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21 E N E R G I A por Fábio Reynol Modelo do biodiesel poderia ser aplicado ao querosene vegetal Os combustíveis de origem vegetal, desenvolvidos no Brasil, vão subir aos céus e podem chegar ao espaço. Pioneiro na utilização do álcool de cana-de-açú- car para mover seus automóveis, e em crescente expansão na fabricação e uti- lização do biodiesel, o país tem gran- des chances de se tornar o maior pro- dutor mundial de bioquerosene, o com- bustível vegetal para aeronaves. Grande área agriculturável, clima favorável, mão-de-obra disponível, extensa diver- sidade de matérias-primas, e tecnolo- gia própria já desenvolvida fazem do Brasil a grande promessa de viagens aéreas mais limpas. Desenvolvido há mais de 20 anos, o bioquerosene brasileiro só agora chama a atenção mundial. A recente preocupação com o efeito estufa levou ao estabelecimento de uma parceria entre Brasil e a Boeing, maior fabri- cante de aviões do planeta. A empre- sa firmou um acordo no final de 2006 com o criador do querosene de origem vegetal, o engenheiro químico Expedito Parente, que atualmente diri- ge a Tecbio, empresa co-fundada por ele, que implanta usinas de biodiesel e dá consultoria técnica para o setor. Durante um ano, a Tecbio fornecerá o combustível que será testado nas tur- binas da multinacional, sediada em Seattle, Estados Unidos. O acordo ain- da inclui a participação da Nasa, a agência espacial norte-americana. MADE IN SÃO JOSÉ DOS CAMPOS No final da década de 1970, então professor da Universidade Federal do Ceará, Parente desenvolveu o proces- so de obtenção do biodiesel através de uma reação química chamada tran- sesterificação. O sucesso tomou cor- po com o lançamento oficial do Pro- diesel, em outubro de 1980. Paralelo ao Proálcool, o programa do governo federal que visava obter um combus- tível alternativo à gasolina baseado no etanol da cana-de-açúcar, preten- dia também substituir o diesel de petróleo por outras matérias-primas, como óleos vegetais e gordura ani- mal. Diferentemente do álcool, porém, o biodiesel poderia ser queimado em motores comuns a diesel, sem a neces- sidade de adaptações. "O bioquerosene de aviação — que também queimaria na mesma câma- ra que seus similares fósseis — foi beneficiado por uma peculiaridade do Prodiesel: o projeto estava sob a responsabilidade do Ministério da Aeronáutica e foi o ministro da pas- ta na época, Délio Jardim de Mattos, que sugeriu que o querosene de avia- ção fosse incluído no programa", con- ta Parente. Foram queimados mais de 10 mil litros de combustível nas turbinas do Centro Tecnológico de Aeronáutica (CTA), em São José dos Campos (SP), até que o produto final fosse obtido. Em 23 de outubro de 1984, Dia do Aviador, foi registrado o primeiro vôo propeli- do a Prosene, nome conferido em tom de brincadeira ao bioquerosene para simular o status que o álcool e o diesel gozavam na época. Naquele dia, um avião Bandeirante, de fabricação bra- sileira, levantou vôo em São José dos Campos com destino a Brasília, onde foi recebido com pompa oficial pelo então presidente da República, João Baptista Figueiredo. "Foi dado um grande voto de con- fiança ao novo combustível", revela Parente. "O plano previa que o avião levaria um tanque de Prosene e outro de querosene convencional, por garan- tia, mas o piloto mandou encher os dois tanques com Prosene", relembra orgu- lhoso o empresário. O sucesso do novo combustível não impediu que ele fosse, assim como o biodiesel, engavetado por mais de vinte anos. COMBUSTÍVEL DESENVOLVIDO NOS ANOS 1980 CHAMOU A ATENÇÃO DA BOEING QUE FIRMOU PARCERIA COM UMA EMPRESA BRASILEIRA PARA TESTÁ-LO

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Divulgação/C

TC

E N E R G I A

por Fábio Reynol

Modelo do biodiesel poderia ser aplicado ao querosene vegetal

Os combustíveis de origem vegetal,desenvolvidos no Brasil, vão subir aoscéus e podem chegar ao espaço. Pioneirona utilização do álcool de cana-de-açú-car para mover seus automóveis, e emcrescente expansão na fabricação e uti-lização do biodiesel, o país tem gran-des chances de se tornar o maior pro-dutor mundial de bioquerosene, o com-bustível vegetal para aeronaves. Grandeárea agriculturável, clima favorável,mão-de-obra disponível, extensa diver-sidade de matérias-primas, e tecnolo-gia própria já desenvolvida fazem doBrasil a grande promessa de viagensaéreas mais limpas.

Desenvolvido há mais de 20 anos,o bioquerosene brasileiro só agorachama a atenção mundial. A recentepreocupação com o efeito estufa levouao estabelecimento de uma parceriaentre Brasil e a Boeing, maior fabri-cante de aviões do planeta. A empre-sa firmou um acordo no final de 2006com o criador do querosene de origemvegetal, o engenheiro químicoExpedito Parente, que atualmente diri-ge a Tecbio, empresa co-fundada porele, que implanta usinas de biodiesele dá consultoria técnica para o setor.Durante um ano, a Tecbio fornecerá ocombustível que será testado nas tur-

binas da multinacional, sediada emSeattle, Estados Unidos. O acordo ain-da inclui a participação da Nasa, aagência espacial norte-americana.

MADE IN SÃO JOSÉ DOS CAMPOSNo final da década de 1970, então

professor da Universidade Federal doCeará, Parente desenvolveu o proces-so de obtenção do biodiesel atravésde uma reação química chamada tran-sesterificação. O sucesso tomou cor-po com o lançamento oficial do Pro-diesel, em outubro de 1980. Paraleloao Proálcool, o programa do governofederal que visava obter um combus-tível alternativo à gasolina baseadono etanol da cana-de-açúcar, preten-dia também substituir o diesel depetróleo por outras matérias-primas,como óleos vegetais e gordura ani-mal. Diferentemente do álcool, porém,o biodiesel poderia ser queimado emmotores comuns a diesel, sem a neces-sidade de adaptações.

"O bioquerosene de aviação — quetambém queimaria na mesma câma-ra que seus similares fósseis — foibeneficiado por uma peculiaridadedo Prodiesel: o projeto estava sob aresponsabilidade do Ministério daAeronáutica e foi o ministro da pas-

ta na época, Délio Jardim de Mattos,que sugeriu que o querosene de avia-ção fosse incluído no programa", con-ta Parente.

Foram queimados mais de 10 millitros de combustível nas turbinas doCentro Tecnológico de Aeronáutica(CTA), em São José dos Campos (SP),até que o produto final fosse obtido. Em23 de outubro de 1984, Dia do Aviador,foi registrado o primeiro vôo propeli-do a Prosene, nome conferido em tomde brincadeira ao bioquerosene parasimular o status que o álcool e o dieselgozavam na época. Naquele dia, umavião Bandeirante, de fabricação bra-sileira, levantou vôo em São José dosCampos com destino a Brasília, ondefoi recebido com pompa oficial peloentão presidente da República, JoãoBaptista Figueiredo.

"Foi dado um grande voto de con-fiança ao novo combustível", revelaParente. "O plano previa que o aviãolevaria um tanque de Prosene e outrode querosene convencional, por garan-tia, mas o piloto mandou encher os doistanques com Prosene", relembra orgu-lhoso o empresário. O sucesso do novocombustível não impediu que ele fosse,assim como o biodiesel, engavetado pormais de vinte anos.

COMBUSTÍVEL DESENVOLVIDO NOS ANOS 1980 CHAMOU A ATENÇÃO DA BOEING QUE FIRMOU PARCERIA COM UMA EMPRESA BRASILEIRA PARA TESTÁ-LO

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PERÍODO DE ESQUECIMENTOA vedete daquele momento era o

álcool que, impulsionado pela influên-cia dos grandes usineiros, abocanhoutodos os investimentos do governo erelegou o biodiesel e o bioquerosene aum reconhecimento tardio, somente noinício do século XXI. Não seria a primei-ra vez que alternativas ao petróleo eramdescartadas devido aos interesses eco-nômicos de determinados setores.

"No século XX, havia carros movi-dos a gasogênio (gás obtido de carvãomineral)", explica o historiador JozimarPaes de Almeida, professor daUniversidade Estadual de Londrina(UEL), no Paraná, e especialista em his-tória ambiental. "Essa e várias outrasopções ao petróleo não foram adiante,"conta o professor, que atribuiu esseabandono a influentes setores indus-triais. "As grandes multinacionais dopetróleo e as grandes montadoras sem-pre apostaram na gasolina para ven-der sua produção", completa Almeida.

E por que o interesse tardio nos com-bustíveis vegetais? "A situação hoje ébem diferente de 20 anos atrás," expli-ca o especialista em energia GilbertoJannuzzi, professor de engenhariamecânica da Universidade Estadual deCampinas (Unicamp). "O componenteambiental é, atualmente, muito forte.Isso explica porque a indústria da avia-ção, que tem motores que expelem gran-de quantidade de gases estufa, estápreocupada em encontrar novas alter-nativas", esclarece Jannuzzi.

A aviação é responsável por 3% dasemissões de gases poluentes do plane-ta. Parece pouco, mas a poluição atmos-férica provocada pelo setor aéreo é aque mais tem crescido nos últimos anos,segundo uma pesquisa da ComissãoEuropéia. O trabalho, apresentado aoParlamento Europeu em setembro de2005, mostrou que a emissão de dióxi-do de carbono pelas aeronaves havia

aumentado 73% entre 1990 e 2003. Apreocupação com essa crescente sujei-ra vinda dos céus fez a ComissãoEuropéia sinalizar, em dezembro doano passado, a inclusão a partir de 2011do setor de aviação civil no MercadoEuropeu de Licenças de Emissão degases causadores do efeito estufa. Comisso, as empresas serão obrigadas acontrolar as emissões de suas turbinas.

No Brasil também há dados sobrea relação dos aviões com a poluição.Um estudo realizado em 2005 pelaCoppe (Coordenação dos Programasde Pós-Graduação em Engenharia) daUFRJ revelou que na cidade de SãoPaulo o querosene de aviação respon-de por 8,8% da poluição provocadapelos combustíveis. Estes, por sua vez,são responsáveis por 76,14% do lixoatmosférico da capital paulista. Já agasolina de aviação, combustível deaeronaves de menor porte, emite jun-

to com os óleos lubrificantes, 0,6% dosgases sujos da metrópole.

A contribuição do combustível vege-tal pode ir além do meio ambiente. Àsemelhança do biodiesel, o bioquerose-ne tem um grande potencial de desenvol-vimento econômico e social para o Brasil.Detentor de uma área do tamanho daAlemanha (18 milhões de hectares) dis-ponível para o plantio de babaçu, prin-cipal componente do bioquerosene, opaís tem todas as condições para se tor-nar o maior produtor mundial do com-bustível. A posição de destaque poderáalavancar não só o progresso econômi-co da nação, mas também o social. OPrograma Nacional de Produção e Usode Biodiesel (PNPB) iniciado em 2003demonstra como o combustível vegetalpode desenvolver a agricultura familiar.

Uma legislação específica foi cria-da a fim de incentivar a inclusão socialno processo produtivo do biodiesel. O

Avião Bandeirante,da Embraer, modelo

utilizado para osprimeiros testes

com bioquerosene

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produtor do combustível que compramatéria-prima de agricultores familia-res recebe do governo o selo "Com-bustível Social". Além de servir de dife-rencial para a promoção do produto, oselo dá direito a linhas de crédito espe-ciais e a reduções tributárias em con-tribuições como PIS/Pasep e Cofins.Com isso, o PNPB já gerou empregospara 200 mil agricultores familiares,número que tende a crescer com oaumento da utilização do produto. Apartir de 2008 será obrigatória a pre-sença de 2% de biodiesel em todo o die-sel vendido no Brasil. Em 2013, a pro-porção deverá subir para 5%.

IMPACTOS NO MEIO AMBIENTEOs ganhos ambientais, maior atra-

tivo de investimentos para o setor, nãosão pequenos. Para começar, ao con-trário dos combustíveis fósseis, os deorigem vegetal não contém enxofre,

elemento responsável pela chuva ácida.E, apesar de também produzirem dió-xido de carbono (CO2), um dos gasesresponsáveis pelo efeito estufa, os bio-combustíveis acabam reduzindo essedano ambiental em seu ciclo produtivo.Isso porque eles vêm de plantas queabsorvem CO2 e, portanto, reduzem ocarbono que os seus combustíveis joga-rão na atmosfera. Além disso, essaindústria não gera somente subprodu-tos nocivos, como o vinhoto da cana-de-açúcar. Entre os seus produtos cola-terais estão farelos que podem ser uti-lizados em ração animal e fertilizante.

Em contrapartida, muitos ambien-talistas alegam que o destaque brasi-leiro no setor pode custar caro ao meioambiente, a exemplo do que já ocorrecom o álcool. Com uma produção emfranca expansão para atender o mer-cado interno, a cana-de-açúcar está ocu-pando cada vez mais terras cultiváveis

no país. Caso o Brasil se torne platafor-ma exportadora de etanol, esse proble-ma tende a se ampliar e a floresta ama-zônica já é identificada como vítimapotencial dessa expansão. A cana nãoé adaptada ao clima tropical da regiãoNorte, mas a tendência é que a soja e opasto invadam ainda mais a região ama-zônica para dar lugar à matéria primado etanol. Há pouco tempo, um crimeambiental ilustrou como os crescenteslucros estão fazendo encolher os escrú-pulos. Em fevereiro deste ano, a UsinaColombo arrendou terras para plantarcana no noroeste de São Paulo e, semcerimônia, derrubou o que encontroude mata nativa para aumentar a suaprodução. A lucratividade do setor estácompensando até o pagamento das mul-tas e a autuação por crime ambiental,um fato que deveria servir de alertapara as autoridades.

O Brasil terá pouco tempo para acor-dar para o problema, pois já está avan-çando a passos largos no setor de com-bustíveis vindos da lavoura. Possuitodos os elementos necessários paraassumir a liderança mundial na produ-ção de biocombustíveis de aviação e há20 anos detém o fator mais complica-do, a tecnologia de produção. "Tudo temo seu ciclo", explica Expedito Parente,"tivemos o ciclo do álcool, estamos naépoca do biodiesel e chegaremos logonos tempos do bioquerosene", aposta.Segundo o empresário, deve levar nomínimo mais uns dois anos para que opaís comece a montar um arranjo pro-dutivo aos moldes do que se desenvol-ve hoje para o biodiesel. Isso se a idéiadecolar e não esbarrar em interessescontrários. Parece que o vôo para oBrasil se tornar a Arábia Saudita doséculo XXI em combustíveis vegetaisterá que ser abastecido com uma polí-tica contínua de investimentos e decrescimento sustentável e não somen-te com sonhos.

Divulgação/

Embraer

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