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ENCONTRO DE ESTUDOS TERRORISMO

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Presidente da RepúblicaLuiz Inácio Lula da Silva

Vice-Presidente da RepúblicaJosé Alencar Gomes da Silva

Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança InstitucionalJorge Armando Felix

Secretário de Acompanhamento e Estudos InstitucionaisJosé Alberto Cunha Couto

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PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICAGABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONAL

SECRETARIA DE ACOMPANHAMENTO E ESTUDOS INSTITUCIONAIS

Brasília2006

ENCONTRO DE ESTUDOSTERRORISMO

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Catalogação feita pela Biblioteca da Presidência da República

Edição: Secretaria de Acompanhamento e Estudos InstitucionaisEndereço para correspondência:Praça dos Três PoderesPalácio do Planalto, 4° andar, sala 130Brasília - DF CEP 70150 - 900Telefone: (61) 3411 1374 Fax: (61) 3411 1297E-mail: [email protected]

Criação e editoração eletrônica: CT Comunicação LtdaImpressão: Gráfica da Agência Brasileira de Inteligência A presente publicação expressa a opinião dos autores dos textos e não reflete, necessariamente, a posição do Gabinete de Segurança Institucional.

E n c o n t r o d e E s t u d o s : T e r r o r i s m o ( B r a s í l i a : 2 0 0 5 ) . Encontro de Estudos:Terrorismo. Brasília: Presidência da República, Gabinete de Segurança Institucional, Secretaria de Acompanhamento e Estudos Institucionais, 2006.180 p.

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CDD –341.26

1.Terrorismo. 2.Faces do Terrorismo. 3. Resposta às Ações Terroristas. I. Título II. Presidência da República.

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IApresentação .................................................................................................... 07

I IExposição Inicial: Possíveis implicações econômicas de ações terroristas

Embaixador Rubens RicuperoFundação Armando Álvares Penteado........................................................ 11

I I I As múltiplas faces do terrorismo e a probabilidade de ocorrência de atentados no Brasil

Professor Francisco Carlos Teixeira Da Silva Universidade Federal do Rio de Janeiro........................................................ 29Professor Salvador RazaFaculdades de Campinas............................................................................... 41

IVMedidas preventivas e de combate ao terrorismo implementadas nos fóruns internacionais e possíveis implicações para o Brasil

Professor Anselmo PáschoaPontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro..................................... 65Professor Leonardo Nemer Caldeira BrantUniversidade Federal de Minas Gerais........................................................... 74

VTerrorismo no Brasil: prevenção e combate

Dr. Carlos Augusto Canêdo Gonçalves da SilvaProcuradoria-Geral de Minas Gerais.............................................................. 91General-de-Brigada Marco Aurélio Costa VieiraComando do Exército...................................................................................... 108Delegado Daniel Lorenz de AzevedoPolícia Federal................................................................................................... 120Capitão-de-Mar-e-Guerra Waltercio José de Queiroz SeixasComando da Marinha..................................................................................... 127

VIArtigo: O Terrorismo de Massas na Nova Ordem MundialProfessor Francisco Carlos Teixeira Da SilvaUniversidade Federal do Rio de Janeiro........................................................ 141

Sumário

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APRESENTAÇÃO

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O Encontro de Estudos Terrorismo, promovido pela Secretaria de Acompanhamento e Estudos Institucionais do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, foi realizado no dia 28 de setembro de 2005, no Auditório de Videodifusão do Palácio do Planalto.

O Encontro teve como objetivo principal discutir questões relacionadas à segurança no que se refere às possíveis ações terroristas no Brasil. Além da exposição inicial, feita pelo Embaixador Rubens Ricupero, foram apresentados três painéis que trataram de subtemas relacionados ao tema Terrorismo.

Os palestrantes foram: Embaixador Rubens Ricupero, da Faculdade de Economia da Fundação Armando Álvares Penteado; Professor Francisco Carlos Teixeira Da Silva, da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Professor Salvador Raza, da Faculdades de Campinas; Professor Anselmo Páschoa, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; Professor Leonardo Nemer Caldeira Brant, da Universidade Federal de Minas Gerais; Doutor Carlos Augusto Canêdo Gonçalves da Silva, da Procuradoria-Geral de Minas Gerais; General-de-Brigada Marco Aurélio Costa Vieira, do Comando do Exército; Delegado Daniel Lorenz de Azevedo, da Polícia Federal; e Capitão-de-Mar-e-Guerra Waltercio José de Queiroz Seixas, do Comando da Marinha. Participaram, ainda, do Encontro representantes de diversos órgãos governamentais, acadêmicos e instituições não-governamentais.

O General Felix proferiu as palavras de abertura do Encontro. Iniciou tecendo comentários acerca da preocupação com segurança nacional, o que justifica o tema do Encontro. Dentre os subtemas discutidos no Encontro, ele destacou as possíveis ações de contra-terrorismo.

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O General Felix mencionou o fato de a Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional ter proposto, para a chamada biodefesa, a criação de um laboratório de biossegurança de nível quatro, que será o primeiro da América do Sul. Ele destacou a presença de representantes de diversos órgãos que se preocupam com o tema Terrorismo, tais como Ministério das Relações Exteriores, Polícia Federal, a Agência Brasileira de Inteligência e Gabinete de Segurança Institucional, dentre outros.

O General Felix encerrou sua apresentação mencionando a questão da idéia da prospectiva, segundo a qual, se não podemos, exatamente, prever o futuro, pelo menos temos a obrigação de caracterizar os chamados fatos portadores de futuro, e tentar moldá-los, de modo que o futuro seja aquele que mais nos interessa.

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ExPOSiÇÃO iNiciAl: POSSívEiS imPlicAÇõES EcONômicAS dE AÇõES TERRORiSTAS

Embaixador Rubens Ricupero

Fundação Armando Álvares Penteado

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O Embaixador Ricupero iniciou sua fala ressaltando que a escolha do tema do Encontro não poderia ter sido mais oportuna, dada a importância que tem sido atribuída à questão do terrorismo internacional, que é, praticamente, o tema central da agenda internacional. O recente Encontro de Cúpula, que ocorreu em Nova York e reuniu mais de 150 Chefes de Estado, teve como questão crucial o combate ao terrorismo internacional. Este tema e a preocupação com a questão da não-proliferação de armas de destruição em massa, que também constitui outro assunto apresentado por potências como os Estados Unidos e Grã-Bretanha, são temas que parecem constituir as duas grandes novas ameaças globais. Entretanto, mesmo a matéria da não-proliferação é vista sob o ângulo do perigo de que uma arma de destruição em massa possa cair em mãos de grupos terroristas e venha a ser utilizada como instrumento de ações do campo.

Este tema já não é mais tratado como em 1967, quando se assinou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear e que a ótica era, sobretudo, o perigo para os Estados. Atualmente, o perigo maior parece ser o de que isso venha, algum dia, se constituir uma arma no arsenal terrorista, com conseqüências incalculáveis, pois como se sabe, a grande limitação que o terrorismo sempre teve é o fato de que, embora o impacto dos ataques no momento seja muito grande, ele nunca dominou armas suficientemente destrutivas para fazer com o que este impacto fosse decisivo. E, justamente, pelo fato de o terrorismo não ser capaz de aniquilar o adversário, é que ele sempre foi definido como um tipo de ação que provoca uma contra-reação muito mais forte. Porém, este quadro poderia mudar caso, um dia, o terrorismo mudasse de qualidade, passando a ter o domínio de armas de um poder destrutivo que, atualmente, ainda não comporta.

Para mostrar como esta é, de fato, uma preocupação central das Nações Unidas, o Embaixador Rubens Ricupero mencionou

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que ocupou, durante nove anos, o cargo de Secretário-Geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, e, também, Representante Permanente das Nações Unidas em Genebra, ocasião em que pode observar como este tema passou a dominar a agenda de discussões.

Segundo o Embaixador, o Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, afirma, em um artigo publicado no dia 19 de setembro de 2005 que, de fato, o Encontro das Nações Unidas não chegou a um consenso sobre uma definição jurídica de Terrorismo, como ele desejava, e que havia proposto em seu relatório. Entretanto, o Secretário destacou que este documento, chamado de Documento de Resultados, acordado por todos os Estados-membros, contém, pela primeira vez na história das Nações Unidas, uma condenação ao Terrorismo, em todas as suas formas e manifestações, cometido por quem quer que seja, onde quer que seja e por qualquer propósito que seja. Uma condenação absoluta e sem exceções, portanto.

Segundo o Embaixador, além dessa condenação clara, que não chega a ser propriamente a definição jurídica, houve um acordo para que, nos próximos 12 meses, se conclua uma Convenção abrangente sobre o Terrorismo. Trata-se de uma Convenção internacional com força de lei e que se tornará parte da legislação interna dos Estados, inclusive da própria legislação do Brasil.

Mencionou, ainda, que neste Encontro da Organização das Nações Unidas (ONU) houve um acordo para forjar uma estratégia global contra o terrorismo, abrangendo, portanto, toda a comunidade internacional e que, cada país, deveria contribuir para o desenvolvimento desta estratégia.

O Embaixador afirmou ter citado as palavras do Secretário da ONU pelo fato de não saber se os brasileiros estão conscientes

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de que o Brasil está às vésperas de concluir uma negociação e de iniciar a elaboração de uma estratégia que certamente envolverá, mais especificamente, um órgão que possa coordenar estes esforços. Segundo ele, caso o Brasil não queira participar desta negociação de uma forma passiva e, simplesmente, opte por importar o que outros países apresentem como contribuição, de acordo com a perspectiva destes, que embora legítima, pode não coincidir com a nossa, se o país não quiser agir desta maneira, terá de preparar suas próprias propostas. O Embaixador questiona se o país já tem clareza desta questão, visto que ela extrapola o âmbito apenas da chancelaria.

No que tange ao tema Terrorismo, três perguntas devem ser consideradas: qual é a definição do terrorismo? Qual é a Convenção que gostaríamos de ter? E qual é a estratégia global antiterrorista que gostaríamos que o Brasil ajudasse a criar? Segundo o Embaixador, a dificuldade da definição é que há países, sobretudo ligados à área do Oriente Médio, que relutam em condenar toda a forma de luta armada, pelo fato de ser interesse deles a exclusão dos chamados combatentes pela liberdade, bem como as guerrilhas em países como a Palestina, além do uso do terrorismo pelos grupos mais débeis, os quais não são levados a sério dentro de um processo institucionalizado de mudança do status quo.

Apesar desta relutância, a definição de terrorismo está ganhando corpo, visto que ela já estava presente no relatório do Secretário-Geral, datado de março do corrente ano, e cujo título é “Uma liberdade mais ampla em direção ao desenvolvimento, segurança e direitos humanos para todos”. Este relatório, que foi a base do Encontro de Cúpula, foi inspirado na Comissão de Alto Nível que o Secretário-Geral nomeou e que tinha como membro o Embaixador Baena Soares, representante do Brasil. Esta Comissão tratava de assuntos relativos aos novos desafios, ameaças globais e mudança.

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O palestrante leu a sugestão de definição de terrorismo, feita neste documento da Comissão: “qualquer ato que vise causar a morte ou danos corporais graves a civis ou não combatentes, com o objetivo de intimidar uma população ou obrigar um governo ou uma organização internacional a praticar ou abster-se de praticar um ato, constitui uma forma de terrorismo”. Esta, portanto, é a definição proposta para terrorismo e que serviria como base da Convenção que se quer negociar. O palestrante reiterou que ainda não há consenso quanto a esta definição, tendo em vista as situações como as que se encontram nos países do Oriente Médio, sobretudo a falta de uma solução negociada entre Israel e os Palestinos.

No que tange aos possíveis impactos em termos econômicos, segundo o Embaixador Rubens Ricupero, o impacto econômico, no passado, não era uma motivação muito relevante dos atos terroristas, pois ao se considerar, por exemplo, o que foi no Ocidente, tanto na Europa como nos Estados Unidos, no fim do século XVIII e no começo do século XX, a ofensiva do Anarquismo e do Niilismo, fica claro que, naquela época, estas ações visavam, sobretudo, o efeito do grande impacto psicológico, do grande choque. Uma das teorias que estava por trás do terror era a idéia de que através do terror e do contra-terror era possível mobilizar as massas oprimidas contra a opressão, e uma das armas preferidas era o assassinato de chefes de Estado. Houve um período em que os anarquistas lograram realizar, em um curto espaço de tempo, grandes atentados. Um exemplo é o assassinato da Imperatriz Elizabeth da Áustria, o assassinato do Presidente Carnot da França, o assassinato do rei da Iugoslávia, do rei da Itália, dentre outros. Houve, portanto, diversos atentados que se concentraram em um curto espaço de tempo e que chegaram a criar, na mentalidade ocidental, um terror ao anarquismo, semelhantemente ao que hoje existe em relação à Al Quaeda. Na ocasião, havia uma tendência de se verem anarquistas e comunistas por todos os lados.

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Apesar da atuação do Anarquismo, naquela época não havia uma preocupação motivada pela economia. Entretanto, o atentado de 11 de setembro de 2001 não foi, exclusivamente, motivado por considerações econômicas, tendo em vista que ele atingiu o Pentágono, e havia, talvez, planos de atingir o Congresso e a Casa Branca. Porém, o mais espetacular deste atentado foi que ele atingiu o quarteirão da Bolsa de Nova York, atingiu, intencionalmente, o coração do capitalismo global, pois eles escolheram o World Trade Center com a intenção de desfechar um golpe simbólico que fosse direto ao coração do capitalismo global. Não há duvidas de que, naquele momento, eles quase conseguiram balançar a economia global, pelo menos por uns dias, pois após os atentados, as autoridades financeiras americanas fecharam os mercados durante vários dias e, neste espaço de tempo, foi montada uma das operações mais eficientes da história da coordenação econômica em nível mundial. Até hoje resta por contar a história dessa coordenação que pouco foi revelada, mas durante estes poucos dias em que as Bolsas ficaram fechadas, o Federal Reserve e o seu presidente, Allan Greenspan, discretamente, e sem nenhuma publicação nos jornais, coordenaram uma ação coletiva, simultânea, de todos os Bancos Centrais dos países mais importantes do mundo, de uma baixa significativa das taxas de juros e, ao mesmo tempo, de uma injeção de recursos na economia de trilhões de dólares. Não se sabe, até hoje, qual foi a quantia injetada na economia ocidental, sabe-se apenas que foi uma quantia colossal nos primeiros dias, pois a idéia era não permitir que, no momento da reabertura da bolsa, houvesse uma escassez de finanças que pudesse levar a um colapso das cotações, visto se saber que, na abertura, haveria um movimento de baixa, mas era preciso irrigar o mercado financeiro de tal forma que qualquer tentativa de baixa fosse afogada em um mar de dinheiro. E foi exatamente o que aconteceu, visto que, em poucos dias, a Bolsa se pôs em marcha, novamente.

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Esta coordenação continuou nas semanas seguintes ao atentado de 11 de setembro, já que, logo depois, foi realizado um excelente trabalho a fim de apertar os controles da circulação de recursos financeiros. Aqui no Brasil, montou-se uma escala planetária com um sistema para tentar chegar, tão longe quanto possível, à origem dos recursos financeiros que estão na raiz do custeio das operações terroristas. Somente não se chegou aos extremos porque houve um momento em que a própria comunidade financeira e bancária, nos Estados Unidos e na Inglaterra, começou a reagir com medo de que isso pudesse abalar os mercados, e que criasse teias excessivas na liberdade das operações financeiras. Por isso é que os paraísos fiscais, por exemplo, não foram inteiramente domesticados como se esperava. Houve um momento em que, no fundo, os próprios tesouros da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos preferiram limitar esses movimentos.

No que se refere ao balanço desse impacto econômico, o Embaixador Rubens Ricupero afirmou que, embora não se possa negar que, a despeito dos outros atentados que sucederam o 11 de setembro, como o atentado em Madri, por exemplo, e das críticas de que estamos vivendo um período chamado por alguns de economia de guerra, visto que não faltaram as comparações de que a luta contra o terrorismo é como uma terceira guerra mundial, a despeito disso, tivemos alguns dos melhores anos na economia mundial. No ano do atentado terrorista, 2001, os Estados Unidos conheceram, no final do ano, depois do atentado, uma pequena recessão de curta duração, e está provado que esta recessão já havia começado em março, portanto, seis meses antes do atentado e que ela teve origem na política de juros e na reação ao pânico do ano 2000, quando se esperava que houvesse um grande problema com os computadores e não houve, e ela teve origem ainda no primeiro aumento do petróleo. Portanto, todos

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estes fatos eram anteriores aos atentados terroristas. Os atentados, evidentemente, tiveram um impacto no desencadeamento da recessão. Embora não se possa quantificar, precisamente, de quanto foi este impacto, seguramente ele ocorreu.

A verdade é que este impacto não foi duradouro, e isso se deu, em parte, pela atuação do Federal Reserve, que vem tendo um desempenho magistral desde que o Allan Greenspan assumiu a presidência. Ainda na época do Presidente Reagan, nos anos 80, o Federal Reserve já tinha um desempenho extraordinário em conciliar os objetivos que fazem parte do seu mandato, como a estabilidade de preço, portanto, o combate à inflação com crescimento econômico e com a geração de empregos. Eles têm obtido um êxito extraordinário, enquanto nenhum outro Banco Central no mundo tem tido resultados comparáveis.Temerosos do impacto do atentado de 11 de setembro, eles se esmeraram ainda mais no ano de 2002, que é considerado um ano de recuperação; em 2003, a recuperação se consolidou; e o ano de 2004 foi um dos melhores da economia mundial em 30 anos. No último ano, para se ter uma idéia de escala de grandeza, somente os Estados Unidos, que é a maior economia do mundo, tiveram um crescimento equivalente ao tamanho da economia brasileira.

A economia mundial está crescendo a mais de 4%, de modo que o terrorismo não teve a capacidade de retê-la, o que leva a maioria dos estudiosos do assunto à conclusão de que o impacto maior, do ponto de vista do terrorismo, não é macroeconômico, mas setorial, isto é, certos setores da economia sofrem este impacto de uma maneira mais direta. O transporte aéreo, por exemplo, entrou em crise no mundo inteiro, assim como a indústria de turismo e a indústria de seguros, dentre outros. Dessa maneira, observa-se que, setorialmente, há áreas da economia que respondem, quase de maneira imediata, ao impacto das ações terroristas. Porém, em uma grande economia

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como a americana, que tem essa capacidade de resposta revelada pelo Federal Reserve, o impacto se dilui, não porque, teoricamente, ele não tivesse o potencial de criar, mas porque ele encontrou, do outro lado, o que estamos querendo desenvolver aqui no Brasil, uma capacidade de gerir, de reagir a isso, pois o real problema do desenvolvimento se resume à capacidade de gerir sociedades cada vez mais concretas. Um país plenamente desenvolvido não é só o país mais rico, mais próspero, mas é, sobretudo, um país capaz de gerir bem, tanto uma ameaça terrorista quanto uma ameaça ambiental, ou um problema de direitos humanos; é, portanto, a capacidade de gerir sociedades onde tudo se entrelaça, e a sociedade americana provou, neste episódio do impacto de 2001, que ela foi capaz, graças à ação do Federal Reserve, de gerir a economia, de forma que neutralizou aquilo que se buscava alcançar com o ataque terrorista.

De acordo com o Embaixador, em termos macro, não é muito fácil medir, com precisão, qual é o impacto do terrorismo, visto que há muitas variáveis que são afetadas pelo terrorismo, as quais nem sempre se consegue distinguir perfeitamente, de uma forma desagregada, nas estatísticas. Por exemplo, é obvio que, de todos os impactos que o terrorismo tem tido, um dos mais apreciáveis é o caso do petróleo. Ele disse não estar afirmando que o enorme aumento do petróleo se deva, exclusivamente, ou principalmente, á ação terrorista, entretanto, há certo consenso entre os especialistas de energia de que a razão principal para este aumento é o descolamento entre a demanda e a oferta. A demanda está chegando a 83 milhões de barris diários de consumo, principalmente devido à explosão de consumo na China, e no futuro na Índia, que tem potencial de crescer, em termos de demanda de petróleo, mais do que a China. Dessa maneira, a demanda é muito grande e a oferta não cresceu pelo fato de que os preços baixos do petróleo, nos últimos cinco anos, fizeram com o

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que houvesse relativamente pouco investimento. Porém, a situação tem se invertido, visto que, atualmente, 95% das sondas de petróleo estão plenamente ocupadas e não há nenhum geólogo de petróleo que não seja empregado antes de terminar o curso.

Não obstante a este fato, não escapa a ninguém que um dos fatores que vêm afetando o aumento do barril do petróleo é a presença do risco terrorista. Isso ficou bastante claro, por exemplo, no caso da invasão do Iraque, em 2003, ocasião em que houve um aumento do preço do petróleo; fica claro, também, a cada grande atentado na Arábia Saudita, e a Al Quaeda sabe disso, uma vez que eles estão se concentrando nestas áreas. Portanto, embora seja difícil saber, exatamente, quando será aumentado o preço do petróleo, não há dúvida de que alguma coisa se deve ao terrorismo, fato que sugere uma vulnerabilidade brasileira, pois estamos conscientes da característica da exploração de petróleo no Brasil.

O palestrante destacou que, ao se falar em impacto macroeconômico do terrorismo, é preciso ter em mente que alguns destes impactos são de difícil quantificação. Um exemplo deste fato, embora poucos tenham conhecimento, pois quase não tem sido comentado na literatura que trata de terrorismo mundial, é que a grande fronteira do consumo de energia limpa é o gás natural e o grande mercado de gás natural são os Estados Unidos. Entretanto, o maior problema do gás, ao contrário do petróleo, é a dificuldade de transporte. O petróleo, em qualquer lugar que se encontre, pode ser posto em um barril e ser transportado. O gás, por sua vez, exige ou gasodutos muito longos, como o que a Rússia está fazendo, orçado em US$ 5,7 bilhões e que, para evitar a Polônia, passará pelo Báltico, ou o GNL (Gás Natural Liquefeito), sistema pelo qual se comprime o gás em temperaturas baixíssimas; o gás se liquidifica e passa a ser transportado em navios tanques, cuja chave da operação são os

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terminais portuários para gaseificar, novamente, a substância que está sob forma líquida e que tem de ser aquecida em uma operação simples: com calor se aquece o que volta a ser gás e só então ele entra nos gasodutos.

Atualmente, o grande fator limitativo do gás é o número reduzido de terminais de GNL. Nos Estados Unidos, há somente quatro terminais, todos já bastante antigos, que estão localizados no Golfo do México, em Maryland, em Massachussets e na Geórgia. Existe um processo de licenciamento de 50 terminais nos Estados Unidos, mas já se sabe que desses 50, apenas poucos serão construídos, pelo fato de a população temer um ataque terrorista, embora seja muito difícil destruir um terminal de um porto industrializado. A resistência das populações é tanta que na Califórnia, o grande mercado consumidor, nem se cogita a hipótese de se construir um terminal de GNL. Pode-se observar, portanto, que é muito difícil quantificar o dano econômico desta atitude da população, pois se trata de uma oportunidade que se perde e que poderia tornar a economia americana muito mais eficiente. É impossível, entretanto, negar que esta atitude e estes danos estejam ligados ao terrorismo, estejam vinculados ao impacto econômico do terrorismo.

O palestrante mencionou o fato de ter havido muito receio, quando ocorreu o primeiro impacto do terrorismo, de que talvez a maior vítima econômica, e até mesmo a política do terrorismo, fosse a idéia da globalização. Esta preocupação se justifica pelo fato de a globalização, um fenômeno que possui 50 ou 60 definições diferentes, não ser apenas um processo econômico, antes, ela tem um componente econômico muito importante, que é a unificação dos mercados em escala planetária. Com a globalização, os mercados deixam de ser nacionais e o ideal é que algum dia haja um só mercado, onde não haja barreira para o intercâmbio de mercadorias, de serviços, para o livre fluxo de crédito, de empréstimos, de investimentos, enfim, que tudo fluísse livremente. É evidente que os

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maiores advogados desse tipo de mercado livre nunca incluem, no mesmo, o livre fluxo de trabalhadores, nem o livre fluxo de tecnologia, questões estas que representam exceções sérias neste conceito. O sonho, portanto, dos globalistas ou globalizantes é um mercado totalmente unificado.

Entretanto, esta idéia de um mercado sem barreira implica o conceito de que as fronteiras continuam mas passam a ser irrelevantes. É por isso que muitos dos teóricos da globalização afirmam que a globalização não é definida pelo aumento enorme das transações a crossborder, de um lado a outro, cruzando a fronteira, mas o over transborder, isto é, pulando a fronteira como se ela não existisse. Um exemplo mais claro deste tipo de operação é o uso da internet para o e-commerce. Nos dias atuais, é perfeitamente possível a uma pessoa que esteja no Brasil, com um computador, concluir todas as operações básicas que subdividem uma transação comercial. Por exemplo, é possível importar da Índia um serviço ou um bem intangível, como seria um programa de software, por exemplo, ou um programa arquitetônico para construir um hospital, ou um estudo de consultoria, enfim, tudo o que é intangível, que não é mercadoria sólida. A pessoa interessada pode combinar, na Índia, as características do projeto, além do preço, e pode ainda concluir a negociação, assinar um contrato com uma assinatura secreta e receber o download do programa todo no computador, sem que a Receita Federal seja ouvida. É possível, ainda, mandar pagar o serviço em um paraíso fiscal, é comum se fazer este tipo de operação não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Dessa maneira, todas as operações que antes caíam sob a vigilância das autoridades territoriais, hoje, tornam-se de fácil conclusão, como se as fronteiras não existissem.

Era esta a idéia vigente até 2001, quando passou a ocorrer uma das grandes transformações mentais, segundo a qual esta ausência de barreiras não é tão boa, pois pode, tanto levar a objetivos pacíficos, como a uma operação terrorista. Aquele tipo de mentalidade, predominante

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antes de 2001 e cuja tendência era a de que cada vez mais as fronteiras fossem abolidas, sofreu, se não um retrocesso, pelo menos uma paralisia temporária. Este fato pode ser comprovado, claramente, nos riscos e nas dificuldades que é ir aos Estados Unidos, atualmente. Sendo assim, embora a globalização não tenha acabado e nem tão pouco acabe, já que temos a revolução tecnológica das telecomunicações, dos computadores, dentre outras, atualmente, estas preocupações de segurança começam a “jogar areia na engrenagem”, quer dizer, estas coisas são grãos de areia que estão sendo colocados na engrenagem, e um destes grãos de areia é a questão dos custos de transação. Um exemplo destas dificuldades que estão sendo impostas é o fato de os americanos estarem, gradualmente, se movendo em direção a uma decisão de que, no futuro, eles só permitirão a entrada livre da mercadoria importada que tenha sido inspecionada por inspetores de alfândega americanos antes de sair do porto de exportação. Os americanos já credenciaram 20 megaportos, porém, nenhum na América Latina, pelo menos não América do Sul. Atualmente, nos portos europeus como Roterdã e Cingapura, um dos maiores portos do mundo, já há fiscais americanos que inspecionam os contêineres antes destes saírem do porto de origem e, segundo eles, os países que não aceitarem esta condição terão que se submeter a um processo muito mais complicado. Embora esses países não sejam impedidos de exportar, terão de fazê-lo de uma maneira tão complicada e tão cara que haverá um diferencial de competitividade. Este é, portanto, um dos problemas que estão sendo discutidos - os custos de transação, em razão do próprio comércio mundial.

O Embaixador Rubens Ricupero finalizou sua fala destacando que esta questão não é só complexa, mas iminente, e não se trata de uma questão para debates acadêmicos, antes, segundo ele, estamos vendo que se não despertarmos para isso, teremos problemas concretos no futuro, independentemente da chance de o Brasil mesmo ser alvo,

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em razão do petróleo, por exemplo, já que o país está em vias de se tornar um exportador líquido de petróleo, pois a Petrobrás tem planos para, talvez em sete anos, exportar um milhão de barris por dia, sendo 500 mil do Brasil e 500 mil de fora, como do Golfo do México, por exemplo. Caso esta previsão seja confirmada, o Brasil se tornará um país importante no mapa do petróleo mundial. E não escapa a ninguém que esta situação abre uma vulnerabilidade, visto que o nosso petróleo é quase todo offshore. Ele disse ainda que, ao longo de sua apresentação, procurou mostrar o caráter imediato dessa preocupação e que deseja que este Encontro seja seguido de outros para que, assim, se possa enfocar três importantes objetivos: a definição de terrorismo, a Convenção e uma grande estratégia global.

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Professor Francisco Carlos Teixeira Da Silva Universidade Federal do Rio de Janeiro

Professor Salvador Raza Faculdades de Campinas

AS múlTiPlAS fAcES dO TERRORiSmO E A PRObAbilidAdE dE OcORRêNciA dE

ATENTAdOS NO bRASil

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PROfESSOR fRANciScO cARlOS TEixEiRA dA SilvA

O professor Francisco apresentou algumas preocupações acerca do tema discutido no Encontro e uma possibilidade de enquadramento da discussão sobre terrorismo em uma moldura de escala planetária. A idéia central, apresentada em seu discurso, é de que a geopolítica, decorrente da vitória aliada em 1945, foi superada. A Guerra Fria, ou o sistema de bipolaridade que existia, para uns até 1985 e para outros até 1991, foi, claramente, superada e com ela superada a inversão dialética da máxima clausewitziana de que conhecemos a guerra e a continuidade da política por outros meios. Na Guerra Fria, porém, a política é a continuidade da guerra, já que a guerra, em si, é impossível. Seguindo ainda uma máxima de Clausewitz, a guerra se caracteriza por obrigar o adversário a aceitar as condições do outro, e ninguém aceitaria condições de ninguém após uma guerra nuclear total.

Essa máxima clausewitziniana, que manteve uma paralisia estratégica entre as duas grandes potências, é superada, em 1985 ou, apenas, em 1991. Neste período, figurava no centro do sistema um modelo de aguda rivalidade, mas não guerra aberta, desde as Olimpíadas até a corrida espacial. A guerra aberta figurava na periferia, onde isso poderia ser feito inclusive por forças interpostas. Esta geopolítica morreu e não adianta voltar a ela, visto que, agora, ela se constitui um debate para história.

Neste contexto, temos uma nova ordem mundial. É famoso o discurso, já em 1991, do ex-presidente Bush, pai do atual presidente dos Estados Unidos, anunciando que a Guerra Fria havia acabado e que os Estados Unidos tinham vencido. Com certeza, foi uma vitória planetária do capitalismo, uma universalização das formas liberais representativas como modelo básico de organização política das

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sociedades, e uma crise dos modelos desenvolvimentistas em suas mais amplas variações, do estatismo, do Estado de bem-estar social. Em se tratando deste último ponto, é interessante destacar que, no ocidente também desmorona um modelo político e social importante, o Estado de bem-estar social, que fica sob crise a partir do momento em que a justificativa dele desaparece, quando desaparece também a Guerra Fria. Além disso, há a imposição de um conceito de democracia e de direitos humanos, gerado no coração do ocidente, nas revoluções americana e francesa, que acabam se tornando, pelo menos para o ocidente, um paradigma a ser perseguido em escala planetária.

Há uma nova ordem mundial, um modelo de globalização, informatização de todos os setores de atividades, globalização generalizada com novas tecnologias de alcance planetário, isto é, tecnologias de trocas materiais e imateriais, em larga escala, além de novos conceitos sobre o Estado-Nação, mais especificamente a questão da manutenção da soberania, das fronteiras do território, a idéia de uma representação popular, por fim, um choque, com critérios que começam a surgir dentro do próprio ocidente. Noções onde carisma, ações populistas e mesmo messianistas começam a se desenvolver, claramente, no interior desse ocidente.

Ainda neste cenário, anuncia-se o fim dos grandes conflitos armados, isto é, democracias não fazem guerra entre si. Surge também um novo ordenamento jurídico mundial, no qual a Organização das Nações Unidas, juntamente com os tratados multilaterais de Kyoto, o tribunal penal, o banimento de determinados tipos de armas, o controle, por exemplo, da criminalidade, do trabalho infantil, ou mesmo do uso militar de crianças e adolescentes, procura criar um ordenamento jurídico que daria forma a algo que se aproxime de uma governança mundial. Esta situação se aplica mais especificamente ao Governo de Bush pai e aos dois Governos Clinton.

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Entretanto, se olharmos o mapa, veremos que as coisas não ocorreram exatamente assim, pois mesmo a partir de 1991, com o anúncio do fim da história e do fim dos grandes conflitos, um mapa consegue mostrar a manutenção, ou pelo menos a persistência dos grandes conflitos armados, tanto interestatais quanto intra-estatais e, muito possivelmente, com grandes violências e brutalidades de massa, como genocídios na Iugoslávia, em Ruanda, ou, atualmente, em Dafur, no Sudão. Há, portanto, “alguma coisa fora de ordem na nova ordem mundial”, como queria dizer Caetano Veloso.

O próprio pensamento estratégico americano anuncia, claramente, esta falta de ordem na nova ordem mundial, quando o Assessor de Segurança Nacional do Governo Carter, enuncia a tese do Ato das Crises, mostrando que o recuo da União Soviética havia causado um vazio de poder que ameaçava, largamente, a estabilidade mundial. Fica claro, portanto, que a nova ordem mundial, por mais que se queira que ela seja baseada em um ordenamento harmônico cooperativo, continua sendo um sistema de poder e um sistema de poder instável entre potências. Por se tratar de um sistema de poder, a força, ou pelo menos o emprego da força, é um dado que tem que ser considerado, mesmo que seja apenas para efeito de demonstração, além disso, trata-se de um sistema de poder instável entre potências.

Ainda em se tratando da ordem mundial, nela vige um Estado de natureza, retornando a Hobbes, em imposição ao Estado de direito, pois embora órgãos como a Liga das Nações e a ONU existam desde 1919 e 1945, respectivamente, é claro que não têm sido suficientes para colocar nações mais fracas a resguardo de ações violentas, como ocorreu entre os anos de 1919 e 1939, com a China frente ao Japão, a Etiópia frente à Itália e a Polônia frente à Alemanha nazista. Após 1945, continuaram a ocorrer ataques graves à soberania e à defesa dos países, seja no nosso hemisfério, seja em outro. Além disso,

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populações continuaram sendo massacradas no Camboja, em Ruanda, em Kosovo, na Bósnia, dentre outros lugares.

Uma nova ordem mundial também procura o equilíbrio, porém, este equilíbrio é procurado pelo diretório de potências dominantes e o equilíbrio de interesse desse diretório de potências dominantes poderia ser o interesse do conjunto das nações, mas não necessariamente o será. Além disso, uma ordem mundial é baseada no ato da força, visto que mesmo grandes projetos como a Liga das Nações e a ONU tenham surgido a partir de destruições maciças, quando as propostas de governança mundial e segurança coletiva vieram no bojo de guerras globais violentíssimas. A diplomacia e o Direito Internacional procuram legitimar e dar consistência e condições de convivência a um ato de força que já se deu nas relações internacionais.

O desequilíbrio, também, é um elemento permanente na ordem mundial e gera crises. É uma polêmica, também, em relações internacionais, os fatos que fazem de uma nação uma potência, um Estado dominante: território, economia, recursos naturais, educação, capacidade de inovação ou estabilidade das suas instituições. Entretanto, sabemos que, retirando um ou outro destes aspectos, uma nação pode desabar, o que abre um período fortíssimo de instabilidade no sistema internacional, como ocorreu com a União Soviética. No caso deste país, para alguns, o que deu errado foi a economia, enquanto que para outros foram as instituições, e para outros a constelação de todos esses fenômenos. Porém, o certo é que todos os impérios acabarão. Não existe nação eterna e é exatamente por causa deste fato que o sistema é instável. É evidente que quem se encontra no top tentará evitar que outros cheguem ali; a idéia de que estão chegando os second commerce e que estes desafiam os first commerce que já estão no top é um elemento fundamental explicativo das crises internacionais de grande relevância. É nesse sentido que vemos, em

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1990, o Tratado de Paris, que põe fim, juridicamente, à Segunda Guerra mundial, com reconhecimento da soberania alemã, pelo chamado “4 + 2 + 1” (as quatro potências vitoriosas, as duas Alemanhas e a Polônia, o país que primeiro foi atacado). Este Tratado e a dissolução da União Soviética, em 1991, marcam o começo desta nova ordem.

Segundo o palestrante, por mais que se deseje afirmar que o fato ocorrido em 11 de setembro de 2001 seja um fato que marcou a origem de uma época, não é bem verdade, visto que os elementos da ordem mundial estão embutidos não em 2001, este ano representa apenas o ápice de um processo, mas está descrito no primeiro ataque de 1993, no ataque às embaixadas americanas na África, no ataque ao USS Code, etc. É, portanto, um elemento, não é um raio em céu azul.

O palestrante destacou que as idéias marcantes nessa ordem pós 1991 é, em primeiro lugar, uma subversão do próprio Estado de natureza, que já não era o que gostaríamos que fosse, ou seja, a força tendo um papel central nas relações internacionais. A partir de 1991, com a desaparição do terrível equilíbrio entre as duas potências, a chamada Condição Medessa, mútua destruição assegurada, o que nós temos é uma hiper-potência, cuja capacidade, o poderio, a força, a tecnologia e os recursos podem atingir qualquer outra nação, em escala planetária, sem temer uma represália, nas mesmas condições, por parte de outras potências. Dessa maneira, o Estado de natureza não era bem-vindo, não era o que gostaríamos. Entretanto, agora vivemos um Estado de natureza subvertido pela existência de uma única hiper-potência, expressão do Chanceler Hubert Védrine, em escala planetária.

Como reação a este excesso de poder, nações e grupos buscam equalizadores de poder, criando formas dissuasórias de agir perante a hiper-potência, com o desenvolvimento de capacidade nuclear,

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por exemplo, pela Coréia do Norte ou, pretensamente, o Irã; o desenvolvimento de ferrões específicos, muito particularmente hoje a balística, como forma de tentar, minimamente, garantir segurança perante o enunciado de limitação da soberania de outros países. É evidente que estas ações, também, serão extrapoladas para grupos, pois os grupos que consideram seu Estado, nação, ou pelo menos sua comunidade, incapazes de fazer frente a essa situação de insegurança, procurarão substituir o Estado-nação com ações diretas contra o que consideram uma ameaça. Essa situação possui um grau de ineditismo muito grande, visto que, desde a batalha de Kadesh, em 1275 antes de Cristo, entre hititas e o Egito faraônico, sempre existiu um sistema de equilíbrio. No século XIX, a Inglaterra foi muito poderosa, mas uma aliança entre a Rússia, a França e o Império Alemão seria ameaçador para a Inglaterra. Atualmente, o problema da completa autonomia estratégica, recuperada após a Guerra Fria, cria uma situação de insegurança em larga escala. Esta ordem mundial é, sobretudo, marcada por uma larga insegurança.

Novos temas foram trazidos para o interior dessa ordem mundial. Temas como a internacionalização do narcotráfico, as ameaças maciças aos direitos humanos, as ameaças ecológicas, o novo terrorismo internacional e o direito de ingerência contra a soberania nacional, em escalas e valores bastante diferenciados, são elementos básicos de uma pauta, a partir de 1991. Esse elemento da insegurança se torna cada vez mais claro a partir de um dos itens, que é o terrorismo internacional, tema deste Encontro.

O terrorismo ataca, simultaneamente, alvos humanos e infra-estruturas econômicas, em larga escala. Sendo assim, dada as características da exploração petrolífera brasileira, há que se tomar cuidado, visto ser esta uma situação concreta e sobre a qual teremos de repensar os conceitos de segurança e defesa. Segundo o palestrante,

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de fato trata-se de segurança e não adianta criar eufemismos e dizer que estamos falando de defesa, pois defesa é outra coisa. Estamos falando de defesa e segurança e não podemos ter medo das palavras, caso contrário, ficaremos paralisados perante esta situação. Há uma questão mundial e uma questão nacional de defesa e de segurança que têm de ser postas com muita clareza.

Em se tratando da emergência do novo terrorismo, esta é uma temática básica, mas há Estados fora da lei, Estados canalhas que desobedecem, sistematicamente, o quadro jurídico internacional. Aqui já começam os grandes problemas: a Coréia do Norte assina acordos internacionais com grande facilidade; o Marrocos, por exemplo, não cumpre, há anos, decisões da ONU a respeito da situação do Saara Ocidental; ou, então Israel, em relação à Palestina. Sendo assim, o conceito de emergência do novo terrorismo é complicado e pode ter valor para um grupo de nações, mas pode ser recebido por um outro grupo com extremo espanto.

Outro problema é a aparição de Estados falidos, Estados que entraram numa situação de colapso institucional tamanha que não conseguem mais dar conta das condições mínimas, das prerrogativas do Estado-nação, como por exemplo, o controle territorial. Hoje, a Somália, o Iêmen, o Sudão e o Congo estão numa situação de descontrole real de território, o que abre espaço para que máfias internacionais e redes transnacionais de vários tipos se instalem no interior de seus territórios e os usem.

Em se tratando do novo conceito de fronteira, o palestrante destacou que, na criação do Departamento de Segurança Doméstica dos Estados Unidos (Homeland Security Department), o então deputado, depois primeiro Secretário Tom Ridge, enuncia um conceito de fronteira que é fundamental para nós e o qual devemos

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compreender, claramente, a fim de que seja possível trabalharmos. Ridge afirma que fronteira não é mais um ponto geográfico no mapa, mas uma rede de trocas materiais e imateriais. Nesse sentido, fazendo ainda um paralelo com a Inglaterra no século XIX, quando se dizia que todos os países que possuem um litoral são vizinhos da Inglaterra, nós poderíamos dizer que todos os países que possuem céu são vizinhos dos Estados Unidos. Este não é um pensamento absurdo por parte dos Estados Unidos, mas é um dado concreto. Sendo assim, a tríplice fronteira é uma preocupação legítima dos Estados Unidos, se não for uma preocupação legítima dos países, geograficamente, confrontantes.

Um novo terrorismo aparece nessas proporções espetaculares, e a palavra espetacular empregada aqui possui um sentido polissêmico muito grande. Este novo terrorismo aparece como uma quarta onda. Trata-se de exorcizar o terrorismo, visando, principalmente, não colocar tudo dentro do mesmo pacote. Por exemplo, a lista americana de organizações terroristas talvez não seja a melhor direção a ser seguida, ou ainda, a pretensão de Sharon de colocar tudo em um bloco e usar o mesmo método, normalmente o emprego da força, contra todas as organizações. Estes fatos podem aumentar o alistamento do terrorismo. Seria interessante saber se estamos dispostos, por exemplo, a assinar uma Convenção global anti-terrorismo, na qual uma doutrina da resistência não possa ser praticada. Imaginemos, por exemplo, a situação hipotética em que parte do território nacional é ocupada e 15 dias depois se instale aqui uma empresa estrangeira para exploração de recursos naturais. Esta empresa seria, ou não, um alvo militar? E um ataque a uma empresa estrangeira para exploração de bens naturais do território ocupado nacional seria um ato de terrorismo ou um ato de resistência nacional? Estas questões nos levam a reconhecer a importância de não amarrarmos nossas próprias mãos, previamente.

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O palestrante mencionou rapidamente a primeira, segunda e terceira ondas do terrorismo e destacou que a quarta onda é a que se inicia a partir do terrorismo dos afegãos e que vem crescendo, desde 1993, até os atos espetaculares de Bali à Casa Branca, mostrando que não existe mais um local, um alvo do terrorismo, o terrorismo, hoje, é planetário.

No que diz respeito à construção do terrorismo como palco internacional, é interessante mencionar que, de 1993 a 2001, embora estivesse presente, ele não foi um dado dominante e as questões sobre ecologia, meio ambiente, direitos humanos etc., eram mais visíveis que as questões imediatas de terrorismo. A partir daí, ele se torna uma ação direta. E nesse sentido há uma abordagem, ou pelo menos uma metodologia, muito diferenciada entre Europa e Estados Unidos, principalmente quanto à forma de abordar a questão do terrorismo, que na Europa é muito mais uma questão policial e uma inteligência mais de tipo policial do que uma inteligência militar. O Brasil assumiu uma postura clara de que não era favorável à transformação da agenda mundial em uma agenda sobre terrorismo, antes, preferia pensar esta agenda de uma forma mais ampla. A resposta americana se deu em vários níveis, no Afeganistão em 2001 e no Iraque em 2003. Não adianta discutir se as informações foram manipuladas ou não, mas havia uma acusação de vinculação com o terrorismo e uma acusação de produção de armas de destruição em massa.

Quanto à pressão sobre Irã e Síria, formou-se a idéia também de eixo do mal. Fala-se muito, e às vezes muito mal, da política Bush, mas ela teve um ganho significativo no caso da Líbia, e mesmo o Sudão está recuando. Dessa maneira, fica claro que o efeito força possui um lado que funciona.

No que se refere à inteligência, continuamos a assistir, e não somente no caso dos Estados Unidos, a um caso geral de uso político

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da inteligência; este é um problema de grandes proporções. Pensar a questão da inteligência é complicado, mas não se pode continuar a ter uma inteligência que fala somente o que gostamos de ouvir. O exemplo de como o governo do Partido Popular da Espanha tentou manipular a Comisión Nacional de Investigaciones da Espanha, e esta acabou saindo na frente, desmentindo o próprio governo; de como o CNI italiano e a DST francesa agem e das relações entre Estado, agência, partido e governo, são escalas muito diferentes. Se as agências misturam, no seu trabalho, fiscalizar deputado corrupto, juiz ladrão, máfia de desvio de carga, ao mesmo tempo em que querem fazer inteligência de tipo internacional, é necessário reformar o que está sendo feito. Não podemos levar as agências a um uso político e não podemos começar escândalos políticos partidários a partir das agências, pois isso é assassinar a inteligência de um país; foi o caso da Espanha no imediato pós-atentado. Só que na Espanha, o CNI saiu na frente e desmentiu o Ministro da Justiça, pois enquanto o Ministro afirmava na televisão que se tratava de um atentado basco, o CNI afirmava no El Pais, on-line, no mesmo horário, que o atentado era de origem islâmica.

Quanto à deficiência das ações policiais, segundo o palestrante, é evidente que estamos com problemas sérios nesta área. É necessário que as ações policiais sejam feitas no âmbito de departamentos específicos para isso, começando com o problema de idioma. Não é possível haver ações policiais se não houver domínio do idioma, além de conhecimento de geografia e história e cooperação internacional.

Outro tema abordado pelo palestrante diz respeito ao que ele chamou de “o outro lado”. Segundo ele, temos que entender o outro lado, e entender “o outro lado” não é justificá-lo, é saber como ele se organiza: a questão palestina, uma ferida aberta que enquanto existir causará problemas; a idéia de que há excluídos que estão chegando

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á mesa de banquete; a equalização de poder; a presença da cultura americana como destruidora das culturas locais, vista como o grande satã; e a defesa da casa, ou seja, eu estou dentro de casa, quem está fora é quem está chegando.

O palestrante destacou ainda questões como o etnocentrismo e a ofensa a valores, as quais provocam uma reação brutal em cadeia junto a povos que se sentem profundamente ofendidos pelo etnocentrismo; a idéia de que as democracias não têm uma tolerância maciça para mortes, salvo se seu destino estiver em jogo, pois caso contrário, os objetivos podem acabar dando o contrário, isto é, vai-se defender a liberdade e acaba-se tendo a sua imagem colada a ações que não agradam a comunidade internacional; destacou ainda o fato de que a maioria dos analistas não acreditava que se poderia, em vez de combater o terrorismo, gerar mais terrorismo, como efetivamente aconteceu no Iraque.

O palestrante concluiu sua fala fazendo uma série de indagações, como por exemplo, se estamos preparados e se pensamos as fronteiras enquanto redes de fluxo materiais e imateriais para além do espaço físico. Segundo ele, como espaço físico e como linha geográfica, não estamos preparados. Citou casos de regiões de fronteira dentro do Brasil que não possuem nenhum preparo. Na maioria das OMs, se os carros todos forem postos nas ruas, cerca de 70% vão parar por falta de peças. Além disso, não há célula de inteligência atuante dentro dos batalhões principais, o que se chama de inteligência é, no máximo, logística.

Em se tratando da expansão da ação corporativa brasileira, ele afirmou que nossas empresas estão no mundo inteiro, e indagou se estamos nos preocupando em prepará-las para evitar que passem por desastres que possam atingir o Estado brasileiro. Segundo ele, as

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cidades brasileiras são cidades turísticas de convenções e de eventos, são, portanto, alvos potenciais. As grandes conferências internacionais estão aqui.

No que se refere à presença do narcotráfico, o palestrante afirmou que cerca de 70% do dinheiro usado para financiar o ataque de 11 de março, em Madri, teve origem no tráfico de raxixe e maconha, entre Marrocos e as estações balneárias da Espanha. A junção entre narcotráfico e terrorismo é muito possível.

De acordo com o professor Francisco Carlos Teixeira Da Silva, as possíveis conseqüências destes fatos seriam, principalmente, perda de vidas humanas, danos materiais e fuga de capitais, declaração, por outros, de incompetência no controle do território e imenso ônus com segurança pós-fato. Ele citou ações terroristas como as que ocorreram nas Olimpíadas de Munique e de Atlanta, além de ataques a uma discoteca, em Bali, Casablanca, no aeroporto em Israel e no Marrocos. Estes são, portanto, elementos reais que fazem parte da situação brasileira hoje.

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PROfESSOR SAlvAdOR RAzA

O palestrante iniciou sua apresentação contextualizando alguns dados que apresentou durante sua fala. Afirmou que, acerca de oito meses, 19 analistas internacionais foram convidados a juntar esforços para tentar responder algumas questões relacionadas a terrorismo, grupo do qual faz parte o professor Raza. O propósito do grupo era identificar e recomendar políticas aos Estados Unidos, à União Européia e a alguns países da Europa Central e da Ásia. Estes países fizeram um caldeirão de dinheiro, juntaram 19 analistas do mundo todo: a primeira rodada de reuniões foi realizada nos Estados Unidos, a segunda na Alemanha, em setembro do corrente ano. A terceira rodada deve acontecer em janeiro ou fevereiro de 2006.

O professor Raza destacou que apresentaria um produto em desenvolvimento, pois, segundo ele, ainda está aprendendo sobre o tema; trata-se de um esforço global e que muda, muito, a perspectiva. Compartilhou sua experiência pessoal de participação neste grupo de analistas. Ele afirmou que chegou ao grupo com uma perspectiva mais limitada. Sua responsabilidade é a América Latina. O grupo dos 19 especialistas é também denominado grupo central, sendo que há outro grupo em torno deste. Na realidade, trata-se de três círculos, que fazem o fluxo de informações, porém, as discussões se desenvolvem com esses 19 elementos centrais. O professor Raza disse ser um desses elementos, e o é como pessoa, não como representante do Brasil; ele está referendando a idéia do Embaixador, de que a gente precisa muito de estudos estratégicos no Brasil.

A primeira característica do terrorismo é o que está sendo chamado de conversibilidade. Esse terror tem duas faces, a primeira é a tradicional: estratégia e tática orientada para definição de novos

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sistemas, organizados segundo uma ideologia particular, para dar conta da injustiça de um sistema político reconhecido. O problema está na segunda parte, que trata terrorismo como uma ideologia orientada para inspirar a vanguarda insurgente, ou seja, o público alvo amplia e modifica, ele passa a ser o público alvo interno e muito expressivo. Não é só um terrorismo usual, visto com um movimento contra uma repressão política, porque os atos terroristas também têm um componente para impressionar e mobilizar os futuros correligionários. Essa é uma preocupação que não tínhamos, mas agora temos de incluí-la na definição deste fenômeno.

A segunda característica é a chamada resiliência, que altera a forma, dinamicamente. A tentativa de fragilizar, no tempo, uma determinada forma do terror, é fadada ao insucesso no combate, pois no momento seguinte ele tem uma nova forma, é uma chamada estrutura tipo vírus. Observamos, portanto, que não se trata de pessoas amadoras, ao contrário, são pessoas extremamente inteligentes, muito bem preparadas; nem tão pouco este é um negócio intuitivo. Temos uma série de documentos que evidenciam que este processo foi pensado, não é intuitivo.

A terceira característica é a adaptabilidade. Consoante o palestrante, não temos um nome adequado para este característica, mas o que estamos dizendo é que o terrorismo tem estrutura tipo IPTP. Ele funciona, não como a rede que nós apresentamos em imagens gráficas, ligando os pontos, essa imagem está equivocada. O terrorismo tem uma estrutura IPTP, uma determinada estrutura de comando, uma ordem que não dá continuidade como um conjunto coerente e unitário de informação, antes, é subdividida em strings de informações, flui por diversos caminhos e só ganha sentido em diferentes pontos. A idéia de utilizar inteligência, nos sentidos convencionais, para dar conta desse terrorismo, é simplesmente jogar dinheiro fora, pois eles estão

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muito mais sofisticados. Ou a inteligência se adapta a essa demanda, ou não vai inteligenciar nada, exceto o que eles querem.

No que se refere à harmonização, esta tem se mostrado uma característica muito interessante e complicada. O termo racionalização, aqui empregado, refere-se à racionalidade aplicada na conciliação dos riscos com a causa, ou seja, é a desumanização da justificativa, ou desumanização da justificativa da ação violenta e construção de uma identidade cognitiva de autoridade sábia. Parece complicada a definição, mas basicamente significa dizer que é uma proposta de validar a violência noutros termos.

De acordo com o professor Raza, nem o Brasil, nem a América Latina estão preparados para isto. Ele disse ter entrevistado mais de 200 pessoas na América Latina, e constatou um desconhecimento tanto do empresário, quanto do estudante e do político. Disse ainda ousar afirmar que, em se tratando da idéia de utilização instrumental e da violência, na forma como o novo terrorismo está fazendo, nós estamos, de certa forma, despreparados para compreendê-la.

Outro ponto apresentado pelo palestrante é, segundo ele, interessantíssimo como processo de gestão do terrorismo. A idéia de célula como modelo leninista de terrorismo, caiu pela borda. A tentativa de compreendermos o terrorismo nacional através de célula é uma tentativa, bem sucedida, de impor ao fenômeno novo uma moldura conceitual que vem do passado. É a tentativa de reduzir o fenômeno à ferramenta analítica de que dispomos, o Hezbollah, por exemplo, já trabalha assim. Eles possuem um conselho supremo, um conselho construtivo e um politburo, que conduz a uma especialização, visto que antes se tratava de uma compartimentalização, porém, hoje, o terrorismo está caminhando para uma especialização, e forçando, consequentemente, uma profissionalização de determinadas formas.

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Além disso, esta nova maneira de agir do terrorismo modifica a estrutura de gestão e complica, terrivelmente, não só os jogos de inteligência, mas, também, aqueles que darão ação repressiva ou preventiva contra esse novo fenômeno. Com a nova idéia de terrorismo internacional, esse é o primeiro esforço de tentar enquadrar alguns veios marcantes do que é esse novo fenômeno.

No que se refere ao hospedeiro deste novo terrorismo, diferentemente daquele que conhecíamos nas décadas de 70 e 80, este se hospeda no que chamamos caldo de culturas. Inicialmente, ele não está buscando hospedagem em ambientes universitários, como por exemplo, na classe média intelectualizada, antes, está se alojando como hospedeiro, mas como hospedeiro pernicioso, semelhantemente à linguagem usada para se referir a vírus, visto que ele se hospeda, inicialmente no caldo de cultura. A idéia de que Estados falidos seriam os melhores hospedeiros está equivocada, pois o terrorismo atual se hospeda melhor em Estados enfraquecidos do que em Estados falidos. Dessa maneira, a idéia de que os próprios países amigos africanos, ou países Latino-americanos seriam melhores hospedeiros não é mais considerada. Eles se hospedam melhor em Estados enfraquecidos devido à necessidade de uma estrutura muito mais sofisticada e que somente um hospedeiro melhor preparado ofereceria.

O palestrante mencionou que antes de tentar definir o fenômeno, estava tentando enquadrá-lo e descrevê-lo. Esta é uma tentativa de identificar quais são os meios fenomenológicos. Existem outras maneiras de se abordar o fenômeno, porém, essas são as principais, as que têm sido debatidas e sobre as quais já existe algum grau de consenso a nível global.

Outro fator interessante e muito discutido no que se refere a este novo terrorismo, embora pareça trivial, e uma das discussões mais

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relevantes, atualmente, é que, dado este fenômeno, como poderíamos enquadrá-lo em tipologias, visto que ele não se apresenta como um bloco homogêneo em todas as partes do mundo, em todos os contextos temporais. Sendo assim, a pergunta é se é possível estabelecer algum tipo de tipologia; na realidade, seria quase uma tentativa de se estabelecer uma taxonomia. Esta situação tem desdobramentos importantes, na medida em que isso apontará para o tipo de política, contra quem e em que momento, e ainda, que tipo de público alvo está fazendo o quê, e em que situação. Tudo isso com a finalidade de não se jogar dinheiro no alvo errado, ou não se criar uma política equivocada e para um público equivocado.

A má notícia é que não temos uma taxonomia. Após as três reuniões dos 19 especialistas e muita discussão, conseguimos chegar a três taxonomias. A proposta inicial era chegar a uma e meia, ou uma e outra alternativa. O professor Raza afirmou acreditar que esta tentativa será muito difícil, pois os componentes islâmicos que compõem o grupo dos 19 especialistas, professores da Universidade de Cingapura, da Bulgária e Honolulu, mostram que esta taxonomia que seria proposta não tem capacidade de capturar a manifestação em determinadas regiões do globo, onde o terrorismo está se mostrando mais virulento em uma projeção de curto prazo. Eles estão preocupados, pois de nada adianta montar uma taxonomia que não atenda a todas as necessidades. A partir desta conclusão, eles apresentaram uma taxonomia alternativa.

O professor Raza apresentou, rapidamente, as três tipologias propostas pelos 19 especialistas. Da primeira tipologia, fazem parte grupos como o dos fundamentalistas, cujas características principais são: história incorporada à ideologia; motivações do passado transportas para o sistema de valores sem considerações com contextos de circunstância, ou seja, o que foi bom no passado deve ser bom hoje,

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e o código ético é derivado de práticas; este grupo está divido em dois tipos: os radicais, que rejeitam a modernidade e desejam destruí-la, como é o caso do Talibã, e os extremistas, os quais usam a tecnologia como instrumento de destruição, como a Al Qaeda, por exemplo.

Cabe assinalar que neste ponto começa a primeira distinção importante, para não corrermos o risco de juntar, no mesmo grupo, Talibã, Al Qaeda e outros tipos de manifestações, em outras partes do mundo, pois trata-se de modelos diferentes, combates diferentes, procedimentos de inteligência diferentes, procedimentos de captação de recursos e de lavagem de recurso de dinheiro diferentes.

Um segundo grupo é o dos tradicionalistas, os quais aceitam práticas desenvolvidas dentro de etnias específicas e se acomodam à modernidade, são, portanto, menos radicais. Entretanto, apresentam um problema, eles não possuem apelo aos jovens, principalmente ao universitário, que em alguns países da Europa Oriental, Europa Central e na Indonésia, não se identifica com o terrorismo deste grupo. Pode-se apresentar como exemplos de movimentos que fazem parte deste grupo o Pancacila, na Indonésia, e o Kemalistas, na Turquia

Outro grupo que faz parte desta primeira tipologia é o dos secularistas, que acreditam no papel do Estado, mas vêem uma deformação em sua função de acomodar a demanda religiosa. Os adeptos deste grupo compreendem a necessidade do Estado, mas alegam que o Estado falha no que se refere ao problema de religião. Porém, eles não ofereceram alternativa à sociedade. Embora eles sejam mais moderados, também falharam em seu discurso. Exemplos de movimentos que fazem parte deste grupo são os Batistas e os Nacionalistas árabes.

Por fim, os Modernistas, que reconhecem a obsolescência de práticas radicais e costumes étnicos, religiosos e advogam uma

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reinterpretação dos códigos éticos. Cabe destacar que o interessante neste caso é que são movimentos modernistas fora do mundo árabe; são os terroristas que emergiram, principalmente, na Malásia e Europa Central. Novamente, é válido reiterar que o terrorismo - que se manifesta no mundo árabe e na Malásia, embora em ambos os casos os países sejam mulçumanos e não se trate de tipos distintos de muçulmanos, visto que a fé é a mesma -, tem sua manifestação fenomenológica e combate diferentes. Este fato apresenta implicações de formação política brutal.

A segunda tipologia, que é a mais almejada pelos países que estão enfrentando, efetivamente, o desafio de uma emergência do terrorismo mais virulento, apresenta a seguinte disposição: os Nominalistas, que não observam práticas religiosas, e, embora façam referência ao terrorismo utilizando um argumento de fé, não são praticantes. É interessante notar que eles são bastante ecléticos, pois muitas vezes utilizam a doutrina muçulmana e alguns elementos da doutrina da fé cristã.

Outro grupo é o dos os Liberais. Eles observam regras sociais e éticas de fundo religioso e aceitam uma distinção entre o sagrado e o secular. Neste último ponto, é importante mencionar que eles aceitam a compatibilidade entre fundamentalismo religioso e democracia liberal. Eles não são contrários, não têm este radicalismo polarizado, porém, exigem que a acomodação seja feita mediante a liderança deles.

Ainda dentro desta segunda tipologia encontram-se os Sarafis. Este é o grupo alvo, o mais importante e o mais disputado por todas as ações contra o terror e contra os terroristas. São devotos, advogam a progressiva islamização da sociedade, mas não aceitam partidos políticos islamizados. É como se fosse uma “classe média” disputada pelos dois lados, aonde os sarafistas forem, eles definem o horizonte

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de violência ou não violência do mundo pelos próximos 15 anos. A discussão gira, portanto, em torno das maneiras de se alcançar este público alvo, visto que a população, somente em áreas de definição de alvo de políticas, é estimada em torno de 300 milhões de pessoas.

Outro grupo que também se enquadra nesta segunda tipologia é o dos Islamistas, que advogam uma rápida e legítima islamização do mundo, por influência, por exercício direto do poder do Estado e caracterizam-se por serem mais radicais. Este grupo se divide nos Jihadistas Nacionalistas, como o Hezbollah, e os Jihads Globalistas, como por exemplo, o Hamas, que é um desdobramento, uma herança do Hezbollah.

Cabe destacar que, na tipologia tipo 1, a idéia é começar do extremista para o nível de baixa tensão, ao passo que o outro lado da moeda procura fazer exatamente o contrário. Esta forma de classificação não é trivial, visto que, dependendo por onde se inicia, definem-se, por exemplo, posturas políticas, definições estratégicas e tipologia de uso da força.

A terceira e última tipologia é mais simples e, por outro lado, parece ser mais bem aceita; no Brasil, por exemplo, ela se encaixa bem. Ela está divida em, basicamente, dois tipos: o terrorismo oposicionista, muito comum nas décadas de 70 e 80 e que ainda se vê em algumas cidades brasileiras. É um modelo oposicionista que prega a derrubada do governo e caracteriza-se por ser leninista-marxista. Dessa maneira, a idéia de que o terrorismo antigo está acabado não é real, pois ele está no Brasil, assim como está no Cazaquistão e no Kirguistão. Estes três países, África do Sul, Cazaquistão e Kirguistão estão sofrendo o terror na versão dos anos 70 e 80.

Esta seria, então, as três tentativas atuais de se enquadrar o fenômeno a fim de que possamos oferecer um tratamento analítico e só

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então dar reposta política. A idéia não é ficar na ruminação acadêmica, mas apresentar propostas práticas aos países contratantes dos 19 especialistas. Os tomadores de decisão política destes países querem sugestões de ações. Este é, pois, um esforço acadêmico que está tendo desdobramentos. Vamos tentar oferecer algumas recomendações de formulação de política.

Segundo o palestrante, se estas são as três faces no espelho, como ele tem denominado as três tipologias descritas acima, há, pois, um fato que se apresenta como o contrário. Este fato entrou com muita força nos últimos 6 meses de discussão e é para onde muitos estão tentando ir, do ponto de vista intelectual, embora seja difícil admitir e todo mundo está com medo de reconhecer. Este fato consiste em reconhecer que o que tem sido discutido até agora não faz sentido, pois simplesmente tem-se tentado reenquadrar o velho. De acordo com o professor Raza, de fato, o que estamos enfrentando é uma outra coisa que é chamada violência; a manifestação fenomenológica pertinente ao ambiente emerge da redefinição da técnica de sociedade; por outro lado, terrorismo não é disfunção, mas parte integrante das formas de ação política. Este é um fato complicador, pois, caso aceitemos esta visão, teremos de parar de tratar o terror como uma disfunção, um caso de polícia, ou um caso de violência instrumental, ou seja, ele passa a ser parte do ambiente. Porém, o pessoal do Líbano afirma que não é bem assim, pois Hezbollah já é partido político, ele se integrou à sociedade e é um dos partidos com mais apoio popular na promoção de políticas sociais, embora seja um partido reconhecido como terrorista. Isso muda muita coisa, pois passa pelo reconhecimento de que o terror não é uma disfunção párea.

No que se refere à possibilidade de ocorrência de atentados no Brasil, se o que foi exposto até aqui foi uma tentativa de enquadrar o fenômeno, a questão que se coloca é como isso poderia se desdobrar

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no Brasil, como essas preocupações poderiam se manifestar no Brasil. O palestrante apresentou algumas observações que podem ser úteis ao país. Em primeiro lugar, segundo ele, há que se discutir sobre o estado atual das coisas. A principal atividade terrorista no Brasil não está diretamente relacionada a sociedades locais, e sim a uma titulada rede de crime organizado e terrorismo internacional. O Brasil é utilizado, apenas, como centro de apoio e levantamento de recurso financeiro para essa atividade; os relacionamentos com os terroristas, quando percebidos, são de curta duração. Este fato é importante, principalmente para o pessoal de contra-ação ou de inteligência. O tempo de ação deles é mais rápido que o tempo de resposta do seu sistema de inteligência; antes que o pessoal acorde, eles já apareceram, fizeram e foram embora. Outro fato a ser mencionado é que eles não caracterizam uma fusão, com objetivos e ideologias externas á região; o recrutamento não tem sensibilizado o sistema de informação, porém, isso não significa que ele não tenha ocorrido; e por fim, o fundamentalismo não encontra ambiente cognitivo que sustente transmutação ideológica, ou seja, a idéia de radicalismo no Brasil está bastante contida. Esta seria, portanto, uma tentativa de sumarizar o problema e a situação atual do Brasil. Este é um esforço de um ano de pesquisa, entrevistas, não só com pessoas, mas com órgãos de inteligência, sempre trabalhando com dados abertos, não tem nada secreto nos dados, senão não seria acadêmico.

Em se tratando dos fatores inercializadores da emergência do terrorismo no Brasil, primeiramente há que se destacar a existência de uma modelagem da percepção do terror como um fato distante, exógeno à realidade. Não parece que este fato seja resultado de uma política de governo, antes, parece que se trata de uma cultura, uma situação de país que se transforma em modus operandi, mais que uma política instrumentalizada no nível de governo no Brasil.

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Uma segunda observação que deve ser feita, em se tratando de Brasil, é, primeiramente, a elevação política no plano universitário. O palestrante afirmou ter conversado com um grande número de estudantes de universidades do Brasil, Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai, e em suas conversas perguntava-lhes quem é Abimael Gusmán e a grande maioria deles não sabia de quem se tratava, a identificação de Abimael Gusmán com o Sendero luminoso é remota. A idéia do terrorismo como atividade, como preocupação intelectual na universidade está morna, está quase dormente, exceto em alguns centros de estudo, mas na universidade como um todo, o desconhecimento é algo absurdo, não passa pelo horizonte de preocupação do universitário. É esta despreocupação que tem dificultado o arrebanhamento para uma postura mais ideologizada. Isso implica uma despolitização, uma apatia política do jovem brasileiro, muito diferente da situação vista na Europa, Ásia e Estados Unidos.

Outro ponto a ser considerado é o tratamento do problema como um problema policial. Apesar de sabermos que temos mecanismos de ação, o tratamento do problema na forma de policial tem servido como inercializador do terrorismo. Em nível de política, devemos considerar, cuidadosamente, se queremos mudar esta realidade ou não, se queremos modificá-la e passar a tratá-la como função de força armada. Este fato é muito complicado e tem algumas implicações, como por exemplo, estar tratando como um problema de polícia permite uma reação mais rápida, um tratamento jurídico mais simples e menos cumplicizado, ou seja, minimiza e reforça a modelagem do terror como algo distante.

Por fim, uma terceira e mais complicada consideração diz respeito ao fato de que a estabilidade do processo político é que estaria segurando a emergência de terrorismo no Brasil, pois se aceitarmos a taxonomia mais simples, a oposicionista-estratégica, aceitamos que as

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redes de ações terroristas no Brasil estão dormentes, que são as redes de contatos, apoio logístico e transmissão de informação em células dos anos 70 e 80; elas foram desbaratadas pelos movimentos dos anos 80 e ficaram dormentes. Quem mantém essas células dormentes, já que o conhecimento necessário para fazê-las emergir não foi destruído, mas apenas a capacidade de operar é que foi destruída, quem mantém estas células vivas, portanto, e que detém este conhecimento são pessoas que hoje entraram no processo político, onde inercializam os mecanismos que os levaram a esse processo político. Ou seja, os políticos, no exercício da política, neutralizam, através de contatos de redes, a emergência ou a possibilidade desta estrutura de apoio vir a ser utilizada de forma instrumental pelo terrorismo estratégico.

Na tentativa de trazer uma visão do mundo e fazer uma projeção para a realidade brasileira, dentre as considerações apresentadas acima, o palestrante afirmou, ainda, que o grande risco do Brasil é uma esquerda fraca, desacreditada, desmotivada e no ostracismo.

No que diz respeito ao fluxo que tem sido mapeado no mundo em termos de erupção do terrorismo, cabe destacar, primeiramente, uma modificação do ambiente cognitivo, que é o que estamos conseguindo evitar. Se isso romper, vem a transmutação de movimentos já organizados, por exemplo, se um grupo como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) passasse a se mover por radicalização. Não é uma função somente política se não existir antes a modificação do ambiente cognitivo, que é a idéia de que o terror ganha.

O próximo passo mapeado são os cyber-ataques, não bio-ataques, que ocorrerão posteriormente. Neste ponto, começa a conexão com a rede global; o ensaio de força contra infra-estrutura; a integração na insurgência global; o terror manifesto, e entra o

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transiente de resposta. Este é, portanto, o mapeamento em mais de duzentos casos de países como o nosso, com a situação tranqüila, em termos de terrorismo, e de repente tem-se uma situação de terror. A questão que se coloca é de como é que esta situação evolui. Como qualquer generalização é imprecisa, há casos de países que pulam fases, enquanto outros condensam fases. Porém, parece interessante perceber esta imprecisão, mesmo para políticas do Brasil, pois uma das coisas que está freando esse processo de escalada é exatamente a manutenção do ambiente cognitivo, o ambiente de isolamento promovido por aqueles fatores, e a estabilidade política.

O palestrante finalizou sua fala apresentando algumas conclusões acerca do tema abordado. Segundo ele, toda a discussão de terrorismo, do ponto de vista operacional, é uma discussão posterior a uma definição de política de Estado. Até o momento, parece que o Brasil tem tido sorte neste sentido, embora pareça que, em um dado momento, o país terá de acordar para um processo mais rigoroso de análise.

Em se tratando da definição de terrorismo, o palestrante afirmou que uma definição operacional do terrorismo é suficiente. Como não é possível homogeneizar mais de 150 definições, faz-se uma definição rigorosa que represente o fenômeno. No que se refere à idéia de que a prospectiva, sozinha, dá conta do terrorismo, há mais de 10 anos, já se sabe que não é possível tratar terrorismo só com prospectiva.

Enfoques operacionais mecanicistas, com tarefa primária, são absolutamente necessários, pois têm uma função preventiva, e sem eles nada acontece: são as brigadas, as forças especiais e as forças de ação rápida. Embora sejam absolutamente fundamentais, estas são insuficientes pelo fato de não conseguirem dar conta da mensagem

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terrorista. Forças especiais não estão desenhadas para dar conta de uma discussão da história do terrorismo. Outra solução seria desenvolver novas medidas de eficácia de terceira geração. No Brasil, ainda se trabalha com algumas medidas de primeira e segunda geração, mas não com medidas de terceira geração.

Por fim, duas premissas devem ser consideradas. A primeira é a de que nossos valores ideais são melhores que os dos terroristas. Esta premissa é complicada, pois envolve a idéia de que precisamos compreender o adversário. A segunda premissa se refere à de que uma tríplice fronteira é um santuário de terrorismo. Pode até ser, porém, é irrelevante, pois África do Sul e Indonésia o são. Dessa maneira, a idéia de que tríplice fronteira ou determinadas regiões do mundo oferecem critério analítico para estruturar um combate é, absolutamente, irrelevante.

O último ponto apresentado pelo palestrante, e deixado em aberto por ele, é polêmico e diz respeito ao fato de uma das grandes recomendações apontar para não se fazer aliança regional. Todo movimento atual e intuitivo leva à formulação de alianças regionais de segurança e defesa. Intuitivamente, parece que esse seria o caminho: integração econômica leva à integração de segurança. Porém, o processo analítico parece recomendar exatamente o contrário, não fazer aliança de segurança, por dois motivos: evitar a transitividade e evitar a difusão de percepção. Se esse é o jogo, vale a pena cooperar, mas uma aliança formal de segurança pode ser um tremendo erro político. Este é um movimento que envolve muito dinheiro e interesses políticos. No Brasil e na América Latina isso ainda é morno, mas em outras regiões do mundo esta é uma discussão trivial.

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PARTiciPAÇÃO dA PlENáRiA

Dando seguimento às discussões, o Comandante Nelson Bezerra Júnior, do Ministério da Defesa, abriu a seção de perguntas dirigidas aos palestrantes. Ele fez um breve comentário acerca da nova política de defesa nacional. Segundo o Comandante Bezerra Júnior, em 1° de julho foi lançada uma nova política de defesa nacional que traz uma orientação bem específica sobre a questão do terrorismo. Esta nova política considera o terrorismo como um problema de Estado, reconhece que se trata de uma situação que deve ser combatida com elementos de inteligência, considera, ainda, questões referentes ao controle de fluxo de capitais e à lavagem de dinheiro, além dos instrumentos jurídicos para não afetar os direitos humanos e os elementos policiais. Esta nova política prevê também, em alguns momentos, a participação de forças armadas localizadas quando se tiver descoberto uma base terrorista, pois o terrorismo em rede não se combate em força, senão os Estados Unidos, com suas armas nucleares, já teria acabado com o terrorismo. Todo esse aspecto da rede difícil de ser combatida é questão de acomodação da inteligência e esses novos aspectos.

Segundo o Comandante Bezerra Júnior, o terrorismo possui reflexos diferentes no mundo. Em cada país ele possui uma forma de ser vista e de ser refletida. Em se tratando do Brasil, nas informações levantadas e divulgadas em seminários, até o momento, não ficou comprovado se há uma base terrorista no país. Os americanos chegaram a ampliar, muito, todo o pessoal ligado ao MRE, ampliaram-se também as atividades de inteligência, a Polícia Federal inaugurou uma grande agência de delegacia na área da tríplice fronteira, enfim, diversas operações foram realizadas, mas até hoje não se conseguiu

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confirmar nenhum indício real de ação terrorista. Entretanto, talvez por sua índole, o Brasil seja um país que não percebe ameaças, porém devemos ter estas percepções. O Estado está se adaptando ao novo mundo e as Forças Armadas têm de existir como instrumento do Estado.

O recente Relatório da ONU aborda o fato de que no mundo, os ricos estão ficando mais ricos, e os pobres mais pobres. O esforço do apartheid tecnológico-econômico está aumentando. Em todos os nossos estudos no Ministério da Defesa, apontamos para o fato de que, à medida que as massas pobres ficam no desespero, seja pela fome, pelo desemprego, pela indiferença, etc, elas estão prontas para qualquer ato de vida ou morte, seja terrorismo, seja violência, em todas as formas, graças a esta brutal diferença do mundo. A questão que se coloca é se não teríamos que ter outra coisa em função do homem, ou seja, contra o ganho desmedido, o avanço em certas estruturas-empresas, que torna a ganância do homem algo sem medida. O capitalismo está de uma forma tal, que criará um mundo violento, o qual será a vazão pelo terror. O terrorismo é, portanto, a continuação da política por outros meios, pois, já que não há mais possibilidade de confrontação pelas armas, há que ser pela morte, pela vida, pela sobrevivência. Sendo assim, caso esta estrutura filosófica e econômica do mundo não mude, e não percebamos as questões ambientais e de sobrevivência do planeta, e como este modelo capitalista está tornando ricos mais ricos e pobres mais pobres, o terrorismo e outras formas de violências virão, apenas com outros nomes.

Um dos participantes dirigiu uma pergunta ao professor Raza, com referência a sua afirmação de que alianças regionais devem ser evitadas. O participante perguntou de que tipo seriam estas alianças, se regionais militares ou somente de combate ao terror explícito, visto que ambos os casos têm implicações políticas imediatas para a América do Sul.

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Segundo o professor Raza, ele se referia a alianças específicas contra o terror. Disse ainda que o problema está em se determinar onde termina uma e começa a outra. O problema não é ter a política em si, mas ter a definição de políticas de defesa e de política de segurança. O professor afirmou, ainda, ter dúvidas quanto à capacidade da nossa política de defesa de instrumentalizar qualquer tipo de aliança, caso ela tenha de fazer uma aliança contra o terror, pois ela parece muito mais uma política de segurança, como os meios de defesa, que não consegue instrumentalizar decisões políticas que devem ser tomadas. É necessário retomar a discussão sobre o que é uma política de defesa ou de segurança; o tema segurança terá de ser reincorporado a fim de seja possível discutir e propor soluções sobre o tema.

Outro participante da plenária fez uma interferência, onde ele levantou dois pontos acerca do conceito de terrorismo. Primeiramente, afirmou que este conceito lhe parece um conceito extremamente elástico, da mesma forma que o comunismo foi durante a Guerra Fria e justificou muitas atrocidades, por parte de governos, seja no Vietnã, seja na Guatemala, seja na Nicarágua e El Salvador, etc. Outro aspecto referente ao conceito de terrorismo se refere à tênue fronteira entre a tentativa de definir terrorismo e documentos que estão sendo produzidos nos países centrais, como um texto de Robert Cooper, que fala de Estados pós-modernos, modernos e pré-modernos, dentre outros. O participante afirmou lhe parecer que, por trás dessa definição de terrorismo, há também novas formas de redisciplinamento da periferia e de classificação e criação de taxonomias que possam vir a ser um pretexto para novas intervenções em Estados periféricos falidos, ou pré-modernos, como são denominados por alguns.

De acordo com o professor Francisco Carlos Teixeira Da Silva, uma das coisas que se tem discutido atualmente, e se assiste quando se sai do ambiente brasileiro, é a idéia de que o terrorismo pode ser

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um elemento de aglutinação dos excluídos, trata-se, portanto, de uma fala para quem não fala. Este fato constitui um problema sério e tem um efeito pedagógico desde os terroristas anarquistas. O fato de se atingir o rico muito poderoso, satisfaz o pobre frustrado e humilhado; o risco que se corre, portanto, é muito grande.

O professor Francisco Teixeira, aproveitando o enriquecedor clima de discussão proporcionado no Encontro, apresentou uma concordância plena e também uma discordância plena com o professor Raza. A discordância diz respeito ao fato de o professor Francisco Teixeira defender que a metodologia desenvolvida se aplica bem, se estivermos pensando, por exemplo, no Egito (as Madrasas e a Universidade do Cairo), pois trazer a discussão da esquerda brasileira para dentro desse conceito e pensar em redes adormecidas de esquerda, parece desviar o foco central de atenção. Este foco diz respeito ao fato de que o Brasil será alvo do terrorismo se o núcleo duro se blindar cada vez mais, na medida em que será mais fácil atingí-lo pela periferia mole. É mais fácil atingir uma empresa americana numa convenção internacional de chefes de Estado, ou desportistas na periferia mole do que o terrorismo tupiniquim a essa altura produzido no Brasil.

O professor Raza comentou rapidamente a discussão de foco de definição do terrorismo. Segundo ele, inicialmente, se compreende o fenômeno, para em seguida se dar a definição operacional, caso contrário, ficaremos anos tentando concordar com a definição. A definição operacional rigorosa da academia é útil para um determinado propósito. Toda taxonomia embute uma axiologia, ou seja, sempre que se moldam as categorias, valores são embutindo e é impossível não se fazer isso, logo, toda taxonomia embute uma ideologia. Neste caso, o problema está em como se usa uma ideologia para estruturar outras ideologias. Dessa maneira, embutem-se erros que nós, do ponto de vista do rigor do método, temos de estar atentos para não cometê-

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los. Em trabalhos como estes, é preciso ter professores que ficam de fora do trabalho, apenas monitorando o que se está fazendo do ponto de vista metodológico, visto que a preocupação metodológica com relação à transitividade das conclusões é extremamente pertinente.

Do ponto de vista de estruturas domésticas de terror na América Latina, como um todo, não há dúvidas de que elas existem, porém, quando se olha para o Brasil, as informações disponíveis apontam para a existência de alguma coisa ainda dormente.

O Embaixador Rubens Ricupero fez uma interferência, na qual lembrou que há um problema premente que teremos de enfrentar como brasileiros. Nos próximos 12 meses, se tudo sair bem, será concluída a negociação de uma convenção global contra o terrorismo. Há, portanto, uma esperança de que haja uma convenção, onde será embutida uma definição de terrorismo. Paralelamente a esta questão, outra decisão da cúpula de agora é que, nos próximos 12 meses, será definida uma estratégia global contra o terrorismo. Considerando que o Brasil não é um país irrelevante em termos internacionais, visto que ele está pleiteando uma vaga de membro permanente do Conselho de Segurança, espera-se que ele dê uma contribuição nesta decisão a ser tomada. Diante desta situação, há duas alternativas para o Brasil: ou ele toma uma atitude de passividade, adota a atitude implícita de que o problema não lhe concerne e deixa a discussão para os países que estão mais envolvidos, ou ele procura dar uma contribuição diferenciada, tanto à Convenção quanto à estratégia. Entretanto, para se ter uma estratégia a oferecer, é necessário que se tenha, primeiramente, uma estratégia nacional, pois a contribuição do Brasil não será, obviamente, em relação ao Iraque, mas relacionada à nossa área. Devemos ter em mente, portanto, qual contribuição o Brasil terá a oferecer quando esta lhe for exigida.

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O Coronel Valdomiro indagou aos palestrantes, se nos debates e reuniões, em nível internacional, dos quais eles têm participado, chegou a ser objeto de preocupação o tema de Estados falidos, nos quais a utilização de armas não convencionais, dinamite, por exemplo, seja considerada como instrumento de trabalho, em que há uma total falta de coesão nacional, dado o apartheid entre etnias que são majoritárias e que não estão incluídas no processo decisório de formação do corpo do Estado e da estrutura do Estado, como é o caso de países andinos. Parece existir um cálculo de situações que poderia ser alvo de uma estrutura organizada.

De acordo com o professor Raza, tem havido nas discussões internacionais, uma preocupação com a possibilidade de ocorrências de terrorismo em situações como esta em que se encontram os Estados falidos, dado esse caldo de cultura e a essa soma destes fatores. Segundo ele, o problema de caldo de cultura que se observa nas fronteiras entre Brasil e Bolívia, por exemplo, não aponta para o sentido de que as pessoas que ali estão sejam ruins e sem caráter, antes são cidadãs, pessoas que lutam pelo seu ganha pão, nada há contra elas, enquanto pessoas; este é, portanto, um problema de Estado.

A idéia não é que estas pessoas possam se transformar em terroristas. Análises e evidências não apontam para este sentido, apontam sim, para um fenômeno novo, que em inglês chama-se emergency, ou seja, dado um determinado caldo de cultura, de repente não se tem exatamente a noção do que dispara o processo, mas há possibilidade da emergência dentro daquele fluxo de ação de uma modificação de percepção que a violência pode ser instrumental e daí o processo é desencadeado. A Bolívia é um excelente estudo de caso, pois ela, assim como uma região do Peru, outra da Colômbia e alguma parte da Argentina e do Brasil, servem como referência de análise.

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Segundo o professor Raza, sua proposta não tem função de inteligência, de identificar se aparecerá terrorismo num ou noutro lugar, antes, seu trabalho possui mais uma perspectiva analítica, quais são as características do fenômeno que podem ajudar, posteriormente, um decisor político a tomar as decisões. Sua preocupação é oferecer um reconhecimento e uma análise do fenômeno e os desdobramentos disso para a política. E apresentar, inclusive, quais são as fragilidades de suas conclusões, visto que suas conclusões possuem fragilidades, pois são um primeiro esforço de síntese, que se junta a um esforço global que está sendo feito.

Algumas regiões da fronteira do Brasil, como as regiões que ligam este país à Bolívia, ao Uruguai e ao Paraguai, se abstrairmos aspectos de língua e cultura, encontram-se na mesma situação que vemos na fronteira da Turquia, do Cazaquistão, e em alguns locais da Arábia Saudita. Abstraindo-se, portanto, os aspectos analíticos do problema, verificam-se os mesmos problemas, como a miscigenação cultural, transfronteirização por falta de controle e ação estatal, corrupção, fluxo financeiro externo, escolas miscigenadas sem estruturas pedagógicas definidas e ambiente cognitivo formado pela mídia e não por instrumentos efetivamente caseiros e por célula. O terror emergiu em regiões que apresentam essas características.

Quanto à possibilidade do terrorismo aparecer no Brasil, verificamos que, do ponto de vista analítico, o país possui todos os ingredientes, mas há algo freando, pois caso não houvesse, o terrorismo já teria eclodido. Os dois grandes freios são estabilidade política e freio cognitivo, pois a população brasileira não percebe o terrorismo como parte integrante do nosso programa atual, enquanto que nas regiões citadas acima, a população percebe isso muito nitidamente. Além destes dois elementos de freios, há ainda a ação policial, da qual as forças militares proveêm backup, suporte e inteligência logística

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e, quando exigido, a força necessária para maximizar ações de força. Essa postura de uso da força, juntamente com as posturas política e cognitiva, parecem ser os elementos de freio.

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Professor Anselmo Páschoa Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Professor Leonardo Nemer Caldeira Brant Universidade Federal de Minas Gerais

mEdidAS PREvENTivAS E dE cOmbATE AO TERRORiSmO imPlEmENTAdAS NOS fóRuNS iNTERNAciONAiS E POSSívEiS imPlicAÇõES

PARA O bRASil

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PROfESSOR ANSElmO PáSchOA

O palestrante iniciou sua apresentação discorrendo acerca dos motivos de se discutir o terror nuclear. Segundo ele, não está claro se um atentado a uma instalação nuclear pode causar liberações nucleares significativas. A exacerbação do medo da radiação é o fator importante. Para cada dólar que foi usado por terroristas em 11 de setembro de 2001, U$ 100 de destruição foram causados. O impacto sobre o público após o acidente nuclear em Chernobyl foi considerável. No passado, os ataques eram amadores, contra reatores e transporte de combustível, ao passo que, no presente, os ataques são bem planejados tecnicamente, ou suicidas, principalmente a partir de 11 de setembro de 2001.

Tem-se informação da existência de algumas células adormecidas, em vários países, o número delas varia entre 1000 e 14000. No Brasil, não é possível afirmar a veracidade desta informação. Um caso clássico de célula adormecida ocorreu antes de 2001, e foi a primeira tentativa de explosão do World Trade Center com um caminhão. Cabe destacar que os ataques são de vários tipos, mas os que utilizaram aviões comerciais foram os de grande sucesso na Al Qaeda.

Em se tratando das motivações e capacidades para ataques terroristas em reatores nucleares ou transporte de artefatos nucleares, verificamos que elas são muito comuns, dada a facilidade com que os transportes podem ser atingidos. O risco de coisas como estas acontecerem é um produto de probabilidade versus conseqüências. Em geral, com pequena probabilidade de um ataque de altas conseqüências, mas deve-se dizer também, que a probabilidade é uma dependência, uma função da motivação e da capacidade de alguma coisa desse tipo ocorrer; não basta ter motivação, é necessário ter a capacidade e competência.

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No que se refere às conseqüências desses ataques, estas são amplas e complexas e os danos podem ser físicos, imediatos, econômicos, financeiros, psicológicos, políticos etc. Já as modalidades de ataques podem ser de diversos tipos: artefato ou dispositivo nuclear, material nuclear, instalações nucleares que podem se transformar, elas mesmas, no grande objeto. Há ainda os dispositivos de dispersão radiológica ou DDR, também chamado de bomba suja. Os dispositivos ou artefatos podem ser derivados de roubo dos materiais nucleares para fabricação de uma bomba, ataque nuclear ao reator, ao transporte ou a uma instalação importante, e também a bomba suja, o artefato mais provável, porém, com conseqüências menos danosas.

No que se refere à definição de terrorismo, os atos de violência e destruição com uso ou ameaça de dispositivos nucleares, ou de ataques a instalações nucleares foram usados como definição de terror em 1990, e depois como equivalente de um crime de guerra em tempo de paz. Entretanto, é possível acrescentar mais umas 50 definições e/ou criar outras.

Entre 1989 e 1999, ocorreram 235 ameaças, falsos alarmes e pequenas sabotagens em instalações nucleares americanas. Estas ocorrências estão bem registradas. Se houvesse alguma liberação de radioatividade, os efeitos agudos ocorreriam apenas na direção da pluma radioativa, essencialmente com efeito local. Dependendo dos meios de dispersão e padrões de posições, pessoas que vivessem nas imediações sofreriam dois tipos de efeito de longo prazo, os estocásticos ou os imediatos.

Quanto aos alcances destes efeitos, a primeira idéia que deve ser esclarecida é a de que eles ocorrem em três raios de ação. O primeiro deles representa os efeitos agudos, o segundo os chamados de longo prazo e o terceiro, representa os efeitos psicológicos. Estes últimos

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podem ser bastante aumentados, e um exemplo foi que, após o fato ocorrido em Goiânia, os efeitos psicológicos chegaram ao Rio de Janeiro, quando impediram que produtos de Goiânia fossem dispostos na feira da Providência, no Rio Centro. Os temores em potencial, os impactos psicológicos, podem ser tão ou mais importantes que os danos físicos. Se o risco é a probabilidade e as conseqüências – esta é uma visão técnica - a percepção de risco é um conceito extremamente subjetivo. Em geral, as pessoas que falam em risco estão falando em percepção de risco, ao invés de risco, e percepção é algo quase que pessoal. A ameaça não pode ser definida como risco, antes, deve refletir não apenas a probabilidade de algo que possa ocorrer, mas também uma preocupação com perigo em potencial.

Efeitos e impactos têm alcances espaciais e temporais, sendo que, às vezes, são um pico, isto é, embora abranjam numa grande área, são apenas um pico, logo, não representam um problema muito sério. Podem também são ser bem pontuais e atingirem um número grande de pessoas, numa área muito grande, porém, com pouco resultado. O publico, em geral, vê os perigos associados à radiação como se fossem maiores do que a visão dos técnicos, enquanto estes tendem a dizer que o efeito é pequeno.

Em se tratando dos impactos econômicos e políticos do terror, estes são danos nacionais. E internacionais, em alguns casos. Um ataque bem sucedido tem a capacidade de enfraquecer a indústria nuclear de uma forma global. Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica, existem cerca de 440 usinas nucleares, 671 reatores de pesquisa, e 284 em nível operacional. Todas essas instalações são alvos potenciais de ataques de terror nuclear, além dos transportes de um lado para outro e, principalmente, dos combustíveis usados. Após o 11 de setembro, houve um grande número de petições solicitando o fechamento de reatores nucleares próximos às áreas de alta intensidade

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populacional. Os efeitos do acidente em Goiânia são bem conhecidos e difíceis de serem contabilizados. Antes do acidente, Goiás era o Estado que mais crescia no Brasil, porém, após o ocorrido, ele passou 14 anos sem crescer, embora o acidente tenha sido pequeno.

No que se refere à percepção de vulnerabilidade, o 11 de setembro mudou a percepção do fenômeno do futuro. Dezenove terroristas foram capazes de mudar a percepção completa dessa idéia de vulnerabilidade. Percepções diferentes existem através do Atlântico e entre os dois hemisférios. Terrorismo em solo europeu é um fenômeno comum e antigo. A Al Qaeda mostrou que não existe segurança contra o terrorismo no planeta Terra. Onze de março de 2004, o ataque ao metrô de Paris reforçou esta idéia e provou que é possível matar centenas de pessoas e ferir milhares com investimento muito baixo. Não é conveniente apontar culpados antes de reunir dados confiáveis sobre os responsáveis pelo atentado. E este levantamento, dependendo de quanto é realizado, pode mudar o resultado de uma eleição. Toda a Europa passou a se sentir ameaçada, o que foi reforçado pelo ataque ocorrido em Londres, em 2005, ataque este que confirmou a vulnerabilidade da Europa.

O papel da mídia, quando se trata de terrorismo, é muito interessante, visto que, os eventos são sempre manchetes em certos jornais e revistas. A televisão e o rádio os consideram prioritários na sua pauta. E não raro, as autoridades constituídas são os inimigos identificados dos terroristas. Em se tratando do público, algumas questões se colocam, como por exemplo, qual é a audiência de uma organização terrorista específica? Quais são as estratégias, os meios do ponto de vista do terror? Existe organização, equipamento e know how para usar as chamadas armas de destruição em massa?

Os grupos por ideologia podem ser de esquerda, direita, raciais e separatistas e até mesmo indivíduos isolados. No que se refere à

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avaliação de ameaças, os métodos operacionais têm uma fase conceitual, seguida de uma de coleta de informações, uma fase de implementação, obtenção de armas e explosivos, sendo que às vezes, pode ser necessário, apenas, aprender como trabalhar no software dos computadores da usina. Estes grupos contam, ainda com comunicação, cooperação interna e financiamento. Em se tratando deste último, cabe destacar que o financiamento da violência ou da ameaça pode ser feito por países e por grandes organizações.

Segundo o palestrante, o problema das democracias é complicado pelo fato de haver completa e total liberdade da União e ninguém pode pedir certificado de não terrorista a alguém que vai participar de uma reunião, por exemplo.

O professor Anselmo falou, rapidamente, sobre alguns tipos de acidentes. O primeiro deles é o DBA (Design Basis Accident), que por definição é um acidente postulado com base no qual uma instalação nuclear deve ser projetada e construída para resistir, sem perda de sistemas, estruturas e componentes necessários para assegurar a manutenção da segurança e da saúde pública. O DBP (Design Basis Phenomena), por sua vez, diz respeito a fenômenos naturais, tais como terremotos, tufões, furacões, vendavais, enchentes, dentre outros, com base nos quais uma instalação nuclear deve ser projetada e construída para resistir, sem perda de sistemas, estruturas e componentes necessários para assegurar a manutenção da segurança e da saúde pública. Portanto, verifica-se que o princípio sobre a instalação nuclear deve ser construído de modo a resistir a todas as possíveis intempéries.

Os Estados Unidos vêm discutindo, há algum tempo, o chamado DBT (Design Basis Threat), ou ameaça de base de projetos aplicada à segurança de materiais nucleares e outros materiais sensíveis. Embora seja crescente o número de países que estão adotando DBTs, ou os

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AmBPs (Ameaça de Base de Projetos), como parte integrante do esforço para manter sobre controle materiais nucleares e fontes radioativas em seus territórios, outros países estão experimentando dificuldades em implementar DBTs que não foram criados com a capacidade necessária. Por este motivo, recentemente, foram sugeridos três níveis de DBTs: o primeiro é o nível 1, que se refere ao sistema de proteção física e é considerado o nível ótimo. O nível 2 diz respeito aos sistemas de proteção física em nível intermediário, com base em um conceito que faz uma analogia ao princípio usado em proteção radiológica. Por fim, o nível 3, nível mínimo de SPP, restrito, apenas, à proteção contra uma ameaça mais provável. Isso significa que, quando se tem uma ameaça e se sabe que aquela é única, ela deve ser tratada como tal. O nível 1 corresponde, tipicamente, à transferência de DBT de países industrializados para países em desenvolvimento, e esta operação é muito cara. O nível 2, por sua vez, pode ser adequado para países em desenvolvimento, com um número significativo de instalações nucleares, porém, com capacidade econômica limitada. O nível três seria, portanto, aplicado em países com pouquíssimas instalações nucleares, mas sujeitos a ameaças de terror nuclear, como é o caso da Geórgia, por exemplo. No caso do Brasil, pode não ser viável também operações com base em padrões internacionais e o nível 2 seria um bom nível.

Em termos das contribuições de uma discussão mais técnica, pode-se afirmar que os passos a serem seguidos para a implementação de AmBPs, em nível I, para o Brasil são, basicamente, identificar as autoridades legais e o contexto; desenvolver hipóteses operacionais para serem usadas em conformidade com as ameaças de base de projetos; identificar faixas de ameaças, listas de ameaças e identificar, ainda, fontes de informações relacionadas com ameaças; analisar e organizar informações; desenvolver avaliações das ameaças e obter

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consenso, criar um banco das ameaças de base de projeto e uma estrutura legal para tratar delas; e, por fim, formar e compor uma comissão permanente de gerenciamento de crise, o CoPeGeC.

No caso nuclear, segundo o palestrante, a autoridade nacional competente é a Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN, e dentro da CNEN, a Diretoria de Radioproteção, Segurança Nuclear e Salvaguardas detém a responsabilidade de fiscalizar as atividades que envolvam materiais nucleares. À Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) também cabe a responsabilidade de controlar a entrada e saída de material nuclear em todo o território nacional. O desenvolvimento de postos operacionais seria fundamentado nas condições reais, existentes ou permanentes, nas diversas regiões do país. Podemos exemplificar este fato quando verificamos que as condições do Nordeste sugerem um desenvolvimento de portos operacionais que diferem completamente da região da tríplice fronteira. A região da Cabeça do Cachorro deve ser objeto de hipóteses bem específicas para aquele local, e assim por diante. Dessa maneira, esta Comissão deve estar, permanentemente, discutindo estas questões, pois não pode ser surpreendida por algo no qual não havia pensado antes.

No que se refere às faixas de ameaças, atores internos e externos, como narcotraficantes, por exemplo, podem ameaçar, potencialmente, instalações nucleares; e, atores internos podem ser sabotadores, terroristas, criminosos com ligações internacionais ou ainda indivíduos mentalmente perturbados, como o que queria jogar um avião no Palácio do Planalto, há alguns anos. No grupo dos atores internos podem ser incluídos trabalhadores desempregados e empregados demitidos e inconformados, ou membros de movimentos políticos radicais.

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A lista de ameaças é muito difícil de ser elaborada, mas é possível fazê-lo. Deve ser feita uma lista para cada instalação dizendo como ela pode ser protegida. Grande parte das instalações nucleares brasileiras é quase indefensável, pois elas deveriam ter sido construídas já dentro de um conceito, mas não o foram. No atual momento, é muito difícil e caro fazer as modificações necessárias, mas é possível, ao menos, melhorar a situação. A estrutura organizacional, as atividades específicas, as armas e as informações e a comunicabilidade podem facilitar o ataque e, também, a defesa. Outros fatores que também facilitam muito o ataque são o apoio internacional ou infiltração de elementos na instalação; a identificação de fontes de informações relacionadas com ameaças; uma ampla faixa de informação, que pode ter relevância para potenciais terrorismos nucleares e também para defesa. Além disso, exames de tentativas de ataques realizados no passado, com ou sem sucesso, podem ter especial relevância. Deve-se analisar e organizar informações relacionadas às ameaças, estabelecendo um conjunto de cenários e as informações devem ser organizadas de forma matricial.

Outro tema abordado pelo palestrante foi a dificuldade de se obter consenso sobre ameaças genéricas. Segundo ele, é necessário que este Comitê ou Comissão trabalhe incessantemente, mantendo reuniões de trabalho, seminários, debates. E, caso sejam aceitos os cenários, o próximo passo seria obter das autoridades legalmente constituídas, uma autorização para se preparar para evitá-las, ou caso venham a se tornar realidade, ou estejam iminente a se tornarem realidade, para combatê-las. Porém, é muito comum que ocorram resistências por parte de diferentes segmentos da sociedade, que preferem ignorar ou minimizar ameaças potenciais, até que elas se transformem em realidade.

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Deve-se ainda criar um banco de dados interativo, com avaliações espaciais e temporais. O Brasil possui diversos bancos de dados isolados que, entretanto, não se comunicam. É fundamental que haja uma coordenação para facilitar esta comunicação.

Em se tratando da estrutura legal, deve ser entendido que esta estrutura deve ter aprovação do Congresso Nacional. Isso é um pressuposto para que uma comissão dessa possa funcionar com o trabalho realizado na ameaça de paz do Brasil.

O professor Anselmo finalizou sua apresentação fazendo uma proposta para a Comissão, que, segundo o próprio professor, não é uma proposta definitiva, trata-se apenas de uma idéia lançada para discussão. Devem participar dessa Comissão, representantes da CNEN, do Gabinete de Segurança Institucional, do Ministério da Defesa, dentre outros. É necessário que a composição de uma CoPeGeC seja definida por órgãos envolvidos, de modo a viabilizar o seu funcionamento, e, ao menos o presidente da CoPeGeC deve ser argüido e ter seu nome e currículo aprovados pelo Senado Federal, antes de assumir as responsabilidades inerentes ao cargo.

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PROfESSOR lEONARdO NEmER cAldEiRA bRANT

O professor Leonardo Brant iniciou sua fala esclarecendo que o terrorismo pode ser analisado de diversas formas, porém, sua análise estaria inserida, sobretudo, dentro de uma perspectiva jurídica. Trata-se de ver o terrorismo a partir de um ângulo jurídico, dentro da perspectiva do Direito Internacional. O palestrante dividiu sua palestra em duas partes, a fim de facilitar a compreensão da visão do terrorismo na perspectiva do Direto Internacional. Na primeira parte, ele discorreu acerca do funcionamento da produção do sistema normativo internacional, visto ele possuir grandes diferenças do sistema normativo da produção da norma no direito interno, e este fato terá conseqüências tanto na aplicação, quanto na efetividade e eficácia da norma internacional. No segundo momento da palestra, ele falou sobre o terrorismo em si, e dividiu o tema em três sub-temas precisos, os quais são: a busca de um conceito, dentro de uma perspectiva jurídica, as formas internacionais de prevenção e de cooperação, e finalmente, o combate, com as formas que o Direito prevê, ao terrorismo no campo internacional.

Analisando, portanto, a comunidade internacional, a fim de percebermos a maneira como a norma internacional se insere, podemos partir do conceito de que a sociedade internacional não se situa na mesma estrutura normativa da sociedade interna, ou seja, não temos, no sistema internacional, um núcleo de poder, de soberania, no qual poderia se produzir, legislar, executar e julgar a norma. A sociedade internacional é uma sociedade descentralizada e basicamente de coexistência de Estados e de organizações internacionais que são criadas através de tratados, isto é, são criadas pelos próprios Estados, a partir de uma delegação de competência na criação do tratado

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constitutivo da organização internacional. Assim, em linhas gerais, a sociedade internacional se caracteriza por ser uma sociedade de coordenação descentralizada, diferentemente da sociedade interna, que é centralizada e cujos poderes designados pela Constituição Federal teriam competência para produzir, executar e julgar a norma.

As conseqüências desse modelo, no que tange à prevenção de terrorismo, são significativas, na medida em que, dentro do sistema internacional, o autor da norma é o destinatário da norma, logo, não há um terceiro autor, que seria um poder legislativo ou judiciário, que produziria norma para ser dirigida a nós, sociedade civil, seja ela formada pelo próprio Estado, por indivíduos ou por pessoas físicas ou jurídicas. No sistema internacional, o autor da norma, o Estado, é, portanto, destinatário da norma e essa é uma conseqüência preliminar do conceito de soberania. Isto implica no fato de o Brasil não poder produzir um direito ainda que seja limitando ou prevenindo o terrorismo para um país como o Uruguai; a produção da norma, portanto, é, necessariamente, consensual.

As conseqüências desse fato tornam-se claras quando se analisa a primeira problemática apresentada pelo o terrorismo, dada a dificuldade de conceituar o fenômeno do terrorismo. Para que ele tenha uma tipificação, uma incorporação objetiva, é necessário que passe pelo crivo do Direito, pois é o Direito que delimita o que é terrorismo. E somente a partir de uma avaliação jurídica é que podemos avaliar o fenômeno.

Dito isso, cabe, agora, buscarmos uma definição de terrorismo. A busca de um conceito do fenômeno passa por diversas situações que envolvem o terrorismo, como por exemplo, o terrorismo como uma forma de governo perseguida. Neste caso, o terrorismo se identifica mais como uma luta no interior de um Estado e possui uma perspectiva

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política. Há ainda os movimentos de terrorismo com uma vocação nacionalista, de criação dos Estados nacionais; terrorismos vinculados à descolonização e movimentos de terrorismos vinculados ao conflito leste-oeste. Porém, historicamente, o que é interessante destacar é o momento preciso, a partir da década de 60, quando, pela primeira vez, um avião de linha comercial é destruído Nesse momento, o ato terrorista em si é um ato terrorista internacional. O autor do ato não correspondia a nacionalidade daquele Estado, internacionaliza-se, portanto, o fenômeno. A partir da internacionalização do fenômeno terrorista, o terrorismo passa a corresponder, a ingressar dentro de um sistema de solução de controvérsias da Carta das Nações Unidas. Esta Carta prevê, a partir do seu Artigo 2.3 e 2.4, a interdição do recurso da força. Dessa maneira, num primeiro momento, o terrorismo em si, enquanto objetivo de ação internacionalizada, passa a estar proibido pela interdição do recurso da força, provido pelo Artigo 2.3, 2.4 da Carta das ONU, que imediatamente nos remete à necessidade de solução pacífica das controvérsias internacionais, previstas no Artigo 33. Este Artigo subdividirá as formas possíveis de solução pacífica de controvérsias entre formas políticas – como os bons ofícios, a mediação e a conciliação - e as forma jurisdicionais – onde temos a arbitragem e a corte internacional de justiça.

Sendo assim, dentro de um primeiro prospecto legal do que a Carta da ONU nos apresenta, como forma de solução de controvérsias internacionais, a partir de uma internacionalização do fenômeno da utilização da força, dentro da moldura do terrorismo, dentro deste prospecto, as perspectivas estão previstas na Carta das Nações Unidas. Entretanto, o problema é bem mais abrangente pelo fato de o terrorismo não ter obtido uma conceitualização ou um conceito jurídico normativo, antes, há um grande desacordo diante da comunidade internacional. Este desacordo está próximo de ser

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ultrapassado na negociação de uma Convenção geral que tratará da definição final do terrorismo, mas que ainda não foi obtida.

Ainda em se tratando da busca de um conceito de terrorismo, cabe assinalar que a primeira busca se deu a partir do documento de uma Convenção internacional, que reprimia o crime de terrorismo. Em 1937, no período da Sociedade das Nações, após o assassinato do Ministro das Relações Exteriores da França e do antigo Rei da Iugoslávia, a Sociedade das Nações se reuniu com a finalidade de criar duas convenções: a primeira, para a criação de um tribunal penal internacional, e a segunda, uma Convenção-quadro de definição e prevenção do crime de terrorismo. É importante mencionar que ambas as convenções não obtiveram ratificação, apenas uma delas obteve uma ratificação da Índia e nenhuma delas entrou em vigor.

Um desacordo dos Estados quanto à criação de uma tipificação do que vem a ser a noção de terrorismo, levou, portanto, a sociedade internacional, já no período das Nações Unidas, a quatro formas de encaminhamento da superação desse quadro de impasse para definição do conceito de terrorismo. E já se sabe que não existe crime quando não há lei anterior que o defina. O problema está na politização do conceito. Pelo fato de o ato de terrorismo ser, necessariamente, um ato de força e ilegal, os Estados tendem a julgar, enquanto legal no conceito, aquilo que lhes interessa, e excluir, enquanto ilegal da utilização da força, o que não lhes interessa. Temos, portanto, na tentativa de conceituar o termo, todos os conflitos permanentes, a partir do surgimento da Carta das Nações Unidas.

No que se refere ás formas de superação do problema, a primeira delas foi obtida através de uma condenação, pura e simples, pela Assembléia Geral, ao que deveria ser conhecido como terrorismo. A Assembléia Geral, a partir de uma Convenção importante, em 1970,

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passou a condenar o terrorismo, sem necessariamente incriminar, pois condenar não significa reconhecer enquanto crime. Em 1972, pela Resolução 3034, da 2114ª Reunião da Plenária, após os atentados de Munique, a Assembléia Geral decide estabelecer um Comitê ad hoc sobre terrorismo internacional que funcionou até 1979 e que, também sem sucesso, teria a finalidade de criar um quadro possível de conceituação do fenômeno terrorista. Entretanto, também essa mesma condição não teria sucesso, porque havia dois planos de fundo, o primeiro dizia respeito à questão da definição dos limites, do alcance e da abrangência do que ela seria, embora condenando o terrorismo, vis à vis o conflito palestino. Isso porque os Estados, nessas duas primeiras resoluções que tendem a condenar o terrorismo internacional, fazem uma breve referência à não condenação da utilização da força, quando de movimentos de libertação nacional, ou de autodeterminação dos povos. Este último constitui um dos pontos centrais do desacordo na tipificação do terrorismo, já que é difícil distinguir movimentos de libertação nacional. Todas as outras resoluções, portanto, possuem uma alta carga dos Estados de terceiro mundo, que condenam o racismo, o apartheid, a colonização, e retiram da cobertura da condenação do crime de terrorismo a luta pela auto-determinação dos povos.

Um segundo pano de fundo tem início no final da década de 80 e se caracteriza pela não condenação do terror, mas sim incriminação. O terrorismo passa a ser considerado crime, e à medida que é tratado como crime, há uma reviravolta no cenário da Organização das Nações Unidas, e passa a ser incluído enquanto ato terrorista, ao uso da força, em caso de luta pela libertação nacional e autodeterminação dos povos. Diversas resoluções condenam o terrorismo em si, sem defini-lo, mas condenam dentro de uma perspectiva objetiva, como por exemplo, seqüestro de uma aeronave. Há uma Resolução nesse sentido. Esta incriminação do terrorismo internacional dará origem à, inicialmente,

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quatro Convenções das Nações Unidas. A primeira delas, de 14 de dezembro de 1973, é a Convenção sobre prevenção e punição de crimes contra as pessoas que gozam de uma proteção internacional, incluindo os agentes diplomáticos. Uma segunda Convenção, datada de 17 de dezembro, refere-se ao seqüestro de pessoas. Os atentados terroristas e explosivos são resultado de uma terceira Convenção, de 1997. Por fim, a quarta e mais importante Convenção, de 9 de dezembro de 1999, diz respeito ao financiamento do terrorismo. Todas estas resoluções da Assembléia Geral, do Conselho de Segurança e Convenções internacionais têm finalidades precisas que é de definir ou tipificar o fenômeno do terrorismo.

Diante do impasse da definição do fenômeno e de sua tipificação jurídica, a sociedade internacional julgou conveniente trabalhar dentro de uma circunstância setorial, por exemplo, no campo da organização da aviação civil. Cria-se uma convenção que, em matéria de aviação civil, prevê um artigo incriminando a prática de terrorismo nessa situação determinada. No campo da Agencia Nacional de Energia Atômica e da Organização Marítima Internacional também há artigos na Convenção que incriminam o ato terrorista. No entanto, nenhuma dessas convenções setoriais, que se valem da terminologia “terrorismo” e que prevêem a ação terrorista e a incriminação do ato terrorista, conceitua terrorismo. Temos, portanto, um vácuo de consentimento.

Há também um avanço no plano regional e o fenômeno do terrorismo é citado em duas Convenções regionais, a primeira delas é a Convenção no campo interamericano. Esta se subdivide em duas Convenções, que prevêem e incriminam igualmente o terrorismo internacional. A primeira destas é a Convenção de Washington, de 2 de fevereiro de 1971, cujo objetivo é a prevenção e a repressão dos atos de terrorismo que tomam a forma de delitos contra as pessoas,

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bem como a extorsão conexas a estes delitos. A segunda Convenção Interamericana contra o terrorismo ocorreu em 3 de junho de 2002. Há também, no âmbito regional, alguns textos que, de uma maneira geral e abstrata, tratam do terrorismo e tentam, de uma maneira ainda convencional, definir o terrorismo. Um exemplo de textos é a Convenção sobre Prevenção e Combate ao Terrorismo da Organização da Unidade Africana (OUA) dentro do Tratado de Cooperação dos Estados Membros das Comunidades dos Estados Independentes na Luta contra o Terrorismo, de 4 de julho de 1999, cujo Artigo 1° dá um conceito abrangente e abstrato de terrorismo. E, também, a Decisão CADE, da Comunidade Européia, de 3 de junho de 2002, relativa á luta contra o terrorismo.

Na impossibilidade de um conceito obtido também dentro do circuito setorial, tem-se, atualmente, um grande projeto em andamento, levado com grande empenho pelo Secretário-Geral das Nações Unidas e cujo objetivo é a criação de uma grande convenção internacional que tenha como objetivo primário definir e ultrapassar as dificuldades inerentes ao conceito de terrorismo. A primeira destas dificuldades diz respeito à questão dos movimentos de libertação nacional ou de autodeterminação dos povos, na qual se insere, nitidamente, o conflito Israel e Palestina. A segunda dificuldade é a caracterização do terrorismo de Estado, já que não há uma definição precisa e clara de que o terrorismo se estenderia também a atos estatais ou apenas atos particulados. Neste sentido, cabe a discussão se uma política de Estado pode ser considerada terrorista ou não. Ainda no que se refere à última dificuldade, há outro ponto interessante que discute se o terrorismo abrangeria também bens em geral ou apenas pessoas, e se abrangeria, igualmente, militares ou civis que foram atingidos por um ato terrorista, já que ainda não está claro se um atentado terrorista contra uma base militar seria ou não um atentado terrorista.

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A questão é saber se a Convenção de Genebra, relativa ao Protocolo de Genebra e ao Direito Internacional Humanitário seria aplicada ou não em circunstâncias como as citadas acima. Qual seria, portanto, o limite do Artigo 4º, ou do Artigo 33º desta no que se refere ao Direito Internacional Humanitário, diante da intervenção militar no circuito de um atentado terrorista, tanto como autor, quanto como destinatário do atentado.

Neste ponto da discussão já podemos propor uma definição, que deve ser composta de alguns elementos. O primeiro ponto a ser considerado, quando se pretende propor uma definição de terrorismo, é a discussão de alguns elementos que devem ser esclarecidos. Os primeiros deles são aqueles oriundos das convenções setoriais, que totalizam 10 Convenções, incluindo a Convenção para Supressão de Financiamento do Terrorismo, por exemplo, e as Convenções contra seqüestro de avião, atentados contra segurança da aviação civil, atentados contra as pessoas internacionalmente protegidas, seqüestro de pessoas, uso ilícito de materiais nucleares, atos de violência contra aeroportos, atentados contra a segurança da navegação marítima, atentado contra segurança de plataformas fixas situadas no planalto continental e atentados a explosivos. A incriminalização de todos estes atos de terrorismo está prevista na convenção setorial da respectiva organização. O último elemento é oriundo da Convenção para Supressão de Financiamento do Terrorismo, datada de 1999 e que trata, também, como ato terrorista, todo ato destinado a matar ou ferir gravemente pessoa ou indivíduo, em tempo de paz, ou que não esteja participando das hostilidades de um conflito armado.

O segundo ponto na busca de uma definição de terrorismo é bem mais geral e diz respeito ao fato de que, também no conceito, podemos admitir a inclusão da idéia de que, normalmente, um ato de terrorismo visa assassinar, matar ou ferir gravemente uma pessoa

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fora de um conflito armado, ou qualquer que seja a qualidade dessa pessoa, seja ela seja civil ou militar. Essa definição está enquadrada tanto na Convenção de 1999, no artigo 2º (b), combinado com as resoluções 368 e 373, do Conselho de Segurança e com o projeto de Convenção Geral, do seu Artigo 2º, parágrafo 1. Outra possibilidade de embasamento de tipificação do conceito de terrorismo se insere no caso de atos que visam danificar bens públicos ou privados, de maneira grave, ou de maneira que haja perdas econômicas consideráveis. Esse ponto está ainda em discussão e está previsto, unicamente, no projeto de convenção, logo, ainda não é ponto pacífico. Em ambos os casos, o que se pretende em um ato terrorista, é intimidar uma população ou conduzir um determinado governo ou uma organização a fazer alguma coisa, ou a ter uma determinada atitude. E dentro dessa lógica, pode-se citar tanto a Convenção de 1999, quanto o projeto de Convenção.

No que tange à cooperação e à repressão, há uma série de medidas adotadas pelas Nações Unidas que deveriam ser desenvolvidas para cooperação: a cooperação mútua, no que diz respeito à troca de informações relativas à luta contra o terrorismo e a sua prevenção. Há declarações que visam, neste sentido, eliminar o terrorismo internacional. Outro elemento que foi adotado pela ONU é a transmissão dos elementos de prova, conforme as convenções que vinculam os Estados e de acordo com a Convenção de 1997, Artigo 10. Há ainda o empréstimo de presos, em função de testemunho; a implementação de métodos de detecção de explosivos e outras substâncias perigosas; informações relativas aos métodos de transferência de tecnologia de materiais, conforme a Resolução 635 de 1989 e a Convenção de 1997, no seu Artigo 15; e, por fim, o estudo dos meios destinados a supervisionar os organismos de transferência monetária.

No que se refere, especificamente, à repressão e combate, seguindo o modelo da Carta das Nações Unidas e das discussões da

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Assembléia Geral, podem-se destacar duas formas: a primeira delas é denominada forma sociológica. Alguns autores e a doutrina tendem a admitir que deveria ser atacado o terrorismo atacando-se as causas e não através de um processo de repressão. Deveria, portanto, ser identificado o caldo de cultura propício para a perpetuação de um ato terrorista e as causas deveriam ser atacadas mais do que a repressão.

A segunda forma de repressão e combate, disponível na Carta da ONU, é uma dupla possibilidade. A primeira delas é a possibilidade de um combate jurisdicional, que possui dois pontos a serem considerados: a Corte Internacional de Justiça, que é o principal órgão das Nações Unidas, e um segundo ponto é o Tribunal Penal Internacional. A Corte Internacional de Justiça teria uma competência material limitada, apenas, aos Estados, ela não julga indivíduos, qualquer que seja ele, que, eventualmente, tenha perpetrado um ato de terrorismo. Outra dificuldade material no encaminhamento da Corte diz respeito à idéia de que a Corte, trabalhando dentro da lógica de que, no Direito Internacional, o autor é o destinatário da norma, a Corte Internacional de Justiça só pode ser solicitada para julgar na medida do consentimento de um Estado, ela não julga ex-ofício, isto é, ela não pode verificar um determinado ato terrorista e julgá-lo ex-ofício sem que haja demanda e consentimento das partes, que são os Estados. Além disso, a Corte tem uma competência contenciosa e uma competência de dar pareceres, isto é, uma competência consultiva. Algumas vezes, ela pode ser levada a dar pareceres de natureza consultiva, como é o caso, por exemplo, do parecer sobre a legalidade do muro de Israel. Nesse caso específico, a Corte Internacional de Justiça irá responder, evidentemente, da ilegalidade do muro, mas garantindo também a segurança de Israel. No que se refere à produção da norma, a produção do parecer que foi solicitado pela Assembléia Geral, e não por um determinado Estado, não tem força obrigatória, ou seja, não gera a responsabilidade do Estado faltoso, é apenas um parecer.

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No campo contencioso, a Corte responde, somente, a Estados. Ela julgou um caso clássico de terrorismo, o atentado de Lockerbie, Escócia, entre a Líbia e o Reino Unido e entre a Líbia e os Estados Unidos. Neste caso específico, a Corte não chegou a tratar do mérito final da questão, que seria solucionado no âmbito político. Há, porém, uma grande limitação na ação da principal jurisdição internacional em função, evidentemente, das suas limitações em razão de matéria e em razão de pessoa. Embora, materialmente, ela possa julgar tudo, incluindo atos de terrorismo, é necessário que haja consentimento e dificilmente nós podemos imaginar uma situação no qual o Afeganistão delegaria à Corte a capacidade de ser julgado pela Corte Internacional de Justiça pela prática de um ato terrorista, como foi o ato de 2001.

O segundo tribunal é o Tribunal Penal Internacional, criado a partir do Tratado de Roma, de 1998. Diferentemente da Corte Internacional de Justiça, ele é a jurisdição clássica competente para julgar indivíduos que tenham perpetrado crimes no campo do terrorismo. No entanto, o Tribunal Penal Internacional segue a lógica do Direito Penal, o que significa que não há lei sem lei anterior que defina, isto é, não há crime sem lei anterior que o defina. Isso significa que o terrorismo deveria, necessariamente, estar incluído no estatuto, ou seja, ele deveria estar tipificado para que, assim, o Tribunal pudesse julgar o crime de terrorismo, porém, isso ainda não ocorreu. A dificuldade no conceito na dimensão do crime de terrorismo é tamanha, que os próprios Estados, visando uma politização do Tribunal Penal Internacional, excluíram o terrorismo do Artigo 5 ao Artigo 8°, que prevêem a tipificação dos crimes que podem ser julgados pelo Tribunal Penal Internacional. Isso não significa que um ato de terrorismo não poderia ser julgado pelo Tribunal, antes, significa que ele não seria julgado enquanto ato de terrorismo, mas pode ser julgado, por exemplo, enquanto ato de assassinato ou de

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crimes contra a humanidade. Há, portanto, uma tipificação do Artigo 5 ao Artigo 8° do Estatuto que prevê certos crimes, de uma forma exageradamente precisa, dentre os quais poderiam, em tese, estar incluídos determinados atos de terrorismo.

Finalmente, uma outra forma de combate é a forma política. Ela deve ser observada, cuidadosamente, pelo fato de, normalmente, estar situada no campo do Conselho de Segurança. De acordo com o Conselho de Segurança, se os Estados estão impedidos de recorrer à força no campo das relações internacionais e a eles está dirigida uma arquitetura jurídica na solução pacífica das controvérsias internacionais, se este fato ocorrer, duas situações se tornam necessárias. A primeira delas é o Artigo 51, que trata da legítima defesa, e a segunda situação é uma Resolução do Conselho de Segurança, de natureza obrigatória, fundada no Capítulo 7, ou seja, no Artigo 25 da Carta, que faz com o que uma determinada Resolução do Conselho de Segurança possa abranger, obrigatoriamente, todos os membros das Nações Unidas.

A conseqüência de situações como esta última pode ser exemplificada com os fatos ocorridos após os atentados de 2001. Logo após os atentados nos Estados Unidos, o Conselho de Segurança concluiu duas resoluções importantes, a nº 1368 e a nº 1373, de 2001. Estas duas resoluções, sobretudo a 1373, no quadro do Capítulo 7 da Carta das Nações Unidas, foi produzida de forma obrigatória para outros Estados, inclusive o Brasil. Se, em tese, o autor da norma é destinatário da norma do Direito Internacional, ao Brasil é estendida essa Resolução nº 1373, por meio da qual o Conselho de Segurança obriga todos os Estados a lutarem contra o terrorismo internacional.

Esta é uma Resolução inédita porque o sentido é altamente abstrato e não sabemos definir o que é terrorismo. Nós estamos obrigados a combater o terrorismo internacional, somos, portanto,

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obrigados a combater o que desconhecemos, a sofrer limitações jurídicas. Foi criado, a partir da Resolução nº 1373, um Comitê capaz de estudar e de propor novas resoluções neste sentido. Essa Resolução trata o terrorismo de forma genérica e abstrata. Quando falamos em guerra ao terrorismo, há uma indefinição enorme em relação ao período desta guerra, pois não se sabe qual sua duração. Além disso, não se sabe o que define o conceito de guerra dentro dessa lógica. Se estamos em guerra contra o terrorismo, os presos de Guantânamo deveriam estar cobertos pela Convenção do Direito Humanitário, pela Convenção de Genebra, o que não é o caso. Temos, portanto, um ambiente jurídico cinzento que deve ser estudado cuidadosamente. E o Brasil é destinatário da composição e da produção da norma do Conselho de Segurança.

No que tange à legítima defesa, esta também autoriza, segundo o Artigo 51, o Estado a responder a uma agressão utilizando a força. É uma das exceções à intenção do recurso da força no direito internacional. O Governo norte-americano atual estabeleceu uma nova compreensão de legítima defesa, ele redefiniu este conceito, criando a noção de legítima defesa preventiva. Este novo conceito, unilateralmente, admite a hipótese de que a legítima defesa é um direito natural, e como tal, é um costume. Os Estados Unidos interpretam o Artigo 51, na medida em que este Artigo permitiria à República, neste caso os Estados Unidos, responder a um iminente ataque terrorista de maneira unilateral. Esquivou-se de toda a arquitetura normativa internacional na busca da interdição da utilização da força, e, utilizando o argumento da guerra contra o terrorismo, expandiu-se o conceito de legítima defesa, que, diante da indefinição do conceito de terrorismo, pode, de certo modo, ser bem mais abrangente. Parece que nem mesmo os Estados Unidos sabem com clareza o campo de ação que permitiria a eles a utilização da força, e este é um dos argumentos da intervenção ilegal no Iraque.

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O palestrante concluiu sua fala, mencionando o problema do terrorismo vinculado à questão dos direitos humanos. Segundo o palestrante, esta é uma matéria complexa que deve ser estudada por nós. Dever-se-ia esclarecer quais as conseqüências de uma política de segurança no Brasil, as quais não tenham implicações numa política de respeito à dignidade da pessoa humana.

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Dr. Carlos Augusto Canêdo Gonçalves da SilvaProcuradoria-Geral de Minas Gerais

General-de-Brigada Marco Aurélio Costa VieiraComando do Exército

Delegado Daniel Lorenz de AzevedoPolícia Federal

Capitão-de-Mar-e-Guerra Waltercio José de Queiroz SeixasComando da Marinha

TERRORiSmO NO bRASil: PREvENÇÃO E cOmbATE

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dR. cARlOS AuguSTO cANêdO gONÇAlvES dA SilvA

Abordagem sob o enfoque jurídico

Em sua palestra, o Dr. Carlos Augusto Canêdo abordou, mais especificamente, o Direito Interno, o Direito Brasileiro. Segundo ele, existe um problema de definição de terrorismo na perspectiva do Direito Internacional, que é muito mais condescendente com a questão do princípio da legalidade, ou seja, não há crime sem lei anterior que o defina; no caso de Nuremberg, por exemplo, onde os criminosos de guerra nazistas foram julgados e em alguns momentos até não havia tipificação para alguns dos crimes pelos quais eles foram julgados e condenados. Neste caso, o Direito Internacional Penal teve de lançar mão de princípios de costumes. Se ao Direito Internacional é lícito lançar mão, ou flexibilizar, de certo modo, o chamado Princípio da Legalidade, ou Princípio da Reserva Legal, ao Direito Penal isso é muito mais complicado. Quando esta questão é levada para o Direito Penal, para a legislação interna, tem-se um problema complicado de tipificação.

Sabe-se que o Direito Penal foi todo ele pensado no Direito Penal Clássico, iluminista, fixado na observância rigorosa do princípio da reserva legal, exatamente pelo fato de ele ter surgido em combate ao velho regime, no qual as penas eram absolutamente indeterminadas. A aplicação destas, a definição de crime, ou a penalização a ser atribuída a esses crimes, dependiam, de certo modo, da vontade do soberano. Dessa maneira, o Direito Penal Clássico, iluminista, veio exatamente para combater esta idéia de tipificações amplas, abertas, na qual não se tem, exatamente, a certeza da conduta da pessoa, e o crime, para ser considerado como tal, deveria ser muito bem descrito. Estas exigências

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do Direito Penal são muito mais rigorosas e têm uma tradição muito maior que as do Direito Internacional, até mesmo porque este lida com uma sociedade anárquica. Ao se observar o Direito Penal, verificamos uma norma emanada do poder legislativo, aplicada por um juiz, que exige saber quem é esse juiz, quem tem competência para julgar, qual o crime exatamente pelo qual se está sendo acusado, onde está descrito claramente o crime pelo qual se está sendo acusado.

Devido a fatos como estes, verifica-se que há uma série de absolvições, as quais, muitas vezes, são incompreendidas pela opinião pública pelo fato de, muitas vezes, o tribunal simplesmente ter se detido, de maneira excessiva, neste princípio da reserva legal, nesta idéia de que não passa somente na lei anterior que defina o crime, mais do que isso, uma lei anterior que defina com certeza e precisão, pois um tipo penal não pode ser aberto e indeterminado.

O Direito Penal Clássico sempre trabalhou nesses parâmetros e, para o penalista, é uma dificuldade muito grande lidar com questões, por exemplo, como terrorismo, cujas definições são trazidas por campos de estudos que evidentemente não têm compromisso, e nem precisam ter, com esta reserva legal, com esta idéia de precisão; são, portanto, campos de estudos ligados a áreas que trabalham com outros parâmetros. No âmbito do Direito Penal, o penalista é obrigado a propor uma fórmula, uma tipificação para casos como estes, o que se mostra bastante problemático.

No que tange ao terrorismo, é um caso clássico a situação de como se dá o processo de sua tipificação. Em se tratando especificamente do Brasil, a Constituição afirma que o terrorismo é um crime assemelhado a crime hediondo. Sabemos que o terrorismo não admite anistia, indulto, graça ou concessão de fiança para o preso acusado de tal crime. Além disso, o crime de terrorismo não admite

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a concessão de liberdade provisória, e quem for condenado por este crime cumprirá a sua pena, integralmente, em regime fechado, embora não saibamos ao certo o que é terrorismo. Sendo assim, embora saibamos muito sobre o terrorismo, temos o problema de tipificação, ou seja, não sabemos claramente o que é. O condenado por terrorismo está sendo condenado por um crime assemelhado ao crime hediondo e assumirá todas as conseqüências da chamada lei dos crimes hediondos, de 1972.

Cabe levantar um questionamento referente às questões discutidas acima. Em uma sociedade, na qual a necessidade de combate ao terrorismo é vista como premente, que talvez ainda não seja o caso do Brasil, em uma sociedade como esta é conveniente que, de certa maneira, possamos abrir mão dessa inflexibilidade de tipificação que o Direito Penal Clássico exige, ou seja, é o momento de se colocar o Direito Penal em uma moldura mais flexível, em nome do combate a determinadas situações de risco, numa sociedade contemporânea complexa. Flexibilizar essas exigências clássicas de tipificação a fim de obtermos, em tese, mais eficácia no combate a determinadas situações de risco.

Embora o assunto tratado aqui seja o terrorismo, poder-se-ia falar, por exemplo, de crimes ambientais, ou uma série de crimes contra a ordem econômica e financeira, que, de alguma maneira, estão ligados à questão do terrorismo, como, por exemplo, lavagem de dinheiro e crime organizado. Cabe mencionar que, neste último caso, não há definição exata do que seja crime organizado, embora este seja um tema diretamente ligado à questão do terrorismo. Parece que o Direito Penal está se transformando em mais um instrumento de gestão de risco, ou seja, de ampliação das margens de atuação do Direito Penal e com isso, sacrificando a reserva legal clássica em nome da eficácia.

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Essa é uma questão que se mostra pertinente, na medida em que, se em nome do combate aos riscos, o Direito Penal deve surgir como mais um instrumento desta gestão, e a partir daí usaremos o Direito Penal também para gerir riscos. Isso significa ampliar margens de tipo penal, começar a punir, por exemplo, atos preparatórios o que, do ponto de vista do Direito Penal, é completamente absurdo.

No que se refere ao papel do Direito Penal, talvez este seja o grande debate contemporâneo dentro da área penal, ou seja, junto àqueles que advogam um reforço das garantias clássicas. O Direito Penal tem uma influência muito grande que se denomina dogmática penal alemã. Grosso modo, este debate é denominado de Escola de Frankfurt e Escola de Munique. Aquela se caracteriza por representar quase que uma volta ao Direito Penal Iluminista, onde havia as garantias, a preocupação, enquanto que a Escola de Munique afirma não ser mais possível voltar às estas questões, dadas as mudanças pelas quais havia passado a sociedade e o mundo; os riscos já são outros e o momento, agora, exige que se comece a pensar no Direito Penal adequado ao novo milênio.

O que se sabe, portanto, de terrorismo em termos de legislação é que este é considerado um crime semelhante ao hediondo, a pena é o regime fechado, integralmente, não cabe liberdade provisória, fiança, anistia, graça e não cabe indulto. Não é mais um crime contra a segurança nacional, mas um crime contra a ordem constitucional do Estado democrático de direito. Logo, é a partir dessa perspectiva que devemos pensar o terrorismo. Embora a atual legislação, que é de 1983, e, portanto, anterior à Constituição, ainda esteja em vigor, há o resquício da idéia de segurança nacional dos anos 60, 70. A análise desse fenômeno, portanto, deve ser feita a partir de uma posição de 1988, que porta no Artigo 4, dentre os objetivos da atuação do Brasil nas relações internacionais, o combate ao terrorismo. E neste sentido,

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o Brasil vem se comprometendo, por meio de uma série de tratados, a colaborar para o combate e à repressão deste crime.

Acerca do terrorismo, sabe-se ainda que o Supremo Tribunal Federal também não tem entendido o terrorismo como sendo crime político, não por uma questão teórica ou doutrinária, mas por uma questão puramente pragmática. A pessoa acusada da prática de crime político não pode ser, de acordo com a nossa Constituição, extraditada, logo, o Supremo Tribunal Federal, para facilitar essa idéia de cooperação penal internacional, não tem entendido o terrorismo como crime político, pois se o fizesse estaria obstando um instrumento de cooperação internacional, que é a extradição.

Segundo o professor Carlos Augusto Canêdo, a prática do ato terrorista tem uma finalidade política e, dada esta afirmação, outra problemática se coloca: a definição de crime político. Costuma-se apresentar 3 critérios explicativos do conceito de crime político. O primeiro, chamado de objetivo, parte da definição de crime político, tendo em vista o bem jurídico lesado ou disposto a perigo de lesão. Assim, são crimes dessa natureza somente aqueles que atentam contra as condições de existência do Estado como organismo político. O segundo critério é conhecido como subjetivo e se baseia no móvel ou em um fim perseguido pelo agente de modo que, se este móvel ou fim for político, o crime será sempre político, independentemente do bem jurídico lesado. Aqui, o móvel se constitui um fator decisivo, pois o comportamento pode ser constituído por um crime comum, um roubo ou um homicídio, por exemplo, mas o que importa para sua conceituação como político é que tenha ele tenha sido realizado por motivação política. Por fim, o terceiro critério, denominado de critério misto, parte de uma perspectiva objetiva combinando-a com uma subjetiva. Leva em conta o bem jurídico tutelado e o móvel ou fim que guia o agente. Os primeiros entendem como políticos os crimes

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que atentam contra a organização política ou constitucional do Estado, ou todos que se realizam com fim ou modo político, ao passo que os segundos seriam aqueles que, atentando contra a organização política constitucional do Estado, se realizam também com fim político. Segundo essa última concepção, não seriam considerados crimes políticos as ações contra organização política ou constitucional do Estado, realizada sem fins políticos, e os delitos comuns perpetrados com móvel político.

Se os critérios e objetivos pecam pela unilateralidade, o misto, se enfocado como simples combinação dos outros dois, tentará somar os defeitos de ambos, quando isoladamente considerados. Daí porque uma tendência radicalmente cética, herdeira do ceticismo de Carrara ou de Decaria, afirma a impossibilidade e a não necessidade de se encontrar uma definição de crime político, porque, mais do que impossível, ela é desnecessária.

O mais importante não é encontrar uma exata definição deste tipo de delito e sim, focá-lo sobre a perspectiva do Estado democrático de direito, modelo político expressamente abraçado pela nossa Constituição Federal Por este motivo, a própria dogmática penal, operada em consonância com aqueles valores fundamentais do Estado democrático, onde é necessário se dar livre curso á discordância e à distensão política-ideológica, se servirá especialmente dos crimes políticos como barreira, franqueados da política criminal.

Nesta perspectiva, identificamos quatro critérios relacionados ao princípio da lesividade, o primeiro é a proibição de incriminação de atitudes internas, ou seja, alguém não pode ser incriminado pelo que pensa, pelo que quer fazer ou pelo que prepara. O segundo critério consiste na proibição de incriminação de uma conduta que não exceda o âmbito do próprio autor, ou seja, que vá além, da responsabilidade

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penal objetiva, do dolo ou da culpa do próprio autor. O terceiro critério diz respeito à proibição de incriminação de simples estados ou condições existenciais e, por fim, a proibição de incriminação de condutas desviadas que não afetem qualquer bem jurídico. Este último critério constitui outra questão fundamental do Direito Clássico, que é pensado na idéia de que toda ação, para ser considerada crime, ou ela lesa um bem jurídico, ou pelo menos, o coloca em perigo.

Dessa maneira, para tratar a idéia de crime político e, por conseqüência o terrorismo, que aqui está sendo colocado como crime político, nós temos de partir destes princípios constitucionais, como por exemplo, os princípios da lesividade, da reserva legal, da probabilidade, dentre outros, todos inserido no Artigo 5, dos Direitos e Garantias Fundamentais.

Tratando-se, ainda, da questão do Supremo Tribunal Federal, que não considera, para efeitos de extradição, o terrorismo como crime político, o Artigo 5, número 52, proíbe a concessão de extradição de pessoas acusadas da prática de crimes políticos. Entre os motivos que aconselham a não concessão de extradição para crimes políticos, estão aqueles relacionados com a sua relatividade no tempo e no espaço, ou seja, o criminoso político de hoje pode ser o herói de amanhã, com o problema da legitimidade do Estado requerente, com o perigo de um Estado excluir-se das disputas políticas de outro e com as duvidosas garantias de uma justiça imparcial, em se tratando de julgamentos por perigos dessa natureza.

Verifica-se, hoje, uma tendência restritiva, vale dizer, desconsidera-se uma determinada ação como crime político, se esta lesiona a ordem política e o direito comum em caráter simultâneo, que são os chamados crimes políticos complexos, assim como nas hipóteses de crimes políticos conexos, ou seja, quando o crime é perpetrado

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como medida de preparação para outro, sendo este outro político, para executá-lo, assegurar seu proveito ou a sua impunidade.

Em se tratando de terrorismo, a tendência atual é não considerá-lo crime político para efeitos de extradição, menos por razões doutrinárias ou teóricas, do que por motivos pragmáticos, ligados a maior necessidade de se estabelecerem mecanismos para sua repressão. Não sendo ele considerado crime político, permitida estará a concessão da extradição, aumentando-se as possibilidades de cooperação internacional entre os Estados. No Brasil, a Lei 6.815, veda no seu Art. 77, inciso VII, a concessão de extradição em matéria de crime político. Estabelece, no entanto, no seu § 3°, que o Supremo Tribunal Federal poderá deixar de considerar crimes políticos, os atentados contra chefes de Estado ou quaisquer autoridades, bem assim como os atos de anarquismo, terrorismo, sabotagem, seqüestro de pessoas, ou que portem propaganda de guerra, ou de processos violentos para subverter a ordem social e política. Estabelece, o § 1º do referido Art. 77, que a exceção do item VII não impedirá a extradição, quando o fato constituir, principalmente, infração da lei penal comum, ou quando o crime comum, conexo ao delito político, constituir o fato principal, cabendo, exclusivamente, ao Supremo Tribunal Federal apreciar o caráter de infração. Sendo assim, se a infração é constituída por um crime comum e um crime político, ou seja, se alguém pratica uma extorsão mediante seqüestro, teoricamente com objetivos políticos, o Supremo pode considerar que esta situação, mediante seqüestro, crime comum, prevalece sobre o crime político, e, portanto, pode-se haver a extradição. No Brasil, portanto, o terrorismo, pelo menos para efeito de cooperação penal internacional, não tem sido considerado crime político.

O palestrante mencionou duas definições de terrorismo da legislação pós-64. A primeira estava descrita no Decreto-Lei 314/67,

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revogado, cujo Art. 25 considerava terrorismo a prática de massacre, devastação, saque, roubo, seqüestro, homicídio ou depredação, atentado pessoal, ato de sabotagem, ou terrorismo, ou impedimento ou tentativa para dificultar o funcionamento dos serviços essenciais administrados pelo Estado ou por uma concessionária. Essa era, portanto, a definição que o Decreto-Lei 314/67 dava para terrorismo. Tratava-se, portanto, de um tipo penal aberto, que punia o terrorismo sem definir do que se tratava.

O Decreto 898/69, revogado, por sua vez, era mais incisivo, embora também se referisse ao terrorismo sem defini-lo. Fazia menção aos atos de devastação, saque, roubo, assalto, seqüestro, incêndio, depredação, prática de sabotagem ou de terrorismo. Porém, semelhantemente ao Decreto 314/67, também não tinha definição do que fosse terrorismo. Após estes Decretos, entrou em vigor a Lei 6.620/78, que também falava de terrorismo em linhas gerais.

Faz-se necessário destacar o tratamento dado ao terrorismo pela Lei atual, a Lei 7.170/83. Ela também não define terrorismo; ela recebe o nome de Lei que trata dos crimes contra a segurança nacional, a ordem política social. E, evidentemente, a leitura dessa Lei, que é a pré-Constituição de 1988, tem de ser lida na perspectiva de crimes contra a ordem constitucional democrática, estado de direito democrático, embora estas expressões não sejam mais usadas. Esta Lei trata de motivação política, ou seja, ela retoma a idéia de que o terrorismo tem uma motivação política, e se refere a atentado à integridade territorial da soberania nacional e à pessoa dos chefes de poderes da União. Explicitamente, no Art. 20, ela fará referência a atos de devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo. Portanto, esta Lei não apresenta uma grande evolução, se comparada com os Decretos-Lei descritos acima, e não mudou

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por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados a manutenção de organizações políticas subversivas ou clandestinas.

Diante da ausência de uma definição especifica de terrorismo, na Lei atual, pode-se fazer uma série de criticas, como por exemplo, o fato de ela misturar o terrorismo com uma série de crimes violentos, que não são, necessariamente, terrorismo, tais como manter em cárcere privado, incendiar, depredar, roubar, dentre outros. Coloca-se, portanto, em um mesmo Artigo, uma série de condutas que não são, necessariamente, terroristas.

O palestrante concluiu sua fala, apresentando três elementos que considera importantes para efeito de tipificação da conduta de terrorismo: em primeiro lugar, a causa de um dano considerável a pessoas ou coisas; em segundo lugar, a criação real ou potencial de terror, ou intimidação generalizada, através do uso de instrumentos capazes de causar perigo comum, como por exemplo, o uso de gases tóxicos, substâncias bacteriológicas, explosivas etc., admitindo-se, também, atentados contra indivíduos com a finalidade de criar situação de pânico generalizado; e por fim, a finalidade política, isto é, uma ação voltada contra a ordem política e social vigente, no sentido de destruí-la, transformá-la ou mantê-la pela violência.

A partir dos três elementos apresentados acima, o palestrante postulou uma definição de terrorismo. Segundo ele, terrorismo seria, provisoriamente, o ato de praticar atentado contra a vida, a integridade corporal ou a liberdade, causar destruição e dano através de meios capazes de provocar perigo comum ou que conduza à difusão de enfermidades para criação real ou potencial de intimidação generalizada, com finalidade política e social.

O Projeto de Lei, que está no Congresso Nacional, acrescenta o Título XII, que trata dos crimes contra o Estado Democrático de direito,

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onde no seu Art. 370, define como terrorismo praticar, por motivo de faccionismo político ou com o objetivo de coagir autoridade, o ato de: 1) devastar, saquear, explodir bombas, seqüestrar, incendiar, depredar, ou praticar atentado pessoal ou sabotagem, causando perigo efetivo ou danos a pessoas ou bens; 2) apoderar-se ou exercer o controle, total ou parcialmente, definitiva ou temporariamente, de meios de comunicação ao público, ou de transporte, portos e aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, instalações públicas ou estabelecimentos destinados ao abastecimento de água, luz, combustíveis ou alimentos, ou à satisfação de necessidades gerais e impreteríveis da população. O Parágrafo seguinte pune estas mesmas condutas, se praticadas mediante “acréscimo, supressão ou modificação de dados, ou por qualquer outro meio, que interfiram em sistemas de informação ou programas de informática”, estabelecendo, por fim, penalidades mais graves para o caso em que desses atos resultem lesão corporal grave ou morte.

O professor Carlos Augusto Canêdo finalizou sua palestra, levantando a questão se o Direito Penal deve surgir como mais um instrumento de administração e de gestão desses riscos reais ou perseguidos. Isso abriria uma possibilidade de flexibilização daqueles princípios clássicos com os quais sempre costumamos trabalhar, em nome da segurança, e permitiria saber até que ponto nós estaríamos, como sociedade, dispostos, em nome da segurança, a sacrificar um desses princípios constitucionais.

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PARTiciPAÇÃO dA PlENáRiA

O senhor Milton Trindade, da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), comentou que o governo está implantando, agora, o chamado programa nacional de integração Estado-empresa na área de bens sensíveis. São produtos, substâncias químicas e biológicas, que poderiam ser usadas como Armas de Destruição em Massa (ADM). Há resoluções da ONU e Convenções que tratam da transferência e da má utilização destes bens. Ele mencionou um fato ocorrido, segundo ele, enquanto eram apresentadas ao setor industrial brasileiro as resoluções, tratados e sanções. Ao se inteirar destas sanções, um industrial químico brasileiro, produtor de um destes bens, mencionou que, ao observar a legislação brasileira, verificou que não havia nenhuma lei que lhe impedisse vender o material que produz e que pode ser utilizado como arma de destruição em massa. Não há nenhuma legislação no Brasil que o condene por isso.

Diante do fato, o senhor Milton Trindade perguntou aos palestrantes se os chamados bens sensíveis, utilizados nas ações terroristas, já estavam sendo matéria de discussão, assim como as ações e os agentes terroristas, temas abordados nas palestras anteriores.

O professor Leonardo Brant afirmou que as Convenções internacionais que tratam de objetos sensíveis que podem vir a ser utilizados como armas de destruição em massa condenam a utilização, e não o comércio, que é algo diferente. Neste caso, a condenação não é do Estado, mas do indivíduo. A possibilidade de que o Estado venha a intervir, ou extraditar, ou entregar para uma jurisdição internacional, enfim, para que o Estado venha agir diante de um indivíduo, mas não do comércio, já que este parte da lei do mercatório, é parte do direito de comércio internacional, não há nenhuma restrição específica quanto

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a isso. Entretanto, no que diz respeito ao terrorismo, a Convenção vai tipificar, penalizar e incriminar a utilização e não o comércio. Ela punirá o agente que utiliza este artefato com a finalidade de produzir ou causar dano contra a população civil, ou com uma finalidade política, enfim, dentro da dimensão daquilo que podemos considerar enquanto conceito de terrorismo.

Outra pergunta dirigida aos palestrantes diz respeito à existência de controle efetivo sobre as fontes de radioatividade, aquelas que são usadas para fins terapêuticos e industriais e, mais especificamente, se existe este controle real no Brasil e, caso não exista ou seja falho, qual seria o estrago de uma bomba suja com as fontes existentes hoje no Brasil.

De acordo com o professor Anselmo Páschoa, há algum tempo, principalmente após Goiânia, foi feito um levantamento de todas as fontes existentes no Brasil. As fontes radiofarmacêuticas, embora sejam em número muito grande, mais de cem mil, não constituem um problema significativo. O problema maior são as fontes usadas, taticamente, em teleterapia, por exemplo, que são fontes de cobalto e de césio, pois, se usadas em conjunto, pode-se criar um efeito significativo em termos de danos.

Ainda segundo o professor Anselmo, no que se refere ao controle destas fontes, há algum tempo atrás, ele realizou, juntamente com alguns colegas, um levantamento; chegou-se à conclusão de que havia o controle de, aproximadamente, 98% das fontes que se saiba existirem. Existem uns 2% muito complicados, como é o caso, por exemplo, das barcaças da Amazônia que, em uma determinada época, funcionavam de forma clandestina. Nem os donos sabem que ali há uma fonte de césio 137 para fazer direcionamento de areia que eles tiram das margens.

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O professor Anselmo Páschoa disse que, há 13 anos, quando foi diretor da Comissão, propôs e divulgou em vários locais que havia perdão para aqueles contrabandistas que denunciassem a localização de barcaças, para que fosse possível retirar a fonte. Mas a operação teve pouco sucesso. Dessa maneira, o que é mais grave é que existem algumas dessas barcaças que são fontes potenciais, são várias fontes de césio 137 e se alguém tomar o cuidado de recolhê-las pode fazer uma bomba suja com um razoável poder.

No que tange à bomba suja, o problema é que ela não cria uma destruição tão grande quanto se pensa, pois é de efeito local. Essencialmente, os maiores efeitos são político e psicológico, mas o efeito físico é muito pequeno. No documento de junho de 2001, já mencionado pelo professor Anselmo Páschoa em sua palestra, havia sido proposto, como um cenário maior de risco, o uso de uma bomba suja num distrito financeiro de importância mundial, situado na ilha de Manhattam, onde uma bomba suja seria deixada em uma lixeira para explodir com um projétil de artilharia. Mas os danos físicos ficariam limitados a cerca de 5 ou 6 quarteirões naquela região. Para se ter uma idéia, é possível que pelo menos um dos aviões que bateram contra as Torres, carregasse material radioativo. Nos Estados Unidos, existiam dois reatores com radioatividade positiva, sendo que um está localizado no MIT. Todas as pesquisas médicas e não médicas feitas no oeste dos Estados Unidos utilizam esse material radioativo que é irradiado no MIT, e transportado por avião. Embora se tente negar a existência de contaminação no caso das Torres, foi criado um centro de descontaminação, pois se sabia da existência de radiação naquele acidente.

Segundo o professor Anselmo Páschoa, o problema da capacidade de se produzir a bomba suja é extremamente importante, só que uma bomba suja, ainda que grosseira, é, consideravelmente, mais

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fácil de ser produzida que a bomba nuclear e não se pode descartar esta possibilidade no Brasil.

Outra pergunta dirigida aos palestrantes foi feita por um representante do Ministério da Saúde. Ele mencionou o fato de, em Brasília, haver diversos casos de ameaças de bombas nos Ministérios, mas, felizmente, são apenas trotes. Considerando o fato mencionado, ele perguntou se a organização, quer seja pública, quer seja privada, detém poder de polícia para fazer revista em todas as pessoas que ingressam nas suas dependências, a fim de evitar, de forma preventiva, que alguém possa vir a entrar nestas instalações portando este artefato explosivo.

De acordo com o doutor Carlos Augusto Canêdo, o entendimento, hoje, é o de que, se houver fundadas suspeitas, pode haver uma intervenção por parte do órgão ameaçado, porém, o agente que o fizer, responderá pelas conseqüências do ato se, a posteriori, ficar provado que estas suspeitas eram infundadas.

O professor Leonardo Brant fez uma interferência na qual afirmou que, em se tratando da pergunta feita, o problema a ser discutido é o tipo de terrorismo do qual se está falando, já que este efeito legal se aplicaria, somente, quando se trata de um terrorismo convencional, porém, no caso de um terrorismo do tipo suicida, este aspecto jurídico perderá seu valor. Ele disse ainda que devemos começar a nos preparar para situações complicadas como estas. Cabe aqui perguntar como a sociedade reagiria se houvesse um caso, por exemplo, de um terrorismo suicida. É muito difícil, em um país com as dimensões do Brasil, com o tamanho das cidades brasileiras, onde é dificílimo controlar a pobreza, os ataques e ameaças em carro, ocorrer um processo deste tipo, mas temos de começar a pensar em coibir, de alguma forma, este tipo de ameaça que, na opinião do professor

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Leonardo Brant, ainda existe neste país, embora muitos discordem, mas não se pode negar que muitos eventos ocorrem no país, e um possível evento pode até não ser dirigido ao Brasil propriamente dito, mas ser usado como um alvo de conveniência.

Uma última pergunta dirigida aos palestrantes foi elaborada pelo senhor Pedro Gentil. Ele perguntou se, determinada uma ação de investida contra um alvo, isto é, determinada uma investida de um time tático, na qual haja a morte do terrorista, ou a morte do seqüestrador, quem estaria na responsabilidade de ser julgado, se o agente, que entrou pela porta, ou a autoridade que determinou a ação. Pois temos dificuldade em identificar, em escalão decisório, como seria definida a hora de entrar ou não entrar, a não ser que houvesse um fato emergente que detonasse a crise. A pergunta se justifica pelo fato de haver aqueles que defendem que, em uma situação onde haja um terrorista e cinco agentes, aquele passa a ser vítima, por estar em menor número.

De acordo com o doutor Carlos Augusto Canêdo, a ação não estaria, necessariamente, invalidada, se houvesse um terrorista e cinco agentes, pois aquele poderia estar bem armado e estes não. No que se refere, mais especificamente, à atuação policial ou de combate ao terrorismo, em tese, todos são responsáveis: a cadeia de comando, quem deu a ordem e quem entrou. Porém, cabe ressaltar que, o fato de, em tese, todos serem responsáveis não significa que alguém será condenado, ou seja, a ação policial é absolutamente legítima, ela só não pode exceder os limites dessa legitimidade. O cenário da ação policial de repressão é a ação que deve ser dada, uma ação lícita e que somente será considerada ilícita no momento em que houver excesso.

O professor Leonardo Brant, também respondendo a pergunta levantada acima, afirmou que o autor do ato terrorista não responde

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de forma objetiva. Esta foi a grande evolução, desde os julgamentos de Nuremberg e do famoso processo Eichman, no qual este tenta, evidentemente, vincular a sua responsabilidade subjetiva como um dos autores da solução final, pois, na época do nazismo havia uma responsabilidade hierárquica superior, e ele era um mero ator, um agente administrativo daquela máquina. Se alguém tivesse de ser responsabilizado pela prática do ato terrorista, deveria ser o chefe do escalão e, neste caso, se chegaria ao chefe do partido como único culpado e responsável por tudo, Hitler. Esta versão, portanto, foi eliminada já desde Nuremberg, e o Tratado de Roma, que constitui o Tratado de Garantia do Direito Penal Internacional, reconhece a responsabilidade subjetiva. Podemos citar como exemplo, as responsabilidades admitidas de, por exemplo, militares, sobre o comando de determinados grupos, inclusive representantes do Estado, justificando até uma política de segurança nacional, podendo, eventualmente, virem a ser julgados pelo tribunal de Roma, na medida em que eles tenham cometido crimes contra a humanidade, crimes de genocídio etc. O fim, portanto, neste caso, ainda que legal, no interior de um Estado, não justifica os meios, que incluem o terrorismo enquanto tipificação, terrorismo enquanto crimes de guerra, ou crime de genocídio, crimes contra a humanidade etc.

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gENERAl-dE-bRigAdA mARcO AuRéliO cOSTA viEiRA

Estrutura de resposta às ações terroristas

A palestra do General-de-Brigada Marco Aurélio Costa Vieira foi subdividida em introdução, definições, conjunturas, a brigada propriamente dita, outras organizações que estão em condições de atuar contra o terrorismo, uma estrutura de contra-terrorismo para atender aos dois elementos e, conclusão.

Segundo o General, sob o prisma de um soldado, a primeira regra para combater o inimigo é conhecê-lo, o que não significa necessariamente respeitá-lo. E, por mais que resistamos à idéia, o que se conhece como terrorismo internacional faz parte da tradição militar, tradição esta compreendida como usança, como forma de combater e, reconhecendo como usança militar, não precisamos, necessariamente, dignificar os seus agentes, mas sim conhecê-los. Tratar o terrorista moderno como qualquer outra coisa senão um tipo distinto de combatente é conceder-lhe muito mais poder, visto que o terrorismo, atualmente, nada mais é que a configuração de uma guerra, valendo-se da violência contra os civis.

No que tange ao terrorista, atualmente, ele é o integrante de unidades paramilitares, é um indivíduo treinado, um soldado que está atuando nesta situação de combatente disfarçado, e que leva a cabo campanhas ofensivas, organizadas e orquestradas. Neste sentido, podemos citar Hitler, mais ligado ao terrorismo de Estado, Lênin, que jamais rejeitou o terror e Bin Laden, a quem não interessam as explicações dos secretários de defesa; ele sabe onde, como e de que maneira atacar e ferir a quem ele deseja. Além disso, o terrorista utiliza a violência, busca a intimidação difusa da sociedade, atinge vítimas

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de maneira indiscriminada, pode ter vários motivos e é amoral. Existe uma fase preparatória, com todos esses preparativos, existe um ataque, onde o terrorista se desloca, reúne, monta, executa e em seguida ele infiltra ou não, até às operações de informações que ele executa.

Em se tratando do Brasil, as contramedidas passam por uma fase preventiva que, fundamentalmente, coletam a inteligência e treinam forças capazes de fazer oposição a este terrorista. Na crise, ou ataque propriamente dito, agimos por meio de ações táticas, negociação, armas não letais, snipers e assaltos, exatamente nesta ordem, até se chegar às próprias operações de informação. Na fase de conseqüência, tem-se um gerenciamento das conseqüências, as respostas de governo e todas estas demais medidas.

Entendemos como contra-terrorismo, a fase que vai da crise até a conseqüência, e, como anti-terrorismo, a fase que corre ao longo de todo o processo. Entendemos também, que a fase preventiva, crise e conseqüência, são, diretamente, da alçada do governo Federal. O governo Estadual, talvez um pouco antes da crise, comece a pensar nela e no local, essencialmente. Portanto, nosso anti-terrorismo é definido como medida preventiva que inclui esta lista completa: inteligência, medida de segurança de autoridades, preparação de agentes, dentre outros; enquanto que o nosso contra-terrorismo é compreendido como as medidas propriamente repressivas, negociação, resgate etc. O termo americano atual é contra-terrorismo, pois eles não utilizam mais o termo anti-terrorismo.

No que se refere ao gerenciamento de conseqüências, trata-se das medidas usadas para mitigar os efeitos de um ataque terrorista. As alternativas táticas são as formas de operar; é necessário que se entendam as alternativas táticas, pois elas se apresentam quando acontece uma situação de barricada: alguém, encurralado ou não,

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como seqüestradores, alto nível de estresse, pequena disponibilidade de tempo, incerteza, presença principalmente da imprensa, além da pressão da opinião pública constante, choque de jurisdição e coordenação e freqüente interferência externa, principalmente de ONGs, familiares e políticos. Neste caso, as alternativas táticas são rigorosamente cumpridas. Primeiramente com a utilização de agentes químicos, depois de snipers e por último, assalto.

Quanto às motivações básicas de atos terroristas, compreendemos que estas, tanto econômicas, como quando o indivíduo é criminoso simples, ou psicológicas, quando ele é psicologicamente perturbado, cabem à esfera policial. Os Estados Unidos possuem a Swat, que, no Brasil, corresponderia à Polícia Estadual ou Polícia Federal.

As operações especiais são aquelas conduzidas por forças militares ou paramilitares, visando alcançar objetivos políticos, econômicos, militares ou psicossociais, sempre de cunho estratégico. Elas se diferenciam das operações convencionais pelo seu elevado grau de risco, técnicas, táticas e procedimentos muito específicos, além do alto grau de independência das ações, da grande dependência da inteligência e do emprego de um número grande de material de alta tecnologia.

As forças de operações especiais, por sua vez, mistos das operações, são destacamentos pequenos, especialmente motivados, adestrados e equipados, que operam, de maneira ostensiva ou não, cumprindo missões complexas, a fim de atenuar o significativo de escalada da crise. Elas possuem um alto valor de combate agregado, uma tropa pequena, porém, muito poderosa em termos de poder de fogo; assumem riscos calculados e sabem fazê-los, buscam uma superioridade relativa, isto é, em um determinado ponto, eles serão 12 ou 15 ou 40, mas, provavelmente, demonstrarão superioridade em

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relação ao oponente. As forças de operação representam a ponta de lança de todas as novas missões dos exércitos e são capazes de gerar uma vantagem estratégica.

A força de operação especial é normalmente empregada quando existe um vácuo entre iniciativa diplomática e emprego de tropa convencional; em situações onde não é possível dizer que se vai guerrear, mas é necessário que se comece uma guerra. É, exatamente, neste cenário que surge a força de operações especiais, pois ela assegurará um amplo e eficiente espectro de respostas militares de baixo perfil, mas de grande eficiência.

O palestrante destacou as tecnologias de rápido acesso e rápido emprego. Segundo ele, talvez, atualmente, este seja o maior perigo que enfrenta quem raciocina com terrorismo. As chamadas seis guerras da globalização, todas, sem exceção, se valem desta tecnologia e é muito difícil, pois não são ligadas, geograficamente, desafiam a soberania das nações, e a democracia promove brechas para a entrada dessas guerras, a tecnologia e o mercado também o fazem, a Lei permite e incentiva, a burocracia dos governos é um facilitador e as organizações não são mais lineares, nem estruturadas. O ambiente Latino-americano, complexo, apresenta as ameaças não convencionais, carente de instituições sólidas e governabilidade. Sofre, ainda, com a ausência do Estado, principalmente na zona fronteiriça, possui baixo nível de confiança mútua e, diante deste cenário, é necessário que se crie algum mecanismo de condenação institucional em nível nacional.

No que tange à natureza da ameaça, cabe destacar que, atualmente, existe uma preocupação em desafiar ou agredir os Estados Unidos, e isso pode acontecer em qualquer lugar e se traduzir em terrorismo. Para compreender esta situação, devemos compreender o que vem a ser conflito assimétrico, que se vale, fundamentalmente,

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da guerrilha e do terrorismo. Nós vivemos, portanto, diversos quadros de conflitos assimétricos no mundo e temos o terrorismo como uma das formas de combate a estes conflitos assimétricos, inclusive com a utilização de agentes químicos radiológicos e biológicos.

O princípio fundamental da ameaça e contra-ameaça é a ação militar, na qual se elimina a ameaça na frente, por antecipação das ações, ou se neutraliza para reduzir o risco. Para que haja antecipação e inteligência é importante recolher e processar em tempo hábil e oportuno a informação de natureza militar, enquanto que, para a oposição, usam-se forças de operações especiais, pois elas respondem, exatamente, aos requisitos deste tipo de missão, ou seja, devem-se projetar, rapidamente, pequenos grupos de força, com elevado Estado de prontidão e adestramento. As forças de operações especiais, portanto, têm muito maior capacidade operacional e muito maior especialização tática, sendo ambas as características, fundamentalmente, necessárias.

Em se tratando dos cenários montados, a ação do terrorismo internacional contra cidadãos e organismo brasileiros é pouco provável, ao passo que, a ação do terrorismo contra alvos tradicionais, principalmente contra cidadãos ou instalações norte-americanas ou israelenses, é um cenário muito provável, com possível interferência externa. Por fim, o cenário de o Brasil atingir, indiretamente, populações afetadas em outros países, é real, e é o que tem acontecido algumas vezes. Há ainda outro cenário, que é o Brasil atingido, diretamente, por ações efetuadas por grupos terroristas, aproveitando-se de um megaevento realizado no país, com sérias conseqüências políticas e econômicas. Este, portanto, é o cenário com o qual nós trabalhamos e é o mais provável de emprego de tropas, forças e operações especiais. Entretanto, não temos nenhum argumento para organizar e, dessa forma, nos apoiamos sobre três hipóteses de emprego do exército. A primeira

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hipótese diz respeito ao atendimento a compromissos internacionais, assumidos pelo país, como a missão de Paz no Haiti, por exemplo. A segunda hipótese de emprego seria a defesa de interesses nacionais, bens e recursos brasileiros ou sob jurisdição brasileira, fora do território nacional; é a proteção de embaixadas. Nesse caso, já temos força de operações especiais protegendo as embaixadas do Brasil, na Colômbia e na Costa do Marfim. A terceira e última hipótese corresponde à garantia dos poderes constitucionais da Lei e da Ordem. A Lei Complementar nº 117, de 2 de setembro de 2004, estabelece que cabe ao Exército, e não à Marinha ou à Força Aérea, realizar operações na fronteira. A terceira hipótese de emprego constitui, portanto, o apoio aos órgãos de segurança pública federais e estaduais nas operações ditas especiais: resgate de reféns, negociação, operações psicológicas e ações em força.

Em se tratando da Brigada, ela trabalha desde 2004 em operações conjuntas e combinadas. Ela vem desempenhando seu papel desde o primeiro curso de operações especiais, em 1957. Em 1992, ela começou a trabalhar com o contra-terror, com o destacamento do Alfa-ômega, e até este ano era batalhão, pois a Brigada propriamente dita só surgiu em 2003, e em 2004 ela começou a trabalhar com operações conjuntas. A Brigada é uma unidade diretamente subordinada ao Comandante da Força, é sua tropa estratégica; está localizada em Goiânia, tem uma 3ª Companhia de Forças Especiais, em Manaus, e tem o Centro de Instruções de Operações Especiais, localizado no Rio de Janeiro. A Brigada possui, ainda, o Primeiro Batalhão de Forças Especiais Pára-quedista, o Primeiro Batalhão de Ações de Comandos Pára-quedistas, o Destacamento de Operações Psicológicas, futuro Batalhão, além da 3ª Companhia de Forças Especiais em Manaus, o Destacamento de Apoio às Operações Especiais, já Batalhão, o 1º Pelotão de Defesa Química, Biológica e Nucleares, o 6º Pelotão de PE, além do Centro de Instrução e a Guarda Administrativa, que não são unidades consideradas operacionais.

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O efetivo da Brigada é de 1698 homens, mas 2050 já foram aprovados para entrarem em operação a partir de 1° de janeiro de 2006. A Brigada tem, no seu Estado-Maior, 9 sargentos, 15 oficiais especializados, com o curso de Estado-Maior, e muitas divisões. Muitas vezes, até um Comando Militar não tem esta estrutura. Em geral, são destacados dois oficiais superiores e um Capitão para a ligação, em caso de operação.

O Primeiro Batalhão de Forças Especiais é uma companhia de apoio, e possui, atualmente, um efetivo de 186 homens, efetivo este que, no futuro, chegará a 287, todos sargentos e oficiais. Um destacamento de operações de forças especiais é composto por 12 homens, enquanto que, um destacamento contra o terror possui 73 homens, também todos oficiais e sargentos. O Batalhão de Comando tem como missão a realização de ações de comando, operações de resgate, além de operações contra o terror. Ele é organizado por 3 Companhias de Ações de Comando e por um Destacamento de Reconhecimento de Caçadores. Possui um efetivo de 353 homens, e terá, em breve, 560.

Um Destacamento de Ações Comando (DAC) possui 42 homens e também todo o seu efetivo é formado de oficiais e sargentos. A 3ª Companhia realiza operações de forças especiais, mas na Amazônia. O Destacamento de Operações Psicológicas realiza operações psicológicas juntamente com a Brigada, e atua também nas operações contra o terrorismo, antes, durante e após a crise. Seu efetivo atual é de 48 homens, mas no futuro, o efetivo será de 185 homens. O Destacamento de Apoio, que já é um Batalhão, apóia todas as operações em logística e comunicações. O efetivo atual é de 186, mas passará a 395, a partir do dia 1° de janeiro. O Pelotão de Defesa Química, Biológica e Nuclear apóia as ações em força, no emprego das armas de munições não-letais e atua nas operações contra o terrorismo.

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Atualmente, possui um efetivo de 15 homens, mas passará a contar com 56. Por fim, o Pelotão PE, que também atua nas operações de controle de tráfego e circulação de pessoal, e conta com um efetivo atual de 48 homens.

O 1º Batalhão, portanto, em sincronia, realiza a ação tática principal, enquanto que o 1º Batalhão de Ações de Comando efetua o cerco aproximado e isola a área; o Destacamento de Operações Psicológicas desenvolve ações específicas e apóia a negociação; o Pelotão de Defesa Química detecta se há emprego ou não de agentes químicos, biológicos e nucleares, orienta e apóia o emprego de armas não-letais pelo BF Especial e, por fim, o 6º Pelotão de PE controla o tráfego e o acesso de pessoas nas áreas da crise.

Há ainda o Centro de Instrução de Operações Especiais, uma unidade única no exército; é a escola de operações contra o terrorismo. Ela é especializada em formar recursos humanos. Atualmente, possui um efetivo de 388 homens, e, a partir de janeiro, contará com 568 homens, exclusivamente voltados para a formação de comandos, forças especiais e operações psicológicas.

No que se refere à Brigada, esta pode conduzir operações de forças especiais e de ações de comando, desdobrando até 2 postos de comando. A Brigada pode conduzir operações psicológicas, além de prover o apoio logístico, bem como comandar e controlar as tropas de operações especiais das Forças Singulares, integrantes de uma Força-Tarefa Combinada de Operações Especiais, quando da sua ativação. A Brigada participa ainda de operações internacionais, como por exemplo, o destacamento que está fazendo a segurança da Embaixada do Brasil na Costa do Marfim. A competência essencial da Brigada de Operações Especiais é a prontidão para emprego imediato em operações de combate não-convencional, especialmente o

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contra-terrorismo. A Brigada tem condições de atuar em repressão ao terrorismo com um destacamento contra-terror, incluindo duas equipes de snipers e duas equipes de assalto, podendo, ambas, se infiltrar em qualquer uma dessas situações. Em operações de força, a Brigada conta com três Destacamentos de Operações de Forças Especiais e quatro Destacamentos de Ações de Comando.

No que diz respeito ao futuro da Brigada, o Primeiro Batalhão de Forças Especiais, pelo projeto, em 2007, terá uma companhia completa, além da ativação da segunda e de um Destacamento de Contra-Terror. Enquanto que o Batalhão de Comando contará com duas Companhias de Ações de Comando completas e mais a 3ª Companhia e o Destacamento de Conhecimento e Controle sendo ativados. Em termos de operações psicológicas, a Brigada ativará o Batalhão, a partir de 2006, com uma Companhia de Ações Psicológicas e uma Companhia de Disseminação; atualmente, a Brigada trabalha com um núcleo de duas.

No que se refere à ação conjunta entre a Brigada e outras organizações militares, aquela trabalha em parceria com estas organizações e com elas tenta se organizar. Dentre as organizações com quem a Brigada se organiza, destacam-se o Parasar, com um efetivo de 23 homens; o Grupo Especial de Retomada e Resgate do Batalhão de Operações Especiais (GEROPESP) dos Fuzileiros Navais, cujo efetivo é de 53 homens; o Grupamento dos Mergulhadores de Combate, o GRUMEC, com um efetivo operacional de 24 homens; no Departamento da Polícia Federal, o famoso Comando de Operações Táticas - COT, subordinado aqui à Direx, possui um Serviço de Estratégias Táticas e um Serviço de Operações Táticas com um efetivo de 26 homens; e, por fim, as polícias militares estaduais, que possuem Companhias em diversos Estados brasileiros.

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O General Marco Aurélio Costa Vieira, apresentou uma proposta referente à questão do contra-terrorismo no Brasil. De acordo com o palestrante, partindo de uma estrutura genérica, pode-se compreender que esta ação é uma operação militar e como tal, possui um nível estratégico, um nível operacional e um nível tático. No que se refere ao nível tático, a Brigada se situa juntamente com o Comando Combinado de Terra, Ar e Mar. Este é, portanto, o nível tático em que atua uma Força de Operações Especiais.

Partindo deste princípio, podemos compreender que no nível político-estratégico está o comando ou o centro de operações do Comando Supremo, a Presidência da República. Enquanto que no nível estratégico operacional está o Comandante da Operação, provavelmente um comandante militar.

As forças componentes ligadas são a força componente do Exército, da FAB, da Marinha, de segurança pública e a força componente de operações especiais, Força esta composta por forças-tarefas. Sendo assim, apesar desta Força ser, provavelmente, comandada por um oficial nível de General de Brigada, ele está em um nível quase que estratégico, visto que a decisão de atirar ou não, em uma situação de terrorismo, passa por esta instância. Esta Força-Tarefa tem como missão comandar e controlar todas as operações especiais, as forças singulares, conduzir as operações psicológicas e prover apoio logístico, além de estabelecer comunicações internas e externas, destacar as equipes de ligação para os diversos outros segmentos onde uma operação militar está acontecendo e acessará autoridades federais e estaduais em assuntos relativos às operações de contra-terrorismo. Portanto, no nível político-estratégico, haveria uma equipe de ligação, a força tarefa combinada de operações especiais, além da assessoria de operações especiais. Há um colegiado permanente, no qual há representantes do Exército, da Marinha e da

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Aeronáutica. Já no nível estratégico-operacional, provavelmente, estará o Comandante Militar do Comando Combinado da operação. No Comando Militar da operação que está no nível estratégico, há uma equipe de ligação da Força-Tarefa Combinada, composta de forças militares e outras forças policiais. É interessante mencionar que o nível estratégico das operações contra o terror está no GSI, na Presidência da República.

Em se tratando da proposta propriamente dita, o General finalizou sua palestra apresentando uma breve explicação acerca do que seria uma célula de combate contra-terror, com os meios e com a lei que temos disponíveis hoje. Consoante o General, precisaríamos de um comando de controle, um escalão combinado, um escalão de inteligência, um escalão de negociação, escalão de suporte técnico e um escalão tático. Aqui estão todos aqueles grupos que foram nomeados acima, agentes não-letais, grupos de snipers, grupo de assalto, grupo anti-bomba, além do escalão de isolamento, de operações aéreas e de apoio logístico. A organização desta célula contaria com o Estado-Maior, cujo efetivo seria de, aproximadamente, 82 homens; contaria ainda com uma primeira seção de pessoal, outra de inteligência, uma terceira de operações, de logística, de comunicação social, dentre outras. Haveria, ainda, o comando de controle, que estaria ligado à parte de publicação de ligação; um escalão de negociação, do qual participaria Exército, Marinha, Polícia Militar e Policia Civil; um escalão de inteligência, com um efetivo de 41 homens; o escalão de suporte técnico, com 26 homens; o escalão tático, do qual participariam grupos de agentes não-letais, da ordem de 33 homens; um escalão tático e o grupo de snipers, além de todos os grupos já citados aqui; um escalão tático do grupo anti-bomba, com um efetivo de 68; escalão de isolamento; escalão de operações aéreas, com as equipagens treinadas para esse tipo de operação, com um efetivo de 95 homens e, por fim,

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um escalão de apoio logístico, com 86 homens. Sendo assim, teríamos de contar com, no mínimo, um efetivo de cerca de 1000 homens para trabalhar em um megaevento, como é o Panamericano.

Para este evento ainda seria necessário apresentarmos um cronograma básico, no qual se solicita uma definição desta Força Combinada até dezembro de 2005, além das retificações de planejamento, treinamento final, sem esquecer os reconhecimentos, até a operação do Panamericano, propriamente dita, de 13 a 29 de junho de 2006.

Há ainda providências administrativas urgentes que definirão desde o local do movimento das tropas, até cálculo de consumo de comida, combustível, munição para treinamento e para a operação propriamente dita, além do local, instalação e operação do centro de comando de controle, padronização dos uniformes a fim de que um agente não atire no outro e, por fim, cálculo de outros gastos muito importantes.

O General Marco Aurélio Costa Vieira concluiu sua palestra dizendo da necessidade de se implementar esta política nacional o quanto antes, mencionando, ainda, a importância de que a atuação da autoridade nacional se efetive e que se definam, urgentemente, a estrutura, a organização, o comando e a forma de atuação das operações especiais do Panamericano. É preciso estabelecer responsabilidades e atribuições legais de todos os agentes capacitados; é fundamental iniciar o adestramento do conjunto, para que se obtenham resultados satisfatórios nas operações e é necessário incrementar o compartilhamento das informações, principalmente no nível tático.

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dElEgAdO dANiEl lORENz dE AzEvEdO

Estrutura de resposta às ações terroristas

O doutor Daniel Lorenz fez uma apresentação na qual abordava algumas considerações acerca do Departamento de Polícia Federal e do papel deste Departamento no combate ao terrorismo. De acordo com o palestrante, este Departamento atua no combate ao terrorismo em três níveis: o primeiro é a atuação como Polícia Judiciária da União, com respaldo constitucional; atua, também, dentro do viés da atividade de inteligência policial e, por fim, conta com a atuação do comando de operações táticas.

Na atuação de Polícia Judiciária da União, o Departamento tem como função constitucional apurar as infrações penais contra a Ordem e Política Social. É, também, sua atribuição constitucional apurar as infrações cuja prática tenha repercussão internacional e exige uma repressão uniforme. Existe, dentro da DPF, um setor específico que trabalha com essa parte de segurança interna.

No que tange ao ramo da atividade de inteligência policial, o Departamento de Polícia Federal realiza intenso trabalho em cooperação com a Agência Brasileira de Inteligência e outros órgãos de inteligência externos, buscando basicamente atender à Resolução nº 1373/01 do Conselho de Segurança da ONU, cuja executoriedade em território nacional é estabelecida pelo Decreto 3.976, de 18 de outubro de 2001. No que se refere, especificamente, à Resolução nº 1373/01, ela propõe um intenso intercâmbio de informações operacionais com órgãos de inteligência e policiais de vários países e busca a sistemática de dados sobre a atuação de extremistas. Dentro dessas operações de inteligência policial, que são conduzidas pela Divisão de Inteligência

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Policial, o Departamento tem uma ampla capacidade de busca do dado negado e possui efetivo compatível com as necessidades nacionais. Há de se entender que este combate à atividade terrorista dentro do viés de inteligência policial é uma atividade que deve ser realizada de forma cooperativa, ou seja, com vários órgãos integrados entre si, pois, dentro do cenário almejado, faz-se necessária esta integração e este também é o principal motivador da necessidade desta autoridade nacional contra o terrorismo, onde vários órgãos se fazem presentes e nele podemos tratar e disciplinar melhor a busca do dado negado, e com isso, atender as nossas decisões estratégicas, e em última instância, o nosso Presidente da República.

Dentro dessas operações de inteligência policial há um viés todo especial para o seguimento das leis nacionais. Há uma preocupação na Policia Federal quanto à legalidade destas operações de inteligência, visto que não adianta nada conduzir provas ilegais e não conseguir levar às barras da justiça os criminosos. Sendo assim, desde o início, desde as operações de inteligência, nós buscamos a produção de provas válidas, que venham a delimitar a autoria desses delitos.

Quanto à atuação do Departamento de Polícia Federal como unidade tática, há o comando de operações táticas, que foi criado dentro da Polícia Federal a partir de uma recomendação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, em 1983. Não houve a criação espontânea, apesar das atribuições condicionais, mas houve uma recomendação desta Comissão. Efetivamente, o Comando de Operações Táticas (COT) foi criado em 1988 e possui alguns parâmetros para a sua composição, atuação, missão e como ele funciona em crises. Há uma preocupação quanto ao recrutamento das pessoas que compõem o Comando de Operações Táticas. Elas passam por uma prova física e outra técnica, além disso, existe um acompanhamento psicológico desses policiais. Cabe ressaltar que

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estes policiais têm mais de duzentas operações reais e bem sucedidas, eles não ficam somente treinando, mas atuam. É necessário realizar o acompanhamento psicológico desses policiais. Por exemplo, o esquadrão de snipers já realizou atuações positivas, nas quais foi obrigado a eliminar bandidos, e, após estas atuações se faz necessário realizar o acompanhamento destes policiais, dentro da linguagem de situação da atividade policial, a fim de observar se não existe ou se não repercutirá um estresse pós-traumático, pós-combate, ou seja, se esse policial ainda pode continuar com suas atividades.

É importante destacar que os recrutados são todos voluntários e partem para um treinamento intenso, quando são observados no sentido de ver se eles se amoldam, se têm o perfil adequado para ficar na unidade. Devido ao fato do Comando de Operações Táticas também atuar dentro da atividade de contra-inteligência do Departamento de Polícia Federal, prendendo policiais corruptos, ele se torna um dos poucos órgãos do Governo Federal que tem a capacidade de cortar a própria carne com tal veemência. Por este motivo, estes policiais devem ter uma irrepreensível conduta funcional, já que serão quase que a polícia da polícia, ao deter os maus policiais.

O Comando conta com um efetivo de 50 homens, mas há um efeito de multiplicação, na medida em que se tem mais 250 policiais treinados com táticas e armas especiais e que estão nos locais onde a Polícia Federal possui instalações. Estes 250 policiais auxiliam, sempre que necessário, um contingente maior dentro das missões que são destinadas ao combate.

No que diz respeito à missão do COT, esta se baseia, principalmente, em apoiar os órgãos centrais e descentralizados do DPF, no desempenho de missões de alto risco, cujas características exijam policiais federais com treinamentos específicos em armas e táticas especiais. Dentro das

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200 operações realizadas pelo COT, todas foram bem sucedidas, nenhum refém foi morto, apenas um foi levemente ferido, não pelos agentes do COT, mas pelo próprio seqüestrador e nenhum dos integrantes do COT sofreu um tiro ou ficou incapacitado.

As principais missões do COT se destinam ao apoderamento de aeronaves, à apreensão de drogas, e à realização de prisões de delinqüentes tidos como perigosos para a atividade normal da polícia. Em se tratando deste último ponto, cabe destacar que o último apoderamento ilícito de aeronave, modalidade dita terrorista e bastante comum entre os grupos terroristas nos anos 70, o último apoderamento de aeronave ocorrido no Brasil foi realizado há 17 anos, quando um Boeing 737-200, da Vasp, foi seqüestrado e o intuito do seqüestrador, cujo nome era Raimundo Nonato, era lançá-lo sobre o Palácio do Planalto. O seqüestrador foi abatido, vindo a falecer poucos dias depois, em um hospital de Goiânia. Todos os mais de noventa passageiros foram salvos, bem como o comandante. O co-piloto, porém, foi morto em pleno ar pelo seqüestrador.

Dentro da atividade de apreensão de drogas, o COT tem o recorde de apreensão em uma única operação de drogas, no caso cocaína, são 7 toneladas e 300 quilos, em 1994, no Estado do Tocantins. Já dentro das missões de prisões de pessoas perigosas, ou pessoas que requeiram o emprego de homens e táticas especiais, o COT prendeu Darcy e Darly Alves, ambos assassinos de Chico Mendes; o Major Ferreira, da Polícia Militar de Pernambuco, que chegou a representar o Brasil em competições internacionais de tiro; o Deputado Federal Hildebrando Pascoal e todo o seu grupo; o Coronel Cavalcante, da Polícia Militar de Alagoas, além da detenção de vários policiais federais envolvidos no crime organizado.

No que se refere à capacitação dos integrantes do COT, estes são permanentemente treinados e quando ingressam na unidade, participam, durante 15 semanas, do curso de operações táticas em

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regime integral, com caráter eliminatório e carga horária de 770 horas/aula. Durante este curso, eles têm a oportunidade de travar relações e aprender com outras unidades, também experientes, do Exército Brasileiro, por exemplo. Entre as técnicas desenvolvidas no curso de operações táticas, podemos destacar o resgate em edificações, aeronaves, ônibus e navios. Em cada uma destas situações existem peculiaridades e circunstâncias extremamente difíceis de atuação. Foi realizado um intercâmbio com a unidade de operações especiais da Polícia Federal de Fronteira da Alemanha, em 1992, criada após o evento das Olimpíadas de Munique, e já naquela época, consideravam que, para se entrar com eficácia dentro de um avião pequeno, que é o Boeing 737 300, seria necessário um total de 50 homens, dada a dificuldade de entrar em uma aeronave.

No que diz respeito ao conceito de intensos combates à curta distância, já que é esta a grande característica das ações de combate em áreas restritas, algumas táticas tiveram de ser adaptadas, quando nestas situações se faz necessário eliminar, rapidamente, o oponente, pois já se esgotaram as fases de negociação, e foram oferecidas todas as oportunidades de ele se render. Parece que, atualmente, os terroristas, diferentemente, dos terroristas das décadas de 70 e 80, querem ser martirizados, não têm interesse em se defender ou negociar.

Há algum tempo, em situações de combates à curta distância, usavam-se as chamadas granadas de luz e som, que davam um tempo de reação de alguns segundos para o agente se locomover em intensos combates à curta distância e eliminar, rapidamente, o seu oponente que, momentaneamente, deixava o seu refém, e atordoado pelo som e pelo impacto da luz, buscava a sua defesa. Era, portanto, o exíguo, o tempo que o agente tinha para eliminar o inimigo. Atualmente, entretanto, devido à atuação dos terroristas, já não há mais esta possibilidade, porque a primeira reação é chamar a mídia, o que torna a situação difícil.

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Além da capacitação que o COT recebe dentro do país, há ainda a capacitação dos integrantes deste Comando junto a unidades no exterior. Por ser uma unidade policial, o COT busca a capacitação de seus agentes além das forças militares brasileiras, em unidades policiais fora do país, que tenham experiência nesse confronto. Entre estes países estão Alemanha, Estados Unidos da América, Espanha, Colômbia, Chile e Argentina.

O palestrante apresentou uma análise dos últimos atentados terroristas. De acordo com o doutor Daniel Lorenz, os últimos atentados, após o 11 de setembro de 2001, que teriam causado mais impacto no Brasil teria sido o atentado em Bali, no qual morreram 202 pessoas, dentre as quais havia brasileiros. Além deste, houve ainda o atentado a um teatro em Moscou, em 2002, onde morreram em torno de 170 pessoas; o atentando na escola em Bezlan, na Rússia, cujo número total de mortos foi de 300 pessoas, sendo que 200 eram crianças, e por fim, os mais recentes, que foram os atentados à estação de metrô e no ônibus em Londres, onde morreram cerca de 50 pessoas.

Diante destes fatos, percebe-se que todas as ações, nas quais não houve um martírio imediato, mas houve uma intervenção de forças especiais, o número de mortos foi maior. Pois, dentre os eventos assinalados acima, naqueles em que não houve atuação de unidade tática morreram cerca de 450 pessoas, em torno de 200 em Bali, 50 em Londres e 200 em Madri. Enquanto que nos eventos que contaram com a atuação da unidade tática, o número de mortos foi de 470 pessoas, 170 em Moscou e 300 em Bezlan. Cabe, portanto, chamar a atenção para a dificuldade que é empregar uma unidade tática em condições como as descritas acima.

O palestrante finalizou sua apresentação discorrendo sobre o emprego do COT, que, segundo ele, possui mais de 200 missões reais

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de alto risco bem-sucedidas, sem baixas fatais em sua unidade. O COT participou de missão real de apoderamento ilícito de aeronave de grande porte, há 17 anos. E, por fim, o COT está, permanentemente, treinado, capacitado, aprestado e mantendo intercâmbio operacional com as melhores unidades táticas policiais do mundo, pronto para empregar os conhecimentos adquiridos em missões reais. Um dado que não costuma ser divulgado é que o COT possui um tempo de aprestamento dentro do avião da Polícia Federal de apenas 40 minutos. Tem-se, portanto, 50 policiais aprestados, com poder de desdobramento de mais de 250, para atuar a partir de 40 minutos, desde o chamamento; neste tempo, eles já estão dentro da aeronave, equipados e prontos para partir para qualquer lugar do país. Como qualquer unidade especial, o COT também tem seu lema: “a qualquer hora, em qualquer lugar, para qualquer missão e dentro do tempo de 30 minutos”.

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cAPiTÃO-dE-mAR-E-guERRA WAlTERciO JOSédE QuEiROz SEixAS

Estrutura de resposta às ações terroristas

O palestrante abordou os fundamentos jurídicos dentro do tema de estruturas de resposta às ações terroristas, mas voltado para a parte que cabe à Marinha. Tratou também do sistema de alarme, que é o Código Internacional de Proteção de Embarcações e Instalações Portuárias (ISPS Code), da estrutura e da resposta dentro da Marinha para esse sistema de alarme, apresentou alguns casos ocorridos, encerrando a palestra com a projeção de um filme sobre a ação dos Mergulhadores de Combate em um exercício na plataforma.

Em se tratando dos fundamentos jurídicos, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar estabelece os espaços marítimos (o mar territorial, a zona contígua, a zona econômica exclusiva, a plataforma continental, e alto mar). Além de estabelecer, ainda, os direitos e deveres dos Estados costeiros e de outros Estados em relação a cada espaço mencionado. Assim, cabe ressaltar que o Estado costeiro é o primeiro responsável pela proteção de todos os navios, aeronaves e pessoas que se encontram, legalmente, dentro de seu território (áreas interiores e mar territorial). Entretanto, se este Estado for incapaz ou mostrar-se sem determinação para tomar as medidas cabíveis, ou ainda se as circunstâncias exigirem uma ação imediata para proteger vidas humanas, o Direito Internacional reconhece o direito de outro Estado utilizar os seus navios de guerra ou aeronaves militares. Um exemplo deste caso é o que vem ocorrendo entre Palestina e Israel, pois pelo fato de a Palestina não estar conseguindo controlar seus terroristas, Israel vem, prontamente, atacar e fazer a contra-ofensiva aos terroristas palestinos.

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O Estado costeiro é responsável pela proteção de todos os navios, aeronaves e pessoas que estejam em seu território (águas interiores e mar territorial) quando da ocorrência de situações de salvaguarda, de vida humana no mar, ou estabelecidas em acordos internacionais. Com isso, motivada pelo trágico evento ocorrido nos Estados Unidos, em 11 de setembro de 2001, e diante da possibilidade de emprego de navios como vetores para ações terroristas, a Organização Marítima Internacional (IMO) vem estabelecendo uma série de resoluções que têm provocado mudanças no cenário marítimo internacional, visando, principalmente, a intensificação da segurança e da proteção marítimas. Essas resoluções foram inseridas na Convenção Internacional para Salvaguarda de Vida Humana no Mar, no Capítulo XI, sendo a parte 1 destinada à Segurança e a parte 2, à Proteção.

No que tange a proteção marítima, esta compreende os navios empregados em viagens internacionais e as instalações portuárias que operam os fretes internacionais, como o Porto de Santos, que na América Latina, e, dentro do ISPS CODE deveria ter um fiscal americano. Isso não significa que o comércio internacional pare de fazer suas transações, antes, estas transações serão mais caras, caso não se obedeça a estas regras. Em relação a isso, a Portaria Ministerial, 33/04 estabelece os níveis de segurança de navios e portos e institui a Rede de Alarme e Controle em função de possíveis atentados terroristas. O Governo Brasileiro estabelece, por meio dessa Portaria, uma série de instruções e delegações de competência para diversos órgãos componentes do Poder Executivo, no que diz respeito à proteção de navios e instalações portuárias, em cumprimento ao disposto na SOLAS.

Em se tratando da definição de terrorismo, o Comandante propôs mais uma definição, a qual, segundo ele, é compartilhada por Marinha, Exército e Aeronáutica. Na ótica destes órgãos, terrorismo

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é “a forma de ação que consiste na realização de atos ou ameaças de atos de violência, destinados a criar um estado de medo, com o intuído de coagir um governo, uma autoridade, um indivíduo, um grupo, ou mesmo toda a população a adotar determinado comportamento”.

O comandante citou um caso recente do que poderia ser considerado terrorismo, que vem ocorrendo na região do Estreito de Málaca, onde os mares são compartilhados por Cingapura, Indonésia e Malásia. Nesta região, têm ocorrido diversos incidentes ligados à pirataria prejudicando, assim, o comércio marítimo e fazendo com esta área seja considerada uma área de risco de guerra e como conseqüência, os seguros e o mercado ficarão mais caros. É, portanto, a situação na qual o terrorismo internacional, embora não tenha atingido na totalidade, atingiu alguns pontos focais na economia. Consta que os piratas são componentes de grupos terroristas de origem islâmica em operação nos países da região. Entretanto, nada impede que essas ações visem um ato terrorista de grandes proporções.

A Estrutura de Resposta a atos terroristas, dentro da Marinha, é a mesma estrutura do Comando de Operações Navais, envolvendo os meios navais, aeronavais e de fuzileiros navais subordinados aos Comandos de Distritos Navais, ao Comandante- Chefe da Esquadra, e ao Comandante de Fuzileiros da Esquadra.

Segundo o Comandante, para se ter a Estrutura de Resposta, primeiro é necessário ter a Estrutura de Controle. Sendo assim, a Marinha do Brasil exerce o controle do tráfego marítimo dos navios mercantes brasileiros, cuja adesão é obrigatória, e os navios estrangeiros, adesão opcional, quando em áreas de responsabilidade do país, por meio de sistema operado pelo Comando de Controle

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Naval do Tráfego Marítimo. Cabe mencionar que este Comando de Controle Naval surgiu durante a Segunda Guerra Mundial, com os americanos, que possuíam o controle dos comboios para apoio ao conflito.

A área que é de responsabilidade da Marinha corresponde a uma vez e meia a do território brasileiro, isto é, a Marinha possui uma responsabilidade enorme sobre outro país fora do Brasil.

No que se refere ao Sistema de Controle, dentro deste se encontra o Sistema de Alarme. De acordo com o Comandante Waltercio, o Sistema de Alarme e Proteção do Navio, o SSAS, estabelecido pela Regra 6, da parte 2 do capítulo XI do SOLAS, está sendo operado utilizando-se uma estrutura da Marinha do Brasil. Assim, o Salvamar Brasil, situado no Comando de Operações Navais recebe todos os alarmes de navios de bandeira brasileira. Atualmente, por determinação do ISPS CODE, os navios que forem para os Estados Unidos deverão ter este sistema de alarme. Por enquanto, os navios que estão fazendo a navegação de cabotagem não têm essa obrigação.

Ele apresentou ainda um fluxograma, no qual, quando um sistema de alarme é acionado, verifica-se uma razoável gama de variáveis: navio de bandeira brasileira ou não, posição no interior da área SAR, etc. Após identificado um incidente de proteção, o Comando de Operações Navais comunica o fato ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que, se necessário, se comunica com a Polícia Federal e com os portos. O GSI aprecia o caso, obtém decisão quanto à ação de segurança apropriada a ser tomada. Estas são, portanto, as diversas situações que envolvem a Marinha brasileira, situações que não ocorrem na área do Brasil, ou que ocorrem, mas o navio é de bandeira estrangeira, como foi o caso de um navio venezuelano. Em casos como o último descrito, a Marinha recebe informação do país interessado e procura fazer o fluxograma, esta é, portanto, uma decisão política. Durante o corrente ano, 6 navios de bandeira

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brasileira já fizeram soar o alarme no Salvamar Brasil, sendo que todos eles foram falsos. Houve ainda, recentemente, o caso de um navio Venezuelano, em que foi informado ao Salvamar Brasil o reconhecimento do alarme do Navio-Tanque Luiza Cárceres, a 16 milhas do litoral. O Salvamar Brasil, por sua vez, solicitou informações da posição do RCC da Venezuela. No dia seguinte, o Comandante do 3º Distrito Naval, responsável por aquela área de jurisdição, enviou um Navio-Patrulha para fazer a interceptação do referido navio. Ao ser interceptado, o Comandante do Navio-Patrulha recebeu a informação do Comandante do Navio-Tanque, que o acionamento do alarme havia sido acidental. Quando este alarme é acionado, só é recebido pelo Salvamar Brasil. Após avaliação do Comando de Operações navais e do Comandante do 3º Distrito Naval, foi ordenado o regresso do navio ao porto sede (Natal). Ainda em se tratando deste caso, cabe mencionar a atuação da FAe, com uma aeronave que sobrevoou a área nos dias 6 e 7 de fevereiro, confirmando o movimento do navio-tanque, de retorno à Venezuela. Este, portanto, foi um fato recente, embrionário; a atuação está ainda em uma fase inicial. Cabe ressaltar que o GSI/PR foi informado das ações desenvolvidas.

O Comandante destacou ainda um ponto principal na sua fala, que é a existência de plataformas estrangeiras, principalmente, americanas, localizadas no litoral brasileiro. De maneira que, nada impede que um terrorista, que queira fazer uma pequena ação para motivar um problema político ou econômico, ou qualquer agitação, venha atuar na área.

Ele encerrou sua apresentação destacando que a Marinha do Brasil já efetuou vários procedimentos em diversos cenários onde existe a possibilidade de ação de terroristas. Entretanto, é necessário um maior investimento em adestramento e material, de modo que as medidas preventivas e reativas às ações terroristas no mar sejam eficientes e estejam à altura das responsabilidades decorrentes dos compromissos internacionais, assumidos pelo País.

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PARTiciPAÇÃO dA PlENáRiA

A seção de debate foi iniciada pelo professor Francisco Carlos Teixeira Da Silva (Universidade Federal do Rio de Janeiro), que pediu alguns esclarecimentos ao General Marco Aurélio Costa Vieira, a respeito do cenário apresentado pelo General, na sua fala. O professor Francisco Teixeira disse não ter ficado claro a questão do controle de vias expressas e de abertura de vias expressas para movimentação, como por exemplo, foi o caso de uma explosão em Toulouse, próxima à indústria de aviação espacial francesa, em que metade da cidade correu para o outro lado, impossibilitando o acesso das forças de defesa civil ao local, devido a um grande engarrafamento na cidade, com o centro histórico fechado.

O segundo ponto que poderia ser esclarecido, segundo o professor Francisco Teixeira, é a questão de hospitais e estoques de medicamentos e vacinas, pois, se estas informações estão em um banco de dados, parece claro que também deve estar estabelecido a quem caberia a administração de hospitais e o procedimento de vacinação. Por fim, um terceiro e último ponto a ser melhor debatido, diz respeito ao transporte dos estoques de vacinação e também a retirada da população civil. O professor perguntou ao General, a quem, dentro deste esquema, caberia a responsabilidade de pensar e iniciar a retirada da população civil.

O professor Francisco disse que uma das questões mais preocupantes, em sua visão, é que, em caso de procedimento de retirada da população de um dado local ameaçado por terroristas, se, imediatamente após a chegada das tropas, haveria a possibilidade de chegada das plantas dos prédios, já que são indispensáveis em casos de ameaça. Ele perguntou se estamos preparados, se temos recursos

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e se estamos exigindo que estas plantas sejam reproduzidas, se há uma central, ao menos de Ministérios, Universidades e Hospitais, por exemplo.

Além disso, outra coisa que, consoante o professor, parece muito comum, e que ele também não viu ainda, diz respeito à cooperação de instituições civis, como a Universidade, por exemplo, em caso de uma situação de sítio, de embarricamento, ou coisa parecida. Ele perguntou se haveriam pessoas prontas para interpretar uma interceptação de rádio em árabe, por exemplo, em um momento como este. Se haveria a possibilidade de contactar pessoas aptas a ajudar na interceptação, negociação, ou para ao menos ler que tipo de roupas ou sinais externos as pessoas estão utilizando.

O professor Francisco Teixeira encerrou sua participação mencionando um fato que se passou com ele próprio. Ele disse que saiu do Brasil duas vezes, de carro e retornou de carro; entrou no país de carro por Corumbá e chegou ao centro de São Paulo, sem ter sido identificado nenhuma vez. No aeroporto de Corumbá, havia equipamento e mobília, mas não havia pessoal para fazer a identificação, enquanto que o aeroporto de Chapecó não contava, sequer, com mobília ou equipamento. Ele disse ter chegado ao centro urbano de São Paulo, a bordo de um avião de grande porte, o qual poderia ter chegado a São Paulo em situações diversas ou poderia ter sido desviado para Angra. Diante deste relato, o professor Francisco Teixeira perguntou o que estará acontecendo com alguns dos portos do Brasil, que estão absolutamente escancarados.

Respondendo às questões levantadas pelo professor Francisco Teixeira, o General Marco Aurélio Costa Vieira comentou que os questionamentos feitos eram muito bons, na medida em que davam a oportunidade de as coisas serem colocadas como elas realmente estão.

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Segundo o General, se pegarmos cada um dos efetivos, em termos de polícia, mostrados por ele em sua palestra e incorporar os efetivos do Exército, da Aeronáutica, da Marinha, e compararmos com a população brasileira, será possível dimensionar exatamente a importância que damos ao assunto. Se não damos importância ao assunto, é muito difícil carrear importância estratégica e recursos. Ele afirmou que, o estado atual do Brasil é de total despreparo para qualquer atividade violenta. Supondo que ocorresse a tomada de uma aeronave no aeroporto de Brasília, por exemplo, a primeira discussão seria acerca de a quem caberia a responsabilidade de agir: será que ao Parasar, que treina diariamente a retomada de aeronave, será que cabe à polícia militar local, que possui um batalhão de operações especiais preparado para fazer a retomada de aeronaves, ou será ainda a Policia Federal, que, atualmente é quem, legalmente, realiza a retomada de aeronave. Supondo ainda que a aeronave tenha se deslocado para a área do aeroporto militar, a aeronáutica é quem reivindicará o direito de agir. Dessa maneira, é evidente que, atualmente, temos uma confusão real, que se constitui o primeiro problema.

O segundo problema com o qual lidamos, segundo o General, diz respeito à retaguarda desta confusão legal, pois, se de repente, estabelecemos uma situação qualquer nesta crise, e ela chega a durar dias, quem será responsável por alimentar os agentes? Quem é que oferecerá resguardo logístico de combustível, munição etc? Quem promoverá a substituição da câmera que se danificou durante a operação, por exemplo? Para todas estas questões ainda não existem respostas definidas. Se nós não temos respostas para estas questões básicas, afirmou o General, seguramente nós não estamos preocupados com a via expressa, nem tão pouco com medicação de hospital. E não estamos preocupados com a situação.

Consoante o General Marco Aurélio Costa Vieira, temos que brigar com as armas que temos. Se hoje é desta estrutura que dispomos,

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pois bem, a primeira solução proposta por ele, é organizarmos esta estrutura, a fim de fazer frente a uma emergência de curta duração, e que sejamos capazes, com nossos meios, de saná-la. E, paulatinamente, a começar pela legislação, devemos nos organizar, pois o que foi mencionado acima, referente a atividades terroristas, está em uma crise anunciada e seguramente acontecerá.

Ele chamou a atenção para os levantamentos feitos pelas equipes terroristas, que apontam para o fato de que o escape de terroristas seria para um país como o Brasil, que possui toda a infra-estrutura possível para se realizar a ação, não tem legislação específica, não tem controle do porto, do aeroporto, da entrada e da fronteira. Logo, é um país ideal para que se possa aproveitar tudo que foi falado neste Encontro, como caldo de cultura e tecnologia, por exemplo, e aqui desenvolver um ataque local, ou de outro sítio. Sendo assim, é indispensável que comecemos a estabelecer metas viáveis, factíveis, primeiro em termos de legislação, e depois em termos de organização, a fim de que tenhamos a capacidade de fazer frente a uma situação de emergência, pois, na atual situação em que nos encontramos, a nada somos capazes de fazer frente, com exceção de pequenas respostas pontuais e sempre em força, não contamos com nenhuma retaguarda logística para atender a possíveis ações terroristas.

Ainda no que tange às questões apontadas pelo professor Francisco Teixeira, o delegado Daniel Lorenz fez algumas contribuições. Segundo ele, em se tratando do controle de vias expressas e de uma série de medidas, parece haver algumas respostas em um curso chamado Curso de Mobilização, na Escola Superior de Guerra. Quanto aos problemas das fronteiras, delegado Lorenz disse que a preocupação do professor Francisco Teixeira é absoluta válida, visto que são 8 mil quilômetros a oeste desguarnecidos, além de mais 8 mil que temos extrema dificuldade de controlar. Entretanto,

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a presente situação não é algo tão desalentador, pois se repete em diversos outros lugares do mundo, como a Faixa de Gaza, que é bem menor, ou a Baixa Califórnia, onde parece não haver ninguém controlando a entrada e saída de pessoas. Este, portanto, não parece ser um problema exclusivo do Brasil, mas, evidentemente, a polícia já está atenta, visto ser sua obrigação o controle aeroportuário.

Em relação à interceptação árabe e outro apoio logístico, o Departamento de Inteligência da Polícia Federal atua em três níveis: como Polícia Judiciária, normalmente apurando o fato depois de ocorrido, no nível de unidade tática, que é o Comando de Operações Táticas, e dentro da atividade de inteligência. O Delegado disse garantir que, hoje, o Departamento possui todas as condições para fazer este acompanhamento, e oferecer, inclusive, o suporte de inteligência para a unidade tática, em casos, por exemplo, de haver uma tarefa de apoderamento de aeronaves com árabes, muçulmanos, ou a tomada de alguma instalação diplomática, em Brasília, por exemplo.

O senhor Pedro Schneider, Coronel da Reserva do Exército, comentou que, no primeiro semestre de 2005 houve um seminário sobre armas não-letais e terrorismo, em Washington. Dentro do tema discutido no Encontro, o Coronel Schneider perguntou acerca de que espécies de armamentos estão sendo previstos, não só em termos de armas não-letais, mas de uma maneira geral, para enfrentar uma situação de terrorismo.

Respondendo à pergunta acima, o General Marco Aurélio Costa Vieira afirmou que, em termos de tecnologia, bem como de material, armamento, munição, armamento não-letal e munição não-letal, o Exército acredita que a situação do Brasil é boa. Ele disse, ainda, estar certo de que se fizermos uma comparação com outro tipo de unidade tática, o Exército está equiparado, em termos táticos, inclusive na

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utilização de armamento não-letal. O que diferenciará a capacidade do Exército da capacidade dos demais é o que se denomina suporte técnico. São os suportes técnicos, ou a capacidade de entrar, sem ser visto, com câmeras, equipamentos de sensores, telefones especiais, escutas, em determinados lugares, esta tecnologia, que ninguém passa, o Exército ainda não possui, entretanto, no que se refere a armamento e munição não-letal, não há muito que inventar, trata-se, por exemplo, do som, da luz, ou de uma bala de borracha, um escudo protetor, algum tipo de proteção na cabeça, dentre outros. O que é necessário saber é como usar este armamento. Os armamentos deste porte que têm sido desenvolvidos no Brasil estão no mesmo nível dos desenvolvidos em outros países, em termos de não letal. O que nos falta, portanto, é o suporte técnico, já que, em termos do emprego ou da maneira de como se trabalha a parte tática, não só o Exército, mas as demais forças de operações especiais do país estão perfeitamente igualadas com o restante do mundo.

Outra pergunta dirigida aos palestrantes dizia respeito da existência ou não de um serviço que dê conta do transporte de material radioativo, pois, embora seja pequena a probabilidade de ocorrer ataque a usinas na Europa e nos Estados Unidos, pois são bem guardadas, no Brasil o mesmo não acontece: a região de Angra, por exemplo, é um lugar extremamente fácil de ser tomado e ser utilizado para se criar um grande dano ambiental. Foi perguntado como está o programa que dá conta de questões relacionadas a materiais radioativos, já que a maneira de detectar material radioativo não é trivial, pois cada elemento que pode ser usado como componente de uma bomba suja tem um sistema de detecção próprio.

O delegado Daniel Lorenz afirmou que a Divisão de Inteligência da Polícia Federal estava, naquele momento, realizando uma operação de inteligência, com a colaboração de técnicos da CNEM que estão oferecendo o suporte técnico para conduzir um trabalho em questões

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relacionadas ao transporte de material radioativo. O delegado afirmou, ainda, que o caminho para se realizar, com sucesso, este tipo de operação, passa por cooperações como esta. Os técnicos da CNEN estão auxiliando agentes do Departamento de Inteligência da Polícia Federal a fim de que estes estejam capacitados para tratar o material que está sendo apreendido da maneira mais correta.

Segundo o General Marco Aurélio Costa Vieira, o ranqueamento citado na questão não existe, mas está sendo providenciado pelo grupo de trabalho da Presidência da República, e está sendo aguardado com ansiedade, porque nós temos necessidade deste ranqueamento. Na operação militar, quando não se têm meios, prioriza-se, é regra normal. Quando se tem uma frente muito grande para defender, selecionamos a frente. Dessa maneira, trabalha-se sempre com a maior possibilidade de ocorrência e, atualmente, esta possibilidade de ocorrência de evento é estimada com dados da própria inteligência do Exército, já que não existe troca de inteligência entre os órgãos que trabalham com operações especiais. Esta, inclusive, é uma questão que deve ser trabalhada, tem de haver, ao menos, uma troca de inteligência tática entre os diversos órgãos que têm a mesma preocupação.

O General salientou a importância de que, aqueles que vão trabalhar no nível estratégico, raciocinem, rapidamente, para resolver este problema, para que não ocorra o mesmo problema que ocorreu na Rússia, no teatro de Moscou e no Rio de Janeiro, no ônibus 174, ambos os casos foram marcados pela incapacidade de gerenciamento local, não foi estratégico, nem tão pouco político, foi simplesmente local. Foi incompetência colocar a dose de gás correta, incompetência de antes de tomar ciência da situação, quando houve a primeira explosão, partir para uma tomada sem decisão balanceada. Situações como estas são perfeitamente possíveis de ocorrer no Brasil e as forças de operações táticas podem, facilmente,

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cair no descrédito, na medida em que não tiverem uma reação, a qual é muito fácil, até certo ponto, porque ela vai ser sempre local. É necessário, portanto, que aqueles que estão reunidos, no nível político e estratégico, pensem nesta questão, com vista a encontrar a resolução deste problema tático local.

O Ministro José Carlos de Araújo Leitão, da Saei, finalizou o Encontro Terrorismo, afirmando que, após as discussões promovidas pelo Encontro, estamos mais cientes a respeito da importância desse tema. Lembrou que é a segunda vez, desde dezembro de 2003, que a Secretaria promove seminário sobre a complicada questão do terrorismo. O Ministro finalizou agradecendo aos palestrantes, público presente e a todos os que contribuíram para a realização do Encontro sobre Terrorismo.

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Francisco Carlos Teixeira Da SilvaProfessor Titular de História Moderna e Contemporânea

da UFRJ, Coordenador do Laboratório de Estudos do Tempo Presente/TEMPO e Professor Emérito da Escola de Comando e

Estado-Maior do Exército.

O TERRORiSmO dE mASSAS NA NOvA ORdEm muNdiAl: Em buScA dE umAEm buScA dE umA

NOvA ESTRATégiA dE SEguRANÇA E dE dEfESA

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A expressão “Guerra contra o Terrorismo” surgiu no próprio dia do ataque de 11 de setembro de 2001, sob a forma de uma tarja elucidativa nos principais programas de noticiários da TV americana, acompanhando a onda nacionalista que atingiu a imprensa americana. Somente alguns dias depois foi assumida, formalmente, pelo governo americano como denominação de sua política externa.

Na mídia americana a expressão “Guerra contra o Terrorismo” vinha substituir a primeira tarja, inaugurada pela CNN ainda no próprio 11/9, a América sob Ataque, e visava, claramente, mostrar ao povo americano que o país possuía um governo e estava em ação após o impacto do bárbaro ataque contra Nova York e Washington. Após os primeiros dias de perplexidade e dor, o governo começa a se movimentar. Com as primeiras informações apontando para a organização Al Qaeda - a mesma que já havia atacado o World Trade Center em 1993, e inúmeros outros atos terroristas como o ataque simultâneo contra as embaixadas no Quênia e Tanzânia, além do US Cole, depois de 1998, as atenções dos órgãos de segurança voltavam-se para o Afeganistão onde estariam as bases e os campos de treinamento da organização. Por sua vez, o Departamento de Estado começa a construção de uma ampla frente diplomática - a expressão aliança seria forte demais - para enfrentar o terrorismo islâmico, enquanto nova ameaça global. Coube à Inglaterra de Tony Blair tomar a iniciativa na frente internacional, de certa forma substituindo com maior habilidade o próprio presidente W. Bush na costura de uma frente anti-fundamentalista – a referência aqui era sempre em direção ao Afeganistão, ainda não havendo acusações sérias contra Saddan Hussein -, num momento em que a América parecia prescindir, voluntariamente, de qualquer ação diplomática, optando conscientemente pela resposta militar ao desafio terrorista. Com rapidez, a Rússia e a China Popular - ambos países também

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alvo da ação do fundamentalismo islâmico, um na Chechênia e outro em Xinjiang - alinham-se com os americanos, enquanto a Europa invoca, pela primeira vez, os artigos de defesa militar da Otan. A Índia, cuja abertura para o mundo tornara-se intensa desde 1991, percebendo uma clara oportunidade para encaixar seu conflito com o Paquistão sobre a Cachemira na mesma rubrica de “Guerra contra o Terrorismo”, apóia rapidamente as iniciativas anglo-americanas. E o Brasil convoca os membros do Tratado do Rio de Janeiro, declarando o Tiar (Tratado Interamericano de Assistência Recíproca) em vigor. Mesmo o mundo islâmico manifesta seu apoio aos Estados Unidos, com declarações de solidariedade de Turquia, Egito, Jordânia etc... Os tradicionais adversários americanos, Iraque e Irã, lamentam os atentados e conclamam os Estados Unidos a refletirem sobre sua política para o mundo islâmico, buscando na ação externa dos americanos a causa de tanto ódio.

Embora ainda não estivesse formulada enquanto doutrina, a América pratica claramente uma política externa centrada na resposta militar. A Administração Bush não cogita de chamar a ONU para uma resposta universal ao Terrorismo. Toma a si, como país ofendido e atacado, a responsabilidade pela ação. Mais tarde, em 2002, tal postura assumirá a feição formal de doutrina, sob a forma de guerra de preempção. Trata-se de uma modalidade particularmente agressiva de ação bélica onde uma potência ameaçada – ou com sentimento de estar ameaçada – dá-se o direito de uma ação militar prévia contra um risco externo imediato.

Israel e Índia perceberão claramente a relevância da política externa e de defesa dos Estados Unidos para seu ambiente local de segurança. Assumem, então, uma postura muito semelhante: transformam seus próprios conflitos contra resistências armadas de palestinos e islâmicos da Cachemira, respectivamente, em parte

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da Guerra (agora denominada de Internacional ou Global) contra o Terrorismo. Logo em seguida, a Rússia e a China Popular seguirão o mesmo caminho, criminalizando os guerrilheiros chechenos, no caso da Rússia, e uigures muçulmanos, do Xinjiang (Turquemenistão chinês), no caso da China Popular, como terroristas. Cresce, assim, rapidamente a frente diplomática antiterror, com a junção oportunística de todos os países em dificuldades, com oposições armadas.

A formulação mais clara, entretanto, da Guerra contra o Terrorismo se fará com o discurso do presidente Bush, na noite de 20 de setembro de 2001, ao lançar o Partnership of Nations. Entre poucos acertos - como a distinção óbvia entre Terrorismo e Islamismo - o presidente alinhou uma série de lugares comuns e alguns equívocos; chegou a falar em cruzada, esquecendo-se de que num passado bastante vivo a denominação recobria uma ação agressiva e pirata de cristãos contra o Mundo Árabe. Boa parte dos discursos das autoridades americanas, visando explicar as razões do ataque à América, estava eivada de crenças fundamentalistas cristãs, beirando fortemente às teses relativas ao chamado “Choque de Civilizações”. O grave em todo o procedimento reside no fato de o principal efeito - tanto em plano doméstico quanto internacional - do atentado de 11 de setembro - cruel e injustificável - ter estreitado todo o espaço de crítica e dissentimento com os procedimentos da administração Bush no plano da política internacional, bem como no tocante aos temas de segurança doméstica. O discurso oficial americano tornou-se peremptório, recusou os diversos fóruns internacionais - em especial a ONU - em favor da exigência de um alinhamento automático de todos os países do mundo com os Estados Unidos, bem expresso na frase de Bush: “...cada país tem uma decisão a tomar: ou está do nosso lado ou do lado dos terroristas”. Assim, o espaço da negociação internacional, da busca de acordos, encolheu

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face à ameaça generalizada de confundir discordância (de métodos, alvos, oportunidades etc...) com apoio ao terrorismo. A este Diktat em política internacional somar-se-ia a postura interna: o então líder do partido republicano, Trent Lott, repetiu - logo após o discurso do presidente - a mesmíssima frase, agora no contexto americano, com que o Kaiser (Imperador) da Alemanha anunciou a I Grande Guerra Mundial em 1914: “Não vejo mais partidos de oposição na América”. Da mesma forma, o ministro da Justiça, John Ashcroft, que gerou imensa polêmica quando de sua nomeação por causa de suas posturas ultraconservadoras (contra o aborto médico, a união civil do mesmo sexo, o controle de armas e favor do controle dos meios de comunicação e da prece obrigatória nas escolas), anuncia que a América deve buscar um novo equilíbrio entre “democracia e segurança”, lembrando os velhos ministros da justiça das ditaduras latino-americanas.

Em pouco tempo o próprio Congresso americano aprovou o denominado Patriot Act, um conjunto de leis que ampliavam imensamente a ação do Estado em setores considerados de segurança, permitindo a limitação das liberdades civis. Juntar-se-ão a estas medidas, a realização de prisões sumárias, escutas e seqüestros de suspeitos. Logo depois da Invasão do Afeganistão, em outubro de 2001, surgirão prisões clandestinas, no limbo do Direito Internacional, como em Guantánamo, em Cuba. Uma série de denúncias permitirão vislumbrar tratamento cruel e desumano aos prisioneiros, muitos, simplesmente, suspeitos ou militantes anti-americanos, sem qualquer laço com ações terroristas. Mais tarde, com a Invasão do Iraque, em 19 de março de 2003, tais sistemas de prisionamento resultarão num dos maiores escândalos da política americana: as torturas da prisão de Abu Graib.

No esforço de construir um sólido front interno – para evitar a repetição do ocorrido durante a Guerra do Vietnã - Bush equivocou-se,

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ainda, em esclarecer o povo americano sobre as razoes dos atentados: de forma ambivalente referiu-se, retoricamente, a duas motivações. De um lado, são atos de pessoas amorais e doentes, relegando as razões ao plano do irracional, o inexplicável; de outro, insistiu em que a América foi atacada por suas virtudes, a liberdade e a democracia. Ora, nenhum grupo terrorista está interessado na forma com que a América elege seus governantes, ou se a eleição de Bush foi mais ou menos produto de uma oligarquia partidária manipuladora do voto popular. A América foi atacada por ser um poder mundial, com interesses e objetivos em todo o mundo. Tais interesses levaram os sucessivos governos americanos a intervirem, apoiarem, derrubarem, armarem e punirem regimes, partidos e líderes em todos os continentes, como, por exemplo, a derrubada do primeiro-ministro do Irã, Mohammed Mossadegh, em 1953, instalando no seu lugar o regime pró-ocidental, corrupto e opressor do Xá Reza Pahlevi, que será derrubado em 1979 pelo fundamentalismo islâmico. Tudo para defender os interesses dos acionistas da Anglo-Iranian Oil Company. Aqui, pela primeira vez, os governos da América despertaram, contra si mesmos, o eterno ódio de milhares de muçulmanos. Assim, o terrorismo cruel e indesculpável busca punir a América, seus dirigentes, levando ao coração dos Estados Unidos a destruição cega. A América foi atacada por aquilo que há de pior em seus governos: a ingerência generalizada nos negócios de outros países para a defesa dos interesses corporativos americanos.

Equivocou-se, ainda, o presidente Bush ao estender a outros países a razão do ataque, afirmando que o terrorismo luta contra os governos livres da Arábia Saudita ou Egito: na verdade, tais aliados americanos em nada se aproximam de regimes da “democracia e da liberdade”, constituindo-se em ditaduras arcaicas, exploradoras do povo e dos recursos naturais dos seus países e servindo para manter uma opulenta elite familiar (com estreitos laços econômicos com a

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própria família Bush). O presidente, entretanto, estava certo quando acusava o regime talibã de reacionarismo, intolerância e opressão (“um homem pode ser preso se sua barba não for grande o suficiente”, afirmou o presidente); mas, contraditoriamente, guardava silêncio frente aos países árabes “moderados” que desrespeitam os direitos humanos, como o aliado, membro da Otan, a Turquia, que exige prova de virgindade para moças serem matriculadas em escolas. Ou mesmo o Egito, que tortura gays e permite a circuncisão feminina. Ou os Emirados Árabes, que punem mulheres por participarem de provas olímpicas e aceita a escravidão de mulheres filipinas.

Os ataques terroristas de 11/9 fortaleceram a postura fundamentalista de inúmeras figuras em altos postos em Washington, com a ascensão do grupo mais conservador em torno de Bush, formado pelo vice-presidente Dick Cheney, o ministro da defesa, Donald Rumsfeld e o ministro da justiça, John Ashcroft. Homens pertencentes à direita do Partido Republicano, com uma visão muito estreita de mundo, e com fortes interesses na indústria petrolífera e de armamentos, viram nos atentados uma ocasião para resolver, de uma vez por todas, os problemas pendentes na política externa americana. Assim, afastando ao máximo o secretário de Estado, Colin Powell, e atraindo a conselheira de segurança nacional, Condoleeza Rice, aboliram o multilateralismo enquanto política externa americana e assumiram uma postura duramente imperial na condução das relações externas da América. Dessa forma, Bush denuncia o Tratado de Limitação de Mísseis Intercontinentais, com a Rússia, causando grande mal-estar, em especial da China Popular. Conduz o ataque e a ocupação do Afeganistão contra todas as advertências dos aliados, quase levando à implosão do Paquistão, colocado entre a pressão americana e a opinião pública islâmica, embora fracassando em pôr as mãos em qualquer figura importante da Al Qaeda.

Em 30 de janeiro de 2002, no discurso sobre o Estado da Nação, Bush avança o unilateralismo americano, anunciando a próxima punição

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das nações do Eixo do Mal, o Iraque, Irã e Coréia do Norte, aos quais se somaram mais tarde Síria, Somália e Yemen. Ao incluir o Irã - país que havia prestado sua solidariedade às vítimas do 11/09 – no Eixo do Mal, a Administração Bush destruiu a argumentação dos setores moderados iranianos, favoráveis a abertura do diálogo com os Estados Unidos, abrindo o caminho para os radicais fundamentalistas voltarem ao poder (o que de fato ocorreu em 2005). Da mesma forma, ao entregar inteiramente a Questão Palestina aos israelenses, abandonando o papel de mediador exercido nas últimas três décadas, a Administração Bush isolou a liderança de Yasser Arafat, erodiu o apoio popular do Partido Al Fatah e abriu caminho para a vitória eleitoral dos radicais do Hamas.

Por outro lado, a relação entre Al Qaeda e tais países nomeados no Eixo do Mal não é, de forma alguma, evidenciada, o que obriga os Estados Unidos a uma nova formulação. No discurso do State of The Union Bush volta-se, não só contra as nações que não cooperam na luta contra o terrorismo, como ainda formula uma doutrina militar que prevê a intervenção armada prévia - quer dizer, preemptiva - contra qualquer país que procure se dotar de armas capazes de colocar os Estados Unidos em risco. Tal postura implica em romper com uma tradição secular em política externa, que remonta ao Tratado de Westphalia de 1648, assumindo, como provável, o ataque militar convencional, de caráter preventivo. Tradicionalmente os Estados Unidos sempre entraram em conflitos em resposta a ataques sofridos ou com mandatos de organismos internacionais, o que é descartado agora pela nova Doutrina Bush. Na mesma ocasião, Bush confirma as assertivas de D. Rumsfeld e J. Ashcroft, de que a derrota do regime talibã, em 2001, não poria fim à Guerra contra o Terrorismo, que deveria ser longa e continuada.

É neste sentido que Bush anuncia a Operação Balikatan, o desembarque de tropas americanas nas Filipinas, para combater a organização terrorista Abu Sayyaf, responsável por inúmeros seqüestros e mortes e suspeito

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de atuar em conformidade com a Al Qaeda. Da mesma forma, ele fortalece o financiamento do governo colombiano e classifica as Farc como organização terrorista, desconhecendo o caráter nacional e popular da guerrilha colombiana. A mais dramática mudança, contudo, dá-se no Oriente Médio, onde o primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, dirige uma violenta política de aniquilamento da Autoridade Nacional Palestina.

Do ponto de vista militar, a Guerra contra o Terror é uma larga operação que combina os meios mais variados possíveis. Contra o Afeganistão, desde 2001, travou-se – e ainda se trava uma guerra lá! - uma guerra nos moldes daquela feita contra o Iraque em 1991, com abundância de meios tecnológicos e pouca ação de terra. Seguiu-se, aí, claramente, a chamada Doutrina Powell, visando evitar ao máximo baixas americanas, através do uso de meios tecnológicos sofisticados. A parte terrestre do conflito foi realizada pelos guerrilheiros da Aliança do Norte que, desde 1996, lutavam contra os talibãs. Ao mesmo tempo, o governo americano desencadeia uma larga operação de controle dos fluxos monetários que pudessem ser usados pelo terrorismo, como da instituição somaliana Al Barakaat, acusada de ser fachada financeira da Al Qaeda. Operações policiais são levadas a cabo em vários pontos do planeta, com intervenções pontuais na Tríplice Fronteira (Argentina, Brasil, Paraguai), na Alemanha, Inglaterra, Bélgica e França, enquanto iniciam-se as conversações para criar bases permanentes no Tadjiquistão e Turquemenistão, além de iniciar o treinamento de tropas filipinas envolvidas na luta contra Abu Sayaff.

A Administração Bush, contudo, não considera a Guerra contra o Terrorismo circunscrita e, desde os começos de 2002, inicia os preparativos de ataque ao Iraque, acusado - como parte do Eixo do Mal - de abrigar terroristas e desenvolver armas de destruição em

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massa. Ambos os argumentos resistem, fragilmente, aos dossiês apresentados em Londres e Washington, enquanto, na verdade, talibãs e membros da Al Qaeda encontram refúgio em Paquistão, Somália, Yemen e Sudão. A insistência americana em derrubar o ditador Saddam Hussein mal encobre, desta forma, os profundos interesses americanos nas gigantescas reservas petrolíferas iraquianas.

Por fim, a guerra desencadeada contra o Iraque - embora se constituísse em retumbante sucesso na sua primeira fase (de 19 de março até 1º de maio de 2003) - resvala, perigosamente, a partir daí para uma clássica guerra de libertação nacional. Malgrado o horror que as autoridades americanas - e alguns jornalistas e scholars - votam a esta comparação, hoje o Iraque lembra, em seus traços mais gerais, o atoleiro americano no Vietnã, entre 1964 e 1975: forte resistência guerrilheira; uma ideologia unificadora e dedicada ao martírio; vastas áreas “libertadas”; enclausuramento do exército americano; um exército local ineficiente e um governo local títere e corrupto.

Para muitos, depois de quase três mil mortos americanos e 100 mil iraquianos, dos terríveis atentados em Bali, Istambul, Casablanca, Madri, Moscou, Beslan ou Londres, deve-se considerar que a Guerra contra o Terrorismo mostrou-se, até o momento, inepta, incapaz de atingir o inimigo de forma contundente. A maior prova para isso é que: de um lado, Ossama bin Laden continua livre; de outro, os atentados crescerão depois de 11/09. Para muitos, a guerra no Iraque, com seus objetivos corporativos, acabou por desviar esforços e recursos da luta principal, favorecendo as células terroristas espalhadas pelo mundo.

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Terrorismo e Ordem Mundial

Assim, envolvendo um universo variado de meios, os mais desiguais possíveis, a Guerra contra o Terrorismo afigura-se nitidamente como uma guerra assimétrica ou netwar, que já se desenvolveria como enfrentamento entre os Estados Unidos e o fundamentalismo islâmico. Superada a Guerra Fria (1947-1991), sua geopolítica e as implicações da bipolaridade (Estados Unidos versus União Soviética) para a segurança e a defesa nacional das nações, cabe problematizar as novas condições vigentes nas relações internacionais depois de 1991 (fim da União Soviética). Durante o período entre 1991 e 2001 – Administração Bush, sênior e as duas Administrações Clinton – deu-se uma grande expectativa, amplamente otimista, num re-ordenamento mais harmonioso das relações internacionais, com a diminuição da pressão e das exigências sobre segurança e defesa das nações. Contudo, desde 1993 – com o primeiro ataque terrorista ao World Trade Center e os subseqüentes ataques às embaixadas americanas no Quênia e Tanzânia, depois às tropas americanas na Arábia Saudita e ao USS Cole, culminando no ataque de 11/09/2001 contra Nova York e Washington – tal fase de transição encerrar-se-ia de forma trágica, inaugurando uma nova fase de pessimismo e de obsedante preocupação com segurança e defesa nacional1 .

ação da circulação de idéias, capitais, bens, etc. asseguram o surgimento de uma rede global de transições de bens materiais e imateriais, de trocas simbólicas e de alto valor financeiro, criando pela primeira vez – de forma absoluta – a anunciada aldeia global. O paradoxo antes afirmado explicita-se nas características mais marcantes do framework da globalização: um mundo mais unificado, mais inseguro e mais incerto. Emergem, em especial após 2001 – Administração Bush,

1 Ver para esta discussão: KALDOR, Mary. New & old wars. Cambridge, Polity Press, 2001.

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Junior e os mega atentados terroristas – uma forte tensão – política, teórica e econômica – entre unilateralismo versus multilateralismo, com retorno da guerra inter-estatais (como no Afeganistão, 2001 ou Iraque, 2003) ou intra-estatais (Congo/Kinshasa, Sudão) e a recorrência dos genocídios (Iugoslávia, 1999; Sudão, 2005)2 .

O caráter multilateral das crises e a emergência do unilateralismo lançam suas bases teóricas e políticas em antigos paradigmas do campo das Relações Internacionais e promovem compreensões diferenciadas das novas condições vigentes nas relações internacionais pós-1991. Tais paradigmas serão, por sua vez, as bases para a formulação de políticas nacionais de Segurança e Defesa Nacional também diferenciadas, e muitas vezes concorrentes entre si. Mesmo no interior de países, o debate entre unilateralismo e multilateralismo, muitas vezes tingido pela antiga rivalidade teórica entre idealistas kantianos e realistas hobsenianos, atingira o conjunto das instituições formuladores de políticas públicas na área de Relações Internacionais, Segurança e Defesa (RI, S&DN)3 .

Debates em torno da manutenção de forças armadas ou sua transformação em milícias cidadãs, com funções de polícia voltadas exclusivamente para as operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO); o pragmatismo na formulação da política externa em face das exigências de ONGs e de setores de classes médias urbanos em torno de uma política externa ancorada em eixos como defesa dos direitos humanos e da preservação da natureza; a formulação de alianças com a potência hegemônica, a constituição de blocos regionais e a renúncia a prerrogativas clássicas do Estado-Nação são apenas alguns dos temas em debate em torno da formulação de

2 RAMONET, Ignácio. Guerras do século XXI. Petrópolis, Vozes, 2002.

3 Ver BROWN, Michael ( ed. ). Offense, defense and war. Cambridge, MIT Press, 2004. Ver BROWN, Michael ( ed. ). Offense, defense and war. Cambridge, MIT Press, 2004.

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políticas de RI, S&DN com grande evidência nos gabinetes e na mídia especializada.

Terrorismo e seu impacto sobre a Nova Ordem Mundial

O quadro anterior, apenas esboçado, ilumina as novas condições existentes nas relações internacionais e seu impacto contemporâneo sobre as suas condições de formulação e de crítica. Hoje, cada Estado-Nação, em qualquer canto do planeta, vê-se em face a escolhas decisivas, entre as quais se impõe pensar, criticamente, as condições hoje existentes na nova ordem mundial. Entre tais decisões estratégicas, devemos destacar:

• a tendência de dissolução de atributos clássicos do Estado-Nação – tais como moeda nacional, direito exclusivo, representação – no interior de blocos regionais ou macro-regionais;

• a tendência a considerar a segurança como fenômeno coletivo, garantido através de instituições multilaterais, tais como ONU, OEA, OTAN, etc.;

• a tendência crescente de incorporação ao Global Play, no antigo Grand Jeu da diplomacia mundial no século XIX, de novos atores globais, para além do Estado-Nação, tais como as grandes firmas, as ONGs, as instituições multilaterais (OMC, G-7, etc.).

Estes novos atores globais – uma realidade cada vez mais avassaladora em R.I. – apresentam uma multiplicidade de formas e ações, criando grave impasse nas ações do Estado-Nação, muitas vezes superados na nova dinâmica da ordem mundial4 . Entre as egal da biodiversidade;

4 DAVID, Charles-Philippe. La Guerre et la paix. Approches contemporains de la sécurité et de la stratégie. Paris,DAVID, Charles-Philippe. La Guerre et la paix. Approches contemporains de la sécurité et de la stratégie. Paris,

Presses de Sci Pó, 2001.

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• as grandes firmas gestoras de bens materiais e imateriais, como a mídia e o comércio on-line, a InterNet, os gestores mundiais de hot money, as consultorias e as administrações de saberes.

Alguns apontam em tal constelação a forte presença de chaves de leitura impregnadas pelo debate clássico sobre o caráter e a natureza das relações internacionais, com diagnósticos diversos a partir das abordagens unilateralistas ou multilateralistas das atuais condições de evolução das relações internacionais. Em especial, a abordagem oferecida por Negri&Hardt, ainda sob o impacto das gestões em torno de uma governança mundial durante as duas Administrações Bill Clinton (em um contexto onde Tony Blair e, mais modestamente, Fernando Henrique Cardoso, desempenharam um papel central), serviu de ponto de partida para algumas interpretações que se mantiveram por algum tempo hegemônicas5. Contudo, o fracasso de uma “Administração Al Gore”, a vitória de George Bush, em 2001, e os terríveis impactos causados pelo 11/09 fazem retroceder as idéias de uma governança mundial, de um Império sem endereço e de uma multiplicação de agentes multilaterais – OMC, ONU, G-& (ou sua versão ampliada, com Rússia, Índia, Brasil, etc.) responsáveis pela gestão mundial. O retorno, em força, do conceito de interesse nacional – sua assunção pelos Estados Unidos, de forma aberta, e em seguida por Israel, França, Rússia, Índia, Paquistão – acentuam o ano de 2001 como forte divisor de épocas nas relações internacionais e em suas implicações para o campo da Segurança e Defesa Nacional.

Assim, podemos destacar uma tendência de duplo sentido e, só aparentemente, contraditória: a diminuição dos atributos do Estado-Nação para a maior parte dos países, em especial na periferia atrasada e em crise de desenvolvimento, enquanto alguns poucos países

5 HARDT, M. e NEGRI, A. Império. Rio de Janeiro, Record, 2002.

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– Estados Unidos, China Popular, Índia, Israel, etc... – acentuam seus próprios atributos de poder soberano, incluindo-se aí a expansão do conceito de soberania nacional por sobre os mesmos atributos de nações mais fracas. Muitos denominaram, como Hardt&Negri, tal processo de “Império” ou “soberania imperial”- mesmo sem extrair daí todas as conseqüências necessárias.

Frente a este amplo quadro, necessariamente incompleto, do impacto da Globalização e da viragem do ano 2001, o campo das R.I., S&DN enfrenta novos desafios, decorrentes das características da própria “Nova Ordem Mundial”, gerada entre 1991 e 2001.

Já de forma clássica poderíamos afirmar que a desaparição da Bipolaridade, com o fim da Guerra Fria (1985-1991) não transformou o mundo em um lugar mais seguro e mais previsível. Evidentemente o fim da condição M.A.D. – simultaneamente o risco de mútua destruição assegurada e a paralisia estratégica dos dois grandes contendores da época – foi um dado positivo em si mesmo. Contudo, a possibilidade acalentada de um fim da história – ou seja, o exercício tranqüilo e satisfeito da hegemonia ocidental e americana sobre o mundo – não se efetivou6. Em curto espaço de tempo, entre 1991 e 1993, na passagem da Administração Bush, sênior, para Administração Clinton, imaginou-se que a Nova Ordem Mundial representaria o fim das guerras – ao menos das guerras inter-estatais, das crises mundiais e das grandes rivalidades. A diminuição dos orçamentos militares em todo o mundo – não só desmantelamento do Exército Vermelho, mas ainda a redução de despesas bélicas nos Estados Unidos, U.E. e Japão, com o surgimento de saldos orçamentários e fiscais, principalmente nos Estados Unidos, prenunciavam o caráter harmônico dos novos tempos. Contudo, desde 1993, com o primeiro

6 VESENTINI, José William. Novas geopolíticas. São Paulo, Contexto, 2001.

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atentado contra o World Trade Center, os serviços especializados e os Estados-Maiores em todo o mundo perceberam que as crises não haviam sido banidas do cenário mundial e os riscos de segurança estavam bastante presentes7 .

Neste sentido, aos poucos, entre 1991 e 2001, forjou-se uma nova pauta de Ameaças Mundiais, que substituiriam, claramente, a antiga rivalidade Estados Unidos versus União Soviética. As formulações em torno do conceito de Novas Ameaças são variadas e apresentam grande diversidade. Contudo, podemos apontar para os seguintes elementos centrais:

• o narcotráfico e as demais máfias internacionais; • o novo terrorismo internacional; • as ameaças ecológicas e de esgotamento do patrimônio natural; • as ameaças aos direitos humanos; • as novas pandemias globais; • a presença de estados-falidos e estados-párias nas Relações

Internacionais. Pela primeira vez se formulava uma agenda das relações

internacionais, da segurança e da defesa das nações, amplamente autônoma, em relação às rivalidades inter-estatais. As questões capazes de gerar graves crises e impor situações de insegurança para a comunidade das nações centravam-se, agora, largamente em ações intra-estatais (ecologia, direitos humanos), transfronteiriços (máfias variadas) e na imperiosidade de um sistema mundial, capaz de dar cobertura a uma política de state-building ali onde o antigo Estado-Nação entrara em colapso (Bósnia, Kossovo, Congo-Kinshasa, Timor

7 LEMKE, Douglas. Regions of war and peace. Cambridge, University Press, 2002.

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Leste, Haiti, entre outros). Assim, por um momento pareceria ao observador que as antigas ferramentas de R.I, S&DN, herdadas da Guerra Fria, não mais davam conta das questões colocadas. Várias conferências e acordos internacionais avançavam na direção de um arcabouço do Direito Internacional, visando dar conta dos novos desafios – Protocolo de Kyoto, TPI, acordos de banimento de armas e de limitação de combate, etc.

Da mesma forma, a antiga geopolítica gerada ao final do século XIX e consolidada nas obras de MacKinder (1904) e de N. Spykman (1944) que servira de sustentação para o clássico enfrentamento das potências navais (Grã-Bretanha, Estados Unidos, França) contra as potências continentais (Alemanha, Rússia e depois URSS) não mais dava conta das relações internacionais. Assim, os antigos blocos militares ou entraram em colapso – Pacto de Varsóvia, OTASE, CENTO, etc. – ou buscavam rapidamente um novo conteúdo definidor, como foi o caso da OTAN ou do Tratado do Rio de Janeiro.

Questões centrais da ecologia – tais como no binômio recursos/escassez, como água e terras não-desertificáveis – tornar-se-iam elementos centrais na emergência de uma nova geopolítica8 . Outros recursos, exatamente por seu uso antigo, tal como o petróleo, tornaram-se, por sua vez, foco de grandes atenções, gerando a preeminência de novas áreas planetárias, antes esquecidas (a região caspiana, na Ásia Central ou o Triângulo de Ouro – Nigéria/Gâmbia/Cabinda – no litoral africano). A persistência dos genocídios – Bósnia, Kossovo, Ruanda ou Sudão – ou simplesmente sua ameaça, como no Haiti, impunha ações

8 BONIFACE, Pascal. Les guerres de demain. Paris, Seuil, 2001.BONIFACE, Pascal. Les guerres de demain. Paris, Seuil, 2001.

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rápidas derivadas da pressão da opinião pública9. Em todo este contexto surgiam, ou fortaleciam-se, novos

atores globais, como ONGs especializadas – Greenpeace, Anistia Internacional, Attac, etc. – ao lado da pressão crescente da opinião pública, alterando, significativamente, o antigo “secretismo” vigente na formulação de conceitos em Relações Internacionais.

Entretanto, a junção de fatos novos (Administração Bush + 11/09) viriam complicar, ainda mais, a agenda posta das novas ameaças mundiais. A resposta americana ao desafio e à ameaça, do 11/09 foi quase que exclusivamente em termos militares, centrando-se na ameaça representada pelo novo terrorismo mundial. Assim, os demais itens da pauta gerada nas administrações anteriores (Bush, sênior + Clinton) e de ampla adesão mundial (U.E., G-7, emergentes, etc.) foram duramente afetados, com itens excluídos, desprezados ou minimizados. A Guerra Global contra o Terrorismo Mundial tomou conta, de forma obsessiva, da nova agenda mundial.

As Relações Internacionais depois de 11/09

O Estado-Nação foi colocado, em escala planetária, frente a novas exigências em decorrência do impacto das ações terroristas de 11/09, algumas destas exigências são tão imperiosas e novas que produziram resultados surpreendentes, com uma nova ênfase nos estudos de R.I., S&DN. Algumas potências, como os Estados Unidos à frente, elaboraram novas doutrinas de segurança nacional - Estados Unidos, em 2002, Rússia, em 2003, França, Índia e China

9 TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos. A nova geopolítica do petróleo. In: www.agenciacartamaior.com.br, TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos. A nova geopolítica do petróleo. In: www.agenciacartamaior.com.br,

Internacional, 2005.

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Popular em 2004 e Venezuela, em 2005 – centradas, em grande parte, nos seguintes pontos:

• guerra “preemptiva”, inclusive com uso de artefatos nucleres;

• produção de um gap geracional nos mecanismos de defesa; • ênfase em uma nova Revolução dos Assuntos Militares

- R.A.M. altamente tecnificada; • nova noção de Homeland Security; • novo conceito de fronteira, enquanto rede; • generalização da democracia liberal representativa. O conjunto de tais elementos mantinha10, contudo, a

ênfase na idéia central de que, em uma época de generalização da democracia liberal representativa, as guerras inter-estatais iriam diminuir – em face do axioma de que as democracias não guerreiam entre si. Assim, a guerra ficaria limitada aos estados-pária (rogue states) ou estados-falidos, onde as estruturas estatais seriam apropriadas por máfias ou redes fora da lei. Nestes casos, a Doutrina do Pavor e Espanto – com o uso maciço de tecnologia – seria suficiente para impor a vontade das potências da ordem. Da mesma forma, a noção de fronteira, enquanto uma rede de fluxos materiais e imateriais, abria espaço para um novo tipo de ingerência mundial por parte das potências da ordem. A associação às novas ferramentas da Homeland Security – em especial, em face de minorias oriundas de áreas de alto risco e de indocumentados – deveria ser o suficiente para controlar a ameaça terrorista.

Algumas potências seguiram, de imediato, as novas formulações americanas, como a Federação Russa, Israel e Índia

10 Ver ZORGBIBE, Charles. L’avenir de la sécurité internationale. Paris, Presses de Sciences Po, 2004.

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(todos com experiência anterior de ameaças terroristas). Outras potências, sem os mesmos instrumentos de Segurança & Defesa Nacional, et pour cause, apegaram-se fortemente às teses idealistas, passíveis de desenvolvimento no multilateralismo da Era Clinton. Para tais nações, como Brasil, Japão, Alemanha, Espanha e – numa outra condição – França, o multilateralismo centrado em um amplo arcabouço do direito internacional – como as resoluções do Conselho de Segurança da ONU ou o TPI – e gerido por organizações internacionais, como a ONU, OTAN, OMC, etc. – é a única garantia universalmente válida para a manutenção da paz.

O excesso, ou excedente, de poder expresso pelos novos orçamentos militares bilionários – EUA, Japão, China Popular – e sua junção a uma política de guerra preemptiva criam uma situação de insegurança mundial extremamente grave. Assim, a multipolaridade, em lugar da hegemonia de uma única hiperpotência, é considerada mais estável e benéfica para o sistema internacional de nações. Nesta linha de ação, o retorno do concerto das nações – agora em escala planetária – e da segurança coletiva seria um elemento buscado com afinco (por exemplo, nas exigências de reforma das Nações Unidas)11.

É neste sentido, ainda, que algumas nações – como a Índia, África do Sul, Brasil, e, talvez, Nigéria, Paquistão, Irã e Indonésia anseiam pelo reconhecimento mundial de um pretendido papel de atores globais na nova ordem mundial. Para isso podem recorrer a poderosas panóplias militares, inclusive atômicas – como Índia, Paquistão ou Irã. Ou, podem exibir seus ricos patrimônios econômico-naturais, como vasta população, territórios amplíssimos,

11 Para a discussão de guerra preemptiva ver TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos. Enciclopédia de guerras ePara a discussão de guerra preemptiva ver TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos. Enciclopédia de guerras e

revoluções do Século XX. Rio de Janeiro, 2004.

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recursos naturais ou plantas industriais extensas, tais como Brasil, Indonésia, Nigéria, ou ainda, Índia. Outros valem-se de suas condições estratégicas, sua atuação internacional – mediações, forças de paz, associações privilegiadas ou ainda como guardiães de zonas geo-estratégicas – como África do Sul, Egito, Irã, Argentina – para fazer valer seu papel de global players.

Alguns analistas, por outro lado, e talvez de forma mais realística, combinam tendências e diagnósticos transversais – para além dos impactos impressionistas tais como as enrascadas americanas no Iraque ou os efeitos do furacão Katrina, para apontar para horizontes mais longos, de 25/30 anos como o ponto de estabilização da Nova ordem Mundial. Assim, cenários alternativos, e complementares, podem apontar para a manutenção da hegemonia americana, mitigada ora pelo corolário da Doutrina Primakov, ora pelas conseqüências do já famoso Relatório BRICS da Goldman-Sachs. De qualquer forma, exceto no cenário Todd12, todos apontam para a permanência da hegemonia americana, temperada e limitada por novas condições, e harmonizada com o interesse coletivo do sistema internacional.

No mais provável dos cenários – bastante positivo – os países BRIC, Brasil, Rússia, China e Índia, constituir-se-iam, em escalas fortemente diferenciadas, em uma constelação desigual de potências (com uma distribuição também desigual de poder econômico/tecnológico, poder militar e soft power) que tenderiam a impor o refluxo da hiperpotência americana – curada de 25 anos de unilateralismo e espasmos militaristas - ao âmbito do sistema internacional, novamente de caráter multilateral e multipolar por volta de 2030.

O período de maior instabilidade e de crises sucessivas seria exatamente os 25/30 de consolidação da Nova Ordem Mundial, nos

12 Ver TODD, Emmanuel. Aprés l´empire. Paris, Gallimard, 2002.

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quais os Estados Unidos re-apreenderiam a conviver num sistema de limitações dos interesses e das ações unilaterais. Evidentemente seria – e já é assim! – um período de crises sucessivas, cuja intensidade dependerá largamente do ritmo de ascensão de potências concorrentes – entre eles, fundamentalmente, a China Popular – e do tipo de liderança no poder em Washington e, enfim, da capacidade de controle e segurança em face ao Terrorismo Internacional que mediará a chegada a 2030. Enquanto isso, neste espaço de tempo de 25/30 anos, dever-se-á buscar as condições de institucionais de inserção de cada país no processo irreversível de globalização, definidor de todo o século XXI. Nesta busca, dois elementos deverão ser norteadores de uma política externa responsável, pragmática e soberana:

• a manutenção, em tempos de severa crise internacional, de nossas condições de autonomia, desenvolvimento e segurança;

• a busca das condições de manutenção da qualidade de Global Player para depois de 2030.

O próprio caráter da Nova Ordem Mundial – a generalização da insegurança e a dificuldade da previsão nos próximos 25 anos – parece ainda pouco claro para a maioria dos formuladores políticos, grande parte presos ao curto prazo, às formulações imediatistas e fôlego curto. A generalização dos fluxos de capitais, em especial do hot money, rápido, nervoso e reagente à estímulos elétricos, marca toda uma geração de formuladores políticos, incapazes de pensar para além dos ruídos das bolsas de valores e mesmo incapazes de ver nos sinais largamente “portadores de futuro” – preço do petróleo, efeito estufa, globalização de novas pandemias, etc. – estruturas permanentes do “admirável mundo novo”. Grande parte dos nossos formuladores políticos encontram-se ainda presos a uma velha geopolítica – MacKinder (1904) ou N. Spykman (1944) – e as “novas

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geopolíticas”, de dominância econômica e bio-ecológicas, ainda não fizeram sentir seu impacto no conjunto das formulações dos interesses nacionais13. Assim, muitas vezes elementos de arcaísmo irrompem nas formulações de face ao futuro, turvando a análise e gerando confusão. Por outro lado, multiplicam-se formulações ingênuas, acríticas e superficiais, baseadas em entidades ou instituições sem responsabilidade com território, povo ou complexos conjuntos econômicos, muitos elaborados a partir de notável voluntarismo.

De qualquer forma, no seu conjunto, a avaliação de um duradouro período de turbulências, de 25/30 anos de extensão, até o amadurecimento de uma Nova Ordem Mundial de caráter renovadamente multilateral e multipolar, implica no reconhecimento de algumas tendências centrais:

• retorno, em novas condições, ao cenário mundial da questão da segurança: a implosão dos limites “nacional/internacional” em razão da globalização e dos avanços tecnológicos, levará em conseqüência à implosão do conceito de segurança como um território do “nacional”. O conceito de segurança assumirá a diluição da sua dimensão territorial, superando a projeção extensiva do espaço em favor de uma “Quarta Dimensão”, da projeção cibernética de redes, por onde circularão miríades de bens materiais e imaterais. As ferramentas conceituais baseadas na idéia de rede deverão ser os elementos centrais na percepção do novo conceito de segurança;

• a multiplicação dos conteúdos do conceito de segurança: segurança social, segurança alimentar, segurança institucional, segurança corporativa, cybersegurança, etc., distinguindo-se de domínios securitizados ou passíveis de securitização, dos domínios “moles”, alvo de “oportunidades securitáveis”, transformados em

13 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo, Paz e Terra, 2002.

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alvos privilegiados das redes criminosas; • a superação do debate entre os conceitos de “defesa” e

“segurança”: as tentativas idealista/liberal de reduzir os atributos do Estado, em especial seu monopólio da violência, deverá encontrar um limite e um ponto de retorno, em função das ameaças de segurança tanto criminosas, quanto ante a ameaça de colapso generalizado perante as catástrofes naturais – Tsunamis, Furacão Katrina – e as novas pandemias globais. Em todos estes casos o Estado é a única instituição capaz de formular respostas e políticas consistentes de longa duração;

• a re-invenção da guerra: o Estado, suas associações multilaterais e os organismos de manutenção da ordem global, deverão desenvolver capacidades de lidar com conflitos para além da defesa territorial das fronteiras, em função da generalização da estratégia de “guerras sem limites”, apresentadas desde 1999 e generalizadas entre 2001 e 2005 enquanto estratégia nacional (EUA, Federação Russa, Israel, Índia, China Popular).

No plano interno do Estado-Nação – agora responsável, não apenas perante sua população, pela segurança, mas responsável também perante a comunidade internacional, numa época de riscos de segurança globalizados – tais condições deverão informar uma série de medidas, de caráter urgente, na produção de condições de segurança, a saber:

• centralidade, flexível, de um sistema nacional de Segurança & Defesa, evitando a polifonia e, no limite, a balbúrdia de gestão, capaz de impedir a previsão e a prevenção, abrindo brechas securitárias para as redes criminosas;

• a constituição de redes transnacionais de segurança – da mesma forma como são redes transnacionais as novas ameaças

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criminosas – ressalvando-se a autonomia de interesses nacionais e metodologias de ação;

• a capacitação material e intelectual das instituições responsáveis por S&D, visando superar as deficiências atuais com saltos de quanta, através de investimentos estratégicos, transformando carências em excelências seletivas;

• distinguir, claramente, os campos de riscos e ameaças para o Estado e o Cidadão, relegando o debate sobre os interesses momentâneos de governo e partidos;

• mobilização do Poder Judiciário para a atuação mais eficiente no combate do crime em rede e de suas novas ameaças;

• “nacionalizar” – no sentido de sua extensão nacional – o debate em S&D desconectando-o da exclusiva competência policial-militar e trazendo para o debate o conjunto de atores sociais relevantes, incluindo-se aí capacidades já instaladas e não-mobilizadas (universidades, empresas, ONGs, etc.), “responsabilizando” o conjunto da sociedade pela formulação conceitual do domínio S&D;

• “democratizar” – no sentido de sua extensão cidadã – a formulação de R.I.,S&D, desconcentrando-a do seu aspecto de Ancien Regime, ampliando debates, referendos e consultas, transformando o cidadão em co-responsável pela formulação de nossa política externa;

• definição de áreas estratégicas de investimentos em Educação, Ciência e Tecnologia – em especial nos campos de nanotecnologia, biotecnologia, informática, energias, balística – no sentido de evitar gaps insuperáveis e vazios securitários14.14 Ver nesse debate: HATMANN, Anja et alii. War, peace and world orders in European history. Londres, Routledge, 2002 e HEYMANN, Phillip. Terrorism, freedom and security. Cambridge, MIT, 2003.

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Os diversos Terrorismos

Apresentamos abaixo uma sinopse das formas históricas, de sua identificação e caracterização das especificidades com que o terrorismo fez sua aparição na história. Assim, podemos identificar “Quatro Vagas” do Terrorismo Internacional, enquanto um esforço didático de orientação para os estudos sobre terrorismo:

1. Período de 1880-1914: terrorismo de caráter anarquista e/ou libertário e populista (Norodinics, na Rússia), com grande incidência na Rússia czarista, Itália, Sérvia, França, Espanha e Portugal. De cunho “pedagógico” procurava através dos exemplos espetaculares – atentados contra chefes de Estado e figuras notórias dos regimes em vigor – “despertar” a opinião pública. Poucas vezes visou alvos coletivos e lugares de freqüência de um público variado, sendo claramente cioso em manter a simpatia da opinião pública.

2. Período de 1945-1974: terrorismo de cunho, dominantemente, anti-colonial, incorporado aos processos de descolonização e no interior das denominadas “guerras de libertação nacional”. Grande incidência na Argélia, Indonésia, Malásia, Vietnã, Palestina (terrorismo judaico anti-britânico) e aparição sob a forma de terrorismo das formas nacionais de resistência do IRA (oriundo dos anos ´20) e do ETA (criado em 1959). Após a derrota árabe frente a Israel em 1967, surgem organizações de resistência palestina que passarão rapidamente para a ação terrorista. Armênios e curdos mantém uma ação regular de atentados contra alvos turcos, visando evitar o “esquecimento” dos genocídios praticados durante a Primeira Guerra Mundial.

3. Período de 1975-1985: grande ação do terrorismo político,

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de vertente extremista de esquerda e de direita, destacando-se o Baader-Meinhof, na Alemanha Ocidental; as Brigadas Vermelhas, na Itália, os neofascistas também na Itália e na Alemanha; o Exército Vermelho no Japão; Carlos, o Chacal e o Grupo Abu Nidal assumem notoriedade mundial após atentados contra aviões, transatlânticos e embaixadas. Vários Estados participam, ativamente, da ação terrorista, oferecendo apoio logístico e financeiro, como a Coréia do Norte, Líbia, Yemen, Sudão, Bulgária entre outros. O terrorismo decorrente da ação anti-colonial e nacionalista mantém-se extremamente ativo na Irlanda do Norte (IRA) e na Espanha (ETA), com o surgimento de inúmeras organizações palestinas de resistência à ocupação da Palestina (Al Fatah/Organização Para a Libertação da Palestina, Frente Popular de Libertação da Palestina, etc...). Desde 1979, com a ocupação do Afeganistão pelos soviéticos surge uma ampla rede montada pela CIA, Arábia Saudita, Jordânia e Paquistão de sustentação do terrorismo mujahidin no Afeganistão.

4. Período a partir de 1993: após uma relativa acalmia no setor do terrorismo internacional – exceto Irlanda do Norte, Espanha e Israel/Palestina, onde em alguns casos dá-se uma acerbamento das ações terroristas, com a introdução do terrorista suicida – surge uma nova categoria de terrorismo, oriundo da reorganização dos diversos movimentos mujahidin (os chamados “afegãos”), que desmobilizados da luta contra os russos no Afeganistão (1979-1989) voltam-se para os “cruzados, os pecadores e os sionistas” (a saber: americanos, os regimes árabes moderados e o Estado de Israel). O atentado contra o World Trade Center em 1993, organizado por uma rede terrorista terceirizada pela Al Qaeda, marca o início de uma nova etapa, compreendida aqui como uma Guerra Assimétrica contra os Estados Unidos, quiçá todo o Ocidente.

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A Organização Al-Qaeda

A Al-Qaeda foi organizada por Osama Bin Laden a partir do Afeganistão e responsabilizada por inúmeros atentados terroristas, inclusive o de 11 de setembro de 2001 contra os Estados Unidos. A organização Al Qaeda confunde-se com a própria biografia do seu fundador e principal animador, marcando com clareza a profunda virada radical operada no mundo islâmico desde 1979. Osama Bin Laden, como milhares de outros muçulmanos, foi convencido pelos apelos dos Estados Unidos, das monarquias árabes do Golfo Pérsico e por inúmeros líderes religiosos a participar, a partir de 1982, da resistência afegã montada desde o Paquistão pela CIA e seus aliados, para combater os russos que haviam entrado no Afeganistão visando salvar um governo marxista pró-soviético. Ao longo dos dez anos do conflito, entre 1979 e 1989, cerca de 25 mil muçulmanos, os mujahedins, oriundos de áreas tão diferentes quanto Paris e Jacarta, compuseram as forças de resistência islâmicas contra os soviéticos. Ao contrário do ocorrido em inúmeros outros conflitos, na Guerra do Afeganistão não faltavam fontes de financiamento para os combatentes da liberdade, com o apoio dos Estados Unidos, das ricas monarquias do Golfo, além de recursos pessoais de inúmeros magnatas interessados no conflito, seja por piedade religiosa, seja por interesse em bons contratos futuros. Este foi o caso de Bin Laden, nascido em 1957, filho do maior construtor da Arábia Saudita, com uma fortuna familiar avaliada em 11 bilhões de dólares e uma disponibilidade imediata de US$ 300 milhões. Bin Laden vive uma biografia bastante sinuosa: de playboy internacional evolui, sob a influência de Abdullah Azzam, mestre corânico saudita, à condição de um iluminado islâmico, dedicado ao combate contra os infiéis. Inicialmente, os infiéis são os russos e o regime laico instalado no Afeganistão. Durante dez

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anos, com armas e apoio logístico americano, informação do Internal Security Intellegence/ISI, do Paquistão, e financiamento árabe, a guerrilha islâmica leva os soviéticos a um imenso desastre militar e político, e cujas consequências não foram estranhas ao surgimento da Perestroika na URSS. Coube muito particularmente a Zibgniew Brzezinski, do Conselho de Segurança Nacional de Jimmy Carter, a decisão de armar e apoiar os fundamentalistas islâmicos, seguindo a política das agências britânicas de espionagem, como o SAS, na sua luta, décadas antes, contra o nacionalismo laico de Gamal Abdel Nasser, e de Israel, na luta contra a OLP. Tal política foi continuada, e aprofundada, na administração Reagan por homens como William Carey, da CIA, e Alexander Haig, do Conselho de Segurança Nacional (este, personagem central do Escândalo Irã-Contras).

Instalado, desde 1982, em Peshawar, no Paquistão, e depois em Kandahar, no Afeganistão, Bin Laden organiza o acolhimento dos combatentes árabes, fornece roupas e munição e a estrutura de comunicações via satélite, recorrendo, fartamente, a sua formação e experiência de engenheiro. Mais tarde a mídia debaterá se, verdadeiramente, Bin Laden esteve em combate, como antes afirmavam fontes americanas e árabes e, hoje, muitos negam. A partir de 1986 Bin Laden tomou a iniciativa de organizar campos de treinamento dos combatentes, alistados em praticamente todos os países islâmicos. Muito especialmente, vinham para Peshawar presos políticos fundamentalistas oriundos do Egito, Marrocos e Argélia; jovens desempregados e desiludidos dos subúrbios de Ryad, Jacarta, Kuala Lumpur ou Manilla; alguns eram alistados nas mesquitas de Paris, Londres ou Nova York. Tratava-se, para muitos, de provar que o islamismo sunita não era acomadado e faltara com seus deveres, como a Revolução islâmica xiita do Irã insistia.

De posse dos mais modernos meios eletrônicos, a partir

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de 1988, Bin Laden inicia a organização de um banco de dados, uma verdadeira rede mundial, com milhares de nomes, funções, formação, orientação, disponibilidade, etc... de todos interessados na luta islâmica contra os infiéis. Tal banco de dados foi denominado A Base, ou em árabe, Al Qaeda. Em 1989, retorna à Arábia Saudita, onde é recebido como herói, convivendo com o mais elevado círculo de poder do país, inclusive o próprio rei Fahd.

Com a Guerra do Golfo, em 1991, entre a coligação ocidental dirigida pelos Estados Unidos e o Iraque de Saddam Hussein, a postura de Bin Laden transformou-se radicalmente, dando origem a uma dura crítica ao governo saudita e aos Estados Unidos. A atitude americana em relação ao mundo islâmico provocou a ira dos fundamentalistas. Duas questões comprovavam a injustiça americana: de um lado, o crime do Iraque por invadir e ocupar um país (o Kuwait) deveria ser duramente punido, enquanto Israel invadira e ocupara a Palestina, e desobedecia as resoluções da ONU, continuando a merecer o apoio e admiração dos americanos; de outro lado, para garantir a realização das operações contra o Iraque, os Estados Unidos estacionaram milhares de homens e mulheres no solo da Arábia, considerado santo pelos muçulmanos. Assim, rapidamente, o ódio dos extremistas da Al Qaeda voltava-se para o Ocidente. Com suas críticas cada vez mais ácidas sobre a traição da dinastia Saud, da Arábia, Bin Laden é obrigado a deixar o país, refugiando-se no Sudão, em 1991, onde reproduz as febris atividades desenvolvidas no Afeganistão. A ação da Al Qaeda irradia-se, rapidamente, para a Somália, um típico Estado-vazio em virtude da guerra civil, onde estabelece fortes laços políticos e econômicos, em especial através da sociedade financeira Al Barakaat, inicialmente um conglomerado da área de comunicações, e a sociedade de investimentos Al Taqua. Movimentando cerca de US$ 25.000.000 anuais em contas espalhadas no Quênia, Tanzânia,

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Emirados Árabes, Arábia Saudita, Inglaterra e Estados Unidos, a Al Qaeda participa, ativamente, de especulações financeiras e grandes investimentos, multiplicando seus recursos financeiros (fala-se em ganhos da ordem de três bilhões de dólares, por exemplo, no rastro dos atentados de 11 de setembro de 2001). Grande parte dos recursos são utilizados no envio de militantes a diversas partes do mundo ou sua vinda para o Sudão para informação ou treinamento em campos armados. Ao lado disso, Bin Laden realiza inúmeras obras sociais em diversos países do mundo islâmico, constrói mesquitas e madrasas. Homens de negócio, membros das famílias principescas do Golfo e empresas também contribuem para o movimento, como o mais importante banqueiro saudita Khalil bem Mafouz.

A partir daí surgem áreas de grande atuação da Al Qaeda, ainda considerado pelos serviços americanos de espionagem e informação, como uma ferramenta útil à diplomacia americana. Assim, batalhões islâmicos, bem armados e auto-financiados, aparecem na Bósnia, e mais tarde em Kossovo, para a defesa das cidades muçulmanas contra os sérvios; a experiência militar, em especial contra os soviéticos, é fartamente utilizada na Chechênia, em especial na segunda guerra chechena, em 1999, quando centenas de combatentes islâmicos, vindos do Oriente Médio, atacam na Chechênia e o Daguestão; por fim, baseada na firme aliança com o Internal Security Intellegence/ISI paquistanês, passam a atacar os indianos que ocupam a Caxemira. Para os Estados Unidos, que denominam os guerrilheiros islâmicos da Chechênia de combatentes da liberdade, manter tradicionais adversários, como a Rússia, Sérvia e Índia, ocupados era uma boa estratégia. Particularmente, a questão da Chechênia e do Daguestão, no litoral caucasiano do Mar Cáspio, interessava, imensamente, aos Estados Unidos e a Arábia Saudita, em virtude das gigantescas jazidas de gás e petróleo da região, o que, somando-se aos percursos

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previstos dos oleodutos do Xinjiang (Turquemenistão chinês), transformaria a crise na Ásia Central e no Cáucaso numa violenta disputa econômica.

A Guerra da Al-Qaeda

Entre 1993 e 1995, o papel da Al Qaeda tornou-se mais evidente e complexo, assumindo, decididamente, a opção por uma guerra desigual, e por isso denominada de guerra assimétrica - dirigida contra os Estados Unidos. O brutal assassinato de 18 militares americanos de uma força de paz na Somália, em 1993, e a multiplicação de ataques terroristas contra bases americanas na Arábia, em 1995, fazem com que os Estados Unidos passem a considerar a Al Qaeda como uma organização terrorista, embora, mesmo depois disso, homens no Departamento de Estado, como o Subsecretário para o Sudeste Asiático e os empresários da companhia petrolífera UNOCAL, do Texas, interessada no petróleo da Ásia Central, mantivessem contatos estreitos com a Al Qaeda e, mais tarde, com seus pupilos talebãs, criando forte tensão entre o FBI – contrário a tais entendimentos – e a CIA, responsável por um projeto visando a estabilização do regime talibã.

Fazendo jus ao seu nome, a Al Qaeda torna-se uma imensa rede de informações, financiamentos e apoio, com ramificações e contatos extensos – muitos dos quais nitidamente exagerados -, como o Jamiat-i-Islami, no Paquistão; o Jamiat Ulema-i-Islami, no Afeganistão; o Hamas, o Hezbollah e a Jihad Islâmica, na Palestina; a Al Ittihaad al-Islamya, na Somália; o Grupo Islâmico Armado, GIA, na Argélia; os Irmãos Muçulmanos, no Egito, Síria, Sudão e Arábia Saudita; o Laskar Djihad, na Indonésia e o movimento Abu Sayyaf, nas Filipinas, além de uma

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vasta rede de simpatizantes capaz de alistar voluntários em mesquitas, madrasas e universidades, mesmo na Europa e Estados Unidos.

Partindo para ação direta, embalada pelo “sucesso” do ataque aos americanos na Somália – Bill Clinton reagiu, retirando os americanos das forças de paz da ONU -, a Al Qaeda multiplica suas ações terroristas. O traço da vingança, ou punição, dos americanos se acentua, nitidamente, com alvos civis distanciados das tropas americanas. É assim que, em 1993, um carro-bomba explode na garagem do World Trade Center em Nova York, matando seis pessoas e ferindo mais de 1000. Apenas por um erro técnico dos terroristas a tragédia não foi pior. Os ataques esporádicos contra americanos na Arábia prosseguem, culminando, em 1996, num ataque com carro-bomba a um acampamento militar americano, em Dahran, matando 19 soldados. Já em 1998 carros-bomba explodem junto às embaixadas americanas no Quênia e na Tanzânia, matando 250 pessoas. Os Estados Unidos reagem identificando, pela primeira vez, Bin Laden com o autor - ao menos intelectual – dos atentados. Assim, mísseis de cruzeiro são lançados contra acampamentos da Al Qaeda no Afeganistão e contra prédios supostos de abrigar suas ramificações no Sudão. Bin Laden, pressionado pelas autoridades sudanesas, já havia retornado para o Afeganistão, onde o regime talibã, no poder desde 1996, o recebe como a um iluminado da velha tradição sunita. É nesta ocasião que publica o texto “Expulsar os politeístas da península arábica”, onde acusa os Estados Unidos de profanação da terra santa islâmica e agressão contra a fé, e proclama uma jihad contra a América. A fonte básica de Bin Laden é uma parte muito específica do Corão, os chamados Versos da Espada, onde o profeta conclama os muçulmanos a libertar Medina da dominação politeísta. Assim, Bin Laden, filia-se às correntes literatistas do fundamentalismo, realizando uma leitura literal do livro santo, sem procurar entender tratar-se de um texto do século VII, em uma conjuntura muito específica, e que em outras passagens o

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profeta deplora toda violência, em especial contra inocentes. Numa resposta, tragicamente, irônica ao ataque de mísseis de

cruzeiro a partir de navios americanos no Golfo Pérsico, a Al Qaeda atinge, em 2000 junto ao Estreito de Áden, o super destróier americano USS Cole com um barco-bomba: 17 fuzileiros são mortos e a nau é profundamente avariada. Aos poucos, Bin Laden associa a ocupação americana da Arábia com a ocupação sionista da Palestina, ligando a libertação de Meca à libertação de Jerusalém. Assim, sionistas e cruzados são, intimamente, associados através da política americana de defesa de Israel, levando à declaração de 1998: Cada muçulmano que seja capaz tem o dever de matar americanos e seus aliados, civis e militares, em todo país onde isso seja possível. Mais tarde, a ação ocidental no Iraque, em especial o bloqueio econômico, é responsabilizado pela morte das 300 mil crianças iraquianas, além dos jovens palestinos engolfados na Intifada, ou os 17.500 mortos da Guerra do Líbano. As crianças árabes sacrificadas em conflitos cruéis e sem sentido serviriam de álibi para a morte de outros civis inocentes, agora ocidentais.

A Al-Qaeda, ao contrário do que transparece nos informes da CIA e do FBI, não é uma sociedade secreta terrorista, do tipo Carbonária e tantas outras conhecidas no Ocidente. Trata-se, em verdade, de uma rede de informações, de financiamento, de logística e uma espécie de caixa de pensões e salários para militantes e suas famílias, em especial daqueles que se transformam em mártires de Alah. Toda a parte de inteligência, quer dizer, planejamento e a execução das ações é feita por grupos estabelecidos no local ou assim encarregados, sem que os demais ramos da organização tenham qualquer conhecimento dos planos; apenas se o projeto de ação necessita de algum apoio – em homens, recursos, logística – os grupos dispersos se comunicam através de caixas postais e e-mails, a maioria despachados através de cybercafés. Todo este recurso ao

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mais moderno mundo tecnológico não deixa de ser paradoxal à luz de uma teologia que pretende uma leitura literal do texto corânico, considerando a necessidade de realizar, racionalmente, o mythos na história e o meio para tanto, como nos Versos da Espada, é a violência.

A organização da Al Qaeda é simples e eficiente: Bin Laden é seu emir, absoluto e iluminado, assessorado por dois fiéis seguidores (no caso, Ayman al Zawahiri e Mohammed Atef, este responsável pelas operações militares, morto durante os bombardeios americanos no Afeganistão, é substituído, em 2002, pelo palestino Abu Zubaydah); quatro conselhos consultivos preparam e realizam tarefas específicas: finanças, treinamento militar, orientação religiosa e imprensa. Tal organização mantém em funcionamento as diversas células da organização, que são encarregadas das atividades terroristas.

Desde 2000, a Al Qaeda considerou maduras as condições para uma vasta ação que deveria desencadear um conflito de proporções mundiais. O alvo era um ataque direto ao coração da América, atingindo em Nova York e Washington, símbolos do poder e do prestígio americano como o World Trade Center, o Pentágono e a Casa Branca. O primeiro passo, contudo, seria consolidar o poder talibã no interior do Afeganistão, evitando que a única força oponente em presença, a Aliança do Norte, servisse de ponta de lança de uma retaliação. Além disso, a Aliança do Norte, liderada pelo uzbeque Ahmed Shah Massoud (o Leão do Norte, herói da luta anti-soviética), aliara-se aos russos (receosos da penetração do movimento talibã nas repúblicas do Uzbequistão, Turquemenistão, Quirguísia e Tadjiquistão), à Índia (que lutava contra guerrilheiros treinados pela Al Qaeda na Caxemira) e o Irã xiita. Massoud era a única liderança afegã capaz de impor-se, moral, militar e politicamente, a Bin Laden e aos medíocres líderes talibas, constituindo-se assim em alvo do

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ódio fundamentalista. Com um ataque suicida de dois marroquinos disfarçados de jornalistas, Massoud foi retirado brutalmente da cena política, exatamente uma semana antes de 11 de setembro de 2001. O objetivo verdadeiro, contudo, era exercer uma pressão irresistível sobre a Ásia Central, ocupando as ex-repúblicas soviéticas - já convulsionadas internamente por movimentos islâmicos locais, após a destruição da Aliança do Norte - imediatamente antes do ataque aos Estados Unidos, obrigando iranianos e russos a uma intervenção militar de grandes proporções. A Al Qaeda contava, especialmente, com o papel que o MIL/Movimento Islâmico do Uzbequistão poderia desempenhar, desestabilizando o governo local e abrindo caminho para uma nova república islâmica no coração da Ásia. Por outro lado, o ataque sincronizado aos Estados Unidos deveria, através de efeito demonstração, detonar uma série de levantes nos países árabes moderados, como Arábia Saudita, Egito e Argélia. Uma série de elementos, contudo, prejudicou seriamente a avaliação otimista da Al Qaeda, de qualquer forma uma geopolítica fantasista. A Aliança do Norte não se desintegrou com a morte do comandante Massoud, outras lideranças assumiram rapidamente o controle e estreitaram seus laços com a Índia e a Rússia, de quem recebiam armas e financiamento. Por outro lado, na Arábia o príncipe regente Abdallah construía uma nova política externa saudita, visando exatamente a saída americana da península. Abdallah, herdeiro do trono, estreitava os laços com o Irã xiita, entretinha conversações com Tarek Aziz, o chanceler cristão de Saddan Hussein e articulava uma aliança com Rifaat Assad, tio e rival de Bacha Assad, presidente vitalício da Síria. O regente saudita, além disso, estreitava os laços com Pervez Musharaf, o ditador do Paquistão, e com a Autoridade Palestina, exercendo uma diplomacia inovadora no Oriente Médio. Nesse sentido, não só o governo saudita havia se fortalecido em

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face à crise de 1996 e 1998, como ainda assumia a liderança de um novo nacionalismo árabe, não fundamentalista, laico e modernizante. Fechando o cerca a Al Qaeda, em 31 de agosto de 2001, o regente demite de todas as suas funções o poderoso príncipe Turki al-Fayçal, chefe da Inteligência saudita e amigo de Bin Laden.

A federação Russa, senhora das melhores informações sobre a rede, em grande parte interessada em virtude da atuação dos fundamentalistas na Chechênia e no Daguestão, convence a China Popular a assinar um convênio de cooperação contra o terrorismo, em junho de 2001, em Shangai. Pelo Pacto de Shangai, ambas as potências, mais o Uzbequistão, Quirguízia, Tajquistão e Casaquistão, comprometiam-se a trocar informações e apoiar as ações contra o terrorismo e o separatismo. Numa brilhante vitória diplomática, a Rússia conseguia separar os chineses de seus aliados afegãos e paquistaneses, isolando o fundamentalismo. O apoio chinês deveu-se, largamente, ao treinamento fornecido pela Al Qaeda, em campos no Afeganistão, a rebeldes uigures, da província do Xinjiang (Turquemenistão chinês), onde o islamismo avança rapidamente.

Fechando um novo mapa geoestratégico, ainda em agosto, a Rússia sela um largo acordo de fornecimento de armas, troca de informações e exploração conjunta de petróleo e gás do Cáspio com a República Islâmica do Irã, completando o cerco ao conjunto Afeganistão/Paquistão e atrapalhando os planos ocidentais de exploração petrolífera local. Um último acordo, assinado com a Índia, reforçará a posição desta na disputa da Caxemira com o Paquistão.

Assim, quando se dá o ataque de 11 de setembro de 2001, com seus milhares de vítimas e impensável brutalidade, o conjunto do mundo islâmico mantém-se calmo e discreto, e, ao mesmo tempo, a ação policial russa, chinesa, iraniana e indu, na Ásia Central e no

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Cáucaso, impede qualquer rebelião islâmica. Exceto por pequenos grupos na Palestina e Paquistão, não mais de 15% da população, todos entendem o tremendo erro estratégico cometido. A reação americana, organizando uma coalizão mundial contra o terrorismo irá comprovar que a maior parte do discurso da Al Qaeda e do seu líder era tão fantasista quanto a leitura que faziam do Corão.

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