Enigma da graça

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O ENIGMA DA GRAÇAUm Comentário BíblicoExistencial Sobre o Livro de Jó

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  • O ENIGMA DA GRAA

  • Caio Fbio DArajo Filho

    O ENIGMA DA GRAAUm Comentrio Bblico

    Existencial Sobre o Livro de J

  • Copyright 2006 Fonte Editorial Copyright 2006 Caio Fbio

    Capa:Eduardo de Proena

    Reviso:Josi Batista

    Diagramao e Fotolitos:Alpha Design

    ISBN: 85-86671-61-4

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  • A Adriana, minha mulher, esposa e amiga melhor que chegou no meio de um redemoinho, trazendo

    consigo amor, Graa e palavras de Deus, para minhaalma ferida , dedico este livro pois ela conheceu

    minha alma e no me desprezou.

    E tambm:

    voz silente, que alimenta minha alma e todo o meuser, que me fala, que me ama, e me faz confiar no amor

    incondicional ainda nesta Terra! Essa voz me afirmousempre e continua presente em mim, mesmo quando

    no h redemoinhos, mas, especialmente, no marasmoe em tudo mais que for vida e morte.

    A essa voz, quase indiscernvel, essencialmente discre-ta e poderosamente insilencivel, parceira e consorte

    na vida e na morte, dedico a minha alma e a minhaconscincia como homem na Terra dos viventes.

  • Sumrio

    Apresentao ..................................................................... 13

    Prefcio ............................................................................... 15

    Introduo .......................................................................... 25

    Captulo I - Duas Histrias: Uma nica Percepona Terra........................................................... 33

    Captulo II - Quando os Amigos Fazem Mais Malque Satans ................................................... 47

    Captulo III - Quando a Piedade Moral OfendeMais que o Descaso ..................................... 73

    Captulo IV - Em Conversa de J com Deus, Quemfor Sbio no se Meta! ................................. 85

    Captulo V - No Bom Para o Homem o Falar ContraSua Conscincia! .......................................... 93

    Captulo VI - J Chama a Deus Para Advogar a suaCausa Contra o Prprio Deus ....................113

    Captulo VII - Quando a Moral a Me de Deusos Filhos de Deus ficam rfosna Terra .................................................... 127

    Captulo VIII - Quando a Piedade se Torna o Escudodo Acusador ............................................ 147

    Captulo IX - Deus deu ao Homem Poder para Alteraras Relaes de Causa e Efeito na Terra ...... 159

    Captulo X - Ser que Pecado Sentir Saudade deMeu Passado? ............................................. 173

    Captulo XI - O Pior Inimigo de J era Ele Mesmo! ........ 187Captulo XII - A ltima Evidncia: A Teologia Moral

    s Ouve a si Mesma! ................................ 197

  • Captulo XIII - Do Meio de um Redemoinho Falou oGrande Silencioso ................................... 219

    Captulo XIV - O Encontro que Explica Tudo ................. 253Captulo XV - O Caminho das Conquistas Que No

    Conquistam a Alma ................................. 261Biografia do autor ........................................................... 275

  • APRESENTAO

    ENQUANTO MEUS OLHOS percorriam as linhas deste textominha mente se ocupava mais das entrelinhas. Vrias vezesme percebi reagindo com pensamentos do tipo: ele est di-zendo isso s por causa do que aconteceu com ele; ele estmandando recados para os caras que ferraram com ele; eleest justificando o pecado dele; ele est se escondendo atrsde J; ele est fazendo um mea-culpa, mas em nenhum mo-mento admite seu pecado ou pede perdo; esse cara no estarrependido coisa nenhuma; ele quer seguir em frente comose nada tivesse acontecido; at parece que os grandes vilesda histria dele so os pseudo-amigos.

    E, pior do que isso, em vrias ocasies, me perguntei:ser que isso um recado para mim?

    Demorou para que eu conseguisse entender que este no um texto a respeito de Caio Fbio, mas sim a respeito daTeologia Moral de Causa e Efeito e suas implicaes para todosaqueles que foram chamados a viver celebrando a Graa deDeus revelada na Cruz de Cristo.

    Quando entendi, comecei a ler o texto tentando dissoci-loda experincia do Caio Fbio. Mas logo percebi que esta era ou-tra tolice. Impossvel dissociar a fala de um homem de sua hist-ria de vida. No apenas impossvel, como tambm, indesejvel.

    Um texto tem que ter carne e sangue, seno, purodiletantismo e no vale a pena ler!

    O que tenho nas mos e me alegro em recomendar paravoc, um texto a respeito da angstia de quem deseja viversob a Graa, mas est sempre sendo julgado seja pelos ho-mens, pelo diabo ou pela sua prpria conscincia pela Teolo-gia Moral de Causa e Efeito. Mas tambm, um texto escrito porum homem em seu caminho com Deus. Um texto escrito por

  • 14 Caio Fbio

    algum, cujos ps esto sujos da poeira da peregrinao espi-ritual honesta e intensa. Um texto com pergunta e respostas,inquietaes e apaziguamentos, no poucas vezes sombrio, mastambm claro e lcido.

    Um texto que revela coraes: de J, dos amigos de J,do Caio, e de tantos quantos se atreverem a ler.

    Recomendo no o reverendo Caio Fbio, pois este pres-cinde de qualquer recomendao, recomendo sim, o homemCaio, um irmo, um amigo; algum em cuja histria compre-endo um pouco mais do caminho de um homem com Deus, eem cuja amizade colho frutos explicados somente pela Graa.

    Ed Ren Kivitzjunho de 2002

  • PREFCIO

    LOGO NO INCIO de 2002, no meio da floresta Amaznica, oLivro de J se me imps como reflexo inafastvel!

    Sou amazonense, cada vez mais amazonense, e, por essarazo, mesmo no podendo residir na floresta, a cada dois me-ses tenho me recolhido dez dias naquele paraso de vida, me-mrias e certezas ali gestadas em meu ser.

    Alm disso, para mim tambm tempo de prazer, con-vvio com os pais, irmos, tios, primos, amigos, seres poucocontagiados e, sobretudo, com a natureza. E mais: um tempopara buscar o recobramento de meus sentidos originais-ama-znicos e tempo par aperceber parbolas da natureza, que nestelivro me foram teis.

    Sempre li o Livro de J com carinho e reverncia. Sabiaque se tratava do cho sagrado onde as razes acabam e aalma encontra o Mistrio, o Inexplicvel, o Indisponvel e oabsolutamente Soberano.

    Nesses quase trinta anos de estudo da Bblia li vrioscomentrios exegticos sobre o texto de J e meditei bastantesobre o tema do sofrimento, conforme ali o percebia.

    Agora, no entanto, J me alcanou de outra forma. Jno gritavam dele ao meu corao as vozes do sofrimento,como antes. Sutilmente ele se desvestiu a mim como o Livroda Graa!

    Alis, em J, a Graa aparece de modo mais dramatica-mente explcito do que em qualquer outro lugar do Velho Tes-tamento, embora o que salte aos olhos, em geral, seja o temado sofrimento.

    isto porque bom e fcil ver a mo da misericrdia deDeus nos livramentos desta vida. Entretanto, v-la em ao noesmagamento do ser humano bom chocante!

  • 16 Prefcio

    No fomos ensinados a enxergar amor e cuidado no sofri-mento e na dor. Para ns somente todas as coisas boas so as quecooperam para o bem dos que amam a Deus. Mas, quando temosque nos confrontar, especialmente na vida do prximo, com oefeito-sofrimento, aparentemente sem causa ou mesmo quandoh causas, mas as tragdias se mostram maiores que as suascausas aparentes , ento, facilmente, assumimos a TeologiaMoral da Causa e Efeito dos amigos de J, como explicao para omal-absurdo e, assim, satanizamos ao nosso prximo.

    Para o sofredor J, pior que a tragdia, foram osconsoladores molestosnos quais seus amigos se tornaram; osquais, semelhana dos inquisidores, tentaram arrancar delea confisso que ele no podia fazer: a de que seu sofrimentoera fruto de seu pecado moral oculto. E foi na resistncia aoarrependimento e que desagradou profundamente aos seusamigos que a maior integridade humana de J se manifes-tou aos olhos de muitos na Antiguidade e ainda salta aos nos-sos olhos nos dias de hoje.

    Estou convencido de que estamos entrando num Era J,onde quem desejar viver de acordo com a Graa e com as verda-des de seu corao, conforme sua radicalidade revelada na Pala-vra de Deus, ser perseguido pelas confrarias dos amigos de J eeles, sem dvida so uma esmagadora maioria.

    Encontrar a Graa na Palavra acontece apenas quandoum livro grosso de capa dura chamado de Bblia Sagrada sentido e lido por quem tirou o vu da cara e agora olha com a facedesvendada a glria do Senhor. Esses que se entregaram Graatero que se reencontrar com Deus fora do arraial dos ami-gos de J, a menos que eles, os amigos, tambm se conver-tam Graa, a fim de que aquilo que Jesus chamou de Eclsia,possa ainda mostrar um pouco do sublime rosto do amor deJesus para muitas ovelhas dispersas que andam espalhadaspela Terra.

    Nestes dias de teologias de prosperidade, o Livro de Jpraticamente desapareceu das Bblias dos cristos. J tornou-se um personagem desinteressante no meio do circo cristodas teologias do sucesso. Sua profundidade ofende a irreflexo

  • Prefcio 17

    daqueles que acham que tudo se resolve com palavras de or-dem fortes ditas em nome de Deus; e, especialmente, insulta eafasta os supersticiosos que vem o pecado-pessoal-comportamental-moral como sendo sempre a causa-efeito detodos os sofrimentos inexplicveis. Assim, a no compreenso damensagem de J faz as pessoas fugirem dele e do realismo queele traz Graa de Deus na dor da vida. Para muitos, pareceque d azar ler o Livro de J.

    Quem cristo e pensa assim, deveria resolutamente,apostatar d f de Jesus e optar pelo hindusmo ou por qual-quer credo que estabelea uma relao de causa e efeito emtodo o sofrimento humano. A f de e em Jesus no comportatais contedos!

    Digo isto por uma nica razo: embora os cristos cha-mem a Deus por um nico outro Nome diferente das de-mais religies de teologias morais de causa e efeito e procla-mem que Jesus o Senhor ainda assim, sua teologia pag,apenas e, sobretudo, no sentido em que no mais crist. Ouseja, a teologia crist no mais se fundamenta na Graa, mas naMoral, como o fazem quase todos os demais sistemas de fexistentes no planeta. E como Paulo diz, se a justificao quenos salva em Cristo decorre da Lei (ou da Moral, ou mesmo dequalquer coisa, como, por exemplo, o Conhecimento), ento, jno a salvao pela Graa e mediante a F, oferecida gratuita-mente nos evangelhos, como de resto em toda a Bblia.1

    E mais: se a experincia de Deus pode ser vivida fora daGraa de Deus, ento segue-se que Cristo Jesus morreu emvo e ainda permanecemos nos nossos pecados!2

    Neste sentido, muitos cristos no so diferentes daque-les que tentam explicar e justificar a existncia humana atra-vs de frmulas de natureza moral de causa e efeito. E assimfazendo, muitas vezes at inconscientemente, anulam o Escn-dalo da Cruz!

    1 Ef 2: 1-102 I Co 15: 1-19

  • 18 Prefcio

    A maioria das Teologias da Terra3 como eu prefiro cha-mar os fluxos de produo humana e religiosa vigentes no Pla-neta desenvolvem relao entre a existncia humana espe-cialmente o sofrimento e a perplexidade e alguma forma decausa moral a fim de explic-lo.

    Ora, todos esses sistemas servem como o fator de jus-tificao espiritual para o perdido. E como eu j disse antes,esses caminhos de auto-salvao vo desde a reencarnaopara fins de auto-purgao e evoluo moral-espiritual, aolivramento do carma mediante o exerccio de disciplinasmorais e auto-negao.

    O resultado, todavia, sempre o mesmo: na maioria doscasos, na prtica, esses entendimentos fazem de um ser hu-mano um pria, assentando em silncio no moralssimo eoprimidssimo ambiente de muitos templos ou o pe no inter-minvel caminho das penitncias!

    A maioria das Teologias da Terra tentar arrazoar asperplexidades do presente como resultado de pecados cometi-dos no passado, em outras encarnaes; ou ainda, como efeitomoral e, s vezes, espiritual, dos pecados dos pais.4 De tal sor-te que se tem no presente a realizao de carmas do passado e,tambm, seus castigos-auto-justificadores e que so apresenta-dos como a salvao do culpado.

    Ora, esses castigos podem ser de natureza moral, comrebaixamentos do pecador na hierarquia das importnciassociais e religiosas ou de natureza fsica, demonstrados por meiode males crnicos no corpo; ou de natureza existencial, tendoesse des-Graado que carregar na alma as angstias de ser quemele hojeem razo de ter sido quem um dia foi, ainda que nemele mesmo saiba ou lembre quem foi aquele que um dia ele foie que, quando existiu, o fez contra si mesmo.

    3 Pretendo expandir esse tema da Teologia da Terra em um prximo livro. Na minhaopinio, trata-se de assunto to complexo e que est presente no mais essencial auto-engano humano, que suas variveis, ainda que escondidas sob signos e cones dife-rentes variando do animismo at as morais e auto-confiantes certezas crists quelatejam em nossas almas todos os dias!

    4 J 9: 1-3

  • Prefcio 19

    o um dia foi impedindo o dia chamado Hoje depoder existir par ao ser que sente, vive e sofre no Agora. ora,esse dia chamado Hoje o nico dia que a Bblia diz ser diada salvao.5

    E mais: crendo na Graa que vem sobre ns no dia cha-mado Hoje, fica-se tambm liberto at mesmo da necessidadede ser, que nada mais que legalismo existencial. Isto porquequem na Graa, aprende que at mesmo para se ser, tem-seque descansar Naquele que o Eu Sou!6

    As Teologias da Terratm sempre sua razo de ser nopassado, suas redenes nos carmas de hoje e sua possvelesperana nas salvaes de que um longnquo amanh!

    J os cristos dizem-se ofendidos com tais crenas, semperceber que fazem pior. Isto porque, muitas vezes, pensam comas mesmas categorias, s que encontram explicao para a tra-gdia nos acontecimentos morais da vida humana aqui e agora.

    Ou seja: o carma cristo ainda mais inflexvel eimediatista, abrindo espao para que um homem julgue o serde um outro enquanto vive!

    E no preciso nem esperar que a outra vida chegue ouque a outra encarnao acontea. semelhana dos amigos deJ, muito fcil nos incumbirmos do papel de instrumentos

    5 Sl 95: 7; Heb 3:7, 4:76 interessante como tambm existe um legalismo existencial. o legalismo dos

    humanistas e liberais, teolgica, psicolgica e filosoficamente falando. o legalismodos intelectuais que julgam o prximo pela presena ou ausncia de sofisticaoexistencial. Esse critrio, to bem camuflado, igualmente um instrumento obtusode juzo. De minha parte, cada vez mais, encontro os melhores seres humanos despi-dos de diplomas ou de sua pretensa sabedoria. E, em geral, no so to bemestruturados no falar como os amigos de J; mas os Js sabem, sentem que elesso, de fato, amigos, e deles recebem consolo! Os legalistas existenciais, todavia,falam poeticamente em Graa e amor, mas s so capazes de manifestar essasvirtudes na direo daqueles para os quais eles olham de cima para baixo. Todavia,quando se trata de um membro dessa confraria de humanistas-intimistas-psicologizados-sofisticados que podem ser cristos ou no , ento, eles agem de modo tomoralista quanto os legalistas-burros. No fundo, so todos iguais, o que os diferencia apenas a mscara, a poesia e os tons de suas vozes e discursos! legalismo sempre legalismo. E a nica maneira de prov-lo no encontro com o prximo emestado calamitoso, seja qual for a razo da tragdia.

  • 20 Prefcio

    imediatos do castigo divino, no s pelo nosso veredicto mo-ral que afirma haver sempre, no mnimo, a existncia ou a sus-peita de um pecado atrs de cada tragdia, como tambm, semhesitao, nos oferecemos, em nome de Deus, ao papel deinfernizar a vida desse ser humano o filho da calamidade ,fazendo-o viver j no presente, uma outra vida, e que seja aencarnao imediata do carma de um pria, neste caso, umpria cristo.

    Dizem: Deus pesou a mo sobre ele!E assim fazem como os amigos de J, aos quais, ao final,

    Deus repreendeu. E mais: lhes afirmou que somente das ora-es de J viriam as Graas de Deus em seu favor!

    quando os juzes so salvos do Juzo divino pelas in-tercesses do ru-julgado!

    Que ironia divina!O maldito tem que fazer oraes de absolvio por seus

    amigos-juzes!Assim, aprende-se que a Graa a maior de todas as ironi-

    as, bem como o Grande Escndalo e a inconcebvel Loucura de Deus!A f na Graa de Deus como sendo favor absolutamente ime-

    recido a palavra Graa significa favor imerecidoandaem permanente rota de coliso em relao a todas as Teologiasda Terra e, at mesmo, contra seu disfarce cristo-moral, ocul-tado sob densas nuvens de piedade vazia, mas que enchem osnossos coraes de engano e juzo!

    Quando decidi escrever este livro, o fiz a partir das se-guintes perspectivas:

    Primeiro, o desejo de escrever um texto existencial; ouseja: um texto meu e apenas fundado naquilo que me constituihoje como homem. Por isso, resolvi no abrir nada alm daBblia e do corao a fim e produzir este livro.

    Em outras palavras: no fiz nenhuma consulta a fimde escrever este texto, a no ser minha memria e ao meucorao. Contudo, eu sei que h inmeros comentrios sobreJ; e sei que no foram poucos aqueles que o esquadrinharamde modo tecnicamente srio. Mas aqui estou s. Digo: s com oque sou, sei e sinto em J!

  • Prefcio 21

    Em segundo lugar, proponho-me a escrever um texto deestudo bblico, depois de quatro anos sem escrever nada queno fosse fico.

    E devo isto maravilhosa experincia de resgate pasto-ral que a vivncia com os irmos da Igreja da Urca7 e com osamigos do Caf da Graa,8 tem me proporcionado, depois demuitos anos de agitao e multido, mas tambm de profundasolido.

    Ali no Caf voltei a ser pastor de poucos, de alguns e deum s, quando necessrio!

    E como isto estava me fazendo falta!O distanciamento da dor pessoal do prximo como indi-

    vduo, mergulha o distante na anestesia de sua prpria alma.Isto porque ele entra num mundo de encontros difusos e

    perde a percepo relacional como experincia fraternalmen-te focada na existncia do prximo.

    Os muitos anos de multides, gradativamente, me afas-taram das entranhas pessoais do meu semelhante e, conseqen-temente, das minhas prprias vceras!

    Eu vivia cercado de gente que queria me tocar!Hoje, sem os mecanismos de fetichizao e totemizao que

    definiam aquele desejo de espiritualidade primitiva que carac-terizava a maioria dos encontros que as pessoas tinham comigo,fiquei livre para tocar e ser tocado apenas como homem-irmo.

    Assim, o presente texto tem a finalidade de falar a almashumanas e no a tcnicos da Bblia; ou mesmo falar a tcni-cos que j tenham passado do primitivo estado no qual se crque a importncia de um livro vem de suas muitas e conscien-tes consultas e citaes de especialistas. Este um livro paraquem tem apenas e, sobretudo, alma!

    7 a Comunidade Crist El-Shadai, fundada por Curcio e Silvia, e com quem minhaesposa trabalha h 12 anos. Entre eles ela encontrou amor e confiana para pastorear visto que ela mesma andava cansada de tanto legalismo cristo. Ali, ela encontrouuma famlia de irmos, mais amigos que irmos, e foi tambm para l que ela melevou e foi l tambm que voltei a pregar.

    8 Caf da Graa um lugar onde grupos se renem com a finalidade de estudar aBblia, orar e conviver.

  • 22 Prefcio

    Minha esperana que ler J comigo faa to bem a voccomo fez ao meu esprito, ler J para mim mesmo!

    Antes de decidir escrever, li muitas vezes o Livro de Jem voz alta, como se fosse o texto de uma pea de teatro oucomo se eu tivesse sido um invisvel espectador de todosaqueles dilogos.

    E senti e sofri as dores de J, especialmente as quemais o atormentaram, que foram as acusaes de seus me-lhores amigos.

    Vi tambm a dor de seus amigos, sua perplexidade e seumedo. Sim, medo! medo do Deus Indisponvel e medo que omesmo lhes sobreviesse. Por isso, tentavam defender a hon-ra de Deus ignorantemente, claro! , acusando o amigo!

    E fizeram isto sem saber que simplesmente estar em si-lncio frente dor e queixa do amigo, seria o verdadeiro de-fender a honra de Deus na calamidade, ao invs de tentaremtransformar o amigo num alvo justificvel para aquelas flechadascelestiais.

    assim que muitos agem frente ao inexplicvel: aoinvs de silenciarem, falam o que no sabem; mas o fazem comojuzes tambm.

    E pior que isto: comportam-se como quem diz a Deus:Comigo no, est bom Senhor? Pois v: mesmo no sabendoporque meu amigo sofre, sou ainda mais solidrio com Tuasrazes que com as queixas dele.

    E assim o fazem por causa do medo infantil, aquele mes-mo que leva uma criana a trair o amigo a fim de escapar dapossibilidade de receber a mesma punio.

    Dito isto, quero frisar que voc no deve buscar nes-te trabalho qualquer indcio de tecnicismo teolgico,exegtico ou histrico. H outros livros que o ajudaromelhor nessa tarefa.

    Neste O Enigma da Graa o que voc ver e ouvir, almde minhas palavras e interpretaes, ser a Voz-Palavra de Deusno gemido da perplexidade humana, e, assim, quem sabe, en-contrar coragem para esquecer os medos e juzos que pairamsobre sua cabea e pedir a Deus que seja seu Advogado contra a

  • Prefcio 23

    indisponibilidade de Deus na hora da total perplexidade de suamente, quando a dor se torna inexplicvel e os sofrimentosdesproporcionais luz de sua prpria conscincia diante doDeus que v!

    Caio Fbio, um grato filho da Graa!Rio Urubu, floresta Amaznica, janeiro de 2002.

  • INTRODUO

    Uma Chave Para o Corao do Livro de J

    O LIVRO DE J sempre me encantou. Nele at as heresiassoam verdadeiras. Ele potico, da o problema, pois, a poesiasempre traz consigo o poder de convencer ou, pelo menos denos fazer respeitar mesmo que seja a verdade besuntada de mentira.

    Esta pode ser uma das razes do Livro de J ser to malpercebido. ele to potico que em suas falas entremeiam-severdade e mentiras, numa oscilao que vai da mentira-mentira mentira-verdade e da verdade-mentira verdade-verdade, o queconfunde a percepo objetiva.

    E no seria isto parte da risada de Deus sobre a nossapresuno?

    A fim de dar a voc algumas simples entradas ao tex-to, quero que voc preste ateno nas quatro diferenciaes quevm a seguir:

    1. A mentira-mentira um engano em si, s sendo apro-ximadamente projetvel em plenitude-simblica na figura deSatans. A verdade , todavia, quem nem Satans conhece to-talmente o prprio engano, pois at mesmo para ser o Engana-dor preciso que tenha havido nesse ser um mnimo de auto-engano inicial que veio, posteriormente, a tornar-se enganoconsciente e assumido como finalidade dessa malvola exis-tncia pessoal. A verdade sobre a mentira a seguinte: somenteDeus conhece o que o engano! Nenhuma de Suas criatura che-gou at o abismo do Abismo. H um limite para as criaturasat no Abismo. E o limite do Abismo o abismo do Mistrio deDeus, que nenhuma de Suas criaturas jamais conheceu ou co-nhecer em plenitude. Conhecer a Deus o orgasmo infinitodo ser!

  • 26 Introduo

    2. A mentira-verdade a mentira maquiada de realida-des da vida, aplicadas fora do contexto, o que acontece todosos dias nas mnimas coisas do nosso cotidiano e aparece, insis-tentemente, de vez em quando, at mesmo no modo como nosdefendemos, escudando-nos sombra de correes exteriores queencobrem nossas verdades negativas. Ento adoecemos na alma,pois, quanto mais moralmente cristo o consciente humano,mais tragicamente pago torna-se o seu inconsciente.

    3. A verdade-verdade aquela que s possvel se a pro-cedncia for a boca de Deus. Somente Deus conhece a verdade-verdade. por isso que joio e trigo crescem juntos na Terra eno nos possvel um do outro com certeza. E toda tentativade o fazer mais danosa (joio erva daninha) que a existnciado joio em si mesmo.

    H apenas uma coisa que os diferencia na Terra: o amor.Por esta razo, muito mais provvel que o joio que tentearrancar o trigo do campo que o trigo arrancar o joio de seuterritrio. O trigo alimenta e traz vida. O joio se esconde e seaproveita dele, mas nunca perde uma oportunidade de se fa-zer passar por ele e elimin-lo sua melhor chance!

    A questo : o joio sabe que joio? E o trigo sabe que trigo? Quem o confessaria? Quem teria em si a verdade-verdadea ponto de enfrentar todos os enganos para se ver? Quem teriaessa coragem? Certamente quem a possusse no seria jamaisum joio-pleno, pois aquele que julga a si mesmo, no julgado.9

    O trigo sabe que trigo? Mas se o sabe, no o alardeiacom certeza que acuse a existncia personificada do joio numoutro ser humano. Antes, ao cair na terra, morre; e d muitofruto.10 O joio no muda o curso da natureza do trigo, pois otrigo s sabe ser trigo!

    O poder do trigo o fruto que d e que se faz vida em sie em outros!

    9 I Co 11: 3110 J 12: 24

  • Introduo 27

    E por que introduzo esse meu livro sobre J falando acer-ca de tais subjetividades?

    que o livro de J exatamente o retrato de todas essasquatro diferenciaes. Ora, so essas diferenciaes que podemdescatastrofizar as nossas existncias, sem que apelemos paraas interpretaes morais que excluem a histria humana daGraa e, pior: excluem a Graa de toda a histria dos humanos!

    Essa des-gracificao da Vida nos torna to pagos quantotodos os que tentam explicar o mal que acomete ao prximosempre como paga pelo pecado.

    Os cristos ainda no se deram conta de que sua teolo-gia da Graa no coincide com suas interpretaes cotidianado sofrimento humano e, muito menos, no retrata com realis-mo os fatos da vida. E assim, sem o saberem, tornam-se partedo fluxo religioso universal a Teologia da Terra que entendea questo da dor e de tudo o que seja inexplicvel, a partir deum encontro de contas exatas entre Deus e o homem, anulando,assim, a Graa.

    Na Graa o encontro de contas acontece, mas quempaga a diferena contra o homem Aquele que disse: Estconsumado!11

    O problema que aquelas quatro diferenciaes no soformulveis como categorias morais ou histricas visveis.

    Elas so valores e essncias e s comeam a ser por nsdiscernidos quando nossas existncias chegam a consciente-mente lidar com a Indisponibilidade de Deus na hora da perple-xidade e, sobretudo, com as interpretaes que da procedem.

    Quando esse dia chega, s chega para ns! Ele incompartilhvel. Mesmo os melhores amigos correm o ris-co de pecar ao tentarem entender esse dia em nosso lugar.

    O dia da perplexidade sempre solitrio. E nele todogemido verdade e toda verdade gemido perplexo!

    Uma vez dito isto, peo que voc observe cada umdesses quatro elementos na leitura do Livro de J, a saber:

    11 J 19:30

  • 28 Introduo

    mentira-mentira; mentira-verdade; verdade-mentira e ver-dade-verdade.

    E mais: quero que voc leia o texto de J transcrito daBblia e que parte integral deste livro. H pessoas que assu-mem que j conhecem o texto bblico, e, portanto, no o lem,perdendo, assim, a melhor chance que a leitura propicia, poischega carregada da iluminao que vem diretamente da medi-tao na Palavra de Deus.

    Meditao, orao e submisso revelao do EspritoSanto so os agentes que transformam a Bblia Sagrada em pa-lavra de Deus em nosso coraes!12

    Aps cada bloco de leitura de J voc achar um comen-trio meu. Leia-o com ateno. No fim de cada captulo vocencontrar notas de esclarecimento e outras referncias bblicasque o auxiliaro na melhor compreenso do que voc l. E, porltimo, trarei as minhas concluses sobre a mensagem do li-vro como um todo.

    Se voc optar por ler apenas o texto maior e deixar delado as demais contribuies que o livro d a voc, temo quevoc no entenda tudo o que lhe est sendo disponibilizado. necessrio, sobretudo, que voc tenha pacincia e leia tudo, con-ferindo, na sua Bblia, a pertinncia ou no do que aqui digo.

    Caso voc pare de ler o livro, ou caso voc s leia o quenele lhe parecer fcil, no faa, por favor, comentrios a respei-to dele. No poderei ter respeito por quem no conferir coisacom coisa antes de fazer seu prprio julgamento. E, assim di-zendo, estou estimulando voc a achar nele qualquer coisa queno seja completamente bblica e coerente com a tese crist.

    Ou seja, eis aqui a confisso de f que fao neste livro:A Graa dom de Deus, apropriado pela f, que

    tambm Graa,13 pois tambm dom de Deus,14 a qual

    12 II Co 2: 2; 12-1713 Ef 2: 8-914 Atos 11:18; II Tim 2:25

  • Introduo 29

    se origina do trabalho do Esprito Santo na conscincia-corao humano,15 pela revelao da Verdade,16 que Cristo Jesus; o qual o Princpio e o Fim Alfa e mega de toda relao de Deus com a criao e todas ascriaturas,17 visto que Ele se-fez-foi-feito-em-si-mesmo18 oCordeiro imolado antecipadamente pela culpa da criaturae de toda criao, antes da fundao do mundo;19 sendo que,entre os homens, Sua manifestao histrica se realizouna Sua encarnao, morte, ressurreio e ascenso acimade todas as coisas;20 e, foi Ele, o Cordeiro de Deus, quemestabeleceu que por Sua Graa se pode ter Vida,21 e isso,no to somente algo que se manifesta dos cus para aterra, mas tambm entre os humanos na forma de duastomadas de conscincia: a primeira que quem recebeuGraa no nega Graa pois quem foi perdoado tem queperdoar;22 e em segundo lugar, mediante a cessao dosjulgamentos entre os homens, visto que quem foiabsolvido pela Graa de Cristo, j no se oferece para serjuiz do prximo;23 antes pelo contrrio, tal percepoinduz a caminhar na prtica das obras preparadas deantemo para que andssemos nelas,24 sendo sua maiorexpresso o amor com que devemos nos amar uns aos outros;25

    15 J 15: 2616 J 13: 6; I J 2: 27-2917 Rm 8: 18-25; Cl 1: 15-20; Ef 1: 10, 22; Apc 1: 818 J 10: 18; I Co 15: 27-2819 I Pd 1: 19-2020 Fp 2: 921 Rm 8: 2; J 10: 1022 Mt 6: 1223 Mt &: 1-2; 18: 21 - 3524 Ef 2: 1025 Rm 13: 10

  • 30 Introduo

    e, sendo assim, para tais pessoas, guiadas pelo Espritoda Graa, a germinao de seus coraes na f em Jesusgera o futuro do Esprito que torna toda Lei obsoleta edesnecessria para a conscincia que recebeu a revelaodo Evangelho.26 O resto inveno humana paradiminuir a Loucura da Cruz e o Escndalo da Graa.27

    Sabendo disto, ento, faa o seguinte:Ore e pea ao Esprito Santo que o ilumine e o

    esclarea! Faa-o com a certeza de que ao final sua menteestar vendo a sua prpria dor de outra forma e a de seuprximo com reverncia e silncio solidrio. E, ento, seucorao vai se encher de amor e vida, o que libertar vocde todo medo de ser e o fortalecer para o prosseguimentoda jornada que s cessa quando conquistarmos aquilo para oque fomos conquistados.28

    Quem assim faz no ser condenado quando a Voz deDeus se manifestar no redemoinho.

    O resultado final que voc dir: Eu te conhecia s deouvir, mas agora os meus olhos se vem.

    26 Gl 5: 2327 I Co 1: 18-2328 Fp 3: 12-16

  • CAPTULO I

    Duas Histrias: Uma nicaPercepo na Terra

    Havia um homem na terra de Uz29 cujo nome era J,30

    homem ntegro e reto, temente a Deus e que se desvi-ava do mal.

    29 A terra de Uz no claramente definida na sua localizao. Mas, provavelmentetenha sido um lugar na antiga mesopotmia. bom lembrar que da descendnciade Sem, filho de No, procedeu na segunda gerao, a Uz, que era filho de Ar,filho de Sem (Gn 10: 21-23). Aquele era um tempo de construo de cidades (Gn10: 8-12) e no raramente os fundadores emprestavam seus prprios nomes scidades. Nesse caso, se a terra de Uz fosse uma construo urbana que se origi-nara no Cl de Ar, filho de Sem, ento, haver a grande possibilidade que J sejauma figura de origem semtica, pr-abramica, pois os semitas, na sua maioriaandarilhos (a palavra hebreu, que dar nome ao povo que nasce de e em Abrao,vem de uma palavra de raiz semtica que significa aquele que cruza, que passafronteiras), quando se estabeleciam, faziam-no com freqncia na regio daMesopotmia.

    30 A histria de J, nos dois captulos iniciais, o palco para o drama que se segue.Suas divises so as seguintes:1. A vida piedosa de J, bem como seus bens e sua conduta so afirmados (1:1-5)2. Satans comparece assemblia celestial e demanda a vida de J em provaes

    (1; 6-12)3. Duas calamidades naturais fogo do cu e ventos do deserto assolam tanto os

    bens quanto destroem a famlia de J e, alm disto, dois assaltos roubam deletudo quanto possua (1: 13-19).

    4. A resposta de J foi insuportvel a Satans. Ele aparece perante a assembliacelestial outra vez e demanda que as perdas de J cheguem sua carne (1:20 e21; 2: 1-7).

    5. Mesmo perdendo tudo, e mesmo mergulhado em profunda perplexidade, J noblasfemou contra Deus (2: 8-10).

  • 34 Caio Fbio

    Nasceram-lhe sete filhos e trs filhas. Possua sete milovelhas, trs mil camelos, quinhentas juntas de bois e quinhen-tas jumentas;31 era tambm mui numeroso o pessoal ao seuservio, de maneira que este homem era o maior de todos osdo Oriente.32

    Seus filhos iam s casas uns dos outros e faziam banque-tes, cada um por sua vez, e mandavam convidar as suas trsirms a comerem e beberem com eles. Decorrido o turno de

    6. Sabendo de seus males e perdas, alguns amigos de J decidem visit-lo. E anesses dilogos, que a percepo da dor se expressa no livro, onde o nicohorizonte a ser contemplado o das perdas horizontais, pois J no dispunha denenhuma outra informao que lhe chegasse como uma trama malignae, assim,pudesse lhe aliviar a dor, emprestando algum sentido ao absurdo que o visitara(2: 11-13). J no sabia o que houve nas regies celestes!

    J, enquanto personagem histrico, jamais foi objetivamente posicionado numa datano tempo e no espao. Todavia, a leitura do livro nos deixa perceber que, prova-velmente, a histria tenha acontecido antes da existncia fsica de Abrao; por-tanto, pelo menos dois mil e quinhentos anos antes de Cristo e deveria caso aBblia reunisse a seqncia de seus livros em ordem cronolgica vir logo aps ocaptulo II de Gnesis. Ora, com isto no estou dizendo que o Livro de J tenhaessa idade. O que digo que a histria antiqussima. O texto escrito maisantigo, todavia, data de 600 a.C.

    31 Conquanto durante a leitura do livro se perceba que a atividade econmica naque-les dias j fosse bem diversificada com variadas formas de comrcio e que inclu-am viagens de caravana que iam e vinham, vendendo e trocando produtos , J,todavia, vivia da terra e da atividade pecuria.

    32 O maior do Oriente deve nos levar s seguintes concluses:1) No se tratava do Oriente conforme entendido por ns hoje. J havia civilizaes

    evoluidssimas e muito mais ricas, no Extremo Oriente, bem antes de J, e, para ospadres do Extremo Oriente, as riquezas de J no eram alarmantemente grandes.

    2) O fato de J ser o maior do Orientee no se fazer nenhuma tentativa de seestabelecer qualquer vnculo entre ele e as genealogias bblicas, nos revela queele fazia parte daquela ordem superior revelao de Deus a Abrao, pois semelhana de Melquisedeque, J conhece o Deus Altssimo e o discerne comopoucos, mesmo depois de seus dias. Mas, J no filho de Abrao.

    3) Sendo assim, ficamos sabendo que Deus nunca restringiu sua revelao escra-vido gentica estabelecida na descendncia dos patriarcas bblicos. O fatorMelquisedeque a liberdade de Deus de revelar-se a quem quer, como quer eonde quer que seja sem a necessidade da autenticao histrica dos agenteshistricos dos testemunhos de Deus entre os homens encontra em J um de seusmais elevados representantes na Bblia; ou seja, um homem de Deus, que nopertence a nenhuma genealogia bblica e que conhece a Deus na provas-da-provas, fazendo de Abrao seu discpulo.

  • O Enigma da Graa 35

    dias de seus banquetes, chamava J a seus filhos e os santifica-va; levantava-se de madrugada e oferecia holocaustos33 segun-do o nmero de todos eles, pois dizia: Talvez tenham pecadoos meus filhos e blasfemado contra Deus em seu corao.34Assim o fazia J continuamente.35

    Num dia em que os filhos de Deus36 vieram apresentar-se perante o SENHOR, veio tambm Satans entre eles.37 En-to, perguntou o SENHOR a Satans: Donde vens? Satans res-pondeu ao SENHOR e disse: De rodear a terra e passear por

    33 A presena do sangue, expressa no holocausto, afirma a herana de J em Abel.Desde o incio que todos os sistemas de f da humanidade derivam-se de Abel ou deCaim. Em Abel no se traz para a presena de Deus nada alm de uma conscinciacerta de que sua paz vem de um Deus satisfeito com um nvel de justia, que no erao da produo pessoal dos seres humanos. A salvao e a pacificao das consci-ncia eram elementos que transcendiam ao homem e suas obras pessoais: era osangue de outrem quer era oferecido. Abria-se, assim, a conscincia para a espe-rana-subjetiva-certeza de que havia um Cordeiroque cobriria toda a culpa humana.

    34 A ausncia de lugares santos no livro de J e a afirmao de que o lugar da blasf-mia o corao, indica a existncia de uma conscincia espiritual muito mais evolu-da que se costuma encontrar ainda hoje. Em J, o lugar sagrado o corao enada mais objetivo para ele que os ambientes da subjetividade.

    35 O discernimento que J possua do mundo espiritual era evoluidssimo. Ele oferecesacrifcios pela possibilidade do equvoco dos filhos e planta aqui a gnese do queo apstolo Joo ensinaria muitos milnios depois: h pecados que no so paramorte; e, nesse caso, a intercesso do amor cnscio da Cruz ou seja, do sacrifciode outrem cobre multido de pecados (I Joo 5: 16-18).

    36 A expresso filhos de Deus que aqui aparece a mesma encontrada em Gnesis6: 2, tratando-se, portanto, de seres celestiais e no da descendncia de Sete, filhode Ado, como, inconsciente e arbitrariamente, a maioria dos comentaristas daBblia, de Santo Agostinho em diante, tenta nos fazer crer.

    37 A celestialidade da existncia desses filhos de Deus confirmada pela presenade Satans entre eles, na assemblia celestial. Ora, isto nos remete em outra direoe nos faz ver como o Acusador funciona em sua obstinao maligna. Ele aqueleque demanda a vida humana, criando sempre uma alternativa para fora do curso daexistncia at ento experimentados. Satans aposta sempre que um desvio bruscode rota inviabilizar o ser humano frente ao absolutamente novo e imprevisvel. Elesabe que perdas dramticas podem fazer algum desesperar da prpria vida. E Jno seria ningum sobre quem hoje ainda estivssemos debatendo, caso a alterna-tiva maligna no tivesse sido permitida. Assim, mais uma vez, a compulso satnicaserviu a um propsito que transcendia o imediato da tragdia.

  • 36 Caio Fbio

    ela.38 Perguntou ainda o SENHOR a Satans: Observaste o meuservo J? Porque ningum h na terra semelhante a ele, ho-mem ntegro e reto, temente a Deus e que se desvia do mal.Ento, respondeu Satans ao SENHOR: Porventura, J debal-de teme a Deus?39 Acaso, no o cercaste com sebe, a ele, a suacasa e a tudo quanto tem? A obra de suas mos abenoaste, e oseus bens se multiplicaram na terra. Estende, porm, a mo, etoca-lhe em tudo quanto tem, e vers se no blasfema contra tina tua face.

    Disse o SENHOR a Satans: Eis que tudo quanto ele temest em teu poder; somente contra ele no estendas a mo.40 ESatans saiu da presena do SENHOR.41

    Sucedeu um dia, em que seus filhos e suas filhas comiame bebiam vinho na casa do irmo primognito, que veio ummensageiro a J e lhe disse: Os bois lavraram e as jumentaspasciam junto a eles; de repente, deram sobre eles os sabeus,42e os levaram, e mataram aos servos a fio de espada; s euescapei, para trazer-te a nova. Falava este ainda quando veio

    38 A ligao da figura satnica ao ambiente terrestre, s coisas da histria humana es suas produes, ecoa a maldio de Deus serpente, em Gnesis 3: 14b. Aliest dito que as foras da maldade espiritual iriam se alimentar do p da terra.Ora,isto nos deixa ver o quo intrinsecamente, Satans depende dos elementos e dasprodues dos humanos a fim de poder manifestar a sua maldade relevante nomundo pelo qual ele rodeia e passeia.

    39 O argumento satnico simples, porm, terrvel: como se saber se o homem bom bom enquanto a vida s o trata com bondades? De fato, as verdades do coraos se manifestam na hora das perdas. O homem bom no corre grande risco quan-do prospera, pois, para ele, a prosperidade natural. Quando chega, todavia, odia das grandes perdas que o ser bom mergulha em total perplexidade.

    40 Satans pode investir contra os servos de Deus. Mas, essa ao maligna tem diapara comear e hora para terminar. Deus tambm o Senhor de Satans.

    41 O dilogo entre o Senhor e Satans revela que muito mais provvel que a tragdiaacometa na terra ao justo que ao injusto. A vida do inquo no precisa de ajudasatnica para acontecer. Certas pessoas ficam to imbudas do mal que so dia-bo, como Jesus disse de Judas. Mas o homem bom quem ocupa as foras espiritu-ais do mal e que objeto de demanda nas regies celestes.

    42 Provavelmente uma tribo que andava e se apropriava de bens em outros territrios.Eram ladres andarilhos.

  • O Enigma da Graa 37

    outro e disse: Fogo de Deus caiu do cu,43 e queimou as ove-lhas e os servos, e os consumiu; s eu escapei, para trazer-te anova. Falava este ainda quando veio outro e disse: Dividi-ram-se os caldeus44 em trs bandos, deram sobre os camelos,os levaram e mataram aos servos a fio de espada; s eu esca-pei, para trazer-te a nova. Tambm este falava ainda quandoveio outro e disse: Estando teus filhos e tuas filhas comendoe bebendo vinho, em casa do irmo primognito, eis que selevantou grande vento do lado do deserto e deu nos quatrocantos da casa, a qual caiu sobre eles, e morreram; s eu esca-pei, para trazer-te a nova.45

    Ento, J se levantou, rasgou o seu manto, rapou a cabeae lanou-se em terra e adorou;46 e disse: Nu sai do ventre deminha me e nu voltarei; o SENHOR o deu o SENHOR o to-mou; bendito seja o nome do SENHOR! Em tudo isto J nopecou, nem atribuiu a Deus falta alguma.47 Num dia em que os

    43 Se o raio caiu e no veio tempestade aps ele, ficou ainda mais claro para osobservadores que havia uma inteno naquela tragdia.

    44 A proximidade dos caldeus revela que os acontecimentos devem ter se dado naMesopotmia, de onde os caldeus eram oriundos, tendo evoludo de uma tribo aogrande Imprio Caldeu dos dias bblicos posteriores.

    45 A seqncia de tragdias assaltos dos sabeus e caldeus e acidentes naturais fogo do cu e vento forte nos mostram a coordenao da ao terrorista-espiritualdo mal. Os mesmo episdios espalhados no curso de anos no teriam chegadocarregados da certeza de que havia um plano em ao. Foi a simultaneidade dasocorrncias que fez ficar claro o fato de que Deus havia levantando a mo contraJ, permitindo que aqueles males acontecessem de uma vez. E mais: o fato de osagentes da ao maligna terem sido humanos e naturais esclarece que, tendo per-misso, Satans pode intervir tanto nos psiquismos coletivos sabeus e caldeus quanto tambm na natureza fogo do cu e ventos fortes.

    46 Em Gnesis 22: 5, Abrao chama o ato de sacrificar seu filho Isaac de adorao.J, mesmo no tendo que, pessoal e deliberadamente, imolar os filhos, todavia,adoraem meio s perdas. Este um dos ltimos estgios da conscincia da f,quando serve-se a Deus por nada e independentemente das circunstncias.

    47 A fidelidade de J ao seu Deus no ficou abalada. Ele no servia a Deus pelo quepossua e sabia que tragdias podem acontecer tambm a quem conhece a Deus. Esua certeza da soberania de Deus deu-lhe serenidade para ador-lo no dia daperplexidade.

  • 38 Caio Fbio

    filhos de Deus48 vieram apresentar-se perante o SENHOR, veiotambm Satans entre eles apresentar-se perante o SENHOR.Ento, o SENHOR disse a Satans: Donde vens? RespondeuSatans ao SENHOR e disse: De rodear a terra e passear por ela.Perguntou o SENHOR a Satans: Observaste o meu servo J.49Porque ningum a na terra semelhante a ele, homem ntegro ereto, temente a Deus e que se desvia do mal. Ele conserva a suaintegridade, embora me incitasses contra ele, para o consumirsem causa.50 Ento, Satans respondeu ao SENHOR: Pele porpele, e tudo quanto o homem tem dar pela sua vida.51 Estende,porm, a mo, toca-lhe nos ossos e na carne e vers se no blasfe-ma contra ti na tua face. Disse o SENHOR a Satans: Eis que eleest em teu poder; ma poupa-lhe a vida.52 Ento, saiu Satansda presena do SENHOR e feriu a J de tumores malignos, desde

    48 Note a repetio da frase filhos de Deuse veja como, inequivocamente, ela serefere aos anjos. Tal raciocnio muda, dramaticamente, a nossa viso do que acon-teceu entre os filhos de Deus e as filhas dos homens, conforme Gnesis 6:2. Poden-do ns, inclusive, crer nas narrativas do Livro de Enoque, que tratam desse assunto eque, at ao sculo quinto da era crist, era a referncia para a interpretao preva-lecente no judasmo e na Igreja a da tradio enoquiana; ou seja, que anjospossuram mulheres e deram luz a gigantes (Gn 6: 1-4).

    49 Poucas expresses revelam to claramente o quanto os seres celestiais observam eaprendem com as manifestaes humanas, especialmente daqueles que amam aDeus (Ef 3: 10).

    50 Embora me incitasses contra ele para o consumir sem causa, revela um modohumano de expressar o inexprimvel. Isso porque Deus est para alm da possibili-dade de ser tentado pelo mal (Tg 1:3). Trata-se, apenas, de um modo de dizer queDeus permitiu que Satans agisse contra J, cumprindo um papel e ignorando oresultado final. Sem aquela permisso, J jamais se conheceria e ou conheceria aDeus como veio a conhec-lo. A viso de Satans sobre o mal que realiza limitadapela sua volpia no realiz-lo. Se Satans soubesse o fim de todas as histrias queele se prope a terminar, provavelmente no demandaria o que demanda. E, semesmo que o saiba, age assim mesmo, ento, porque seu vcio na maldade sempre suicida. A inteligncia do mal acaba em razo da compulso em realiz-lo.

    51 Satans apelava para seu ltimo recurso. As perdas materiais no haviam desiludi-do a J. Agora era hora de ver se ele resistiria ao ltimo fiapo: o da sobrevivncia.

    52 Neste episdio to claro que Satans tem seu limite bem estabelecido. Aqueles quepensam que seu poder malvolo ilimitado, sofrem da terrvel e diablica idia deque Satans tem poder de fazer qualquer transgresso contra Deus, que no seja,antes, contra ele mesmo. Contra si mesmo, Satans, semelhana dos humanos,pode pecar vontade. Quando se trata, todavia, de levar a criao ao caos, Sata-ns esbarra sempre na Face Soberana do Criador, que Deus zeloso, tendo

  • O Enigma da Graa 39

    a planta do p at ao alto da cabea.53J, sentado em cinza, to-mou um caco para com ele raspar-se.54 Ento, sua mulher lhedisse: Ainda conservas a tua integridade? Amaldioa a Deus emorre.55 Mas ele lhe respondeu: Falas como qualquer doida; te-mos recebido o bem de Deus e no receberamos o mal? Emtudo isto no pecou J com os seus lbios.

    Ouvindo, pois, trs amigos de J todo este mal que lhesobreviera, chegaram, cada um do seu lugar: Elifaz, o temanita,Bildade, o suta, e Zafar, o naamatita; e combinaram ir juntamentecondoer-se dele e consol-lo.56 levantando eles de longe os olhose no o reconhecendo, ergueram a voz e choraram; e cada um,rasgando o seu manto, lanava p ao ar sobre a cabea. Senta-ram-se com eles na terra, sete dias e sete noites; e nenhum lhedizia palavra alguma, pois viam que a dor era muito grande.

    amor por todas as suas criaturas. Tratando-se de humanos que, conscientemente, oamam, mais ainda o poder maligno est limitado. Por isso, que fique claro: Satansno pode ir alm do permitido, de acordo com o bem maior que se oculta na vidadaqueles que amam a Deus (Rm 8: 28-29).

    53 Hoje em dia, provavelmente dissssemos que J havia somatizado suas dores. Mui-tas vezes isso que acontece. Mas, h ocasies em que os males fsicos de algumso fruto de um ataque espiritual (Lc 12: 10-17).

    54 Sentado em cinzaexpressa a mais antiga tradio de simbolizao da dor fosse ador da perda, da vergonha ou do arrependimento conforme encontramos na Bbliae nos relatos mesopotmicos daqueles dias. Quanto a raspar-se, tratava-se, obvia-mente, de uma interveno de limpeza nas erupes e ferimentos na pele de J.

    55 A figura da mulher de J quase sempre negativa no livro. Ela tenta induzi-lo blasfmia, expressa sua repugnncia pelo hlito do marido (19:17), era tambmalgum em quem J depositava certas amarguras (31:9, 10). Ele diz que ela falacomo qualquer doida e sua ingratido era manifesta: recebera o bem mas noaceitava o mal.

    56 Os trs amigo de J vinham tambm de contextos e geografias que a Bblia noreconhece como sendo da descendncia de Abrao. Vemos aqui como as verdadesda revelao de Deus jamais se restringiram s fronteiras genticas da descendn-cia dos patriarcas bblicos. Deus sempre foi livre para se revelar a quem quis. Essaidia incmoda aos que desejam diminuir o espao da revelao circunscreven-do-a a apenas aos ambientes hebreus da Bblia , esquecidos que a revelao deDeus a Abrao no implicou numa reduo na disposio de Deus de se deixarconhecer por todo aquele que O teme e busca o que Lhe aceitvel (Mt 1: 11; At10: 34-35; Rm 2: 12-16). O fato de eles haverem combinado irem consol-lo indicaque a amizade deles era anterior quele encontro e que no somente eles eramamigos de J, mas conheciam-se uns aos outros.

  • COMENTRIO

    PARA O LEITOR de Livro de J, o texto bblico j chega mostrando,desde o incio, o que houve nas regies celestiais acerca do dra-ma daquele que era homem ntegro e reto, temente a Deus, e quese desviava do mal.

    O problema que J no lia o Livro de J.Ele era a histria e nada pior do que ser a prpria

    histria. Normalmente, quando isso acontece, tem-se que servtima de juzos e certezas equivocados por muito tempo. Noesquea: J, em sua tragdia histrica, j tem milhares de anosde idade. Portanto, hoje piedoso expressar solidariedade aele. Mas, e se voc fosse contemporneo dele? Seria voc ca-paz de refrear a sua lngua, quando o mais natural seria emitiralguma forma de junto?

    Os amigos do J tambm no dispunham daquela visoem dois tempos. Eles viam apenas o cenrio imediato e suastragdias. Eles nada sabiam sobre a demanda de Satans acer-ca do homem melhor, pois apenas se impressionavam com a his-tria do melhor homem.

    Para o observador comum os parentes de J, seus ser-vos, vizinhos, amigos e conhecidos , as ocorrncias erampercebidas como Quedalamidade.57 A fora e a simultaneidade doseventos o que dava maioria a certeza de que havia algo ma-ligno presente nas circunstncias. E, normalmente, quando istoacontece, a mente humana, em geral, no tem como no recor-rer ao mais antigo de todos os ardis e enganos filosficos: aqueleque sempre explica a tragdia como sendo o resultado do peca-do daquele que foi objetivo de tamanha calamidade!

    57 Ou seja: uma calamidade marcada moralmente por uma queda diante de Deus.

  • 42 Caio Fbio

    Se o homem em questo visto como bom, pior ainda!Suspeita-se sempre que algo oculto estava em curso, sob a ca-muflagem da mais cnica hipocrisia. J tinha que ter feito porjustificar as dores e perdas que o acometeram. J tinha que serculpado. Era assim que todos o viam.

    Meu pedido, agora caso voc deseje que este livrolhe seja relevante , que voc des-imagine tudo o que sabesobre o drama de J. E a nica maneira de faz-lo esque-cendo-se dos dois primeiros captulos do livro e da cenaque ocorreu longe dos olhos de J, na corte celestial. As-sim, voc ver quem voc: se h em voc mais de J oude seus amigos.

    Alis, daqui para frente, o que desejo que voc pensenas calamidades que atingem aqueles que voc respeita ourespeitou. Pense em como voc responde aos sofrimentossimultneos que as pessoas sofrem. E pense se sua primeiratendncia no cogitar se h algo errado em seu prximo!Provavelmente caso seu corao seja honesto , voc terque admitir que em sua mente, tragdias so naturais empessoas dadas iniqidade, mas no em relao ao homembom. Quando assim, mais fcil pensar que h algo ocul-to e que, por essa razo, tal pessoa est sofrendo!

    Sua cogitao dificilmente ser aquela que incluir nacena a dimenso invisvel, a demanda satnica na cortecelestial!

    E como no queremos que o prmio da bondade seja a cala-midade, preferimos pensar que o sofrimento do homem bom fruto de um pecado oculto, cuja malignidade encontrou nadesfaatez sua maior diabolice.

    assim que eu quero que voc leia o resto do livro: es-quecendo-se da cena celestial. Pense na pessoa que voc maisrespeita e a veja sob todos os aspectos de uma possvel des-truio de tudo quanto um dia construiu. Depois pense sobrequal seria o seu julgamento inicial e ou final.

    Ento, responda-me:Seria voc capaz de excluir o aspecto moral de sua in-

    terpretao?

  • O Enigma da Graa 43

    Seria voc capaz de pensar que aquela tragdia nada ti-nha a ver com a maldade do homem, mas, provavelmente,com a bondade dessa pessoa?

    E ainda: seria voc capaz de ver amor e Graa naquelacalamidade?

    Poderia voc, porventura, pensar que aquele des-Graado est, de fato, sendo salvo pela Graa e pelo Amorde um mal muito maior: a sua totemizao entre os homens,que faria dele pois j havia feito , apenas e to somente,um dolo!

    E ainda: seria voc capaz de ver na calamidade a possi-bilidade de uma terapia de ascenso espiritual, mesmo que istoimplicasse em perdas materiais, familiares e no levante desuspeies acerca desse ser-objeto da tragdia?

    Se voc for capaz de manter a isenso, ento, saber exa-tamente com que critrios voc julga o seu prximo que expe-rimenta a aflio e a perplexidade!

    Leia o resto do livro com a mente focada apenas e tosomente no horizonte imediato. E, assim, pense que voc noest lendo a histria de J, mas a de seu vizinho, de seu me-lhor amigo, ou mesmo, a histria da pessoa que voc admira-va pelo exemplo que dava e pelas boas obras que realizava, atque tudo ruiu, sem explicao e de uma nica vez!

    Caso voc seja capaz de tratar a questo com essaverdade-verdade, ento, ver quantos juzos voc emite semse dar conta de que, talvez, nas regies celestes, aquele epis-dio esteja falando justamente do oposto: que aquele que oobjeto da des-Graa, seja justamente aquele acerca de quem Deusdiz ai Adversrio: Viste o meu servo J? Pois ningum h na terracomo ele....!

  • CAPTULO II

    Quando os Amigos FazemMais Mal que Satans

    Uma opinio de C. S. Lewis sobre Satans

    A presente opinio do pensador cristo C. S. Lewis fru-to de uma traduo-sntese que eu fiz de parte de seupensamento expresso no livro As Cartas do Inferno,conforme sua verso original em ingls, e que aqui apareceem itlico.

    A mais comum de todas as questes a mim colocada, se eu creio na existncia do Diabo. Ento, eu digo: se por Dia-bo voc est pensando num poder de oposio a Deus, comoDeus, que seja auto-existente desde a eternidade, minha res-posta no.

    No h nenhum ser no-criado exceto Deus. Deus notem um oposto a Ele. Nenhum ser poderia atingir a maldadeperfeita a fim de poder competir com a perfeita bondade deDeus. Isso porque, se desse ser tirssemos todas as coisas boascomo inteligncia, vontade, memria e energia, no ficaria nadaque pudesse fazer esse ser existir.

    A questo correta, portanto, se eu acredito em diabos.E minha resposta sim, eu creio na existncia deles. E assimdizendo, afirmo que creio em anjos, tanto creio em alguns de-les, abusando de seu livre arbtrio, se tornaram inimigos deDeus e dos homens. Esses seres eu chamo de diabos. Eles nodiferem como criaturas dos anjos bons, mas a natureza delesficou depravada. O Diabo o oposto de anjo somente na mesma

  • 48 Caio Fbio

    medida em que um homem mau o oposto de um homembom. Satans, o lder desses diabos, est em equivalncia opostano a Deus, mas a Miguel, o arcanjo.

    E com isto tambm quero dizer que no vejo esses serescomo eles costumam ser pintados nas nossas artes e literaturas.Eles no so morcegos, bodes ou outros animais. Eles so serescom poderes extraordinrios, e o maior deles sua sutileza.

    Anjos maus, semelhana de homens maus, so abso-lutamente praticos. Eles agem baseados apenas em dois moti-vos: o primeiro medo de punio, por isso creio que o infer-no se aprofunda em suas prprias formas de tortura esofrimento.

    O segundo motivo fome: Eu penso que, num nvelespiritual, os diabos so capazes de comer uns aos outros, e ans. Mesmo entre ns, humanos, a gente v essa fome em aoquando algumas pessoas dizem que esto apaixonadas. Emgeral, quando isto acontece, v-se algum desejar tanto o ou-tro que no se satisfaz com nada menos que a absoro do ou-tro, com suas energias, sonhos, desejos e vida, a tal ponto queh at quem morra com essa fome.

    Os diabos ou demnios so assim, como C. S. Lewis osdefiniu, mas so muito mais sutis que ns, os humanos. Elessabem possuir sem ser sentidos, pois, nesse caso, eles preferemfazer com que o possudo no saiba que . Da, sem o saberem, osamigos de J terem, na prtica, cumprido um papel mais satni-co que o do Diabo na histria do drama de J.

    Satans, a fim de poder comer tudo de dentro para fora, semostra sem necessidade de aparecer, como ns, os egostas sereshumanos, carecemos. Portanto, Satans d s suas vtimas asensao de que os desejos realizados so os delas, que as ra-zes so as delas, que as verdadestambm so delas; nosabendo, entretanto, que cumprem os caprichos de outros se-nhores, ocultos em suas almas, e bem disfarados em suas mo-rais, juzos e espritos de acusao!

    Dessa forma, mesmo no sabendo que estavam respon-dendo a um demnio-psicolgico, os amigos de J agiram em

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    concubinato com Satans, fazendo o papel que ele, o Diabo,preferia que fosse feito mediante faces e gente, argumentosmorais e teolgicos, e oculto nas sabedorias besuntadas de ver-dade, to comuns entre ns, os arrogantemente enganadosseres humanos.

    E nesse sentido poucas armas so mais satnicas queaquelas que se vestem de correo moral. Afinal, no bomjamais esquecer que foi sob a Lei e sob os auspcios da Moralque as autoridades judaicas reuniram a mais terrvel fora sa-tnica a fim de matar Jesus.

    Fome seja ela de poder, verdade, justia, liberdade eou qualquer outra virtude pode tambm se tornar umacompulso satnica.

    Ele, o Diabo, visto na Bblia como o leo que anda emderredor procurando algum para devorar.58 Entre ns, os huma-nos, muitas vezes, chamamos isto de paixo pela vida ou compro-misso com a verdade; como tambm, muitas vezes, chamamosnosso famigerados juzos de fome de justia ou de amor ver-dade de Deus e aos bons costumes. No ambiente satnico, toda-via, o nome dessa compulso fome de possuir a alma do outro.

    Desse modo, podemos pensar que uma das formas maisdemonacas de possesso a absoro da individualidade huma-na, de tal modo que o comido j no ele mesmo, pois vivepara satisfazer os desejos do outro neste caso, o prprio Sata-ns , que o convenceu que aqueles so seus prprios dese-jos; ou seja: do comido-pela-presuno-de-comer.59

    No caso de J, ele teria que se converter teologia deseus amigos, reconciliar-se com Deus, ser absolvido pelosseus juizes. Somente assim ele poderia ter a chance de noamaldioar a felicidade de ningum, por ele mesmo estar infeliz equeixoso diante de Deus; sendo ele, entretanto, o mais ntegrohomem entre os seus contemporneos.

    58 I Pd 5:859 J 8: 44-45

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    Entretanto, o ntegro no pode ser infeliz, nem antes,nem durante e nem depois da tragdia!

    O ntegro tem que ser um mineral de Deus!Concluindo, eu diria que o grande sonho de Satans

    que todos existam dentro dele, como ele , e clones dele, nele; e tam-bm que chegue o dia quando qualquer outro ser, a fim dedizer eu, tenha que faz-lo dentro dele, pois ele deseja quefora dela no haja salvao.

    isto que os cristos no entendem: o Diabo no queraparecer como perdio, mas como uma outra forma de salva-o, mesmo que seja entre cristos.60

    Sendo assim, quanto mais cristo o diabo for, maissutil ser seu engano. Nesse caso, ele no consegue afirmar o con-tedo da verdade, mas consegue se transformar em anjo de luz.61

    Assim, deve-se saber, especialmente aps dois mil anosde Histria da Cristandade, que o lugar onde o Diabo mais pas-sou por Deus nos ambientes terrestres foi, sem dvida, naanticrist histria do Cristianismo seja ele catlico, protes-tante, evanglico ou qualquer outra verso da perverso origi-nal do puro e simples evangelho de Jesus Cristo.62

    Nada ficou mais distante de Cristo do que aquilo que ofici-almente tentou represent-lo na Terra. Assim, quando o Diabousou os amigos de J para dizerem eu, por ele s que emnome de Deus , sua vitria, a do Diabo, andou prxima dese completar. Ele s no contava com o Enigma da Graa de Deus!

    E mais que isto: um dos maiores ardis do Diabo fazercom que a fome de justia e correo cumpra os seus satnicos emalvolos propsitos. E assim tem sido desde o incio, o quenos remete para a primeira tentao.63

    A oferta feita pela serpente se baseava numa fome aser satisfeita. Fome de saber e de possuir tudo o que Deus pos-

    60 I J 2: 18-19; 4: 1-661 II Co 11: 14. Satans o melhor gestor de imagem que j se conheceu.62 II Co 11: 363 Gn 3, todo o captulo.

  • O Enigma da Graa 51

    sua, era a obsesso do Diabo. E foi a presuno do discernimentoacerca do Bem e do Mal aquilo que enganou os primeiros huma-nos e nos engana at hoje.64

    Afinal, quem pode negar que as acusaes dos ami-gos de J no se baseavam no mais antigo e ardiloso de todosos enganos?

    Sim! Fundamentava-se na falcia de que a rvore do Co-nhecimento do Bem e do Mal nos deu, de fato, conhecimentodo Bem e do Mal. Mas este o engano: ela nos deu apenas apresuno conceitual do conhecimento do bem e do mal, poistal conhecimento, apenas Deus o possui. Se fosse de outra for-ma no teramos sido proibidos de exercer julgamentos sobreo ser de nosso prximo.65

    Os amigos de J, todavia, operavam, filosfica e teologi-camente, a partir desse engano. E quando essa arrognciatoma conta do corao, Satans no precisa mais aparecer. Ns,desse ponto em diante, fazemos o trabalho sujo para ele. E, namaioria das vezes, o grande engano ainda blasfemo, pois,em nossa estupidez, nos arrogamos a cometer essa maldadeem nome de Deus!

    Depois disto, passou J a falar e amaldioou o seudia natalcio.

    Disse J:66 Perea o dia em que nasci e a noite em que sedisse: Foi concebido um homem! Converta-se aquele dia emtrevas; e Deus, l de cima, no tenha cuidado dele, nem res-plandea sobre ele a luz. Reclamem-no as trevas e a sombra de

    64 A rvore do Conhecimento do Bem e do Mal continua a ser o conhecimento apartir do qual as produes humanas se derivam. A Teologia da Terra a de Caim o seu sub-produto mais antigo como formulao conceitual. E todo o saber humanoda procede!

    65 Rm 14; Mt 7: 1-466 Neste captulo 3 do livro de J observamos as divises naturais de sua fala e de seus

    temas: 1-10, a sua crise de desejar no-ter-sido, de 11-19, a sua crise ante oanacronismo de suas calamidades; e de 20-26, ele expressa a sua perplexidadefrente ao absurdo.

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    morte; habitem sobre ele nuvens; espante-o tudo o que podeenegrecer o dia. Aquela noite, que dela se apoderem densastrevas; no se regozije ela entre os dias do ano, no entre naconta dos meses. Seja estril aquela noite, e dela sejam banidosos sons de jbilo. Amaldioem-na aqueles que sabem amaldi-oar o dia e sabem excitar o monstro marinho. Escuream-seas estrelas do crepsculo matutino dessa noite; que ela esperea luz, e a luz no venha; que no veja as plpebras dos olhosda alva, pois no fechou as portas do ventre de minha me,nem escondeu dos meus olhos o sofrimento.67

    Por que no morri na madre? Por que no expirei ao sairdela? Por que houve regao que me acolhesse? E por que pei-tos, para que eu mamasse? Porque j agora repousaria tran-qilo; dormiria e, ento, haveria para mim descanso, com osreis e conselheiros da terra que para si edificaram mausolus;68ou com os prncipes que tinham ouro e encheram de prata assuas casas; ou, como aborto oculto, eu no existiria, como cri-anas que nunca viram a luz.69

    Ali, os maus cessam de perturbar, e, ali, repousam oscansados. Ali, os presos juntamente repousam e no ouvem a

    67 Quando a dor e a perplexidade so demasiadamente fortes, a alma no sabe outraquesto que no seja Shakespeariana: Ser ou no ser. No caso de J, ante tama-nha perplexidade, o que lhe restava era o desejo de jamais ter sido.

    68 Os reis e conselheiros... que para si edificaram mausolus, indica o fato que nosomente entre os egpcios, mas tambm em todo Oriente, j havia a prtica deconstruir monumentos aos mortos que encarnavam as simbolizaes espirituais. Aque-las sociedades tinham no rei o agente catalisador das bnos espirituais. Da,certas sociedades matarem o seu rei quanto este ficava velho ou adoecido, poiscriam que sua fragilidade enfraquecia espiritualmente toda a comunidade a eleligada. Num mundo como aquele, portanto, a tragdia do lder tinha que ser punidacom o desprezo. A nica realidade que os povos antigos admitiam em relao aosseus poderosos, era a prosperidade, pois dela todos dependiam, at espiritualmentefalando.

    69 O desnimo existencial de J o colocou na perspectiva pessimista de que tanto ono-ser (o aborto), quanto o ter sido (presos, reis, conselheiros, prncipes etc...) denada valiam. Tanto fazia ser ou no ser ou ter sido, pois, ao final, nada faziasentido. E bom lembrar que a dor de J no dispunha da explicaes que inclu-ssem a demanda de Satans por sua vida. Ele contemplava apenas a tragdia, e,ante sua realidade, respondia do modo mais humanamente sadio possvel.

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    voz do feitor. Ali, est tanto o pequeno como o grande e o ser-vo livre do senhor.

    Por que se concede luz ao miservel e vida aos amar-gurados de nimo, que esperam a morte, e ela no vem?Eles cavam em procura dela mais do que tesouros ocultos.70Eles se regozijariam por um tmulo e exultariam se achas-sem a sepultura.

    Por que se concede luz ao homem cujo caminho oculto,e a quem Deus cercou de todos os lados.71 Por que em vez demeu po me vm gemidos, e os meus lamentos se derramamcomo gua? Aquilo que temo me sobrevem, e o que receio meacontece.72 No tenho descanso, nem sossego, nem repouso, ej me vem grande perturbao.

    Ento respondeu Elifaz, o temanita, e disse:73 Se intentaralgum falar-te, enfadar-te-s? Quem, todavia, poder conter

    70 O admirvel em J sua capacidade pela via de sua prpria dor de entenderque a existncia pode ser tornar to desesperada, que a prpria morte passa a serdesejada com estranho prazer.

    71 O homem lcido sofre mais pelo simples fato de que sua luz serve apenas pararevelar-lhe que o sentido de seu prprio caminho na terra lhe est encoberto. luzapenas para se cair perplexo ante o mistrio.

    72 J, certamente semelhana de muitos, carregava seus temores e fazia oraespara que aqueles males jamais o acometessem. Aqui, mais que em qualquer outrolugar, comea-se a enxergar quais eram as fobias de J. Provavelmente, ele tenhadito a si mesmo que se tais coisas lhe acontecessem ele no saberia como seria suareao. Da ser forte o fato dele dizer que o que ele temia, isso mesmo lhe haviaalcanado.

    73 As acusaes de Elifaz a J podem ser divididas nos seguintes blocos:1) J sabia falar e consolar os outros, mas no a si mesmo (4: 1-5);2) J sabia que aquilo que o homem semeia, ele colhe. Portanto, as conseqncias

    que ele estava experimentando eram apenas a manifestao da lei moral decausa e efeito (4: 6-8);

    3) Quando Deus pesa a mo, at mesmo as feras sofrem, quanto mais os homens.Assim, ele chamava a J de um predador do prximo e que estava experimentan-do o pagamento que as bestas da terra experimentavam (4: 9-11);

    4) Uma revelao noturna, do tipo espiritualista, subjetiva, que dava a ele a certe-za de que Deus buscava imperfeies em todas as criaturas. Assim, ele afirmauma teologia sem a presena da Graa (4: 12-21);

    5) Na loucura de J nenhum anjo ou ser espiritual lhe seria solidrio (5: 1-2);

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    as palavras?74 Eis que tens ensinado a muitos e tens fortalecidomos fracas. As tuas palavras tm sustentado aos quetropeavam, e os joelhos vacilantes tens fortalecido. Mas agora,em chegando a tua vez, tu te enfadas; sendo tu atingido, teperturbas.75 Porventura, no o teu temor de Deus aquilo emque confias, e a tua esperana, a retido dos teus caminhos?76Lembra-te: acaso j pereceu algum inocente? E onde foram osretos destrudos?77 Segundo eu tenho visto, os que lavraram ainiqidade e semeiam o mal, isso mesmo eles segam.78 Com ohlito de Deus perecem; e com o assopro da sua ira se

    6) As conseqncias que atingiram a J eram mais que previsveis (5: 3-7);7) Elifaz diz que se ele estivesse no lugar de J, buscaria a Deus em sua justia e

    saberia que Deus o colocaria num lugar alto e, mesmo no luto, lhe daria alegria(5: 8-11);

    8) A prosperidade de J havia sido fruto da astcia; agora ele estava experimentan-do o resultado disso em vida, na forma de uma disciplina pelos seus maus atos pois aquilo que lhe acontecia, certamente no era injustia divina, mas pecadode J (5: 12-18);

    9) Elifaz conclui seu discurso piedosamente perverso dizendo que se J fossehomem de Deus, ento, os males da terra no o atingiram (5: 19-27); exemplo: a)a fome nunca o mataria (20); b) seria livre da morte, mesmo na guerra, pois,jamais seria vtima da espada (20b); c) ele jamais seria difamado (21a); d) asassolaes passariam longe dele (21b); e0 at os animais no o atacariam (22);f) ele experimentaria o milnio j agora e as leis da queda seriam todas suspensasa seu favor (22-26); g) epragmaticamente, ele diz: J o havemos inquirido, eassim ; ouve-o e medita nisso para teu bem. Assim, ele como todo moralista, pormais sensvel e potico que seja, nunca escapa de prender sua alma aos irreaiseilusrios preceitos das teologias morais de causa e efeito. E quando se transfor-ma uma premissa equivocada em pressuposto filosfico e este se converte emdogma teolgico-moral, ento, da para frente, quem quer que dele discorde jpassa a compor o rol de membros dos mpios da terra (27).

    74 Aqui comea a sndrome da resposta pronta. Mesmo sabendo que iria importunaro amigo, Elifaz no resiste, e fala. E sua fala carregada de verdade-mentira.

    75 o julgamento era ferino: cuidas-te de outros e no agentas quando chega a tua vez.76 Para Elifaz o justo no poderia sofrer. E para ele a segurana contra qualquer

    tragdia era algo que residia na conduta humana.77 A infelicidade desse pressuposto era clara. Como vemos na Bblia, o justo pode

    sofrer e no h, necessariamente, nenhuma relao fixa de causa e efeito entreentrega honesta a Deus e a possibilidade dos sofrimento. Esta uma das grandesteses de todo o Livro de Eclesiastes.

    78 Aqui Elifaz sucumbe de vez falcia do julgamento moral.

  • O Enigma da Graa 55

    consomem.79 Cessa o bramido do leo e a voz do leo feroz, eos dentes dos leezinhos se quebram. Perece o leo, porqueno h presa, e os filhos da leoa andam dispersos. Uma pala-vra se me disse em segredo; e os meus ouvidos perceberamum sussurro dela. Entre os pensamentos de vises noturnas,quando profundo sono cai sobre os homens, sobrevieram-meo espanto e o tremor, e todos os meus ossos estremeceram.Ento, um esprito passou por diante de mim; fez-me arrepiaros cabelos do meu corpo;80 parou ele, mas no lhe discerni aaparncia; um vulto estava diante dos meus olhos; houve si-lncio, e ouvi uma voz: Seria, porventura, o mortal justo dian-te de Deus? Seria, acaso, o homem puro diante de seu Cria-dor? Eis que Deus no confia no seus servos e aos seus anjosatribui imperfeies; quanto mais queles que habitam em ca-sas de barro, cujo fundamento est no p, e so esmagadoscomo a traa!81 Nascem de manh e a tarde so destrudos;perecem para sempre, sem que disso se faa caso. Se lhes cortao fio da vida, morrem e no atingem a sabedoria.82 Chama ago-ra! Haver algum que te atenda? E para qual dos santos anjoste virars?83 Porque a ira do louco o destri, e o zelo do tolo omata. Bem vi eu o louco lanar razes; mas logo declarei maldi-ta a sua habitao.84 Seus filhos esto longe do socorro, so

    79 Faltava a Elifaz a viso de que muitas vezes Deus est mais presente nas conseqn-cias da calamidade do que na realizao da prosperidade humana.

    80 Um dos mais terrveis argumentos de verdade-mentira aquele que absolutiza umapseudo-verdade a partir de experincias msticas. Neste caso um arrepio setorna mais validador da verdade que a misericrdia e o bom-senso.

    81 A viso de um deus meticuloso e que procura imperfeies em suas criaturas tpica da alma que est mergulhando nas buscas de auto-justificao baseadas emjustias prprias.

    82 Tudo o que Elifaz diz entre os versos 17 e 21 so as declaraes do vulto noturno,do esprito que, em passando por ele, arrepiou-lhe os plos. Veja, ento, como asexperincias subjetivas tendem a ser transformadas em orculos e esses, pela via desua origem sobrenatural, passa a possuir poder de verdade absoluta, gerando amentira-verdade.

    83 Elifaz j est to certo de que havia uma culpa oculta em J que no vislumbra paraele qualquer tipo de solidariedade celestial.

    84 Aqui Elifaz revela de modo objetivo o esprito de julgamento que o habitava.

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    espezinhados s portas, e no h quem os livre. A sua messe, ofaminto a devora e at do meio dos espinhos e arrebata; e ointrigante abocanha os seus bens.85 Porque a aflio no vemdo p, e no da terra que brota o enfado. Mas o homem nascepara o enfado, como as fascas das brasas voam para cima.Quanto a mim, eu buscaria a Deus e a ele entregaria a minhacausa; ele faz coisas grandes e inescrutveis e maravilhas queno se podem contar; faz chover sobre a terra e envia guassobre os campos, para por os abatidos num lugar alto e paraque os enlutados se alegrem da maior ventura. Ele frustra asmaquinaes dos astutos, para que as suas mos no possamrealizar seus projetos.86 Ele apanha os sbios na sua prpriaastcia; e o conselho dos que tramam se precipita.87 Eles de diaencontram as trevas; ao meio-dia andam como de noite, sapalpadelas.88 Porm, Deus salva da espada que lhes sai daboca, salva o necessitado da mo do poderoso. Assim, h es-perana para o pobre, e a iniqidade tapa a sua prpria boca.Bem-aventurado o homem a quem Deus disciplina; no des-prezes, pois, a disciplina do Todo-Poderoso.89 Porque ele faz a

    85 Ao inferir que tanto a perda dos bens como o desastre familiar como resultado dealgum pecado oculto, Elifaz assume, definitivamente, o papel de juiz do seu prxi-mo. Fora de Deus essa sempre uma tarefa satnica. Anda-se mais perto de Satansque se imagina neste mundo de certezas.

    86 Elifaz exclui seu amigo dos sofrimentos dos inocentes e afirma que seu estado opagamento pela sua astcia. Pode-se de uma coisa ter certeza: tratava-se mais daprojeo de astcia do prprio Elifaz que qualquer coisa que existisse em J.Alis, J estava sendo julgado era, justamente, pela sua falta de astcia, pois seastuto fosse, transformaria sua calamidade num marketing de falsos louvores e desubmisses que no correspondiam s verdades de seu corao.

    87 Isto absolutamente verdadeiro. Mas fora do contexto e aplicado a J era verdade-mentira.

    88 Neste ponto ele faz das queixas de J acerca das trevas que deveriam encobrirpara sempre o dia de seu natalcio como sendo o de trevas mais que justificveis.Para Elifaz as trevas em J eram naturais, levando-se em considerao o modocomo ele entendia o problema da dor em seu amigo, que seria fruto de maldadesbem camufladas.

    89 Verdade era. Mas na boca de Elifaz era verdade-mentira, pois, sua motivao eramoral e a disciplinade Deus a J era pra faz-lo ainda mais discpulo.

  • O Enigma da Graa 57

    ferida e ele mesmo a ata; ele fere, e as suas mos curam. Deseis angstias te livrar, e na stima o mal no te tocar. Nafome te livrar da morte; na guerra, do poder da espada. Doaoite da lngua estars abrigado e, quando vier a assolao,no a temers. Da assolao e da fome te rirs e das feras daterra no ters medo. Porque at com as pedras do campo te-rs a tua aliana, e os animais da terra vivero em paz contigo.Sabers que a paz a tua tenda, percorrers as tuas posses-ses, e nada te faltar. Sabers tambm que se multiplicar atua descendncia, e a tua posteridade, como a erva da terra.Em robusta velhice entrars para a sepultura, como se recolheo feixe de trigo a seu tempo. Eis que isto j o havemos inquiri-do, e assim ; ouve-o e medita nisso para teu bem.90

    Ento J respondeu:91 Oh! Se a minha queixa, de fato, sepesasse, e contra ela, numa balana, se pusesse a minha mis-ria, esta, na verdade, pesaria mais que a areia dos mares; por

    Disciplina algo que Deus aplica a discpulos. Era por essa razo que os amigos de Jno conheciam aquela pedagogia. Eles eram discpulos da lei moral. J era filho daGraa que d liberdade ao perplexo de exprimir sua perplexidade sem medo.

    90 O discurso de Elifaz, do verso 15 a 27, verdadeiro quanto o cenrio da terra noconta com intervenes celestes. Obviamente que a vida do justo, por si s, jelimina muitas possibilidade de dor. Especialmente aquelas que so filhas da insen-satez. Todavia, o que ele no sabia, era que essa estava longe de ser uma regra deaplicabilidade universal, como veremos adiante.

    91 Nesse bloco de falas de J, que vai de 6: 1 ao captulo 7: 21, a diviso de argumen-tos a seguinte:1) O peso das dores que assolam a alma pesam mais que os pesos do mundo

    material. No se ouve falar de algum que se suicidou por trabalhar demais oupor carregar muito peso, mas a histria est repleta de narrativas de quem aca-bou com a vida por no suportar os pesos que esmagam a alma (6: 1-4);

    2) A proposta dos amigos que lhe sugeriram uma pacincia desenervada frente calamidade, era pura ironia. E J pergunta se eles j o tinham visto queixar-sequando os bens bsicos da vida lhe eram naturais. (6: 5). Mas agora, desejarmorrer, era natural (6: 6-10);

    3) Nas suas condies haveria dignidade at mesmo na eutansia (6: 11-13);4) Suas razes para viver cessaram quando os amigos se tornaram adversrios

    piores que a perplexidade (6: 14-17);

  • 58 Caio Fbio

    isso que as minhas palavras foram precipitadas.92 Porque asflechas do Todo-Poderoso esto em mim cravadas, e o meuesprito sorve o veneno delas; os terrores de Deus searregimentam contra mim.

    Zurrar o jumento monts junto relva? Ou mugir oboi junto sua forragem?93 Comer-se- sem sal o que inspi-do? Ou haver sabor na clara do ovo? Aquilo que a minha alma

    5) A percepo de que o interesse dos amigos por ele no era diferente do de umacaravana de mercadores acabando os negcios, acaba o interesse o afli-gia, pois assim eram os seus amigos. E uma das piores descobertas que um ho-mem pode fazer a de que suas amizades sempre foram baseadas em interesses,ou seja, a afeio recebida tinha como elemento a troca, mesmo que inconscien-temente, algum negcio ou interesse. Acabando a imagem do justo, cessam asprocuras dos amigos. Muitos amigos nada mais so que membros de uma carava-na de negociantes de oportunidade e negcios seja a imagem, o dinheiro, oprestgio ou o poder daquele que a fonte dessas chances de amor interessado e quando o amigo poderoso vitimado pela tragdia, eles fogem de sua casacomo as caravanas se desviam dos caminhos que j no propiciam bons neg-cios (6: 18-21);

    6) J declara que deles nada pediu ou almejou. Tudo o que ele queria era pertinnciae que tal pertinncia levasse em considerao no um concurso de teologias degozo e gratido, mas o momento-verdade da perplexidade daquele que sofriasem nem ainda entender qual a pedagogia que estava em curso (6: 22-30);

    7) E, por ltimo, ele manda, solenemente, os amigos verem se ele est na esquina.Destampa sua dor e os deixa interpretarem sua agonia como desejarem. Em cer-tas ocasies esse o melhor remdio. Quem j sofreu perdas que vo de familia-res perdidos ou mortos honra e dignidade enxovalhadas, entende J com-pletamente. Nesse caso, prefere-se o julgamento dos tolos que negar o direitoadquirido de falar o que se sente. E a verdade existencial-sensorial de J agrande verdade-verdade que seus amigos, viciados em besuntar a verdade commentiras, no podiam entender; e mais ainda: sendo eles adeptos de uma teolo-gia dogmtico-moral de causa e efeito, jamais poderiam suportar o vazar verda-deiro da alma do sofredor que ama a Deus. Mas nessa hora, a deciso do aflitono pode nunca ser a favor da mdia, do agrado aos amigos-juzes. O destam-par a alma com gemidos pode at escandalizar esses equivocadamente jus-tos, mas salva a alma do queixosamente-devoto ao temor do Senhor (7: 1-21).

    92 J no advogava a sabedoria de suas palavras, apenas o seu direito de expressarsua dor e sua total perplexidade. E sbio deixar que o sbio tenha sua chance degemer e de falar sem ter que refrear forosamente as suas emoes. Um sbio sememoes uma mquina de dados frios. Um homem assim torna-se perigoso!

    93 Mais uma vez J diz que sua reao era normal. Ele no era daqueles que murmura-vam quando a vida era vida. Sua dor era fruto de uma existncia que tem quesuportar a no-vida.

  • O Enigma da Graa 59

    recusava tocar, isso agora minha comida repugnante.94 Quemdera que se cumprisse o meu pedido, e que Deus me conce-desse o que anelo! Que fosse do agrado de Deus esmagar-me,que soltasse a sua mo e acabasse comigo.95 Isto ainda seria aminha consolao, e saltaria de contente na minha dor, que eleno poupa; porque no tenho negado as palavras do Santo.

    Por que esperar se j no tenho foras? Por que prolon-gar a vida, se o meu fim certo?96 Acaso a minha fora a forada pedra? Ou de bronze a minha carne? No! Jamais haversocorro para mim; foram afastados de mim os meus recursos.

    Ao aflito deve o amigo mostrar compaixo, a menos quetenha abandonado o temor do Todo-Poderoso.97 Meus irmosaleivosamente me trataram; so como um ribeiro, como a tor-rente que transborda no vale, turvada com o gelo e a neve quenela se esconde, torrente que no tempo de calor seca, emudecee desaparece do seu lugar.98 Desviam-se as caravana dos seuscaminhos, sobem para lugares desolados e perecem. As cara-vanas de Tem procuram essa torrente, os viajantes de Sabpor ela suspiram. Ficam envergonhados por terem confiado;em chegando ali, confundem-se. Assim tambm vs outros soisnada para mim; vedes os meus males e vos espantais. Acasodisse eu: dai-me um presente? Ou: oferecei-me um suborno da

    94 A inverso de realidades havia sido to profunda que agora sua sobrevivnciadependia daquilo que ele abominava.

    95 Quando na vida a pior coisa que se conhece a morte, quer-se viver; mas quando,subitamente, a pior coisa que pode nos acontecer estar vivo, nesse dia, quer-semorrer.

    96 As angstias de um suicida precisam ser tratadas com misericrdia. humano, anteuma dor maior que a carne e o esprito conseguem suportar, desejar deixar deexistir.

    97 Aqui J afirma seu temor a Deus. Declara que sua queixa no a de um blasfemo. apenas a dor de quem, no entendendo nada do que lhe sobreveio, diz a Deusque a morte lhe seria um ato de misericrdia. e diz tambm que nessa hora, quandoos amigos contemplam juntamente com a dor do que sofre a presena do temor deDeus, a nica resposta deveria ser a da misericrdia.

    98 Apesar de toda a poesia da declarao, J denuncia a frieza de seus amigos eparente frente a sua calamidade: eram como o gelo ou como a seca: em sendonecessitados tinham apenas frieza e fogo a lhe oferecer.

  • 60 Caio Fbio

    vossa fazenda? Ou: livrai-me do poder do opressor? Ou: redimi-me das mos dos tiranos? Ensinai-me, e eu me calarei; dai-mea entender em que tenho errado. Oh! Como so persuasivas aspalavras retas! Mas que o que repreende a vossa repreenso?Acaso, pensais em reprovar as minhas palavras, ditas por umdesesperado ao vento? At sobre o rfo lanareis sorte eespucaleis com o vosso amigo?

    Agora, pois, se sois servidos, olhai para mim e vede queno minto na vossa cara. Tornai a julgar, vos peo, e no hajainiqidade; tornai a julgar, e a justia da minha causa triunfar.99H iniqidade na minha lngua?100 No pode o meu paladardiscernir coisas perniciosas?101 No penosa a vida do homemsobre a terra? No so os seus dias como os de um jornalei-ro?102 Como o escravo que suspira pela sombra e como o jorna-leiro que espera pela sua paga, assim me deram por heranameses de desengano e noites de aflio me proporcionaram.

    Ao deitar-me, digo: quando me levantarei? Mascumprida a noite, e farto-me de me revolver na cama, at a

    99 Ao pedir que seus amigos o julguem sem iniqidade, J revela que a iniqidadeantes de ser uma prtica um modo de pensar a vida, interpretando-a a partir dainjustia e da presuno. Nesse caso, algum pode ser tanto mais inquo quantomais justo aos seus prprios olhos se tornar. Nada mais inquo que o esprito dejulgamento. Por ele a vida humana pode ser destruda em seu bem maior: a verdadedo corao, que pode ser transformada em pecado pelos que presumem saber asrazes dos infortnios de seu prximo, ento, a verdade blasfemada quando issoacontece. Blasfema-se no apenas contra Deus. Pode-se, tambm, faz-lo contra oprximo.

    100 Ele afirma que no desaprendeu o gosto de falar pecaminoso. Sua lngua aindasabia discernir entre o gosto da blasfmia e o gosto do desgosto. E ele sabe que desua lngua no procedia nada que ele no identificasse apenas como desgostomas jamais como blasfmia contra Deus.

    101 J pede que eles deixem os juzos morais de lado e apenas sejam solidrios com asua dor. E pensa que se eles se desarmarem dos juzos morais e se crerem que Deussuporta a dor daquele que sofre sem causa aparente, ento, por que os humanostm de partir em defesa de Deus, quando aquele que fala nada mais quer expressarque seu gemido?

    102 O jornaleiro era uma expresso pra o trabalho do diarista. J se sentia um dia-rista que no recebia nem a paga de vida necessria quele momento de dor. Eracomo se Deus, subitamente, tivesse se tornado um patro que no reconhece odireito bsico de seu assalariado humilde.

  • O Enigma da Graa 61

    alva. A minha carne est vestida de vermes e de crostas terrosas;a minha pele se encrosta e de novo supura.103 Os meus diasdo mais velozes do que a lanadeira do tecelo e se findamsem esperana.

    Lembra-te de que a minha vida um sopro; os meus olhosno tornaro a ver o bem. Os olhos dos que agora me vemno me vero mais; os teus olhos me procuraro, mas j noserei.104 Tal como a nuvem se desfaz e passa, aquele que desce sepultura jamais tornar a subir.105 Nunca mais tornar suacasa, nem onde habita o conhecer jamais. Por isso, no repri-mirei a boca, falarei na angstia do meu esprito, queixar-me-ei na amargura da minha alma.

    Acaso sou eu o mar ou algum monstro marinho, paraque me ponha guarda?

    Dizendo eu: consolar-me- o meu leito, a minha camaaliviar a minha queixa, ento, me espantas com sonhos e comvises me assombras; pelo que a minha alma escolheria, antes,ser estrangulada; antes, a morte do que esta tortura.106 Estoufarto da minha vida; no quero viver para sempre.107 Deixa-me, pois, porque os meus dias so um sopro.108 Que o homem,para que tanto o estimes,109 e ponhas nele o teu cuidado, e cadamanh o visites, e cada momento o ponhas prova? At quando

    103 O estado de dor, insnia e erupes de toda sorte por ele relatados, mostram otamanho de sua agonia e de seu desconforto. J estava com nojo de J.

    104 Na espiritualidade de J, semelhana das mais sadias percepes espirituaisentre os semticos, a volta dos mortos no era uma esperana para os que ficamna terra.

    105 Para ele a melhor perspectiva ainda era a de uma morte rpida.106 Os dias passavam rpidos e sem esperana. As noites eram longas, insone e dolo-

    ridas. E tudo aquilo para ele, alm de no fazer sentido, ainda se mostrava comotortura impiedosa.

    107 Aqueles que em meio dor que maior que as esperanas da vida no corposuspiram pela eutansia, nunca deveriam ser objeto de julgamento moral ou espiri-tual por aqueles que nem sentem que possuem um corpo, pelo simples fato de queele est sadio.

    108 Salmo 90109 Salmo 8

  • 62 Caio Fbio

    no apartars de mim a tua vista? At quando no me dartempo de engolir a minha saliva? Se pequei, que mal te fiz a ti, Espreitador dos homens?110 Por que fizeste de mim um alvopara ti, para que a mim mesmo me seja pesado?111 Por que noperdoas a minha transgresso e no tiras a minha iniqidade?Pois agora me deitarei no p; e, se me buscas, j no serei.112

    110 J, aqui, apenas responde a Deus com as categorias do Deus que Elifaz advoga-va: a de um Ser que busca imperfeies nas criaturas (4: 17-18). Ele diz: Se Deus assim, que Deus perverso esse? Suas distraes so as de um deus, no as donico Deus!

    111 J tinha conscincia que as conseqncias do pecado no atingem a Deus, masquele que o pratica. De fato, os mandamentos, quando nos advertem contra opecado, no o fazem por que o pecado tire pedaos de Deus, mas, antes disso,porque desagrega e destri o ser do homem. A promiscuidade, por exemplo, nadatira de Deus. Apenas institui um modo de ser entre os humanos que desqualifica oser para a possibilidade de um amor convergente. A alma do promscuo se frag-menta em tantos pedaos e as trocas de energia (I Co 6: 16) que ele, o promscuo,permite que se inviabilize em seu ser a possibilidade de aprender um amor focado,um desejo foca