Encontro sobre Direitos Autorais do compositor

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SALVADOR SÁBADO 22/11/2014 3 2 É tempo de colher jacas Contam que Fernando Sabino, aquele do romance O Encontro Marcado, apesar de mineiro e chegado a Juscelino desespe- rou-se em Brasília. Saltou do tá- xi com a mala na mão e se per- deu à porta do endereço bus- cado. Olhou várias vezes em vol- ta: não havia calçada, tudo era igual a uma floresta de euca- liptos. Abordou, por fim, uma se- nhora que aparentemente ia trabalhar. Ela apontou-lhe o edi- fício e sorriu. Sabino, no pórtico, olhava umas letras maiúsculas: SQW. Queria o nome da rua; percebia, agora, que ali não ba- tizavam os logradouros públicos com o nome de personalidades como Jorge Amado ou Luiz Eduardo Magalhães. Uma hora depois, perdido o encontro com Paulo Mendes Campos e Otto Lara Resende, chegava ao ae- roporto, pegava um avião para o Rio e Ipanema. Pergunto à escritora Eglê Ma- lheiros, que passa uma tempo- rada na capital com Salim Mi- guel, que nota ela dá a Bra- sília. – Ao povo, 10. À cidade, 2. Pois quanto a mim, digo que Brasília me agrada. Gosto do silêncio espesso, seja feriado ou dia útil; gosto da sesta, da inér- cia, da lua baixa e grande, muito amarela, com que fui saudado ao chegar; só não aprecio o calor úmido, que já escalou um ou dois pontos sempre que olho, curioso, o mostrador do termô- metro público. As brisas do Lago Sul chegam exangues, quase desfalecidas à mesa do restaurante. De ma- drugada, a temperatura cai, os vândalos atmosféricos estreme- cem as vidraças do Palácio da Alvorada. E, no entanto, a cidade está bem arborizada, com exempla- res da flora tropical, e nesse sen- tido, apenas nesse dispensa o ambientalismo de Marina. Está chegando a época de colher mangas e jacas. As jaqueiras es- tão carregadas de frutos que re- pontam do tronco, dos galhos, de raízes expostas, aos cachos. Teremos jacas e mangas com fartura para parlamentares e executivos, se não fossem quase todos bolivarianos e não amas- sem as iguarias importadas. O sergipano Paulo Dantas es- creveu uma vez, em livro de ado- lescente nas letras, quando mo- rava no sul baiano: ‘’Itabuna, terra que dá pão aos desgra- çados e ouro aos coronéis. '' Dava, Paulo, dava. A paródia vem em louvor à sua memória: Brasília, terra que dá supersa- lários aos governantes, legisla- dores e magistrados, e mangas e jacas aos candangos. Prefiro jacas, quando trazem pingos de mel, a maçãs, uvas e peras, incluindo as maçãs hún- garas, que são muito verme- lhas, talvez envenenadas pela bruxa adversária de Branca de Neve. Quanto a mangas, as de Itaparica levam a palma. Mas nem tudo são frutas e frutos. As flores anteciparam a primavera, com muito escânda- lo de tons e entretons. Os ipês rebentam em flores alvas, ala- ranjadas, amarelas. Creio que sejam ipês, sou apedeuta em botânica e não posso recorrer a Jose de Alencar, que escreveu um romance sobre um deles. Mas aqui no planalto ninguém sabe quem foi o distinto, a mi- nistra Martha Suplicy acaba de pedir as contas na pasta da Cul- tura . Nota 8 para Brasília. Um no- ticioso nos adverte que a cri- minalidade corre de rédea solta. Estupros, assaltos nas ruas, as- saltos a lojas e apartamentos, sequestros curtos e demorados. Fora da Esplanada dos Minis- térios, salve-se quem puder. So- mente a lua que nos banha pa- rece incorruptível. E pensar que tais mazelas ocorrem na sede do poder, em pleno paraíso fiscal, com guarda real e polícia nu- merosa... Bem, restam-nos as jacas, a corrida às jacas neste grande prêmio Brasil. Fora da Esplanada, salve-se quem puder. Somente a lua parece incorruptível Hélio Pólvora Escritor, membro da Academia de Letras da Bahia ENCONTRO Grandes nomes da música discutem a valorização dos direitos autorais na arte GISLENE RAMOS Você prepara uma festa. Espaço, decoração, buffet, roupas. Tudo é planejado e pago, muitas ve- zes altos valores. Contrata uma banda, paga o cachê. Mas e as músicas? Será que há uma preo- cupação em pagar ao compo- sitor? Eis a questão. Vinculadas ao Escritório Cen- tral de Arrecadação e Distribui- ção (Ecad), instituições como a União Brasileira de Composito- res (UBC) administram as rela- ções dos direitos autorais e bus- cam a valorização do trabalho do autor musical. Na última segunda-feira, a UBC, em evento comemorativo, reuniu diversos artistas, entre músicos, compositores e produ- tores musicais para discutir a va- lorização do compositor. Entre eles, o presidente da UBC e compositor Fernando Brant; o cantor e compositor Manno Góes; a cantora, com- positora e atual diretora da UBC Sandra de Sá e muitos outros. Artistas como Luiz Caldas, Waltinho Queiroz, Alexandre Leão e Jorge Moreno marcaram presença. Além do grande ho- menageado da noite, o sam- bista baiano Riachão. Direito em debate Ronaldo Bastos, um dos prin- cipais letristas do Clube da Es- quina e atual diretor de Comu- nicação da UBC, afirma sobre a noção do direito autoral no país: “O simples reconhecimento de que essa atividade é um tra- balho e que precisa ser remu- nerada é uma conquista". Manno Góes completa: “Nos- sa maior vitória foi a quebra da inadimplência por parte de grandes empresas de TV e rádio que negligenciavam o paga- mento de direitos autorais". A carioca Sandra de Sá co- menta: “As pessoas falam muito que o Ecad não paga, mas nin- guém comenta a inadimplência, nem o que não é pago ao Ecad”. E completa: “É uma maioria que não se interessa e nossa con- quista é ter a consciência de que, já que é difícil o compositor vir, a gente vai até ele”. Parceiro de Milton Nascimen- to, Fernando Brant diz sobre as dificuldades no meio: “Se na música é um criar constante, no caso do direito autoral é uma luta constante”. O compositor Para o guitarrista e compositor Graco, da banda Scambo, “é im- portante que se crie uma cultura de valorizar o trabalho do com- positor, que artistas se preocu- pem em informar o nome do compositor em seus shows”. “O artista tem que se infor- mar. O compositor tem que que- rer e fazer a sua parte”, com- plementa Manno Góes. “A gente poderia viver num mundo em que as pessoas ti- vessem mais tempo livre e me- lhores condições de vida para serem mais criativas e assim me- lhorar o mundo com criações”, afirma o letrista mineiro Ronal- do Bastos. Lucio Tavora/ Ag. A TARDE Membros da União Brasileira de Compositores (UBC), Manno Góes, Fernando Brant e Sandra de Sá “O artista tem que se informar. O compositor tem que querer e fazer a sua parte” MANNO GÓES, compositor e membro UBC “Se na música é um criar constante, no caso do direito autoral é uma luta constante” FERNANDO BRANT, presidente da UBC “Nossa conquista é ter a consciência de que, já que é difícil o compositor vir, a gente vai até ele” SANDRA DE SÁ, cantora e diretora da UBC CURTAS FIT Bahia leva teatro para Lauro de Freitas Começa hoje e vai até dia 29, em Lauro de Freitas, a 8ª edição do FIT Bahia 2014 – Festival Ipitanga de Teatro, que traz 24 espetáculos, nas categorias teatro de rua, teatro adulto e teatro infanto-juvenil. Os espe- táculos, oriundos de dez esta- dos brasileiros, serão apresen- tados no Cine Teatro de Lauro de Freitas, na Praça da Matriz, Largo do Caranguejo, Praça do Jambeiro e na comunidade qui- lombola Quingoma. Os grupos participantes também ofere- cem oficinas gratuitas para a comunidade. Livro traz panorama de autores baianos A Secretaria de Cultura do Go- verno do Estado da Bahia pro- move o lançamento do segun- do volume do livro Autores Baianos: Um Panorama.O evento acontece nesta terça às 19h, no Goethe-Institut/Icba (Corredor da Vitória). A publi- cação em quatro idiomas apre- senta 12 nomes que represen- tam a atual produção literária da Bahia. A proposta é de que a obra seja utilizada em feiras e eventos literários internacio- nais, com distribuição estraté- gica, direcionada a agentes li- terários e editoras. Programação inclui apresentações gratuitas ou com preços populares, além de oficinas de teatro Em português, inglês, alemão e espanhol, a obra busca estimular a tradução de escritores da Bahia Emilio Rodrigué e seu legado de luta por uma psicanálise libertária e criativa Urania Tourinho Peres Psicanalista e membro da ALB [email protected] O Colégio de Psicanálise da Ba- hia, com o apoio de Cassandra, instituição psicanalítica de Cór- doba, Argentina, realizou em 2010 um colóquio para home- nagear Emilio Rodrigué. Partici- param do evento um grupo baia- no, que, durante os anos em que aqui viveu Rodrigué, manteve uma intensa e rica convivência com o psicanalista argentino. O grupo de Cassandra conhe- ceu Emilio Rodrigué através de seus livros e do filme Heroína, baseado no romance de mesmo nome. Entusiasmados, seus in- tegrantes realizaram um intenso estudo da obra do psicanalista e organizaram um seminário para então expor e debater as ideias aí desenvolvidas. Fui convidada para proferir uma conferência nesse encontro, e percebi a riqueza de um con- fronto entre um grupo que falava da obra de um autor e outro grupo que havia acompanhado e participado do surgimento da maior parte dessa obra. Tivemos, então, a ideia de reunir os dois grupos em um colóquio, no qual os baianos apresentariam depoimentos da convivência com o psicanalista, e os cordobeses textos de en- sinamentos extraídos das obras do mesmo. O Colóquio Emilio Rodrigué aconteceu no espaço do Centro de Estudos Bahianos, na Univer- sidade Federal da Bahia – Ufba, em 28 e 29 de maio de 2010. Emilio Rodrigué nos deixou um legado de luta por uma psica- nálise libertária e criativa, longe das mestrias e hierarquias, lugar de invenção. A clínica psicanalítica é uma clínica transgressora, na medida em que não se faz acon- tecer fora da estrita observância dos limites da singular subjeti- vidade de quem a ela recorre. O livro Emilio Rodrigué: Velho Analista do Tempo Novo não se constitui como Anais do coló- quio, pois muitos textos foram revistos e ampliados e mesmo reescritos, sendo a eles acres- centado o discurso que home- nageou Rodrigué, quando rece- beu o título de Doutor Honoris Causa, pós mortem, pela Ufba. Inspiração do mar Emilio Rodrigué dizia que se tor- nou escritor na Bahia, ainda que Heroína, sua primeira novela, te- nha sido escrita na Argentina. Heroína, como reconhece, “fala de outro tempo, outro mundo” (Rodrigué, 1987). Ele admitia receber, sobretudo do mar, dos coqueiros e das praias baianas, uma força cria- tiva, uma liberdade inovadora. Soube ser baiano como poucos e, por isso mesmo, recebeu o título de Cidadão Soteropolitano e o de Doutor Honoris Causa da Ufba, tristemente post mortem. Escrever era uma prática diá- ria, e orgulhava-se das páginas escritas sem rasura. Queixava-se apenas de que costumava pla- giar e plagiar-se com muita fre- quência, ainda que considerasse o plágio “um crime hediondo”, muito embora fascinante (Ro- drigué, 1996a, p.11). Nutriauma forteadmiraçãopor si e pela sua produção, repetindo, sem muito pudor, que era um cidadão notável, homem de gran- de sabedoria. Essa avaliação, con- tudo, não partia de uma vaidade desmesurada, uma vaidade no- civa, mas era fruto de uma rara capacidade de poder retirar de coisas simples, e aparentemente desprovidas de maior interesse, uma conclusão significativa. Era homem de grandes co- lheitas, investia em imensos campos e semeava inúmeras se- mentes. Pela experiência de vi- da e talvez por decisão própria, dizia-se possuidor de boa dose de imunidade, que lhe outor- gava direitos de apenas atender e responder ao que de fato lhe interessava. Dizia brincando que o seu autismo era-lhe muito útil quando estava frente a uma situação ou a um grupo que lhe desagradava. Era curioso, sempre interroga- tivo em relação às pessoas, como se estivesse, a todo instante, pronto para receber alguma re- velação que lhe poderia ser útil. Nos últimos anos, dizia-se um homem feliz e estava convicto de que iria transmitir à velhice uma sabedoria de viver. O corpo, a sexualidade, a liberdade de atuar e pensar eram companhei- ros constantes. Acreditava que ultrapassaria os 100 anos, mas a morte o surpreendeu. Que legado nos deixou? Que lição transmitiu ao longo de sua vida de homem e psicanalista inquieto? E, mais do que isso, de que transmissão se trata, quan- do interrogamos a lição trans- mitida? Será que, em algum momento, quis transmitir algu- ma lição? Não saberia dizer. O certo é que era um bom ouvinte, sabia colocar-se como aluno, pronto a apreender as lições que lhe vinham de Colita, o cão, e de Ondina, a praia. Certa vez, escrevi que os seus depoimentos e a sua literatura testemunhal poderiam nos per- mitir demarcar, com muita fa- cilidade, períodos bem distintos em sua vida e em sua produção. Talvez, entre essas demarcações pudesse estar presente a mais radical e também a mais simples de todas, a que usaria a sua condição de exilado como fron- teira. Ou seja, antes e depois de Salvador-Bahia tornar-se sua terra por eleição, quando aban- donou o paletó e a gravata pela bermuda e a camiseta e viveu em intenso contato com a na- tureza, tendo, sobretudo com o mar, uma relação de fascínio. Foi em um mergulho no mar que recebeu como um raio a evidência de sua divisão. A es- tranheza de Colita, o cachorro acompanhante na praia, que o cumprimentou com um latido inesperado, deu-lhe a certeza, naquele dia, de que latia por percebê-lo outro. EMILIO RODRIGUÉ: VELHO ANALISTA DO TEMPO NOVO (ORG. URÂNIA TOURINHO PERES E GRISELDA PÊPE) / LANÇAMENTO DIA 24, ÀS 18H / PALÁCIO DA REITORIA, CANELA Livro reúne textos ampliados e revisados de um colóquio sobre o psicanalista argentino Divulgação Rodrigué (Londres), antes de trocar o terno pela bermuda na Bahia

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Publicada em 22.11.2014 no Caderno 2+, jornal A TARDE

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Page 1: Encontro sobre Direitos Autorais do compositor

SALVADOR SÁBADO 22/11/2014 32

É tempo de colher jacas

Contam que Fernando Sabino,aquele do romance O EncontroMarcado, apesar de mineiro echegado a Juscelino desespe-rou-se em Brasília. Saltou do tá-xi com a mala na mão e se per-deu à porta do endereço bus-cado. Olhou várias vezes em vol-ta: não havia calçada, tudo eraigual a uma floresta de euca-liptos.

Abordou, por fim, uma se-nhora que aparentemente iatrabalhar. Ela apontou-lhe o edi-fício e sorriu. Sabino, no pórtico,olhava umas letras maiúsculas:SQW. Queria o nome da rua;percebia, agora, que ali não ba-tizavam os logradouros públicoscom o nome de personalidadescomo Jorge Amado ou LuizEduardo Magalhães. Uma horadepois, perdido o encontro comPaulo Mendes Campos e OttoLara Resende, chegava ao ae-roporto, pegava um avião para

o Rio e Ipanema.Pergunto à escritora Eglê Ma-

lheiros, que passa uma tempo-rada na capital com Salim Mi-guel, que nota ela dá a Bra-sília.

– Ao povo, 10. À cidade, 2.Pois quanto a mim, digo que

Brasília me agrada. Gosto dosilêncio espesso, seja feriado oudia útil; gosto da sesta, da inér-cia, da lua baixa e grande, muitoamarela, com que fui saudadoaochegar;sónãoaprecioocalorúmido, que já escalou um oudois pontos sempre que olho,curioso, o mostrador do termô-metro público.

As brisas do Lago Sul chegamexangues, quase desfalecidas àmesa do restaurante. De ma-drugada, a temperatura cai, osvândalos atmosféricos estreme-

cem as vidraças do Palácio daAlvorada.

E, no entanto, a cidade estábem arborizada, com exempla-res da flora tropical, e nesse sen-tido, apenas nesse dispensa oambientalismo de Marina. Estáchegando a época de colhermangas e jacas. As jaqueiras es-tão carregadas de frutos que re-pontam do tronco, dos galhos,de raízes expostas, aos cachos.Teremos jacas e mangas comfartura para parlamentares eexecutivos,senãofossemquasetodos bolivarianos e não amas-sem as iguarias importadas.

O sergipano Paulo Dantas es-creveu uma vez, em livro de ado-lescente nas letras, quando mo-rava no sul baiano: ‘’Itabuna,terra que dá pão aos desgra-çados e ouro aos coronéis. ''Dava, Paulo, dava. A paródiavem em louvor à sua memória:Brasília, terra que dá supersa-lários aos governantes, legisla-dores e magistrados, e mangase jacas aos candangos.

Prefiro jacas, quando trazempingos de mel, a maçãs, uvas eperas, incluindo as maçãs hún-garas, que são muito verme-lhas, talvez envenenadas pela

bruxa adversária de Branca deNeve. Quanto a mangas, as deItaparica levam a palma.

Mas nem tudo são frutas efrutos. As flores anteciparam aprimavera, com muito escânda-lo de tons e entretons. Os ipêsrebentam em flores alvas, ala-ranjadas, amarelas. Creio quesejam ipês, sou apedeuta embotânica e não posso recorrer aJose de Alencar, que escreveuum romance sobre um deles.Mas aqui no planalto ninguémsabe quem foi o distinto, a mi-nistra Martha Suplicy acaba depedir as contas na pasta da Cul-tura .

Nota 8 para Brasília. Um no-ticioso nos adverte que a cri-minalidade corre de rédea solta.Estupros, assaltos nas ruas, as-saltos a lojas e apartamentos,sequestros curtos e demorados.Fora da Esplanada dos Minis-térios, salve-se quem puder. So-mente a lua que nos banha pa-rece incorruptível. E pensar quetais mazelas ocorrem na sede dopoder, em pleno paraíso fiscal,com guarda real e polícia nu-merosa... Bem, restam-nos asjacas, a corrida às jacas nestegrande prêmio Brasil.

Fora da Esplanada,salve-se quempuder. Somentea lua pareceincorruptível

Hélio PólvoraEscritor, membro da Academiade Letras da Bahia

ENCONTRO

Grandes nomes da música discutem avalorização dos direitos autorais na arteGISLENE RAMOS

Você prepara uma festa. Espaço,decoração, buffet, roupas. Tudoé planejado e pago, muitas ve-zes altos valores. Contrata umabanda, paga o cachê. Mas e asmúsicas? Será que há uma preo-cupação em pagar ao compo-sitor? Eis a questão.

Vinculadas ao Escritório Cen-tral de Arrecadação e Distribui-ção (Ecad), instituições como aUnião Brasileira de Composito-res (UBC) administram as rela-ções dos direitos autorais e bus-cam a valorização do trabalhodo autor musical.

Na última segunda-feira, aUBC, em evento comemorativo,reuniu diversos artistas, entremúsicos, compositores e produ-tores musicais para discutir a va-lorização do compositor.

Entre eles, o presidente daUBC e compositor FernandoBrant; o cantor e compositorManno Góes; a cantora, com-positora e atual diretora da UBCSandra de Sá e muitos outros.

Artistas como Luiz Caldas,Waltinho Queiroz, AlexandreLeão e Jorge Moreno marcarampresença. Além do grande ho-menageado da noite, o sam-bista baiano Riachão.

Direito em debateRonaldo Bastos, um dos prin-cipais letristas do Clube da Es-quina e atual diretor de Comu-nicação da UBC, afirma sobre anoção do direito autoral no país:“O simples reconhecimento deque essa atividade é um tra-balho e que precisa ser remu-nerada é uma conquista".

Manno Góes completa: “Nos-sa maior vitória foi a quebra dainadimplência por parte degrandes empresas de TV e rádioque negligenciavam o paga-mento de direitos autorais".

A carioca Sandra de Sá co-menta: “As pessoas falam muitoque o Ecad não paga, mas nin-guémcomentaainadimplência,nem o que não é pago ao Ecad”.E completa: “É uma maioria quenão se interessa e nossa con-

quista é ter a consciência de que,já que é difícil o compositor vir,a gente vai até ele”.

Parceiro de Milton Nascimen-to, Fernando Brant diz sobre asdificuldades no meio: “Se namúsica é um criar constante, nocaso do direito autoral é umaluta constante”.

O compositorPara o guitarrista e compositorGraco, da banda Scambo, “é im-portante que se crie uma culturade valorizar o trabalho do com-positor, que artistas se preocu-pem em informar o nome docompositor em seus shows”.

“O artista tem que se infor-mar. O compositor tem que que-rer e fazer a sua parte”, com-plementa Manno Góes.

“A gente poderia viver nummundo em que as pessoas ti-vessem mais tempo livre e me-lhores condições de vida paraseremmaiscriativaseassimme-lhorar o mundo com criações”,afirma o letrista mineiro Ronal-do Bastos.

Lucio Tavora/ Ag. A TARDE

Membros da União Brasileira de Compositores (UBC), Manno Góes, Fernando Brant e Sandra de Sá

“O artista tem quese informar. Ocompositor tem quequerer e fazer asua parte”MANNO GÓES, compositor e membro UBC

“Se na música éum criar constante,no caso do direitoautoral é uma lutaconstante”FERNANDO BRANT, presidente da UBC

“Nossa conquista éter a consciência deque, já que é difícilo compositor vir, agente vai até ele”SANDRA DE SÁ, cantora e diretora da UBC

CURTAS

FIT Bahia leva teatropara Lauro de Freitas

Começa hoje e vai até dia 29,em Lauro de Freitas, a 8ª ediçãodo FIT Bahia 2014 – FestivalIpitanga de Teatro, que traz 24espetáculos, nas categoriasteatro de rua, teatro adulto eteatro infanto-juvenil. Os espe-táculos, oriundos de dez esta-dos brasileiros, serão apresen-tados no Cine Teatro de Laurode Freitas, na Praça da Matriz,Largo do Caranguejo, Praça doJambeiro e na comunidade qui-lombola Quingoma. Os gruposparticipantes também ofere-cem oficinas gratuitas para acomunidade.

Livro traz panoramade autores baianos

A Secretaria de Cultura do Go-verno do Estado da Bahia pro-move o lançamento do segun-do volume do livro AutoresBaianos: Um Panorama. Oevento acontece nesta terça às19h, no Goethe-Institut/Icba(Corredor da Vitória). A publi-cação em quatro idiomas apre-senta 12 nomes que represen-tam a atual produção literáriada Bahia. A proposta é de quea obra seja utilizada em feiras eeventos literários internacio-nais, com distribuição estraté-gica, direcionada a agentes li-terários e editoras.

Programação incluiapresentaçõesgratuitas ou compreços populares,além de oficinas deteatro

Em português,inglês, alemão eespanhol, a obrabusca estimular atradução deescritores da Bahia

Emilio Rodrigué e seu legado de luta por uma psicanálise libertária e criativa

Urania Tourinho PeresPsicanalista e membro da ALB

[email protected]

O Colégio de Psicanálise da Ba-hia, com o apoio de Cassandra,instituição psicanalítica de Cór-doba, Argentina, realizou em2010 um colóquio para home-nagear Emilio Rodrigué. Partici-param do evento um grupo baia-no, que, durante os anos em queaqui viveu Rodrigué, manteveuma intensa e rica convivênciacom o psicanalista argentino.

O grupo de Cassandra conhe-ceu Emilio Rodrigué através deseus livros e do filme Heroína,baseado no romance de mesmonome. Entusiasmados, seus in-tegrantesrealizaramumintensoestudo da obra do psicanalista eorganizaram um seminário paraentão expor e debater as ideiasaí desenvolvidas.

Fui convidada para proferirumaconferêncianesseencontro,e percebi a riqueza de um con-frontoentreumgrupoquefalavada obra de um autor e outrogrupo que havia acompanhadoe participado do surgimento damaior parte dessa obra.

Tivemos, então, a ideia dereunir os dois grupos em umcolóquio, no qual os baianosapresentariam depoimentos daconvivência com o psicanalista,e os cordobeses textos de en-sinamentos extraídos das obras

do mesmo.O Colóquio Emilio Rodrigué

aconteceu no espaço do Centrode Estudos Bahianos, na Univer-sidade Federal da Bahia – Ufba,em 28 e 29 de maio de 2010.

EmilioRodriguénosdeixouumlegado de luta por uma psica-nálise libertária e criativa, longedas mestrias e hierarquias, lugardeinvenção.Aclínicapsicanalíticaé uma clínica transgressora, namedida em que não se faz acon-tecer fora da estrita observânciados limites da singular subjeti-vidade de quem a ela recorre.

O livro Emilio Rodrigué: VelhoAnalista do Tempo Novo não seconstitui como Anais do coló-quio, pois muitos textos foramrevistos e ampliados e mesmoreescritos, sendo a eles acres-centado o discurso que home-nageou Rodrigué, quando rece-beu o título de Doutor HonorisCausa, pós mortem, pela Ufba.

Inspiração do marEmilio Rodrigué dizia que se tor-nou escritor na Bahia, ainda queHeroína, suaprimeiranovela, te-nha sido escrita na Argentina.Heroína, como reconhece, “falade outro tempo, outro mundo”(Rodrigué, 1987).

Eleadmitiareceber,sobretudodo mar, dos coqueiros e daspraias baianas, uma força cria-tiva, uma liberdade inovadora.Soubeserbaianocomopoucose,por isso mesmo, recebeu o títulodeCidadãoSoteropolitanoeodeDoutor Honoris Causa da Ufba,

tristemente post mortem.Escrever era uma prática diá-

ria, e orgulhava-se das páginasescritassemrasura.Queixava-seapenas de que costumava pla-giar e plagiar-se com muita fre-quência, ainda que considerasseo plágio “um crime hediondo”,muito embora fascinante (Ro-drigué, 1996a, p.11).

Nutriaumaforteadmiraçãoporsi e pela sua produção, repetindo,sem muito pudor, que era umcidadãonotável,homemdegran-de sabedoria. Essa avaliação, con-tudo, não partia de uma vaidadedesmesurada, uma vaidade no-civa, mas era fruto de uma raracapacidade de poder retirar decoisas simples, e aparentementedesprovidas de maior interesse,uma conclusão significativa.

Era homem de grandes co-lheitas, investia em imensoscampos e semeava inúmeras se-mentes. Pela experiência de vi-da e talvez por decisão própria,dizia-se possuidor de boa dosede imunidade, que lhe outor-gava direitos de apenas atendere responder ao que de fato lheinteressava. Dizia brincandoque o seu autismo era-lhe muitoútil quando estava frente a umasituação ou a um grupo que lhedesagradava.

Era curioso, sempre interroga-tivoemrelaçãoàspessoas,comose estivesse, a todo instante,pronto para receber alguma re-velação que lhe poderia ser útil.Nos últimos anos, dizia-se umhomem feliz e estava convicto de

que iria transmitir à velhice umasabedoria de viver. O corpo, asexualidade, a liberdade deatuar e pensar eram companhei-ros constantes. Acreditava queultrapassaria os 100 anos, mas amorte o surpreendeu.

Que legado nos deixou? Quelição transmitiu ao longo de suavida de homem e psicanalistainquieto? E, mais do que isso, de

que transmissão se trata, quan-do interrogamos a lição trans-mitida? Será que, em algummomento, quis transmitir algu-ma lição? Não saberia dizer.

O certo é que era um bomouvinte, sabia colocar-se comoaluno, pronto a apreender aslições que lhe vinham de Colita,o cão, e de Ondina, a praia.

Certa vez, escrevi que os seusdepoimentos e a sua literaturatestemunhal poderiam nos per-mitir demarcar, com muita fa-cilidade, períodos bem distintosem sua vida e em sua produção.Talvez, entre essas demarcaçõespudesse estar presente a maisradicale tambémamaissimplesde todas, a que usaria a suacondição de exilado como fron-teira. Ou seja, antes e depois deSalvador-Bahia tornar-se suaterra por eleição, quando aban-donou o paletó e a gravata pelabermuda e a camiseta e viveuem intenso contato com a na-tureza, tendo, sobretudo com omar, uma relação de fascínio.

Foi em um mergulho no marque recebeu como um raio aevidência de sua divisão. A es-tranheza de Colita, o cachorroacompanhante na praia, que ocumprimentou com um latidoinesperado, deu-lhe a certeza,naquele dia, de que latia porpercebê-lo outro.

EMILIO RODRIGUÉ: VELHO ANALISTA DO

TEMPO NOVO (ORG. URÂNIA TOURINHO

PERES E GRISELDA PÊPE) / LANÇAMENTO DIA

24, ÀS 18H / PALÁCIO DA REITORIA, CANELA

Livro reúne textosampliados erevisados de umcolóquio sobre opsicanalistaargentino

Divulgação

Rodrigué (Londres), antes de trocar o terno pela bermuda na Bahia