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    ENGENHEIROS MILITARES DO IMPRIO: ATUAO E INTERVENONO ESPAO URBANO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES

    Empire military engineers: performance and intervention in urban space of

    Campos dos Goytacazes

    PRATA, Maria Catharina Reis Queiroz

    Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia FluminenseRuaDr. Siqueira, 273 - Parque Dom Bosco - Campos dos Goytacazes, RJ

    [email protected]

    RESUMO

    O presente artigo pretende realizar uma primeira leitura dos mapas das localidades elaborados por engenheiros militarescom o objetivo de utiliz-los como fontes historiogrficas. A partir do sculo XIX, a categoria de profissional liberaldos engenheiros militares foi considerada a mais importante no Brasil. A implantao das linhas frreas, abertura deestradas, medio de lotes e esgotamento sanitrio, os identificavam com o progresso e a modernizao das cidades nareafirmao do poder real. Trataremos, portanto, da ao da Engenharia Militar do Imprio na representao grfica dacidade de Campos dos Goytacazes, precisamente nos anos de 1837 e 1858, entendendo o papel desempenhado por estesem sua evoluo urbana.

    Palavras chaves: Cartografia urbana, engenharia militar, Campos dos Goytacazes.

    ABSTRACTThis article intends to conduct a first reading of the maps of the locations designed by military engineers in order to usethem as historiographical sources. From the nineteenth century, the category of liberal professional military engineerswas considered the most important in Brazil. The introduction of railways, construction of roads, lots of measuring andsanitation, identified with the progress and modernization of cities in the reassertion of royal power. We will try,therefore, the action of Engineering Military Empire in the graphical representation of the city of Campos dosGoytacazes, precisely in the years 1837 and 1858, understanding the role played by these in its urban evolution.

    Keywords: Urban Cartography, Military Engineering, Campos dos Goytacazes.

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    1. INTRODUO

    Calvino (1990)j dizia que o homem que cavalga longamente por terrenos selvticos sente o desejo de umacidade. Esta cidade desejada no apenas um nome, um lugar geogrfico ou uma qualificao. No pode ser reduzidaa uma classificao baseada em sua forma de povoamento ou estrutura espacial. acima de tudo [...] o espao

    produzido resultante do meio fsico e da aco humana, que participou no nascimento e desenvolvimento urbano e

    oferece agora, cidade contempornea, um quadro susceptvel de ser modificado e de pesar, por sua vez, na cidadenuma longa sequncia de pontos e contrapontos nunca interrompidos (BEAUJEU-GARNIER, 1980).O espao urbano e sua formao so objetos de estudos da Geografia Histrica Urbana, indicados nesse

    contexto como uma interpretao dos lugares (ABREU, 1996), que atenta para as formas sociais como produtoshistricos, consequncia direta da ao humana sobre o territrio.

    Composto basicamente por estudos realizados num projeto de pesquisa de doutorado em andamento, ainteno deste artigo conjecturar sobre a evoluo do espao urbano de Campos dos Goytacazes, situada ao norte doestado do Rio de Janeiro, observando como seus principais elementos morfolgicos configuraram traos que so

    particulares na sua estrutura espacial, fundamentados na opinio de Darby (1991) que considera a possibilidade derealizar uma geografia no tempo para reconstruo das geografias do passado.

    De acordo com Abreu (1998), na interpretao dos espaos do passado fundamental definir quais osconceitos e variveis adequados anlise do tempo que se decidiu estudar, procurando recuperar o seu enquadramentoespao-temporal. Devemos estar atentos em no nos limitarmos em conhecer a antiga morfologia urbana, apesar de sua

    importncia na recuperao da produo material das sociedades do passado, mas relacion-las aos agentes sociais ques edificaram.Ainda segundo o mesmo autor, faz-se necessrio seguirmos algumas regras metodolgicas para alcanarmos

    sucesso em nossas pesquisas sobre o passado:

    Embora informado pelo presente, o passado no o presente. Da, para compreend-lo, hque se investir muito em pesquisa indireta, via leitura do que j foi produzido sobre otempo que se decidiu estudar, e tambm em pesquisa direta, realizada nas mais diversasinstituies de memria [...]. Finalmente, h tambm que levar em conta que as geografiasdo passado trabalham, no com o passado propriamente dito, mas com os fragmentosqueele deixou. Por isso, preciso sempre desconfiar dos vestgios que encontramos, pois osdocumentos no so neutros, isto , incorporam estruturas de poder [...]. Por outro lado, htambm que tentar dar conta do que no deixou vestgios, mas que sabemos que ocorreu ou

    que deve ter ocorrido (ABREU, 2000, p. 18). (grifo nosso)

    Entendendo os fragmentos como representaes de geografias do passado, estes vestgios incluem osdocumentos (mapas, registros de doaes, iconografias, etc.) e os elementos arquitetnicos da cidade pretrita.

    Etimologicamente, segundo Le Goff (1994), a palavra documento provm do latim documentum - ensino,lio, aviso, advertncia, modelo, exemplo, indcio, sinal, indicao, prova, amostra, prova que faz f, documento.Qualquer objeto de valor documental (mapas, fotografias, papis, filmes, construes, monumentos, etc.) que elucide,

    prove ou comprove cientificamente algum fato, acontecimento ou dito.At o sculo XIX, os documentos dignos de conservao e estudo eram aqueles que contavam a histria dos

    grandes acontecimentos ou feitos dos estadistas, ou seja, a histria poltica. J no sculo XX presenciamos a reabilitaodo documento no escrito, abrangendo dimenses at ento tericas da noo de fonte, fortalecido pela fundao darevistaAnnalese da instituio de pesquisa e investigao em Cincias Sociais e Humanas, acole des Hautes tudesem Sciences Sociales, em 1975, onde a crtica ao fato histrico e a colaborao com outras cincias serviram para uma

    nova orientao ao estudo da histria.Bloch (2001), um dos fundadores da Annales, insistia em dizer que a diversidade dos testemunhos histricos quase infinita. Tudo quanto o homem diz ou escreve, tudo quanto fabrica, tudo que toca, pode e deve informar sobreele. Iniciava-se o dilogo da histria com a geografia, a sociologia, a economia, a psicologia, a semitica, dentreoutras, estabelecendo relaes e ampliando o domnio da histria.

    Retornando reflexo sobre a histria das cidades, Pesavento (2007) esclarece que cada cidade umpalimpsesto de histrias contadas sobre si mesma, que revelam algo sobre o tempode sua construo e quais as razese as sensibilidades que mobilizaram a construo daquela narrativa. (grifo nosso)

    A Geografia aponta a periodizao como uma das formas de percebermos e estudarmos esse tempo, atravs derecortes temporais, somados aos recortes espaciais, que permitem estabelecer articulaes entre ambos, tempo e espao,contribuindo para a anlise simultnea de padres espaciais e temporais.

    Nesse contexto, o sculo XIX o tempo escolhido, e o centro histrico de Campos dos Goytacazes o cenriodefinido como objeto de estudo. A partir da anlise de mapas elaborados por engenheiros militares do imprio,

    confrontados ainda s informaes bibliogrficas pesquisadas, tentaremos refletir sobre a forma de expanso urbana desua regio central, iniciada em 1627, destacando a atuao local dos engenheiros militares e a lgica de urbanizaoconsolidada na urbe fluminense por estes profissionais a partir do perodo de sua atuao.

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    Pedro Vasconcellos (1999) indica a cartografia como sendo de grande importncia para o conhecimento dastransformaes espaciais do espao urbano:

    [...] a cartografia de cada poca tem uma importncia fundamental apesar dasimprecises, das impossibilidades de uma mensurao correta, das diferenas de escala etc.

    , porque os prprios mapas so marcos definitivos de etapas das transformaes espaciais

    da cidade, nos dando uma informao precisa (em diferentes graus) do que j existia, doque estava consolidado, e do que tinha importncia em ser registrado e mapeado (desde asuperfcie documentada, at o que representado ou colocado em destaque: igrejas,fortificaes, logradouros etc.) (VASCONCELLOS, 1999, p. 148)

    Considerando a afirmativa acima, podemos sugerir que um mapa, na condio de documento, pode ser umaimagem usada para auxiliar na interpretao e comprovao de determinadas hipteses, apresentando-se como aexpresso perfeita da tcnica, produto de uma cultura material e cultural, parte da construo de um espao.Considerado num sentido mais elementar, ele uma representao convencional da superfcie terrestre, vista de cima,na qual se colocam elementos e cdigos para identificao. A anlise desta representao grfica busca compreender odesenho a fim de utiliz-lo como fonte historiogrfica.

    Ainda de acordo com Pesavento (2007):

    Imagens de cidade so representaes, factveis ou no, baseadas em cidades existentes, eelas descortinam para o historiador um panorama fascinante de rastros do passado. Elas so,todas elas, marcas de uma cidade sensvel que um dia se imps ao olhar, tcnica e semoes daqueles que as traduziram em imagem.

    Factveis ou no, ao utilizarmos o mapa-imagem como fonte histrica e documental, esta representao passa aser entendida como monumento-documento, fornecendo pistas do passado que a construiu. Constitui-se no registro quedepende ainda das escolhas de quem a produziu, e das observaes de quem a estuda.

    Sabemos, entretanto, que nenhum documento neutro. O uso poltico de muitas imagens deve ser citado,sendo que algumas foram o resultado de encomendas reais que buscavam o controle e o prestgio assegurados pelasvisualizaes do reino e que tinham a cidade retratada como suporte da conquista efetuada pelos monarcas (KAGAN,1981).

    Um mesmo fato tambm pode ser interpretado de vrias maneiras a partir de pontos de vista diferenciados. Por

    tal motivo que devemos observar os limites da cartografia para interpretarmos o urbanismo, pois, seno, corremos orisco de se criar um falso testemunho. preciso que busquemos o maior nmero possvel de informaes sobrequalquer objeto cartogrfico produzido: como e quando foi produzido, sua finalidade, os agentes sociais envolvidos,seus significados e valores para a sociedade que o produziu. Devemos, ainda, realizarmos a leitura das entrelinhas,

    percebermos as ausncias significativas e compreendermos que elas, as imagens, no foram produzidas com estepropsito para a qual hoje as utilizamos.

    Entendemos, por fim, que a harmonizao da cartografia com outros documentos seria o fundamental paracriarmos uma interpretao mais realista dos fatos histricos, bem como os valores que vierem a contribuir para a suaformao num contexto social, temporal e espacial.

    2. ENGENHEIROS MILITARES DO IMPRIO: ATUAO E INTERVENO NO ESPAO URBANO DECAMPOS DOS GOYTACAZES

    Na Amrica Portuguesa, o primeiro documento oficial que se conhece referente formao de engenheirosmilitares a carta rgia datada de onze de janeiro de 1699, determinando a criao de uma [...] escola de artilharia earchitectura militar na Bahia, no Rio de Janeiro [1699], no Maranho [1699], em Recife [1701] e Belm do Para[1758] (REIS FILHO, 1968).

    Apesar de preferencialmente militar, voltada para as obras de defesa, a educao dos engenheiros militares ostornavam aptos a realizar obras de construo civil como pontes, colgios, chafarizes e igrejas. Os professoresacumulavam a funo para exercer, alm da atividade docente, as de engenheiro, trabalhando a servio da Coroa ougovernadores em obras de defesa e elaborao de projetos de construo civil e particular. Principalmente, no devemosesquecer a sua interveno ao nvel de concepo, construo ou manuteno de equipamentos de defesa: fortes, fortins,fortalezas, redutos, etc.

    Portugal, em suas colnias de frica, Amrica e ndia, possua a necessidade de desenvolver um trabalho dereconhecimento e representao do territrio, de avaliao das necessidades de cada vila e de interveno sobre amesma. Conhecer o territrio, palmilh-lo, reconhecer seus acidentes geogrficos, era uma forma de defini-lo. E esta

    definio tinha como inteno o seu posterior controle, de acordo com Bueno (2011).Foram eles, os engenheiros militares, devido ao seu elevado nvel de formao e de competncia tcnico-cientfica, os principais responsveis por to rdua tarefa. Assim, pouco a pouco, diante das necessidades mnimas

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    apresentadas pelos centros populacionais, os engenheiros militares foram exercendo as funes devidas aos arquitetos eurbanistas, planificando cidades, traando ruas, estradas, praas, construindo edificaes essenciais, de obras pblicas,de igrejas, casas de plvora, chafarizes, armazns, residncias e quartis.

    A partir do sculo XIX, segundo Chrysstomo (2006), a categoria de profissional liberal dos engenheirosmilitares foi considerada a mais importante no Brasil. A implantao das linhas frreas, abertura de estradas, mediode lotes e esgotamento sanitrio, os identificavam com o progresso e a modernizao, apesar de sua atuao na Amrica

    Portuguesa neste perodo estar dividida por outro tipo de reflexo urbana que tambm passou a ditar as regras deinterveno no espao: o pensamento higienista, advindo de uma poltica ilustrada e da reafirmao do poder real.Este conceito, segundo a autora, passou a ter grande importncia nas vilas e cidades a partir do ensino de Medicina noBrasil e da criao da Sociedade de Medicina no Rio de Janeiro em 1829. Em funo desse pensamento e das epidemiasfrequentes, o Governo Imperial passou a interpor sua autoridade nos governos municipais exigindo o cumprimento denormas e hbitos de higiene.

    Entende-se, portanto, que sob as luzes desse entendimento, o Estado entendia ser necessrio intervir na cidade,administrando a urbanidade atravs de medidas de proteo populao, promovendo a salubridade local.

    Foi neste espao de tempo, precisamente no ano de 1835, que a ento vila de Sam Salvador dos Campos dosGoytacazes, fundada em 1677, elevada categoria de cidade, num perodo de grande prosperidade econmica, e passaa contar com vrias intervenes urbansticas, tais como construo de canais, de estradas de ferro, instalao de gua,esgoto e luz eltrica, realizadas por engenheiros militares.

    Antes de iniciarmos nossa interpretao dos dois primeiros mapas da cidade, vamos primeiro nos deter ao

    conceito de anlise formal, que entendemos como as relaes formais entre cheios e vazios, entre estruturas construdase espaos livres, e a necessria correspondncia entre eles, possuindo como motivao principal o conhecimentoevolutivo do modo como a cidade foi sendo edificada ao longo do tempo. A sua forma apenas a forma de ummomento histrico da cidade, possuindo um antes e um depois, configurando-se, portanto, num organismo vivo,sujeito a diversas transformaes. De acordo com Lamas (2004), esta forma urbana no depende apenas da sociedadeque a produz e de suas condies histricas e sociais, mas tambm de juzos estticos e culturais de quem as idealiza econstri.

    Interpretemos, portanto, a cidade de Campos dos Goytacazes, sob a tica dos engenheiros militares que avisitaram no sculo XIX e construram um registro cartogrfico sobre a mesma.

    No momento embrionrio de sua gnese urbana, supomos ser o rio o elemento que estrutura a pequena vila deSam Salvador dos Campos dos Goytacazes ao cortar a sua plancie. Ele conforma e limita, em sua margem direita, odesenho urbano, em um local dotado de centenas de lagoas, de brejais e alagadios; charcos interminveis, chupados

    pelo sol e que se alagam depois sob chuvaradas (LAMEGO, 1974).

    A vila colonial implantada a partir de dois pontos de irradiao: a praa principal, denominada Praa SoSalvador, e o rio Paraba do Sul. Segundo Alves (2009), desses dois polos que saem as principais ruas; partindo dessecentro que a cidade se expande.

    No recorte temporal desse estudo a vila possua como principal atividade econmica as lavouras de cana deacar, e foi se desenvolvendo em estreita relao com a rea rural, pontuada por vrias chcaras e canaviais. De acordocom Rodrigues (1988), em 1785 existiam 245 engenhocas, crescendo para 300 em 1798, e atingindo o nmero de 700engenhos no ano de 1828.

    Essa prosperidade, aliada ao nascimento de uma nobreza rural atrelada ao acar, levou Joaquim Jos Torres,presidente da Provncia, a elev-la condio de cidade, no ano de 1835. De acordo com a bibliografia consultada(Sousa, 1985; Rodrigues, 1988; Faria, 2000), a precariedade da higiene na cidade foi o fator que levou o governo

    provincial a enviar a Campos o engenheiro militar, major Henrique Luiz Niemeyer Bellegarde, estando o mesmoincumbido de vrias tarefas: construir muralhas no limite da cidade com o rio Paraba, buscando evitar os alagamentosdurante as cheias do mesmo, e criar medidas de melhoramentos urbanos, como arruamentos e arborizao. Devemos

    lembrar que no perodo em questo, em funo dos terrenos de Campos apresentarem baixa altitude, os problemas deenchentes e doenas eram constantes na regio (CHRYSSTOMO, 2006), o que favorecia a preocupao com ascheias do rio e a salubridade local.

    O mapa executado por este engenheiro o primeiro registro cartogrfico do ncleo urbano da cidade (Figura1), datado de 1837, onde podemos observar a sua conformao ditada pelo rio Paraba, crescendo em direo ao sul,acompanhando os limites da estrada que interligava Campos a Maca, podendo ser previamente definido como opercurso matriz (CANIGGIA, 1979). Nesse perodo, segundo Sousa (1985), existiam dzia e meia de ruazinhasestreitas e tortuosas, seis travessas quase todas sem pavimentao, crivadas de atoleiros, mngua de iluminao

    pblica, e, complementando, somente uma praa e quatro largos (RODRIGUES, 1988). Ainda segundo o mesmoautor, em quase todas as ruas, grandes atoleiros dividindo os portos, [...], dificilmente se podia passar por causa dos

    pntanos.

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    Figura 1:Recorte daCarta Corographica da Provincia do Rio de Janeiro[...], Bellegarde (1837).Fonte: Arquivo Digital da Biblioteca Nacional

    Todas essas afirmaes so confirmadas no relatrio de Bellegarde Diretoria da Provncia, onde o militardestaca Campos como sendo uma cidade opulenta, coberta de pantanaes e atoleiros capazes de sorvercarros inteiros, eque se estende desde o rio Ururahy, at junto da Praa principal da Cidade (BELLEGARDE, 1837).

    Sabemos que esta imagem compe uma parte da Carta Corogrfica da provncia do Rio de Janeiro, ondevrias de suas vilas e cidades esto representadas ao redor do mapa topogrfico e poltico da regio (Figura 2). Norelatrio j citado, o engenheiro explica que a carta uma soffrivel baze para comeo das operaes topographicas eque deve ser tomado como simples reconhecimento.

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    Figura 2:Carta corographica da provincia do Rio de Janeiro, segundo os reconhecimentos feitos pelo CoronelConrado Jacob de Niemeyer [e outros]... [Cartogrfico] / Coordenada e desenhada pelo Engenheiro Pedro Taulois.

    Fonte: Arquivo Digital da Biblioteca Nacional

    Bueno (2004) que nos explica o sentido da palavra cartae as diferentes interpretaes para o genrico:

    Carta vem do latim tardio carta, que deriva do grego khrts, em italiano carta e emingls chart. Designativo genrico, para o fim que nos interessa cabe precis-lo em: cartageogrfica (terrestre geral), carta corogrfica (terrestre regional), carta topogrfica(terrestre local), cartas nuticas e cartas cosmogrficas (planisfrios, mapas-mndi). (grifonosso)

    Esta pode ser a justificativa para o desenho apenas esquemtico, com poucos detalhes ou indicaes urbanas,executado pelo engenheiro Henrique Bellegarde, sem descrio nominal de ruas, largos ou praas, realado apenas

    pelos quarteires (cheios) e ruas (vazios) da cidade, visto se tratar de uma representao terrestre regional.Nesta cartografia esto realados os limites do rio, o vazio da praa central com o Pao da Cmara Municipal

    em destaque, frontal ao rio, e a grande Lagoa do Furtado, de formato tendendo ao circular. Somente a comparao como mapa de outro engenheiro militar, Pedro DAlcntara Bellegarde, irmo do primeiro, datado de 1858, nos fornece

    maior entendimento deste primeiro registro da cidade (Figura 3). Tambm este mapa compe outra Carta Corogrficada provncia do Rio de Janeiro, mas, neste caso, os detalhes esto em maior evidncia, possibilitando identificar as

    permanncias urbanas, arquitetnicas e paisagsticas do perodo imperial na atualidade.

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    Figura 3:Recorte daCarta Corographica da Provincia do Rio de Janeiro [...], Bellegarde (1858 a 1861).

    Fonte: Arquivo Digital da Biblioteca Nacional

    Na leitura do mapa de 1858 identificamos uma sugesto de crescimento da cidade no sentido leste-oeste,tomado em relao praa, com vrias ruas e quarteires demarcados em planos retilneos, ortogonais e geomtricos,indicados em finas linhas tracejadas. A vocao tcnica e racional dos engenheiros militares confirmada, destacando-se a possvel inteno de uma tentativa de ordenamento ao j existente ncleo urbano. A racionalizao dos projetos,segundo Toledo (2000), deve-se principalmente preocupao com a salubridade, regida pela "esttica do iluminismo",instaurado em Portugal aps o terremoto de 1 de novembro de 1755.

    A Rua Direita mantm-se inalterada em seu tortuoso caminho de interligao da praa, o centro da nascentecidade, ao sul da provncia. Gomes (1997) nos elucida:

    [...] Era talvez a Rua Direita; a rua Direita que existe em todas as cidades portuguesas. Namaior parte das vezes, como sabemos, as ruas direitas eram tortas. Chamavam-se direitas

    porque iam direitas s praas principais, Casa da Cmara, por exemplo, [...], ao Hospital, Casa dos Governadores [...]

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    A precisa e detalhada marcao dos principais elementos arquitetnicos, nomeados por letras e explicados pelalegenda na lateral do mapa, indicam a importncia conferida aos edifcios religiosos, que atravs de sua arquitetura, soo maior destaque da cartografia, tal como a Igreja Matriz de So Salvador, localizada na praa de mesmo nome,indicada pela letra A. A esta se sucedem vrias igrejas e ruas de maior importncia, assim como o antigo Pao daCmara Municipal, indicado pela letra T. Este nomeado por Bellegarde (1858) como Cadea e Municipalidade,tendo sediado a administrao municipal e sala para audincia dos juizados do termo da freguesia de So Salvador,

    dentre outras funes. Segundo Alves (2009), o seu funcionamento como cadeia foi curto, devido presso dapopulao pela construo de outra priso em rea mais afastada e menos nobre da cidade.Num estudo comparativo entre os dois mapas, Figuras 1 e 3, podemos observar uma mudana bastante

    significativa na morfologia urbana da cidade realizada em menos de vinte e cinco anos. O primeiro o aterro da Lagoado Furtado e a construo do canal Campos-Maca. O incio de sua construo data de 1844, e sua inaugurao em1872, alguns anos aps a passagem de Pedro Bellegarde pela cidade. Entendemos, portanto, que o canal encontrava-se

    bastante desenvolvido em Campos, mesmo em fase de construo, por j constar no referido mapa.Pequenos portos de nomes sugestivos Grande, Gramacho, da Ana Maria, da Pedra, das Escadas, do

    Pelourinho, da Banca, etc. - foram criados s margens do rio Paraba, desenvolvendo-se pelos continuados aterros dafrente ribeirinha, utilizando a marginal como local de desembarque e como cais de ancoragem de barcos. Eram estesancoradouros de grande importncia porque o rio Paraba era a maior estrada lquida de penetrao na regio ,segundo Chrysstomo (2006). Sinais da intensa convivncia com o rio, perdida na atualidade.

    Os tempos mudam, a vida passa, a cidade cresce, mas alguns mapas ficam para nos contar sobre a urbe

    pretrita, e constatar a presena ou ausencia de determinados predios, o estado das ruas, o trajar dos habitantes, ossinais da modernizao urbana ou a sua falta, captando a vida presente em um momento do tempo, congelado parasempre na imagem que se grava no papel (PESAVENTO, 2007).

    3. CONCLUSO

    O conhecimento da cartografia urbana histrica, documentos-imagensde uma cidade ou pas, uma forma decompreender seu processo de urbanizao. Entender suas mudanas morfolgicas, decifrar seu imaginrio e o processohistrico da qual se originou, pode nos ajudar a compreender seu momento atual.

    A partir desse estudo, compreendemos ser possvel obter conhecimentos sobre a formao e posteriortransformao da urbe no tempo atual, contribuindo para alcanarmos conhecimentos essenciais para posteriores aesde reabilitao dos espaos pblicos e do edificado, gerando um diagnstico crtico e independente para melhorar aqualidade das intervenes, quer na sua perspectiva mais geral e estratgica, quer no projeto urbano. O objetivo que

    essas anlises sejam instrumentos de trabalho, de reflexo e sirvam diretamente ao projeto de reabilitao urbana.Segundo Fridman (2011), para se entender a gnese de uma regio, faz-se necessrio os estudos de modo acontar com um repertrio dos diversos projetos, agentes sociais e conflitos para sua definio [...] . Nesse sentido,entende-se que a cidade deve ser estudada no apenas em sua morfologia, mas tambm nos processos histricos que

    pautaram a sua evoluo, quase sempre com repercusses na primeira, nos quais participaram homens e poderes que aforam modelando e que deles deixaram testemunho.

    Entendemos, por fim, que a morfologia urbana registrada no s memria, mas um documento, umanarrativa visual, revelando estratgias de ocupao e algumas tendncias espaciais que serviram aos interesses da

    prtica administrativa. Atravs dela enxergamos a cidade por elementos morfolgicos, entre cheios e vazios, estandoesta viso condicionada forma como a cidade se organizava, produzindo assim uma imagem final da sociedadeembrionria e urbana de Campos dos Goytacazes.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS E DOCUMENTAIS

    Fontes cartogrficas:

    Carta corographica da provincia do Rio de Janeiro, segundo os reconhecimentos feitos pelo Coronel Conrado Jacobde Niemeyer [e outros]... [Cartogrfico] / Coordenada e desenhada pelo Engenheiro Pedro Taulois (1839). FundaoBiblioteca Nacional, Acervo digital, Rio de Janeiro. Disponvel em Acesso: 4 mar. 2013.

    Carta chorographica da provncia do Rio de Janeiro mandada organisar por Decr. da Assemblea Prov. de 30 de Out.de 1857 ... Encarregada aos Engs. Pedro d'Alcantara Bellegarde e conrado Jacob de Niemeyer [Cartogrfico] (1858 a1861).Fundao Biblioteca Nacional, Acervo digital, Rio de Janeiro. Disponvel em Acesso: 4 mar. 2013.

    Bibliografia:

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