ENSAIO - ENAP - 2

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Ensaio produzido como produto para a disciplina “Estado Brasileiro e suas transformações”, ministrada pelos professores Fábio Kerches e João Feres, na 10ª edição do Curso de Especialização em Gestão Pública, promovido pela Escola Nacional de Administração Pública - ENAP. Estudante: Dimitri Leonardo Santana Martins de Oliveira ATPS/MTE. CPF: 002462525-61 SIAPE: 2049110. Crise política em 2015: uma confluência de vetores O Brasil comandado pela presidenta Dilma Rousseff tem vivido momentos de turbulências contínuas, que vêm se elevando em função exponencial desde as Jornadas de Junho de 2013 nas quais a presidenta se tornou “para-raio” das insatisfações generalizadas e difusas até chegarmos ao momento atual, às vésperas de inúmeras manifestações organizadas em redes sociais que estão pedindo o impeachment da presidenta Dilma Rousseff e até mesmo a cassação do registro político do PT, tornando- o ilegal. Para uma presidenta que conseguiu montar a maior base aliada até então no início do seu primeiro mandato, e com altos índices de aprovação, a pergunta que inevitavemente se coloca é: como chegamos a esta situação? Com certeza, as dificuldades econômicas e os equívocos de algumas decisões econômicas tomadas pelo governo (em especial o baixo crescimento do PIB) explicam parte do descontentamento, mas não conseguem explicar as atuais tensões do Executivo com o Legislativo, e muito menos a enorme tensão política e social que se espalha pelo país, cujo pico se prevê que sejam as manifestações programadas para o dia 15 de março do corrente ano. A razão é muito mais política do que econômica ou jurídica. Tem mais a ver com o sistema político brasileiro do que com a situação da economia ou com as denúncias de corrupção. No centro desta situação situação está o nosso “presidencialismo à brasileira”, também chamado de presidencialismo de coalizão. A grave crise política que estamos passando tem grande causa a dificuldade do Poder Executivo de costurar um apoio efetivo no Congresso Nacional. Somado a tudo isso encontramos uma mídia que é afeita a sensacionalismos baseados em escandalos de corrupção.

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  • Ensaio produzido como produto para a disciplina Estado Brasileiro e suas

    transformaes, ministrada pelos professores Fbio Kerches e Joo Feres, na 10

    edio do Curso de Especializao em Gesto Pblica, promovido pela Escola Nacional

    de Administrao Pblica - ENAP.

    Estudante: Dimitri Leonardo Santana Martins de Oliveira ATPS/MTE.

    CPF: 002462525-61 SIAPE: 2049110.

    Crise poltica em 2015: uma confluncia de vetores

    O Brasil comandado pela presidenta Dilma Rousseff tem vivido momentos de

    turbulncias contnuas, que vm se elevando em funo exponencial desde as Jornadas

    de Junho de 2013 nas quais a presidenta se tornou para-raio das insatisfaes

    generalizadas e difusas at chegarmos ao momento atual, s vsperas de inmeras

    manifestaes organizadas em redes sociais que esto pedindo o impeachment da

    presidenta Dilma Rousseff e at mesmo a cassao do registro poltico do PT, tornando-

    o ilegal.

    Para uma presidenta que conseguiu montar a maior base aliada at ento no

    incio do seu primeiro mandato, e com altos ndices de aprovao, a pergunta que

    inevitavemente se coloca : como chegamos a esta situao? Com certeza, as

    dificuldades econmicas e os equvocos de algumas decises econmicas tomadas pelo

    governo (em especial o baixo crescimento do PIB) explicam parte do descontentamento,

    mas no conseguem explicar as atuais tenses do Executivo com o Legislativo, e muito

    menos a enorme tenso poltica e social que se espalha pelo pas, cujo pico se prev que

    sejam as manifestaes programadas para o dia 15 de maro do corrente ano.

    A razo muito mais poltica do que econmica ou jurdica. Tem mais a ver

    com o sistema poltico brasileiro do que com a situao da economia ou com as

    denncias de corrupo. No centro desta situao situao est o nosso

    presidencialismo brasileira, tambm chamado de presidencialismo de coalizo. A

    grave crise poltica que estamos passando tem grande causa a dificuldade do Poder

    Executivo de costurar um apoio efetivo no Congresso Nacional. Somado a tudo isso

    encontramos uma mdia que afeita a sensacionalismos baseados em escandalos de

    corrupo.

  • O Brasil uma repblica presidencialista, ou seja, o presidente chefe de Estado

    e de governo, no retira a sua legitimidade do Parlamento, mas dos seus eleitores, aos

    quais em ltima instncia deve prestar contas (accountability). A accountability

    essencialmente republicana, pois o governante eleito deve prestar contas aos cidados,

    enquanto que o monarca no presta contas a ningum, a no ser a Deus. Enquanto

    depende somente dos seus eleitores para adquirir legitimidade, o presidente, para ter

    governabilidade, ou seja, aprovar os seus projetos, precisa formar amplas alianas com

    o Poder Legislativo, em especial com os setores mais ao centro do espectro poltico,

    para poder governar. Toda a chamada governabilidade depende desse equilbrio que o

    presidente consegue manter com o Congresso. Se este equilbrio no acontecer, o

    governo ficar virtualmente paralisado, chegando, no extremo ao impedimento do

    presidente, como j aconteceu no Brasil, onde o ex-presidente Fernando Collor de

    Mello, eleito por um partido inexpressivo, o antigo PRN, e sem base parlamentar,

    enfrentando uma grave crise econmica com recesso de 8,5%i aliada a denncias de

    corrupo.

    O Brasil uma democracia jovem, incompleta e ainda em construo, uma

    democracia que precisa se democratizar, no dizer de Boaventura de Sousa Santos. A

    nossa Constituio Cidad completar no fim deste ano apenas 27 anos. Apesar disso,

    o maior perodo democrtico desde o fim da Repblica Velha, em 1930. No nosso

    entender, a crise poltica que est acontecendo a resultante de grandes vetores que

    confluem para o resultado atual. Entre eles podemos citar: o nosso federalismo

    brasileira, a existncia dos chamados bares da Federao, o udenismo, a existncia

    de uma mdia concentrada, no completamente regulamentadaii e sensacionalista, a

    recente independncia do Ministrio Pblico adotada pela Carta Magna de 1988. Vamos

    tratar de cada um deles especificamente.

    Em primeiro lugar, podemos falar do federalismo brasileira. O Federalismo

    como doutrina poltica se consolidou na Independncia Americana, na qual as antigas

    colnias inglesas se uniram para defenderem-se dos inimigos comuns, como a antiga

    metrpole e os autctones da Amrica. No Brasil, ele foi adaptado pelos militantes do

    republicanismo em virtude de atender aos interesses dos lderes regionais. No Brasil

    aconteceu o inverso do que aconteceu nos Estados Unidos: primeiro consolidou-se a

    Unio, e depois fez-se a Federao. A crise do Imprio foi a luta do poder central contra

    os poderes locais, sendo vencidas por estes. A Unio deu ento lugar Federao. Nesta

  • Federao os poderes locais se tornaram de fato muito poderosos, determinando a

    escolha de quem ocuparia o poder central. De fato, a Repblica do Caf com Leite foi

    totalmente dominada pelas alianas oriundas poltica local, at a chegada de Vargas ao

    poder, quando o poder central se fortaleceu novamente. De fato, o Brasil passar por

    diversos ciclos de fortalecimento e enfraquecimento do poder central. No momento

    atual, a Nova Repblica ps-1985, aps um perodo de forte centralizao do poder nas

    mos dos militares, estamos novamente em um perodo no qual os poderes locais

    encontram-se fortalecidos. Na Federao Brasileira, os poderes locais, centralizados na

    figura dos governadores, constituem-se em verdadeiros baronatos, determinando a

    poltica nacional muitas vezes de forma mais decisiva at que deputados e senadores.

    Um exemplo disso podemos ver na mobilizao do atual governador do Maranho,

    Flvio Dino (PC do B-MA), que mobiliza governadores contra o impeachment da

    presidenta Dilma Rousseffiii

    . A pergunta que nos cabe fazer aqui : se o impeachment

    decidido pelo Congresso deputados e senadores porque um governador de uma

    unidade da Federao se mobiliza contra este mesmo impeachment? Isso s tem sentido

    na Federao Brasileira, com toda a sua especificidade do seu baronato.

    Em segundo lugar, podemos falar que nos ltimos meses estamos assistindo a

    um verdadeiro revival do udenismo, ideologia poltica adversria do segundo governo

    Vargas, que notabilizou-se pelo recurso a inmeras denncias de corrupo e a

    discursos inflamados e moralistas, como os clebres discursos de Carlos Lacerda. Hoje

    a mdia brasileira, em busca especialmente de sensacionalismo e de poder, abusa desta

    prerrogativa e desestabiliza governos por meio de inmeras denncias de corrupo,

    muitas vezes sem provas. H que se dizer uma coisa nestas linhas: a mdia brasileira

    sempre foi adversria dos governos, sempre mediu foras com ele. Para se comprovar

    isto, bastam ver algumas capas da revista Vejaiv

    , notria adversria do governo atual. O

    fato que um governo que se pretende popular haveria de enfrentar a fria de setores da

    elite brasileira. Somado a este fato podemos colocar tambm o advento da Internet, que,

    se de um lado, ajudou a democratizar a mdia, por outro lado, ajuda tambm a

    disseminar dios, rancores, moralismos, denuncismos, enfim, udenismo ps-moderno.

    Ainda falando de udenismo, um outro ingrediente nesta mistura que tem a crise

    como resultante a atual configurao e concentrao da mdia brasileira em poucas

    mos: o grupo Globo, o grupo Abril, o Estado e a Folha. A mdia brasileira sempre

    quis rivalizar com os governos em termos de poder, pois sabe, como bem demonstrou

  • Foucault, que quem controla o discurso controla o poder. A mdia sabe que o espao de

    disputa hoje justamente o discurso, o controle das metanarrativas, e hoje em dia, ter a

    posse dos meios de produo e disseminao do discurso fundamental. Hoje muito

    simples, em pleno pastiche ps-moderno, algum criar um meme difamando ou

    ridicularizando qualquer poltico, em especial a presidenta, e espalh-lo via redes

    sociais, como o Facebook, ou o Whatsapp. Virtualmente em segundos, um meme com

    denuncismos sem provas, ridicularizaes, ofensas etc circulam o mundo inteiro. A

    pergunta que urge fazer-se : qual o limite entre a liberdade de expresso e a pura

    mentira e difamao? Como controlar, como regulamentar tal setor oligopolizado que

    detm um poder imenso, e ainda mais no-democrtico?

    O debate acerca da chamada regulamentao da mdia se insere num outro

    debate que envolve o Ministrio Pblico. A mdia atualmente detm grande liberdade

    como resqucio dos tempos da ditadura militar e da censura. O constituinte da

    Constituio Cidad quis deixar mdia uma grande liberdade como sinnimo de

    democracia. Acontece que nos dias atuais, e ainda mais de forma potencializada pela

    Revoluo da Telemtica, a mdia adquiriu um poder gigantesco poder este que

    muitos atores alegam no estar suficientemente regulamentado e que pode justamente

    por isso ser usado contra esta mesma democracia. A situao atualmente se encontra

    num impasse, onde at o momento no se vislumbra soluo.

    Outro ator que um vetor importante desta crise poltica o Ministrio Pblico.

    A Constituio Cidad lhe deu independncia, como se este fosse um quarto poder.

    Formalmente, constitucionalmente o Ministrio Pblico uma funo essencial

    Justia, mas na prtica, o Ministrio Pblico s deve prestar contas ao cidado da

    Repblica brasileira, completamente independente do Poder Executivo, do Poder

    Legislativo e do Poder Judicirio. Mais uma vez o constituinte moveu-se baseado no

    que aconteceu na poca da ditadura militar. Quis tornar o Parquet independente para

    favorecer a democracia. Hoje, porm, tal situao encontra-se num impasse, pois o

    Ministrio Pblico tem se tornado origem de inmeras denncias de corrupo muitas

    delas no comprovadas e que, vazadas numa mdia no devidamente regulamentada, e

    potencializada ao extremo pelas redes sociais e pelo Whatsapp muitas vezes destroi a

    vida e a reputao de uma srie de pessoas. A questo que se coloca aqui : como

    proteger a honra das pessoas com plena liberdade de expresso? Ainda no se chegou a

    um consenso.

  • Todos esses fatores convergem para a atual crise poltica que vivenciamos no

    incio do segundo governo da presidenta Dilma Rousseff. O que se viu foi o

    fortalecimento da oposio, que catalisou boa parte dos sentimentos de indignao das

    Jornadas de Junho aliados s j iniciais denncias da Operao Lava-Jato. A presidenta

    ganhou a eleio, mas como ganhou de forma apertada, diferente do que aconteceu na

    primeira vitria em 2010, o jogo poltico ficou muito diferente. O ano comea com uma

    rebelio do PMDB, que, verificando o enfraquecimendo da presidenta Dilma Rousseff

    decide cobrar mais pelo seu apoio. Esta cobrana se revela no desejo de mais

    ministrios, com mais oramento, e mais do que isso: o controle das duas casas

    legislativas, contrariando o tradicional equilbrio entre o PT e o PMDB, que vinha se

    mantendo desde o Primeiro Governo Lula.

    Aliado a tudo isso est a Operao Lava-Jato que segue de forma completamente

    independente, em virtude justamente da j referida independncia do Ministrio

    Pblico, midiatizada por aes da Polcia Federal (que j se acostumou a protagonizar

    aes espetacularizadas) e reproduzidas quase ao infinito por uma mdia que se pretende

    ser o quinto poder (o quarto o Parquet), auxiliada pelas redes sociais. Pouco sabe a

    populao de fato do que est acontecendo de forma exata. A mdia criminaliza a

    poltica. O sentimento que emerge na populao o asco e o horror aos polticos como

    um todo. A oposio coloca-se como a salvadora da ptria. Por meio das redes sociais,

    inmeros grupos quase milicianos organizam passeatas e manifestaes, catalisando o

    sentimento difuso de raiva, dio e negao da poltica.

    neste quadro complexo que emerge a atual tenso poltica e social que racha o

    pas em dois. Nas redes sociais se v o dio e a raiva. Infelizmente, o dio e a raiva no

    so somente dos crticos do governo, mas mesmo os seus partidrios respondem ao dio

    com o dio, criando um clima social horrvel, no qual j se v amigos romperem

    amizades, brigas familiares se multiplicando; tudo isso simplesmente porque uma

    pessoa a favor do governo, e a outra contra. No consegue-se mais o dilogo, o

    encontro, o debate, o respeito s diferenas. Estamos caminhando, de forma trgica,

    para uma sociedade no somente rachadas em duas, como para uma sociedade fascista,

    racionria no pior sentido do termo. O pior de tudo que, no momento, no se v luz

    no fim do tnel, pois os vetores que deram origem a tal tenso social e poltica

    continuam plenamente ativos e no esto dando o minimo sinal de que iro desaparecer

    da paisagem: os governadores continuam fortes, e detendo forte poder nas suas regies,

  • muitas vezes como verdadeiros presidentes dos seus estados, controlando inclusive o

    legislativo e o judicirio, a mdia continua poderosa e oligopolizada, o udenismo no d

    mostras de retroceder, e tampouco o Ministrio Pblico aceitar se subordinar a um dos

    formais trs poderes da Repblica brasileira.

    Dado o quadro atual, resta-nos torcer para que o Poder Executivo e o

    Legislativo, em especial o PT e o PMDB venham a encontrar um novo equilbrio que

    nos tirem deste impasse no qual ns nos encontramos atualmente, e que possamos

    avanar e prosseguir o caminho de democratizar ainda mais a democracia, como prope

    Boaventura de Sousa Santos, para tornar a res cada vez mais pblica e retir-la de

    vez dos donos do poder.

    i Ver em . Acesso em 07 mar 15

    ii Ver em . Acesso em 08 mar 15