EncartE clacso cadErnos da américa latina Xiii · EncartE clacso cadErnos da américa latina Xiii...

8
ENCARTE CLACSO CADERNOS DA AMÉRICA LATINA XIII Os Cadernos de Pensamento Crítico Latino-americano constituem uma iniciativa do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO) para a divulgação de alguns dos principais autores do pensamento social crítico da América Latina e do Caribe: Ruy Mauro Marini (Brasil); Agustín Cueva (Equador); Álvaro García Line- ra (Bolívia); Celso Furtado (Brasil); Aldo Ferrer (Argentina); José Carlos Mariátegui (Peru); Pablo González Casanova (México); Suzy Castor (Haiti); Marilena Chauí (Brasil); Florestan Fernandes (Brasil); Orlando Fals Borda (Colômbia); Mayra Paula Espina Prieto (Cuba); Edelberto Torres Rivas (Guatemala); Carlos Tünnermann Bernheim (Nicaragua); Daniel Mato (Argentina); Hugo Aboites (Brasil); Jaime Ornelas Delgado (México); Jorge Landinelli (Uruguay); Marcela Mollis (Argentina); Pablo Gentili (Brasil); Víctor Manuel Moncayo (Colombia); Susana Novick (Argentina); Antonio Negri (Itália); Guillermo Almeyra (Argentina); Luis Tapia (Bolivia); Boaventura de Sousa Santos (Portugal),; René Zavaleta Mercado (Bolívia); Rodolfo Stavenhagen (México); Milton Santos (Brasil); Silvio Frondizi (Argentina); Gerard Pierre-Charles (Haiti); Aníbal Quijano (Peru); e Juan Carlos Portantiero (Argentina) entre outros. Os Cadernos de Pensamento Crítico Latino-americano são publicados no jornal La Jornada do México e nos Le Monde Diplomatique da Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Espanha e Peru. CLACSO é uma rede de 254 instituições que realizam atividades de pesquisa, docência e formação no campo das ciências sociais em 25 países: www.clacso.org Coordenação editorial: Emir Sader | Edição brasileira: Silvio Cezar de Souza Lima Dois olhares sobre a América Latina N esta edição dos Cadernos da América Latina, trazemos trechos dos livros lançados recentemente pelo Sociólogo José Maurício Domin- gues e pelo Cientista Político Emir Sader, cujo tema é a análise de aspectos sociais e políticos da América Latina na atualidade. O primeiro artigo A orfandade da estratégia é parte de seu livro A nova toupeira, escrito por Emir Sader e publicado pela editora Boitempo. Nesta obra, o cientista político faz uma avaliação sobre os desafios da esquerda no continente Latino-americano no século XXI, após décadas de hegemonia neoliberal. Apresentando as formas de luta política das esquerdas na Amé- rica Latina e a implementação do projeto neoliberal no continente, o autor nos proporciona um proficiente estudo sobre as novas forças antiliberais que emergem na região. O segundo texto apresenta as conclusões de José Maurício Domingues no recentemente lançado A América Latina e a modernidade contemporânea: uma interpretação sociológica, publicado pela editora UFMG. O livro é um con- vite à reflexão sobre os rumos da América Latina na Modernidade atual, mais especificamente no período que se inicia na década de 80 do século XX. A partir de uma abordagem sociológica das especificidades históricas e sociais da região o autor analisa suas relações com a modernidade global, mostrando a dinâmica contraditória e multifacetada desta modernidade Latino-americana.

Transcript of EncartE clacso cadErnos da américa latina Xiii · EncartE clacso cadErnos da américa latina Xiii...

Page 1: EncartE clacso cadErnos da américa latina Xiii · EncartE clacso cadErnos da américa latina Xiii Os Cadernos de Pensamento Crítico Latino-americano constituem uma iniciativa do

EncartE clacso

cadErnos da américa latina Xiii

Os Cadernos de Pensamento Crítico Latino-americano constituem uma iniciativa do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO) para a divulgação de

alguns dos principais autores do pensamento social crítico da América Latina e do Caribe: Ruy Mauro Marini (Brasil); Agustín Cueva (Equador); Álvaro García Line-

ra (Bolívia); Celso Furtado (Brasil); Aldo Ferrer (Argentina); José Carlos Mariátegui (Peru); Pablo González Casanova (México); Suzy Castor (Haiti); Marilena Chauí

(Brasil); Florestan Fernandes (Brasil); Orlando Fals Borda (Colômbia); Mayra Paula Espina Prieto (Cuba); Edelberto Torres Rivas (Guatemala); Carlos Tünnermann

Bernheim (Nicaragua); Daniel Mato (Argentina); Hugo Aboites (Brasil); Jaime Ornelas Delgado (México); Jorge Landinelli (Uruguay); Marcela Mollis (Argentina);

Pablo Gentili (Brasil); Víctor Manuel Moncayo (Colombia); Susana Novick (Argentina); Antonio Negri (Itália); Guillermo Almeyra (Argentina); Luis Tapia (Bolivia);

Boaventura de Sousa Santos (Portugal),; René Zavaleta Mercado (Bolívia); Rodolfo Stavenhagen (México); Milton Santos (Brasil); Silvio Frondizi (Argentina); Gerard

Pierre-Charles (Haiti); Aníbal Quijano (Peru); e Juan Carlos Portantiero (Argentina) entre outros.

Os Cadernos de Pensamento Crítico Latino-americano são publicados no jornal La Jornada do México e nos Le Monde Diplomatique da Bolívia, Brasil, Chile,

Colômbia, Espanha e Peru.

CLACSO é uma rede de 254 instituições que realizam atividades de pesquisa, docência e formação no campo das ciências sociais em 25 países: www.clacso.org

Coordenação editorial: Emir Sader | Edição brasileira: Silvio Cezar de Souza Lima

dois olhares sobre a américa latina

Nesta edição dos Cadernos da América Latina, trazemos trechos dos livros lançados recentemente pelo Sociólogo José Maurício Domin-gues e pelo Cientista Político Emir Sader, cujo tema é a análise de aspectos sociais e políticos da América Latina na atualidade.

O primeiro artigo A orfandade da estratégia é parte de seu livro A nova toupeira, escrito por Emir Sader e publicado pela editora Boitempo. Nesta obra, o cientista político faz uma avaliação sobre os desafios da esquerda no continente Latino-americano no século XXI, após décadas de hegemonia neoliberal. Apresentando as formas de luta política das esquerdas na Amé-rica Latina e a implementação do projeto neoliberal no continente, o autor

nos proporciona um proficiente estudo sobre as novas forças antiliberais que emergem na região.

O segundo texto apresenta as conclusões de José Maurício Domingues no recentemente lançado A América Latina e a modernidade contemporânea: uma interpretação sociológica, publicado pela editora UFMG. O livro é um con-vite à reflexão sobre os rumos da América Latina na Modernidade atual, mais especificamente no período que se inicia na década de 80 do século XX. A partir de uma abordagem sociológica das especificidades históricas e sociais da região o autor analisa suas relações com a modernidade global, mostrando a dinâmica contraditória e multifacetada desta modernidade Latino-americana.

Page 2: EncartE clacso cadErnos da américa latina Xiii · EncartE clacso cadErnos da américa latina Xiii Os Cadernos de Pensamento Crítico Latino-americano constituem uma iniciativa do

Continente de revoluções e de contra-revolu-ções, a América Latina padece de pensamen-tos estratégicos que orientem processos po-líticos tão ricos e diversificados, à altura dos

desafios que enfrenta. Apesar de uma rica capacida-de analítica, de significativos processos de transfor-mação e de dirigentes revolucionários tão emble-máticos, o continente não produziu ainda a teoria de sua própria prática.

As três estratégias históricas da esquerda con-taram com forças vigorosas em sua liderança – par-tidos socialistas e comunistas, movimentos nacio-nalistas, grupos guerrilheiros – e orientaram experiências de profunda significação política – a Revolução Cubana, o governo de Salvador Allende, a vitória sandinista, os governos pós-neoliberais na Venezuela, na Bolívia e no Equador, a construção de poderes locais, como em Chiapas, e práticas de or-çamento participativo, das quais a mais importan-te ocorreu na cidade de Porto Alegre. No entanto, não contamos com grandes sínteses estratégicas que nos permitam usar balanços de cada uma des-sas estratégias e um conjunto de reflexões que favo-reçam a formulação de novas propostas.

O próprio fato de essas três estratégias terem si-do desenvolvidas por forças políticas distintas fez com que não ocorressem processos comuns de acu-mulação, reflexão e síntese. Enquanto tiveram exis-tência realmente concreta, os partidos comunistas promoveram processos de reflexão sobre suas pró-prias práticas. Durante sua existência, a Organiza-ção Latino-Americana de Solidariedade (Olas) fez o mesmo com os processos de luta armada; já os mo-vimentos nacionalistas não estabeleceram inter-câmbios suficientes entre si para fomentar algo si-milar. Hoje, as novas práticas têm permitido pouca elaboração teórica e problematização crítica das no-vas realidades.

As estratégias adotadas no continente, sobretu-do em seus primórdios, sofreram fortemente o peso dos vínculos internacionais da esquerda latino--americana com os partidos comunistas em espe-cial, mas também com os socialdemocratas. A linha de “classe contra classe”, por exemplo, implantada na segunda metade dos anos 1920 e que dificultou a compreensão das formas políticas concretas de res-posta à crise de 1929 – das quais o governo de Getú-lio Vargas no Brasil é apenas uma das expressões, ao lado do efêmero governo socialista de doze dias no Chile e de manifestações similares em Cuba –, foi uma importação direta da crise de isolamento da URSS em relação aos governos da Europa ocidental, e não uma indução a partir das condições concretas vigentes no continente.

As mobilizações lideradas por Farabundo Martí e por Augusto Sandino nasceram das condições concretas de resistência à ocupação norte-america-na e expressaram formas de nacionalismo direta-mente anti-imperialista. Os processos de industria-lização na Argentina, no Brasil e no México apareceram como respostas à crise de 1929. Não se assentaram, pelo menos inicialmente, em estraté-gias articuladas. A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) teorizou situa-ções de fato quando, já no início do segundo pós-guerra, passou a elaborar a teoria da industrializa-ção substitutiva de importações e, ainda assim, era uma estratégia econômica. Tampouco a Revolução Boliviana de 1952 elaborou uma linha de ação estra-

tégica própria, apenas pôs em prática reivindica-ções contidas, como a universalização do voto, a re-forma agrária e a nacionalização das minas.

Assim, nem o nacionalismo nem o reformismo tradicional assentaram sua ação em estratégias, mas responderam a demandas econômicas, sociais e políticas. Quando a Internacional Comunista defi-niu sua posição de Frentes Antifascistas, em 1935, a aplicação da nova orientação chocou-se com as con-dições concretas vividas pelos países da região. Se a linha de “classe contra classe” respondia às condi-ções particulares da URSS, a nova orientação res-pondia à expansão de regimes fascistas na Europa. Nenhuma delas levava em conta as condições da América Latina, assimilada à periferia colonial, sem identidade particular.

Essa inadequação teve vários efeitos concre-tos. No caso do movimento liderado por Luís Car-los Prestes, em 1935, esteve a cavalo entre duas li-nhas: de um lado, organizava uma sublevação centrada em tenentes; de outro, pregava não um governo operário-camponês, mas uma frente de libertação nacional, já em resposta à linha mais ampla da Internacional Comunista. A forma de lu-ta correspondia à linha radical de “classe contra classe” e o objetivo político, à frente democrática. O resultado foi que o movimento se isolou da “Re-volução de 30”, de caráter nacionalista e popular, dirigida por Getúlio Vargas.

A Frente Popular no Chile importava o lema “an-tifascista” sem que o fascismo tivesse se expandido no continente. O que houve foi a transposição mecâ-nica do fascismo europeu para a América Latina, com todos os equívocos correlatos. Lá, o fascismo identificou-se com o nacionalismo e o antiliberalis-mo, sem nenhum sentido anti-imperialista. O nacio-nalismo europeu foi marcado pelo chauvinismo, pe-la suposta superioridade de um Estado nacional sobre os outros e pelo antiliberalismo, inclusive a de-mocracia liberal. A burguesia ascendente assumiu a ideologia liberal como instrumento para destravar a livre circulação do capital contra as travas feudais.

Na América Latina, o nacionalismo reproduziu o antiliberalismo político e econômico, mas assu-miu uma posição anti-imperialista, pela própria in-serção da região na periferia – no nosso caso, norte-americana, o que nos situou no campo da esquerda. No entanto, as transferências mecânicas dos esque-mas europeus do fascismo e do antifascismo, na-quele período, levaram alguns partidos comunistas (no Brasil e na Argentina, por exemplo) a, em certos momentos, caracterizar Juan Perón e Getúlio Var-gas como reprodução do fascismo na América Lati-na, portanto, identificados como os adversários mais ferrenhos a ser combatidos. O Partido Comu-nista da Argentina, por exemplo, aliou-se contra Pe-rón, nas eleições de 1945, não apenas com o candi-dato liberal, do Partido Radical, mas com a Igreja e a Embaixada norte-americana, segundo a orientação de que toda aliança é válida contra o inimigo maior, isto é, o fascismo.

A confusão mais grave se dá não apenas em re-lação ao nacionalismo, mas também ao liberalis-mo, que na Europa foi a ideologia da burguesia as-cendente, mas na América Latina as políticas de livre-comércio do liberalismo eram assumidas pe-las oligarquias primário-exportadoras. Não somen-te o nacionalismo tem sinal trocado aqui, mas o li-beralismo também.

Foi esse fenômeno que provocou a dissociação entre as questões sociais e as democráticas, e a as-sunção das sociais pelo nacionalismo, em detri-mento das democráticas. O liberalismo sempre pro-curou apoderar-se da questão democrática, acusar os governos nacionalistas de autoritários, totalitá-rios e ditatoriais, enquanto estes acusavam os libe-rais de governar para os ricos e de não ter sensibili-dade social, reivindicando para si a defesa da massa pobre da população.

Somente análises concretas de situações concre-tas, como as desenvolvidas, entre outros, pelo perua-no José Carlos Mariátegui, pelo cubano Julio Anto-nio Mella, pelo chileno Luis Emilio Recabarren e pelo brasileiro Caio Prado Jr. – todos elas análises au-tônomas, que não foram levadas em conta pelas di-reções dos partidos comunistas a que pertenciam seus autores –, teriam permitido a apropriação das condições históricas específicas do continente e de cada país. Predominaram as visões da Internacional Comunista, que contribuíram para dificultar o en-raizamento dos partidos comunistas nesses países.

Quando o nacionalismo foi assumido pela es-querda, foi como força subordinada em alianças com lideranças populares, que representavam um bloco pluriclassista. Esse longo período não foi teorizado pela esquerda. As alianças e as con-cepções das frentes populares não davam conta desse novo fenômeno, em que o anti-imperialis-mo substituía o antifascismo com características muitos diferentes.

A Revolução Boliviana de 1952 foi objeto de dis-puta em sua interpretação, porque continha ele-mentos nacionalistas – como a nacionalização das minas de estanho – e populares – como a reforma agrária. Mas a participação ativa de milícias operá-rias, substituindo o Exército, a presença de uma aliança operário-camponesa, e as reivindicações anticapitalistas permitiam teorizações distintas do que havia embrionariamente naquele movimento pluriclassista: desde um movimento nacionalista clássico, nacional e antioligárquico, até versões que lhe dariam um caráter anticapitalista.

A Revolução Cubana pôde contar com dois tipos de análise: a de Fidel, de tipo programático, em A história me absolverá* e a de Che, em A guerra de guerrilhas**, sobre a estratégia de construção da for-ça político-militar e de luta pelo poder. O texto que Fidel elaborou como defesa no processo que move-ram contra os atacantes do Quartel Moncada é uma extraordinária análise de elaboração de um progra-ma político a partir das condições concretas da so-ciedade cubana da época. A análise de Che descreve concretamente como a guerra de guerrilhas articu-lou a luta político-militar, desde o núcleo guerrilhei-ro inicial até os grandes destacamentos que compu-seram o exército rebelde, resistiu à ofensiva do Exército regular e desatou a ofensiva final que os le-vou à vitória.

Contudo, seja por não terem reflexão a respeito, seja para manter o elemento surpresa – importante para a vitória –, não houve elaboração pública do ca-ráter do movimento – se apenas nacionalista, se em-brionariamente anticapitalista. A Revolução Cuba-na foi constituindo, à luz dos enfrentamentos concretos, sua estratégia de rápida passagem da fase democrática e nacional para a fase anti-imperialista e anticapitalista, conforme impunha definições a dinâmica entre revolução e contra-revolução. Essa

a orfandade da estratégia1

Por Emir sader*

Page 3: EncartE clacso cadErnos da américa latina Xiii · EncartE clacso cadErnos da américa latina Xiii Os Cadernos de Pensamento Crítico Latino-americano constituem uma iniciativa do

EncartE clacso – cadErnos da américa latina Xiii

trajetória não foi tanto tema de reflexão quanto as formas de luta, e em particular a guerra de guerri-lhas. Esse foi o grande debate na América Latina de-pois do triunfo cubano: as formas de luta. Via pacífi-ca ou via armada? Guerra de guerrilhas rurais ou guerra popular? Guerrilhas urbanas ou rurais? A ar-ticulação entre as questões nacional e anti-imperia-lista com as anticapitalista e socialista foi menos discutida e elaborada.

As experiências guerrilheiras reproduziram esse debate, da mesma forma que o governo da Unidade Popular no Chile. Os governos naciona-listas militares, em particular o governo peruano de Velasco Alvarado, mas também de modo efê-mero os do Equador e de Honduras, recolocaram a questão do nacionalismo, mas seu caráter militar não propiciou sua teorização, tampouco sua con-sideração como alternativa estratégica pela es-querda naquele momento.

O processo nicaraguense incorporou as experiên-cias anteriores de estratégias de luta pelo poder, ela-borando uma plataforma de governo pouco definida, adaptada a fatores novos, dos quais os mais importan-tes foram a incorporação dos cristãos e das mulheres à militância revolucionária e uma política externa mais flexível. Foi enfrentando empiricamente os obs-táculos – em especial o assédio militar dos Estados Unidos – que se encontrou, sem que tenha contribuí-do com teorias sobre a prática desenvolvida.

Tanto quanto no caso da Unidade Popular, a experiência sandinista foi objeto de vasta biblio-grafia, mas não se pode dizer que tenha levado a um balanço estratégico claro, que pudesse deixar experiências para o conjunto da esquerda. O deba-te sobre o Chile foi inserido nas discussões da es-querda em escala mundial e, por isso, perdeu sua especificidade como fenômeno chileno e latino-americano. Os debates sobre a Nicarágua, ao con-trário, tenderam a centrar-se em aspectos impor-tantes, como, por exemplo, as questões éticas, mas não produziram um balanço estratégico dos onze anos do governo sandinista.

No momento de maior fraqueza da esquerda no mundo, a esquerda brasileira aparecia como exce-ção, na contramão das tendências gerais, sobretudo das viradas regressivas radicais nas correlações de força internacionais. Aqui, Lula projetava-se como alternativa de direção política já nas primeiras elei-ções em que concorreu, em 1989, quando chegou ao segundo turno, fazendo com que, pela primeira vez, a esquerda aparecesse como força alternativa real de governo no Brasil – no ano da queda do Muro de Berlim e do fim do campo socialista, com fortes in-dícios de desagregação da União Soviética e do triunfo dos Estados Unidos na Guerra Fria, ou seja, o retorno a um mundo unipolar, sob a hegemonia im-perial norte-americana.

Ao mesmo tempo, Carlos Menem e Carlos An-drés Pérez triunfavam na Argentina e na Venezuela, estendendo assim as experiências neoliberais a for-ças nacionalistas e socialdemocratas e apontando para a generalização dessas políticas no continente. A isso, somavam-se a eleição de Fernando Collor de Mello, que havia derrotado Lula, e a Concertación no Chile, aliança da Democracia Cristã com o Parti-do Socialista, em 1990. Em fevereiro desse mesmo ano, dá-se a derrota eleitoral do sandinismo. Cuba já havia entrado no “período especial”, durante o qual enfrentaria, com imensas dificuldades, as consequ-ências do fim do campo socialista à que estava es-truturalmente integrada.

Nesse momento, no Brasil, concentravam-se ex-periências que aparentemente apontavam para uma nova vertente da esquerda – pós-soviética, segundo alguns, pós-socialdemocrata mesmo, segundo ou-tros. Além de Lula e do PT, os anos 1980 haviam per-mitido a fundação da CUT, a primeira central sindi-cal legalizada na história do país; o surgimento do MST, o mais forte e inovador movimento social no

país; e o crescimento das políticas de orçamento participativo nas prefeituras, em geral sob o coman-do do PT. Por todos esses fatores, mais adiante a cida-de brasileira de Porto Alegre seria escolhida para ser a sede dos Fóruns Sociais Mundiais.

Projetaram-se assim sobre a esquerda brasilei-ra, e em particular sobre a liderança de Lula e sobre o partido petista, grandes esperanças de abertura de um novo ciclo de uma esquerda renovada. Sem entrar na análise detalhada de uma experiência tão complexa quanto a do PT e da liderança de Lula, é preciso destacar que, desde o início, foram projeta-das sobre ambos expectativas que não encontravam fundamento nas experiências concretas e nos tra-ços políticos e ideológicos que essas experiências assumiram ao longo do tempo.

Componentes da esquerda anterior e de cor-rentes internacionais fizeram de Lula tanto um di-rigente operário classista, vinculado às tradições dos conselhos operários, quanto o dirigente de um partido de esquerda gramsciano, de tipo novo, de-mocrático e socialista. Lula não era nada disso nem tampouco o dirigente à imagem e semelhan-ça do que se tornou o PT. Lula formou-se como di-rigente sindical, de base, na época em que os sindi-catos eram interditados pela ditadura, um dirigente negociador direto com as entidades pa-tronais, um grande líder de massa, mas sem ideo-logia. Nunca se sentiu vinculado à tradição da es-querda, nem às suas correntes ideológicas, nem às suas experiências políticas históricas. Filiou-se a uma esquerda social – se assim podemos conside-rá-la –, sem ter necessariamente vínculos ideológi-cos e políticos. Buscou a melhoria das condições de vida da massa trabalhadora, do povo ou do pa-ís, conforme seu vocabulário foi se transformando ao longo de sua carreira. Trata-se de um negocia-dor, um inimigo das rupturas, portanto, sem ne-nhuma propensão revolucionária, radical.

Esses traços têm de ser inseridos nas situações políticas que Lula enfrentou até se tornar o Lula re-almente existente. Só assim se poderá tentar deci-frar o enigma Lula.

Um dos elementos da crise hegemônica latino-americana é a falta de teorização a respeito. Com ex-ceção do processo boliviano, que pôde apoiar-se nas produções do grupo Comuna, em geral os avanços dos processos pós-neoliberais têm ocorrido por en-saio e erro, e sobre as linhas de menor resistência da cadeia neoliberal.

Esse processo já superou sua fase inicial, quan-do – como dissemos – obteve avanços relativa-mente fáceis, até que a direita se reorganizou e re-tomou sua capacidade de iniciativa. A partir daí, tornam-se condição para o enfrentamento e supe-ração dos obstáculos elaborações teóricas que permitam a compreensão da real situação históri-ca que o continente enfrenta, com seus elementos de força e de fraqueza, suas correlações de força reais, concretas e globais, seus desafios e suas pos-síveis linhas de superação.

Desde que a hegemonia neoliberal se consoli-dou, a resistência a esse modelo e as lutas dos movi-mentos sociais, inclusive a organização do Fórum Social Mundial, deslocaram a reflexão para o plano da denúncia e da resistência, desfalcando a reflexão política e estratégica. Ou seja, partiu-se para a defi-nição de um suposto espaço da sociedade civil co-mo território privilegiado de atuação, em detrimen-to da política, do Estado e, com eles, dos temas da estratégia e da construção de projetos hegemônicos alternativos e de novos blocos sociais e políticos. Es-sa postura teórica rebaixou muito a capacidade de análise das forças antineoliberais, que quase se li-mitaram a exaltar as posturas de resistência e o va-lor das mobilizações de base, em contraposição às posições dos partidos e dos governos.

Os novos movimentos não contaram com uma atualização do pensamento estratégico latino-ame-

ricano em que pudessem se apoiar, nem sequer com balanços das experiências positivas e/ou negativas anteriores. O que tornou ainda mais grave a situação foram as mudanças radicais – a passagem de um mundo bipolar para um mundo unipolar, sob a he-gemonia imperial norte-americana, do modelo re-gulador para o neoliberal – operadas no período his-tórico, em escala mundial, com consequências para a América Latina. Entre elas, a regressão nos marcos de inserção dos países do continente no mercado mundial, resultado da abertura neoliberal e do de-bilitamento dos Estados nacionais.

Teorizações como as de Holloway e de Toni Ne-gri apareciam como adequações a situações de fato que, ao invés de propor soluções estratégicas, tenta-vam fazer virtudes das carências. Embora distintas em seus desenhos teóricos, terminaram por acomo-dar-se à falta congênita de estratégia por parte dos que rejeitavam o Estado e a política para refugiar-se numa mítica “sociedade civil” e numa redutiva “au-tonomia dos movimentos sociais”, renunciando às reflexões e às proposições estratégicas e deixando assim o campo antineoliberal despreparado para responder aos desafios da crise hegemônica, torna-dos mais claros a partir do momento em que a dis-puta hegemônica passou a entrar na ordem do dia.

Já analisamos como esse fator afetou o processo venezuelano, como o boliviano encontrou uma solu-ção original e como o equatoriano se apoiou em so-luções híbridas, porém criativas. O pós-neoliberalis-mo traz novos desafios teóricos que, pelas condições novas que as lutas sociais e políticas enfrentam no continente, iluminam uma prática necessariamente nova e, mais do que em qualquer outro momento, re-querem reflexões e elaborações estratégicas que apontem para as coordenadas de novas formas de poder. As elaborações do grupo boliviano Comuna, como mencionamos, são uma exceção: constituem o mais rico conjunto de textos com que a esquerda latino-americana pode contar, um exemplo único em sua história pela capacidade de aliar trabalhos acadêmicos e elaborações individuais de grande criatividade teórica, de autores como Álvaro García Linera, Luis Tápia, Raúl Prada, entre outros, a inter-venções políticas diretas, em condições tais que Li-nera tornou-se vice-presidente da República e Prada foi um importante parlamentar constituinte.

As dificuldades para a elaboração da teoria da prática que enfrenta hoje a esquerda latino-ameri-cana são devidas a vários fatores. Entre eles, pode-mos ressaltar a dinâmica assumida pela prática teó-rica, essencialmente concentrada nas universidades, que sofreu os efeitos da virada de período no plano acadêmico: ofensiva ideológica do liberalismo; apri-sionamento na divisão do trabalho interno das uni-versidades, em particular pela especialização; refú-gio em posições apenas críticas, que tendem a ser doutrinárias sem desembocar em alternativas.

Por outro lado, os processos de superação real do neoliberalismo colocaram temas distantes da di-nâmica de reflexão acadêmica. Temas como o dos povos originários e dos Estados plurinacionais, da nacionalização dos recursos naturais, da integração regional, do novo nacionalismo e do pós-neolibera-lismo estão muito distantes dos temas usualmente abordados nos cursos universitários e daqueles pri-vilegiados pelas instituições de fomento à pesquisa. Estas privilegiaram elaborações definidas pelas ma-trizes fragmentadas das realidades sociais, desvalo-rizando interpretações históricas globais, ao mes-mo tempo que acentuaram a fragmentação entre as distintas esferas – econômica, social, política e cul-tural – da realidade concreta.

Além disso, é preciso acrescentar os efeitos da crise ideológica que afetou as práticas teóricas na transição do período histórico anterior para o atual, com a desqualificação dos chamados mega-relatos e a utilização generalizada da ideia de crise dos pa-radigmas. Com isso, abandonaram-se os modelos

Page 4: EncartE clacso cadErnos da américa latina Xiii · EncartE clacso cadErnos da américa latina Xiii Os Cadernos de Pensamento Crítico Latino-americano constituem uma iniciativa do

Conclusão

O grosso dos argumentos deste livro está conti-do em seus capítulos. Não faria sentido revi-sar todos os tópicos e temas em detalhe nesta conclusão. Em vez disso, brevemente recapi-

tularei as principais questões tratadas em cada capí-tulo, avançando então para uma discussão que porá aqueles elementos dentro de uma teoria geral da mo-dernidade como uma civilização, especialmente ho-je. Esta seção introduzirá novas questões ou tratará de modo mais sistemático temas que estiveram pre-sentes nas páginas anteriores. Enfim, terei algumas palavras a dizer a respeito da condição presente do subcontinente e de suas possibilidades futuras.

Uma recapitulação de questões básicas

1) Analisamos no Capítulo 1 a luta multifaceta-da por direitos e por justiça no subcontinente, espe-

cialmente desde os anos 1980, os trabalhos da cida-dania instituinte. Giros modernizadores múltiplos, descentrados bem como centrados, foram vistos no cerne desses empreendimentos criativos, nos quais as classes populares, povos originários, negros, mulheres, vêm lutando para fazer avançar a civili-zação moderna em uma direção democrática, efeti-vando portanto alguns dos elementos-chave de seu imaginário. Há um avanço sistemático do direito e da cidadania em seu momento instituído, que en-contra expressão especialmente nas abstrações re-ais, que assim incorporam uma perspectiva uni-versalista. Sugeri, nas conclusões parciais ao Capítulo 3, que em certa medida esse movimento como um todo pode ser visto como uma revolução molecular (com aqui e acolá giros mais potentes e centrados sendo lançados, por vezes com verdadei-ras ofensivas levadas a cabo por movimentos so-

ciais, partidos políticos ou “instrumentos”). Mas vimos também que há outros giros modernizado-res que são deslanchados por forças neoliberais, com a alternativa moderna mais autoritária se ven-do em posição defensiva hoje. Acresce que notamos que a cidadania tem tido que dar conta do tema da pluralidade, com o que as abstrações reais têm tido de abrir-se, sem de modo algum dissolverem-se, às particularidades e ao concreto. Basicamente, em-bora seja parte de um movimento mais amplo de democratização da modernidade no século XX e es-pecialmente desde a década de 1980, suas forças propulsoras são fundamentalmente internas. Os direitos sociais não avançaram tanto, a despeito do aumento dos gastos sociais.

2) No Capítulo 2 os processos de reestruturação econômica, as mudanças do capitalismo em uma direção globalizada e high-tech, foram focalizadas,

a américa latina e a modernidade contemporâneaPor José maurício domingues*

analíticos gerais e aderiu-se ao pós-modernismo, como as consequências apontadas por Perry Ander-son2: estruturas sem história, história sem sujeito, teorias sem verdade – um verdadeiro suicídio da te-oria e de qualquer tentativa de explicação racional do mundo e das relações sociais.

Temas essenciais para estratégias de poder, co-mo o próprio poder, o Estado, as estratégias, as alianças, a construção de blocos alternativos de for-ças, o imperialismo, as alianças externas, as análi-ses das correlações de força, os processos de acumu-lação de forças, o bloco hegemônico, entre outros, ficaram deslocados ou praticamente desaparece-ram, em especial à medida que os movimentos so-ciais passaram a ocupar papel protagônico nas lutas antineoliberais. A passagem da fase defensiva para a de disputa hegemônica tem de significar – como sig-nifica nos textos do grupo Comuna e nos discursos de Hugo Chávez e de Rafael Correa – uma retomada dessas temáticas, uma atualização para o período histórico de hegemonia neoliberal e de luta desmer-cantilizadora. O refúgio na óptica de simples de-núncia, sem compromisso com a formulação e a construção de alternativas políticas concretas, ten-de a distanciar parte significativa da intelectualida-de dos processos históricos concretos que o movi-mento popular enfrenta no continente, condenando este a tentativas empíricas de ensaio e erro, na me-dida em que não conta com o apoio de uma reflexão teórica comprometida com os processos de trans-formação realmente existentes.

A tentação oposta é grande. Como Fidel Castro não é Lenin, Che não é Trotski, Hugo Chávez não é Mao Tsé-tung, Evo Morales não é Ho Chi Minh e Ra-fael Correa não é Gramsci, mais fácil seria rejeitar os processos historicamente existentes, porque não correspondem aos sonhos de revolução construídos no embalo de outras eras, a tentar decifrar a história contemporânea com seus enigmas específicos. En-fim, tentar reconhecer os sinais da nova toupeira latino-americana ou ficar relegado aos compêndios

a que são reduzidos os textos clássicos pelas mãos medrosas e sectárias dos que têm medo da história.

O refúgio nas formulações dos textos clássicos é o caminho mais cômodo, mas também o mais segu-ro para a derrota. As derrotas não são explicadas por razões políticas, mas morais – e “traição” é a mais comum. A incapacidade de explicação política leva a visões infrapolíticas, morais. O diagnóstico de Trotski sobre a URSS é o modelo oposto: trata-se da explicação política, ideológica e social dos caminhos trilhados pelo poder bolchevique. Por isso, passou da tese da revolução “traída” à explicação substancial do Estado sob a hegemonia da burocracia.

A defesa dos princípios supostamente contidos nos textos dos clássicos parece explicar tudo, me-nos o essencial: por que as visões da ultra-esquerda, doutrinárias, extremistas, nunca triunfam, nunca conseguem convencer à maioria da população, nunca construíram organizações em condições de dirigir os processos revolucionários? Identificam-se aos grandes balanços das derrotas, mas nunca conduzem a processos de construção de forças po-líticas revolucionárias. Não por acaso, seu horizon-te costuma ser a polêmica no interior da própria ultra-esquerda e as críticas aos outros setores de es-querda, sem protagonizar grandes debates nacio-nais, sem enfrentar centralmente a direita ou parti-cipar da disputa hegemônica. Aqueles que só aparecem nos espaços públicos para criticar seto-res de esquerda, muitas vezes valendo-se dos espa-ços midiáticos dos órgãos da direita, perderam a visão dos inimigos fundamentais, dos grandes en-frentamentos com a direita.

O desafio é encarar as contradições da história realmente existente, nas condições concretas dos países da América Latina hoje e decifrar os pontos de apoio para a construção do pós-neoliberalismo. O grupo Comuna soube fazer isso, porque releu a história boliviana, em especial a partir da Revolução de 1952, decifrou seu significado, fez as periodiza-ções posteriores da história do país, compreendeu os

ciclos que levaram ao esgotamento do período neoli-beral, conseguiu desfazer os equívocos da esquerda tradicional em relação aos sujeitos históricos e reali-zou o trabalho teórico indispensável para o casa-mento entre a liderança de Evo Morales e o ressurgi-mento do movimento indígena como protagonista histórico essencial do período atual boliviano. Pôde assim recompor a articulação entre as práticas teóri-ca e política e ajudar o novo movimento popular a abrir os caminhos de luta das reivindicações econô-micas e sociais nos planos étnico e político.

Esse trabalho teórico é indispensável e só pode ser feito a partir das realidades concretas de cada país, articuladas com a reflexão sobre as interpreta-ções teóricas e as experiências históricas acumula-das pelo movimento popular ao longo do tempo. A realidade é implacável com os erros teóricos. A Amé-rica Latina do século XXI requer e merece uma teo-ria à altura dos desafios presentes.

*Emir Sader é doutor em ciencia política pela Univer-sidade de São Paulo (USP), atualmente é professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e se-cretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso).

2 Perry Anderson, “El pensamiento tibio: una mirada crítica sobre la

cultura francesa”, cit.

Page 5: EncartE clacso cadErnos da américa latina Xiii · EncartE clacso cadErnos da américa latina Xiii Os Cadernos de Pensamento Crítico Latino-americano constituem uma iniciativa do

EncartE clacso – cadErnos da américa latina Xiii

em sua dimensão mundial mas em particular na América Latina. O outro aspecto crucial dos desen-volvimentos globais e regionais recentes sobre os quais nos debruçamos foi o papel cumprido pelo capital financeiro. Giros modernizadores de modo geral, incluindo ofensivas centradas, da parte de grandes firmas, organizações financeiras interna-cionais e governos nacionais passaram a se calcar no ponto de vista neoliberal. Os trabalhadores e mesmo firmas de pequeno e médio porte foram es-magadas nesse processo de transformação radical. Nesse sentido, se não podemos falar realmente em um projeto verdadeiramente hegemônico, espe-cialmente porque o neoliberalismo logo se provou ser uma alternativa fracassada, não podemos ver tal processo como uma revolução “passiva”. De fa-to, o momento da coerção veio a prevalecer – as al-ternativas têm sido violentamente descartadas pe-las organizações internacionais e agências de “avaliação de risco” do capitalismo global. A adap-tação passiva ao capitalismo globalizado, impli-cando inclusive a reprimarização, e a reintrodução do subdesenvolvimento têm estado no cerne do modelo de desenvolvimento (acumulação mais re-gulação) em todos os países como o resultado geral dos giros e ofensivas modernizadoras na América Latina. Se no futuro uma cooptação da liderança popular ocorrerá é incerto, mas improvável, uma vez que isso requereria que as classes dominantes abrissem mão de alguns de seus lucros em favor das classes subalternas.

3) A pluralização da vida social atravessa as so-ciedades latino-americanas como o resultado de tendências evolutivas que multiplicam todos os ti-pos de atividades em todas as dimensões. Proces-sos profundos de desencaixe, que se vinculam ao capitalismo, à cidadania e à globalização, e os pro-cessos subseqüentes de reencaixe que impõem, têm segregado novas e variadas identidades, que podem assim assumir aquela face plural. A com-plexificação da vida social deriva dessa combina-ção e é patente na América Latina hoje, com sujei-tos individuais e subjetividades coletivas mais livres tendo emergido para a vida social e política, ainda quando penam em uma situação social de “risco” e destituição. Esta é a base subjacente dos giros modernizadores na América Latina e da re-volução democrática molecular que ora se desdo-bra. Permanecem profundas as divisões de classe, étnicas, raciais e de gênero, contudo, e influen-ciam decisivamente a vida econômica, cultural e política. Os movimentos sociais vinculados a tais divisões, bem como a outras que têm constituição mais contingente (movimentos religiosos em par-ticular), lançam por vezes ofensivas moderniza-doras poderosas. De modo geral sua reprodução, bem como mudança – a qual, se ocorre, o faz so-mente em grau menor –, é levada a cabo por giros modernizadores mais descentrados. Eles são tam-bém pacientes e agentes da modernização. Argu-mentei também que, suposta a radical pluraliza-ção da vida e as mudanças subsequentes na própria idéia de nação, uma mudança na integração social na direção de uma forma de solidariedade com-plexa é necessária.

4) Identifiquei uma contradição entre a evolu-ção democrática do subcontinente e o projeto neoli-beral que tem sido absolutamente dominante na di-mensão econômica. Sugeri que estão em campos opostos, um e outro, embora não tenha elaborado a questão. Argumentei ademais que uma reconstru-ção do estado, que teria então em seu núcleo um no-vo bloco histórico que pudesse retomar o desenvol-vimento em conjunto com a democratização, é também improvável. Uma solução para esse choque contraditório de tendências modernizadoras atra-vés do estado como tal é portanto uma miragem, a despeito da autonomia relativa de que ele desfruta como subjetividade coletiva. É hora, assim, de ela-

borar a questão, recorrendo aos pontos sintetizados acima e introduzindo algumas precisões conceitu-ais. Isso será feito nos quadros de uma teoria civili-zacional da modernidade.

Modernização, civilização e desenvolvimento

A América – incluindo suas regiões mais ao sul – tem um claro começo, diferentemente da maioria das áreas na história: 1492, o ano de sua “descober-ta” – ou “conquista”, de outro ângulo, e obviamente “invenção”, como qualquer fenômeno social – pela coroa espanhola, a ser formalmente completada pe-los portugueses em 1500. Naquela altura a moderni-dade lentamente abria suas asas na Europa e a ex-pansão para o “Novo Mundo” cumpriu papel-chave no salto qualitativo do processo, que não pode ser entendido meramente nos termos estreitos da me-todologia “nacionalista”, que a confina à limitada configuração espaço-temporal dos estados-nação que estavam sendo forjados na Europa nos séculos XVI e XVII. Isto é, a emergência “episódica” (contin-gente e não necessária em termos evolutivos) da modernidade tem de ser posta dentro de processos globais mais amplos, em que Portugal e Espanha fo-ram finalmente deslocados. Isso não equivale de modo algum a afirmar que as origens da moderni-dade descansam fundamentalmente nos sistemas coloniais das Américas, que a “racionalidade” oci-dental nasceu aí, na construção de máquinas admi-nistrativas para supervisionar as áreas coloniais ibéricas e no “ego conquiro” que precede ao “ego co-gito” (Dussel, 1993, cap. 7), ainda quando essas afir-mações possam ser temperadas pelo reconheci-mento de processos originários internos à própria Europa.1 Se uma variante específica da, digamos, “proto”-modernidade, de origens ibéricas, realmen-te se desenvolveu nas Américas, foi oriunda da Euro-pa, em seu encontro com outras, variadas civiliza-ções que previamente existiam no “Novo Mundo” e na África. O centro dinâmico do sistema global loca-lizava-se no ocidente – e permanece assim até hoje em grande medida, com os Estados Unidos substi-tuindo os países europeus como hegemonia mun-dial, embora certos giros modernizadores e proces-sos dinâmicos, especialmente se emancipatórios, surjam com frequência na periferia, como argu-mentarei a seguir em relação à América Latina.

Até então uma região periférica no mediterrâ-neo dominado pelo Islã, a Europa passava por múl-tiplas modificações internas (econômicas, políticas e culturais) que também aumentavam decisiva-mente seu poder em relação ao mundo como um to-do (e permitiram as bem-sucedidas “descoberta” e colonização da América). Isso implicou em “formas de consciência”, instituições, um imaginário, que ti-nham como protagonistas indivíduos e coletivida-des que se tornaram finalmente responsáveis pelos que foram de fato os primeiros giros modernizado-res da história. Aquelas mudanças e esses agentes foram decerto influenciados por processos que ocorriam nas margens ocidentais do Atlântico, e be-beram nelas – e de outras áreas que foram arrasta-das para dentro do sistema global que emergia; po-rém, ao passo que aquelas mudanças estavam sendo elaboradas e se desdobravam no centro da civiliza-ção moderna global que despontava, era precisa-mente no espaço-tempo da Europa que os agentes punham em prática seus giros principais. É verdade que convém criticar e reverter o foco exclusivo no “velho continente” vis-à-vis a gestação da moderni-dade; não há razão, todavia, para desconsiderar a pilha colossal de obras sobre o tema, que tem sido continuamente renovada. Apenas mais tarde foram os países da América Latina objeto de giros efetiva-mente modernizadores, tecendo um imaginário, erigindo instituições, estabelecendo práticas e mol-dando “formas de consciência” que eram típicas bem como regionalmente modernas, conectadas e

ao mesmo tempo distintas daquelas do ocidente, ainda que continuidades societais e o desdobra-mento daquele encontro fundador de civilizações pudesse e ainda possa ser observado por todo o sub-continente (Nelson, 1977; Domingues, 2003a). A teo-ria da modernização e seu “ocidentalismo” ofere-cem realmente um mau conselho evolucionista. Abraçar uma posição quase invertida não ajuda, contudo. É nos, por assim dizer, giros modernizado-res episódicos levados a cabo no subcontinente, vin-culados à modernidade global, que devemos nos concentrar, teórica e metodologicamente. Foi o que fizemos nos capítulos precedentes, para as duas pri-meiras fases da modernidade e sobretudo para a sua terceira. Ao mesmo tempo, é mister ir além da reifi-cação da modernidade desde uma posição a-crítica, tão comum na teoria sociológica como tem sido na América Latina de modo geral e em seus anseios de modernização (Ortiz, 1988, p. 208-210). Devemos vê-la de modo mais contingente, como um processo relativamente em aberto, no qual contudo alguns temas são orquestrados, instituições persistem em certas formas básicas e o imaginário retém um nú-mero de características que definem se uma forma-ção social se encontra nos limites da modernidade – concretamente ou ao menos como uma aspiração e como seu horizonte teleológico subjetivo. Assim foi no passado, desde o século XX quando, confor-me argumentei em todos os capítulos precedentes, a modernidade aos poucos se estabeleceu na Amé-rica Latina; é assim agora, quando os desafios verti-ginosos da terceira fase da modernidade aí estão para serem encarados.

Assim podemos flanquear o que se pode chamar, recorrendo a Marx,2 de o “fetichismo da modernida-de”. Ou seja, a sua coisificação como uma entidade supostamente homogênea e universalmente já da-da, que existiria enquanto tal no ocidente (na Europa e na América do Norte) e se realizaria imperfeita-mente na América Latina. Essa é, obviamente, como argumentado na Introdução e nos capítulos deste li-vro também, a abordagem da teoria da moderniza-ção, mas com frequência o marxismo reproduziu a mesma perspectiva. Em lugar disso, com giros mo-dernizadores episódicos e variavelmente centrados, tendo em sua base subjetividades coletivas, a moder-nidade é historicizada, torna-se mais complexa e múltipla, suas relações com outras tradições e he-ranças se fazem muito mais difíceis de predizer e en-tretecidas; a agência é reintroduzida no debate, sem prejuízo de alguns elementos institucionais e imagi-nários que têm uma poderosa pulsão diretora.

Além disso, outros elementos, que derivam de outras constelações civilizacionais, têm sido trazi-dos à esfera da modernidade graças a encontros ci-vilizacionais assim como graças à capacidade da modernidade de tudo pôr a seu serviço, ainda que muitas vezes de maneira destrutiva – contra o que somente o recurso a meios modernos para moder-nizar tradições anteriores é uma resposta eficiente –, bem como mercê dos processos sociais subjacen-tes que ela desencadeia. Por último, mas não de so-menos importância, isso acontece como uma con-sequência de seu poder de atração, porquanto suas promessas e ao menos algumas de suas realizações emancipatórias (centradas na questão da liberdade igualitária, inclusive do ponto de vista coletivo) têm fornecido um horizonte sedutor a populações que poderiam em princípio tentar resistir a seu apelo (o que de fato fizeram em alguns momentos) (Domin-gues, 2003a). Enquanto outras cosmologias, o que alguns chamam de “pensamento de fronteira” (e eu visualizaria como estar do lado de dentro assim co-mo do de fora ou pertencer sem o desejar e de modo ambivalente, com ademais outros recursos emocio-nais e intelectuais, outras tradições e memórias), modos diferentes de entender a vida social e a natu-reza, realmente emergem de outras influências civi-lizatórias, elas já se encontram em um diálogo, bem

Page 6: EncartE clacso cadErnos da américa latina Xiii · EncartE clacso cadErnos da américa latina Xiii Os Cadernos de Pensamento Crítico Latino-americano constituem uma iniciativa do

como já estão em grande medida articuladas, pelo imaginário da modernidade e suas instituições.3 E, ainda que possam efetivamente sugerir novos hori-zontes – locais ou mais amplos – à modernidade – ou mesmo para além de seus pressupostos – é dentro dela hoje que deverão operar praticamente. Não se deve aceitar dualismos aqui. Em compensação, questões de “reconhecimento” e “interculturalida-de” (implicando um verdadeiro diálogo de mão du-pla – Walsh, 2000) são decerto centrais para esta dis-cussão. É mister, contudo, que sejamos também cuidadosos com a possibilidade de que, baseadas na fragmentação social e em barreiras entre as subjeti-vidades populares, outras formas de dominação se-jam assim introduzidas (pós-modernas, diriam al-guns, típicas da heterogênea terceira fase da modernidade, prefiro argumentar).

Para pôr de maneira ligeiramente diferente o que já afirmei em passagens anteriores, podemos dizer que, em certo sentido, ao passo que a expan-são da modernidade significou que ela engolfou e subordinou inclusive formações sociais bastante amplas de origem civilizacional distinta, ela tam-bém implicou que o imaginário moderno e seus elementos utópicos foram então encaixados no horizonte dessas novas áreas incorporadas. Na América Latina estas estiveram em geral enraiza-das em tempos e tradições pré-colombianas, com a presença de populações indígenas. Isso quer di-zer que aquilo que tem sido teorizado por alguns autores (de maneira pouco específica e dualista ou obscura) como uma forma de “colonialismo inter-no” após as independências do século XIX (Gon-zález Casanova, 1965; Stavenhagen, 1965; Sanji-nés, 2001; Mignolo, 2000, p. 104, 281-282, 313), levou a que a modernização segregasse uma dinâ-mica de mais modernização. Isso tinha então de ser feito em uma direção integrativa e democráti-ca, na direção da inclusão plena e do reconheci-mento, embora tensões sejam inevitáveis e as cole-tividades dominantes amiúde resistissem a esse giro. As coisas se passaram assim nas duas primei-ras fases da modernidade, estão destinadas a se passar do mesmo modo nesta terceira. A diferença é que muito pouco, se algo ainda, se encontra a es-ta altura fora modernidade, sem prejuízo da irre-dutibilidade das diferenças de formações sociais e coletividades, em sua particularidade. Os proble-mas para a integração nacional que aquelas resis-tências geraram são notórios, mas testemunha-mos grandes mudanças hoje nessa direção, capitaneadas, obviamente, pela revolução demo-crática molecular. Além do mais, na verdade a pre-sente fase da modernidade mostra muito menos dificuldade em absorver o diferente, o heterogê-neo, não obstante problemas remanescentes, co-mo o racismo e a exploração.

A teoria da civilização vem desfrutando de cer-to renascimento nos últimos anos, especialmente com os trabalhos de Eisenstadt e Arnason. Eles têm sugerido interessantes formas de lidar com proces-sos históricos de largo alcance. Algumas de suas principais limitações estão, contudo, associadas a uma definição de civilização que reproduz a “meto-dologia nacionalista” da sociologia tradicional. Isso é verdade em particular no que tange às religiões mundiais que se convertem, nos textos de Eisensta-dt, em algo similar a culturas nacionais ou, de qual-quer modo, fechadas. Por sua vez isso se torna um problema na medida em que essa operação o com-pele a multiplicar as modernidades, que poderiam com efeito descer a regiões, cidades etc., caso levás-semos o argumento a suas implicações radicais.4 Aqui eu quero rejeitar esse ponto de vista e, recu-sando também a ideia de modernidades “múlti-plas”, “alternativas” ou “cruzadas” (entangled), compreender a modernidade como uma civilização global heterogênea, que trouxe para dentro de si mesma, transformando-as, outras civilizações ou

elementos civilizacionais, graças a seu poder de atração.5 Mas, ao passo que esse caráter global tem de ser acentuado aqui – e vimos como isso funciona na América Latina ao longo de todo este livro –, de-vemos dar conta também de sua expansão hetero-gênea. Um conceito importante a ser introduzido a esta altura é o de “desenvolvimento desigual e com-binado”. Trotsky originalmente o formulou para tratar do caminho da Rússia rumo à civilização ca-pitalista, integrada ao mercado mundial, mas de modo simultâneo tão heterogênea internamente como o era vis-à-vis o capitalismo ocidental. Eu a supus, implicitamente, durante todo este livro, em relação à posição da América Latina no mundo, a seus desenvolvimentos internos – seja nacionais, seja infranacionais – desiguais e no que concerne às diversas dimensões de sua vida social. O desenvol-vimento desigual da modernidade deve ser avalia-do com referência ao que se passa no ocidente e alhures, mas também no que tange a países e regi-ões, assim como no que toca às dimensões da vida social. Trotsky (1932-1933, cap. 1) usou o conceito para mostrar que desenvolvimentos particulares, regionais ou nacionais, do capitalismo em um país atrasado como a Rússia não apenas evidenciavam aspectos “primitivos”; eles engendravam estrutu-ras e atores mais avançados (especialmente, para sua narrativa histórica, implicando na impotência política da burguesia do país e o frescor e o caráter avançado de seu proletariado). Eis aí as raízes de muitos dos paradoxos russos e do processo revolu-cionário liderado pelos bolcheviques em 1917.6

O desenvolvimento desigual e combinado da modernidade é o outro lado da unificação da his-tória que esta civilização alcançou. Isso teve lugar através de processos concretos que nada têm a ver com a concepção de Hegel da “História Universal” e tampouco quer dizer que não há uma configura-ção espaço-temporal homogênea da vida social global e da evolução social. Ao contrário, há cons-truções espaço-temporais regionalizadas, com seus próprios ritmos, configurações, densidades, processos de intercâmbio com a natureza, rela-ções de poder e padrões simbólico-hermenêuti-cos, em um processo evolutivo multilinear em que as subjetividades coletivas exercem sua criativida-de. Aquelas configurações espaço-temporais po-dem manter-se em tensão umas com as outras, encontrando-se agora, porém, irremediavelmente imbricadas e subordinadas de modo geral aos cen-tros dinâmicos que impulsionam a modernidade. A América Latina é uma dessas construções espa-ço-temporais – atravessada por heterogeneidade desde seu surgimento.7

Levando o argumento adiante, quero somar à expressão “desenvolvimento desigual e combina-do” o termo adicional contraditório. A posição da América Latina, anteriormente e hoje, no sistema global, bem como a disparidade de configurações regionais através do subcontinente, patentemente se coadunam com o uso que Trotsky fazia de seu conceito (embora seu otimismo estivesse prova-velmente agora deslocado). A direção em que a ter-ceira fase da modernidade vem se desdobrando na América Latina, com características específicas e de forma subordinada em muitos aspectos, além das mudanças e diferentes regiões, que se desen-volveram com aspectos específicos e mesmo opos-tos, e que se vinculam por vezes bastante direta-mente a sistemas “exógenos”, decerto se encaixam bem nessa categorização, como vimos ao longo de todo este livro. Mas aquela questão adicional tem também relevância aqui. De fato, entre as várias dimensões da vida social contemporânea pode-mos detectar fortes tensões e oposições, contradi-ções, que geram sérios problemas e possibilidades de ruptura – nessa região e em outras. Para Ger-mani (1965, p. 16-17 e 98-109), um intérprete-chave da América Latina, elas resultavam de um desa-

juste entre as “partes” (e grupos) do sistema social e eventualmente se harmonizariam uma vez que a transição da sociedade adscritiva à moderna fosse inteiramente alcançada aqui ou em qualquer lu-gar. Este desajuste temporal, expresso no que ele chamou de “assincronia da mudança social”, seria certamente superado em termos teleológicos for-tes e mecânicos. Isso é porém um argumento fun-cionalista que era plausível àquela altura, mas que hoje não se sustenta de modo algum, não obstante o recente retorno ideologicamente severo de ver-sões ainda mais toscas da teoria da modernização. Não há razão para pensar que a harmonia é neces-sariamente um resultado de processos sociais es-pecíficos, menos ainda na América Latina. Toda-via, não há razão tampouco para supor que contradições entre as dimensões sociais e as sub-jetividades coletivas, como suportes de giros mo-dernizadores opostos que moldam aquelas di-mensões, têm de levar a algum tipo de resolução, catastrófica, neutra ou benigna. Realmente subli-nhei uma contradição entre giros modernizadores democratizantes, que visam os elementos nuclea-res do imaginário da modernidade, e o tipo de pro-jeto neoliberal que tem sido até agora predomi-nante nesta terceira fase da modernidade no subcontinente. Tentei emprestar substância a esta tese com a análise detalhada de um amplo corpo de obras. Outros fizeram algo similar, conquanto de forma muito mais breve e com uma visão mais ca-tastrófica, quase predizendo a falência da democra-cia e a derrota dos movimentos populares caso não fossem capazes de reverter aquelas tendências eco-nômicas e diretivas de política social – ou então se-ria a maré alta de tais movimentos que venceria as imposições capitalistas. Muito amiúde é apenas um aspecto desse desenvolvimento duplo que é assina-lado. Ainda mais comum tem sido o reconhecimen-to dos efeitos deletérios do neoliberalismo sobre a democracia e o alto preço pago por governos eleitos em uma plataforma antineoliberal que têm então de desistir dela ou se mostram incapazes de imple-mentar mudanças no que tange a políticas econô-micas (Argentina e Equador).8 O processo é porém mais complexo e todos os desfechos são realmente possíveis. As coisas podem ir em qualquer direção e podemos ainda testemunhar um processo social travado em que essas tendências modernizadoras perduram lado a lado, sem qualquer resolução de sua contradição. Assim, acomodações podem esta-belecer-se e a energia popular pode se dissipar; ou pode ser suficiente para derrotar o neoliberalismo, alçando vôo em algum ponto. Mais provável, em função da força de ambas as correntes de giros mo-dernizadores, é que uma dialética tensa permeie a vida social. As contradições entre essas tendências seriam reiteradas, na medida em que não emergem alternativas, com o momento da coerção predomi-nando de cima para baixo, não obstante acomoda-ções talvez aceitas pelas classes dominantes, en-quanto a luta pelo direito, os direitos e a justiça segue incansável, malgrado marés altas e baixas.

Esta é em certo sentido uma dinâmica perene da modernidade, na qual a liberdade e a dominação, a igualdade e a desigualdade, a solidariedade e a frag-mentação estão sempre em oposição umas às outras, em uma relação dialética. Essa dinâmica encontra expressão particular e é reelaborada concretamente nos processos democratizadores e criativos impul-sionados pelos giros modernizadores das massas populares e por setores das classes médias, por um lado, e os projetos liberal-conservadores avançados pelas subjetividades coletivas dominantes, que têm seus próprios giros modernizadores, por outro. Uma peculiaridade a ser levada em conta se refere ao fato de que tal tensão é tão grande na América Latina contemporânea que a inconsistência das práticas sociais é bastante visível – logo o conceito de desen-volvimento combinado, desigual e contraditório.

Page 7: EncartE clacso cadErnos da américa latina Xiii · EncartE clacso cadErnos da américa latina Xiii Os Cadernos de Pensamento Crítico Latino-americano constituem uma iniciativa do

EncartE clacso – cadErnos da américa latina Xiii

Limites do presente, possibilidades do futuro

Atravessada por tais tensões é que se desenvolve a terceira fase da civilização moderna na América Latina. Ela se calca em parte em realizações alcan-çadas em outras áreas, é combinada e as combina com elementos anteriores à modernidade assim co-mo com processos gerados internamente ou que fo-ram absorvidos antes; oferece avanços criativos dentro dos quadros da modernidade e está em parte em tensão consigo mesma, no que se refere a dimen-sões e giros. Uma disputa permanente a marca tan-to quanto marcou as outras fases da modernidade, no subcontinente e alhures. Se caminhos fortemen-te condicionados podem ser identificados e devem ser levados em consideração nos rumos do desen-volvimento e das coletividades que originaram e são transformadas bem com reforçadas por eles, as rup-turas que a criatividade social pode trazer a essas condições, refratando portanto a direção do desen-volvimento social inclusive de modo radical, tam-bém devem ser reconhecidas e, creio, celebradas. Se os países latino-americanos, como argumento no Capítulo 2, devem ser vistos como parte da periferia ou da semiperiferia da civilização moderna em ter-mos econômicos, no que concerne à democracia e à justiça este não é exatamente o caso.

Não quero ressuscitar a ideia de “vantagens do atraso” que se encontra na verdade presente na for-mulação original de Trotsky e fez também fortuna através do planeta. Todavia, na medida em que não há ajuste necessário e, no caso em tela, efetivo entre as dimensões da vida social, podemos sugerir que as dinâmicas política e cultural da modernidade na América Latina, que estão carregadas de possibili-dades criativas, deslocam-na para uma posição mais favorável e ativa na cena global. Seria dema-siado propor que a América Latina se põe assim no centro do sistema global, porquanto o poder insti-tucionalizado permanece nas mãos das forças neo-liberais orientadas para formas de democracia de baixa intensidade e a adaptação passiva ao novo subdesenvolvimento da região. Além disso, os esta-dos da região manifestam muitas limitações. Mas, em termos de movimentos emancipatórios, encon-tra-se no mesmo plano que outras regiões, espe-cialmente a Europa, ou até mesmo na linha de fren-te da civilização moderna. O imaginário da modernidade encontra aqui formas criativas e que, no que tange aos arranjos institucionais internos, bem como no que concerne à própria inserção peri-férica global da América Latina, avançam no senti-do de ampliar e atualizar seus horizontes valorati-vos e normativos, em uma direção emancipatória, individual coletivamente.

Isso posto, uma reflexão a mais se faz necessária, já que a América Latina tem sido o objeto de muitas esperanças graças a seus movimentos sociais criati-vos e a sua ebulição cultural, ao surgimento do Fó-rum Social Mundial em seu solo e a uma tradição de luta contra a dominação estrangeira que jamais se apagou.9 São essas esperanças justificadas, especial-mente tendo em vista o argumento acerca dos movi-mentos emancipatórios mencionados anteriormen-te? Não é o caso de terminar este livro em um tom pessimista. Ainda assim uma resposta positiva não é fácil. As razões para ser cauteloso, junto a questões teóricas sobre a possivelmente desconjuntada estru-tura da vida social, são políticas e intelectuais. A cor-relação de forças não é favorável hoje, a despeito de avanços reais, e as possibilidades para o desenvolvi-mento de alternativas, econômicas, políticas ou cul-turais, são no mínimo duvidosas, para além da mu-dança molecular. O horizonte para a chegada ao poder de estado por forças verdadeiramente trans-formadoras, para além do transformismo, parece re-moto, não obstante o processo boliviano recente. As burguesias internas não devem já ser vistas – se é que o foram algum dia – como parceiras em um movi-

mento de emancipação, na implementação da liber-dade igualitária e na busca por uma posição melhor no sistema global. Contudo, tampouco parecem as classes populares capazes de reunir forças, forjar um programa político e mobilizar-se, e a outras coletivi-dades, para desenvolver na prática uma alternativa hegemônica que lhes permitisse construir uma soli-dariedade complexa e reformatar o estado para ope-rar como uma máquina orientada para a superação da adaptação passiva à globalização. Esta limitação pode persistir a despeito da importância continuada da revolução democrática molecular que vem se des-dobrando. Deve-se admitir que esta não é uma difi-culdade apenas latino-americana.

Em nenhuma parte do planeta teve a direção neoliberal da terceira fase da modernidade de enca-rar um desafio verdadeiro, especialmente um que tivesse em seu cerne a emancipação em sentido am-plo10 – nacionalmente, no que concerne às classes e individualmente. Esperemos, porém, que a criativi-dade da revolução molecular intensa engendrada pelas forças populares especialmente desde a déca-da de 1980 venha a produzir enfim uma gama de or-ganizações políticas que não abram mão de suas idéias originais ao chegar ao poder estatal e se tor-nem capazes de levar a cabo um avanço efetivo.11 A modernidade contemporânea poderia assim per-correr um novo caminho, no qual os elementos emancipatórios do imaginário da modernidade – a liberdade igualitária, a solidariedade e novas formas de responsabilidade coletiva, em sua oposição à do-minação, à desigualdade e a uma concepção sim-plesmente autointeressada da responsabilidade – pudessem sobrepor-se às instituições e giros modernizadores que traem o que surgiu com uma das grandes invenções da humanidade em sua rica e atormentada história até hoje. A América Latina pa-rece ter de fato um papel particular a desempenhar nesse processo.

*José Maurício Domingues é Doutor em Sociologia pe-la London School of Economics and Political Science (LSE), Universidade de Londres.Atualmente é Profes-sor e Pesquisador do Instituto Universitário de Pesqui-sa do Rio de Janeiro (IUPERJ).

Bibliografia

ARNASON, Johann (1997). Social Theory and the Japanese Experience. The Dual Civilization. London/New York: Kegan Paul International.

ARNASON, Johann (2001). Civilizational Patterns and Civilizing Processes. International Sociology, v. 16.

BIELSCHOWSLY, Ricardo (Org.). (2000). Cinqüenta anos de pensamento na CEPAL. Rio de Janeiro: Record/Cepal/Cofecon. v. 1-2.

BOATCA, Manuela (2006). Semiperipheries in the World-System: Reflecting Eastern European and Latin America Experiences. Journal of World Systems Research, v. 12.

BOBES, Velia Cecilia (2000). Los laberintos de la imaginación. Repertorio simbólico, identidades y actores del cambio social en Cuba. México: El Colegio de México.

CARDOSO, Fernando Henrique; FALETTO, Enzo (1970). Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

COSTA PINTO, Luis (1970). Desenvolvimento econômico e transição social. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

DOMINGUES, José Maurício (1995). Sociological Theory and Collective Subjectivity. London: Macmillan; New York: Saint Martin’s Press.

DOMINGUES, José Maurício (1999). Criatividade social, subjetividade coletiva e a modernidade contemporânea. Rio de Janeiro: Contra Capa.

DOMINGUES, José Maurício (2002a). Interpretando a modernidade. Imaginário e instituições. Rio de Janeiro: FGV Editora.

DOMINGUES, José Maurício (2003a). Modernidade global e análise civilizacional. In: ____. Do Ocidente à modernidade. Intelectuais e mudança social. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

DOMINGUES, José Maurício (2005a). Social Theory, Latin America and Modernity. In: DELANTY, Gerard (Org.). Handbook of European Social Theory. London: Sage.

DOMINGUES, José Maurício (2005b). A sociologia brasileira, a América Latina e a terceira fase da modernidade. In: DOMINGUES, José Maurício;

DOMINGUES, José Maurício (2008). A revolução cubana entre o passado e o futuro. Análise de Conjuntura OPSA, n. 3.

DUSSEL, Enrique (1993). The Underside of Modernity: Apel, Ricoeur, Rorty, Taylor, and the Philosophy of Liberation. Atlantic Highlands, NJ: Humanities Press, 1996.

DUSSEL, Enrique (1994). 1492. El encubrimiento del Otro. Hacia el origen del “mito de la modernidad”. La Paz: Plural Editores/Universidad Mayor de San Andrés.

EISENBERG, José; POGREBINSCHI, Thamy (2002). Pragmatismo, direito e política. Novos Estudos CEBRAP, v. 62.

EISENSTADT, Shmuel (1973). Traditional Patrimonialism and Modern Neopatrimonialism. Beverly Hills, CA; London: Sage, 1973. v. 1: Sage Research Papers in the Social Sciences.

EISENSTADT, Shmuel (2000). Multiple Modernities. Daedalus, v. 129.EISENSTADT, Shmuel (2001). The Civilizational Dynamic of Modernity:

Modernity as a Distinct Civilization. International Sociology, v. 16.FERES JR., João (2005). A história do conceito de América Latina nos

Estados Unidos. Bauru: EDUSC/ANPOCS.GIDDENS, Anthony (1973). The Class Structure of Advanced

Societies. New York: Harper & Row, 1975.GIDDENS, Anthony (1985). The Nation State and Violence. Cambridge:

Polity.GIDDENS, Anthony (1990). The Consequences of Modernity.

Cambridge:GONZÁLEZ CASANOVA, Pablo (1965). Internal Colonialism and

National Development. Studies in Comparative International Development, v. 1.

KNÖBL, Wolfgang (2001). Spielräume der Modernisierung. Das Ende der Eindeutigkeit. Weilerwist: Velbrück.

LAMBERT, Jacques (1963). Amérique Latine. Structures sociales et institutions politiques. Paris: Presses Universitaires de France.

LIPSET, Martin S.; SOLARI, Aldo (Org.). (1967). Elites in Latin America. New York: Oxford University Press.

MANEIRO, María (Org.). América Latina hoje. Conceitos e interpretações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

MANN, Michael (2004). A crise do Estado-nação latino-americano. In: DOMINGUES, José Maurício; MANEIRO, María (Org.). América Latina hoje. Conceitos e interpretações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

MARX, Karl (1867, 1885, 1894). Das Kapital, Livros I, II (Berlim: Dietz, 1965) In: Mega II-5; e III, In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich.Werke, v. 37

MIGNOLO, Walter D. (2000). Local Histories/Global Designs. Coloniality, Subaltern Knowledges and Border Thinking. Princeton, NJ: Princeton University Press.

NELSON, Benjamin (1977). Der Ursprung der Moderne. Vergleichende Studien zum Zivilisationsprozess. Frankfurt am Main: Suhrkamp.

O’DONNELL, Guillermo (2004a). Notas sobre la democracia en América Latina. In:____. et al. La democracia en América Latina. Hacia una democracia de ciudadanos y ciudadanas. El debate conceptual sobre la democracia. [S. l.]: PNUD.

O’DONNELL, Guillermo (2004b). Acerca del Estado en América Latina contemporanea: diez tesis para discusión. In:____. et al. La democracia en América Latina. Hacia uma democracia de ciudadanas y ciudadanos – Contribuciones para el debate. [S. l.]: PNUD.

ORTIZ, Renato (1988). A moderna tradição brasileira. São Paulo: Brasiliense.Polity.

QUIJANO, Aníbal (2000). Colonialidad del poder y clasificación social. Journal of World-Systems Research, v. XI. (Special Issue. Festschrift for Immanuel Wallerstein, Part I).

ROBERTSON, Roland (1992). Globalization. Social Theory and Global Culture. London: Sage.

ROBERTSON, Roland; LASH, Scott; FEATHERSTONE, Mike (Org.). (1995). Global Modernities. London: Sage.

SANJINÉS C., Javeir (2001). Outside in and Inside Out: Visualizing Society in Bolivia. In: RODRÍGUEZ, Ileana (Org.). The Latin American Subaltern Studies Reader. Durham, NC/London: Duke University Press.

STAVENHAGEN, Rodolfo (1965). Classes, Colonialism and Acculturation. Studies in Comparative International Development, v. 1.

WALLERSTEIN, Immanuel (1984). The Politics of World-Economy. The States, the Movements and the Civilizations. Cambridge: Cambridge University Press; Paris: Editions de la Maison des Sciences de l’Homme.

1 Para uma discussão das concepções “neoepisódicas” da história (Gellner, Mann, Giddens), em oposição a teorias evolucionistas, ver Domingues, 1999, cap. 4.

2 Este é o núcleo de sua crítica geral à Economia Política, embora o “fetichismo da mercadoria” e a “fórmula trinitária” concentrem isso in-tensivamente. Ver Marx, 1867 e 1894. Subjetividades coletivas e luta de classes eram suas alternativas conceituais.

3 Estas são as contribuições, bem como os limites, que se acham em Mignolo, 2000 e 2005. Escapa-lhe inteiramente o caráter multifaceta-do da modernidade e seu tecido heterogêneo hoje. Em certa medida, antes que uma interpretação precisa da modernidade contemporâ-nea, pode-se dizer que seus trabalhos são uma expressão dela no plano cultural-acadêmico.

4 Os principais textos aqui são os seguintes: Eisenstadt, 2000 e 2001; Arnason, 1997 e 2001. Para uma discussão geral e detalhada das te-orias da modernização e da sociologia histórica, ver Knöbl, 2001, caps. 5, 7 e 9.

5 Visão similar da totalidade social encontra-se em Quijano, 2000. 6 Esse conceito já fora apropriado de maneira sociológica para a análise

do desenvolvimento da América Latina nas décadas de 1950 e 1960. Ver Costa Pinto, 1970, p. 21-23 e 31 et seq.

7 Para a concepção pós-kantiana e pós-newtoniana do espaço-tempo aqui suposta, ver Domingues, 1995, cap. 8. Para a evolução e a criati-vidade, ver Domingues, 1999, especialmente caps. 2 e 4.

8 Enquanto isso é mais ou menos generalizado na literatura – em espa-nhol, português, inglês ou francês –, com distintas concepções sendo defendidas, uma amostra se encontra na maioria dos escritos coleta-dos em O’Donnell et al., 2004.

9 Um resumo se encontra em Boatca, 2006.10 Os movimentos sociais estão mal das pernas no ocidente, tal qual a

social-democracia; movimentos islâmicos radicais obviamente levan-tam outras questões que não podem, não é necessário dizer, ser dis-cutidas aqui.

11 Não quero entrar nessa discussão com nenhum detalhe, mas me pare-ce bastante evidente que, se não devemos assumir uma visão ingênua dos partidos políticos – que se inclinam naturalmente a uma estrutura-ção oligárquica –, tampouco deveríamos embarcar em ideias “autono-mistas” radicais, que com frequência estranhamente misturam uma vi-são totalista do poder com uma recusa radical da institucionalização, a par com uma apologia exagerada da espontaneidade da ação e de uma perspectiva politicamente perigosa e vazia revolucionariamente.

Page 8: EncartE clacso cadErnos da américa latina Xiii · EncartE clacso cadErnos da américa latina Xiii Os Cadernos de Pensamento Crítico Latino-americano constituem uma iniciativa do

EncartE clacso – cadErnos da américa latina Xiii

Biblioteca virtualCom o objetivo de promover e facilitar o acesso aos resultados das pesquisas dos Centros Membros via Internet, o CLACSO oferece livre acesso à sua Biblioteca Virtual

de Ciências Sociais, que recebe por mês mais de 300.000 consultas de textos. Os serviços incluem acesso à Sala de Leitura com 9.000 textos completos de livros, artigos,

palestras e documentos de trabalhos publicados pela rede CLACSO e outras instituições; bases de dados sobre a produção acadêmica dos Centros Membros e registros

bibliográficos de suas publicações e pesquisas e também de seus pesquisadores, com e-mail disponível para contato; e links que dão acesso a outras bibliotecas vir-

tuais com mais de 100.000 textos completos de Ciências Sociais. www.biblioteca.clacso.edu.ar

novidades Editoriais clacso

O Programa de Comunicação Audiovisual se propõe a fazer uso das especificidades da linguagem e dos meios audiovisuais com o intuito de ampliar o alcance das

pesquisas, estudos e debates realizados no âmbito dos diferentes programas do CLACSO. O Programa estimula a difusão e circulação de documentários sociais e

políticos de caráter independente, relevantes na aproximação aos processos e acontecimentos sociais. Entre suas principais atividades se encontra a realização au-

diovisual integral, a transmissão ao vivo de atividades acadêmicas, a conformação de uma Rede Áudio-visual das Ciências Sociais com sua expressão pública em

uma Videoteca Virtual e na organização do Concurso Latino-americano de Documentários “Outras Miradas”, cuja segunda edição se anunciará proximamente.

Programa de comunicação audiovisual

www.clacso.org.ar/difusion/secciones/audiovisual

Esta coletânea de artigos produzida pelo Grupo de Trabalho Desenvolvimento Urbano do CLAC-SO tem como objetivo central a análise da urba-nização na América Latina sobre as suas princi-pais dimensões: a estruturação do espaço urbano; as resistências sociais e a diversidade da experi-ência urbana e da gestão democrática da cidade. Um estudo que aborda o desafio atual de reco-nhecer as diferentes racionalidades que tensio-nam o cenário urbano, chegando a leituras po-tencialmente antagônicas do espaço herdado. Esse reconhecimento requer a identificação dos interesses e valores culturais subjacentes a estas leituras e do mapeamento dos atores que, sendo responsáveis pela elaboração de projetos de de-senvolvimento urbano atuam em arenas políti-cas onde são definidos os investimentos públicos e legislação urbana.

Este trabalho se propõe explorar os possíveis efei-tos da liberalização econômica sobre o rendi-mento das mulheres no Paraguai com o objetivo de contribuir para o debate de gênero neste país a partir de um enfoque econômico.A Liberalização econômica, num contexto de gran-des desigualdades econômicas e sociais, parece ter aumentado o abismo entre pobres e não pobres. O desemprego, a pobreza e a migração para as cida-des foram algumas das conseqüências do padrão de integração econômica adotada pelo Paraguai. A partir da análise das principais características deste processo, com particular ênfase na abor-dagem do desempenho econômico a partir de uma perspectiva de gênero, o presente trabalho pretende apresentar propostas para a agenda pú-blica em matéria de direitos econômicos, sociais e de gênero.

La comunicación mediatizada: Hegemonias, Alternatividades, Soberanías

Este livro analisa o papel dos meios de comunica-ção nos espaços de poder político, econômico e social, que constituem um campo de disputa dos sentidos culturais e ideológicos no contexto das mudanças que nas últimas décadas produziu o processo de concentração do capital. Os estudos incluídos examinam estas situações, que tem ge-rado resistência e diversas práticas de interven-ção política no domínio das comunicações. São abordados temas como o papel do estado pe-rante os meios de comunicação e a análise de projetos realizados em alguns países da América Latina onde se destacam experiências de criação de mídias de comunicação alternativa e popular. Projetos que colocam em um lugar central o di-reito à informação e a comunicação e requerem novos marcos legislativos em relação a uma mí-dia pública.

Otro desarrollo urbano: Ciudad incluyente, justicia social y gestión democrática

La liberalización econômica en Paraguay y su efecto sobre las mujeres

Héctor Poggiese, Tamara Tania Cohen Egler (Orgs.)

Verônica Serafini GeogheganSusana Sel (Org.)

Pobreza, exclusión social y discriminación étnico-racial en América Latina y el Caribe

María del Carmen Zabala Argüelles (Org.)

O aumento da pobreza e da exclusão social no mundo é um fenômeno persistente e em expansão. De fato, a relação entre po-breza, exclusão social e discriminação étnico - racial são estreitas. O estudo justifica-se não só pela relevância social, ética e humana do tema, mas também pela necessidade de se avançar em propostas concretas, com vista a atingir níveis mais eleva-dos de bem-estar humano e integração social. A importância deste livro reside precisamente em ratificar, a partir de diferentes contextos e perspectivas, a existência de diver-sas formas de exclusão e discriminação étnico-racial na América Latina e Caribe e os mais elevados níveis de pobreza entre os povos indígenas e afro-descendentes. As manifestações deste fenômeno incluem as esferas do trabalho, educação, econômica,

social, política, cultural, entre muitos outros. Tudo isto, juntamente com a recorrência das interconexões com outras dimensões, como gênero, classe e migrações, evidência não só da complexidade da análise deste problema, mas também, aquilo que é essencial, a necessidade de propor medidas abran-gentes e sistemáticas para a sua solução. Por isso, convidamos a sua leitura, com a intenção de que a mesma contribua para a continuidade e necessário aprofundamento neste tema.