En Passant [prévia]
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en passanten passanten passanten passant
por Lindenberg Mota
Era uma vez, um lugar chamado PANGÉIA
Nesse lugar brotava o individualismo:
o braço queria ser independente,
a perna queria ser independente,
os olhos queriam ser independentes
e cada um decidiu seguir seu próprio rumo.
Discretamente foram afastando-se uns dos
outros e, antes que dessem conta,
conquistaram sua independência.
Para que jamais voltassem a se unir, passaram
a vigiar dia e noite e a consumir a tudo e a todos.
Assim nasceram os Estados.
PARTE I
ESCALENO
O mais interessante foi que entenderam errado.
Não estavam sendo abduzidos,
mas consumidos.
Antes de começar a ler esse livro, quero que
tenha em mente que a partir de agora você deve
estar disposto a quebrar paradigmas. A sair do
conforto do pensamento do conformismo e enfrentar
suas próprias convicções da realidade.
Não peço para que discorde da sua percepção
do mundo, mas que confronte as limitações que
afetam o todo com uma forma diferente de pensar.
É importante entender seu papel na Sociedade,
entender o papel do Estado em relação à Sociedade
e, principalmente, entender o papel da Sociedade
em relação ao Governo.
O Governo é arauto de um gigante faminto
chamado Estado cujo interesse único é consumir
tudo e todos. Por essa razão, o Governo, regido por
homens, é o responsável por intermediar as
necessidades humanas com o gigante devorador.
É indiscutível que o Governo fracassa nesse
papel por incontáveis tempos justamente por ser
controlado por homens – imperfeitos, injustos,
corruptos e aproveitadores que em sua perversão
visam o bem de seu próprio ventre e não percebem
que são manipulados pelo Estado.
Seja com a monarquia - onde o governo do rei
explora os plebeus – seja na oligarquia - onde
poucos exploram muitos - ou na democracia – onde o
povo escolhe por quem prefere ser explorado – o
Governo sempre sucumbe na corrupção do homem.
E o Estado não se importa. Pelo contrário, se
alimenta disso.
O problema é e sempre foi o Governo.
A única forma de garantir a aceitação do povo,
evitar a guerra civil e o colapso interno é manter o
povo satisfeito e consumindo.
As pessoas pensam que são consumistas. Que
consomem TV, cinema e comida industrial. Revistas,
livros e músicas baixadas pela internet.
Esse é o grande engano: elas não consomem,
mas são consumidas.
Os modismos da geração, o apego fanático aos
esportes, as tendências religiosas, os noticiários
manipuladores de informação e o ufanismo pátrio
consomem pessoas todos os dias sem que elas
percebam.
O títere pensa ser livre.
CAPÍTULO 1 – O ÚLTIMO TREM
Eu olhava aquelas pessoas ao meu redor e não
conseguia aceitar o fato que a grande maioria não
reagia.
Parecia que estava em uma excursão de escola rumo
a um trem para Auschwitz.
A apatia geral era tão grande que sentia como se
estivesse em um sonho tentando dar forças ao meu
corpo pra fazer o que meu coração mandava.
Foi então que um sujeito misterioso me puxou com
força pelo braço me tirando da fila. Nesse momento,
percebi que estava bem acordado.
“Qual o seu problema afinal?”, ele gritou me olhando
com seus olhos assustadoramente negros. “Por que
insiste em relutar? Você devia saber melhor do que
todo mundo!”
Por um instante eu hesitei, mas depois como por
instinto, despejei o que pensava:
“Afinal, quem – ou o que – são vocês? Não sei de
onde vieram e nem porque querem nos conquistar,
mas não vou dar o prazer a vocês de me entregar!”
O Sujeito Misterioso riu. Sua feição que estava sisuda
um segundo atrás agora tinha um largo sorriso
debochado.
“Você acha mesmo que isso é uma invasão? Está bem
diante de seus olhos e você ainda não percebeu? Seu
idiota...isso não é uma invasão; é um êxodo!”
Aquele comentário me deixou confuso. Ele largou meu
braço e me deixou voltar pra fila que seguia em
passos cansados.
Fui embora olhando pra trás e o Sujeito Misterioso
continuou ao longe parado me fitando. Disparou um
último comentário:
“Você acha que é um sonho porque sabe a verdade,
mas não aceita. Eles estão assim porque
simplesmente aceitaram.”
Aquelas palavras acertaram em cheio os meus
pensamentos. Tentei não pensar naquilo enquanto
continuava caminhando com a volumosa fila - para o
que tudo indicava, a morte certa.
Faltava pouco para chegarmos a estação de trem e eu
tinha que pensar rápido em alguma coisa, então deixei
de lado as palavras do Misterioso.
Fingi prosseguir num estado de conformismo, andando
tranquilo como os demais, até o momento que
nenhum dos seguranças prestava atenção em mim e
eu corri pra trás de um muro.
Minha adrenalina subiu e eu sabia que era uma
questão de pouco tempo até que notassem minha
ausência na multidão. Precisava encontrar Elisabete e
cair fora dali.
Procurei rapidamente ao redor por um local onde
pudesse ter uma visão mais ampla para encontrar
Elisabete no meio daquela longa fila de gente. Nunca
fui muito bom em estimativas, mas parecia haver pelo
menos uma dezena de milhares de pessoas. Achá-la
não seria nada fácil.
Um hotel de 5 estrelas estava bem à minha vista do
outro lado da rua. Corri atravessando a rua sem
interrupções, mas senti que havia sido notado.
Quase cai ao trombar de ombros contra a porta
giratória parando no saguão principal. Alheios a tudo
que ocorria na rua como se não fosse nada
importante, os hóspedes e funcionários transitavam
normalmente.
Aproveitando essa atitude estranha das pessoas, logo
me misturei com os demais clientes para não ser
notado. Encostei no balcão e pedi um quarto ao
recepcionista. Ele virou-se para as chaves e eu
aproveitei pra examinar cada detalhe: elevadores,
escada de emergência e acesso exclusivo de
funcionários.
Reparei que a porta giratória rodou, mas não vi quem
entrou. Para minha sorte, um auditório no térreo abriu
as portas e saíram vários executivos ao mesmo tempo
e rapidamente me misturei com eles.
Vários deles entraram no banheiro e eu entrei
também.
Tratei logo de encontrar uma porta reservada e me
tranquei. Me acomodei no assento sanitário atento a
todo o falatório sobre a palestra, aos passos dados, ao
abrir e fechar das torneiras e as conversas de mictório
sobre bolsa de valores, casa, carro e negócios. Meu
coração estava acelerado, mas tinha a sensação que
havia enganado meus perseguidores.
A sensação de tranquilidade foi aos poucos me
dominando e já conseguia me desconcentrar aos
poucos daquele agito. Um impropério escrito na porta
me chamou a atenção. Era normal ver aquele tipo de
coisas em portas de banheiro de locais públicos, mas
não em um hotel de luxo como aquele.
Reparei que não era o único impropério. Olhando um
pouco mais pra baixo, vi outra escrita na porta –
dessa vez, um nome marcado com a ponta de uma
chave. Fui reparando na porta e comecei a estranhar
que havia também um outro texto com erros
gramaticais que também não havia prestado atenção.
Minha vista parecia confusa. Esfreguei os olhos e ao
olhar de novo, gelei. Toda a porta parecia estar escrita
com toda sorte de impropérios, telefones escusos,
datas e nomes aleatórios. A cada segundo a porta
parecia ser preenchida por uma doença social diante
de meus olhos.
Meu coração voltou a disparar e eu percebi que não
havia mais nenhum barulho dentro do banheiro que há
muito pouco estava lotado de executivos tagarelas
entusiasmados.
Abri a porta com tudo saindo do reservado sem refletir
na hipótese que poderia estar sendo esperado. Não
havia ninguém nem nos mictórios e nem nas pias.
Com muito mais cautela dessa vez, entreabri a porta
do banheiro e vi que não havia ninguém mais no
saguão principal. Estranho, pois parecia que não ouvia
mais nenhum barulho.
Fui devagar até a recepção e quando não vi nem o
recepcionista e nem nenhum funcionário, achei que
estavam a minha procura pelos corredores do hotel.
O tumulto da rua também parecia ter passado e
resolvi sair. Passei pela porta giratória e qual foi a
minha surpresa ao reparar que não havia mais nada
na rua.
Deixe-me fazer entender: não só não havia mais
ninguém na rua, mas também não havia mais nada
em questão de muitas quadras dali. Todos os prédios,
casas, postos de gasolina, estabelecimentos
comerciais, escolas – tudo, exceto o hotel 5 estrelas,
desapareceu!
Acreditei que estava salvo quando na verdade havia
perdido o último trem.
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CAPÍTULO 2 – AS PRETAS JOGAM
“Dentro de cada um de nós há um outro que não
conhecemos. Ele fala conosco por meio dos sonhos.”
- Carl Jung
SEIS MESES ANTES
P4R. As pretas jogam.
Acordei assustado. O mundo inteiro era mentira. Eu
não via, mas sabia. A verdade estava além do alcance
dos meus olhos, mas eu sentia. Tudo aquilo era mídia,
jogos de interesses alheios, mão lavando a outra, mas
em nenhum momento havia verdade. Era só reparar...
tava ali o tempo todo!
Estava irrequieto com a idéia de que no mundo todo
somente eu pensava daquele jeito.
Voltei a dormir apenas quando percebi Elisabete
dormindo intranquila com a mesma preocupação que
eu.
***
Meu sono agitado me fez acordar mais cedo do que
deveria. Pra não incomodar Elisabete, peguei meu
livro de cabeceira favorito e sentei por algumas horas
no sofá da sala para ler e meditar.
Resolvi sair de casa pra tomar café na padaria e
espairecer um pouco antes de ir pro trabalho.
As ruas estavam bem quietas e, apesar de não ter
chovido, os pés atolavam no barro até o cano da bota.
Sentei no balcão e pedi um expresso e um pão na
chapa. A televisão estava ligada com as notícias dos
acontecimentos do início da noite de ontem.
UMA NOVA RESSACA DO MAR ATINGIU DEZENAS DE
CIDADES LITORÂNEAS NAS REGIÕES SUL E SUDESTE
DO PAÍS. COM ESSA, JÁ SÃO 12 RESSACAS NOS
ÚLTIMOS DIAS NO PAÍS E 236 NO MUNDO TODO
DESDE O INÍCIO DO ANO.
OS ESTRAGOS SEGUEM SENDO CONTABILIZADOS E
VÁRIAS CIDADES ESTÃO EM ESTADO DE
CALAMIDADE PÚBLICA.
ENQUANTO AMBIENTALISTAS APONTAM AS CAUSAS
PARA OS DANOS CLIMÁTICOS CAUSADOS PELO
HOMEM, ASTRONOMOS AFIRMAM QUE A
PROXIMIDADE DA LUA É A ÚNICA POSSÍVEL
RESPONSÁVEL. NO ENTANTO, A COMUNIDADE
CIENTÍFICA PERMANECE DIVIDIDA POR NÃO
ENCONTRAR QUALQUER PROVA DE MANIFESTAÇÃO
ASTROFÍSICA...
_ Noite assustadora, não?
Procurei a voz que me distraiu e vi um cara sentado
uns três bancos olhando fixo pra televisão com cara de
acabado.
_ Fiquei vendo tudo pela janela. _ ele continuou _
Moro no 15º andar, deu pra ver muita coisa. A água
invadindo as ruas, o lixo boiando.
_ Nunca tinha visto uma enchente desse jeito. _
respondi. _ Pelo que ouvi na rádio ontem à noite, as
águas invadiram praticamente a cidade inteira em
questão de minutos. Morreu gente perto da orla...
_ Morreu MUITA gente, falou aí na tv agora há pouco.
E continuam morrendo em todos os lugares do mundo
a cada nova ressaca desse tipo.
...NA AUSÊNCIA DE EXPLICAÇÕES, AS PESSOAS
ESTÃO DEIXANDO O LITORAL CADA VEZ MAIS PARA O
INTERIOR COM MEDO.
_ Fim do mundo? _ ele disse tirando uns trocados do
bolso na direção do caixa.
_ De novo? _ desfiz da idéia. _ Nah! Isso é muito
clichê.
_ Sabe o que é estranho mesmo? _ ele voltou do caixa
caminhando em minha direção. _ Momentos antes de
começar a ressaca, eu tinha despertado de uma
espécie de transe. Eu estava há muito tempo vivendo
de um jeito sem perceber que era uma trilha de
autodestruição. Parece maluquice, mas ouvi algo
muito duro que mudou alguns conceitos na minha
cabeça, desconstruindo algumas idéias...corrigindo
outras.
_ Desculpe, amigo, mas por que está me confessando
tudo isso?
_ Porque ele que me falou. _ ele disse meio
estabanado, já virando pra sair. _ Ele falou pra
espalhar a notícia. Bom, deixa pra lá.
_ Quem falou? Que notícia? _ perguntei enquanto ele
saia, mas pareceu não ter ouvido. Ou fingiu que não
ouviu.
Terminei o café sem entender muito o final daquela
conversa. Voltei minha atenção para o noticiário e
esqueci todo o resto – como a televisão sempre nos
costuma fazer.
***
No ônibus lotado a caminho do trabalho lia na capa do
jornal a notícia do dia, a bola da vez: dezessete
mortos na inundação do bairro mais pobre do litoral
ontem à noite. Ao menos foi o que um dos canais da
TV disse. Outro informou a confirmação de apenas 13,
enquanto na rádio minutos antes já haviam fontes
seguras da Defesa Civil informando 20 mortes.
Tanto faz. Os jornais continuam vendendo. A rádio
continua sendo paga pelas informações
desencontradas. A TV continua tendo patrocínio dos
seus anunciantes mesmo errando um pouco de
estatística. Uns mortos a mais ou a menos ninguém
percebe.
Fechei o jornal e reparei que o trânsito estava
congestionado e o ônibus mal se movimentava. Devo
chegar atrasado no trabalho. Outro dia típico.
Olhei pela janela e vi uma pichação no muro que dizia
“VOCÊ É UM ESCRAVO DO TRÂNSITO”. Retribui com
um sorriso irônico à mensagem também irônica do
comunicador. Somos escravos de muitas coisas.
Dobrei o jornal e voltei minhas atenções pra dentro do
ônibus. Todos estavam falando sozinho. Conversavam
e riam com pessoas conceituais dos assuntos mais
diversos.
Com os fones de ouvido de seus celulares, estavam ali
presencialmente, mas todos distantes um do outro.
Isolados na presunção de ter eliminado a distância.
Por fim estar só não é tão ruim quanto mentir pra si
mesmo. Falar sozinho só é loucura quando se diz
mentiras.
Passei o resto da viagem lendo o jornal procurando a
razão pela qual as pessoas poderiam estar tão
desinteressadas no mundo ao seu redor. Tudo que
encontrei foram anúncios de grandes empresas de
caráter supostamente idôneo financiando notícias de
guerra pelo mundo e de crimes locais. Propagandas de
condomínios de luxo ao lado da rede de prostituição
disfarçada entre excessivos textos nos classificados.
Os donos do dinheiro financiam a imprensa. A
imprensa transmite tudo pra população de forma
nociva pra despertar interesse. A população alimenta
os donos do dinheiro. O ciclo se fecha e reinicia.
Acontece ao seu redor.
Desci do ônibus em direção do trabalho e joguei fora o
jornal na primeira lixeira que encontrei.
Preocupado, pois a notícia da inundação era de
conhecimento de todos, mas não havia qualquer
sensibilização por parte das pessoas. Aquilo aconteceu
ali perto, naquela noite e ninguém estava interessado.
17, 13, 20 mortos. A vida continua.
***
Ouvia vários dedos batendo nos teclados ao mesmo
tempo por todo o escritório. Em um breve intervalo
entre os ruidosos telefones tocando, consegui ouvir
alguns passarinhos cantando.
Voltei minha atenção para a janela e reparei que
estava uma bela tarde ensolarada de terça-feira.
Recostei na cadeira e tomei ar por um instante.
Percebi que Salomão também olhou para a janela,
mas com um olhar muito mais crítico e distante.
Parecia aborrecido com algo mais.
_ Esse lugar _ resmungou _ tudo isso está me
deixando maluco aos poucos.
Percebi que era um desabafo e deixei que continuasse.
_ Uma bela tarde de sol e mais uma vez não posso
aproveitar porque estou preso aqui dentro. Já
percebeu quanto da vida foi perdido aqui? Digitando
contratos. Atendendo ao telefone com textos
repetitivos. Gerando burocracia. _ levantou-se e foi
até a janela afugentando os passarinhos. _ Digo, eu
preciso desse emprego, mas fico aqui dentro sem ver
a hora de ir logo pra casa.
_ Você nunca deve torcer para o tempo passar. _
respondi finalmente. _ O tempo é parte integrante da
sua vida. É muito importante na equação. Vale tanto
quanto sua saúde.
_ Em que mundo você vive, Natanael? _ Salomão deu
um sorriso irônico _ O tempo acabou para as pessoas!
Parece que os dias passam cada vez mais rápidos pra
todo mundo e isso acontece por quê? A rotina do dia-
a-dia venceu. Tanto faz ter tempo ou vê-lo passar. De
qualquer forma, ele vai embora rápido e sem
qualidade. Somos escravos da rotina de nossos
trabalhos, de nossos lares, de nossos costumes. Dê
uma boa olhada, acontece ao seu redor!
Levantei e fui até o bebedouro. Peguei um copo de
água calmamente olhando para todas as pessoas do
escritório e refletindo no que Salomão havia me dito.
Ele dizia a verdade. Mesmo que aquelas pessoas
ocupadas estivessem com o dia livre, não saberiam o
que fazer com seu tempo. Desperdiçariam assistindo
TV, navegando na internet ou buscando lugares para
gastar seus ganhos com coisas que acham que
precisam.
Voltando para minha mesa, reparei na mesa de uma
senhora de idade, muito cuidadosa e prestativa e que
sentava há anos próximo a janela. Decidi passar na
mesa de Salomão compelido a dizer algo:
_ A rotina não existe.
Salomão me olhou com olhar de descrédito e
continuei:
_ Sim, rotina é uma bobagem. Todos os dias temos a
oportunidade de fazer tudo de forma diferente do que
já fizemos antes. Podemos usar nossa capacidade
criativa para desafiar nossa forma repetitiva de
pensar. A reprise dos dias é um desperdício de tempo
de vida gerado pela burocracia do próprio coração.
Olhei pela janela e vi que os passarinhos voltaram.
Cantavam procurando uma forma de entrar e alcançar
o pote de alpiste da mesa da senhora de idade, mas
estavam bloqueados pelo vidro. Ela havia esquecido
de colocar do lado de fora como fazia todos os dias e
saira mais cedo para uma consulta médica.
_ Afinal, quem está preso? Quem está do lado de cá
ou do lado de lá do vidro? _ dei sinal em direção a
janela. _ A rotina é você.
Salomão não disse uma palavra e voltou a olhar para
seu monitor com cara sisuda. Sentei em minha mesa,
satisfeito por ter chegado a tal conclusão, pois era
algo novo pra mim também.
Percebi Salomão em silêncio, refletindo, olhando para
a janela e ouvindo o canto dos passarinhos.
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CAPÍTULO 3 – FALSO POSITIVO
“Ceci n’est pás une pipe.”
- René Magritte
C@im has joined chat
jalapao has joined chat
garota_do_fantastico has joined chat
uberflussig has joined chat
C@im: quem tah faltando?
jalapao: vamos começar a reuniao. quem
chegar depois se inteira
uberflussig: soh diretoria!
huahauhuahuahaha
C@im: entaum...consegui um patrocinio
forte. vamos comprar a terceira ilha
jalapao: blz!
MadaFadrinha has joined chat
garota_do_fantastico: forte tipo o que?
C@im: uma multinacional. e ñ eh coisa
pouca nao
uberflussig: uia! 8-o
jalapao: pra dar certo, o esquema tem que
ser igual das outras duas...hotel/spa com
tema surrealista pra chamar a atençaum na
estaçaum de destino
garota_do_fantastico: acho que dah pra
colocar de atracao passeio de unicornio,
banho de mar com sereias etc
C@im: vamos colocar mais surrealismo e
menos minimalismo dessa vez
uberflussig: eu aprovo! coisa bem
diferente que eh o que o povo do SL
procura, principalmente newbies
l@StniGHt has joined chat
C@im: o projeto Ilha da Fantasia foi
eleito um dos melhores spots do SL no ano
passado. choveram propostas de patrocinio.
agora eh colher os louros
evolution has joined chat
MadaFadrinha: C@im, logo vc vai se tornar
o cara mais rico do SL...anota o que eu to
dizendo
jalapao: celebridade ja eh! toque de
midas!
C@im: he he he
Abel has joined chat
garota_do_fantastico: Abel?!?!?!?!
jalapao: huahuahahahaha
l@StniGHt has left chat
* jalapao laughs out loud
Abel: boa noite.
uberflussig: ñ tem medo de entrar na mesma
sala que o seu irmaum?
C@im: por favor, apresente-se. qual seu
avatar no SL?
jalapao: esse Abel soh pode ser o
Patricio, ow...esse folgado tah me devendo
uma pah de lindendolares!
Abel: isso eh relevante?
evolution has left chat
l@StniGHt has joined chat
C@im: Abel...não sei como veio parar aqui,
mas esse canal eh pra um grupo RESERVADO
do Second Life. se for noob, entra em
outra sala de chat
Abel: estou bem aqui
l@StniGHt: a conexão hj tah osso!
C@im: estah bem, mas ñ por muito tempo
Abel was kicked by C@im
l@StniGHt: que que tah pegando?
garota_do_fantastico: WB, l@StniGHt! a
gente tava tc sobre negocios qdo apareceu
esse Abel
MadaFadrinha: Como esse Abel entrou aqui?
Esse canal ñ tah reservado, C@im?
C@im: E tah....tb ñ entendi...o canal tah
fechado, soh entra com convite.
jalapao: a rede ficou lenta
uberflussig: CADE TODOS VCS?
uberflussig: CADE TODOS VCS?
uberflussig: CADE TODOS VCS?
garota_do_fantastico: laaaaaaaaaaaag!!
l@StniGHt: alguem aih tah lendo?
l@StniGHt has quit server. Reason:
connection timed out.
jalapao has quit server. Reason: user
banned from server.
garota_do_fantastico has quit server.
Reason: connection timed out.
MadaFadrinha has quit server. Reason:
connection timed out.
uberflussig has quit server. Reason: user
banned from server.
Abel has joined chat
Abel: vejo que soh vc sobrou no canal,
C@im. onde estao os que vc chama “amigos”?
C@im: vc de novo? “amigo”, o canal eh
restrito! como vc consegue entrar sem
convite?
Abel: vc tem passado em torno de 14 horas
por dia no Second Life. vc perdeu seu
emprego. sua mulher foi embora e levou
seus dois filhos.
Abel: sua casa estah repleta de lixo. vc
mal lembra de sua propria higiene pessoal
ou mesmo de se alimentar.
Abel: seu rosto no espelho é um reflexo
distante de um ser humano. vc sabe disso e
evita o espelho. não quer ver seus olhos
fundos e defrontar com sua própria apatia.
Abel: ate qdo ira com sua propria auto-
destruicao?
C@im:...??????????
C@im: quem eh vc? o que quer afinal??
Abel: que importa? talvez eu seja apenas
você mesmo se confrontando com a verdade.
estou tentando fazer vc me ouvir. quero
tirar vc do Second Life e te mostrar que
vc precisa arrumar sua vida de verdade
C@im: seja la quem vc for, n tem o direito
de se meter na minha vida pessoal
C@im: eu nunca tive uma “vida de verdade”
e simulando uma nova, consegui dinheiro e
sucesso que nunca tive antes no RL
Abel: se essas pessoas de sala de bate-
papo fossem seus amigos mesmo iriam te
alertar que sua vaidade virtual está
levando você pra ruina.
C@im: ñ preciso ficar lendo esse monte de
desaforo!
C@im: e daí que minha vida real agora seja
uma que eu mesmo tenha criado no second
life? o que vc tem com isso?
Abel: é minha obrigacao vir aqui te dizer
tudo isso, pois não ha mais muito tempo
C@im: pra vc nao ha mesmo
Abel: vc nao entende e apenas reage.
Abel: acabe logo com isso. espalhe a
noticia.
C@im: CALA ESSA MATRACA!
Abel was permanently banned from server by
C@im
jalapao has joined chat
garota_do_fantastico has joined chat
uberflussig has joined chat
MadaFadrinha has joined chat
l@StniGHt has joined chat
uberflussig: fazia tempo que nao via isso
acontecer
jalapao: cara...o que aconteceu?
C@im: ñ sei
C@im: kra...q raiva!
C@im: melhor a gente deixar esse papo pra
outra hora
garota_do_fantastico: tah td bem?
garota_do_fantastico: onde foi parar akele
Abel?
C@im: pessoal, vão me desculpar, mas ñ toh
com kbeça pra tc mais...depois a gente se
fala,ok? boa noite a todos
l@StniGHt: mas a gente precisava acertar
detalhes da compra da ilha ainda hj
C@im has left chat
uberflussig: caramba...que bicho mordeu
ele?
C@im desligou o computador e sentiu-se impotente.
Faziam dias desde que havia desligado o micro pela
última vez.
Viu sua imagem no reflexo do monitor desligado e
odiou ainda mais Abel e todas as suas palavras ditas
no chat. Seja quem fosse, mostrou uma verdade que
ele não gostaria de confrontar.
Ao sair da frente do micro, estaria vagando errante
pela Terra em busca de expiação para o que fez
consigo mesmo.
Com o computador desligado, não era mais C@im.
E nem mais ninguém.
�