Enfrentamentos e Contradições Nas Comunidades de Extracção de Recursos Naturais Em Cabinda -...

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Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=321129112003 Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal Sistema de Información Científica Landa Canga, Juliana; Buza, Alfredo Gabriel ENFRENTAMENTOS E CONTRADIÇÕES NAS COMUNIDADES DE EXTRACÇÃO DE RECURSOS NATURAIS EM CABINDA – ANGOLA Revista de Políticas Públicas, vol. 15, núm. 1, enero-junio, 2011, pp. 21-31 Universidade Federal do Maranhão São Luís, Maranhão, Brasil Como citar este artigo Número completo Mais informações do artigo Site da revista Revista de Políticas Públicas, ISSN (Versão impressa): 0104-8740 [email protected] Universidade Federal do Maranhão Brasil www.redalyc.org Projeto acadêmico não lucrativo, desenvolvido pela iniciativa Acesso Aberto

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  • Disponvel em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=321129112003

    Red de Revistas Cientficas de Amrica Latina, el Caribe, Espaa y PortugalSistema de Informacin Cientfica

    Landa Canga, Juliana; Buza, Alfredo GabrielENFRENTAMENTOS E CONTRADIES NAS COMUNIDADES DE EXTRACO DE RECURSOS

    NATURAIS EM CABINDA ANGOLARevista de Polticas Pblicas, vol. 15, nm. 1, enero-junio, 2011, pp. 21-31

    Universidade Federal do MaranhoSo Lus, Maranho, Brasil

    Como citar este artigo Nmero completo Mais informaes do artigo Site da revista

    Revista de Polticas Pblicas,ISSN (Verso impressa): [email protected] Federal do MaranhoBrasil

    www.redalyc.orgProjeto acadmico no lucrativo, desenvolvido pela iniciativa Acesso Aberto

  • ENFRENTAMENTOS E CONTRADIc;:6ES NAS COMUNIDADES DE EXTRACc;:Ao DERECURSOS NATURAIS EM CABINDA-ANGOLA

    Juliana Landa CangaUniversidade 11 de Novembro

    Alfredo Gabriel BuzaUniversidade 11 de Novembro

    ENFRENTAMENTOS E CONTRADICOES NAS COMUNIDADES DE EXTRACCAo DE RECURSOS NATURAIS EMCABINDA-ANGOLAResumo: Objectivou-se analisar os enfrentamentos e contradic;es existentes nas comunidades de Buco Zau e de Ftila,diante da acao das empresas extratoras de recursos naturais, nomeadamente, madeira e petrleo. Na metodologia detrabalho, destacam-se as narrativas de experiencias vividas por diferentes interlocutores, aplicaco de questionrios,entrevistas, registro fotogrfico, observaco direta e indireta. Conclui-se que, as contradic;es trn o seu marco desde adesestruturac;o das sociedades ancestrais. Esse processo perverso marcado por siuaces muitas vezes desumanas,pelo modus vivendi e operandis dessas populaces, nas tens6es constantes entre elas e as empresas e companhiasexploradoras, uma extraco sem nenhum significado para essas populaces, apesar das altas taxas de crescimento.A aprovacao de uma Nova Constltutco em 2010, um novo sistema tributrio, um fundo proveniente das receitas depetrleo e da criaco do Instituto Nacional do Conhecimento Tradicional oportunizaram o surgimento de novo contexto devalorizaco dessas comunidades e seus saberes.Palavras-chave: Recursos naturais, desenvolvimento, modernidade, saberes tradicionais, enfrentamento, Angola.

    CLASHES AND CONTRADICTIONS IN THE COMMUNITIES OF RESOURCE EXTRACTION IN CABINDA-ANGOLAAbstract: This paper aims to analyze the clashes and contradictions in the communities of Buco Zau and Ftila before theaction of natural resource extractors, including wood and oil. As the methodology of work researches used the narrationsof experiences lived by the different interlocutors, the application of questionnaires, interviews, photographic record,direct and indirect observation were carried out. lt was concluded that the contradictions have their milestone since thedisintegration of socetles. This process is marked by perverse situations, often inhumane, considering the populatlonsmodus vivendi and operandis. They live in constanttension between them and the companies and operators, an extractioncompanies seems to have no significance to these populations, despite the high rates of growth they seem to offer. Theapproval of a new Constitution in 2010, a new tax system, a fund from oil revenue and the creation of the Nationallnstituteof Traditional Knowledge brought about a new context of valorization of these communities and their knowledge.Keywords: Natural resources, extractors, traditional knowledge, confrontation, Angola.

    Recebido em: 28.02.2011. Aprovado em:09.04.2011.

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    1 INTRODUCAo

    A trade modernidade, desenvolvimento ecrescimento econmico sao buscados como factorespara se apontar o bem-estar de uma determinadacomunidade. Todavia, vezes h que, estes factoressao dissociados principalmente quando se observaa vida social das comunidades onde se processa aextraco de recursos naturais.

    Importa destacar que a articulacodesagregadora que hoje visvel em multes pasesafricanos e latino americanos possuem suas razesdesde a poca de antigas colonias. Por exemplo,em frica, o marco acontece com a Conferncia deBerlim, ato assinado por treze pases europeus, em1885, no qual ficaram estabelecidas as regras paraocupacodo continente de acordo com os interessescoloniais. As culturas locais, diversidade tnica,outras delirnitaces territoriais produzidas pelosPOyOS ali estabelecidos foram quase que totalmenteignoradas neste acordo internacional.

    Familias de um mesmo POyO foram separadas,como uniu POyOS inirniqos num mesmo territriogeopoltico. Quanto dirnenso dos saberes,das prticas e manfestaces artsticas dessesPOyOS, de orqanizaco j bastante complexa,foram desqualificados, colocados em desuso ou,no mximo, sendo explorados, com a grandecontribuico das ciencias humanas inclusive,como exticos, oriqlnais, objeto de estudo elou deconsumo de colecionadores estrangeiros. Lnguasoficiais impostas pelo colonizador, novas valores,novos modus vivendi e operandi foram tomando, emcada um daqueles territrios-colnia, seus lugares .

    Na metade do sculo XX, a contsstacao colonizaco sefortalece e corneca um movimento deguerras pela independncia nas colonias africanas.Independncias conquistadas por muitos pases nasdcadas de 1960 e 1970; mesmo assirn, problemaspolticos se avolumaram deflagrando uma fase deguerras civis da qual auferiu, dividendos importantes,a industria de armamentos sediada nos paseschamados de desenvolvidos e modernos. Comtais conflitos ocorreram, nestes pases, dispersode populaces, destruico da infraestrutura deservicos do Estado, agrava mento da pobreza e dadependncia econmica, embora a maioria delesem territorios multo ricos em recursos naturais.

    Esse mesmo ideario tem acompanhado asaces do governo desde 2002, quando se inicia achamada Reconstrugao deAngola, pois que, o apeloao desenvolvimento, ao moderno e ao crescimentoeconmico sao, disso, expresso significativa.Portanto, passada j quase uma dcada dessasaces de governo, busca-se aqui compreender oque tem significado em termos de rnudancas nascondices de vida de grupos populacionais do pas,o reforce a um modelo de desenvolvimento base daexploraco dos recursos natu rais, oqueapresentado

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    frequentemente como capaz de alavancar Angola eprojet-Ia para uma outra inteqraco modernidade.Uma outra inteqraco que corresponda aos ndicesde crescimento econmico atualmente verificados.O que corresponde as riquezas naturais presentesnoterritrio. Sero essas condices suficientes paraatingir a condico de desenvolvimento moderno?

    Assim. estabeleceu-se como objetivo deestudo, analisar e compreender como a aldeiade Ftila e a vila de Buco Zau, em Cabinda,esto relacionadas as dinmicas modernizadorasde Angola no que se refere exploraco e exportaco dos recursos naturais, cujas estruturasrecebem inversao tecnolgica importante no seucapital fixo, quais sejam, a indstria do petrleo e aindustria madeireira, representantes das estruturaseconmicas em grande medida responsveis pelosindicadores de crescimento econmico consideradoselevados em relaco a outras naces do mundo,hoje.

    Ante o exposto, identifico u-se nas localidadesestudadas, as rnudancas culturais, sociais. ambientise polticas possivelmente relacionadas exploracodos recursos naturais, influenciando as dinmicaslocais de algum modo atingidas tambm por acesmitigadoras, referidas no chamado desenvolvimentosustentvel, das influncias e mudan gas ambientaisadvindos da exploraco de recursos naturais.

    Buscou - se identificar estratgias desobrevivncia implantadas nessas comunidadeslocais, desinvisibilizando-as no enfrentamento dosefeitos perversos produzidos pelas estruturas deproduco de riqueza em regime de apropriacoconcentrada. Disso resulta, complementar econtraditoriamente, a proximidade fsca dasestruturas, dos meios de produco da riqueza e,ao mesmo tempo, uma distancia considervel nousufruto dos beneficios dessa produco.

    As hipteses apontaram as respostas sperguntas norteadoras, nomeadamente, sobreo significado, para as populacoes de Ftila e davila de Buco Zau, a insistncia do modelo dedesenvolvimento capitalista, cujo ponto primordial a exploraco dos recursos, sem que isso tragaa melhoria para as suas comunidades e a formapara alcancar o desenvolvimento moderno. Se odesenvolvimento moderno de Angola significa umbom ndice de crescimento econmico e uma posicoprivilegiada na economia do mundo. Se o fato deAngola ser rica em recursos naturais renovveise nao-renovveis Ihe concederia o estatuto de umpas desenvolvido e moderno.

    Em comum, as localidades de Ftila e BucoZau possuem populacoes que passam por carnciase necessidades e esto situadas em reas ondese explora m recursos naturais, nomeadamente opetrleo e a madeira respectivamente, desde apoca colonial.

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    2 LUGARES E CAMINHOS DE PESQUISA onde opera a Chevron. Ftila possui cerca de 1848habitantes, cuja fundaco apontado o ano de

    Os povoamentos da aldeia de Ftila e da vila 1928. Aldeia litornea, possui pralas privilegiadas edo Buco Zau situam-se na provincia de Cabinda. terra frtil para o planto. As principais atividades saoA primeira mais identificada com a exploraco de a pesca, a agricultura, o extrativismo e a criaco depetrleo e a segunda com a floresta. A provincia de animis. Sua paisagem coberta de palmeiras, comCabinda possui todo um potencial que possibilitaria a populaco e cultura de predominancia Bakongo.um desenvolvimento como liberdade, como acredita Quanto ao setor madeireiro, apesar de a reaSen (2000, p.18). Com uma superfcie de 7.300 km2 florestaldeCabindaserumadasmenoresemtamanhoe uma populaco de aproximadamente 300.000 mil em relaco as outras provincias (BUZA, 2010, p.26),habitantes, limitada a Norte e a Nordeste pela no perodo de 1990 a 1995, Angola exportou cercaRepblica do Congo, a Leste e Sul pela Repblica de 840.403 m3 de madeira, cabendo a Cabinda aDemocrtica do Congo e a Oeste pelo Oceano responsabilidade por 33,94%, cerca de 285.254Atlntico, situando-se entre os paralelos 40 23' e 50 m3. Esse volume foi oriundo majoritariamente do46' de latitude Sul e os meridianos 120 e 130 6' de Mayombe. Enquanto Cabinda atingia a mdia anuallongitude. de exportaco de 57.050,80 m3 de madeira, as

    A provincia rica em petrleo e em seu restantes provincias juntas exportavam em mdia,territrio incide parte da maiorfloresta deAngola, em por ano, 111. 029,8 m3, totalizando naquele perododiversidade biolgica, o Mayombe. Possui quatro 555.149 m3 de madeira.municipios: Cabinda, Cacongo, Buco Zau e Belize, A rea de exploraco florestal envolvecom tres comunas cada urna. especificamente os municipios de Buco Zau e

    As atividades predominantes sao a pequena Belize. Optou-se pela vila do Buco Zau como centroagricultura, a pesca artesanal e o extrativismo. desta atividade para se fazer o estuco. Buco ZauGeograficamente destacada do restante do dssiqnaco que provm do Kyombe. Diz-se queterritrio de Angola, situaco que ocorreu depois Buco provm do nome do antigo rei do Matchionzo,do redesenhamento das fronteiras africanas na que se chamava Mambuco. A segunda palavra,Conferencia de Berlim.(N'GUMA, 2005, p. 17). nzau significa elefante em kyombe. Era uma rea

    A importancia econmica de Cabinda no abundante de elefantes, o que ainda se registracontexto nacional consiste no fato de ser a maior hoje, mediante os relatos de conflitos entre o homemfonte de extraco de petrleo e por possulr a e essa espcie ameacada de extinco. Assim ficouFloresta do Mayombe. Sao 290 mil hectares de NBuco NZau, aportuguesado para Buco Zau. Ofloresta tropical rica em espcies vegetais como o municipio possui tres comunas" nomeadamente apau-preto, o pau raro, o pau ferro, o sndalo, entre sede do municipio. Necuto e Inhuca, com cerca deoutras, alm de umafauna diversa, contendo anirnais 144 aldeias.(BUZA, 2006).como chimpanzs, gorilas e elefantes, sob ameaca O municipio hoje conta com um hospitalconstante da extraco ilegal da madeira. em construcao, dois postos mdicos, dez postos

    A industria petrolfera em Cabinda de sade, 58 escotas do prlrneiro nvel, tres dorepresentada pela multinacional Chevron que paga segundo e terceiro nveis e uma instituico detaxas de exploracode petrleo ao governo. Atravs Ensino Mdio. Com 40.000 mil habitantes, a funcoda sua subsldirla, a Cabinda Gulf-Oil Company, pblica o maior empregador no municipio. comoperadora do Bloco O, associada oint venture) 889 trabalhadores, cerca de 2,22% da populaco. A Sociedade Nacional dos Combustveis de Angola maioria da populaco local se ocupa da agricultura e- Sonangol, respondendo por cerca de 80% dos criaco de anirnais, quer como atividades principaisinteresses. Outras petrolferas sao a Total com 10% ou para aumento da renda.e a Agip com 9,8%. A produco de petrleo no ano Priorizou-se na pesquisa a comuna-sede,de 2004, no Bloco O, correspondente exploraco especificamente a vila de Buco Zau, onde atua aoff-shore de Cabinda em cujo raio de influencia se empresa Ablio de Amorim, importante empresaencontra a aldeia de Ftila, foi de aproximadamente madeireira. De um modo geral, o nmero de400 mil barris/dia, cerca da metade do total de barris habitantes, tanto da vila de Buco Zau quanto deproduzidos emAngola, calculados em 989 mil barrisl Ftila, envolvidos nas atividades de exploraco dedia.(BBCA, 2008; ANGOLAlPANAPRESS, 2008). madeira e petrleo multo pequeno.

    Dois municipios de Cabinda abrangem a rea Foi nestas localidades que se garimpoude exploraco de petrleo. Cabinda e Cacongo. A narrativas, experiencias vividas por diferentespesquisa foi na localidade de Ftila, por ser a que se sujeitos - entao autorizados pelas autoridades locaisencontra no centro da rea de exploraco. Ela situa- para responderem aos questionrios e concederemse entre as localidades de Buco-Mazi e Malembo, entrevistas, cujo roteiro abarcou o perodo de 2002ambas pertencentes a jurlsdlco da comuna de at 2010.Malembo, municipio de Cabinda, dista a 15 km da Tomou-se a anlise de contedos dos meioscidade capital de Cabinda, e a menos de 50 metros de cornunicaco angolanos, pblicos e privados, oda entrada para o campo petrolfero do Malongo, registo fotogrfico, procedeu-se a observaco direta

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    e indireta dos modos de vida locais, tendo sidocoletados dados com entrevistas semiestruturadasaplicadas a representantes das empresas,nomeadamente, um da Empresa Abilio de Amorim,que explora madeira na rea florestal contgua Vilade Buco Zau, e tres representantes da Chevron.Quanto ao questionrio, composto por quatro blocosde questes, conseguiu-se aplica-lo a 30 individuos,15 de cada comunidade, autorizados a colaborarcomo interlocutores.

    3 INTERLOCUTORES E PASSOS DA PESQUISA

    As pessoas que foram indicadas pelosdirigentes locais s conversas e aplicaco dequestionrios sao aqui designadas de interlocutorese residem nas localidades prximas exploracode petrleo e de madeira, na provincia de Cabinda.Na sua maioria, camponeses, pescadores e umnmero mnimo de trabalhadores da Chevron, deempresas madeireiras muita das vezes em servicotemporario. recrutados no processo de corte efuncionarios pblicos e privados. Os interlocutoresforam identificados com pseudnimos como Mavingae Mabiala.

    A estratificaco das pessoas, querepresentaram as comunidades, foi fe ita atravs darnediaco dos dirigentes das mesmas e das entidadesdo Estado, nomeadamente, a Coordenaco daAldeiade Ftila e a Adrninistraco Municipal do Buco Zau.Sem a autorzacao destes, o acesso aos habitanteslocais torna-se difcil. Os criterios utilizados nao nosforam revelados. Sendo uma pesquisa de cunhoespecificamente qualitativo, neste universo de 30interlocutores, trabalhou-se com as suas narrativas,s quais foram atribuidas falas.

    As perguntas foram abertas, o que possibilitouo agrupamento das respostas por cateqorias.Dentro de 15 perguntas feitas, obteve-se cercade 335 respostas, convergentes e divergentes,fruto das especificidades de cada comunidade.Qualificou-se as contradicoes e as rnudancasmediante os seus efeitos no modus vivendi daspopulaces, tendo como base os resultados obtidosna pesquisa, considerando os ganhos, campanhas,perdas, denncias, aces de orqanizacoes naogovernamentais, igrejas e outras, o efeito da mdiaetc.

    As idades das pessoas indagadas,pertencentes s comunidades, variaram entre 24 e86 anos, fazendo parte das etnias Bauoio e Bakochino Ftila e Bayombe na vila de Buco Zau, com rendafamiliar mdia de US$50/mes, menos de 2 dlares/dia.

    4 UM OLHAR SOCIOCULTURAL E ECONMICODO FTILA E DO BUCO ZAU

    Para melhor interpretaco dos dadosqualitativos, apresentam-se os conceitos e as

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    deterrnlnaces usados neste trabalho. As rnudancassao as influencias. Elas foram vistas de formaqualitativa, a saber, melhora (+) ou piora (-). Forammelhoras quando se entende que a aco externa,advinda da estratificaco, tem contribudo para amelhoria. Foram consideradas piores, quando estasmes mas rnudancas forem malficas. Ou seja, saoas direcoes que tomam a influencia. Para melhoraou para a piora. Por outro lado, para se ter umaapreciaco da dirnensodas mesmas contradlcese mudancas, tomam-se 3 nveis diferentesnomeadamente, Maior, Moderado e Peque no.

    Teve o nvel Maior, quando a influenciafoi observada de forma clara, sem dificuldades.Considerou-se Moderado, quando essa interferencia observada com uma anlise superficial. Passou aser Pequena, quando praticamente nao possvelobservar a influencia ou quando ela se torna difcilde determinar. Tratando-se de umjuzo de valor, elefoi dado pelos prprios interlocutores.

    A comunidade de Ftila maioritariamentecrist catlica, sendo a vila de Buco Zau com amaioria crist evanglica, todava, com uma presencacatlica na vila. A explicaco desta realidaderelaciona-se ao processo de colonizaco. A IgrejaCatlica Romana, como denominaco religiosaoficial dos colonizadores, teve o privilgio de exercero sacerdcio nas reas mais prximas dos centrosurbanos, ao passo que os missionrios evanglicoseram afastados para o interior.

    Do ponto de vista da forrnaco acadmica, umdado a reter em comparacocom a faixa etria maisdestacada, observa-se que em Ftila, concentram-se 26,7% na faixa de 31 - 40 anos, ou seja, nascidosentre 1969 a 1979, logo, chegaram no ano daindependencia com 6 anos de idade, os mais velhosdesta faixa. Este fator indica que tiveram condicoesde ao menos alfabetizar-se. Isto nao acontece coma comunidade do Buco Zau que tem na faixa etria41 - 50 anos, a de maior destaque com 40%. Logo,justifica-se que cerca de 60% dos interlocutores,como indicativo, sejam analfabetos.

    Quanto renda familiar, ela baixa.Observamos que, quer na aldeia de Ftila, comono Buco Zau, 60% dos entrevistados esto com arenda mensal abaixo do equivalente a US$100,00(cem dlares americanos). A dferenca observvel originada por se tratar de pessoas que trabalhamna Chevron, no caso de Ftila e na funco pblicano Buco Zau. Logo, se depreende que as atividadesprodutivas dos saberes locais, nomeadamente,agricultura, pecuaria. pescas e o extrativismo, naogarantem sustento digno.

    A consequncia da dificuldade de sustentar-se com as atividades produtivas dos saberes locaisfaz com que a nova gerayao deixe de exercer essasatividades e v buscar outros saberes que possamgarantir um futuro melhor. Assim. observa-se maiorinfluencia na preservaco dos saberes popularesrelacionados com as atividades produtvas dosancestrais, quer em Ftila como em Buco Zau.

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    A presenca da televiso como veculo decomunicaco, a preocupaco e a necessldade dedominio da lingua portuguesa e da Inglesa trnprovocado mudangas na preservaco das linguasnativas, nomeadamente o uoio e o kiombe, emvlrtude das novas geragoes estarem fazendo, emparte, pouco uso dela. Todava, essa rnudanca emoderada na comunldade de Ftlla, explicado pelaproximidade com a rea urbana, e pequena na vilado Buco Zau, Interior da provincia.

    Igualmente, constata-se que, a falta decondicoes para que a producao agricola local possaconcorrer no mercado com os produtos Importados,a vida dinmica e de correria que caracteriza osdlas atuais dessas comunidades, as interrupces depesca e a escassez de pescado levaram adaptacoqastronmlca, resultando dai, a tendencia de sua naopreservaco, pois observa-se na dieta alimentar deambas comunidades a constante presenca de arroz,alirnentaco feIta com oleo vegetal, uso de produtosenlatados etc. Alnda assim, a transforrnaco a queme reflro moderada em Ftlla e pequena na vllado Buco Zau, onde a carne de caga, a sacafolha, abanana e o leo de palma ainda sao uma constantena dieta alimentar.

    Outra rea da matriz, relacionada com aInfluncla cultural, diz respelto preservaco dasrnanitestacoes culturis e familiares. De certa forma,quer na aldela de Ftlla, como na vlla de BucoZau, sentem-se os efe itas tendentes a uma piarana preservaco destas mantestaces. Em ambasas localidades, uma transformaco para pior emoderado.

    O aspecto da dlgnldade tambm se reflete nafalta de saneamento bsico, acessc gua potvel eluz eltrlca, o que concederla aos habitantes de umalocalldade que produz valiosos recursos e receltasindispensveis, o bem-estar. Os tres aspectosavancados sao multo Influenciados e tendentes apiorar.

    Como tudo deve ser visto como um sistema,entende-se que um fator de Influncla, tambmmodifica o outro. Oeste modo, nao havendosaneamento bsico, e havendo dlflculdade deacessar a gua potvel, a questo da sade passaa ser uma preocupaco. Olhando para as condlcessanitrias que as localidades oferecem, pode-sedlzer que, quer em Ftlla, como nem Buco Zau, arnudanca do desenvolvlmento e da modernldade moderado, tendente a pior. Dos aspectos dembito social, o que apresenta um aspecto dignode esperance a educaco fundamental. Emboracom restricces, pode-se dlzer que esto dadasas condlces mnimas para se obter a formacoacadmica fundamental, ou seja, da alfabetizacoat a 9a classe. Por este fato, a transformaco podeser considerada como pequena, mas tendente auma certa melhorla.

    No que consta observar sobre as rnudancasambientais, elas foram analisadas tendo emconsideraco os males que as aces de modernldadetm produzldo para o ambiente, Inclusive o prprioprocesso de exploraco dos recursos naturais.Seja o que acontece com a floresta em Buco Zau,como o que se observa na costa martima da aldeiade Ftlla, leva-nos a afirmar que o ambiente temsofrldo uma rnudanca multo tendente a piorar, comdesmatamento, subaproveltamento de residuos decorte de rvores, contarninaco das praias, guas edos peixes, atravs de derrame de petrleo.

    A Influncla poltica, no que se relaciona coma orqanizaco, a participaco e a representacocomunitria pequena e com certas melhorias,quer para a aldela de Ftlla, como para a vlla deBuco Zau. Melhorada, porque nao se observa multarnudanca naqullo que era a estrutura ancestral,pequena, por nao ser multo ponderada essamudanca. As autoridades tradicionais, naqullo que convivencia e modus vivendi da populaco nacomunidade, continuam a ser uma voz respeitada econsiderada. Dianteda matriz considerada, veremos,a seguir, como as comunidades tm enfrentado ascontradices.

    5 RESISTINDO E ENFRENTANDO

    No periodo colonial, ao Invs dedesenvolvlmento social acompanhado damodemizaco dessas comunidades, elas foramcolonizadas para modernizar e desenvolversocialmente outros POyos. No pos-colonial.acompanharam a guerra civil; nao havla espagoparadesenvolvimento social nem modernizaco dasrnesmas. As atences do Estado estavam voltadaspara a aquisico de material blico sofisticado,moderno e tecnologlcamente avancado paradefender a soberana do pas dlante da guerra civil.

    Nesta etapa de reconstruco nacional asatencesparecem estarvoltadas paraamodernzacaode Angola. Uma tentativa de se ver Incluido no blocodos paises modernos, nos quais, as populacoes,abrangendo as dessas comunidades, possamusufrulr de um novo plano de desenvolvlmentosocial que desde muito tem sido adiado, afetando edesfacelando os saberes cultur is. Para sobrevlvera todas essas contradices, as populaces dessascomunidades tm mobilizado vrias formas deenfrent-las. Entre essas formas de enfrenta mento,algumas podem ser consideradas melhoradas, eoutras, tendentes piora.

    A mobilizaco melhorada est ligada perpetuaco dos saberes tradlclonals, da pesca,da agricultura familiar, das trocas comerciais dosexcedentes agricolas, da criaco de animais e doextrativismo. Organ izam-se em associacoes parareivindicarem os seus direitos. Cablnda contacom mais de 15 comunidades de pescadores,reconhecidas pelo Instituto de Pesca Artesanal,

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    Integradas em 3 associaces. Exlstem mais de 450cooperativas de camponeses reconhecldos pelaUnio Nacional dos Camponeses deAngola.A aldelade Ftlla conta com uma associacode pescadores,sendo que quer a aldela de Ftlla, como a vlla deBuco Zau, possuem camponeses associados.

    Uma outra forma de enfrentamento melhorado o dlkelemba ou kichikila" a que Mllando se referequando fala da resilincia. O processo funcionada segulnte forma: quatro ou cinco pessoas quetrabalham na mesma empresa ou em empresasdiferentes, assirn como camponeses, pescadores,pessoas com atlvldades informais, por nao poderemcontar com o financiamento bancrio, se organizamem associaces informis de poupanca e crditorotativo. Ducados e Ferrelra (apud MILANDO, 2007,p. 1OS) aflrmam o segulnte:

    Tais associaces caracterizam-se pelaexistencia informal de um grupo depessoas, que contribuem peridicae regularmente com determinadomontante financeiro, para um fundocomum cuja totalidade e rotativamentedistribuida, em intervalos regulares, acadaum doselementos constituitivos dogrupo sem juros. O dikelemba permiteassim o auto-financiamento de certossegmentos populacionais.

    Essa crlatlvldade permite a esses gruposresolverem aqueles problemas que requeremmaiaresvalores monetrios. A rnobilizaco tendente piora est relacionada com a desistencia de multesjovens, adultos e adolescentes das comunidadesparatentarema vida na cidade e que na maioria dasvezes, por falta de oportunidades, se dlreclonampara a delincuencia, prostituico ou trabalho Infantil.

    No que se refere ao trabalho Infantil, uma realldade antlga de enfrentamento dessascontradicoes. Quanto prostituico, uma prtlcamulto aliada ao turismo nos pases chamadossubdesenvolvldos. Tal alianca comentada porFanon quando fala da realldade das garotas deCopacabana nos anos de 1960. Essas sao asconsequn ciasdafaltadeInclusaodessaspopulaceesdos beneficios advlndos da exploracodos recursosnaturais, principalmente das petrolferas, as grandescontribuIntes do Produto Interno Bruto - PIB deAngola.

    Segundo a Agencia de Noticias Panapress,(anunclou que) Angola recebeu Investlmentos de 66bllhes de dlares americanos no setor de petrleo,entre 200S e 2011, em projetos de pesquisa,exploraco e desenvolvlmento de crude, assimdisse o presidente do Conselho de Adrninistracoda Sonangol, Manuel Vicente, na abertura da IIConferencia e Exposicao Regional Africana deExploraco de Petrleo em guas Profundas,que decorreu na capital de Angola.(ANGOLAIPANAPRESS, 200S)

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    O administrador afirmou que, daquele valor,51,6 bilhes de dlares sero canalizados paraprojetos de desenvolvlmento, sobretudo em guasprofundas e ultraprofundas, assim como no inicio deatlvldades nos blocos licitados em 2005 e 2006. Vejaque neste depoimento nao esto inclusos projetosde desenvolvlmento social das reas onde acontecea exploraco: tudo est voltado prospecco e exploraco futura. Isto significa dizer que existe faltade atenco mxima, tanto das empresas como dealgumas entidades do governo que intermediamesses contratos, e que recebem as taxas efinancia mentas para investimentos.

    O Quadro 1 demonstra os ndices deexploraco de 2002 a 200S comparando-o como IDH - ndice de Desenvolvimento Humano nomesmo perodo. Enquanto a Produco de Petrleodobrou de 900.000 para 1.900.000 rnilhes debarris de petrleo/da, o crescimento econmicoque aponta o ganho econmico do pas cresceu de15,3% at 23,0%, nao atingindo o dobro, senda queo IDH que sinaliza a incorporaco do ganho paraas populaces, seu crescimento foi ainda menor.Isto permite dizer que nem sempre os ganhos daexploraco de recursos naturals sao repassadospara a comunldade, mediante o bem-estar.

    Quadro 1 - Relagao de Indicadores de produco,crescimento econmico e IDH - 2002- 200S

    Ano Produco de Crescimento IDHpetrleo econmico

    (em milh6esde bodl

    2002 900.000 15,3 % 0,3812003 950.000 16,6% 0,3812004 989.000 17,8% 0,4392005 1.250.000 19,8 % 0,4392006 1.411.000 20,1 % 0,4392007 1.700.000 20,1 % 0,4462008 1.900.000 23,0 % 0,446

    Fonte: ANGOLAlPANAPRESS (2008), ANGOLAIANGONOTCIAS (2008).

    Desde 2002, com o marco do fim da GuerraCivil - uma das maiores conquistas de Angola que o PIB angolano aumentou mais de dez vezes;de 471 mil milhoes de kwanzas para perta de 4,5bilhoes de kwanzas (59 mil rnilhoes de dlares).O ritmo frentico de crescimento econmico (commdia anual 15,3% a 23,0 % entre 2002 - 2007).O crescirnento do produto na industria extratlva,sobretudo na petrolfera, explica a maior parte doaumento, mas quase todos os setores registaramcrescimentos sxpressivos nos ltimos anos. Em2006, a industria extratlva representou dlretamentemais de 60 % do PIB; mas o seu contributo indireto- atravs de seto res como o comrcio, construcoou indstria transformadora - coloca o seu pesoeconmico em cerca de 80 %, segundo o BancoMundial(ANGOLAlANGONOTCIAS,200S)

  • ENFRENTAMENTOSE CONTRADIr;OES NAS COMUNIDADES DE EXTRACr;Ao DE RECURSOS NATURAIS EM 27CABINDA - ANGOLA

    o Banco Mundial, conhecendo a importanciada economia do petrleo em Angola, chamou aatenco do governo para as polticas pblicasimplementadas, para que haja uma relaco entreas riquezas produzidas e o modus vivendi daspopulaces. Para isso, sao necessrios projetosconcretos para a incuso das populaces aosbenefcios extrados desta tao importante fontede crescimento econmico de Angola. Embora aempresa diga que existe a atividade social desde1992, a realidade no terreno adversa; a teorianao-justificada na prtica, visto que as populacoesnao trn acesso suficiente aos produtos essenciaisadvindos do petrleo, como leo diesel, leolubrificante, gasolina, corante para fotografia, asfalto,medicamentos, detergentes, tintas, essncias paraperfumes, borrachas, tecidos, colas, parafina, entreoutros, que seriam necessrios para suprir algumasnecessidades bsicas e impulsionar a indstria localcomo forma de garantir empregos e bem- estar edesenvolvimento para as comunidades.

    A grande contradico deste cenrio queAngola s explora. A transformaco de todos osderivados acima mencionados nao feita emAngola. A aqreqaco de valores ao petrleo brutoacontece em outros pases, principalmente nosEstado Unidos da Amrica - EUA. Essa explicaco importante para ter a clareza de que Angola sexplora para exportaco e nao para produco,por falta de tecnologia e de pessoas capacitadase qualificadas na produco de tais derivados,reafirmando o alcance da independencia poltica,com dependencia econmica.

    Vale ressaltarque naose est ,aqui, reforcandoum desenvolvimento, a base de exploracoexacerbada de matria-prima e construco de megaindstrias que possam aumentar os problemasambientais. Somente mostrar que, os produtos dalderivados voltam procedencia de forma errnea;ou para provocar guerras entre as etnias ou parabeneficiar umaparcela mnimade indivduos, ouseja,somos inclusos e exclusos numa proporco muitogrande, persistindo um abismo em cornparaco comos pases chamados mais "desenvolvidos". Falarde exclusao de dais mundos somente considerarque os funcionrios da petrolfera na maioria saoexpatriados, ou seja, estrangeiros e os nacionais,que nao residem em Cabinda, nao possuem cantatacom os cidados que habitam o local ande exploram.Diz-se que entrar no campo como ir para um outropas. Existe uma cerca separando os dais mundos.Num processo neocolonial esta cerca representa omundo do colono e o mundo do colonizador, comoFanon (2005, p.28) afirma:

    Acidade do colono urna cidade slida,toda de pedra e ferro. urna cidadeiluminada, asfaltada, andeoscaixotes delixoregurgitam desobras desconhecidas,jamaisvistas, nem mesmo sondada. Os

    ps do colono nunca estao amostra,salvo talvez nomar, mas nunca ningumest bastante prximo deles. Psprotegidos por calcados folies, enquantoasruas de sua cidade saolimpos, lisas,sem buracos, sem seixos. Dentro destemundo isolado por cerca eltrica existetoda uma estrutura moderna.

    Esta cerca a representaco ntida da naoincluso dessas populaces de forma satisfatrianas polticas de trabalho dessa exploradora. Estacerca nao deixa de representar uma ideia deuma exploradora com uma economia de enclavedesassociada da realidade da comunidade vizinha.(HODGES, 2002, P 199)

    Quando a populaco questionada sobre acerca, a referida exploradora admite que nao existenenhuma relaco. Nao s em termos de empregos,mas, tambm, de relacionamentos e convivencia.Cada um no seu mundo. Compartilham o mesmoespaco, senda uns para rnanutenco da exploracoe outros para a sobrevivncia. A evidencia ntidada supervalorizaco do material em relaco a vidahumana. Os recursosda retirados nao proporcionama felicidade dessas populaces. Essa constataco bemclaranaafirmaco doresponsvel "B", quandoquestionado sobre o significado dos projetos deresponsabilidade social e cooperativo da empresa.

    Segundo ele, esses existem como garantiada licenca para operar com maior propriedade.Sua grande preocupaco a rnanutencao da suaestrutura, e nao do bem-estardas populacoes. Talvezporque, tais projetos, ainda que existam, nao trn umretorno significativo. Existe uma inverso de valoresande se ama as coisas e se usam as pessoas.

    Para alm da cerca eltrica, a Chevron possuiuma equipe de sequranca altamente preparada, coma responsabilidade de vigiar a rea de [urisdico dacompanhia. Os pescadores, nas suas atividades,sao constantemente vigiados pela empresa deseguranya da exploradora. Se forem apanhadospescando perta das plataformas, isso acarreta umasrie de tenses das duas partes.

    Da parte da seguranya, h necessidade decumprir os deveres como funcionarios. Precisamsalvaguardar a rea, nem que para isso a formade aco seja severa. Os pescadores muitas vezesse mostram resistentes em termos de desocupar olocal. Por isso, considerado um risco, visto que,em caso de resistencia, a punco inesperada,o que pode levar perigo as duas partes. Como astenses acontecem no mar, o risco maior paraos pescadores, j que os seus direitos nao saosegurados.

    Para alm da falta de emprego, a falta depolticas pblicas que atendam as questes desaneamento bsico, a educacao de qualidade,sade de qualidade, gua potvel, luz e boa moradiasao bem evidentes. Ainda que o governo estejaempreendendo esforcos e a exploradora tenha

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  • 28 Juliana Landa Canga e Alfredo Gsbne! Buza

    projetos sociais. essas necessidades, consideradassubstantivas na viso de um desenvolvimento comliberdade, ainda nao sao supridas.(SEN, 2000,p.18). Aqui est o mundo do colonizado ou pelomenos a cidade subdesenvolvida '[. ,,] Ai se nascenao importa aonde, nao importa como. Morre-se naoimporta de que. um mundo sem intervalos, [... ] ascasas umassobre as outras. A cidade do colonizado uma cidade faminta, faminta de po, de carne,de sapatos, de carvo, de luz [.. .]".(FANON, 2005,p.28).

    Esse esforco por parte dogoverno teve maioresaces a partir de 2002, e da parte da exploradoraos projetos sociais cornecarn em 1992 depois decompletar 54 anos de exploraco de petrleo. Entreos projetos sociais observveis na aldeia de Ftilasao apontados uma praca ou mercado, um postomdico, escola do Ensino Fundamental e um chafarizou ponto de obtenco de gua potvel.

    Milando (2007, p. 76) atribu a ineficciadestes proletos, em beneficio das populaces, aodesconhecimento profundo da cultura das mesmaspor parte da exploradora. Acredita-se que essaineficcia naodeve ser conferida apenasa estefator.Sao vrios os fatores que culminam nessedescaso,desde a falta de uma boa articulaco dos nativosque fazem parte da irnplementacao desses projetosat a desvalorizaco da vida humana.

    Existem problemas de fu ndo que precisamser levados em consideraco, desde os objetivosdos projetos at a implernentaco. Por exemplo,qual o objetivo de se construir um mercado se arnaioria da populaco faz as vendas em frente dascasas? Ser que essa populaco foi ouvida antesda construco desses mercados? Se observarmosa questo de valorizacao dos saberes tradicionaisdessas populacoes, veremos que as mulheres daaldeia ainda continuam a ir lavra e cuidar dosfilhos, o que significa dizer que, para alm da lavra,as mulheres ainda se ocupam nos seus afazeresdomsticos. Logo, cmodo para elas vender nafrente de suas casas. Como ningum mexe, quandoas pessoas chegam, elas saem para vender e depoisvoltam para as suas atividades domsticas. melhordo ponto de vista de gestao do tempo, do que saire ir ao mercado deixando os afazeres de casa amerc. Esse esforco extra para elas nao compensaem termos da administraco do lar. Como resultado,os mercados ficam sem ser utilizados.

    Comparando com o que arrecadado emtermos de exploraco e crescimento econmico,esse mercado naoexpressa a qualidade necessria.Quanto ao Posto Mdico, nele somente sao tratadasquest6es emergenciais nao graves; os casos maiscomplicados sao encaminhados para o hospitalprovincial na capital, e que na maioria das vezesnao d conta da superlotaco dos doentes. Porexemplo, no servico de parto na aldeia de Ftila,sao convidadas as parteiras tradicionals. A escola de estrutura simples, prpria dos paises chamadossubdesenvolvidos.

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    o chafariz abandonado nao funciona mais.Como argumenta Milando (2007, p. 77), estrelacionado com a questao cultural, costume aspopulaces desta aldeia buscarem gua nos riose nessa busca, diz M llande, ocorrem tracas deexperiencias, construco de saberes entre os grupos.O chafariz acaba sendo um elemento estranho semnenhum significado de recompensa para estes. "Sefor para buscar gua fora de casa, ento vou aorio".

    Embora a empresa argumente distribuir redesmosquiteiras, medicamentos em cooperaco com oDepartamento da Sade, como afirma o responsvel"A", a malria ainda a grande vil pela morte decriangas e mulheres grvidas na aldeia de Ftila,que tem grandes problemas de saneamento bsico.Acredita-se que se a Chevron cooperasse nestarea, seria mais salutar, ao invs de um chafarizmoderno que ficou inutilizado.

    Por sua vez, Mavinga e Mabiala falam daexploradora madeireira nos seguintes termos,

    Somos contratados na hora do cortedepois somos despedidos esperandooutro momento quando tem corte emuitas vezes nao somos chamados denovo e ganhamos muito pouco. Por issomuitos jovens vao para cidade procuraremprego. S os prospectores duram umpouco, maistambm ganham mal". "Souprospector desdeo tempocolonial, semestudos. Aprendi a conhecer a mataatravs do meu pai que era cacador,Tambm fui cacador, Meu pai ensinou-mecomo seproteger dos animas ferozese cobras. 8empre levamos conoscoMakaso' e sal para comer. lsso d sedee ao beber a gua o prospector podeaguentar o dia todo. Na falta de gua temvegetais cuja a seiva serve para matar asede. Conhecemos as rvores atravsdo cheiro, da cor do lquido. Antes doabate assinalamos os que devem serabatidas para no abater rvores quenao devem ser abatidas. Se tinha maisesse cuidado no tempo colonial. Agoranem todos os prospectorestm cuidadona hora de abate. Trabalhei na Jomar-frica, tinha 16 anos j era idade depagar imposto. O meu dinheiro j davapara pagar imposto e comprar duaspegas de pano. Passei pela Ablio deAmorim. Actualmente um prospectorganha de 30.000 mil Kwanzas a 35.000mil Kwanzas multo pouco pelo trabalhoque faz. Antigamente o corte era commachado.Aarrurnacao era com as rnossem proteco sem nada. As picadaseram abertas com catanas, agora jtem tratores, charretes para abrir oscaminhos, motosserras para fazer ocorte por isso que dirninuiu a mo-de-obra. Com trabalho de prospector naoganhei nada de especial na minha vida.

  • ENFRENTAMENTOS E CONTRADIr;OES NAS COMUNIDADES DE EXTRACr;Ao DE RECURSOS NATURAIS EM 29CABINDA - ANGOLA

    Estou desempregado, sem reforma,e hoje vivo asslrn. At madeira parafazer caixo se algum morrer tenhodificuldade de adquirir. No s eu mas oresto da comunidade tambm.

    Uma anlise comparativa com a situaco deBuco Zau em relaco Ftila mostra que o cenriosociopolitico nao difere. As contradices sao asmesmas, a nica diferenca que Ftila est nolitoral de Cabinda, onde acontece a exploracode petrleo e a vila de Buco Zau se encontra nafloresta de Mayombe onde acontece a exploracode madeira.

    A empresa Abilio de Amorim, uma dasexploradoras de madeira na Vila de Buco Zau emque Mavinga fazia parte, comecou a sua atuacaonesta rea em 1968, tendo no momento 43 anosde atuaco. Mavinga hoje tem 86 anos de idadesem aposentadoria e vive em condlces sociaisindesejveis e ainda com vontade de trabalhar parapelo menos suprr as suas necessidades bsicasde sobrevivncia. Ele chegou terceira idade, eencontra-se praticamente inutilizado. A trajetria deMabiala idntica a de Mavinga, embora Mabialatenha 11 anos a menos que Mavinga. Sobre o modocomo a empresa nos seus projetos sociais trataessas questes, o depoimento do representantequestionado foi:

    Ternos alguns projetos sociais acumplir a langa prazo. So desafiostremendos como a llurnlnaco pblica,reabertura de estradas de terra batida,apoio a autoconstruco, com doacesde madeira serrada, pregos e chapasde zineo. Criamos possibilidades deemprego para as povoaces, nasrespectivas reas de concesso florestal.Montamos alguns geradores em algumaspovoaces do municipio, damos chapasde zineo a alguns habitantes, isso parajustificar a licenca. Quanto ao emprego,de momento a empresa j tem o pessoalfixo, como toda base administrativa, e area semi-transformadora que situadana capital sede de Cabinda. Os nossostrabalhadores sao no total de 340pessoas residem na cidade, o salrio novalor de 28.000,00 mil kwanzas. Os querecrutamos no momento decorte nao saofixos pela mobilidade dos cortes. Existeum sistema que funciona da seguinteforma: quando projetamos o corte na Vilade Buco Zau, por exemplo, quando tudoest preparado entramos em contactocom o soba ou regedor da rea paradivulgar o recrutamento e delimitamosquantas pessoas sao necessrias.Dependendo das necessidades vamossolicitando. Geralmente ficamos numperodo de 1 a dois meses em cada readesde corte at a transportaco.

    o representante de Ablio de Amorim reafirmatudo que Mabiala e Mavinga relatam. Tambmcoaduna com a constataco de Buza, Tourinho eSilva (2006, p.66) quanto falta de investimentosque atendam as populaces. Veja que as acesimplantadas pela empresa seus objetivos naodeixam de ser as que j relatamos quando falamosda Chevron.

    Quando Mabiala fala que falta madeira atpara se fazer caixo, nao falta s madeira paracaixo, falta madeira para carteiras escolares, paraportas e janelas e para construco de bancos paraserem colocados nas paradas de autocarros.

    O real valor da floresta no sentidoecolgico, econmico e social atagora tem sido ignorado. A floresta vista apenas como fornecedorade madeira, sem, no entanto, seremconsiderados, os critrios de corte oscuidados necessrios para manter oequilbrio ecolgico. H tambm falta deinvestimentos de importancia social eeconmica paraatender ascomunidadesque fazem parte dela sua fonte dealimento e sobrevlvncla. No processode exploraco florestal pouca atenco dada aos tratamentos silviculturaislimitando-se a uma extraco empricada madeira usando conhecimentos quepassam de qeraco em qeraco sobreas espcies, forma de corte etc.(BUZA,2010, p.30).

    Segundo Angola/IDF (2008) e resultadospublicados por Buza, Tourinho e Silva (2006, p.69),entre as 30 espcies mais extradas e comercia lizadasna floresta de Mayombe sao destacados cincoprincipais: a tola branca, livuite, limba, Ngulu-mazie Kambala. A justicaco para esta escolha quemuitas espcies que eram extradas no passado trnsido pouco encontradas; o caso do pau rosa, cujocorte encontra-se proibldo. As especies extradassao mais utilizadas para exportaco.

    Todava, existe um distanciamento dadimenso da produco com o modus vivendi daspopulacoes e, consequentemente, se constata aincapacidade do cumprimento dos projetos sociaiseficazes. Quanto questo da vila de Buco Zau,h a constataco de Buza, de que existe a falta deinvestimentos de importncia social e econmicapara atender as comunidades que fazem parte de/a,sua fonte de alimento e sobrevivncia.

    6CONCLusAo

    A exploraco dos recursos est subjacentena insistencia em um modelo de desenvolvimentomoderno que nao d conta de atender questesbsicas do homem, dentro da lgica de queexploraco igual ao crescimento econmico.

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  • 30 Juliana LandaGanga e Alfredo Gabriel Buza

    Para as populaces de Ftila e da vila deBuco Zau, a exploraco dos recursos naturais marcada por situaces muitas vezes desumanas,pelo modus vivendi e operandis dessas populaces,nas tenses constantes entre elas e as empresas ecompanhias exploradoras, nas reas de exploraco:um processo que nao tem nenhum significado paraessas populaces.

    O fato de Angola ser rica em recursos naturaisrenovveis e nao renovveis, ainda nao Ihe autorizacomo um pas moderno e desenvolvido; ainda quehaja elementos que sinalizam a modernidade, ofosso entre os chamados modernos e desenvolvidose Angola multo grande. Enquanto nao se superaras liberdades substantivas das populaces essarealidade tender para plor,

    Todavia, as populacoes resiste m a essa matriznum esforco de rnanutenco dos saberes locais, oupopulares. Seja deforma consciente ou inconsciente.A pesca, o cultivo da terra, o extrativismo, entreoutras aces, ainda de forma tmida, sao modos deresistencia a este modelo, vas de sobrevivncia aapontar principalmente mudancas, transformaces,nas sociedades africanas.

    Com a aprovaco da Nova Constituicoem 2010 e um novo sistema tributarlo cujasarrecadaces retorna m de forma proporcional paraas localidades de origem, assirn como a criacode um fundo proveniente das receitas de petrleo,para atender as aces sociais, aliada aprovacodo Instituto Nacional do Conhecimento Tradicional,entende-se que as aces vo passar a pautar-se poruma abordagem contextual, valorizando a prtica doconhecimento ancestral e cultural.

    Com todos esses instrumentos j aprovados,espera-se para Ftila e a vila do Buco Zau novasperspectivas de projetos que possam atender asnecessidades substantivas dessas comunidades.Pelos resultados, percebe-se que as influnciasculturais, sociais, ambientais e polticas podem serresolvidas, caso se lance mo de estratgias paraimplantar um conceito diferente de desenvolvimentoe modernidade. Todava, precisa-se de umaorqanizaco e cumplicidade de todos os autores,cidados e membros da comunidade. E aqui aSociologia pode e deve contribuir, abordandoa complexidade e as transforrnacoes que asexperiencias sociais, na frica, realizam.

    REFERENCIAS

    ANGOLA, ANGONOTCIAS. Angola precisa de'rnudanca radical'no politica,diz OCDE. Disponvelem:.Acesso ern: 08 jun. 2008.

    ANGOLA INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTOFLORESTAL -IDF. Relatrio de extracao de madeirade 2002 a 2008. Cabinda, 2008.

    R. PoI. Pbl. Sao Luis, V.15, n.t, p. 21-31, jan.ljun. 2011

    ANGOLA PANAPRESS. A perspectiva africana:Angola recebe investimento de 66 bilhes no sectordos petrleos. Disponvel em:. Acesso em: 14 nov. 2008.

    BOLLAND&BURKECHARTEREDACCOUNTANTS.Chevron-Texaco rene administracao emAngola.Dispon vel em:. Acesso em: 14 nov. 2008.

    BUZA, A G. Explora~o Florestal no Mayombe.Belm: Ed. do Autor, 2010. 87 p.

    ___ Potencialidades e PerspectivasSocioecon6micas dos Sistemas Agroflorestaisno Municipio de Buco Zau, Provincia de Cabinda,Repblica de Angola. 2006. 124 p. Tese (Doutoradoem CinciasAgrrias) - Universidade Federal Ruralda Amazonia, Belm/PA, 2006.

    ___; TOURINHO, M.; SILVA, J. Caracterizaco dacolheita florestal em Cabinda. Revista de CienciasAgrrias, Belm, n. 45, p. 59-78, jan./jun. 2006.

    FANON, F. Os condenados da Terra. Traduco deJos L.de Melo. Rio de Janeiro: Civilizaco Brasileira,2005. p.275.

    HODGES, T Angola: do afro-estalinismo aocapitalismo selvagem. S. Joo do Estorial: Principia.2002.303p.

    MILANDO, J. O desenvolvimento e resllinclasocial em frica: dinmicas rurais de Cabinda.Lisboa: Ed. Periploi, 2007. 160 p.

    N'GUMA, V, Reflex6es sobre a cojonizacaoportuguesa em Cabinda. Luanda: Edicoes Ch deCaxinde, 2005. 142 p.

    SEN, A Desenvolvimento como liberdade.Traduco de Laura T Molta. Sao Paulo/SP:Campanhia das Letras, 2000. 409 p.

    NOTAS

    1. A Comuna dirigido peloum administrador comunal eintegra a terceira estrutura administrativa territorial dogoverno em Angola(provincias, municipios, comunas).Subordina-se, portanto, a estrutura municipal e esta aprovincial, o que corresponde no Brasil acompetenciaestadual.

    2. Associaces de crdito de poupanca rotativo, ouorganizac;es economicamente conhecidas comoroscas.

    3. uma frutatpicade Cabindacom coloraco lilas e umgosto amargo muito utilizado por camponeses e queserve para matara fome.

  • ENFRENTAMENTOS E CONTRADIr;OES NAS COMUNIDADES DE EXTRACr;Ao DE RECURSOS NATURAIS EM 31CABINDA - ANGOLA

    Juliana Landa CangaProfessora auxiliar na Universidade 11 de Novembro(ANGOLA).Doutora em 8ociologia, Repblica de Angola.E-mail: [email protected]

    Alfredo Gabriel BuzaProfessor associado e Vice Reitor na Universidade 11 deNovembro (ANGOLA)Doutor em Ciencias Agrrias, Repblica de Angola.E-mail : [email protected]

    Universidade 11 de Novem broRua do Buco Ngoio - Conjunto do Buco Ngoio,Casa n 97 , Cabassango.Cabinda, - Angola

    R PoI. ea. Sao Lus, v 15, n.t, p. 21-31, jan./jun. 2011