFNB e a anulação das punições impostas aos seus membros; a imediata substituição do ministro da Marinha; a modi-ficação dos regulamentos militares; a elegibilidade das praças; o aumento dos vencimentos etc.

O ministro da Marinha determinou, em 26 de março, que um contingente de Fuzileiros Navais cercasse e prendesse os sublevados. Tal tropa se insubordinou, abandonou as armas em plena via pública e aderiu aos revoltosos. O ministro se demitiu e foi nomeado para o ministério, o Almirante da reserva Paulo Mário, militar sabidamente esquerdista.

No dia 27 de março, a marujada passou a comemo-rar as vitórias obtidas, deixou o Sindicato em ruidosa e vexatória passeata, com uniformes em desalinho e adul-terados, bradando violentos “slogans” e carregando nos braços o debochado Almirante Aragão, ele fardado. Em consequência dessa gravíssima perturbação da ordem, com a quebra da disciplina e da hierarquia, o Exército recebeu ordens de cercar e prender os insurretos.

sectário que estava em avançado andamento cujo objetivo maior era a bolchevização do Brasil. Aduza-se, por ilustração, que o termo “Revolução” foi cunhado pelo famoso jurista Francisco Campos. Isso era necessário, juridicamente, para a caracte-rização do vitorioso Movimento como de natureza revolucionária

(implantação de uma Nova Ordem), tendo em vista o imprescindível respaldo jurídico para a investidura no exercício do Poder Constitucional. Francisco Campos foi o principal redator do Ato Institucional n° 1, e, neste do-cumento de nossa História Política usou o citado termo, no preâmbulo do Ato, ipsis litteris: “Fica, assim, bem claro que a revolução não procura legitimar-se através do Congresso. Este é que recebe deste Ato Institucional, resultante do exercício do Poder Constituinte, inerente a todas as revoluções, a sua legitimação”. Sob tais funda-mentos, o Comando Supremo da Revolução manteve a Constituição Federal de 1946, com algumas modificações, e o Congresso Nacional. Eis, portanto, o principal moti-vo por que o “Movimento Civil e Militar”, para usarmos expressão insculpida no referido AI-1, é considerado uma “Revolução”. Ainda a respeito do assunto, o emi-nente Coronel Jarbas Passarinho em magistral artigo de título “A História Revisada” no “Correio Braziliense”, de 3 de abril de 2001, afirma: “O 31 de março foi uma contrarrevolução, maciçamente apoiada pela socie-dade civil, imprensa à testa, o Congresso por sua ampla maioria, a Igreja igualmente”.

f) O Manifesto “Sentinelas Alertas”. Em 22 de março de 1964, a imprensa publicou um Manifesto de 72 generais da

Francisco Campos

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abertamente o Manifesto que obteve grande repercussão nacional, no Congresso e nas duas outras Forças.

j) As “Marchas da Família com Deus pela Liberdade”. Estas foram manifestações espontâneas, ocorridas nas prin-cipais capitais do país. Era o povo nas ruas, aos milhares (em especial as mulheres, portando terços, imagens de santos, velas, faixas, cartazes etc.), num protesto cristão e democrático contra o que se passava no Brasil do início dos anos 1960. Tais marchas, de fortíssimo apelo emocional, muito influíram para o desencadeamento da Revolução.

k) A reunião no Automóvel Clube. Na noite de 30 de março de 1964, realizou-se uma megarreunião, com a presença do presidente da República, no Automóvel Clube do Rio de Janeiro. O evento congregou cerca de 2.000 militares (a maioria praças) das Forças Armadas e Polícias Militares de vários estados, da qual participou, para gáu-dio dos presentes, o famigerado Almirante Aragão. Como ocorrera no comício da Central do Brasil, vários oradores usaram da palavra, inclusive o presidente da República. Maus brasileiros proferiram discursos inflamados, pre-nhes de invectivas contra a democracia, incentivadores do divisionismo no seio militar e atentatórios a princípios basilares das Forças Armadas. Sim, pois eles defendiam o deletério “sindicalismo militar”, as “reformas de base”, o abrandamento dos regulamentos militares, a legalização da Associação de Marinheiros, uma nova lei de promoções etc., com ameaças de “sérias represálias do povo” aos que se opusessem a essas reivindicações. O pundonor das gloriosas e invictas Forças Armadas Brasileiras foi, então, vergonhosa e acintosamente enxovalhado. A te-levisão mostrou ao vivo aquelas cenas deploráveis. Era a gota d’água que faltava. Quem as viu, pôde sentir, sem dúvidas, que estava próxima a deposição de João Goulart. E, de fato, no dia seguinte, o “Destacamento Tiradentes”

h) A reunião de Juiz de Fora. No dia 28 de março de 1964, às 17h, realizou-se no aeroporto de Juiz de Fora (MG) uma reunião solicitada pelo Marechal Odylio Denys a qual estiveram presentes o governa-dor Magalhães Pinto, o General Mourão Filho, Comandante da 4ª Região Militar, o Comandante da Polícia Militar de Minas Gerais, Coronel José Geraldo, e outras autoridades. Tudo ficou acertado para que o Movimento partisse de Minas Gerais, e, por sugestão do Marechal Denys, foi marcada a data-hora: 310600 mar 64. Assinale-se, por muito relevante, que a Revolução de fato se iniciou em 30 de março e não no dia 31, após o governa-dor Magalhães Pinto lançar um Manifesto desligando o estado de Minas da Federação até que o presidente da República fosse deposto. Esse fato histórico, tão pouco lembrado, será por nós comentado mais à frente.

i) A Reunião do Clube Naval. Centenas de oficiais da Marinha se reuniram no Clube Naval, no Rio de Janeiro, em 29 de março de 1964, indignados com “a destruição da Marinha e das Forças Armadas, pela quebra da disci-plina e da hierarquia”. A reunião redundou no lançamento de um Manifesto ao povo brasileiro, da parte de 1.500 oficiais daquela Força, em que afirmavam “ter chega-do a hora de o Brasil defender-se”. A Imprensa apoiou

Magalhães Pinto

General Mourão Filho

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deslocava-se de Minas Gerais para o Rio de Janeiro... A Infringência da Ordem Jurídica“As Forças Armadas violaram a Constituição para

salvá-la”(Jurista Pontes de Miranda, in: Jornal do Brasil, 6 abr. 1964)

Quando da eclosão da Revolução de 1964, estava em vigor a Constituição de 1946. Aquela Lex Legum conti-nha preceitos muito claros e insofismáveis e que foram inquestionavelmente infringidos pelo Primeiro Mandatário da Nação. Tal fato implicou, entre outras nefastas con-sequências, no solapamento dos princípios da disciplina e da hierarquia nas Forças Armadas.

O parágrafo único do artigo 83 da dita CF explicitava, quanto ao ato da posse, o compromisso do presidente da República: “Prometo manter, defender e cumprir a Constituição da República e observar as suas leis”. O artigo 176 primava por sua clareza: “As Forças Armadas, constituídas essencialmente pelo Exército, Marinha e Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República e dentro dos limites da lei”. O artigo 177 também era bastante cristalino: “Destinam-se as Forças Armadas a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem”. Ora, se o presidente ao pregar abertamente a quebra da constitucionalidade, estimulando a luta de clas-ses marxista nas Forças Armadas, com flagrante ofensa, torne-se a frisar, à hierarquia e à disciplina (comício da Central do Brasil, apoio a marujos sublevados, reunião de confraternização com praças das Forças Armadas e Polícias Militares etc.) agia, indubitavelmente, fora dos “limites da lei” (rever o artigo 176, da CF/46), em frontal testilha com as normas constitucionais, normas que as

Forças Armadas eram obrigadas a garantir (artigo 177, da CF/46)... Daí o General Castello Branco ter alertado, repita-se, em 20 de março de 1964: “A Insurreição é um recurso legítimo de um povo”.

O Estatuto dos Militares (Decreto-Lei n° 9.698, de 2 de setembro de 1946) prescrevia, in verbis: “ Art 31. Cabe aos militares a responsabilidade integral das decisões que tomam ou dos atos que praticam, inclusive na execução das missões e ordens por eles taxativamente determinadas. Parágrafo Único: No cumprimento de ordem emanada de autoridade superior, o executante não fica exonerado da prática de qualquer crime”.

O Código Penal Militar (CPM) – Decreto-Lei n° 6.227, de 24 de janeiro de 1944, asseverava no artigo 28 e seu parágrafo primeiro: “Art. 28. Se o crime é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência à ordem de superior hierárquico, em matéria de serviço, só é punível o autor da coação ou da ordem. § 1°. Se a ordem do superior tem por objeto a prática de ato manifestamente criminoso, ou há excesso nos atos ou na forma da execução, é punível também o inferior”.

Do antes expendido, conclui-se que aos militares era defeso, sob pena de cometerem crime, o cumprimento de ordens flagrantemente atentatórias à lei e à ordem que pusessem em risco, por exemplo, a autoridade, a hierarquia e a disciplina, pilares constitucionais das Forças Armadas. Tais ordens foram dadas pelos ministros militares e pela cúpula do chamado “dispositivo militar” do governo deposto em 1964. Não foram cumpridas pela imensa maioria das tropas enviadas (1ª Divisão de Infantaria e Grupamento de Unidades Escola, Grandes Comandos do Rio de Janeiro) para barrar, em 31 de março de 1964, os deslocamentos da 4ª Divisão de Infantaria (Minas Gerais) e do II Exército (São Paulo) em direção à Guanabara. Tudo de acordo com

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os ditames da CF/46, do Estatuto dos Militares e do Código de Processo Penal (CPM). E, também, pela falta de liderança dos generais janguistas.

Passaremos a contestar a afirmação, hoje tão correntia, de que a Revolução Democrática de 1964 foi uma “ditadura militar” que levou o país aos “anos de chumbo”. De início, ressalte-se que o único organismo internacional que trata da análise dos governos em todo o mundo, sob esse aspecto, ou seja, se de “estrutura democrática” ou de “estrutura to-talitária” – para usarmos as expressões por ele utilizadas –, é o Tribunal (ou Corte) Internacional de Justiça da ONU (o “Egrégio Pretório” desta Organização) sediado em Haia, na Holanda, também conhecido como “Tribunal ou Corte de Haia” (não confundir com o Tribunal Penal Internacional – TPI). A dita Corte preconiza como sendo de estrutura democrá-tica, aqueles países que obedecem a seis fundamentos básicos: três deles são os pilares da democracia grega e os demais, típicos das democracias modernas. Dos gregos, são considerados os princípios da isonomia legal (ou seja, “todos são iguais perante a lei”); da isotimia (princípio da representatividade: “todos têm o direito de exercer funções públicas administrativas e de constituir um seu represen-tante ou paráclito”, como um advogado, um prefeito, um deputado etc.) e da isagoria (em alusão às ágoras, locais onde os gregos discutiam os seus problemas por meio da democracia direta; vale dizer, a liberdade de reunião e de expressão, desde que não atentatórias às leis estabelecidas; este direito é negado aos democratas, pelos profitentes da ideologia marxista-leninista). Da democracia moderna exsurgem três outras condicionantes: a existência de elei-ções (independentemente se diretas ou indiretas); o plu-ripartidarismo (em oposição ao partido único dos regimes totalitários) e a rotatividade no poder. Pois bem: o Brasil, ao tempo dos governos militares, cumpriu tais mandamentos,

tanto que o mencionado Tribunal, à época, não nos classi-ficou como país de “estrutura totalitária”. Inegavelmente, como não poderia deixar de ser, em face de a atmosfera político-social vivenciada, esses governos foram de força, às vezes de exceção, porém jamais se constituíram em uma ditadura como foi a de Getúlio Vargas. Os parâmetros a esse respeito têm de existir e existem, como demonstra-mos anteriormente, para que não prevaleça o subjetivismo amador, irresponsável e inconsequente, como sói acontecer entre nós, desafortunadamente.

Aspectos de relevante historicidade relativos à Contrarrevolução de 1964

a) Não é escopo deste trabalho a abordagem minudente de fatos ocorridos por ocasião das operações militares revo-lucionárias. Isso está narrado nos mínimos detalhes pelos Registros Históricos Anuais das Organizações Militares do Exército, partícipes do Movimento, referentes a 1964 e aos anos que o antecederam e sucederam. Tais Registros (que são as principais e mais fidedignas fontes, pois primárias!) eram custodiados pelo Centro de Documentação do Exército, em Brasília, até a sua recente e infeliz desativação, e cujo acervo foi enviado para o Rio de Janeiro. Os episódios mais emblemáticos também estão descritos em vários livros, revistas e jornais (como nas edições históricas do “Jornal Inconfidência”, de Belo Horizonte) e, principalmente, na coletânea História Oral do Exército, de título “1964 – 31 de Março. O Movimento Revolucionário e a sua História”, publicada pela Biblioteca do Exército, já no seu 13° tomo. Outrossim, não é nosso desiderato o resgate histórico de episódios ocorridos, eis que tudo já foi desvelado pela vas-ta bibliografia existente e que pode ser compulsada com percuciência científica. Mas gostaríamos, sim, de recordar fatos pouco explorados, a nosso entender.

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b) Inicialmente, registre-se que a Revolução foi defla-grada no dia 30 de março (e não 31) de 1964, em Minas Gerais, pelo governador Magalhães Pinto (que já no dia 20 de março, havia lançado, em cadeia de rádio e tele-visão, um primeiro Manifesto contra as atitudes de João Goulart), em reunião iniciada às 10h e encerrada às 13h30, na casa do secretário do Interior, Oswaldo Pierucetti, que contou com a presença do secretariado do governo mi-neiro, do General Luís Guedes, Comandante da Infantaria Divisionária da 4ª Divisão de Infantaria e do Coronel José Geraldo, Comandante da Polícia Militar de Minas Gerais. Na ocasião, foi lido o “Manifesto de Minas” em que o estado se considerava desvinculado da União até à substituição do presidente da República. Em seu livro “Tinha que Ser Minas” (Editora Nova Fronteira SA, RJ, 1979) afirma o General Guedes, no capítulo da página 202, de título “30 e não 31 de março de 1964”, o que se segue: “Nesta hora (14 horas) de 30 de março de 1964, que rigorosamente marca o início da Revolução Mineira, dei-lhes ciência (referia-se aos seus oficiais da ID/4) do Movimento que estava eclo-dindo, com as seguintes palavras: Minas está rebelada, com a minha concordância e integral apoio; a partir deste momento nos desligamos do Governo Federal e passamos a constituir Força autônoma integrada na Revolução; não nos conformamos em assistir, passivamente, ao desenrolar dos acontecimentos, que, fatalmente, nos conduzirão à anarquia e ao caos”. Aduza-se que desde a tarde daque-le dia foi desencadeada em todo o estado, pelas Polícias Militar (há dias com os seus batalhões completamente mobilizados e aquartelados, totalizando 18.000 homens) e Civil e pela Guarda Civil de Belo Horizonte, em combinação com a 2ª Seção da ID/4, uma megaoperação, a “Operação Gaiola” que prendeu inúmeros subversivos, ocupou sedes de partidos políticos, sindicatos etc. Ademais, as fronteiras

(divisas) de Minas Gerais com os demais estados foram bloqueadas por contingentes da PMMG que também pas-saram a controlar, rigorosamente, por meio de barreiras policiais, os principais eixos rodoviários e ferroviários e ocuparam pontos sensíveis, como as represas de Furnas e Três Marias, centrais de abastecimento de água, todos os postos de gasolina, casas de armas e munições, ban-cos, prédios públicos etc. Concomitantemente, foi posta em execução a “Operação Silêncio”, com a ocupação do Departamento dos Correios e Telégrafos (DCT), da Central Telefônica Brasileira (CTB), de jornais, de emissoras de rádio e TV etc., impondo-se a censura em todas as mídias. Tais preliminares e eficazes providências, de cunho policial, garantiram a completa segurança das ações militares pos-teriormente deflagradas. Consigne-se, ainda, que naquela data se iniciou, em Belo Horizonte, a mobilização civil, ao encargo do General da reserva José Lopes Bragança, irmão do desafortunado Tenente Benedicto Lopes Bragança, as-sassinado, covardemente, quando da Intentona Comunista, em 27 de novembro de 1935, na Escola de Aviação Militar no Rio de Janeiro (após o primeiro dia de mobilização, o número de voluntários já ultrapassava a casa dos 10.000). Em suma: Minas Gerais estava sublevada. Mas, o General Mourão Filho, Comandante da 4ª Divisão de Infantaria, com sede em Juiz de Fora, não participou nem teve informação prévia sobre a reunião e o Manifesto do governo de Minas, o que o deixou furioso com o governador e com o General Guedes, seu subordinado, fato que narra com detalhes no seu livro “Memórias: A Verdade de um Revolucionário” (L&PM Editores, Porto Alegre, 1978). Entretanto, 15 horas e meia depois da reunião de Belo Horizonte, ou seja, às 5h de 31 de março, este General decidiu partir na direção da Guanabara, constituindo o “Destacamento Tiradentes”. Como conclusão, que fique muito claro que

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a Revolução eclodiu em Belo Horizonte, em 30 de março de 1964, sendo o governador José de Magalhães Pinto, o seu grande líder civil, que contou com o decisivo apoio do Comandante da ID/4, General Carlos Luís Guedes e do Comandante da Polícia Militar de Minas Gerais, Coronel José Geraldo de Oliveira; e o chefe militar foi o General Olympio Mourão Filho, Comandante da 4ª Região Militar/4ªDivisão de Infantaria, secundado pelo Comandante do citado Destacamento, General Antônio Carlos da Silva Muricy, cujo chefe de Estado-Maior era o Tenente-Coronel Walter Pires de Carvalho e Albuquerque, futuro ministro do Exército.

c) As tropas do “Destacamento Tiradentes” (integrado por Unidades do Exército e por dois batalhões da PMMG) iniciaram o seu deslocamento, às 12h30, de 31 de março, consoante o histórico Boletim Especial de 9 de maio de 1964, “Relatório da Revolução Democrática iniciada pela 4ªRM/DI, em 31 de março de 1964”, exarado pela dita Região Militar, constando às folhas 6, o que se segue: “Às 12h30, o 10° RI (sediado em Juiz de Fora) iniciou seu deslocamento para o Sul” etc. Aqui, uma curiosidade: por que “Destacamento Tiradentes”? No documento “Relatório das Atividades do Destacamento Tiradentes”, de 7 de abril de 1964, assinado pelo General Mourão Filho, consta a seguinte dicção, na primeira página: “O Destacamento foi constituído por tropas da Guarnição Federal da 4ª RM-DI e da Polícia Militar de Minas Gerais e, como homenagem ao espírito que irmanava todos os seus integrantes, bem como a todos os mineiros, foi denominado DESTACAMENTO TIRADENTES para simbolizar o ideal de: Libertas Quae Será Tamen.

O deslocamento se fez pela rodovia BR-3, de Juiz de Fora a Petrópolis; daí, até à Fábrica Nacional de Motores, na Baixada Fluminense, e de lá para o Rio de Janeiro, ten-do o Destacamento chegado naquela cidade, no dia 2 de abril, ficando acantonado no Estádio do Maracanã. Em 6 de

abril, deu-se o retorno a Minas Gerais, pois a Missão fora airosamente cumprida.

O Comandante do I Exército e ministro da Guerra interino (eis que o ministro efetivo, General Jair Dantas Ribeiro estava hospitalizado), General Moraes Ancora, deu ordens para que a 1ª Divisão de Infantaria, do Rio de Janeiro, ao comando do General Oromar Osório, tendo como Comandante da Infantaria Divisionária, o General Cunha Melo, rumasse para Minas Gerais a fim de barrar as tropas mineiras. O encontro com a 1ª DI ocorreu nos arredores dos municípios fluminenses de Três Rios e Areal, na madrugada de 1° de abril. Mas, não houve combate, pois às 5h daquele dia, a vanguarda da Divisão, constituída pelo glorioso 1° Regimento de Infantaria – o Regimento Sampaio – partícipe da Guerra do Paraguai e da Segunda Grande Guerra aderiu à causa revolucionária e passou, uno e coeso, para o lado do “Destacamento Tiradentes”, no que é imitado por quase todas as tropas da referida 1ª DI. Não houve maiores problemas de cunho militar até a chegada ao Rio de Janeiro. O retorno a Minas, no dia 6 de abril, foi bastante auspicioso, sendo as tropas recebidas, apoteoti-camente, por delirantes massas humanas, particularmente em Juiz de Fora, São João Del Rei e Belo Horizonte.

Acrescente-se que no dia 2 de abril, o General Mourão Filho determinou a constituição de um Grupamento Tático, o GT/12, composto por tropas do Exército, com base no 12º RI (menos o 2° batalhão, integrante do “Destacamento Tiradentes”) e dois batalhões da PMMG, que se deslocou, naquele dia, de Belo Horizonte para Brasília, com a fina-lidade de consolidar a Revolução na Capital Federal. Tal Grupamento foi batizado de “Destacamento Caicó”, em alusão à terra natal do potiguar, Coronel Dióscoro Vale, Comandante do 12° RI. A tropa regressou a Minas Gerais, no dia 16 de abril.

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d) Na madrugada de 1° de abril, o General Amaury Kruel, Comandante do II Exército, com sede em São Paulo (SP), aderiu à Revolução e decidiu partir para a Guanabara, ao longo da BR-2, mantendo contato, às 2h30, com o Comandante da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), General Emílio Garrastazu Médici, informando-o dessa decisão. O General Médici, que já havia recebido, às 2h, solicitação do General Costa e Silva para que a AMAN participasse da Revolução, res-pondeu ao General Kruel que a Academia se integraria ao Movimento e garantiria a livre passagem do II Exército pela região de Resende, entre as cidades de Itatiaia e Barra Mansa. Às 8h30, do dia 1º de abril, a AMAN lança uma Vanguarda, constituída pelo Corpo de Cadetes, para o estabelecimento de uma Posição Defensiva (PD), pelo Curso de Infantaria, nas alturas do Km 120, da BR-2, na região de Barra Mansa, a fim de bloquear aquela via de acesso no sentido Rio-São Paulo. O Comandante da Academia também emitiu uma vibrante proclamação, intitulada “Irmãos em Armas”, explicativa das razões da histórica decisão tomada.

Ainda pela manhã do dia 1°, o Comandante do I Exército e ministro interino, General Ancora, determinou o deslocamento do Grupamento de Unidades Escola (GUEs), do Rio de Janeiro, comandado pelo General Anfrísio da Rocha Lima, na direção de São Paulo. O contato entre as tropas foi estabelecido, mas não houve ações de guerra, principalmente, em face de o fato de que o GUEs teria de combater contra jovens cadetes. Às 18h, reuniram-se na AMAN os generais Ancora, Kruel e Médici, ficando deci-dido que todos deveriam se recolher a quartéis, pois a Revolução estava consolidada. Uma curiosidade: esses três oficiais generais eram oriundos da Arma de Cavalaria, gaúchos, sendo os dois primeiros, da mesma Turma de

1921, da Escola Militar do Realengo, e ex-integrantes da FEB. Aduza-se que os cadetes foram empregados militar-mente, pela segunda vez, na História Militar do Brasil, eis que, em 1935, a Escola Militar do Realengo, ao comando do ínclito Coronel João Baptista Mascarenhas de Moraes, combateu o mesmo inimigo comunista, que, em 1964, 29 anos depois, também nos assolava.

Como corolário, é imperioso dizer-se que a AMAN estabeleceu uma Missão bem definida em sua Ordem de Operações: “Empregar o Corpo de Cadetes para impedir o acesso das forças do I Exército à região de Resende, até à chegada do II Exército”. Não era sua finalidade se-parar dois Exércitos na iminência de um combate, como afirmam alguns, de forma equivocada.

Entretanto, a situação ainda estava indefinida no Rio Grande do Sul. João Goulart, Leonel Brizola e os gene-rais Ladário Pereira Teles (que assumiu o comando do III Exército, que lhe foi passado pelo General Benjamin Galhardo), Assis Brasil e outros estavam em Porto Alegre. Leonel Brizola desejava resistir, tendo lançado várias proclamações aos Sargentos, incentivando-os a tomar os quartéis e prender os oficiais “gorilas”. Em face de a incerteza reinante, eis que algumas Unidades em Porto Alegre e São Leopoldo eram comandadas por oficiais sabidamente alinhados com o governo federal, o gover-nador Ildo Meneghetti passou a governar da cidade de Passo Fundo e o General Adalberto Pereira dos Santos, Comandante da 6ª Divisão de Infantaria, transferiu o seu comando para Cruz Alta. Diga-se que a conjuntura no estado era bem diferente da vivida em 1961, quando da “Campanha da Legalidade”. O governador Meneghetti tinha o total apoio da Brigada Militar (é a Polícia Militar do RS) e da Polícia Civil que já haviam posto em execução operações de prisão dos principais líderes esquerdistas,

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Manoel Soriano Neto

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em especial dos “Grupos dos Onze”e ocupado pontos sensíveis, órgãos de comunicação de massa etc. Então, é uma FALÁCIA o que posteriormente alardeou o faleci-do ex-governador Brizola de que poderia convocar mais de 100.000 gaúchos para a resistência, não o tendo feito porque João Goulart não consentiu, a fim de evitar derramamento de sangue (mas, bem que ele tentou, porém, não logrou êxito com os seus patéticos apelos aos sargentos...).

As tropas das 3ª e 6ª Divisões de Infantaria, a partir de Santa Maria e Cruz Alta, ao comando, respectiva-mente, dos generais Poppe de Figueiredo e Adalberto dos Santos cerraram sobre Porto Alegre. A 5ª Região Militar/Divisão de Infantaria (PR e SC) era comandada pelo General Silvino da Nóbrega, que se encontrava em férias fora da guarnição, assim como o General Crisanto Figueiredo, Comandante da Infantaria Divisionária. Esses oficiais eram do esquema presidencial, pelo que assumiu o comando da Região Militar, o General Dario Coelho, Comandante da Artilharia Divisionária. A 5ªRM/DI, então, passou, de ordem do ministro da Guerra, General Costa e Silva, ao comando do II Exército, que confirmou o General Dario no comando que assumira e que contava com o apoio do governador paranaense Ney Braga.

Às 18h30, de 3 de abril de 1964, o governador Ildo Meneghetti e o General Mário Poppe de Figueiredo en-tram, triunfalmente, embarcados em um jipão aberto, na capital gaúcha, em que este General assumiu o comando do III Exército, já tendo fugido para o Uruguai, no dia 2 de abril, o Sr. João Goulart e os que o acompanhavam. Este foi o glorioso epílogo do Movimento Civil e Militar que eclodiu em Minas Gerais, anteriormente narrado. O Brasil livrara-se da hidra vermelha com a sua ideologia internacionalista, materialista e ateia. “Deus é brasileiro!”

Conclusãoa) A Contrarrevolução de 1964 foi uma reação inevitável

do povo brasileiro contra os propósitos antidemocráticos do governo João Goulart, inquinado de forte viés comunista. Mas, principalmente, foi uma reação de autodefesa das Forças Armadas contra a sua manifesta destruição. Ela foi desencadeada pelo Exército Brasileiro com o decidido apoio das duas outras Forças, em vista de constantes e criminosos atentados à disciplina e à hierarquia – verdadeiros tótens para a classe militar, que, apesar de ser apenas uma, é estratificada em vários círculos hierárquicos.

b) Alguns preceitos são imutáveis para os militares, em que pese o sabor da época vivida, e deveriam ser bem com-preendidos pela sociedade. A propósito, os polemologistas nos ensinam três paradigmáticos conceitos: 1) que toda Força Armada, em qualquer lugar do mundo, acata os prin-cípios de autoridade, disciplina e hierarquia, usa uniformes e segue um ritual específico; 2) todo militar possui traços comuns: é conservador, disciplinado, autoritário e acendrado patriota e 3) as Forças Armadas, em relação às instituições civis, podem ser classificadas como pretorianas, cesaristas, militaristas, assistencialistas, profissionalistas ou as que combinam essas posturas. Tendemos, sim, para o estrito profissionalismo militar, mas possuímos nítidos e inapagáveis traços de algumas outras das mencionadas posturas, como a pretoriana, v.g., pois nós, militares, sempre estivemos e estaremos de atalaia em defesa do Brasil, mormente se o país estiver “à matroca”, como ocorreu em 1964. É evidente que as Forças Armadas não têm, como não tiveram, àquela épo-ca, a vocação de monges bizantinos que ficavam discutindo o sexo dos anjos, enquanto os inimigos atacavam Bizâncio; não iriam deixar-se abater e não se deixarão (!) como indefesos cordeiros... É como pensamos, salvo outro juízo.

“Nós somos da Pátria a guarda!!”

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DO GOvErNO DE JUsCElINO KUBITsCHEK ATÉ A rEvOlUÇÃO

DE MArÇO DE 1964

Uma breve análise histórica

Manuel Cambeses Júnior

Neste ensaio, apresento alguns aspectos que marcaram, indelevelmente, a vida nacional,

no período compreendido entre janeiro de 1956 e março de 1964, sem a pretensão de esgotá-los.

Foi dada ênfase aos aspectos políticos relevantes que, por vezes, afetaram significativamente a expressão

militar do Poder Nacional e, consequentemente, o Ministério da Aeronáutica

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Como primeiro grande movimento de política externa, Juscelino lançou a Operação Pan-Americana, o qual requeria uma ação da política externa norte-americana que privi-legiasse a América Latina. Com este movimento, a diplo-macia brasileira perseguia dois objetivos: liderar os países latino-americanos e retomar relações privilegiadas com os EUA. Contudo, essa ação se cingiu ao plano da retórica, não conseguindo espaço para prosseguir de forma mais efetiva.

Essa política externa independente vai se afirmar após 1958; sua consolidação coincide com a negativa do governo Kubitschek em aceder às exigências do Fundo Monetário Internacional. Seus principais princípios eram:

* A ampliação do mercado externo e dos manufatu-rados brasileiros por meio da redução tarifária no âmbito latino-americano e da intensificação das relações co-merciais com todas as nações, inclusive as socialistas.

* A formulação autônoma dos planos de desenvolvi-mento econômico e a aceitação de ajuda internacional nos marcos deste plano, o que objetivava escapar às imposições do Fundo Monetário Internacional.

* A manutenção da paz por meio da defesa da coexistên-cia pacífica entre Estados regidos por ideologias antagônicas e do desarmamento geral e progressivo.

* A não intervenção em assuntos internos de outros países.

* A autodeterminação dos povos e o primado absoluto do Direito Internacional com relação à solução dos proble-mas mundiais.

* A emancipação completa dos territórios não autô-nomos, qualquer que fosse a forma jurídica utilizada para sujeitá-los à metrópole.

O governo Jânio Quadros assume in totum as teses da política externa independente e foi, na verdade, o grande responsável por sua implementação. Logo após a posse,

CONJUNTUrA NACIONAl

Política Externa

AsPECTOs DA CONJUNTUrA BrAsIlEIrA

NO PEríODO DE 1956 A 1964

Em 1956, assume a Presidência da República o Dr. Juscelino Kubitschek de Oliveira, que se propôs a retomar o processo de industrialização autônomo iniciado por Getúlio Vargas.

Alcançado parcialmen-te, já que a autonomia industrial idealizada por Vargas não se mostrava factível, Juscelino conse-guiu abrir um espaço de harmonização do projeto pretendido com os inte-resses da potência hege-mônica. O retorno da Europa Ocidental à vida econômica internacional forneceu, sem confrontação com os Estados Unidos da América (EUA), opções comerciais e financeiras ao Brasil, o que possibilitava a realização do projeto e a montagem de novas diretrizes de política externa, recupe-rando parte da política exterior de Vargas e, mais adiante, veio tomar forma definitiva, nomeada como política externa independente.

Juscelino Kubitschek de Oliveira

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Jânio encaminhou missões à China e aos países do Leste Europeu, objetivando reatar relações diplomáticas com esses países. O princípio da autodeterminação visava, sobretudo, à questão cubana. Cuba já aflorava como um contencioso, e tolerar uma intervenção nesse país abriria um precedente passível de ser invocado para qualquer país da América Latina que não se alinhasse, plenamente, com os EUA. O princípio da emancipação completa dos terri-tórios não autônomos colocava o Brasil contra Portugal e seguia uma visão pragmática, pois a descolonização africana abriria novos mercados para os produtos brasileiros na Europa. As circunstâncias favoreceram a política externa independente, quando de sua definitiva formatação, no governo Jânio Quadros. Tanto a recuperação econômica da Europa Ocidental e a consolidação da Rússia quanto a Revolução Cubana e a descolonização da África abriam espaços para a estratégia embutida nessa política, ao mesmo tempo em que elevavam o seu poder de barganha. A questão criada pela implementação do regime castrista em Cuba suscitou sucessivos testes às teses defendidas pela política exterior independente, em diversos episó-dios, como a invasão da Baía dos Porcos e a reunião interamericana de Punta del Este, em 1961, e a crise dos mísseis de 1962. Em todos os testes sobressaíram-se e mostraram-se dominantes os princípios defendidos pelo Itamaraty, de autodeterminação e de não intervenção em negócios internos de outros países. Foi deste período o episódio conhecido como Guerra das Lagostas, em que a ação de barcos pesqueiros franceses em nosso mar territorial ensejou uma vitoriosa ofensiva da diplomacia brasileira na defesa de nossos interesses.

Atualmente, parece claro que o governo João Goulart (ou Jango) – tanto o parlamentarista quanto o presidencia-lista –, procurou, permanentemente, minimizar o caráter

possivelmente traumático para as correntes conservadoras da política externa independente. Exemplo disso foram as relações com os EUA, que Goulart procurou conduzir com moderação, certamente, para não açular ainda mais a hostilidade de opositores do seu governo e, também, para evitar um provável bloqueio econômico como retaliação. Também, hoje, está claro que a tibieza de Goulart frente aos avanços da ação comunista no Brasil teve claros re-flexos nos movimentos de nossas relações internacionais. Esta inação de Goulart foi, sem dúvida, o maior libelo contra a política externa independente, que passou a ser confundida como de consentimento à ação marxista in-ternacional. É óbvio que esta conceituação era claramente improcedente. Até a Revolução de 1964, a política externa de Jânio Quadros e João Goulart era na verdade de corte nasserista ou não alinhado. Tinha, portanto, características de corte neutro do ponto de vista ideológico e buscava retirar de sua neutralidade vantagens para os interesses nacionais. Mas, nem sempre a oposição ambígua é a me-lhor postura: outros fatores, por exemplo, a localização geográfica e o desempenho econômico são fundamentais para dar força à ambiguidade e obter melhores resultados.

A Revolução de 1964, de início, optou por uma nova linha de política externa; encontrava suporte na visão geopolítica de pensamento do General Golbery do Couto e Silva.

A visão de Golbery apoiava-se em um tripé:* Na articulação de uma visão geopolítica (esboçada de

acordo com os cânones germânicos e desenvolvida com o realismo de Morgenthau) com a teoria cíclico-elitista da história de Arnold Toynbee.

* Na confrontação ideológica da Guerra Fria, em que o nosso campo era, por todas as circunstâncias, o do anticomunismo.

* Na projeção internacional do Brasil.

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A nova linha objetivava inserir o Brasil na estratégia de defesa do Ocidente; colocava o Brasil como peça importan-te do Oeste em sua confrontação com o Leste. Não seria com discursos sobre o mercado ou o livre-cambismo, como colocado por Golbery, em sua obra “O Brasil e a Defesa do Ocidente”, que os EUA poderiam resolver suas questões estratégicas na América Latina. Era necessário fazer ver ao líder do Ocidente como era importante cooperar com o desenvolvimento do Brasil, em razão de sua importância estratégica nos destinos do Ocidente, do Atlântico Sul e da África Ocidental.

Havia-se explicitado, portanto, uma clara disjuntiva: de um lado, o bloco ocidental guiado pelos valores da demo-cracia, do cristianismo e do capitalismo; de outro, o bloco comunista levado pelas teses totalitárias, do ateísmo e do comunismo. À luz dessa disjuntiva, o nosso lugar era óbvio no primeiro bloco e deveria ser buscado dentro do binômio segurança e desenvolvimento.

Para tanto, isso seria feito de forma a demonstrar aos EUA a grande serventia estratégica que o Brasil poderia ter, desde que inserido num programa desenvolvimentista de corresponsabilidade norte-americana. Ademais, na América Latina fomentava-se uma crescente inquieta-ção, provocada pela progressiva consolidação da posição de Fidel Castro, decorrente do compromisso assumido, após a crise dos mísseis, pelos norte-americanos com os soviéticos, de reconhecer a legitimidade do regime cuba-no. Cuba transformava-se num centro de instabilidade no continente americano e já em 1966 convocava a III Conferência de Solidariedade dos Povos da África, Ásia e América Latina, a denominada Conferência Tricontinental de Havana, que tinha como objetivo definir a agenda da luta revolucionária no Terceiro Mundo. No resto do mundo avultava a questão vietnamita, em que se verificava a

clara incapacidade dos EUA de resolvê-la de forma rápida e satisfatória.

A nossa inserção se fazia num momento em que o bloco ocidental encontrava-se na defensiva.

O rompimento de relações com Cuba, em maio de 1964, trouxe como dividendo o reinício do fluxo de capitais ame-ricanos para o Brasil. No período de governo do Marechal Castelo Branco, apesar de a rotação observada em relação à política externa independente pelo alinhamento anterior com a diplomacia estadunidense, a prioridade latino-ame-ricana também se fazia presente em diversos episódios, cabendo destaque singular à ação conjunta desenvolvida em São Domingos. Praticava-se uma nova política, a da interdependência, em que se seguia uma aliança explícita com os EUA.

A polarização de tendências do início da década de 1960 havia conduzido a duas experiências em termos de política exterior: a independente, que maximizava a ação pendular, e a interdependente, que realçava seus aspectos associacionistas. O malogro relativo de ambas era evidente ao iniciar-se o governo do Marechal Costa e Silva. A causa não era tanto o caráter contraditório das posições de cada uma, nem a justaposição das duas, mas sim a fragilidade da política exterior de qualquer país desprovido de poder de influir sobre o sistema internacional.

Entretanto, como a última experiência, a do governo Castelo Branco, havia sido a da interdependência, é ex-plicável a nova reversão, com a volta à política externa independente, em 1967, com a ascensão de Costa e Silva à Presidência da República. O fracasso nos resultados da alian-ça com os EUA, como concebido na gestão Castelo Branco, trazia de volta o estilo de conduta externa inaugurado por Getúlio Vargas e desenvolvido por Juscelino Kubitschek e San Tiago Dantas.

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ANÁlIsE DA CONJUNTUrA NACIONAl

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DO PODEr NACIONAl

Expressão Política

Os problemas de sustentação política que Getúlio Vargas enfrentara praticamente desapareceram com Juscelino Kubitschek. Restava conseguir o financiamento do seu “Plano de Metas”, que acabou recorrendo às três fontes clássicas: o Estado, a iniciativa privada e a impor-tação de capitais, cada qual com um setor da economia. Algumas metas foram atingidas, outras não alçaram voo. A verdade é que a percepção dos tempos de Juscelino Kubitschek era a de liberdade, progresso e de uma infla-ção que não iria parar mais de crescer.

Antes que 1964 ganhasse condições de existência, o Brasil experimentou Jânio Quadros e João Goulart, num momento em que se aprofundava a politização do campo iniciada nos anos 50, do século passado, quando grupos e partidos de es-querda, principalmente o Partido Comunista Brasileiro, deslocaram quadros para o interior com o objetivo de mobilizar e organizar a po-pulação rural.

Criaram-se as Ligas Camponesas, as Associações Jânio Quadros

Rurais, o Movimento dos Agricultores Sem-Terra, entida-des civis desvinculadas do con-trole do Ministério do Trabalho, ao contrário do que sucedia com os sindicatos. A pressão exercida por esses novos ato-res se integrava às “Reformas de Base”, com o que se dizia buscar uma maior participação das classes menos favorecidas, dentre elas, o agricultor, que passou a se chamar camponês.

O Movimento de março de 1964 nasceu de uma grande ruptura do pacto que estatuía as relações existentes na sociedade. As pressões exercidas ultrapassaram o nível de tolerância do conflito, levando segmentos importantes a buscar uma atuação das Forças Armadas, incluindo-se o empresariado industrial, uma clas-se média assustada, o clero, além de um não desprezível endosso da grande imprensa. Há, também, a acrescer ao repertório de causas que derrubaram João Goulart o mau funcionamento do “sistema”, que já não respondia às de-mandas e nem conseguia impor decisões, configurando um vazio de poder de prolongamento improvável.

Os governos militares, malgrado evidentes diferenças ditadas principalmente pela atmosfera política em que exerciam o poder, levaram para a Chefia do Executivo princípios que definiam, até certo ponto, o udenismo: um ideário democrático liberal, um discurso de moralização dos costumes políticos e um modelo que buscava conciliar o modernizador estatizante e o conservador autoritário, estreitando, destarte, o espaço para os liberais que come-çaram a rever sua adesão ao movimento.

João Goulart

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do Presidente da República, dando início ao ciclo de governos militares.

O primeiro lance dessa alteração institucional carac-terizou-se, no plano econômico, pela adoção do Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), de características monetárias ortodoxas. À luz do programa, adveio ampla ação legisferante, com efeito disciplinar sobre variada matéria. A conjuntura recuperou-se e a inflação declinou acentuadamente. Instituiu-se o Banco Central (BC), o Banco da Amazônia S/A (BASA), a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e, no âmbito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), quatro programas de fomento – o Fundo de Democratização do Capital de Giro das Empresas (FUNDECE); o Fundo Estatal para Financiamento de Compras de Máquinas e Equipamentos (FINAME); o Fundo de Financiamento para Pequenas e Médias Empresas (FIPEME), e o Fundo de Financiamento para Estudos e Projetos (FINEP). O Produto Interno Bruto (PIB), em 1966, cresceu 5,1% relativamente a 1965, com grandes benefícios para o País.

ANÁlIsE DA CONJUNTUrA BrAsIlEIrA (1956/1964)

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Expressão EconômicaDestaca-se no período a evolução de algumas áreas de

infraestrutura, o incremento das atividades da Petrobrás e o surgimento do Conselho Nacional do Desenvolvimento e o Programa de Metas, de 1958, já no governo de Juscelino Kubitschek. O programa em referência privile-giara investimentos infraestruturais a serem implantados pelo Estado. Surgiu, também, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e o Banco do Nordeste do Brasil (BNB) para o Nordeste, a indústria au-tomobilística e a de construção naval. Ao fim do governo Kubitschek, a situação entre o Brasil e o Fundo Monetário Internacional (FMI) estava bastante tensa para levar o governo subsequente – Jânio Quadros – a proceder a ampla reforma cambial.

Negociações financeiras externas foram levadas a efeito para minorar problemas de balanço de paga-mentos. Criavam-se as Centrais Elétricas Brasileiras S.A (ELETROBRÁS). Surgia, nos EUA, a Aliança para o Progresso e advinha, por ação norte-americana, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Internamente, a inflação agravava-se e o governo João Goulart perdia auxiliares de primeira grandeza no campo político e no campo econômico. Houve ameaça de nacionalização de indústrias e adveio a violenta restri-ção à remessa de capitais estrangeiros aqui investidos. Dificuldades em todas as áreas levaram à substituição

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Expressão Psicossocial

O golpismo marcou a transição de Getúlio Vargas a Juscelino Kubitschek. Garantida pelo Exército a posse deste, inaugurava-se um novo período na vida social e cultural brasileira. O popular de Vargas, depois nacional-popular, passava agora a ser o popular-nacio-nal-desenvolvimentismo. A Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), prestigiada pela política externa de Vargas, colaborou decisivamente para a concepção de um plano que permitia um novo equilíbrio entre os dife-rentes interesses que compunham o pacto político. A aber-tura da economia ao capital estrangeiro deveria permitir transformações estruturais aceleradas. A vinda do capital alienígena estava legitimada pela necessidade da técnica moderna capaz de tirar o País do atraso. A técnica seria o agente modernizador por excelência, capaz de neutralizar a miséria e as desigualdades. À frente da aplicação dessas ideias apareceu o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), organização do Ministério da Educação (MEC) que congregava intelectuais de vários matizes, mas principal-mente dos campos comunista e socialista.

Os militares eram vistos por eles com suspeição, exceto, é claro, os também comunistas.

O País era despertado por uma nova marcha. Para Oeste: a construção de Brasília, a bossa-nova, a literatura baseada no concretismo e o cinema do realismo italiano (O Cangaceiro), a nova arquitetura de Niemeyer e Lúcio Costa.

A crítica social e política de fundo ideológico entrava em cena, afetando o teatro, o cinema e, depois, a TV.

O projeto pretendia a superação do principal óbice encontrado pela industrialização restringida ou limitada de Vargas, que era a dependência do setor agroexpor-tador para a produção de divisas. O capital estrangeiro deveria ajudar na superação dessa limitação, e o modelo foi batizado de “capitalismo independentemente asso-ciado”. A instrução 113 da Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC) daria forma à ideia, e o capital estrangeiro poderia entrar sem cobertura cambial.

O País cresceria de forma admirá-vel (de 2 milhões de barris de petró-leo/ano, em 1955, para 30 milhões, em 1960), embora a desnacionalização da indústria fosse evidente.

Hav ia no a r uma euforia de-senvolvimentista. Um valor novo do urbano, do progresso material, dos novos horizontes do Brasil. A agricultura suportou o peso do esquecimento e da inflação.

A vida cultural, além dos empreendimentos geralmen-te citados, assumiu um jeito de ser conforme padrões cosmopolitas.

O modelo já entraria em crise a partir de 1960. A inflação fazia vítimas. A desorganização impressionava, e a corrupção também.

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Os anos de 1960 a 1963 foram primeiro de esperança (meses da gestão de Jânio Quadros), depois de pesadelo e desorganização acelerada da vida política. Jânio iniciara uma revolução em política externa (abertura à África e aos países socialistas). Fascinado pelo terceiro-mundismo (Tito, Nehru etc.), pretendia fazer do Brasil o líder da transformação latino-americana, em certa oposição aos aspectos da política externa e cultural dos EUA. Novos ares sopravam em Brasília. Mas, com a renúncia, tudo voltou à crise de antes: apreensão e corrupção.

A tentativa dos ministros militares de impedir a posse de João Goulart refletia a profunda divisão da sociedade, apreensiva com os rumos que o País tomaria, uma vez entronizado o ex-ministro do trabalho de Vargas. Jango assumiria posições cada vez mais à esquerda e estava literalmente cercado de comunistas que, desde o início dos anos 1950, passaram a ocupar cargos importantes nas universidades e no governo.

A mobilização social pela posse do Vice-Presidente seria ampliada no governo de Jango, em parte em face de a ação de comunistas infiltrados no governo e nume-rosos simpatizantes da causa vermelha. Dinheiro e apoio não faltaram à União Nacional dos Estudantes (UNE), aos teatros populares e pretensos movimentos de alfabeti-zação, a sindicatos a movimentos de ruralistas (eram chamados de “camponeses”; na Baixada Fluminense cuidava-se de armá-los para o confronto com o Exército). No meio militar, com a preparação de sargentos, cabos e soldados para a sublevação militar (levante de sargentos, em Brasília, ocupação de sindicato no Rio de Janeiro por marinheiros etc.). Os partidos revolucionários (PCB, PC do B, Movimento Tiradentes, Polop e outros menores) foram amplamente beneficiados com o apoio de recursos dados a seus integrantes. A intelectualidade da esquerda

marxista tomou conta das universidades, dos centros de pesquisa e se insinuou até nos estabelecimentos militares.

O governo de Goulart demonstrou ser bom para os marxistas, apoiando-os, mas era péssimo para o País, não somente por razões ideológicas, mas, principalmente, por incompetência e corrupção.

A sociedade civil urbana estava assustada com o que via. Escassez de gêneros, desordem, privações de todo tipo, inflação de 100% ao ano, monopólio de em-pregos para setores de esquerda, violência e corrupção generalizada.

Expressiva mobilização civil conservadora ocorreu, simultaneamente, no Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, pedindo a intervenção das Forças Armadas para a preservação das instituições políticas, do regime constitucional e fazer cessar a anarquia e a corrupção. Depois, viria a bandeira anticomunista – porque esse pe-rigo efetivamente existia, como demonstra a História de outros países que pagaram preço muito maior para vencer o antagonismo bolchevista no teatro interno.

Em 31 de março de 1964, as forças do Exército co-meçaram a mover-se para afastar Jango e os comunistas do comando do País. O movimento praticamente não se defrontou com resistência. Pelo contrário, encontrou entu-siástico apoio da sociedade urbana. Uma festa que valeu uma edição especial da revista “Time” e uma separata: “The country that saved itself”, saudando o vigor da so-ciedade civil brasileira que salvara o Brasil da iminência do comunismo.

No período compreendido entre 1964 e 1966, o Brasil vivenciou expressivo desenvolvimento a par de excelentes ações que objetivaram a racionalização política e econô-mica do País.

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Manuel Cambeses Júnior

(IMPA), Comissão de Energia Atômica, Instituto de Pesquisas Rodoviárias e o Instituto de Energia Nuclear, todos vinculados ao CNPq.

No quinquênio 1956-1960, Kubitschek apresentou um plano de desenvolvimento econômico que tomou o nome de “Programa de Metas”. Visava, entre outras, à substituição de importações pela produção interna, assim como atender à necessidade de criar divisas. Esse Programa abrangia os seguintes setores: Energia, Transportes, Alimentação, Indústria de Base e Educação.

Diversos setores expandiram-se, destacando o petrolí-fero, cuja produção ampliou-se, passando a abastecer 35% do consumo nacional. A fabricação de veículos automotivos cresceu de 7.200 unidades, em 1957, para 1.333.078 unida-des, em 1960. A multiplicação de fábricas e oficinas que se efetivou estendeu-se a diversos outros ramos da produção, impulsionando, sobretudo, a indústria de máquinas.

Ressalta-se que nesse período de governo houve diversos outros eventos que concorreram para a impulsão da C&T e do desenvolvimento no País: a construção da cidade de Brasília, a criação da SUDENE, a ampliação da Usina de Volta Redonda e o apoio à construção da USIMINAS e da COSIPA.

O Brasil pós-1964 deu continuidade ao tipo de desenvolvi-mento capitalista iniciado no governo Kubitschek, dependente do capital estrangeiro e dos investimentos do Estado nas atividades econômicas.

Duas grandes características do período 1956-1966 quanto à Ciência e Tecnologia foram: o entendimento de que o de-senvolvimento do País só se daria com o concurso dos dois agentes de financiamento empregados e que o tratamento dado à C&T seria matricial, ou seja, permeando as ações setoriais por meio de secretarias em todos os Ministérios, além de desenvolver e apoiar iniciativas modernizadoras e de crescimento para a Nação.

ANÁlIsE DA CONJUNTUrA BrAsIlEIrA (1956/1964)

POr MEIO DAs ExPrEssõEs DO PODEr NACIONAl

Expressão Científico-Tecnológica

A partir da segunda metade da década de 1950, o processo de industrialização adquiriu novos contornos com a expansão das indústrias básicas, como a me-talurgia, química pesada, celuloso e papel, e com a instalação de indústrias dinâmicas, como a automobilística, a de construção naval e a de material elétrico, entre outras.

O Brasil passou, nesse período, a dotar uma política mais agressiva de desenvolvimento econômico, e as atividades de ciência adquiriram, portanto, base institucional mais sólida. Evidenciou-se a necessidade de dotar o País de infraestru-tura científico-tecnológica capaz de suprir carências do par-que industrial em crescimento nesse setor. Criaram-se dois órgãos de fomento às atividades de pesquisa e capacitação de recursos humanos: o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) e a Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Nesse período, o mundo assistiu ao notável incremento de experiências científico-tecnológicas na utilização de energia nuclear, com o objetivo de aperfeiçoar o armamento atômico. A Guerra Fria, em pleno curso, associou-se às questões do do-mínio da tecnologia nuclear e aos recursos minerais nucleares, o que direcionou interesses de estudo e pesquisa no Brasil.

Em 1956, o País contava com os seguintes órgãos de pesquisa: Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação e Documentação (IBBD), Instituto de Matemática Pura e Aplicada

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emprestado pelo Ministro da Guerra, fiel e sereno fator de equilíbrio durante todo o governo de Kubitscheck.

O surpreendente erro de cálculo cometido por Jânio Quadros no episódio da renúncia demonstrou a imprecisão de seu conceito sobre os militares. Perplexos e desconfiados com a dubiedade da política conduzida pelo exótico presi-dente, preferiram vê-lo afastar-se da Chefia da Nação – a despeito das consequências que isso fatalmente acarretaria –, a ter que continuar convivendo com a demagogia populis-ta, as incertezas e as oscilações do excêntrico governante, cujo temperamento variava entre profunda depressão e esfuziantes demonstrações de megalomania.

Parlamentarismo foi a artificial solução engendrada para viabilizar, após a renúncia, a posse do Vice João Goulart, na Presidência da República. O populismo sindicalista de Goulart provocava, na grande maioria da oficialidade, repulsa e indignação.

Com efeito, Jango demonstrou não se situar à altura da complexidade dos antagonismos então existentes. Confuso, impotente, não passava de conveniente fachada legal, manipulada por aqueles que, determinada e afoitamente, queimavam etapas na perseguição de objetivos definidos e preconizados no receituário anárquico-sindicalista, tra-vestidos de Reformas de Base. Ao cabo de pouco mais de dois anos, o País assistiu, atônito, à institucionalização da baderna, traduzida na intencional inversão de valores e preo-cupante quadro econômico – robusta inflação e despudorada corrupção – acompanhados de acintoso desrespeito ao prin-cípio da autoridade, inclusive no meio militar. Para todos, já era claro que o próprio governo financiava e incentivava a anarquia. Seus mentores, de fato, controlavam com audácia as rédeas do aparelho governamental. Não se aperceberam de que, na verdade, não detinham o poder.

Numa inequívoca demonstração de repúdio a tudo a que

ANÁlIsE DA CONJUNTUrA BrAsIlEIrA (1956/1964)

POr MEIO DAs ExPrEssõEs DO PODEr NACIONAl

Expressão Militar

A despeito da oposição de alguns setores castrenses, o General Henrique Lott, com co-rajosa intervenção, reorganizou a cena política, compatibilizando legalidade e legitimidade.

Mágoas e ressentimentos em setores militares marca-ram, então, o início do governo Kubitschek.

Revoltas e rebeliões, inconsistentes e românticas – como Jacareacanga –, ensejaram a oportunidade de anistiar a todos aqueles que haviam participado de ações político-militares desde o episódio de novembro de 1954.

O desentendimento entre a Marinha e a Aeronáutica, em torno das aeronaves que passariam a operar no porta-aviões Minas Gerais, adquirido com a intenção – frustrada – de cortejar os militares, só não resultou em consequências mais graves pelo decisivo apoio

General Henrique Lott

Porta-aviões Minas Gerais (NAeL)

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assistia, a Nação foi às ruas, numa opção clara contra o caos reinante. Insistente clamor da sociedade arrancou as Forças Armadas do estado letárgico que até então as anestesiava. A resistência praticamente não existiu. Ao contrário, o País respirou aliviado. Estava a salvo do comunismo 25 anos antes da derrocada da União Soviética.

Segundo setores moderados das Forças Armadas, a intervenção ideal seria limitada, não somente no tempo, mas, também, na profundidade cirúrgica a ser feita nas instituições políticas.

Para outros, mais radicais, era chegada a hora de os antigos Tenentes tomarem totalmente o poder e extirpa-rem de vez os obstáculos ao Brasil potência. Frustrados, os líderes civis do movimento aliaram-se aos opositores da véspera. Não foi sereno o início do novo Regime.

Não mais seguindo a tendência, rigorosamente obser-vada, de entregar as rédeas do governo a líderes políticos aliados após as intervenções, as Forças Armadas, desta vez, exerceriam o poder na sua totalidade. O gérmen do Tenentismo havia renascido. Os Tenentes, 40 anos depois de feitos Generais, iriam colocar em prática, sem as amarras das sutilezas político-partidárias, o ideário pelo qual tanto haviam lutado.

O período contemplado neste Volume representou para a nossa História uma fase de profundas modificações na Expressão Militar do Poder Nacional. Decorrência da bipo-laridade, as Forças Armadas Brasileiras experimentaram forte influência de suas congêneres norte-americanas, tanto no aspecto organizacional, quanto nas questões doutriná-rias. O material de emprego militar nas mais diferentes versões e modalidades era quase totalmente oriundo dos EUA, caracterizando uma preocupante dependência. Na mesma época, foram criados institutos militares de pes-quisas científico-tecnológicas, primeiro passo na tentativa

de dotar o País de massa crítica indispensável à fabricação de equipamento militar, compensando, de certa forma, a referida dependência.

Conveniente para a expansão do Poder Nacional além de nossas fronteiras foi a participação de contingentes brasileiros em forças internacionais.

O Marechal Castelo Branco, líder moral e intelectual do Movimento de 1964, iniciou, na Presidência da República, o ciclo de governos milita-res. Seu propósito – ficou claro desde logo – era o de realizar a profilaxia política e incentivar o desenvol-vimento da boa prática administrativa, e, o mais rapidamente possível, fazer o País retornar à normalida-de democrática. Imaginava, certamente, que aquela seria a melhor contribuição dos militares ao aperfeiço-amento das instituições do País. Ainda que alcançada por atalhos não convencionais, a cirúrgica intervenção no processo político permitiria alcançar o patamar a partir do qual o Brasil se projetaria no cenário mundial, ostentando crescimento harmônico de seu Poder Nacional.

Obstáculos variados, com origem na ambição e nas in-contornáveis injunções políticas momentâneas, frustraram as intenções iniciais do velho Marechal. Temendo grave rachadura no esquema de sustentação, preferiu abdicar de seus conceitos e convicções e permitir a continuidade do regime de exceção, passando o governo ao General Arthur da Costa e Silva.

Marechal Castelo Branco

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rEflExOs NA AErONÁUTICA

Governo Juscelino Kubitschek

EvENTOs POlíTICOs E sUAs rEPErCUssõEs NA AErONÁUTICA

Voo do Presidente Juscelino em avião a jato da FAB

O País encerrava um ciclo histórico, o da Era Getuliana, sem que se definissem os reais herdeiros das legendas de Vargas. Novos líderes, a exemplo do presidente eleito, Juscelino Kubitschek de Oliveira, com sua “filosofia desen-volvimentista” iria sacudir as estruturas brasileiras. A paz de que o País necessitava para pôr em execução os seus planos de Governo teria que passar pela escolha política dos seus Ministros militares. Estes se obrigariam a garantir a ordem nas respectivas áreas, combinando características pessoais de autoridade e equilíbrio. No Exército não haveria problemas, pois obviamente seriam mantidos os Chefes do 11 de novembro de 1955. A Marinha, voltada para as suas ocupações habituais, ganha nova motivação pela anunciada aquisição de um navio-aeródromo. Assim, Juscelino exte-

riorizava sua índole pacificadora, ensejada por um agudo senso de oportunidade.

Na Aeronáutica, o cargo de Ministro, durante o período transitório entre 11 de novembro até pouco após a posse do Presidente eleito, fora entregue ao Brigadeiro Vasco Alves Secco, sintonizado com o movimento militar denominado “Novembrada”.

Em 20 de março de 1956 assumiu a pasta da Aeronáutica o Brigadeiro Henrique Fleiuss. A escolha do Ministro da Aeronáutica que iria iniciar o Governo Juscelino Kubitschek foi condicionada por circunstâncias que se coadunavam, perfeitamente, com os anseios apaziguadores do novo Presidente. O Brigadeiro Fleiuss acabara de exercer o Comando da Escola de Aeronáutica, no tradicional Campo dos Afonsos, berço da Aviação brasileira, onde granjeara a admiração de seus comandados e da FAB em geral por sua postura de líder democrático e de orador convincente. Tais juízos transcenderam os limites do Campo dos Afonsos e sensibilizaram os setores moderados do novo Governo que identificaram em Fleiuss o chefe inteligente e moderado, capaz de conduzir uma Força que já apresentava sintomas de novos envolvimentos políticos. Fleiuss não desmereceu a auréola de equilíbrio e capacidade que o consagraram desde que exercera a Chefia do Gabinete do segundo Ministro da Aeronáutica, Brigadeiro Armando Trompowsky de Almeida.

Fleiuss, de início, suportou uma rebelião que envolvera elementos da FAB, em fevereiro de 1956, no episódio de Jacareacanga.

Tal situação desconfortá-vel se amainou com a anis-tia concedida pelo Presidente Juscelino Kubitschek aos revol-tosos, depois de dominados e presos na 2ª Zona Aérea.

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liderar as articulações políticas para aquele fim. Assediado por agressiva e profissional ala do Partido Comunista, foi-lhe cedendo posições no sistema sindical, sendo preservadas, no entanto, as trombeteadas “metas de JK” contra greves e agitações comuns na vivência sindical. Os comunistas trocaram-nas por um trabalho doutrinário de base, usando as sempre renovadas teses leninistas, tendo como alvo o “imperialismo americano” e, como arma, o sentimento difuso do “nacionalismo” brasileiro. Tratava-se de maciça propaganda em dimensão nacional, conduzida por uma central jornalística engajada com as teses comunistas, infil-tradas nos principais órgãos de difusão do País. Não ficariam totalmente imunes os quadros militares, particularmente os subalternos, maquiavelicamente identificados às classes proletárias, em confronto com os patrões, numa esdrúxu-la “luta de classes”. A vida nacional seguia na euforia do dinamismo da administração de Juscelino Kubitschek, a que se lhe opunham seus adversários políticos, destacando-se, uma vez mais, o combativo jornalista Carlos Lacerda, em permanente e implacável campanha. O mote principal uti-lizado era a construção da nova capital, ligada a acusações de corrupção, que, no entanto, não repercutiam com a força desejada no Congresso nacional, aliado de Juscelino na aprovação de seus projetos desenvolvimentistas. Tais circunstâncias levaram as oposições ao paroxismo. A radicalização política reinante motivou, na Aeronáutica, em certa medida, grupos de Oficiais de média hierarquia, ain-da ressentidos com os efeitos da chamada “Novembrada”, os quais assumiram comportamentos de inconformismo, com celebrações e coisas do gênero, pondo em cheque a autoridade do Ministro.

Desvanecia-se, desse modo, o culto do profissionalismo apolítico, que não pôde medrar, conforme fora a intenção do Ministro Fleiuss.

Henrique Fleiuss exerceu o seu cargo com proficiência até julho de 1957, quando recrudesceram na Aeronáutica os sintomas da mesma inquietação política do País. Os reflexos na disciplina dos seus quadros comprometeram parcela da autoridade ministerial, o que levou Fleiuss a exonerar-se. Foi substituído pelo Ten Brig Francisco de Assis Corrêa de Mello, enfrentando ambiente político em crescente radicalização, tanto pelas contundentes críticas à Administração Pública, decorrentes do alucinante ritmo da construção de Brasília como pelos reflexos brasileiros da controvérsia ideológica da mundial “Guerra Fria”.

A efervescência política e o exercício da oposição de-mocrática, comandados por Carlos Lacerda, novamente motivaram alguns oficiais da Aeronáutica a se rebelarem

contra o Governo, na revolta de Aragarças, em 3 de dezembro de 1959.

Sem contar com muito apoio, dentro ou fora da FAB, o movi-mento foi prontamente domina-do. Detalhe curioso foi a reação de Lacerda, denunciando à Câmara dos Deputados e ao País o início da rebelião, para a qual os Oficiais rebeldes esperavam contar com sua ajuda.

A construção da nova capital constituíra-se na meta prioritária do Presidente eleito, constante de seu programa de Governo aprovado por seus eleitores. Os compromissos político-eleitorais de Juscelino levaram-no a entregar a coordenação política das áreas trabalhista e sindical ao seu Vice-Presidente, empenhado em fortalecer suas futuras bases políticas. Sem possuir o carisma nem o senso de autoridade do seu patrono Getúlio Vargas, Jango não soube

Carlos Lacerda

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Na Administração do Ten Brig Corrêa de Mello (julho 1957-janeiro 1961) sobreveio claro e rancoroso con-fronto entre Oficiais, uns contra – a maioria –, e outros “pró-Novembrada”. As lideranças desses últimos filiavam-se às correntes ditas “nacionalistas”, em voga, na ostensiva pregação da propaganda comunista, já referida. Tratava-se de identificações que iam se tornando cada vez mais sensí-veis, na medida em que o processo subversivo comunista evoluía na Aeronáutica e no País.

O Ministro Mello, ocupando a Pasta da Aeronáutica em fase politicamente conturbada, foi implacável disciplina-dor, abstraído do recente passado de crises no País e na Aeronáutica, com suas feridas ainda não cicatrizadas.

Ainda na gestão do Ten Brig Corrêa de Mello verificou-se o desagradável episódio de sua substituição pelo Ministro do Exército, General Henrique Lott, que chefiara a “Novembrada” e ameaçara Bases Aéreas com o emprego de forças blindadas. Se foi uma inábil deliberação, deveu-se, provavelmente, a uma assessoria interessada no acirra-mento dos ânimos no seio da Aeronáutica.

Sucedeu ao Ministro Corrêa de Mello o Brigadeiro Gabriel Grün Moss (janeiro 1961-setembro 1961). Foi Ministro de Jânio Quadros, Presidente eleito com irretorquível vantagem de votos sobre seu opositor, o General Henrique Lott, em campanha cuja tônica fora o antijuscelinismo, identificado à anticorrupção. Jânio governou de 31 de janeiro a 25 de agosto de 1961, quando renunciou, frustrando os brasileiros que dele tanto esperavam. A breve Administração Grün Moss se caracterizou pela euforia dos quadros da FAB, seduzidos pelo civismo liberado pelo carisma de Jânio Quadros, que transmitira ao País ansiados estímulos de esperança. A alta Administração da Aeronáutica e seus Grandes comandos sintonizavam com a firme liderança do Ministro que perso-nificava a antinovembrada.

rEflExOs NA AErONÁUTICA

Governo João Goulart

EvENTOs POlíTICOs E sUAs rEPErCUssõEs NA AErONÁUTICA

O Parlamentarismo

Os subjetivos motivos da deserção de Jânio potenciali-zados pelos virulentos ataques e denúncia do “Derrubador de Presidentes”, Carlos Lacerda, deflagraram crise ins-titucional sem precedentes no País porque os Ministros militares negaram posse ao Vice-Presidente João Goulart. Os motivos alegados pelo Almirante Sylvio Heck, pelo General Odilo Denis e pelo Brigadeiro Grün Moss constam de um manifesto difundido à nação. Apesar de as razões proclamadas no manifesto, não havia dúvidas de que o Texto Constitucional fora violado, fornecendo, por con-seguinte, os argumentos para reação que envolveu o III Exército, sediado em Porto Alegre (RS), bastião político de Goulart e de seu cunhado Brizola, que liderou a reação. O País chegou ao limiar de um conflito armado, evitado, no entanto, por uma deliberação do Congresso Nacional: articulações feitas por Afonso Arinos de Mello Franco e pelo General Oswaldo Cordeiro de Farias, Deputado e Chefe do EMFA, respectivamente, mudaram o regime de governo, de presidencialista para parlamentarista. O novo regime, que duraria menos de dois anos, garantiu a Jango assumir a Chefia do Estado, com o título de Presidente da República, ficando o Governo a cargo de um Primeiro-Ministro, o Deputado Tancredo Neves. Repetia-se, desse modo, a histórica característica brasileira que, desde a

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Houve, todavia, crescente resistência àqueles obje-tivos por parte de pequeno, porém ativo grupo de Oficiais “nacionalistas”, na medida em que a dinâmica do processo político fazia João Goulart aproximar-se dos plenos poderes do regime presidencialista, via plebiscitária.

Politizados segundo as teses político-sindicais de Goulart, empenharam-se em substituir Clóvis Travassos por ministro mais dócil aos propósitos deles; equivalia dizer, portanto, o retorno à discórdia entre os quadros militares da Aeronáutica, configurando subversiva es-tratégia, com o objetivo de neutralizar possíveis reações militares a um movimento comuno-sindical.

Procuraram, então, desprestigiar os Oficiais, natu-rais condutores das organizações militares, em favor dos níveis subalternos de Sargentos, Cabos, Soldados e Taifeiros, pondo em prática, dessa forma, metódico trabalho de subversão da hierarquia militar.

A complacência do Governo com esta situação anômala chocava-se com a orientação adotada por Clóvis Travassos na Aeronáutica, o que o levou a demitir-se, na oportunidade de um remanejamento ministerial no Governo de gabinete parlamentarista. A saída de Clóvis Travassos, em 18 de setembro de 1962, representou etapa vencida pela estratégia subversiva em curso, definindo, por outro lado, a existência de coordenação política contra o Ministro da Aeronáutica, com acesso e influência junto aos níveis de decisão do Governo Goulart. O caminho ficara, assim, desobstruí-do, para maior desenvoltura dos elementos engajados no processo subversivo na FAB.

A pasta da Aeronáutica foi entregue ao Ten Brig Reynaldo Joaquim de Carvalho Filho, que a ocupou até 15 de junho de 1963.

Independência, acudia os políticos em seus impasses: a conciliação dos interesses num jogo de transigências de parte a parte.

Tancredo Neves, inte-ressado em aplacar as pai-xões na área militar, bus-cou cercar-se de Ministros de sólida reputação pro-fissional. Assim é que a Pasta da Aeronáutica foi entregue a um conceitua-do Chefe, Ten Brig Clóvis Travassos, cuja vida mili-tar esteve sempre ligada ao Brigadeiro Eduardo Gomes, de quem fora con-tumaz colaborador e leal amigo, compartilhando dos

mesmos valores, liberais e democráticos, e do amor a uma Aeronáutica politicamente pacificada.

A administração do Ten Brig Clóvis Travassos (setem-bro de 1961-setembro 1962) caracterizou-se pela busca de objetivos de transcendência suficiente para ensejar a mobilização de todas as correntes de pensamento político vigentes à época, em prol da Força, independentemen-te das convicções individuais. Buscou a pacificação dos quadros de Oficiais e o estímulo ao trabalho construtivo pelos interesses da Aeronáutica. A primeira etapa desse benemérito propósito consistiu em restabelecer os liames de coesão no quadro de Oficiais, ainda esgarçados pelos fundos rancores com raízes na “Novembrada”, reacendidos nas duas precedentes administrações da Aeronáutica. Os objetivos de Clóvis Travassos foram bem compreendidos e apoiados pela quase totalidade dos chefes e quadros.

Tancredo Neves

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O Presidencialismo

Com o plebiscito realizado em 6 de janeiro de 1963, o País voltou ao regime presidencialista, tornando-se João Goulart o Chefe do Governo.

O mencionado grupo nacionalista da FAB, que já havia indicado o Ministro Reynaldo para a Pasta da Aeronáutica, fez com que, nesta fase presidencialis-ta, fosse nomeado Ministro o Ten Brig Anísio Botelho (junho de 1963-abril de 1964). A partir de então, foi dada mais ênfase à tática subversiva, coaduna-da à estratégia do enfraquecimento operacional das Forças Armadas. O decisivo objetivo da subversão era a substituição dos tradicionais valores da hierarquia militar por outros ligados à dialética da luta de classes aplicada às organizações militares ditas “burguesas”. Incentivavam-se reivindicações, dentro e fora dos quartéis e navios, principalmente entre Sargentos, estimulando-os a um envolvimento político-eleitoral e a candidatarem-se a cargos eletivos, embora se conhecesse a posição contrária da Justiça Eleitoral. Associados tais fatos à agitação sindical, deflagrando greves políticas com prejuízos à Indústria, ao Comércio e à dinâmica da vida nacional, configurava-se, de fato, a existência de um quadro pré-revolucionário em pleno andamento no País.

A rEBElIÃO DOs sArGENTOs EM BrAsílIA

Segundo a técnica revolucionária leninista, as rei-vindicações sempre foram consideradas mecanismo de incentivo para a aglutinação dos indivíduos, evoluindo, paulatinamente, do estágio de grupos para o de orga-nizações, com lideranças obedientes a um Comando Revolucionário, de viés profissional. Os quadros do pessoal subalterno da Aeronáutica, em particular o dos Sargentos, foram visados por ação psicológica insidiosa, explorando a ideia força da Igualdade, de aceitação uni-versal, para investidas contra certa rigidez de normas e hábitos da disciplina militar necessárias à eficiência operacional da Força organizada.

Com a aceleração, no período 1962-1963, da agita-ção pré-revolucionária no País, o setor militar, conside-rado nos manuais comunistas como classe de natureza não revolucionária, tornou-se prioritário alvo de ação psicológica, obediente à estratégia que objetivava neu-tralizar as Forças Armadas, descaracterizando-as como Forças organizadas, operacionalmente eficazes. Teriam, desse modo, as Forças Sindicais, lideradas pelos comu-nistas, o campo livre para a modalidade brasileira do assalto ao poder, sem oposição militar, contando com seus aliados: os Sargentos.

A rebelião dos Sa rgen tos em Brasília, em se-tembro de 1963, refletiu o clímax do quadro pré-revo-lucionário acima

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descrito. O movimento armado seria deflagrado tão logo o Superior Tribunal Eleitoral firmasse jurisprudência contrária à elegibilidade dos Sargentos. Pretendiam suas lideranças, com a cobertura política das esquerdas e da Frente Parlamentar Nacionalista, constituída por comunistas, dar maior profundidade ao movimento a ser iniciado em Brasília, evoluindo, a seguir, para uma re-organização do País, no estilo de República Sindicalista.

Confiavam as mesmas no trabalho desenvolvido ao longo dos dois últimos anos, de catequese e organização, com representantes do movimento em todos os quartéis e navios. Deflagrada a rebelião, em 13 de setembro de 1963, em Brasília, assenhorearam-se os revoltosos da Base Aérea, dos Ministérios da Aeronáutica e da Marinha, da sede da Polícia Federal e de pontos estratégicos da Capital. À falta de adequada organização e de meios com-patíveis com as dificuldades que enfrentariam, os revolto-sos foram dominados por suas internas divergências e por elementos locais do Exército. A Rebelião, sem dúvidas, caracterizou o nível de envolvimento político dos Sargentos da Aeronáutica e da Marinha, expondo as vulnerabilidades daquelas Forças.

O MOvIMENTO rEvOlUCIONÁrIO DE 31 MArÇO DE 1964

Embora abortada a tentativa subversiva dos Sargentos, permaneceu no País o clima subversivo, em evolução para um desenlace que parecia coincidir com os objetivos políti-cos da estrutura de poder centrada no Presidente Goulart.

Desde princípios de 1963, chefiando o Estado-Maior da Aeronáutica o Ten Brig Corrêa de Mello, foi articulada reação aos caos disciplinar que ameaçava os quadros da FAB. No exercício de sua alta função, Mello pôde con-clamar ao dever de combater a subversão comunista no âmbito da Aeronáutica os Chefes com quem sabia poder contar. Além disso, fez difundir, para orientação do pessoal militar, boletins oficiais de esclarecimento, do tipo “Como eles agem”, que os jornais da época transcreviam como matéria anticomunista. Na medida em que a conspiração comuno-sindical galgava no País os diversos degraus para a Guerra Revolucionária, atingindo níveis preocupantes, os chefes militares das três Forças passaram a se cor-responder num outro tipo de conspiração, a do respeito à legalidade, intercambiando informações e trocando ex-periências, a partir do Chefe do Estado-Maior do Exército, General Castelo Branco, em conexão com Mello.

Concomitantemente, organizavam-se, pelo País a fora, grupos cívicos paramilitares independentes, ligados, po-rém, ao mesmo anseio de varrer os comunistas do poder.

É ilustrativo o Relatório do Chefe do EMFA, General Pery Bevilacqua, dirigido ao Presidente João Goulart, a quem era leal. Este documento foi encaminhado à im-prensa, para esclarecimento da opinião pública, precedido pelas seguintes considerações:

“Na oportunidade da ocorrência dos fatos graves que vêm abalando o país, no sentido da restauração do

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primado dos poderes constitucionais, da lei e da ordem e da hierarquia e disciplina militar, esta chefia sente-se na obrigação de expor a atitude de comportamento de-senvolvido pelo Estado-Maior das Forças Armadas, não só à presidência da República, no seu papel de assessor militar, como em ligação com as Forças, através de en-tendimentos com as respectivas chefias do Estado-Maior, e os órgãos subordinados. No dia 31 de março último fui recebido no Palácio das Laranjeiras pelo então presidente João Goulart em audiência especial que solicitara para levar-lhe informações sobre o estado moral e disciplinar das Forças Armadas, as repercussões sobre elas das ocorrências político-militares e uma impressão sobre a situação no tocante à segurança interna, que hoje sobreleva como parte principal da segurança nacional. Nessa oportunidade mostrou esta chefia, verbalmente, a necessidade de o presidente fazer uma opção imediata, entre as Forças Armadas e os sindicatos dominados pelos comunistas, quanto ao apoio do seu governo, por não parecer compatível a coexistência do poder militar com o poder sindical, ideologicamente antagônicos, conside-rando que ainda seria possível restabelecer a unidade moral entre o Comando Supremo das Forças Armadas e estas, mediante atitudes afirmativas que sensibilizassem a opinião pública e especialmente a militar; deveria o presidente governar com os partidos políticos em vez dos sindicatos representados por ajuntamentos espúrios e apoiado pelas Forças Armadas, às quais abriria um crédito amplo de confiança. Entreguei, então, em mãos daquela autoridade documento por mim assinado sobre tal assunto elaborado com prévia consulta e concordância dos chefes dos Estados-Maiores do Exército e da Aeronáutica, bem como dos oficiais generais das três Forças Armadas a mim diretamente subordinados. Para o conhecimento

da totalidade dos integrantes do Estado-Maior das Forças Armadas transcrevo, a seguir, o documento acima refe-rido e, nesta oportunidade, faço baixar sua classificação sigilosa confidencial para ostensivo”.

Eis o relatório:“Excelentíssimo Senhor Presidente da República,O Estado-Maior das Forças Armadas, órgão da

Presidência da República diretamente subordinado ao Chefe da Nação, é encarregado de preparar-lhe as de-cisões relativas à organização e emprego em conjunto das Forças Armadas, da elaboração dos planos corres-pondentes e de colaborar no preparo da mobilização total da nação para a guerra. Sendo ele o Estado-Maior do Comando Supremo, o seu chefe exerce, funcionalmente, atribuições de assessor do Presidente da República em tudo o que concerne à segurança nacional.

Explicitamente, o regulamento para o Estado-Maior das Forças Armadas especifica ser da sua competência:

Sugerir medidas ou emitir parecer sobre todos os problemas atinentes à segurança nacional relacionados direta ou indiretamente com o equipamento, o preparo e de modo geral, a eficiência das Forças Armadas;

Exercer a alta direção do Serviço de Informações e Contra-Informações Militares.

Assim, senhor presidente, julgando cumprir um dever funcional, e com a lealdade que ponho em todos os meus atos, venho trazer a Vossa Excelência informações sobre o estado moral e disciplinar das Forças Armadas, as re-percussões sobre elas das ocorrências político-militares havidas e uma impressão sobre a situação, no que con-cerne à segurança interna, que hoje sobreleva como parte inseparável da segurança nacional:

A - Moral e disciplinaO estado moral e disciplinar do Exército e da

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Aeronáutica, a despeito das apreensões que pesam sobre o espírito dos chefes militares, em constante estado de alerta para impedir as infiltrações de elementos subver-sivos que chegam a iludir a boa fé de certas autoridades, apesar de ainda poder-se considerar bom, apresenta-se suscetível de bruscas variações, devido à tensão a que têm estado submetidos pelo processo comuno-desagre-gador em desenvolvimento no país, culminando com a indisciplina militar ocorrida na Semana Santa.

A Marinha se acha ainda em recuperação da grave crise disciplinar por que acaba de passar. A restauração da disciplina será abreviada mediante algumas medidas adequadas baseadas principalmente na aplicação rigorosa e impessoal de prescrições regulamentares e na instrução e no trabalho profissional intensos. O restabelecimento da unidade moral, com base no respeito à lei e na confiança recíproca entre comandantes e comandados, irá depen-der, principalmente, da ação do governo e da capacidade de comando dos oficiais.

Em essência, o desenvolvimento desse processo subversivo, sem que medidas governamentais objeti-vas sejam adotadas, em particular as preservadoras da hierarquia e restauradoras da disciplina fundamentos básicos da organização militar, bem acentuados na Constituição, não permitirá, dentro de muito pouco tempo, que os chefes militares mantenham seus coman-dos coesos, por lhes falecerem aqueles elementos essen-ciais de aglutinação de qualquer Força Armada.

B - Ocorrências político-militares recentes e repercus-sões nas Forças Armadas.

Há no país, incontestavelmente, um clima de apre-ensão e intranqüilidade em face da ação desenvolvida por alguns políticos que, com grave desprestígio para os partidos democráticos existentes, procuram substituí-los

por ajuntamentos dominados por comunistas e que, ao arrepio da lei, buscam petulantemente pressionar os poderes da República mediante coação sindical através de greves políticas ou ameaças de greves. E o aspecto de uma ditadura comuno-sindical se alteia sobre a co-munidade nacional, contribuindo para agravar a inflação que tanto sofrimento tem acarretado ao povo brasileiro.

O comício de 13 de março, na Central do Brasil, con-vocado pelo CGT e órgãos congêneres e, ao que consta, resultante de sugestão feita ao Prof. San Thiago Dantas pelo líder comunista Luís Carlos Prestes, conforme en-trevista deste na ABI, publicada no Jornal do Brasil, de 18 de março corrente, alarmou a opinião pública e teve funda repercussão nos meios militares. Redundou ele, pela palavra de vários oradores, em agravos ao Poder Legislativo, virtual declaração de guerra às instituições democráticas e verdadeiro desafio às Forças Armadas, fiéis ao juramento de defender os poderes da União, harmônicos e independentes, a lei e a ordem. Os chefes militares das três Forças Armadas, em todos os graus da hierarquia, vêem com crescente apreensão o desen-volvimento da grave crise de autoridade que, nos dias que correm, forma, com a crise inflacionária, um círculo vicioso, a um tempo causa e efeito dos males que asso-berbam a vida do nosso povo.

A ignomínia de uma ditadura comuno-sindical paira sobre a nação brasileira; os seus audaciosos arquitetos, escancaradamente, deram prazo ao Congresso Nacional para que, dentro de trinta dias, a contar da data do seu ultimato, atenda ao pedido de reforma da Constituição contido na mensagem presidencial, sob ameaça de to-marem medidas concretas, segundo a expressão dos dirigentes do famigerado CGT, não excluindo a hipótese de uma paralisação geral das atividades em todo o país.

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É o mesmo que os malfeitores, indiferentes às leis do país e em atitude de desafio às autoridades públicas, se reunirem e proclamarem a decisão de assaltar determi-nadas propriedades se não for atendida, dentro de certo prazo, a intimação feita – “a bolsa ou a vida”!...

O sistema comuno-sindical-grevista, na medida em que se fortalece e amplia, torna-se cada vez mais perigoso para a segurança do país.

Reafirmo a Vossa Excelência o que já, de algum tempo, venho assegurando e estou certo de expressar a opinião dominante entre os chefes militares, de que as Forças Armadas não podem dividir com nenhuma organização as suas atribuições constitucionais; a segurança do governo e das instituições democráticas só pode repousar nas Forças Armadas na sua lealdade e em sua honra militar. Não é possível, nesse terreno, a coexistência pacífica do poder militar com o “poder sindical” subversivo e fora da lei.

Inimigos das reformas são os empreiteiros da desordem aqueles que a exigem em tom de ameaça de fechamento do Poder Legislativo, autores intelectuais da intento-na de Brasília e da recente rebelião de marinheiros e fuzileiros navais. A facção sindicalista revolucionária que nos ameaça, através de hierarquias paralelas, visa ao enfraquecimento do princípio da autoridade e, mediante greves parciais e sucessivas, tais como engajamentos preliminares, pretende chegar à greve geral, equivalen-te à batalha de aniquilamento, com que conta tomar o poder político.

Nessa ocasião, o governante democrata, iludido em sua boa fé, será eliminado do poder que não pode ser dividido; seria um corpo estranho no organismo da ditadura férrea e impiedosa.

Com a autoridade na matéria, que ninguém lhe pode

negar, Lenine proclamou ser a inflação monetária, nos países capitalistas, precioso aliado do comunismo, pois que trabalha, silenciosa e sistematicamente, em seu favor. E os dirigentes desse sindicalismo revolucionário que controlam vários sindicatos de atividades essenciais e dominam órgãos espúrios e marcadamente comunis-tas CGT, PUA, CPOS, PAC, Fórum Sindical de Debates (Santos) etc., os quais, em Nota de Instrução nº 7, de 15 de setembro de 1963, no II Exército, denominei de serpentários, de peçonhentos inimigos da democracia, traidores da consciência democrática nacional desvirtu-ando as altas finalidades do sadio sindicalismo, confor-me concebido pelo presidente Getúlio Vargas, parece adotarem, consciente e cavilosamente, duas linhas de ação convergentes: aprofundar o mais possível a inflação monetária (que tantas desgraças tem trazido ao povo brasileiro, inclusive o suicídio do chefe de Estado, em 1954) e o solapamento da hierarquia e da disciplina nas Forças Armadas, mediante uma ação insidiosa que vêm exercendo sistematicamente junto a sargentos, cabos, soldados, marinheiros e fuzileiros navais.

Os resultados dessa impatriótica ação desenvolvida por inimigos do Brasil e das suas Forças Armadas, a que se têm juntado alguns deputados que se dizem nacio-nalistas, ai estão aos olhos de toda a nação, que não se deixa ludibriar por falsas reformas e pseudomonitores de opinião pública. Os tristes acontecimentos da Semana Santa, envolvendo marinheiros e fuzileiros iludidos na sua boa fé, são prova irretorquível desse acerto.

Uma república sindicalista, nos moldes da apregoada pelos integrantes dos órgãos espúrios a que acima me referi, só poderia ser implantada sobre o cadáver moral das Forças Armadas e os escombros da democracia bra-sileira republicana, federativa e representativa. A recente

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rebeldia de marinheiros e fuzileiros, valendo-se de motivos perfeitamente suscetíveis de serem tratados no âmbito da própria Força e que, por si só, não justificariam a atitude radical assumida, foi por eles fomentada, dirigida e alimen-tada: ainda emociona a nação, justamente apreensiva com o espectro do comunismo, que busca, na destruição da hierarquia e da disciplina das Forças Armadas, criar as condições básicas para os seus criminosos desígnios.

Ainda está em tempo de resguardar a hierarquia e a disciplina militares, alicerces das Forças Armadas, da ação maléfica dos seus inimigos e que são inimigos mortais das instituições democráticas. O manifesto de 26 do corrente do CGT e os manifestos de vários sindicatos que nele se inspiraram, de solidariedade aos marinheiros e fuzi-leiros rebelados, impregnados de caluniosas acusações às autoridades navais, intrigas e ameaças costumeiras, não deixou a menor sombra de dúvida quanto à autoria intelectual dos gravíssimos acontecimentos que acabam de abalar a nação inteira, tal como em 1º de setembro do ano passado com a intentona de Brasília, apoiada, senão promovida, pelas mesmas figuras cuja impunidade tem servido para aumentar-lhes a desenvoltura na prática dos mesmos crimes contra o Brasil, suas Forças Armadas e suas instituições democráticas.

As Forças Armadas estão prontas a levantar a luva ati-rada à face da nação por esses criminosos; estão prontas a cumprir o seu dever e assegurar em toda a plenitude o livre exercício dos poderes da União, dentro dos limites da lei, como assegurar, também, o funcionamento dos serviços essenciais à vida da população ameaçam esses brasileiros inimigos de sua pátria desencadear uma gre-ve geral e total para impor a sua vontade ao Congresso, à custa do sofrimento de todo o povo brasileiro, con-vertido, assim, em indefeso refém. Isso, porém, que

seria a implantação de uma indisfarçada e hedionda ditadura comuno-sindical que arrasaria o princípio da autoridade e o próprio regime constitucional, somente poderia ocorrer com a capitulação do Governo legalmente constituído, o qual contará sempre, para cumprir o seu dever e para a sua defesa, com a lealdade das Forças Armadas, fiéis ao seu compromisso de honra perante a bandeira. Os comunistas sabem perfeitamente disso e, não podendo derrotá-las de frente pela força, buscam solapar-lhes a hierarquia e a disciplina, que são os seus fundamentos vitais.

As Forças Armadas do Brasil – afirmo a Vossa Excelência, senhor presidente, com legítimo orgulho e absoluta certeza por estar com elas identificado e servi-las há 47 anos – são profundamente democráticas e, portanto, favoráveis às reformas de base, cristãs e de-mocráticas, em benefício do povo brasileiro e não contra o povo brasileiro, servindo de mero pretexto para manobras políticas de ambiciosos e desalmados inimigos da “ordem e progresso”, que supõem poder reduzir a nossa gente a um povo sem ideal cívico, de eunucos morais destituídos de amor à liberdade e incapazes de reagir. A nossa história desmente essa falsa perspectiva. A consciência cristã e democrática do nosso povo reagirá aos liberticidas e com ele, coerente com as suas tradições, as Forças Armadas, que nada mais são do que o povo fardado. Assim foi em todas as épocas, como recentemente, na crise da renúncia do presidente Jânio Quadros.

C - Impressão sobre a situação no que concerne à segurança interna.

Apesar da ação impatriótica de alguns políticos que pretendem, como é patente, arrastar as Forças Armadas para o terreno movediço das incursões no campo de ação privativo dos partidos, dando cobertura aos seus

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despropósitos, elas se mantêm prontas a fazer cumprir a Constituição e as leis do País, que a todos obrigam; têm elas sempre presentes os impostergáveis princípios constitucionais, definidores de sua finalidade.

‘As Forças Armadas, constituídas essencialmente pelo Exército, Marinha e Aeronáutica, são instituições nacio-nais permanentes, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República e dentro dos limites da lei (Constituição, art.176)’.

‘Destinam-se as Forças Armadas a defender a pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem (idem, art.177)’.

Sente-se, senhor presidente, que as Forças Armadas continuam integradas no seu dever e que V. Exª, nelas apoiado, poderá exercer, em toda plenitude, dentro dos limites da lei, as suas atribuições constitucionais, consoante o compromisso solene que V. Exª assumiu com a nação brasileira, ao cingir a faixa presidencial, desde que prontamente sejam restabelecidos o princípio da autoridade e o clima de disciplina militar, profundamente abalado pelas últimas ocorrências verificadas na Marinha. Dessa forma poderá V. Exª, tranqüilamente, agir com energia contra aqueles inimigos que buscam solapar a disciplina das Forças Armadas.

Julgo ainda do meu dever referir-me à má repercus-são nas Forças Armadas do fato de haver o Presidente da República comparecido ontem à noite ao Automóvel Clube para receber homenagem dos sargentos da Marinha, do Exército, da Aeronáutica e das Polícias Militares, a qual degenerou, através de alguns discursos, em verdadeira apologia da indisciplina e da rebeldia, dolorosa impressão que as palavras de V. Exª em prol do respeito à hierarquia não conseguirão desfazer.

Entendo que ainda será possível restabelecer a ne-cessária confiança entre o Comando Supremo das Forças Armadas e estas, mediante ações e atitudes afirmativas de V. Exª que o seu agudo senso político ditará. Dentre estas, permita-me V. Exª lembrar a principal: uma formal declaração de V. Exª de que se oporá à deflagração de greves políticas, anunciadas pelo CGT, que ordenará a intervenção nos sindicatos que, porventura, infringirem as claras disposições legais a respeito e determinará a aplicação de sanções penais adequadas de conformidade com a legislação em vigor Código Penal; Lei de Segurança; Lei de Greve (Decreto-Lei nº 9070 de 15 de março de 1946) e Consolidação das Leis do Trabalho.

Reafirmo a V. Exª: nós militares, senhor presidente, somos favoráveis às sentidas reformas de base, democrá-ticas e cristãs, desde que dentro de um clima de ordem, confiança e respeito aos poderes da União, harmônicos e independentes. A ditadura comuno-sindical que nos ameaça, como ficou expresso anteriormente, só poderá implantar-se sobre o cadáver moral das Forças Armadas e os destroços da democracia.

Esta, senhor presidente, é, data vênia, a apreciação que, no desempenho da atribuição funcional de Estado-Maior das Forças Armadas e, portanto, de assessoria à presidência da República, julgo do meu dever encaminhar à elevada consideração de V. Exª, dado o clima de intran-qüilidade e apreensão que, no momento, atravessa o país.

Finalmente, senhor presidente, cumpre-me realçar que a apreciação aqui apresentada não traduz, apenas, o pensamento do chefe do Estado-Maior das Forças Armadas; reflete o sentimento dominante da maioria dos escalões de comando militares e dos integrantes dos diferentes graus de hierarquia militar.

Aproveito a oportunidade, senhor presidente, para

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renovar a V. Exª os protestos de meu mais profundo res-peito. (a) General-de-Exército Pery Constant Bevilacqua, Chefe do EMFA”.

No mesmo dia em que este Relatório foi entregue ao Presidente João Goulart, 31 de março de 64, tropas do Exército, sediadas no estado de Minas Gerais, deflagra-ram o movimento armado, tendo recebido o apoio das demais forças de terra, mar e ar, bem como a inestimável aliança dos Governos de Minas Gerais, de São Paulo, da Guanabara, do Rio Grande do Sul e de Alagoas. Houvera uma antecipação do início da Revolução.

Sem encontrar resistência armada, o movimento de março de 1964 foi incruento e vitorioso.

Posteriormente evoluiu nos seus objetivos, assimilando as características de uma autêntica revolução, pela ruptura com a ordem jurídica anterior, o que ensejou a adoção de novo sistema constitucional. Retomava o País o curso de seu histórico processo revolucionário, iniciado na déca-da dos anos 1920, com o ciclo das revoltas e da Coluna Prestes, culminando com a vitoriosa Revolução de 1930, que sepultou a República Velha e implantou significativo progresso social, político e econômico no País.

De 31 de março a 20 de abril de 1964 o Ten Brig Corrêa de Mello compartilhou o comando supremo da Revolução com o Gen Ex Arthur da Costa e Silva e com o Almirante Augusto Radmaker. Nesse período, os quadros da FAB foram escoimados dos elementos considerados comprometidos com a subversão comunista, embora, ocasionalmente, alguns oficiais sem envolvimento subver-sivo tenham sofrido os excessos punitivos da Revolução, afastados que foram do serviço ativo.

Novos Chefes designados por Corrêa de Mello assumi-ram os Comandos e a Alta Administração da Aeronáutica, num clima de ordem e disciplina. Sentia-se um país

aliviado e esperançoso, sob o Governo do Gen Ex Castelo Branco, que já se anunciava como Presidente empenhado na redemocratização da Pátria.

Lamentável nota dissonante, decorrente de incon-trolada paixão, empanou a posse do novo Comandante da 5ª Zona Aérea, sediada em Porto Alegre, Brigadeiro Nélson Freire Lavenère-Wanderley. O novo Comandante, ao receber em seu gabinete o Ten Cel Av Alfeu de Alcântara Monteiro para dar-lhe ciência de sua substi-tuição no comando da Base Aérea de Porto Alegre, foi por ele ameaçado com um revólver. Com a chegada de alguns assessores do Brigadeiro, iniciou-se uma troca de tiros, envolvendo o Cel Av Roberto Hipólito da Costa. Daí resultou ferimento à bala no Brigadeiro Wanderley e a morte do Ten Cel Alfeu.

Eleito e empossado pelo Congresso Nacional, o Presidente Castelo Branco escolheu para Ministro da Aeronáutica o Maj Brig Ar Nélson Lavanère-Wanderley, por sua invejável fé de ofício, onde, à época, as duas faces da FAB se uniam, de maneira admirável, numa mesma medalha: era um dos pioneiros do Correio Aéreo Nacional e piloto de guerra com várias missões no Teatro de Operações da Itália, quando militou no 1º Grupo de Caça Expedicionário. Ademais, a longa carreira militar e a extremada dedicação à Força, totalmente voltada para a profissão de aviador militar, na qual se destacou em todos os postos e comissões que exerceu, lhe conferia galardão e prestígio no seio da Aeronáutica. Seu período ministerial se encerrou em 14 de dezembro de 1964, quando solicitou exoneração em razão da questão havida com a Marinha – relativa à Aviação Embarcada –, sendo substituído pelo Maj Brig Ar Márcio de Souza e Mello, que se manteve Ministro somente até 4 de janeiro de 1965, exonerando-se pelo mesmo motivo.

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GUErrA rEvOlUCIONÁrIA GUErrA frIA

Em diversas passagens desta exposição sobre o pa-norama político do período abrangido por este trabalho foram mencionadas expressões como “guerra fria”, “luta de classes”, “frentes nacionalistas” e outras mais. Porém, sempre em contextos ligados a acontecimentos específi-cos da Aeronáutica, por vezes deixando de mostrar com clareza seu significado, suas reais origens e, mais que isso, suas mais profundas implicações na conjuntura social do País e na própria História do Brasil.

Neste tópico buscou-se evidenciar todo o enredo de cunho ideológico que, tendo suas origens fora de nossas fronteiras, penetrou no Brasil, permeou nossa vida políti-ca e levou o País às raias de uma dominação comunista, só evitada com o pronto movimento militar de março de 1964.

Ao final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) já se previa um confronto entre as duas correntes que se imbricaram nesse conflito ideológico. De um lado, o Comunismo, implantado na Rússia após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e disseminado entre os países que passariam a constituir a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS); de outro, os EUA e demais países que adotavam o sistema do Liberalismo.

A guerra revolucionária foi adotada pelo bloco dos países comunistas, na sua estratégia da Revolução Universal, que visava à expansão internacional do Comunismo. Constituía-se, portanto, em guerra de caráter ideológico e era levada a efeito contra um governo consti-tuído mediante o emprego de guerrilhas rurais e urbanas.

Este tipo de guerra foi incorporado à estratégia co-munista por Friedrich Engels (1820-1895), pensador

socialista alemão, muito ligado a Karl Marx (1918-1883) e grande estudioso da arte militar.

Inspirado em Carl von Clausewitz (1780-1831), General prussiano, autor do tratado “Da Guerra”, Engels estudou as características desses conflitos, que Clausewitz classificava em dois tipos: as de conquista, visando a ex-pansões territoriais, e as de libertação ou insurreição, que se apresentam como rebeliões contra o poder constituído. Este segundo tipo deu a Engels os princípios básicos da guerra revolucionária:

- nunca jogar com uma insurreição armada; entre-tanto, se começada, levá-la até o fim;

- reunir, na hora e local decisivos, forças superiores às do inimigo;

- jamais abandonar a ofensiva, porque a defensiva é a morte da insurreição;

- empregar, ao máximo, a surpresa;- conseguir, a cada dia, um sucesso para manter a

superioridade moral.A guerra revolucionária intensificou-se nos anos da

década de 1950, com insurreições induzidas por movi-mentos comunistas no universo colonialista, com base no pressuposto de que, dominados os países subdesenvol-vidos, haveria uma crise nas nações líderes do Ocidente, facilitando enfraquecimentos que levariam ao grande ob-jetivo da expansão socialista. De fato, as colônias foram se libertando pelas insurreições para então cair na órbita do Comunismo. Exemplo típico encontra-se nas guerras de libertação no Continente Africano, em que inúmeras colônias tornaram-se países independentes.

É interessante observar que, atualmente, a guerra revolucionária é geralmente precedida pela chamada “guerra fria”, quando países oponentes adotam políticas de constante hostilidade entre si, sem, contudo, chegar

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a um conflito armado: geralmente adotam estratégia de mútua persuasão, traduzida em competições armamen-tistas e tecnológicas cada vez mais intensas.

Exemplo clássico de guerra fria internacional foram as disputas pós-guerra entre a União Soviética e os EUA, nos campos armamentistas, nuclear e espacial.

Também no Brasil, a partir dos anos 1950, intensifi-cou-se uma guerra fria, quando o movimento comunista passou a agir mais efetivamente em oposição ao sistema político liberal tradicionalmente vigente no País. Essa estratégia foi aqui adotada em face de a derrota do movi-mento comunista de 1935, quando elementos do Exército e da Marinha intentaram, com operações armadas, tomar unidades militares inclusive a Escola de Aviação Militar, no Campo dos Afonsos. O total fracasso do movimento repercutira positivamente em todo o continente america-no, demonstrando ao partido Comunista que a imediata adoção da guerra revolucionária não teria sucesso sem uma intensa preparação psicológica, visando persuadir maior número de adeptos em favor dos objetivos marxis-tas. Por isso mesmo, em vez de movimento armado, os comunistas brasileiros, seguindo instruções dos soviéticos, passaram à estratégia da guerra fria.

A guerra fria no Brasil assumiu características peculia-res. Constantes greves gerais de trabalhadores, passeatas reivindicatórias de estudantes oportunistas e até atos terroristas foram a preparação inicial para a ocorrência, mais cedo ou mais tarde, da guerra revolucionária.

As técnicas empregadas eram de constante persu-asão à desobediência civil e à desestabilização política, manobradas por atuantes comunistas, habilmente infil-trados nos sindicatos, nas universidades e nos veículos de comunicação de massa, visando criar o favorável clima de desordem para a guerra revolucionária final.

Houve mesmo penetração nas Forças Armadas, insuflan-do Graduados contra Oficiais, num ardiloso trabalho de subverter a ordem hierárquica e o enfraquecimento da disciplina militar.

Esse trabalho insidioso era realizado por treina-dos contingentes comunistas, as chamadas “frentes”, verdadeiras agências de guerra política cujo objetivo era a chamada “luta de classes”, ou seja, o estabelecimento de oposição entre as pretensões de um grupo, conside-rado útil às intenções marxistas, e outro, considerado hostil a elas.

Em 1954, a carta-testamento deixada por Getúlio Vargas exaltava o nacionalismo e atacava os trustes es-trangeiros. O trauma causado pelo suicídio do Presidente, bem como o emotivo conteúdo da carta atingiu forte a sensibilidade de grande parte da sociedade e, natural-mente, muitos cidadãos, embora não comunistas, senti-ram-se atraídos para a pregação dessas frentes que, de certa forma, também pregavam o nacionalismo, mas com objetivos próprios. Isto veio a reforçar as bases comunistas de guerra fria no Brasil.

Quando, em 31 de janeiro de 1956, Juscelino Kubitschek assumiu a Presidência da República, eleito com o apoio dos “Getulistas” seguidores de Vargas – cuja orientação populista atraíra para sua órbita muitos elementos de tendência esquerdista –, houve nos meios militares a crença de que o Partido Comunista ficara forta-lecido e ascendera ao Poder na pessoa do novo Presidente.

Na Aeronáutica, em fevereiro de 1956, houve, en-tão, o movimento rebelde de Jacareacanga, quando os Oficiais-Aviadores Major Paulo Victor da Silva e Capitão José Chaves Lameirão, liderados pelo Major-Aviador Engenheiro Haroldo Coimbra Veloso, intentaram uma insurreição contra o Governo Kubitschek, escolhendo

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como base das operações aquela longínqua localidade paraense, posto de apoio aeronáutico, em meio à selva, de difícil acesso por terra, às margens do Rio Tapajós, quase fronteira com o Estado do Amazonas e cuja cons-trução fora dirigida por Haroldo Veloso.

No relato da Revolta, o próprio líder assim explica os seus motivos:

“Para os que não entendem, é fácil dar a razão do movimento; o Brasil há um ano, parecia ter se livrado do grupo que nunca teve o direito de governá-lo, como ficou cabalmente provado pela sua conduta à frente dos destinos da Nação, e que, aliás, foi a causa de sua queda. Era lógico, portanto, que não nos conformássemos com sua volta ao poder”.

Três anos depois, novo movimento insurrecional teve lugar na Aeronáutica; desta vez em Aragarças (GO), para onde foi levado um avião “Constellation”, da Panair do Brasil, sequestrado pelos revoltosos, em 3 de dezembro de 1959, desviado de sua rota com destino ao Norte. Também neste episódio estava presente o então Ten Cel Haroldo Veloso, liderado pelo Ten Cel João Paulo Moreira Burnier. Acompanharam-nos o Ten Av Leuzinger Marques Lima e mais dois Oficiais do Exército.

Aos passageiros do Constellation foi lido um manifesto no qual se encontram alguns registros, como:

“(...) A Nação acha-se mergulhada num estado de coisas tão intolerável que a República está ameaçada de destruição. Não há autoridade nem responsáveis; todos mandam e desmandam (...). Em face desse estado de desagregação e deterioração, os adeptos do comunismo, infiltrados nos mais variados setores, dentro e fora da Administração Pública, procuraram tirar o máximo bene-fício da situação de miséria e fome das populações para implantar o seu regime de escravização do ser humano”.

Ficava evidente que esses revoltosos se referiam às operações da guerra fria comunista em progresso no País.

Em 24 de agosto de 1961, a renúncia do Presidente Jânio Quadros deixou mais caótica a perigosa situação político-social brasileira, oferecendo novas oportunidades para maiores investidas comunistas. A inquietação mili-tar aumentou e a posse do Vice-Presidente João Goulart foi impedida por consenso dos três Ministros das Forças Armadas que, em manifesto público, assim justificaram a rigorosa medida:

“João Goulart, quando Ministro do Trabalho, já de-monstrava, claramente, sua tendência ideológica, ao en-corajar e mesmo promover constante e sucessiva agitação na área sindical, com claros objetivos políticos que, na realidade, eram contra os interesses das classes traba-lhadoras. Era também comprovada a grande infiltração de conhecidos agentes do Comunismo internacional, bem como de numerosos elementos esquerdistas, em vários setores do Ministério do Trabalho, inclusive em funções importantes na sua administração e nos sindicatos”.

Era notório que, como Vice-Presidente da República, ele usava sua influência, encorajando e apoiando movimentos grevistas promovidos por conhecidos provocadores.

Em viagem oficial à URSS e à China comunista, Goulart deixou claro seu apoio, óbvio e indiscutível, aos regimes políticos daqueles países, ao enfatizar o sucesso das comunas populares.

Agora, em época de séria tensão internacional, na qual o mundo vive, de maneira dramática, a irrefutável intervenção do Comunismo internacional na vida das nações democráticas em particular nos países menos desenvolvidos aumentou muito o perigo para o Brasil. Nosso País está à procura de um crescimento rápido, que

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exigirá enormes sacrifícios, principalmente das classes mais pobres e humildes, num grande e penoso esforço, com o objetivo de um desenvolvimento econômico e so-cial, com melhoria do nível de vida. Com tantos problemas urgentes para resolver, o Brasil não pode enfrentar estes desafios, se apoio, proteção e incentivo forem dados a esses agentes da desordem, da desunião e da anarquia.

Se ele tomasse posse na Presidência da República, com nosso sistema de governo que dá ampla autoridade e poderes pessoais ao Chefe de Estado, João Goulart seria, indubitavelmente, um incentivo óbvio para aqueles que gostariam de ver nosso País afundado no caos, anarquia e insurreição. Até as Forças Armadas, após serem tomadas, seriam transformadas, como ocorreu em outros países, apenas em milícia comunista.

As Forças Armadas estão absolutamente convencidas de que, se isso acontecesse, nosso País enfrentaria um inquietante período de desordens, fragmentação e mes-mo conflitos sangrentos, nas cidades e no campo, e de insurreição armada, levando ao desmoronamento das instituições democráticas, da justiça, da liberdade, da paz social e dos valores máximos da nossa cultura cristã.

A paliativa solução encontrada na adoção do regime parlamentarista, em que João Goulart, como Presidente, seria o Chefe do Estado, mas não o Chefe do Governo, durou até 6 de janeiro de 1963, quando, mediante ple-biscito, o País voltou ao regime presidencialista.

Sob a gestão de João Goulart a ocorrência da guerra revolucionária prenunciava-se cada vez mais. As ações típicas de guerra fria se sucediam dia a dia, com inten-sidade crescente. O restabelecimento das relações di-plomáticas com a URSS, em 1961, interrompidas desde 1947, e a posição de neutralidade com relação a Cuba, que se aliara à URSS, em 1962, contrariando as propostas

de sanções feitas pelos EUA, por um lado, aproximara o Brasil da órbita comunista, enquanto, por outro, afastara de nós um poderoso aliado liberalista.

No início de 1964, quando o Estado-Maior da Aeronáutica publicou o livreto denominado “Como Eles Agem” baseou-se em coletânea de documentos em seu poder sobre o movimento comunista no Brasil. Continha tópicos para um melhor esclarecimento do público em ge-ral e, em particular, do pessoal da Força, e denunciava os métodos e técnicas de ação e persuasão dos comunistas brasileiros para obter a adesão de incautos.

A política social adotada na época pelo Governo Goulart que, por vezes, apoiava ou favorecia atos de sub-versão da ordem, sugeridos persuasivamente ou mesmo diretamente conduzidos pelos comunistas infiltrados na poderosa Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), levou o País ao estabelecimento de um duplo conceito de legalidade: uma, a do Governo, pela qual se tornavam legais as suas resoluções e as da CGT, por ele avaliza-das, cumprindo uma política trabalhista subversiva; e a outra, tal como compreendida por parte da população, organizada em grupos cívicos contra o Comunismo, pelo qual legalidade era respeitar a Constituição do País e manter a ordem e a união do Estado. O segmento militar manteve-se na compreensão desta última e dispôs-se a defendê-la, desencadeando o movimento revolucionário de março de 1964, que implantou novo governo no País.

Aquelas horas incertas – quando ainda nem se podia vislumbrar a inevitável derrocada do Comunismo, em nível mundial –, testemunharam o quanto de visão patriótica houve na decisão dos militares brasileiros que, em 31 de março de 1964, se empenharam na contrarrevolução, antecipando-se para evitar a guerra que ameaçava os brasileiros: a guerra revolucionária.

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O CIClO MIlITAr NO CONTExTO DO CIENTIfICIsMO BrAsIlEIrO

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IntroduçãoHá cinquenta anos eclodia a intervenção militar de 64.

Embora cogitada inicialmente como uma correção de rumo na desastrada ladeira por onde tinha enveredado o popu-lismo janguista (na trilha das “intervenções salvadoras” típicas da nossa tradição republicana), o regime castrense terminou durando mais do que se imaginara inicialmente e acabou por desgastar as Forças Armadas, em governos de força que se estenderam ao longo de duas décadas.

Este é um período suficientemente longo como para imprimir num país diretrizes novas e, também, para come-ter erros conjunturais e estratégicos. Ora, ambas as coisas precisam ser analisadas, notadamente no ambiente univer-sitário, que deve ser, nas sociedades hodiernas, o celeiro de ideias novas, bem como o filtro por onde passam os acontecimentos à luz crítica da razão, a fim de que com esse patrimônio de ilustração se beneficiem as gerações futuras.

No caso da avaliação do regime militar não foi isso,

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exatamente, o que aconteceu no Brasil. As Universidades, especialmente as públicas, controladas a partir da abertura democrática pela esquerda raivosa, terminaram fazendo da memória de 64 ato indiscriminado de repúdio aos militares e às diretrizes por eles traçadas, fazendo com que uma cor-tina de fumaça terminasse pairando sobre essa importante etapa da nossa vida republicana.

As coisas não mudaram com a chegada dos esquerdistas ao poder, notadamente no ciclo do lulopetismo. A criação pelo atual governo da “Comissão da Verdade” visando a uma “omissão da verdade”, e que coloca sob os holofotes a repressão praticada pelo Estado sem, no entanto, relembrar nada do terrorismo praticado pela esquerda radical, revela que pouco se progrediu nesse terreno. A finalidade prevista com a tal comissão é clara: torpedear a “Lei de Anistia”, que abriu as portas para a volta dos exilados e que firmou o início da abertura democrática.

Gostaria de destacar três coisas nesta introdução. Falemos inicialmente dos desacertos de 64. A grande falha consistiu, a meu ver, no viés autoritário do regime militar, decorrente do fato de que os profissionais das armas não estão habilitados para a chefia do Estado toda vez que são preparados, como lembrou com propriedade o saudoso amigo Paulo Mercadante (1923-2013) em Militares e civis: a ética e o compromis-so 1, para defender com coragem e eficiência os interesses soberanos da Nação, à luz da ética de convicção weberiana, que se caracteriza pela fidelidade aos princípios, sem que haja preocupação com o resultado da ação. Falta aos nossos homens de armas a sensibilidade da ética de responsabilidade, que exige que o governante calcule, nas decisões tomadas, as consequências que decorrerão para a comunidade, sendo esta, segundo Weber, a ética dos políticos.

1 - MERCADANTE, Paulo. Militares e civis: a ética e o compromisso. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

Em segundo lugar, anotaria mais este ponto: por formação, os militares estão preparados para gerir a unanimidade decorrente da hierarquia e da obediência do profissional das armas. Afinal de contas, ninguém re-aliza assembleias no front quando as balas silvam sobre as cabeças dos soldados. Eles cumprem as ordens dadas pelos seus comandantes, sem discussão. Ora, a política é o reino do dissenso, em decorrência da nossa natureza racional essencialmente dialética, condição já apontada por Aristóteles (384 a.C.–322 a.C.) na sua Política. A organização da comunidade politicamente estruturada deve ser pensada como construção de consensos a partir do dissenso, não como eliminação pura e simples deste. Esse é o difícil trabalho dos homens públicos, que precisam se armar de dose infinita de paciência, a fim de conciliar os interesses dos seus representados, os cidadãos que votaram neles.

Adiantando-me ao que tratarei no último item desta análise, anotemos sumariamente os aspectos positivos do regime de 64: a intervenção militar evitou que os co-munistas tomassem o poder instaurando uma ditadura do proletariado, com o banho de sangue que isso provocaria num país de dimensões continentais como o Brasil. A opi-nião pública sabe que o que a extrema esquerda buscava era isso. O Brasil não teve a sua “República das FARC”, com que se debate até os dias de hoje o governo colombiano, depois de meio século de guerra, graças à corajosa inter-venção das Forças Armadas, notadamente do Exército, que aniquilou a possibilidade de um território controlado pelos terroristas, sendo esta a finalidade perseguida pela guerrilha do Araguaia. Jovens e inexperientes militantes foram criminosamente colocados na linha de fogo pelas lideranças comunistas. Este aspecto, aliás, é esquecido pela tal “Comissão da Verdade”.

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No que tange à economia, o Brasil transformou-se, ao longo do ciclo militar, em país industrializado. Consolidou-se a indústria petroleira e se desenvolveu a petroquímica, bem como a siderurgia e a fabricação de maquinaria pesada. A engenharia brasileira deu um grande salto para frente, com as obras públicas que pipocaram pelos quatro cantos do território nacional. Acelerou-se, por outro lado, a indústria bélica (em que pese o fato da falta de continuidade de uma política para o setor, como tem sido analisado oportunamen-te por Expedito Bastos, do Centro de Pesquisas Estratégicas da UFJF). Efetivou-se, com o fantástico desenvolvimento das telecomunicações e com a política de abertura de estradas, a denominada por Oliveira Vianna (1883-1951) de “circulação nacional”, unindo ao centro nevrálgico do poder as regiões mais afastadas e ligando estas às mais importantes áreas metropolitanas. O regime militar tinha um propósito, em que pese o viés autoritário evidentemente criticável. Mas hoje, 30 anos após os governos militares, carecemos de um projeto estratégico que nos indique para onde irá o país nas próximas décadas. Esse é o grande desafio: costurarmos uma proposta estratégica, no contexto da democracia que conquistamos, superando o vezo tutorial que empanou o regime de 64.

Mas isso só poderá ser feito se identificarmos, de forma pertinente, as origens culturológicas em que ancorou o re-gime modernizador ensejado pelos militares nos anos 60 do século passado. Para isso, projetarei o ciclo de 64 sobre o pano de fundo da nossa tradição cientificista. Anotemos, de entrada, que o fenômeno do cientificismo consiste em identificar a racionalidade com um determinado estágio da ciência (o correspondente à sua dimensão aplicada), que passa a ser considerado como absoluto, pelo fato de ter sido colocado a serviço do Estado. Tal fenômeno, no seio da cultura luso-brasileira, encontrou formulação inicial no ciclo

pombalino. A aritmética política apregoada pelo Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Mello (1699-1782), constituiu o arquétipo que inspirou, nos dois séculos subsequentes, os mais destacados processos moderniza-dores sofridos pela sociedade brasileira. Afinal de contas, como frisa Antônio Paim, “O positivismo brasileiro tornou-se o desdobramento natural da tradição cientificista iniciada sob Pombal. Mais que isto: transformou-se no fundamento doutrinário do autoritarismo republicano e paulatinamente enquadrou o marxismo a partir de 1930. Encarado com essa amplitude, tem uma posição marcante em nossa cultura há cerca de dois séculos” 2.

Pretendo identificar os cinco momentos fundamentais através dos quais se manifestou o fenômeno do cientificis-mo na nossa cultura. Tais momentos são os seguintes: 1) a aritmética política pombalina; 2) a geometria política de frei Caneca (1774-1825); 3) o poder legitimado pelo saber dos positivistas ilustrados e dos castilhistas; 4) o equacio-namento técnico dos problemas de Getúlio Vargas (1883-1954) e da segunda geração castilhista; 5) a engenharia política do general Golbery do Couto e Silva (1911-1987). Concluirei mostrando a atualidade do cientificismo brasileiro e os riscos que dele decorrem para a plena modernização da sociedade.

1) A aritmética política pombalinaNa segunda metade do século XVIII consolidou-se, em

Portugal, a corrente filosófica do empirismo mitigado, que se caracterizava por uma forte critica à segunda escolástica e

2 - PAIM, Antônio. A escola cientificista brasileira – Estudos complementares à História das Ideias Filosóficas no Brasil – v. VI. Londrina: Edições CEFIL, 2002, p. 1-2. A versão positivista do marxismo é da lavra de Leônidas de Resende (1889-1950), como deixou Antônio Paim na apresentação à obra do mencionado autor, intitulada: A formação do capital e seu desenvolvimento, Brasília: Senado Federal – Conselho Editorial, 2011.

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ao papel monopolizador que os jesuítas exerciam no ensino, bem como pela tentativa em prol da formulação de uma con-cepção de filosofia que se iden-tificasse com a ciência aplicada.

Duas obras inspiraram essa corrente de pensamento: Instituições lógicas do ita-liano Antonio Genovesi (1713-1769) 3 e o Verdadeiro méto-do de estudar de Luiz António Verney (1713-1792). 4 O em-pirismo mitigado foi formulado e se desenvolveu no contex-to mais amplo das reformas educacionais do Marquês de

Pombal, que visavam a incorporar a ciência aplicada ao esforço de modernização despótica do Estado português. No entanto, ao responder a uma problemática formulada a partir das necessidades do Estado absolutista e não de uma perspectiva que tivesse como centro o homem, o empirismo mitigado não conseguiu dar uma resposta satisfatória aos problemas da consciência e da liberdade, mesmo porque reduziu, de forma simplória, a filosofia à ciência e esta à ciência aplicada. Essa corrente empolgou, no entanto, im-portantes segmentos da intelligentsia brasileira a partir da vinda da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808.

A geração de homens públicos que organizou as primeiras

3 - Instituições lógicas resumidas do Genuense, por J. S. P. lente de filosofia, Rio de Janeiro: Imprensa Americana de J. P. da Costa, 1937. A mais recente edição desta obra foi publicada sob o título de As instituições da lógica, (tradução de M. Cardoso, introdução de A. Paim), Rio de Janeiro: PUC / Documentário / Conselho Federal de Cultura, 1977. 4 - verdadeiro método de estudar, (edição organizada por António Salgado Júnior), Lisboa: Sá da Costa, 1950, volumes I – V.

instituições de ensino superior era de formação cientificista pombalina. Entre eles, convém mencionar a D. Rodrigo de Souza Coutinho, conde de Linhares (1755-1812), que em 1810 organizou a Real Academia Militar do Rio de Janeiro.5 Podemos sintetizar nos seguintes pontos a aritmética política formulada por Pombal nas suas observações secretíssimas: a) o Estado empresário, com o auxílio da ciência aplicada, garan-te a riqueza da nação; b) o Estado, com o auxílio da ciência aplicada, garante a ordem política e a moral dos cidadãos; c) o Estado, ainda com o auxílio da ciência aplicada, garante a formação da elite burocrático-técnica de que precisa.6

Considerada a obra reformadora do Marquês de Pombal, no âmbito da modernização que incutiu no seio do Estado português, podemos avaliá-la como a substituição da crença nas tradições religiosas (até então mantidas ciosamente pela Igreja através das Ordens religiosas e da Inquisição, e que exerciam as funções de sustentáculo do poder pa-trimonial do monarca) pela crença na validade da ciência aplicada como fundamento do Estado. Configurar-se-ia as-sim, sob Pombal, uma forma de dominação patrimonialista modernizadora ou, em outros termos, uma modalidade de despotismo esclarecido. Duas realizações destacaram-se no contexto da reforma educacional pombalina: a refor-mulação da Universidade de Coimbra que, no sentir de Hernani Cidade “foi verdadeiramente a criação de uma nova Universidade” 7 e a organização do Colégio dos Nobres de Lisboa (1761), que correspondeu à exigência de dotar o Estado português de uma elite burocrático-técnica que ga-rantisse a sua modernização, como salientei anteriormente.

5 - PAIM, Antônio (organizador), Pombal e a cultura brasileira. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro /Fundação Cultural Brasil-Portugal, 1982.6 - PAIM, Antônio. A querela do estatismo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978. p. 24-25.7 - CIDADE, Hernani. A reforma pombalina da instrução. Rio de Janeiro: PUC-RJ / Departamento de Filosofia, 1973.

Marquês de Pombal

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Teófilo Braga (1843-1924) frisa que a ideia de criação do Colégio dos Nobres proveio do esclarecido médico português António Nunes Ribeiro Sanches (1699-1783), que tinha pres-tado os seus serviços à Imperatriz da Rússia Ana Ivanovna (1693-1740), como médico e pesquisador no Colégio dos Nobres de São Petersburgo. Em carta dirigida em 1759 ao ministro português, afirma o ilustre médico: “No ano de 1751 se estabeleceu em Paris a Escola Real Militar (...). Em Dinamarca, em Suécia e em Prússia se instituíram e con-servaram Escolas militares semelhantes, instituídas depois de poucos anos (...). Parece que Portugal está hoje quase obrigado não só a fundar uma Escola Militar, mas a preferi-la a todos os estabelecimentos literários que sustenta com tão excessivos gastos. O que se ensina e tem ensinado até agora neles é para chegar a ser sacerdote ou jurisconsulto; e como já vimos acima não tem a nobreza ensino algum para servir à sua pátria em tempos de paz nem de guerra”.

Eis aqui, na enumeração feita por Teófilo Braga, a lista das disciplinas que Ribeiro Sanches propunha que fossem ensinadas no Colégio dos Nobres: línguas portuguesa, la-tina, castelhana, francesa e inglesa; aritmética, geometria, álgebra, trigonometria, seções cônicas etc.; geografia, história profana, sagrada e militar; risco, fortificação ar-quitetura militar, naval e civil; hidrografia e náutica; dança, esgrima, manejo da espingarda, equitação e natação. E, além destas disciplinas, filosofia moral, direito de gentes, direitos civil, político e pátrio; economia política do Estado, agricultura geral, navegação e comércio. “Manifestamente – conclui Teófilo – a fundação do Colégio dos Nobres em 1761 foi a realização prática desse pensamento”.8

A importância do Colégio dos Nobres foi grande, porquanto constituiu o primeiro esboço da Faculdade de

8 - BRAGA, Teófilo. História da Universidade de Coimbra – Tomo III: 1700 a 1800. Lisboa: Academia Real das Ciências, 1898. p. 350-351.

Filosofia baseada no culto à ciência aplicada, que posterior-mente deitaria as bases para a reforma da Universidade. Referindo-se à sua proposta, afirmava o médico Ribeiro Sanches que ali “está decretado o ensino da história filo-sófica, da lógica, da geografia, da cronologia, da história, das matemáticas elementares e transcendentais, da ar-quitetura civil e militar, da física geral e da experimental, estudos públicos desconhecidos até agora em Portugal”.9 A ideia cientificista, em síntese, surgira em Portugal, sob o Marquês de Pombal, na segunda metade do século XVIII, como alternativa modernizadora que substituiu a crença na tradição religiosa sobre a qual até então assentava o poder patrimonial do Estado. Em que pese o caráter modernizador da reforma pombalina, em nada modificou o esquema con-centrado do poder patrimonialista: não surgira, então, da queda do absolutismo teocrático, um regime de democracia representativa, como tinha acontecido na Inglaterra após a Revolução Gloriosa de 1688. Apareceu, assim, como alter-nativa modernizadora, no seio da cultura lusa, o despotismo ilustrado ou patrimonialismo modernizador,10 que exerceu forte influxo no desenvolvimento do cientificismo no Brasil.

2) A geometria política de frei Caneca (1779-1825)Antônio Paim salienta que as ideias fundamentais do

cientificismo pombalino manifestaram-se, ao longo do Império, no Brasil, em primeiro lugar por meio do radica-lismo republicano de frei Joaquim do Amor Divino Rabelo e Caneca, que sustentava poder-se organizar a sociedade

9 - BRAGA, Teófilo. História da Universidade de Coimbra, ob. cit., p. 351.10 - O conceito de patrimonialismo modernizador ou neopatrimonialismo, de inspiração weberiana, foi formulado por Simon Schwartzman nas obras são Paulo e o Estado Nacional (São Paulo: DIFEL, 1975) e Bases do autoritarismo brasileiro (1ª Edição, Rio de Janeiro: Campus, 1982) e aplicado sistematicamente por Antônio Paim à formação e evolução do Estado no Brasil (cf. A querela do estatismo, ob. cit.).

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em bases puramente racionais. Esse in-tento modernizador, no entanto, colidia frontalmente com a estrutura patrimo-nialista de cunho tradicional do Império. Em segundo lugar, o cientificismo pombalino manifestou-se na criação da Real Academia Militar (1810), cujo artífice foi um ex-aluno da Universidade pombalina e do Colégio dos Nobres de Lisboa: dom Rodrigo de Sousa Coutinho (1755-1812), conde de Linhares. A finalidade da Academia consistia em garantir a formação científica de oficiais do Exército e engenheiros. “O currículo da Academia – escre-ve Antônio Paim – e, através dele, o ideário pombalino, seria preservado ao longo do Império. Outras influências fizeram-se presentes, sobretudo nas Faculdades de Direito e Medicina, como de resto na esfera política. Contudo, no estabelecimento que daria origem à Escola Politécnica, mantinha-se o culto à ciência na mesma situação configu-rada pelo Marquês de Pombal, isto é, nutrindo a suposição de que é competente em todas as esferas da vida social”.11

Mas o cientificismo pombalino, se bem é certo que ma-nifesto paradigmaticamente no pensamento de frei Caneca e no currículo da Real Academia Militar, não se restringiu, contudo, a essas duas variáveis. Devido ao fato de a elite que fez a Independência ter-se formado na Universidade pombalina, o cientificismo passou a inspirar as instituições de ensino superior criadas no Brasil nas primeiras décadas do século XIX. Esse cientificismo traduzir-se-ia no afã pro-fissionalizante que respondia às necessidades do Estado e no cultivo da ciência aplicada, com banimento da pesquisa básica e do saber humanístico. Até mesmo a formação do clero viu-se afetada pela maré cientificista-aplicada: o 11 - PAIM, Antônio. A querela do estatismo, ob. cit., p. 29.

Seminário de Olinda, fundado em 1800 pelo bispo Azeredo Coutinho (1742-1821) 12, deu grande importância ao conhe-cimento prático do meio brasileiro, num contexto filosófico herdado de Luiz António Verney, que procurava o aspecto útil da educação.

Não há dúvida quanto ao caráter eminentemente profis-sionalizante e de serviço ao Estado que marcou as institui-ções de ensino superior ou de cultura, ao longo do século XIX.13 Além da Real Academia Militar, inspiraram-se nessa tendência a Real Academia de Marinha (1808), os Cursos Médico-Cirúrgicos da Bahia (1808) e do Rio de Janeiro (1809), os Cursos de Agricultura da Bahia (1812) e do Rio de Janeiro (1814), o Gabinete de Química da Corte (1812) e a Cadeira de Química da Bahia (1817), a Cadeira e Aula Prática de Economia Política (1808) entregue a José da Silva Lisboa (1756-1835) visconde de Cairu, a Real Academia de Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura Civil (1820), a Imprensa Régia (1808), o Museu Real (1818), o Jardim Botânico (1810), a Biblioteca Pública (1810), a Missão Artística Francesa (1816) etc. A tendência profissionalizante e de serviço ao Estado, herdada da mentalidade pombalina, aproximava-se do modelo napoleônico das Faculdades e das Hautes Écoles. A ideia de Universidade, como instância de pesquisa científica desinteressada e de cultura superior, simplesmente seria deixada de lado.

Voltemos a frei Caneca. A sua menção aqui não é excludente, mas paradigmática. Ele encarnou, no meio brasileiro, a mentalidade cientificista que vingou entre os que pretendiam a independência de Portugal num contexto

12 - CARDOSO, Elpídio Marcolino. “Azeredo Coutinho e o Seminário de Olinda” in: Antônio Paim (organizador), Pombal e a cultura brasileira, ob. cit., p. 50-83.13 - BITTENCOURT, Raul Jobim. “A educação brasileira no Império e na República” in: Aspectos da formação e evolução do Brasil, Rio de Janeiro: Tipografia do Jornal do Comércio, 1953.

Frei Caneca

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republicano. A crítica a esta posição foi efetivada, do ângulo liberal e monárquico, por Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846), que inspirado em Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830) e nos publicistas alemães, considerava perfei-tamente válida a ideia independentista, mas preservando a Monarquia Constitucional e o Governo Representativo. Nesta última vertente encaixam os estadistas do Segundo Reinado, denominados por Francisco José de Oliveira Vianna (1883-1951) de “Homens de Mil”, aqueles que rodearam de forma incondicional o Imperador e que fizeram emergir e consolidar as instituições do governo representativo na trilha do liberalismo doutrinário formulado na França por Pierre-Paul Royer-Collard (1763-1845), Victor Cousin (1792-1867) e François Guizot (1787-1874). Esses “Homens de Mil” romperam com o cientificismo e deram ensejo à mais duradoura experiência de estabilidade institucional que o Brasil jamais conheceu, entre 1841 (após o Ato Adicional e o Regresso), até o final do Império, em 1889.

Essa variante da nossa formação política foi formulada precursoramente, como já foi dito, por Silvestre Pinheiro Ferreira, o estadista que ajudou dom João VI a dar o co-rajoso passo da monarquia absoluta à constitucional e que pensou, numa perspectiva liberal, pela primeira vez, o Brasil como projeto autônomo. Diríamos que o Segundo Reinado deu ensejo a criativa experiência modernizadora de inspiração liberal-doutrinária, que no entanto não vingou no período republicano, polarizado pelo velho cientificismo pombalino, do qual frei Caneca foi representante modelar. O velho cientificismo do despotismo ilustrado constituiu o leito de procusto onde se deitou a filosofia positivista, que, como diria posteriormente José Veríssimo (1857-1916), virou moda no Brasil republicano e terminou polarizando as outras manifestações modernizadoras da vida pública brasileira. O ideal republicano acalentado por frei Caneca

inseria-se na trilha do democratismo 14 (à maneira do se-tembrismo português), que entendia ser a nova ordem fruto da imposição de mentes esclarecidas pelas matemáticas aplicadas sobre as massas ignaras.

Eis a forma em que o frade carmelita entendia o mun-do e criticava o governo imperial, formulando ao mesmo tempo a sua geometria política: “Pela geometria conhece-mos evidentemente a existência do Supremo Arquiteto do Universo; pela geometria admiramos a sua infinita sabedoria no sistema da criação, e sua providência no andamento regular da natureza; pela geometria domamos a fúria do oceano, dirigimos a força dos euros, penetramos os abis-mos, e subimos aos astros; ajustamos os impulsos do nosso coração com os ditames da reta razão; proporcionamos os trabalhos às nossas forças, os remédios às moléstias, as penas aos delitos, os prêmios às virtudes; pela geometria equilibramos os movimentos das grandes massas das na-ções, regularizamos o valor dos povos e o seu entusiasmo. Todas as coisas em que não entram a régua e o compasso da geometria são desregradas e descompassadas, são monstruosas. Por falta de geometria é que o nosso governo, não conhecendo a gravidade específica dos negócios civis e políticos nem a relação deles entre si, não sabe equilibrar as forças dos diversos agentes sociais, desencaixa dos seus lugares as molas da sociedade, vai quebrá-las e reduzir tudo a poeira”.15

14 - MALFATTI, Selvino Antônio. “Gênese do democratismo na cultura luso-brasileira”. Palestra proferida no Centro de Estudos Filosóficos de Juiz de Fora, em 19/09/1990.15 - CANECA, frei Joaquim do Amor Divino Rabelo e. Ensaios políticos (Cartas de Pítia a Damião, Crítica da Constituição outorgada, Bases para a formação do Pacto social e outros). (Introdução de Antônio Paim, apresentação de Celina Junqueira). Rio de Janeiro: Documentário / PUC / Conselho Federal de Cultura, 1976. p. 51-52.

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3) O poder legitimado pelo saber dos Positivistas Ilustrados e dos Castilhistas

O positivismo teve no Brasil quatro manifestações diferentes: a ortodoxa, a ilustrada, a política e a mi-litar. A corrente ortodoxa16 teve como principais re-presentantes a Miguel Lemos (1854-1917) e Teixeira Mendes (1855-1927), que em 1881 fundaram a Igreja Positivista Brasileira com o propósito de fomentar o cul-to da “Religião da Humanidade” proposta por Augusto Comte (1798-1857) no seu Catecismo positivista.

A corrente ilustrada17 teve como principais represen-tantes a Luiz Pereira Barreto (1840-1923), Alberto Sales (1857-1904), Pedro Lessa (1859-1921) e Ivan Monteiro de Barros Lins (1904-1975). Defendia o plano proposto por Comte na primeira parte da sua obra, até 1845, antes que formulasse a “Religião da Humanidade”, e que poderia ser resumido assim: o posi-

tivismo constitui a última etapa (científica) da evolução do espírito humano, que já passou pelas etapas teológica e metafísica e que deve ser educado na ciência positiva,

16 - VÉLEZ RODRíGUEZ, Ricardo. A ditadura republicana segundo o Apostolado positivista. Brasília: UNB, 1982. Paim, Antônio. “Como se caracteriza a ascensão do Positivismo”. In: revista Brasileira de filosofia, São Paulo, v. 30, n. 119 (julho/setembro de 1980). p. 249-269.17 - O mais importante estudo a respeito é o de Ivan Lins, História do positivismo no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967. Cf. Paim, Antônio (organizador e introdução), Plataforma política do positivismo ilustrado. Brasília: Câmara dos Deputados, 1981, Coleção Pensamento Político Republicano.

a fim de que surja, a partir desse esforço pedagógico, a verdadeira ordem social, que foi alterada pelas revo-luções burguesas dos séculos XVII e XVIII. A corrente política do positivismo teve como maior representante a Júlio de Castilhos (1860-1903)18 que redigiu, em 1891, a Constituição para o Estado do Rio Grande do Sul, que começou a vigorar nesse mesmo ano.

Segundo essa Carta, as funções legislativas ficavam em mãos do Executivo (o Presidente do Estado sulino), passan-do os outros dois poderes públicos (Legislativo e Judiciário) a girar ao redor do governo. Segundo Castilhos, deveria ser invertido o dogma comteano de que à educação mora-lizadora seguiria pacificamente a ordem social e política: o Estado forte e centralizador arrumaria a casa, para depois educar compulsoriamente os cidadãos na nova mentalida-de, ilustrada pela ciência positiva. Esta corrente teve maior repercussão do que as outras três, devido ao fato de ter obedecido à tendência cientificista de que se impregnou o Estado consolidado pelo Marquês de Pombal, e também porque respondia aos apelos do caudilhismo gaúcho. Assim, as reformas autoritárias de tipo modernizador que o Brasil experimentou ao longo do século XX deram continuidade à mentalidade castilhista do Estado forte e tecnocrático. Esse modelo consolidou-se na obra de um seguidor de Castilhos: Getúlio Vargas (1883-1954). Aconteceu com o Castilhismo algo semelhante ao que ocorreu no México com o Porfirismo: cooptou a retórica positivista como ideologia estatizante e reformista, contra as velhas lideranças liberais e conservadoras.19

18 - VÉLEZ RODRíGUEZ, Ricardo. Castilhismo: uma filosofia da República. Brasília: Senado Federal, 2000, Coleção Brasil 500 anos.19 - VÉLEZ RODRíGUEZ, Ricardo. “Positivismo y realidad latinoamericana”. In: revista Brasileira de filosofia. São Paulo, v. 34, n. 133 (janeiro / março de 1984). p. 61-73.

Augusto Comte

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A corrente militar positivista20 teve como principal representan-te Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1836-1891), professor da Academia Militar e um dos chefes do movimento castrense que derrubou a monarquia em 1889. Esta corrente estruturou-se de forma semelhante à ilustrada, adotando as teses comtea-nas anteriores a 1845. Mas a feição política que a partir da proclamação da República passaram a ter pro-

gressivamente as intervenções “salvadoras” dos militares foi aproximando o seu cientificismo do modelo castilhista. É assim como, a partir de 1930, os militares positivistas passam a agir em consonância com as propostas tecnocráticas getu-lianas. A ideia comteana de que “o poder vem do saber”, se bem é certo que inspirou as várias correntes do positivismo, encontrou, como vimos, mais acabada formulação de parte dos positivistas ilustrados e dos Castilhistas. A partir de 1874, quando da Academia Militar foi segregada a Escola Politécnica, os ideais cientificistas do comtismo encontraram nela terreno propício. Passou-se a cultuar a visão classificatória absoluta das ciências feita pelo filósofo francês. 21 O dogmatismo po-sitivista defrontou-se, no entanto, no próprio seio da Escola Politécnica, com críticos sistemáticos como Otto de Alencar (1874-1912) e Amoroso Costa (1885-1928), que expuseram a insuficiência do comtismo como filosofia das ciências.

20 - PAIM, Antônio. “Como se caracteriza a ascensão do positivismo”. Art.cit., p. 249-269.21 - PAIM, Antônio. História das idéias filosóficas no Brasil. São Paulo: Convívio; Brasília: INL/ Fundação Pró-Memória, 1984. p. 473 seg. Cf. outrossim, Quintero Samaniego, Luis Elias, A crítica ao positivismo na Academia Brasileira de Ciências. Dissertação Mestrado. Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho, 1990.

4) O equacionamento técnico dos problemas de Getúlio vargas

A manifestação mais acabada do cientificismo brasileiro foi obra de Getúlio Vargas, que realizou a união definitiva das duas vertentes modernizadoras: a castilhista e a proveniente da Academia Militar e da Escola Politécnica. “Qual a con-tribuição de Vargas ao Castilhismo? – Pergunta Antônio Paim. E res-ponde: – Indicaria, de um modo geral, que consistiu no empenho em transformar as questões políticas em problemas técnicos”.22 O próprio Getúlio expressou esse propósito em discurso pronunciado em 4 de maio de 1931. Estas são as suas palavras: “A época é das assembleias especializadas, dos conselhos técnicos integrados à admi-nistração. O Estado puramente político, no sentido antigo do termo, podemos considerá-lo atualmente entidade amorfa que, aos poucos, vai perdendo o valor e a significação. Creio azado o ensejo para o cancelamento de antigos códigos e elaboração de novos. A velha fórmula política, patrocinadora dos direitos do homem, parece estar decadente. Em vez do individualismo, sinônimo de excesso de liberdade, e do co-munismo, nova modalidade de escravidão, deve prevalecer a coordenação perfeita de todas as iniciativas, circunscritas à órbita do Estado, e o reconhecimento das organizações de classe como colaboradoras da administração pública”. 23

A proposta modernizadora e autoritária de Vargas em 1930, é certo, não foi obra exclusiva do líder são-borjense. Houve, de um lado, a marcante colaboração da segunda geração

22 - PAIM, Antônio. A querela do estatismo, ob. cit., p. 73.23 - PAIM, ob. cit., p. 75.

Benjamin Constant

Getúlio Vargas

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castilhista, na qual ressalta como figura de prol Lindolfo Boeckel Collor (1889-1942), primeiro ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, idealizador da política trabalhista e estrategista da Plataforma da Aliança Liberal. De outro lado, houve a partici-pação dos mineiros, sob a liderança de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (1870-1946), que ensejaram os aspectos liberalizantes da Plataforma. Houve, também, a influência de Francisco José de Oliveira Vianna (1883-1951), cuja obra Populações meri-dionais do Brasil foi lida por Getúlio quando da sua passagem pelo Parlamento, entre 1923 e 1926. Referir-me-ei em detalhe, logo mais, a esta influência. O líder são-borjense mitigou, na leitura do sociólogo fluminense, o seu acirrado castilhismo, mitigando-o com uma concepção sociológica arejada e com-pletando esta visão com aspectos da sociologia saint-simoniana (que Getúlio conhecia bem), e que se aproximava da realidade social como se se tratasse de um ser vivo.

A contribuição de Lindolfo Collor foi decisiva: sob sua inspiração, os Castilhistas deixaram o provincianismo gaúcho para pensarem o Brasil numa dimensão nacional, superando os vezos do coronelismo familístico. Lindolfo Collor foi, igualmente, responsável pela elaboração dos aspectos estratégicos da Aliança, que abarcavam uma clara proposta de modernização do país, levando em conside-ração as variáveis econômicas, políticas, militares, traba-lhistas, educacionais etc. Esta proposta de modernização foi concebida no contexto de um estrito centralismo, que conferia ao Executivo soma incalculável de poderes. A prin-cipal finalidade do Poder Central era, para Collor, garantir o progresso do país e a unidade da nação.24

24- VÉLEZ RODRíGUEZ, Ricardo. “Tradição centralista e Aliança Liberal”. Introdução à obra Aliança liberal: documentos da campanha presidencial. Brasília: Câmara dos Deputados, 1982. p. 9-43. Para uma análise mais completa da contribuição de Lindolfo Collor à segunda geração castilhista, cf. do mesmo autor, “Lindolfo Collor e a plataforma modernizadora da Aliança Liberal”. in: Convivium, São Paulo, v. 32, n. 2 (março/abril, 1982): p. 97-113.

O esforço modernizador e autoritário de Vargas, ao passo que levava até às últimas consequências o preconceito casti-lhista contra a classe política (“o regime parlamentar – diziam os castilhistas – é um regime para lamentar”), deitava os alicerces para o fortalecimento definitivo do Estado brasileiro e o surgimento da tecnocracia como o seu sustentáculo, ma-terializando assim o ideal do patrimonialismo modernizador pombalino, de organizar a sociedade e o Estado sobre uma base científica. “Todo o esforço de Vargas – afirma Antônio Paim – vai consistir em criar organismos onde as questões de alguma relevância passem a ser consideradas do ângulo técnico. Amadurecido o ponto de vista dos técnicos, a institui-ção deve assegurar a audiência dos interessados. O governo não se identificará com qualquer das tendências em choque, porquanto exercerá as funções de árbitro”.25

Vale a pena destacar que o esforço modernizador de Vargas encontrou na obra de Francisco José de Oliveira Vianna forte apelo para descobrir a perspectiva nacional dos problemas. O contato de Vargas com o pensamento do sociólogo fluminense deu-se ao ensejo da sua passagem pelo Congresso Nacional, como chefe da bancada gaúcha, ao longo da década de 20 do século passado. Essa influência, mais a experiência parlamentar, terminaram por burilar a personalidade pública do jovem advogado dos pagos gaú-chos, que terminou se convertendo em estadista sensível aos problemas nacionais, não apenas às reivindicações regionais. Um ponto da sociologia de Oliveira Vianna ficou claro para Getúlio: não há monocausalismos em ciências sociais. Para bem compreender o Brasil, far-se-ia necessário desenvolver estudos monográficos, à maneira apregoada por Sílvio Romero (1851-1914), autor em quem Oliveira Vianna fartamente se inspirou.

Destarte, Vargas conseguiu fazer a crítica à visão

25 - PAIM, Antônio. A querela do estatismo, ob. cit., p. 24.

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unilateral de inspiração positivista e desenvolver uma pers-pectiva sociológica mais ampla, para compreender a proble-mática nacional. No tocante à administração do Estado, a lição de Oliveira Vianna era clara: são necessários conselhos técnicos que abarquem a variada gama de problemas na-cionais. Sem eles, qualquer administração não passaria de amadorística. É claro, contudo, que Getúlio não chegou a desenvolver uma concepção tecnocrática e liberal do Estado. Ancorou numa perspectiva tecnocrática autoritária, com os Conselhos Técnicos iluminando a ação todo-poderosa do Executivo, sem referência ao Parlamento (que na visão getuliana precisava ser simplesmente esvaziado).

Vargas materializou o princípio do encaminhamento téc-nico dos problemas, nos principais campos da administração pública e da política. No terreno educacional, por exemplo, promoveu o consenso dos técnicos através da Associação Brasileira de Ensino. No âmbito da política salarial, chegou à adoção, por parte do governo, de mecanismos técnicos, mediante a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio; surgiu assim uma legislação abrangente que possibilitou a organização da Justiça do Trabalho e dos sindi-catos como peças dessa engrenagem. No campo legislativo, depois de fechado o Congresso em 1937, realizou-se ampla experiência de legislação atendendo a critérios técnicos, com a formação de comissões especiais para elaborar leis e decretos, no terreno do ministério da Justiça e dos Estados.26 O princípio do encaminhamento técnico dos problemas manifestar-se-ia, finalmente, no campo econômico, no fato

26 - PAIM, Antônio. A querela do estatismo, ob. cit., p. 71-86. Getúlio tentou, no terreno da política, estabelecer um consenso entre as várias tendências conservadoras existentes. Para isso, criou um foro de debates na revista Cultura Política, dirigida por Almir de Andrade. Cf. a respeito: Brasil, Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, Cultura Política e o pensamento autoritário. (Introdução de Ricardo Vélez Rodríguez). Brasília: Câmara dos Deputados, 1983.

de ter sido atribuído ao Estado a missão primordial de pro-mover a racionalidade econômica, que implicava – segundo a tradição castilhista e à luz do intervencionismo autoritário apregoado por Aarão Reis (1856-1936)27 – crescente papel tutelar do governo na economia. Esse intervencionismo, que tornava realidade o ideal pombalino do Estado em-presário, teve como principais manifestações a criação da Siderúrgica de Volta Redonda, a ingerência do poder público na negociação da moeda estrangeira, a consolidação da centralização das emissões pelo Banco do Brasil, a criação da Superintendência da Moeda e do Crédito, precursora do Banco Central, a criação do Conselho Federal de Comércio Exterior e a constituição, no interior desse Conselho, de uma Comissão Especial para estudar o problema do aço.28

O cientificismo que acompanhou a evolução do Estado patrimonial modernizador brasileiro entre 1930 e 1954, pode ser ilustrado com os seguintes fatos: a) a emer-gência da ideia e da prática de planejamento, entendido como conjunto de técnicas destinadas a assegurar a consecução de determinadas metas, no campo da ra-cionalização da economia; esse fato manifestou-se a partir dos trabalhos da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (1951-1953), reunida no decorrer do último mandato de Getúlio. b) A criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) em 1952, que constituiu o elemento catalisador das novas técnicas e que permitiu o teste da sua eficácia nos anos 1950. No

27 - A obra deste autor, que lecionou na Escola Politécnica, ao fazer um combate frontal ao liberalismo econômico, formulando uma ampla doutrina centrada nos intervencionismo estatal de cunho autoritário na economia e tendo como pressuposto a crença na capacidade ético-normativa da ciência, revelou, mais uma vez, o influxo das ideias cientificistas de origem pombalina na República Velha. O principal escrito de Aarão Reis, Economia política, finanças e contabilidade (Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1918) exerceu grande influência, especialmente a partir de 1930.28 - PAIM, Antônio. A querela do estatismo, ob.cit., p. 81-83.

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BNDE formou-se a primeira geração de tecnocratas trei-nados para efetivarem a racionalização da economia, sob a intervenção do Estado. O ulterior Programa de Metas de Juscelino Kubitschek (1902-1976) veio reforçar essa racionalização da economia, decorrente da adoção da idéia de planejamento. O governo de João Goulart (1918-1976) poderia ser caracterizado – segundo a apreciação de Antônio Paim29 - como “autêntico acerto de contas do patrimonialismo tradicional com o segmento moderniza-dor”. Nele, os setores não modernizados (classe política e burocracia) tentaram frear o processo de racionalização econômica em curso, mediante o esvaziamento do BNDE.

5) A engenharia política do general Golbery do Couto e silva (1911-1987)

O golpe de 64 e os 20 anos de regime de exceção que se seguiram podem ser caracterizados, do ponto de vista da evolução do cientificismo no Brasil, como a volta aos critérios da racionalidade econômica através da intervenção autoritária do Estado e da plena adoção da ideia de planeja-mento. O modelo de Estado patrimo-nial-modernizador instaurado por Getúlio em 30 teve a sua continuidade com o golpe de 64, especialmente após a reforma administrativa de 1967, que enfeixou nas mãos da elite tecnocrático-militar a formulação da alta política nos terrenos econômico e social, com a marginalização e ulterior cooptação da classe política.30

29 - PAIM, Antônio. A querela do estatismo, ob.cit., p. 101.30 - CRIPPA, Adolpho; CAMPOS, Antônio Carlos de Moura; LENZI, Mário Ângelo; PASSARELLI, Sílvio; VÉLEZ RODRíGUEZ, Ricardo. Democracia e participação. São Paulo: Convívio, 1979.

Após 20 anos de governo tecnocrático-militar, o qua-dro resultante lembrava bastante o modelo pombalino de despotismo esclarecido: hipertrofia do Poder Executivo (que passou a legislar pelo caminho autoritário do decreto mlei, marginalizando o Legislativo); gigantismo do Estado-empresário, que fez crescer descontroladamente o setor estatal da economia (as empresas estatais passaram de aproximadamente 100 em 1964 para 480 no final do go-verno Geisel); aceleração do ritmo da inflação (decorrente do paternalismo estatal em face de as empresas públicas e privadas improdutivas); desrespeito às liberdades dos cidadãos e criação de privilégios que passaram a beneficiar minorias. A respeito deste último aspecto, escreveu o juris-ta Ricardo Lobo Torres: “Entre nós a ruptura (do princípio da imunidade em benefício do cidadão) se deu no regime autoritário inaugurado em 1964, que, apropriando-se do discurso positivista pretensamente dotado de cientificidade, (...) confundiu imunidade com isenção (...) (e enfraqueceu) as garantias do mínimo existencial”.31 A Constituição re-vogada, frisa o mencionado jurista, desrespeitou a justiça social, ao conceder “indiscriminadamente subvenções e subsídios para a burguesia e isenções para militares, juízes e deputados” e ao ferir, destarte, “os privilégios do cidadão pobre, a quem pouco se concedeu”.32

Do ângulo político, a herança mais negativa de 64 foi a desvalorização da representação a partir da dependência do Congresso em relação ao Executivo. Após os generais gaúchos terem tomado em suas mãos o controle do gover-no, ao ensejo da morte do marechal Castelo Branco (1897-1967), a questão da representação passou a segundo plano, como se o espírito do castilhismo tivesse revivido. 31 - TORRES, Ricardo Lobo, “O mínimo existencial e os direitos fundamentais”. In: revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, n. 117 (julho-setembro. 1989): p. 39. 32 - TORRES, Ricardo Lobo, art. cit., p. 41-42.

Golbery do Couto

e Silva

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A manifestação mais clara desse viés foi o Pacote de 13 de Abril de 1977 promulgado pelo presidente Ernesto Geisel (1907-1996), que ensejou o controle da representação pelo Executivo, com a criação dos senadores biônicos e a adoção do voto indireto na eleição dos membros desta casa do Congresso. De outro lado, a proporcionalidade da representação para a Câmara dos Deputados passou a beneficiar aqueles Estados (os menos desenvolvidos da Federação, como os do Nordeste) que dependiam mais dos favores do Executivo.

Mas o processo de modernização centrípeta e auto-ritária não foi apenas uma política que se pôs em prá-tica. Constituiu também todo um conjunto de princípios que foram colocados em circulação especialmente pela Escola Superior de Guerra. A respeito, salienta Antônio Paim: “O pressuposto essencial da Escola tornou-se a promoção da racionalidade na atuação do Estado. Semelhante objetivo é entendido como correspondendo à velha aspiração da intelectualidade e da elite militar e consiste no empenho decidido em prol da superação das deformações do Estado liberal”.33 Ora, nessa tarefa assis-te à elite tecnocrático-militar a capacidade de formular os “objetivos nacionais permanentes”, que constituem imperativos morais que pairam acima das discussões políticas. A legitimidade na formulação desses objeti-vos é dada pela ciência, que pretensamente assiste aos formuladores dos mesmos.

O mais importante teórico da modernização do Estado brasileiro ao longo do ciclo militar foi, sem dúvida, o general Golbery do Couto e Silva. Alicerçado na proposta de “au-toritarismo instrumental” elaborada por Oliveira Vianna34, 33 - PAIM, Antônio. A querela do estatismo, ob. cit., p. 117.34 - VIANNA, Francisco José de Oliveira. Populações meridionais do Brasil e Instituições políticas brasileiras. 1ª edição num único volume. Brasília: Câmara dos Deputados, 1983, Biblioteca do Pensamento

o general Golbery considerava que ao Estado forte e cen-tralizador cabe promover a participação política, orientada à consolidação do sistema democrático, que deve chegar a se tornar “capaz de aperfeiçoar-se ainda mais, assegurando o salutar usufruto das franquias individuais e coletivas e implantando o exercício corrente e eficaz da atuação partici-pativa de todos os cidadãos e grupos sociais na tomada das grandes decisões de interesse da coletividade nacional”.35

Este seria o objetivo fundamental a ser alcançado. Essa seria a essência da tarefa de construção ou de engenha-ria política, que estaria garantida pela racionalidade que assiste ao Poder Executivo, como diretor de todo o proces-so. Encontramos vigente na proposta de Golbery, embora mitigado com os acenos democratizantes, o modelo mo-dernizador getuliano-pombalino, que apela para a ciência aplicada a serviço do Estado, como fonte de legitimação do autoritarismo centrípeto. A democracia, para as nações afetadas pelo complexo de clã (que conduz ao insolida-rismo) e dispersas na imensidão de grandes extensões continentais, somente poderia vir pelo amargo caminho do Estado autoritário e centralizador. Esse é o caso do Brasil, submetido a crises cíclicas de autoritarismo e excesso de tolerância (“sístoles e diástoles do coração do Estado”). Tal é a lição de Golbery.

Político Republicano. O termo “autoritarismo instrumental” foi cunhado por Wanderley-Guilherme dos Santos (Ordem burguesa e liberalismo, São Paulo: Duas Cidades, 1978) para identificar a índole autoritária do processo modernizador proposto pelo sociólogo fluminense. Em face de o esfacelamento do Brasil causado pelo “complexo de clã” ou insolidarismo dos seus habitantes e pela imensidade territorial, a instauração da democracia necessariamente deveria transitar pelo caminho da ação centrípeta e autoritária do Estado. Cf. a minha obra Oliveira vianna e o papel modernizador do Estado brasileiro, Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 1997.35 - SILVA, Golbery do Couto e. Conjuntura política nacional: O Poder Executivo & Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981, p. 3-37.

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Conclusão

É muito forte a tradição cientificista brasileira. A mi-nha análise deteve-se, apenas, nos momentos em que ela se manifestou nos terrenos político e econômico, mos-trando como o regime militar se inseriu nesse contexto. Mas outras variáveis também poderiam ser consideradas. A mentalidade cientificista é marcante, por exemplo, no meio universitário, em que um difuso culto à retórica científica, casado com a “vulgata marxista”, levou a que muitos achassem que faziam ciência ao repetir apenas slogans ditados pelo cientificismo de plantão, tendo sido banida a pesquisa básica e o estudo aprofundado das humanidades.36

No terreno político, ainda não foram superados os riscos de enveredarmos por nova trilha de autoritarismo tecnocrático, dado o acúmulo de poderes de que ainda goza o Executivo e os tropeços na modernização da repre-sentação parlamentar. A medida provisória, emergente da Constituição de 1988, tem-se revelado estatuto político de cunho autoritário que, apesar dos dispositivos jurídicos para a sua limitação conferidos ao Congresso nas últimas décadas, consegue ainda atravancar o trabalho legislativo e dar tremenda volatilidade ao marco jurídico sobre o qual devem repousar as instituições. A instabilidade institu-cional que afasta investidores encontra nesse ponto, sem lugar a dúvidas, uma das suas causas mais poderosas. O Executivo age, em não poucas oportunidades, como a “mula sem cabeça” de que falava, na época do governo Collor, conhecido intelectual de esquerda.

As possibilidades desse tipo de instabilidade aumentam,

36 - A análise mais completa desta variável foi efetivada por Antônio Paim na sua obra intitulada: Marxismo e descendência (Campinas: Vide Editorial, 2009).

na medida em que parcela significativa do Partido atual-mente no poder continua pressa à visão retrógrada das denominadas “viúvas da Praça Vermelha”, sendo acom-panhada pelos defensores da Teologia da Libertação.37 O risco maior, certamente, provém da fragilidade do nosso tecido social, que se exprime, no terreno da política, na falta de uma autêntica representação. A pobreza, o analfabetismo, o clientelismo, o desemprego crescente, são mazelas que tornam a sociedade brasileira presa fácil dos cientificismos populistas.

As Forças Armadas brasileiras, que entre 1964 e 1985 protagonizaram a mais longa intervenção cientificista do período republicano, parece terem-se afastado des-sa visão, se levarmos em consideração o pensamento de figuras de prol como o Brigadeiro Murilo Santos38 e o Almirante Mário César Flores39, claros defensores da tese da profissionalização das mesmas e da sua inserção no contexto de uma democracia moderna, em que os militares estão submetidos ao poder civil legitimamente constituído.

Ao longo dos quase 30 anos que se passaram desde o fim do ciclo militar, os nossos oficiais e soldados volta-

37 - A respeito, Antônio Paim frisa na sua obra A escola cientificista brasileira, ob.cit., p. 167-168: “As viúvas do comunismo têm conseguido impedir que uma agremiação como o PT, que se imaginava consistiria numa proposta moderna,continue encurralado pelo patrulhamento ideológico dos comunistas. Estes nada têm a ver com o socialismo, inspirando-se diretamente no despotismo oriental e não passando, o que produziram na Rússia, de uma das virtualidades do velho Estado Patrimonial”.38 - SANTOS, Murillo, Brigadeiro. O caminho da profissionalização das forças Armadas. (Prefácio de Miguel Reale; apresentação do Brigadeiro Sócrates Monteiro da Costa, Ministro da Aeronáutica e do General Leônidas Pires Gonçalves). Rio de Janeiro: Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica 1991.39 - FLORES, Mário César, Almirante. Bases para uma política militar. (Prefácio de Carlos Vogdt; apresentação de Eliézer Rizzo de Oliveira). Campinas: Unicamp, 1992.

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ram para a caserna, a fim de defender o país de acordo com as diretrizes traçadas pela Constituição de 1988. Respeitosos da Lei de Anistia, não questionaram a volta dos exilados, entre os quais se encontravam antigos ter-roristas que assassinaram cidadãos inermes ou membros das Forças Armadas e das Polícias estaduais. Têm par-ticipado, com dedicação, eficiência e espírito patriótico, das missões de paz em que o Estado brasileiro decidiu estar presente. Têm reconhecido e servido fielmente aos governos civis legitimamente eleitos, sem considerações ideológicas ou ressentimentos. Têm colaborado de forma desinteressada e pronta nas ações humanitárias a que foram chamados, quer pela União, quer pelos governos estaduais, em momentos de desgraças coletivas. Gozam os nossos militares, por isso, de alta valoração no seio da opinião pública, nas diversas enquetes efetivadas por institutos de pesquisa.

Mas a atitude dos civis não tem sido apropriada em face de as necessidades orçamentárias das Forças Armadas. Legislando à luz do revide ideológico, os civis, no poder, têm cerceado os recursos que se faziam ne-cessários para a manutenção da tropa e o cabal cumpri-mento das missões constitucionais assinaladas àquelas. O Exército, por exemplo, viu contingenciados os recursos necessários para a implantação do SISFRON. Este projeto permitiria a efetiva vigilância da nossa fronteira seca com os países sul-americanos. A invasão do território brasi-leiro por traficantes de drogas e de armas não tem sido estancada, em consequência desse descaso do governo. A insensatez é mais gritante, se levarmos em consideração as quantias milionárias de dinheiro público que têm sido desviadas, ao longo da última década, em programas sociais mal desenhados e em distribuição corrupta de benesses entre amigos e apaniguados.

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QUAl fIlOsOfIA POlíTICA?

Francisco Martins de Souza

Os conceitos básicos a serem estudados para busca de uma Filosofia Política que convenha a necessidade de um rumo político bem definido para a questão do Brasil político.

LiberalismoNeoliberalismo

SocialismoCorporativismoAutoritarismo

Democracia e os diversos usos deste conceitoNecessidade

Evolução ou Revolução?CulturaFamília

Com os temas propostos, indicamos sumariamente uma vereda por onde trilhar para a busca da tão desejada Filosofia Política para nossa circunstância.

Como ficou indicado, o caminho seguido pelo pensa-mento político brasileiro é sua prática na historiografia sem rumo definida, e, para tanto, veja-se a quantidade de Constituições que já experienciamos.

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As revoltas, revoluções e, em especial, a Intentona Comunista de novembro de 1935 – quando implantou um governo que durou quatro dias em Natal e Interior do Rio Grande do Norte, com gabinete, secretariado e desvirtuou o Conceito de Propriedade, que é seu primeiro alvo em toda sua ideologia desde o Socialismo Utópico a ser analisado.

Com esta aventura houve oportunidade para formar-se sua antítese: o Corporativismo Autoritário de 1937, oposição radical ao Socialismo Comunista e ao Liberalismo que ainda se mantinha com a Carta de 1934.

Podemos observar, então, que quando não existe rumo definido, no caso, um pensamento político ordenado, uma filosofia condutora de tal processo, aventureiros de última hora podem inflamar e impor à sociedade ideologias exó-genas, geralmente sob a capa de carisma ardilosamente preparado quando estão de posse do poder político.

Governar apenas com vontade própria desvia o projeto político de sua finalidade específica que é a permanência da ordem e do equilíbrio social.

Na atualidade brasileira, mais do que em épocas ante-riores, pensar uma Filosofia política para esta permanên-cia que contemple a paz, o desenvolvimento, a justiça, a prosperidade para o maior número de cidadãos, modelo exemplar de convivência com as outras nações amigas, que seja a tarefa dos Pensadores que trabalham para tal finalidade.

Estas simples notas baseiam-se no projeto do Culturalismo brasileiro na busca de uma Filosofia Política que supere os momentos Panfletário ou Ideológico dos que governam com a emoção e esquecem que estão inseridos nos Princípios da Civilização Ocidental.

O termo Neoliberalismo, para ser discutido, já pressupõe um conhecimento do Liberalismo como filosofia política e econômica. Foi implantado a partir das reflexões de John

Locke (1632-1704), com a obra fundamental “Segundo Tratado sobre o Governo Civil”, publicado em 1690, na Inglaterra, onde foram lançadas as bases sobre as quais iriam se desenvolver, na História do Ocidente, as grandes vertentes que, de acordo com a aplicação na prática política, poderão ser aperfeiçoadas, mas man-tendo a fidelidade aos fundamentos conceituais que se tornaram permanentes.

Esses conceitos básicos, que são: a liberdade, a igual-dade, a propriedade e a segurança dos indivíduos como pessoas, possibilitarão as mais diversas interpretações da ideia ao longo da História.

O Liberalismo passa a ser entendido e aplicado em cada período histórico de acordo com as novas formulações teóri-cas dentro da própria concepção, ou pode sofrer influências de outras doutrinas sem perder o objetivo final, o qual é a própria liberdade como limitação do poder político e o estímulo do poder econômico.

A ideia democrática é a primeira grande contribuição e o sustentáculo político que se tomará permanente junto ao Liberalismo, pois nos princípios somente os proprietários participavam do pacto como organização da sociedade política.

As possibilidades de acomodação aos reais interesses sociais e a livre iniciativa marcarão a trilha estimulante da convivência em busca da solução dos problemas sob a diretriz política.

O Liberalismo clássico se desenvolve a partir da

John Locke

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contribuição da ciência econômica fundada por Adam Smith (1723-1790) com a obra “Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações” (1776); e as obras de David Ricardo (1772-1823) com os “Princípios da Economia Política e da Tributação”, de 1817; e, no Brasil, com a obra do Visconde de Cairu (1756-1853), “Estudos do Bem-Comum e Economia Política”, de 1819.

John Locke havia iniciado a doutrina que, posteriormente, seria chamada de Liberalismo, cuidando da organização política, da limitação do poder do gover-nante, da questão da legitimação do poder, bem como a organização do Estado.

Quanto à economia, núcleo central de sua reflexão, é a ques-tão da propriedade que se tomará o tema central das investigações posteriores, colocando o traba-lho como fonte primeira de toda aquisição.

Adam Smith já investigava o trabalho como gerador não só da propriedade, mas do valor e, portanto, da riqueza.

Os aspectos sociais da divisão do trabalho, bem como sua organi-

zação, passaram da economia orgânica (corporativismo) para a economia particular, indivi-dual (Liberalismo). A liberdade de iniciativa tomou-se, então, aliada à igualdade de oportu-nidades para produzir o futuro Capitalismo.

David Ricardo (descen-dente de judeus portugueses) irá continuar a desenvolver, na Inglaterra, as doutrinas de Smith e, assim, tentar soluções para as questões do livro de R. Malthus (1766-1834) “Ensaio sobre a População”, de 1798.

Ricardo descobre as leis constantes que regem os fe-nômenos econômicos e desenvolve temas básicos para a compreensão desses fenômenos. A sua vasta linha de abordagem versará sobre a lei do valor; a teoria do valor do trabalho; o custo do trabalho; o valor produzido pelo trabalho; a repartição do produto entre trabalhadores, ca-pitalistas e proprietários; o livre cambismo e o Comércio Internacional; a teoria das vantagens comparativas; a teoria da repartição da renda; a teoria do sistema monetário, entre outros.

No Brasil, seguindo essas indicações sumárias, temos contribuições para o Liberalismo com Cairu, que, além da obra citada, publicou “Princípios de Economia Política”, em 1804, e outras sobre Direito Mercantil e Seguros.

Ao definir a Economia no Sistema Liberal, Cairu já an-tevê o trânsito para o pensamento moderno ao dizer que: “É um ramo de jurisprudência e compreende aquela parte do Direito que estabelece os fundamentos do Sistema Social, ou da Boa Ordem Civil, que assegura a

Adam Smith

David Ricardo

Visconde de Cairu

R. Malthus

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Propriedade, ou o domínio das coisas e facilita o troco dos trabalhos, territórios e seus produtos”. E, ainda:

“A segurança das pessoas e da propriedade legiti-mamente adquiridas, com a menor restrição possível da liberdade de cada indivíduo, regulada pelo bem-comum da espécie humana e circunstâncias especificas do território--estado de cada Nação”.

Vemos que o conceito de igualdade ainda não entra nas cogitações, pois o regime político assentava-se no Absolutismo monárquico.

O Liberalismo, que assegura a passagem ao sistema democrático que provém da Inglaterra, segue seu curso histórico, procurando firmar compromissos com uma po-lítica social mais justa que contemple os desprotegidos.

Já na década de 30 do século passado, a discussão em torno do problema da pobreza merecia atenção dos liberais, bem como os contratos de trabalho já tratavam da remuneração.

Nos princípios daquele século, já se delineavam os aspectos sociais que marcariam o rumo do Liberalismo chamado social, ou seja, as antecipações do “welfare state”, com a instituição da pensão para os velhos e o auxílio-desemprego.

O “Old Age Pension Act” foi aprovado, em 1908. O ampa-ro à velhice constituiria o estabelecimento, pelo Liberalismo, da justiça, em substituição à caridade; ao Estado caberia tal papel social.

O aperfeiçoamento da doutrina ao longo da História poderia levar ao “reconhecimento da condição de membro da sociedade”, preservando a dignidade daqueles que já não podem produzir.

O Liberalismo e sua consequência econômica, o Capitalismo, receberia sua grande prova de resistência no final da década de 1920, com a derrocada econômica pro-

duzida pela “débâcle” das bolsas, nos Estados Unidos (1929).

Da quase falência gerada pelo fenômeno, em outros países de-pendentes do livre intercâmbio comercial, vamos ter como con-sequência a aprovação da terceira via, posição entre Capitalismo e Socialismo, que será implantada em alguns países da Europa como solução político-econômica: é o Corporativismo.

A solução dentro da Democracia Liberal aparece com as indicações doutrinárias de John Maynard Keynes (1883-1946), com a obra “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”, publicada em 1936.

A reforma da Economia Clássica já mostrava ser neces-sária quando publicou, em 1926, o fim do “laissez-faire”.

Na nova doutrina liberal, o Estado deve entrar no jogo econômico para equilibrar o mercado, sem necessidade de competir com a sociedade na produção.

A nova ordem “New Deal” do Governo Franklin Roosevelt espelha-se na doutrina de Keynes. A retomada do Capitalismo Liberal recebe os elementos que permitirão livrar-se da in-fluência corporativista e coletivista social. O Liberalismo se reforma com a libertação da “mão invisível”, único controle pensado com a Lei da Oferta e da Procura dos clássicos.

O Estado terá o seu papel no gerenciamento à distância, mas sob vigilância, da economia; os instrumentos de equilí-brio social são gerados a partir do corpo de ideias novas; e a questão do emprego, como condição para afirmar e fruir os direitos fundamentais, é elevada a mais alta prioridade, cabendo ainda ao corpo de Leis Sociais formar os direi-tos ao Seguro Desemprego, à aposentadoria integral, ao

John Maynard Keynes

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salário-família, ao seguro-saúde, ao transporte subsidiado, à educação básica gratuita e aos programas habitacionais.

Essa política liberal que contempla, partindo do desen-volvimento, as grandes propostas sociais das décadas de 1920 e 1930 vêm afirmar-se como definitivas, nos países chamados desenvolvidos, no pós-guerra.

O Liberalismo, entretanto, na sua forma político-econô-mica, como vem sendo analisado, passa a ser repensado ou alcança tais níveis de conquistas, pois tem deixado sempre certo resíduo de pobreza e carência, mesmo reconhecendo--se que o salto histórico foi impulsionado pela intervenção reguladora das propostas do keynesianismo.

No campo sociocultural, essas políticas coincidem com a afirmação e o desenvolvimento das Ciências aplicadas à Tecnologia, no esforço de guerra entre Liberalismo versus Corporativismo, o que desenvolve de maneira surpreenden-te o campo liberal com sua afirmação sobre tal doutrina.

A moral liberal capitalista impõe-se pela força aos ven-cidos da economia corporativa representados pela Itália, pela Alemanha e pelo Japão. Os que praticavam economia ambígua entre liberal e corporativa, e não foram vencidos, ficaram obrigados a se corrigir quando acharam que seria conveniente ou, ainda, permaneceriam indecisos.

Na atualidade, já se pensa no bojo do grande desen-volvimento gerado pela Economia Keynesiana, um novo Liberalismo que reitera e avança a possibilidade indefinida de progresso econômico social, ancorada nas grandes refor-mas sociais; e, outro, que faz uma volta às origens e procura retirar o papel representado pelo Estado na ingerência de assuntos que competem, exclusivamente, à sociedade, ou seja, a instituição do Estado Mínimo.

O Neoliberalismo pode manifestar-se com essas duas possibilidades.

Uma dessas versões do Neoliberalismo é exposta nas

reflexões de Ralf Dahrendorf (1929), em que apresenta a ques-tão da liberdade econômica e as exigências sociais impostas pela sociedade contemporânea.

Mesmo aceitando os funda-mentos do Liberalismo como a parte permanente de uma filosofia política reguladora da boa ordem social, entende que o Liberalismo tradicional posto à prova durante a prática de governo mostrou-se hesitante no que toca às reformas e conquistas sociais, e admite, então, novo direcionamento à parte formal desse Liberalismo, e a passagem a um Liberalismo substancial.

No livro “O Liberalismo e a Europa” (edição de 1981, da Universidade de Brasília), Dahrendorf afirma: ‘’A atividade econômica não deve somente fornecer a base material do desenvolvimento, mas também ocasião para um desenvol-vimento individual livre. Tudo isto se pode obter no quadro de um capitalismo reformado”.

Os novos liberais da vertente alemã assimilam o que há de razoáveis conquistas no campo social e procuram inte-grar a doutrina político-econômica às diversas tendências que enriquecem as conquistas liberais, demonstrando isto ao dizer que os liberais “administram um consenso forma-do de keynesianismo moderado em política econômica, de Welfare State, corrigido, quando ocorre, por certo grau de individualismo, de política exterior baseada na coope-ração internacional e não com o objetivo de potência, de uma política interna que procura combinar as exigências do Liberalismo com o apoio do Estado através de instru-mentos adequados”; e que a sua posição indica também participação na “gestão do consenso social democrático”.

O desenvolvimento continuado, ou seja, a expansão

Ralf Dahrendorf

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permanente da economia, baseia-se mais no “incremento das expectativas sociais num determinado país. E não na expansão dos mercados externos”.

Os trânsitos ou intercâmbios, hoje, estão direcionados mais comodamente entre as economias ricas do que antes da guerra, quando a formação da riqueza era buscada na forma de imperialismo, ou seja, um país rico subjugando economias primárias, como forma de incrementar e manter sua posição privilegiada.

O Neoliberalismo de Dahrendorf aponta, com sua dou-trina, um novo conceito de Nações semidesenvolvidas, e toma como exemplo a América espanhola e a América portuguesa. Para tanto, o Brasil é considerado uma grande potência, o qual poderia entrar para o clube dos ricos, pois a Itália, país rico, tem sua área de pobreza também; são Nações onde convivem dois mundos.

O Imperialismo é uma fase do desvio do nacionalismo e está sendo superado ao fazer o seguinte prognóstico quanto à Rússia: “Espera-se que a União Soviética atinja, um dia, a maturidade necessária para se dar conta de que os métodos imperialistas não são necessários”. Estas afirmações são de 1979.

Para Dahrendorf, as contradições, a inflação e as ou-tras mazelas que, no passado, eram impostas pelo siste-ma imperialista, foram superadas desse modo de pensar, pois agora procuramos novas interpretações para esses fenômenos.

O Estado, mesmo regulando certas funções e admi-nistrando os serviços essenciais, não deve cercear as liberdades nem impor uma ordem que possa inibir a livre iniciativa e a busca de soluções democráticas para a rea-lização dos direitos civis. Diz, ainda, citando Willy Brandt, que “a melhor solução aos males da Democracia é ter mais Democracia”.

O Neoliberalismo, seguindo essa tendência, amplia as possibilidades de uma responsabilidade social paralela e com mais liberdade diante da rigidez do ordenamento estatal; mesmo que este seja uma plena Democracia, teremos as exigências da liberdade individual versus a regulamentação das exigências burocráticas.

O que fica a indicar essas estratégias do novo Liberalismo da vertente alemã é que o antigo sistema de interesses de classes do tipo corporativista ou neocorporativista tende a desaparecer diante da investida do Liberalismo reformado.

A saída da Alemanha e de outros países europeus dos sistemas classistas corporativos, em que se pensava uma política representativa dos chamados legítimos interesses de grupos com atividades afins, sofre uma reformulação e o indivíduo passa a estar “no centro de uma série diversi-ficada de interesses”. O legítimo interesse será o interesse de toda a sociedade.

A Social-Democracia é uma tendência que aceita uma convivência com a Democracia liberal, mas, indica mais a possibilidade de uma maior participação popular no poder.

Sua formação se dá a partir do ano de 1875 e pleiteia uma reforma da sociedade sem recorrer à revolução ar-mada, e se opõe ao anarquismo, enquanto este renega o sistema social construído e vigente. A Social-Democracia pleiteia o aproveitamento do arcabouço construído e acima deste a implantação das reformas legítimas.

Essas reformas seriam implantadas a partir da aglutinação e formação de grandes massas no interior do sistema utilizado, construindo uma espécie de antissociedade, que demoliria a ordem antiga e provocaria o aparecimento da nova sociedade.

A sociedade industrial, por constituição político-liberal, avança sem concessões à Social-Democracia, e a maior luta desta seria contra a anarquia como atitude política utópica.

As revoluções sociais ou são feitas a partir de um corpo

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de ideias (ideologia), o qual forma a base de um partido po-lítico, ou informam o próprio ordenamento do Estado, e este impõe, de cima para baixo, uma legiferação que direcione no sentido da modernização das velhas estruturas sociais.

Quando teve oportunidade de chegar ao poder, a Social-Democracia, em alguns países da Europa, comandou essas reformas no sentido de permanentes conquistas sociais; seria a revolução permanente.

A Social-Democracia, desde a fundação até ao início da Primeira Guerra Mundial, significava as tendências socialistas em geral, e tinha como proposta chegar ao verdadeiro Socialismo utilizando como meio a Democracia liberal capitalista; estudar suas contradições e direcionar soluções próprias.

No princípio, a doutrina social-democrática propunha a eliminação da propriedade privada, bem como do mer-cado. Para superar a antiga sociedade democrática, seria necessária a implantação da ditadura do proletariado, que faria a passagem à sociedade perfeita proposta em nível internacional.

A revolução russa e o surgimento dos movimentos fas-cista e nacional-socialista (Corporativismo) retardaram as atividades da Social-Democracia. O Comunismo coletivista e o Corporativismo pretendiam, com as revoluções implanta-das, solucionar as contradições do Liberalismo democrático.

O sistema planificado da Economia, nas duas versões totalitárias, teve êxito apenas no campo da expansão científico-tecnológico-militar, deixando a sociedade como expectadora de tal proeza.

No pós-guerra, a Social-Democracia desenvolveu políti-cas de cooperação que se institucionalizam entre o Estado, as empresas e os sindicatos dos trabalhadores.

O Corporativismo ressurgiu na década de vinte e se aplicou à prática política em vários países europeus, e, no

Brasil, na década de 1930, como solução ao choque entre Liberalismo (individualismo) e Comunismo (coletivismo); seria a Terceira Via construindo a Democracia orgânica que eliminaria a luta de classes.

A Social-Democracia, na modernidade pós-guerra, as-sume de certa forma um papel de equilíbrio social, que se compara a um neocorporativismo, mas este tende mais às regras da Democracia liberal, ou seja, as iniciativas partem da base social e, não, conforme o antigo Corporativismo fascista e sua fórmula “tudo dentro do Estado, nada fora do Estado”, que compunha o chamado Estatismo Corporativo.

A Social-Democracia teve mais êxito durante a prática política nos países escandinavos e, atualmente, espelha-se em ordenamentos neocorporativos, em que a disciplina e coesão das partes – sindicatos, associações, governo – se interagem programando suas atividades para produzir os bens e recursos a serem distribuídos em consonância com o bem público.

O Neoliberalismo da vertente alemã, de certa forma, contemporiza com o direcionamento social-democrático, pois o Partido Liberal alemão participa da “gestão do con-senso social democrático”.

O Socialismo pode ser entendido como uma consequ-ência teórica dos movimentos reivindicatórios dos traba-lhadores e respectivos sindicatos formados pela grande Revolução Industrial na Europa do século XX.

A sua formação gera dois grandes movimentos, que irão marcar de um lado as tendências dos operários e suas reivindicações diante do Capitalismo, e, outro, de natureza moral, que parte dos intelectuais.

Do grupo orientado pelo sindicalismo operário, surge o Socialismo democrático que vai se transformar em grande movimento político na Europa.

A vertente democrática do Socialismo produz em sua mar-

ralf dahrendorf

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cha histórica conquistas de leis sociais e protetoras do trabalho em novo or-denamento; um novo Direito é criado; e novos pactos sociais ou constituições são inspirados a partir das novas ideias.

O Socialismo tem em Robert Owen (1771-1858) seu primeiro ar-quiteto, pois começa em New Lamark

a humanização e melhoria das condições gerais do trabalho, como sejam: diminuição da jornada, aumento dos salários, criação de escolas e construção de moradias perto dos locais de trabalho; organização do trabalho agrícola, em que seria repartido o produto do trabalho na comunidade.

Da experiência de Owen surge a ideia das cooperativas, que se multiplicariam e dariam possibilidade a uma nova forma de Socialismo, o Cooperativismo.

O Conde de Saint-Simon (1760-1825) e Pierre Proudhon (1809-1965) seriam os grandes im-pulsionadores e divulgadores da ideia socialista no continente.

Proudhon faz a primeira investida no conceito de propriedade, defendido pelos liberais como sendo o núcleo moral de toda a doutrina, ao publicar o livro “O que é a Propriedade”, em 1840.

Outro fundador do Socialismo foi Louis Blanc (1811-1882) com o livro “Organização do Trabalho”, em que ataca a outra função fundamental do Liberalismo – a livre concorrência.

As primeiras conquistas sociais dar-se-ão em fins do século XIX com a livre organização sindical na França, em 1884; a Confederação Geral do

Trabalho é de 1894; a jornada do trabalho de oito horas; a limitação ao trabalho juvenil e feminino; o salário mínimo; a regulamentação do trabalho noturno; o descanso semanal remunerado etc.

Essas conquistas só chegarão ao Brasil com as Constituições de 1934 e 1937, sendo esta eminentemente corporativa.

No Brasil, as conquistas sociais se dariam pela posição revolucionária do Estado e não da sociedade. A chamada do proletariado à participação seria por meio de Leis de-cretadas pelo poder central, mas nunca reivindicado pelo sistema representativo que não existia. (A legislação social na quase totalidade é fruto dos governos autoritários no Primeiro e Segundo Estado Novo).

O Socialismo, que não teve vigência no Brasil, fez sua primeira investida revolucionária, em 1935, com o apoio da Aliança Libertadora, não tendo qualquer sucesso.

No Brasil, a falta de uma filosofia política determinada tem gerado, ao longo da História, contradições internas e externas, levando a prática política às improvisações em-píricas ao sabor emotivo dos governantes.

A formulação frequente de pactos sociais, que se adap-tam às exigências e às expectativas da sociedade, gera instabilidade e insegurança, pois não se apresenta qualquer diretriz sólida duradoura à Economia.

Não temos certeza de o sistema político-econômico a seguir; as regras mudam a cada emoção. Liberalismo e Corporativismo se chocam e se compõem novamente. Tudo é improviso, estamos na busca de uma Filosofia Política que aten-da ao consenso da sociedade e ainda não sabemos qual será.

Se as Constituições são provisórias como a História tem provado, qual será nosso futuro?

Robert Owen

Conde de Saint-Simon

Pierre Proudhon

Louis Blanc

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Coronel do Exército, de Infantaria e Estado-Maior e Historiador Militar. É formado em Direito pela Faculdade de Direito de Barra Mansa (RJ) e Pós-Graduado no Curso de Extensão em Política, pela Universidade de Brasília (UnB). Foi Professor de História Militar na AMAN, em 1983/87 e Instrutor do Curso de Tática do GITE/CATRE, da FAB (Natal – RN), em 1987/90.

Membro da Federação das Academias de História Militar Terrestre do Brasil; sócio remido do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil; membro dos Institutos Histórico e Geográfico do DF e do RN e de História e Tradições do RS. É sócio correspondente dos Institutos Histórico e Geográfico do CE, SC e MS. Conselheiro e membro da Direção Nacional da Liga da Defesa Nacional e Conselheiro-Fundador da Fundação Cultural do Exército Brasileiro. É articulista do Jornal Inconfidência de Belo Horizonte (MG).

Manoel soriano Neto

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Coronel Aviador da Força Aérea Brasileira. Possui todos os cursos normais da carreira na Força Aérea e vários cursos de extensão na Fundação Getúlio Vargas e na Escola Superior de Guerra.

Membro Emérito do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil – IGHMB (cadeira nº 69); Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil; Membro-Correspondente do Instituto de História Aeronáutica e Espacial, da Espanha; Membro-Correspondente do Instituto Nacional Newberiano de História Aeronáutica e Espacial, da República Argentina; Membro-Correspondente do Instituto de Historia Aeronáutica y Espacial Eduardo Alfredo Olivero, da República Argentina; Membro do Conselho Editorial da Revista do Clube Militar; Membro-Correspondente da Academia Santos-Dumont (República Argentina); Conselheiro do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica (INCAER) e Conferencista Especial da Escola Superior de Guerra.

Manuel Cambeses Júnior

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Possui Graduação em Filosofia pela Universidade Pontifícia Javeriana (1964); Graduação em Teologia – Seminário Conciliar de Bogotá (1967); Mestrado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1974), Doutorado em Filosofia pela Universidade Gama Filho (1982). Realizou pesquisa de Pós-Doutorado no Centre de Recherches Politiques Raymond Aron – Paris (1994-1996), sob a orientação de Françoise Mélonio. Atualmente, é conferencista e membro do conselho consultivo da Universidade Católica Portuguesa (Lisboa), professor associado da Universidade Federal de Juiz de Fora e professor emérito da ECEME. É professor-colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da UFJF.

ricardo vélez rodríguez

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Bacharel em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ; Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUC-RJ e Doutor em Filosofia pela Universidade Gama Filho – UGF-RJ.

Professor Adjunto no IFCS-UFRJ (Aposentado); Ex-Professor Titular da UGF-RJ; Membro fundador e Vice-Presidente da Academia Brasileira de Filosofia-RJ; Membro do Instituto Brasileiro de Filosofia – SP.

Fundador da Pesquisa sobre Pensamento Brasileiro no Clube de Aeronáutica do Rio de Janeiro.

francisco Martins de souza

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ENsAIOs

Publicações sobre o Pensamento Brasileiro realizados no período

de 2007 a 2013

Coronel Aviador com todos os cursos de carreira na Força Aérea Brasileira. Formado em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade Bennett (1975-1980); em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Eclesiástica João Paulo II (1998-2000); em Teologia na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2000-2003) e Licenciatura em Filosofia na Faculdade Bennett (2008-2009).

Possui Mestrado em Ciências Aeroespaciais pela Universidade da Força Aérea – UNIFA (2005).

É Diretor do Departamento Cultural; Editor da Revista Aeronáutica; Coordenador do Grupo de Estudos e do Curso do Pensamento Brasileiro do Clube de Aeronáutica do Rio de Janeiro.

Araken Hipolito da Costa

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dEpaRtaMEnto cuLtuRaL do cLubE dE aERonáutica

[email protected]

vídeos

Viagens de Estudo do Grupo do Pensamento Brasileiro

www.caer.org.br/Pensamento Brasileiro

Videoteca dos Cursos do Pensamento

Brasileiro

Viagem à Amazônia I Viagem à Amazônia II

Viagem à Portugal

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