Empreendedorismo e Inovacao

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  RAI  Revista de Administração e Inovação ISSN: 1809-2039 DOI: 10.5773/rai.v10i3.896 Organização:  Comitê Científico Interinstitucional Editor Científico: Milton de Abreu Campanario Avaliação:  Double Blind Review pelo SEER/OJS Revisão: Gramatical, normativa e de Formatação AS EMPRESAS OLHAM ALÉM DE SEUS MUROS PARA INOVAR? Carlos Torres-Freire Doutorando em Sociologia na Universidade de São Paulo    USP Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento    CEBRAP [email protected] (Brasil) Frederico Henriques Mestre em Sociologia pela Universidade de São Paulo    USP [email protected] RESUMO Este artigo trata da influência de atores como universidades, centros de pesquisa, consultorias, fornecedores, clientes e concorrentes em processos de inovação de firmas industriais. Com as transformações na economia nas últimas três décadas, os fluxos de informação e a difusão de conhecimento passaram a ser mais cada vez mais importantes para a qualidade do sistema produtivo e  para a competitividade das empresas. Tais atores externos às firmas conformam redes que criam conexões para processos de aprendizado e transferência de conhecimento. A hipótese é que o desempenho inovador de empresas industriais brasileiras tem relação direta com o grau de interação destas com agentes como universidades, centros de pesquisa, fornecedores, clientes e consultorias. A análise de entrevistas com 106 empresários    realizadas na Pesquisa de Atitudes Empresariais para Desenvolvime nto e Inovação (PAEDI    CEBRAP/IPEA)    indica uma relação entre atitude inovadora mais forte e grau de interação: empresas com alto grau de interação com atores externos tendem a ser aquelas mais inovadoras. Palavras-chave : Inovação; Indústria; Difusão de Conhecimento; Interações Sociais; Brasil. Códigos do Journal of Economic Literature: L20; O30

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  • RAI Revista de Administrao e Inovao

    ISSN: 1809-2039

    DOI: 10.5773/rai.v10i3.896

    Organizao: Comit Cientfico Interinstitucional

    Editor Cientfico: Milton de Abreu Campanario

    Avaliao: Double Blind Review pelo SEER/OJS

    Reviso: Gramatical, normativa e de Formatao

    AS EMPRESAS OLHAM ALM DE SEUS MUROS PARA INOVAR?

    Carlos Torres-Freire

    Doutorando em Sociologia na Universidade de So Paulo USP

    Pesquisador do Centro Brasileiro de Anlise e Planejamento CEBRAP

    [email protected] (Brasil)

    Frederico Henriques

    Mestre em Sociologia pela Universidade de So Paulo USP

    [email protected]

    RESUMO

    Este artigo trata da influncia de atores como universidades, centros de pesquisa, consultorias,

    fornecedores, clientes e concorrentes em processos de inovao de firmas industriais. Com as

    transformaes na economia nas ltimas trs dcadas, os fluxos de informao e a difuso de

    conhecimento passaram a ser mais cada vez mais importantes para a qualidade do sistema produtivo e

    para a competitividade das empresas. Tais atores externos s firmas conformam redes que criam

    conexes para processos de aprendizado e transferncia de conhecimento. A hiptese que o

    desempenho inovador de empresas industriais brasileiras tem relao direta com o grau de interao

    destas com agentes como universidades, centros de pesquisa, fornecedores, clientes e consultorias. A

    anlise de entrevistas com 106 empresrios realizadas na Pesquisa de Atitudes Empresariais para

    Desenvolvimento e Inovao (PAEDI CEBRAP/IPEA) indica uma relao entre atitude inovadora

    mais forte e grau de interao: empresas com alto grau de interao com atores externos tendem a ser

    aquelas mais inovadoras.

    Palavras-chave: Inovao; Indstria; Difuso de Conhecimento; Interaes Sociais; Brasil.

    Cdigos do Journal of Economic Literature: L20; O30

    mailto:[email protected]

  • As empresas olham alm de seus muros para inovar?

    Revista de Administrao e Inovao, So Paulo, v. 10, n.3, p.143-164, jul./set. 2013.

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    1 INTRODUO

    Inovao um tema que est em pauta. E h motivo para isso. Experincias internacionais e

    nacionais mostram que inegvel a sua relevncia para o desenvolvimento econmico e social dos

    pases ao melhorar a qualidade dos sistemas de produo e aumentar a competitividade das empresas.

    fato tambm que ainda h muito a ser descoberto sobre inovao. A complexidade do tema caminha

    ao lado da assuno cada vez mais forte de que o processo de inovao produto de interaes de

    diversos tipos, as quais envolvem atores variados.

    No sentido de entender parte desse fenmeno, o objetivo geral deste artigo discutir qual o

    peso de fatores externos empresa no desenvolvimento de seus processos de inovao. Em que

    medida a parceria com fornecedores e clientes, a cooperao com universidades e centros de pesquisa,

    a contratao de servios e a prospeco de informaes no exterior so relevantes para processos de

    inovao nas empresas industriais?

    A voz que nos informa sobre essa questo neste artigo a do empresrio. O seu discurso e as

    atividades de sua empresa so as fontes para analisarmos um componente bastante relevante nos

    processos de inovao das empresas: a interao com os agentes externos firma. Este empresrio tem

    se preocupado com tal componente? Como sua empresa tem atuado? Tais atores externos so vistos

    como importantes? Por fim, eles so realmente relevantes para o desempenho da empresa,

    especialmente no que diz respeito inovao?

    A partir dessa anlise baseada na exposio das ideias do empreendedor e do executivo,

    possvel compreender melhor as redes de apoio construdas para fora dos muros das empresas, assim

    como mudanas na estrutura organizacional da prpria companhia a fim de intensificar o

    relacionamento e a troca de conhecimento com terceiros. Trata-se de elementos mais difceis de serem

    apreendidos em anlises estritamente fundadas em dados quantitativos, mas que so passveis de

    escrutnio em anlises de cunho mais qualitativo.

    A ideia aqui mostrar que a unidade de pesquisa e desenvolvimento (P&D) interno empresa

    ou o nmero de patentes, por exemplo, variveis comumente vistas em estudos de inovao, deveriam

    ser acompanhadas de outros elementos para a melhor compreenso do fenmeno. Especialmente nos

    ltimos anos, com a profuso de redes de informao, a difuso de conhecimento e a necessidade de se

    adaptar mais rapidamente a mudanas e antecipar oportunidades, os fatores externos empresa tm se

    tornado mais importantes para a inovao.

    O texto a seguir est assim organizado: alm desta introduo, na segunda parte apresentamos

    as premissas tericas e a hiptese da pesquisa; na terceira, descrevemos a metodologia (variveis

    utilizadas); a quarta seo composta pelo trabalho com o material emprico (anlise das entrevistas e

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    criao de categorias); por fim, uma breve concluso explicita que a interao das empresas com

    agentes externos firma positiva para processos de inovao.

    2 PREMISSAS E HIPTESE

    O ponto de partida desse artigo retoma brevemente algumas premissas. Primeiramente, a

    inovao aqui vista como um fenmeno sistmico interaes contnuas entre diferentes atores

    permitem o desenvolvimento de processos inovativos. Recusa-se a viso linear da inovao, na qual se

    expressa uma trajetria hierarquizada, com um caminho da pesquisa bsica para a aplicada at se

    chegar aos produtos novos no mercado. Com as transformaes no capitalismo desde os anos 70,

    elementos externos s empresas, como fornecedores, clientes, empresas de servios e universidades,

    passam a ser cada vez mais importantes para os processos de inovao especialmente porque tais

    processos se tornam crescentemente mais dependentes de comunicao e colaborao de distintos

    atores. O fato a ser considerado que as firmas no inovam isoladamente e, alm disso, elas esto cada

    vez mais sujeitas a influncias externas (Edquist & Chaminade, 2006; Fagerberg, 2006).

    Em segundo lugar, o estudo do tema inovao ganhou um carter multidisciplinar nas ltimas

    dcadas, principalmente porque nenhuma disciplina poderia dar conta sozinha de todos os aspectos do

    fenmeno (Fagerberg, 2006). A sociologia pode conquistar espao principalmente quando se abre a

    caixa-preta da inovao e o conceito de aprendizado ganha corpo no debate. Em outras palavras, h o

    entendimento de que a questo do aprendizado e consequentemente dos processos de inovao esto

    enraizadas nas relaes sociais.

    O conceito de learning economy, bem explicado e explorado por Bengt-ke Lundvall

    (Lundvall, 1996; Lundvall & Johnson, 1994), permite pensar como o conhecimento e o aprendizado

    so essenciais para o desenvolvimento neste novo momento da economia contempornea.

    Conhecimento um ativo coletivo compartilhado em redes e organizaes; e aprendizado um

    processo interativo de construo de competncias. O autor destaca que a capacidade de indivduos,

    firmas, regies e economias nacionais em aprender determinante para o desenvolvimento. E to

    importante quanto criar, processar e recriar conhecimento. Os atos de compartilhar e combinar

    elementos de know-how so centrais (Lundvall, 1996). A relevncia dos elementos externos s firmas

    em seus processos de inovao est justamente no fato de que estes permitem o desenvolvimento de

    conhecimento tcito ou fornecem conhecimento codificado mediante os processos de aprendizado.

    Parte deste processo a relao direta entre conhecimento tcito, competitividade e inovao.

    Este conhecimento ganha materialidade na interao entre os agentes como parte dos processos de

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    aprendizado. Por sua vez, tais processos esto diretamente relacionados ao desempenho inovativo de

    firmas. A terceira premissa a ser considerada neste artigo, portanto, que a organizao do fluxo de

    conhecimento e o compartilhamento de conhecimento tcito so definidores de um novo padro de

    competitividade.

    Diversos trabalhos trazem evidncias a respeito da relao entre desempenho inovador e

    cooperao entre atores combinada diversidade de mecanismos de comunicao (Albagli & Maciel,

    2004; Consoli & Patrucco, 2003; Patrucco, 2002). Lundvall (1996), por exemplo, apresenta o caso de

    firmas que buscam pesquisas em universidades ou outros centros no apenas pelo fim daquela

    investigao em si mesma, mas tambm para acessar as redes informais de pesquisadores, para buscar

    atualizao ou para abrir novas oportunidades de desenvolvimento de produtos e processos.

    No que tange relao entre inovao e servios, particularmente aqueles conhecidos como

    intensivos em conhecimento, como tecnologia da informao (TI) e consultorias diversas, o debate

    tambm vem sendo alimentado com evidncias empricas. H exemplos de como empresas de

    servios, especialmente de TI, so capazes de influenciar positivamente processos de inovao nas

    firmas industriais que as contratam (Torres-Freire, 2006; Organisation for Economic Co-operation and

    Development [OECD], 2006; Torres-Freire, 2010; Torres-Freire, Abdal e Bessa, 2012).

    Outra referncia o trabalho de Jensen, Johnson, Lorenz e Lundvall (2007) no qual introduzem

    uma distino entre dois modos de aprendizado e inovao inspirados na oposio entre conhecimento

    implcito e explcito. O modo STI (Science, Technology, Innovation) aquele em que as estratgias de

    inovao se baseiam na criao de competncias mediante elementos codificados, seja a promoo de

    P&D, o acesso a conhecimento codificado existente ou a busca do conhecimento cientfico. J no

    modo DUI (Learning by Doing, Using, Interacting), as estratgias esto baseadas na criao de

    competncias via elementos tcitos, ou seja, no conhecimento via interao entre agentes, na criao

    de relaes para aprendizado. O principal achado desse trabalho que o ato de combinar os dois

    modos tende a fazer com que as firmas se tornem mais inovadoras.

    justamente nesta tendncia que o presente artigo pretende se encaixar. No se trata de negar a

    centralidade do P&D e do conhecimento cientfico para os processos de inovao, mas sim de

    fortalecer o entendimento de que outros elementos, especialmente aqueles externos firma, devem ser

    observados pela sua atuao transversal na rede produtiva e por sua influncia positiva para inovao.

    A escolha por trabalhar com entrevistas de empresrios e executivos de empresas inovadoras se

    deu pela necessidade de compreender simultaneamente as caractersticas das empresas que fomentam

    este tipo de atuao, a ao destes empreendedores na construo de pontes com novos agentes e

    fontes de conhecimento e o modo como eles consolidam essas redes de competncias e aprendizado

    em espaos externos firma.

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    No sentido de contribuir para adensar esta discusso, a hiptese geral a ser trabalhada neste

    artigo que fatores externos empresa tm peso considervel no desenvolvimento de inovao na

    medida em que alimentam processos de aprendizado. Pretendemos mostrar que o grau de interao da

    empresa com atores externos guarda relao com o seu desempenho em termos de inovao.

    Sinteticamente, quanto mais complexas as prticas de interao com atores externos, mais inovadoras

    so as empresas.

    Os dados disponveis na Pesquisa de Atitudes Empresariais para Desenvolvimento e Inovao

    (PAEDI realizada pelo Centro Brasileiro de Anlise e Planejamento (CEBRAP) em parceria com o

    IPEA)1 no permitem estabelecer uma relao direta de causa e efeito, mas possvel, sim, mostrar

    indcios fortes da coincidncia entre empresas que mais inovam e o grau de interao que estabelecem

    com agentes externos firma. Ou seja: empresas com mais alto grau de interao com atores externos

    tendem a ser aquelas que apresentam atitude mais inovadora. O objetivo mostrar que h fatores

    externos firma que precisam ser considerados em anlises que pretendam compreender o que as

    empresas fazem para inovar.

    3 METODOLOGIA: VARIVEIS E CRUZAMENTOS DE INFORMAO

    O tratamento dado relao entre inovao e fatores externos empresa pela literatura

    internacional, especialmente no que diz respeito s redes de conhecimento e aprendizado, foi

    mencionado na seo anterior com o intuito to somente de situar a questo central do artigo. No

    objetivo aqui fazer uma reviso bibliogrfica do assunto. Nossa preocupao maior a explorao do

    material emprico produzido pela PAEDI por meio de uma anlise qualitativa, a qual consiste na

    explorao de trechos das entrevistas, na criao de categorias e na tentativa de identificar grupos de

    empresas de acordo com sua interao com agentes externos.

    A anlise tem como base emprica entrevistas realizadas com presidentes e diretores de

    empresas industriais brasileiras. O foco so os comentrios dos empresrios acerca das interaes com

    os atores externos, a saber: 1) parcerias com fornecedores e clientes; 2) cooperao com universidades

    1 A PAEDI tratou do pensamento de dirigentes empresariais cujas empresas adotam prticas produtivas inovadoras que

    influenciam positivamente no seu desempenho. A pesquisa teve como hiptese a existncia de nova mentalidade

    empresarial, entendida como um conjunto de valores e atitudes dos empresrios brasileiros, a qual orienta as prticas

    internas de gesto da empresa, assim como as relaes com os mercados e com o Estado no sentido de buscar novos

    padres de competitividade. Foi realizado longo trabalho de campo em 2006/2007 quando foram entrevistados 106

    empresrios no Brasil. O objetivo era apreender as percepes deles em relao a temas como: 1) dinmica interna das

    firmas, 2) relao destas com mercados, sociedade e Estado; e 3) estratgias de crescimento. A pesquisa foi realizada

    mediante convnio entre Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA), Programa Naes Unidas para o

    Desenvolvimento (PNUD) e Centro Brasileiro de Anlise e Planejamento (CEBRAP). Ver Turchi et al., 2012.

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    e centros de pesquisa; 3) contratao de servios (ou consultorias); e 4) prospeco de informao no

    exterior2.

    Tais fatores externos empresa sero as variveis que permitiro avaliar a percepo do

    empresrio sobre o peso da interao com agentes externos no desenvolvimento de processos de

    inovao e a atitude da empresa em relao a eles.

    No sentido de qualificar tais variveis, criamos categorias a partir dos diferentes modos como

    as empresas interagem com cada um destes atores externos. O intuito separar grupos de empresas

    tendo como referncia o seu grau de interao (alto, mdio e baixo) com os diferentes atores externos.

    A criao destas categorias ser explicada com detalhe mais adiante.

    Por fim, construmos um ranking de interao das empresas com o intuito de observar se h

    diferenas entre as que mais interagem e as que menos interagem em relao a caractersticas como

    inovao, porte, setor, exportao, recursos humanos, P&D interno e exposio a risco3. Podemos,

    assim, tentar contrapor grupos de empresas que mais interagem e tm atitude mais inovadora quelas

    que pouco interagem e que tm atitude menos inovadora.

    4 ANLISE: ENTREVISTAS, CRIAO DE CATEGORIAS E RESULTADOS

    Para iniciar a anlise das entrevistas, calculamos uma frequncia simples de modo a separar as

    empresas que utilizam os chamados fatores externos (parceria com clientes e fornecedores,

    cooperao com universidade, utilizao de consultoria e busca de informao fora do Brasil)

    daquelas que no utilizam. A primeira leitura dos dados mostrou, entretanto, que no seria possvel

    identificar quantitativamente a diferena entre as empresas simplesmente pela utilizao dos fatores.

    Isto aconteceu porque, j neste cruzamento mais simples (utiliza ou no o fator externo), identificamos

    que a maioria das empresas respondia afirmativamente pergunta, ou seja, utilizava todos os fatores

    perguntados, como se v na Tabela 1.

    Tabela 1: Empresas segundo a utilizao do fator externo

    2 Os quatro assuntos compunham perguntas diretas no roteiro de entrevista da PAEDI, composto por questes abertas.

    Foram realizadas, em 2006 e 2007, entrevistas em 106 empresas industriais brasileiras dos estados de Rio Grande do Sul,

    Santa Catarina, Paran, So Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Gois, Bahia, Cear e Amazonas. 3 Vale ressaltar que, devido construo da amostra da PAEDI, estamos tratando aqui das empresas industriais brasileiras

    mais competitivas, ou seja, aquelas que inovam, diferenciam produtos e exportam com preo-prmio ou que esto bem

    prximas dessas caractersticas (Salerno & De Negri, 2005). Isto quer dizer que as diferenas em termos de atitude

    inovadora da empresa, por mais que sejam passveis de identificao, no permitem uma oposio to evidente. Um grupo

    de controle com empresas que no preenchem tais caracteres de inovao, diferenciao e exportao, por exemplo,

    provavelmente nos permitiria evidncias mais fortes em termos da relao entre inovao e grau de interao com atores

    externos.

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    Parceria com

    fornecedor e cliente

    Cooperao com

    universidade e

    centro de pesquisa

    Contratao de

    consultoria

    Busca de informao

    fora do Brasil

    Abs. % Abs. % Abs. % Abs. %

    Sim 89 84,0 84 79,2 77 72,6 92 86,8

    No 8 7,5 19 17,9 19 17,9 4 3,8

    Sem resposta 9 8,5 3 2,8 10 9,4 10 9,4

    Total 106 100,0 106 100,0 106 100,0 106 100,0

    Fonte: Elaborado pelos autores.

    A fim de verificar o porqu da quase nula distino, partimos para a leitura das respostas a estas

    perguntas no material emprico. A imerso nas entrevistas para identificar diferenas qualitativas na

    utilizao de fatores externos por parte das empresas propiciou um resultado bastante satisfatrio.

    Encontramos que o diferencial no a utilizao do fator externo em si mesma, mas a qualidade da

    utilizao. Os resultados mostraram que h diferenas significativas entre as empresas no que concerne

    ao grau de formalizao e de sistematizao destas interaes, sejam parcerias, contratos ou

    cooperaes.

    4.1 Qualidade da interao com o agente externo

    Em relao a parcerias das empresas com fornecedores e clientes, as diferenas se

    expressam no nvel de formalizao dessas interaes e na atitude do empresrio frente ao mercado,

    seja na busca de novas ideias e solues com clientes, na necessidade de identificar tendncias com

    fornecedores, ou na busca por novas tecnologias e por desenvolvimento conjunto de processos e

    produtos. Esta diferenciao entre os tipos de empresa pode ser exemplificada nos trs trechos de trs

    diferentes entrevistas a seguir:

    * A empresa tem fornecedores que so considerados parceiros. Para algumas inovaes que

    ns vislumbramos ou que ns at desenvolvemos o conceito para serem traduzidas em produtos, ns

    dependemos desses fornecedores porque aquilo est dentro do hardware e do software. Ento, em

    muitos casos, existe at um desenvolvimento em conjunto.

    ** Se eu tenho um problema de processo, eu consigo fazer isso no laboratrio. Mas a eu

    quero colocar em escala de produo e no consigo. Ento, os fornecedores s vezes nos ajudam; s

    vezes no, mas eles podem contribuir.

    *** E junto com o desenvolvimento dessas sementes, ns fazemos uma distribuio das

    sementes para nossos parceiros. Temos um programa para produtores rurais. Ento ns fornecemos e

    ajudamos muitas vezes tambm no financiamento. Damos orientao da poca de plantio e recebemos

    toda a produo deles. No deixamos ningum sem ter para onde escoar no mercado.

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    possvel notar nesses trechos a distino no modo como as empresas realizam as parcerias

    com os fornecedores. Enquanto a primeira explicita a centralidade da interao com o fornecedor, a

    segunda cita o carter eventual do trabalho em conjunto e a terceira descreve mais um contato

    administrativo e financeiro do que uma parceria de fato.

    J no caso das cooperaes com universidades e centros de pesquisa, a diferenciao

    tambm aparece na formalizao da parceria, como, por exemplo, a existncia de diviso de custos.

    Alm disso, observamos distines na intensidade da interao, refletida na utilizao de expresses

    como desenvolvimento conjunto entre universidade e empresa para maior formalizao ou mero

    contato para cooperaes informais ou pessoais. H tambm aquelas empresas que no realizam

    cooperao com universidades. A seguir, trechos tpicos de trs diferentes empresas que ilustram tais

    assertivas:

    * [A cooperao] ns fazemos junto com o ITA. Um financiamento conjunto: ns financiamos

    50% e o governo federal, atravs desses fundos setoriais, investe outros 50%. O objetivo desenvolver

    uma tecnologia. A pesquisa e desenvolvimento mesmo. A gente tem um conjunto de professores l

    no ITA e um conjunto de engenheiros aqui.

    ** Ns recorremos a algumas entidades, mas para teste. Ento, por exemplo: desenvolvemos o

    produto, quero saber se ele tem a resistncia que eu pretendia, se ele tem as caractersticas fsico-

    qumicas que eu pretendia, a contratamos laboratrios para fazer testes.

    *** Quase no existe, n? fraca. Os momentos que a gente... no d nem pra dizer que um

    desenvolvimento, mas so trocas de ideias, so opinies na verdade. Esses momentos so muito

    interessantes, so muito bons, mas no tem nada formal.

    Diferente destes exemplos claros em relao cooperao com universidades, as primeiras

    leituras das respostas sobre contratao de consultorias evidenciam que o assunto explorado de

    modo diverso, muitas vezes misturado s menes cooperao com universidades e parceria com

    fornecedores e clientes. Com isso, mais difcil observar uma gradao na formalizao do contato ou

    na utilizao da atividade, como nos casos descritos acima. possvel, sim, identificar tipos gerais de

    consultoria.

    Um deles diz respeito a consultorias para resolues de problemas especficos mais ligados

    produo, para os quais no h competncia interna para chegar a uma soluo. Nota-se que, neste

    caso, a consultoria se confunde com outro dos aqui chamados fatores externos, como cooperao com

    universidade e centros de pesquisa: Na rea de P&D, eu tambm contrato; nas reas que eu no

    tenho pessoal altamente qualificado, naquele pedao do desenvolvimento, eu uso consultorias

    externas.

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    O outro tipo se refere a melhorias na gesto da empresa, que comporta diversas assessorias para

    tecnologia da informao. H trechos que expem tal fato: Falando em tecnologia de informao, ns

    fizemos a implementao do ERP [software de gesto], da SAP [empresa do ramo de Tecnologia da

    Informao]. Foi implantado em 2004 e comeou a rodar em janeiro de 2005. Essa implementao

    demanda assessoria de software. Ento foi contratada uma empresa especializada em implantao de

    ERP, que ficou seis meses aqui fazendo toda a consultoria, analisando e mapeando para poder fazer o

    sistema funcionar.

    Por fim, com relao busca de informao no exterior, nota-se que existe uma diferena

    quanto ao tipo de atitude da empresa. A maioria busca informao por meio de congressos e feiras.

    Enquanto isso, outro grupo mais seleto no apenas busca tais informaes no exterior como constri

    parcerias tecnolgicas. Alm disso, observa-se que a diferena na importncia conferida a esta

    atividade se refere aos locais onde as consultorias foram buscadas no mercado internacional ou no

    mercado nacional , e no formalizao da interao, como nos casos anteriores. A seguir, exemplos

    de duas empresas:

    * Sim, buscamos [informao fora]. Principalmente nas parcerias e nos contratos de

    tecnologia. Ns temos, por exemplo, nesta rea de acar e lcool, duas tecnologias que, no exterior,

    se desenvolveram mais que no Brasil...

    ** Como eu falei, ns procuramos informao, evidentemente dentro do nosso segmento.

    Ento ns participamos de feiras nos Estados Unidos, na Europa, que na Alemanha, e no Japo. A

    ns aferimos, realmente, como que ns estamos, em termos de tecnologia, quais so as tendncias.

    Nessa primeira anlise do material emprico, encontramos evidncias de que, apesar de a

    maioria das empresas utilizarem os fatores externos, o que nos permite diferenci-las a qualidade da

    utilizao, ou melhor, da interao com o agente externo. H entrevistados que expem uma atividade

    mais complexa da empresa com o agente externo, que deixam clara a centralidade do contato para a

    firma e que mostram maior interesse no assunto, explicando melhor a parceria e os objetivos.

    Enquanto isso, h outros que, mesmo fazendo parcerias ou contratando os servios, deixam

    transparecer que se trata apenas de uma contratao espordica ou de menor importncia.

    4.2 Categorias de grau de interao

    No sentido de dar um passo adiante na tentativa de tornar mais clara a relao entre inovao e

    atores externos empresa que j se esboa nos trechos analisados acima , consideramos que a ideia

    central a ser observada deveria ser o grau de interao da empresa com o agente externo. Para isso,

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    criamos, ento, trs categorias para cada um dos fatores escolhidos conferindo-as uma hierarquia: grau

    de interao alto, mdio ou baixo.

    O objetivo diferenciar a maneira como a interao com o agente externo acontece e, ento,

    tentar identificar as coincidncias entre as categorias do fator externo mais e menos complexas e o

    grupo de empresas mais ou menos inovadoras.

    As dimenses gerais que qualificam a interao so: o envolvimento da empresa com o agente

    externo, a complexidade da interao, a formalizao do contato e a relevncia desta interao para o

    desenvolvimento dos processos de inovao. Para cada um dos fatores externos, estabelecemos

    parmetros para classificar a empresa nas categorias de alto, mdio e baixo grau de interao. Tais

    parmetros so caractersticas recorrentes que verificamos na primeira leitura apresentada

    anteriormente. Isto ficar mais claro na discusso que segue.

    4.2.1 Fornecedores e clientes

    No que diz respeito interao com fornecedores e clientes, procuramos diferenciar o tipo de

    parceria realizada entre a empresa e os clientes/fornecedores em relao complexidade da relao

    entre eles, ao envolvimento e frequncia, alm de considerar a centralidade atribuda para processos

    de inovao. possvel identificar os trs graus (alto, mdio e baixo) a partir dos seguintes parmetros.

    a) Alto: a empresa expressa como central a relao com fornecedores e clientes para inovao

    e crescimento. Trata-se de um processo em que o cliente ou fornecedor informa, demanda, influencia e

    trabalha junto com a empresa. H desenvolvimento conjunto de processos ou produtos novos e

    transferncia de tecnologia nas duas direes (da empresa para o fornecedor/cliente e vice-versa).

    Geralmente h contato entre os departamentos de P&D de ambas as empresas e h colaborao dos

    funcionrios de mais alto nvel tcnico (engenheiros, tcnicos e especialistas trabalham juntos no

    mesmo local, em contato remoto ou ainda passando perodos na empresa parceira). H formalizao

    contratual e casos em que realizada diviso de royalties e lucros. Os trechos abaixo, de diferentes

    empresas, ilustram algumas dessas caractersticas:

    * Ns buscamos essa tecnologia atravs de parceiros no exterior e de parceiros aqui no Brasil,

    com universidades e com fornecedores, e desenvolvemos esse equipamento que, para ns, foi um salto

    em termos de competitividade da empresa... Ento, ns buscamos parceiros que pudessem desenvolver

    conosco esse projeto.

  • Carlos Torres-Freire & Frederico Henriques

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    ** Ns j estamos fazendo e assinamos com eles um contrato de desenvolvimento conjunto, ou

    seja, voc cuida da matria-prima, eu cuido dos testes que so necessrios para levar sua matria-

    prima a produto, vamos dividir lucros etc.

    b) Mdio: neste caso, o cliente ou o fornecedor informa, demanda e influencia a atividade da

    outra empresa, mas no ocorre uma parceria para desenvolvimento em conjunto de processo ou

    produto. A transferncia de conhecimento aqui no parece ter o carter bidirecional, como no caso do

    alto grau de interao em que os dois lados alimentam o processo. Em geral, a empresa busca

    identificar as demandas e ou problemas e apresenta solues para os clientes, fazendo inmeras vezes

    adaptaes pontuais segundo a necessidade deles. Em muitos casos, os fornecedores oferecem algo

    como uma consultoria e/ou adaptam seus produtos conforme a necessidade de quem compra, como se

    observa abaixo:

    * Ns temos que estar em contato com o cliente pra saber qual a necessidade dele. E, pra

    isso, voc tem que fazer pesquisas constantes, voc tem que fazer desenvolvimentos constantes, voc

    tem que estar em contato com as engenharias e com o P&D dos clientes.

    ** O bom fornecedor aquele que o consultor. Vou te dar um exemplo no caso de plsticos.

    Ns temos equipamentos e uma parceria de fornecimento de consultoria com a GE. A GE nos d toda

    a consultoria necessria na rea de plsticos. Tudo que se pensar em plsticos aqui dentro

    analisado e estudado atravs dessa parceria com a GE. Quer dizer, um consultor.

    c) Baixo: classificamos aqui os casos em que no h parceria e tambm aqueles em que ela

    simples (um contrato de compra e venda, fornecimento, ou alguma troca de informao de modo

    informal). No h transferncia de conhecimento nem desenvolvimento de produto ou processo em

    conjunto. No aparece na entrevista nenhuma relao entre interao e inovao. Ou seja, a empresa

    no encara a necessidade de promover tais interaes a fim de alimentar processos de inovao, de

    incorporar conhecimento ou de aprender novos procedimentos.

    * Ento ns fornecemos e ajudamos muitas vezes, mas na parte financeira.

    ** No existe [parceria]. No existe, porque hoje voc tem uma dinmica, que eu diria pra

    voc, que mais ou menos assim: cada um por si.

    4.2.2 Universidades e centros de pesquisa

    No que tange interao com universidades e centros de pesquisa, procuramos criar

    categorias para diferenciar especialmente empresas que assumem as relaes com instituies de

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    Revista de Administrao e Inovao, So Paulo, v. 10, n.3, p.143-164, jul./set. 2013.

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    pesquisa como centrais para incremento de produtos e processos daquelas que estabelecem uma

    relao menos intensa. Consideramos o grau de interao entre universidade e empresa a partir de

    aes como financiamentos conjuntos, formalizao de parcerias e tipos de contrato. Desta forma,

    identificamos trs grupos de empresas a partir dos seguintes parmetros:

    a) Alto: a empresa explicita como sendo central a relao com universidades e centros de

    pesquisa para os seus processos de melhoria de produtos e processos. Isso se materializa em projetos

    de desenvolvimento de produto ou processo novo em conjunto, ou seja, procura universidades e

    centros de pesquisa para algo novo. H financiamentos conjuntos, diviso de royalties ou negociao

    de patentes. Em alguns casos h parcerias para construo de laboratrios. A utilizao da lei de

    informtica, em que h iseno de IPI mediante contrapartida obrigatria de investimento em centros e

    pesquisa e universidades, recorrente nas entrevistas4. Por fim, possvel identificar uma cooperao

    formalizada e de maior intensidade.

    * Eu tenho um compromisso com a Universidade de So Carlos Instituto de Fsica. Foi um

    contrato por dois anos que foi elaborado, e obviamente isso vai continuar. Mas que se deixe claro que

    o foco era esse produto. A universidade deslocou mo-de-obra, deslocou uma rea, o laboratrio

    especfico pra desenvolver essa tecnologia em parceria com a empresa.

    ** Ns queremos cooperao de parceiros, tipo universidades, que ns temos. Inclusive a

    ltima patente foi parte desenvolvida em uma universidade nos Estados Unidos, e parte foi

    desenvolvida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

    b) Mdio: a empresa compreende a importncia da universidade para melhorias na produo,

    mas a interao menos intensa que a descrita acima. Trata-se aqui de uma contratao de consultoria

    para trabalhar sobre produto ou processo j existentes. H contratos para utilizao de laboratrios

    para testes ou prestao de servios. Em alguns casos, h uma relao de longo prazo (sempre que

    precisa entra em contato com a mesma universidade), mas sem contratos permanentes e contnuos.

    * Foi assinado um contrato de assistncia tecnolgica, de uso das instalaes para pesquisa e

    consultas engenharia e para soluo de algumas dvidas que ns, aqui na empresa, no poderamos

    resolver.

    4 Apesar dos poucos casos citados, h indcios de que se trata de um mecanismo bem-sucedido de fomento a cooperao de

    empresas com centros de pesquisa. Entretanto, a lei parece no ajudar muito no fomento direto a agregao de valor na

    produo nacional, j que muitas vezes so desenvolvidas atividades marginais que no tm relao direta com o produto

    principal da empresa.

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    ** Tentamos algumas parcerias. Agora ns temos uma parceria com a Unicamp para fazer

    testes, ensaios mecnicos, trao, converso, enfim, mas o conhecimento tecnolgico de fundio aqui

    no Brasil ainda est muito cru.

    c) Baixo: a empresa no realiza cooperao com universidades e quando o faz realiza de modo

    no formalizado, por meio de contatos com professores e/ou pesquisadores que atuam em determinada

    instituio com o objetivo de buscar informaes. Alm disso, realizada de forma eventual, ou seja,

    no h nenhum tipo de contrato entre as partes. Consideramos aqui aqueles casos em que h convnios

    envolvendo recursos humanos (e no uso de laboratrio e nem desenvolvimento de produto ou

    processo), como abertura da empresa para estgios ou acordos de bolsas de estudos para funcionrios

    da empresa.

    * A gente tem contato... a gente tinha contatos, principalmente quando a gente estava aqui, a

    gente tinha com a Mau, mas nada formalizado.

    ** No temos feito nenhum convnio especfico ou algum acordo tecnolgico com

    universidade. No passado at teve uma iniciativa do pessoal pra desenvolver, mas no chegou a

    avanar.

    4.2.3 Consultorias

    Em relao interao com as consultorias, procuramos fazer a distino de acordo com o

    objetivo da contratao, a complexidade do pedido e o tipo de servio contratado. Isto , para a

    classificao deste fator, a questo do contedo do servio mais decisiva que a formalizao (j que

    esta comum a qualquer contratao).

    Consultorias so contratadas para suprir uma necessidade que a empresa no conseguiria

    resolver sozinha. A contratao pode ter como objetivo a tentativa de um avano tecnolgico uma

    atividade complexa, como o auxlio no desenvolvimento de um produto novo ou a mera transferncia

    de um servio realizado internamente algo mais simples, como a manuteno de computadores.

    Nas entrevistas analisadas, possvel distinguir ao menos dois grandes grupos de consultorias,

    que remetem a dois tipos distintos de interao: um mais relacionado a desenvolvimento de produtos

    e/ou de processos e/ou fornecimento de solues para problemas especficos da produo, em que a

    interao cliente/prestador de servio intensa; e o segundo grupo se refere prestao de servios

    relacionados mais diretamente a processos de gesto (em geral grandes pacotes de software), como

    profissionalizao, coordenao de setores administrativo e financeiro, caso em que a interao

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    menos intensa. O grau de interao da empresa com consultorias pode ser classificado, portanto, da

    seguinte forma:

    a) Alto: A empresa busca consultorias para desenvolver incrementos tecnolgicos de seus

    produtos ou processos (exemplo na eletroeletrnica: um processo novo de automao industrial) ou

    tambm consultorias especficas para resoluo de um problema complexo (exemplo na indstria

    qumica: uma nova composio). Nota-se que apesar de serem chamadas para solues pontuais,

    consultorias so constantemente utilizadas pela empresa.

    * Sim, [tivemos experincia] com uma consultoria espanhola. Ns contratamos a consultoria e

    desenvolvemos o produto; hoje no Brasil s ns temos este produto, nosso concorrente ainda no

    atingiu esse nvel.

    ** Contratamos para um processo como esse agora: eu tenho que fazer a minha automao da

    linha, ela totalmente dinmica e automatizada. A eu estou chamando a Siemens para conversar,

    empresas de automao e empresas de software tambm vm negociando com a gente, toda essa

    interface.

    b) Mdio: neste caso, consideramos aquelas contrataes de consultorias para reas alm da

    produo, especialmente concernentes gesto da empresa. Aqui a firma busca a profissionalizao da

    gesto por meio da integrao de processos, controle financeiro e fiscal, implementao de softwares

    de gesto, controle de qualidade, entre outras atividades. E para tanto busca consultorias capazes de

    auxiliar no processo de desenvolvimento e implantao. A utilizao de TI, especialmente consultoria

    que fornecem pacotes padronizados de software de gesto, bastante comum. Aqui consideramos

    tambm os casos em que ocorre a contratao de laboratrios privados (fora da universidade) para

    testes de produtos.

    * [Consultoria] s vezes a gente precisa na rea administrativa. Tem consultores implantando

    para ns o ISO 9000. Na rea de auditoria, s vezes, para questes fiscais, a gente contrata

    especialistas. Mas eu diria que so consultorias mais na rea financeira, administrativa e fiscal.

    ** Recorre sim. A gente teve muita consultoria recentemente. Agora ns estamos com

    consultoria interna sobre a rea industrial, sobre custo. Na parte de TI, a gente acabou de

    implementar a nova plataforma, que da Oracle. uma mudana brutal, so interferncias

    importantssimas na empresa.

    c) Baixo: A empresa no utiliza nenhum tipo de consultoria com o intuito de resolver

    problemas internos. Nota-se que algumas j tiveram experincias com contratao de servios.

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    * E se em termos de inovao a empresa contrata servios externos de consultoria? Tambm

    no. Porque no tem ningum que entenda do assunto.

    ** Ns j tivemos experincias no passado de contratar consultorias. Porm, ns no sentimos

    que isso agregou valor ao nosso processo. Ns chegamos concluso de que quem tem que resolver

    os problemas somos ns mesmos, ns que estamos dentro do processo.

    4.2.4 Informao fora do Brasil

    Por fim, no que concerne prospeco de informao fora do Brasil, consideramos a atitude

    em relao construo de parcerias tecnolgicas com universidades e empresas do exterior, busca

    de tendncias e atualizao e qualidade da informao procurada. A partir dessas ideias gerais,

    identificamos alguns parmetros para diferenciar o grau de interao das empresas com atores do

    exterior:

    a) Alto: a empresa busca parcerias com outras companhias e universidades com o objetivo de

    desenvolver projetos e obter aperfeioamento em termos de tecnologia. Esta parceria pode ser

    realizada at mesmo com concorrentes para trocar experincias. H casos em que as empresas mantm

    escritrio no exterior para prospeco (no apenas para distribuio ou vendas) ou ainda outros em que

    contratam consultorias internacionais.

    * Na Universidade da Califrnia, por exemplo, eu estou em contato com a maior

    dermatologista do mundo. Na Universidade de Paris, com um cara que mais entende de

    nanotecnologia no mundo aplicada rea mdica, rea cosmtica e mdica. So duas universidades

    que a gente tem feito alguns trabalhos.

    ** Na verdade, ns temos, primeiro, um intercmbio muito bom com os concorrentes. Hoje,

    estes esto no Mxico, no Leste Europeu (Hungria) e na sia (China e ndia). O primeiro ponto que

    a gente tem bom relacionamento e, com isso, a gente troca experincias. A gente no d conta de

    tanta informao, ento, pelo menos na parte tcnica, sobre grandes equipamentos, traz grandes

    melhorias nos processos de uma forma geral.

    b) Mdio: a empresa expe a necessidade de buscar informao no exterior a fim de se

    atualizar e observar tendncias internacionais e o faz de maneira sistemtica. Os casos mais comuns

    so as feiras e congressos. Muitas vezes elas tambm se interessam por comprar equipamentos com o

    intuito de se modernizar e aumentar a competitividade.

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    * E desse momento, de l pra c, eu s aumentei, trouxe tecnologia, eu fui feira em Nova

    York, Chicago, Alemanha, fui ver equipamentos na Espanha, ento claro, fui alargando a base de

    conhecimento.

    ** Agora est acontecendo feira em Bolonha, na Itlia, ento sempre vai a equipe inteira. Vo

    algumas pessoas na Itlia, e quando h feiras nos Estados Unidos, vo pessoas l para ver a

    tendncia mundial; investe-se em pesquisas, em termos de estar sempre inovando em cima disso.

    c) Baixo: a empresa no busca informao no exterior; mas eventualmente busca no Brasil.

    * No. A agronomia, no Brasil, bem desenvolvida. O Brasil tem bastante conhecimento nessa

    rea. evidente que se tem muita coisa feita pelo mundo afora, mas o Brasil tem muita universidade.

    ** A maior feira da Alemanha, mas eu nunca fui. E nunca ningum daqui foi tambm. A

    segunda maior feira a AES de Las Vegas. Nunca fui (risos). Terceira maior feira a de Miami.

    Nunca fui e ningum daqui foi. A quarta no Japo. Nunca fomos.

    Tais categorias demonstram as diferenas nos comportamentos das empresas e j do indcios

    de como aquelas mais preocupadas com a interao com atores externos esto mais preocupadas

    tambm com inovao. Isso aparece nas atitudes referentes busca de conhecimento novo com

    outras empresas, universidades ou consultoria, ou na prospeco no exterior , e no entendimento de

    que a competitividade da empresa est relacionada atitude inovativa.

    De acordo com a classificao, aproximadamente um tero das empresas da pesquisa aparece

    com alto grau de interao com atores externos (exceo ao fator busca de informao fora do

    Brasil), como mostra a Tabela 25.

    A categoria mdio grau de interao contm a maior parte das empresas. E, por fim, o baixo

    grau de interao engloba a menor proporo de empresas para todos os fatores externos, com exceo

    de cooperao com universidades centros de pesquisa.

    5 As tabelas referentes ao grau de interao contm totais de empresas distintos do total de empresas da base (106). Isso

    acontece porque h casos em que as entrevistas no trazem informao suficiente sobre interao com o agente externo

    (para a classificao do grau de interao).

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    Tabela 2: Empresas segundo o grau de interao com o ator externo

    Grau de

    interao

    Parceria com

    fornecedor e

    cliente

    Cooperao com

    universidade e

    centro de pesquisa

    Contratao de

    consultoria

    Busca de informao

    fora do Brasil

    Abs % Abs % Abs % Abs %

    Alto 30 30,9 28 27,2 32 33,3 16 16,7

    Mdio 46 47,4 41 39,8 39 40,6 74 77,1

    Baixo 21 21,6 34 33,0 25 26,0 6 6,3

    Total 97 100,0 103 100,0 96 100,0 96 100,0 Nota: 9 casos sem resposta para fornecedor e cliente, 3 para cooperao com universidade, 10 para consultoria e 10 para

    informao fora do Brasil.

    Fonte: Elaborado pelos autores.

    4.3 Empresas, interao e inovao

    Por fim, realizamos um exerccio com o material emprico criando um ranking das empresas

    baseado no grau de interao destas com os agentes externos. O objetivo identificar as caractersticas

    das que mais interagem e das que menos interagem. Ou seja: Qual o comportamento dessas empresas

    em relao a inovao? Elas so de quais setores de atividade econmica? Qual o porte dessas

    empresas? Qual o seu comportamento em relao a temas como investimento em P&D, recursos

    humanos e governo?

    Para o chamado ranking, fizemos um exerccio bastante simples conferindo pontos s empresas

    de acordo com a interao com cada fator externo. Para cada classificao como alto, a empresa ganha

    dois pontos, e para cada mdio, um ponto. Baixo, consequentemente, no ganha ponto. Escolhemos,

    ento, as seis primeiras e as seis ltimas do ranking, cujas entrevistas foram relidas em sua totalidade6.

    O exerccio produziu resultados bastante interessantes, j que encontramos diferenas robustas

    entre as empresas com mais alto grau de interao e aquelas de mais baixo grau.

    4.3.1 Comportamento inovador

    Em relao inovao nas empresas, observamos os dados buscando identificar a atitude da

    empresa frente ao mercado e tambm o grau de mudana introduzida pelas empresas em seus produtos

    e processos a inspirao foi o trabalho de Miranda e Lopez-Ruiz (2012).

    6 Escolhemos as seis primeiras empresas do ranking porque havia trs com oito pontos e outras trs com sete. Atingiram

    seis pontos as 19 empresas seguintes no ranking. Com efeito, a incluso destas ltimas no faria sentido, j que o objetivo

    contrapor as melhores com as piores. Na parte inferior do ranking, havia trs empresas com nenhum ponto e dez com um

    ponto. Dentre todas elas, escolhemos, ento, as seis firmas que possuam respostas para os quatro fatores externos. A

    justificativa que a empresa pode ter obtido poucos pontos por ter algum fator sem resposta, e no necessariamente porque

    ela no tenha algum tipo de interao com determinado fator externo.

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    Para os quatro tipos de interao com atores externos, ao tomarmos o grupo de empresas com

    grau de interao alto, praticamente todas elas apresentam atitude mais inovadora frente ao mercado

    (realizam esforos de modo sistemtico para acompanhar o mercado e procuram se antecipar s

    tendncias para inovar) em detrimento de uma atitude menos ativa (daquelas que no se preocupam em

    acompanha as tendncias de forma sistemtica com fins de trazer ideias para a empresa inovar)7.

    possvel tambm fazer o raciocnio de modo inverso, pois verificamos que as empresas de

    baixo grau de interao com os atores externos selecionados no mencionam posies mais ativas

    como daquelas empresas de atitude mais inovadora frente ao mercado.

    Ou seja, as empresas classificadas como de maior atitude inovadora frente ao mercado tambm

    so aquelas que possuem maior interao com os atores externos (fornecedores, clientes,

    universidades, centros de pesquisa e consultorias).

    O resultado similar no que diz respeito ao grau da mudana introduzida pela empresa8. Ao

    considerarmos as empresas com mais alto grau de interao com atores externos, percebemos que para

    as quatro variveis, todas as empresas apresentam indcios de que se preocupam com mudanas de

    carter substantiva e incremental. Por outro lado, as empresas de baixo grau de interao so

    justamente aquelas que demonstram, nas falas dos entrevistados, estar mais prximas de mudanas

    pequenas ou que estariam mais prximas de fazer cpias.

    Observarmos, portanto, que as empresas que mantm interaes de maior qualidade com

    agentes externos apresentam preocupao maior com o que seria uma mudana mais robusta para

    incrementar seus produtos e processos de produo.

    4.3.2 Outras caractersticas: setor, porte, mercado externo, risco, recursos humanos e Estado

    Em relao a caractersticas gerais das empresas com mais alto grau de interao com atores

    externos, o primeiro fator observado foi atividade econmica. As firmas so de setores diversos, como

    eletrnica, farmacutica, alimentos, brinquedos, cosmticos e mquinas, ou seja, no h vis setorial.

    7 A ideia de atitude frente ao mercado seria: H empresas que fazem esforos sistemticos por acompanhar o que est

    acontecendo no mercado (as tendncias que emergem, as necessidades que os clientes colocam) e h empresas cujo

    acompanhamento do mercado no contnuo e sistemtico. Se a inovao acontece nestas ltimas, um pouco pelo acaso e

    no por conta de uma estratgia deliberada de inovao por parte da empresa que em geral se conforma em continuar

    fazendo o que vinha fazendo e da forma como vinha fazendo. Porm, entre as primeiras, ou seja, entre as empresas que

    tomam a inovao como um processo constante e, portanto, acompanham o mercado de forma regular , h uma parcela

    mais propensa a se antecipar s necessidades do mercado, apostando em maiores possibilidades de ganhos e, ao mesmo

    tempo, fazendo investimentos que implicam um maior grau de risco e incerteza (Miranda e Lopez-Ruiz, 2012, p. 193). 8 Outra ideia emprestada de Miranda e Lopez-Ruiz (2007, p. 202) seria a de inovao segundo o grau da mudana

    introduzida pela empresa em seus principais produtos, processo e/ou servios: mudana substantiva (a inovao como a

    busca de o novo), mudana incremental (a inovao como a introduo de pequenas modificaes no que j existe) e

    pouca ou nenhuma mudana (a cpia).

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    Em relao ao tamanho, cinco das seis empresas com mais alto grau de interao tm mais de

    500 funcionrios, enquanto entre as de menor interao h pequenas (at 50), mdias (de 100 a 499) e

    grandes (acima de 500). Os cruzamentos das categorias de interao com porte da empresa, realizados

    anteriormente, no haviam mostrado relao entre porte e interao, mas esta comparao com 12

    empresas parece apontar que as empresas de maior porte so aquelas que demonstram mais ateno

    aos agentes externos firma.

    No que tange ao mercado externo, apenas uma das 12 empresas selecionadas no exporta ela

    est entre as de menor interao. Quanto a departamento de P&D, as duas que no possuem tambm

    so aquelas entre as de menor interao. Com muito cuidado e com muitas ressalvas, tais informaes

    nos permitem pensar que empresas mais bem estruturadas esto mais afeitas interao com agentes

    externos. Outras pesquisas poderiam demonstrar essa hiptese e tambm estabelecer alguma relao de

    causa e efeito entre, de um lado, exportar ou possuir departamento de P&D e, de outro, interagir com

    atores externos firma.

    Mais interessantes, porm, so as distines em relao atuao das empresas. A primeira

    delas, que salta aos olhos na leitura, a atitude em relao ao risco. A averso ao risco entre as de

    baixo grau de interao se ope claramente maior disposio entre as de alto grau. No se trata aqui

    de fazer uma discusso sobre o conceito de risco, mas simplesmente ilustrar certo tipo de

    comportamento de alguns empresrios. Entendemos como maior disposio ao risco uma atitude mais

    ativa em relao a alguns temas: o modo como o empresrio menciona agentes externos firma, a

    viso interessada em relao a novos mercados, a importncia conferida ao P&D interno e as opinies

    acerca de endividamento, busca de crdito e poltica ativa de recursos humanos. Evidentemente, outros

    temas poderiam ser abordados. Citamos os que apareceram nas entrevistas.

    No caso da interao com agentes externos firma, as empresas de mais alto grau so criativas

    na formalizao das relaes com os parceiros. H exemplos de criao de conselhos, feiras,

    workshops, grupos de pesquisa, ou seja, instncias que envolvem fornecedores, clientes, pesquisadores

    em uma rede multidirecional para discusso de temas afins, transferncia de conhecimento e busca de

    novos negcios. Em contraposio, identificamos nas empresas de menor interao discursos de

    averso a contatos com parceiros externos como universidades e centros de pesquisa pelo receio de

    acabar fornecendo conhecimento e tecnologia para virtuais concorrentes.

    Outro caso interessante que diz respeito questo do risco e tambm ao maior ou menor

    conservadorismo dos empresrios a viso em relao a pases como China e, em menor escala,

    ndia. Em geral, so vistos como concorrentes diretos e alvo de comentrios aparentemente negativos

    (mo-de-obra barata, concorrncia desleal, proteo do governo local etc.). No entanto, nas entrevistas

    daquelas empresas de maior grau de interao, estes pases aparecem como concorrentes com quem se

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    pode estabelecer frutfero dilogo ou at mesmo parceiros comerciais e tecnolgicos possveis

    fornecedores, clientes ou contato para compartilhamento de tecnologia.

    A centralidade do P&D interno aparece muito forte nos discursos dos dirigentes das firmas de

    mais alto grau de interao. Nestes casos, destaca-se a fala de que tanto a concepo do departamento

    como as decises esto prximas do presidente, seja porque o departamento responsvel se reporta

    diretamente a ele, seja porque ele mesmo busca se envolver mais fortemente nas estratgias.

    Outro tipo de investimento mais comum s empresas de alto grau de interao se refere a

    recursos humanos. Nestas, a preocupao com a formao dos funcionrios especialmente aqueles

    voltados ao P&D aparece em polticas de qualificao que incluem quase sempre interao com

    escolas de dentro e de fora do pas. Enquanto isso, nas outras, h menor preocupao com formao do

    funcionrio e, quando h, est permeada pelo discurso da proteo do conhecimento da empresa algo

    como tal funcionrio sabe muito sobre a empresa e precisamos incentiv-lo a ficar aqui.

    Por fim, em relao ao papel do Estado, o discurso dos empresrios passa invariavelmente pela

    lentido da mquina estatal e pelas questes macroeconmicas (cmbio, juros etc.). No entanto, entre

    as empresas de maior interao, encontramos tambm um interesse em cobrar demandas pontuais, de

    ordem micro, e que muitas vezes compem um discurso menos preso a um tom de reclamao geral a

    respeito do Estado, e mais um discurso construtivo em termos de polticas pblicas.

    5 CONCLUSO: INTERAGIR COM AGENTES EXTERNOS FIRMA POSITIVO PARA

    QUEM BUSCA INOVAO

    Os primeiros cruzamentos nos mostraram que quase todas as empresas entrevistadas,

    independentemente da classificao, realizam algum tipo de atividade em contato com atores externos.

    Ou seja, no seria possvel entender razoavelmente a relao entre interao e inovao apenas em

    termos quantitativos nessa pesquisa. O que nos permite diferenciar as empresas a qualidade da

    interao com o agente externo, sejam eles fornecedores, clientes, universidades ou consultorias.

    A criao das categorias de grau de interao com atores externos tornou evidente a distino

    na forma de atuao das empresas brasileiras mais inovadoras.9 A anlise qualitativa relacionando o

    grau de interao com agentes externos e a atitude inovativa da empresa reforou a distino no que

    se refere ao modo de atuao das empresas. Em outras palavras, o grupo de empresas com os mais

    9 Lembremos que esta amostra composta por empresas AA, AB e BA da classificao do IPEA (Salerno & De Negri,

    2005). Isto , estamos comparando empresas que esto muito prximas em termos de capacidade competitiva. Caso

    pudssemos comparar as empresas mais competitivas, exportadoras e que diferenciam produtos com empresas menos

    competitivas, muito provavelmente teramos evidncias mais claras de quo diferentemente elas atuam e possivelmente do

    quo distintas elas so em termos de interao com atores externos firma.

  • Carlos Torres-Freire & Frederico Henriques

    Revista de Administrao e Inovao, So Paulo, v. 10, n.3, p.143-164, jul ./set. 2013.

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    altos graus de interao com atores externos contm empresas preocupadas em antecipar tendncias

    do mercado e fazer inovao de cunho mais substantiva; da mesma forma, o grupo de empresas de

    mais baixo grau de interao com atores externos contempla empresas que pouco se preocupam em

    acompanhar de forma sistemtica as tendncias do mercado e que, quando inovam, fazem cpia.

    Estes resultados alimentam a ideia de que outros indicadores de inovao isto , alm

    daqueles utilizados mais frequentemente, como nmero de patentes e investimento em P&D interno

    poderiam ser pensados para sofisticar a explicao de processos inovativos. A anlise qualitativa com

    base nas entrevistas com empresrios traz elementos como descrio de parcerias e cooperaes com

    diversos atores, exemplos de inovao nas empresas, informaes sobre o uso dos mecanismos de

    fomento pesquisa, entre outros, os quais permitem explorar de forma mais completa os processos de

    inovao. Esta tendncia de considerar uma diversificao de fatores que influenciam processos

    inovativos, bem como de incluir os agentes externos firma, j pode ser observada (ainda que de

    forma difusa) no debate sobre inovao em pases desenvolvidos.

    Por fim, cabe ratificar que a atuao transversal destes agentes externos firma na rede

    produtiva se configura como uma questo essencial no entendimento de processos inovativos. Estes

    atores permitem fluxos de informao e difuso de conhecimento, estimulando processos de

    aprendizado e tambm reconstruindo conhecimento. Forma-se, assim, um crculo virtuoso do

    conhecimento. Como vimos, a difuso intangvel na interao tem resultados bastante tangveis em

    termos de inovao.

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    IS THE INNOVATIVE PERFORMANCE OF BRAZILIAN MANUFACTURING FIRMS

    RELATED TO THE LEVELS OF INTERACTION WITH EXTERNAL ACTORS?

    ABSTRACT

    This paper analyses the influence of universities, research institutes, laboratories, consultancies,

    suppliers and clients on the innovation processes held at firms. These external actors tend to outline

    networks considered essential for learning and innovation processes. Changes in the systems of

    production during the last 30 years made information flows and knowledge diffusion stand out as core

    factors for competitiveness. The main hypothesis of this paper is that the innovative performance of

    Brazilian manufacturing firms is related to the levels of interaction that companies develop with such

    external actors. Analysis based on interviews with entrepreneurs and CEOs of 106 Brazilian

    companies from the Research of Entrepreneurs Attitudes for Development and Innovation (PAEDI)

    show a relationship between innovative attitude and interactional level: firms with higher levels of

    interaction with external actors tend to be the ones who area more innovative.

    Keywords: Innovation; Manufacturing; Knowledge Diffusion; Social Interactions; Brazil.

    Journal of Economic Literature codes: L20; O30

    ___________________

    Data do recebimento do artigo: 05/01/2013

    Data do aceite de publicao: 20/05/2013