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EMANCIPAÇÃO: DO ESCLARECIMENTO À EDUCAÇÃO EM ADORNO
Roure Santos Ribeiro*
Ana Patrícia Sá Martins*
RESUMO: O presente trabalho aborda numa análise descritiva a proposta de Theodor Adorno para uma educação emancipadora fazendo uma relação entre a busca incansável do homem pelo esclarecimento e sua preocupação com o ressurgimento da barbárie. Para Adorno, a grande tarefa da educação é evitar a repetição da barbárie como nazismo que destruiu grande parte da Europa. No entanto, a situação no capitalismo no pós-guerra identificada pelo próprio autor, proporciona as mesmas condições favoráveis ao ressurgimento de Auschwitz, onde a melhor saída para essa iminente ameaça é um modelo de educação emancipador, que proporciona a auto-reflexão do individuo. O artigo propõe ainda, uma reflexão sobre as concepções de Adorno analisando suas contribuições e limitações.
Palavras-chave: Adorno. Esclarecimento. Educação. Barbárie. Emancipação.
ABSTRACT: The present work search to describe and to analyze Theodor Adorno proposal for an education emancipadora making a relationship among the man's tireless search for the explanation and her concern with the resurgence of the barbarism. For Adorno, the great task of the education is to avoid the repetition of the barbarism as Nazism that destroyed great part of Europe. However, the situation in the capitalism in the postwar period identified by the own author, it provides the same favorable conditions to the resurgence of Auschwitz, where the best exit for that imminent threat is a model of education emancipador, that provides the individual's solemnity-reflection. The article still proposes, a reflection about the conceptions of Adorno analyzing their contributions and limitations. Keywords: Adorno. Explanation. Education. Barbarism. Emancipation
1 COMPREENDENDO ADORNO
Após a primeira Grande Guerra, o filosofo e sociólogo Theodor Adorno era membro
de um grupo de filósofos e cientistas sociais de tendências marxistas, fundadores do Instituto de
Pesquisas Sociais na Cidade de Frankfurt, Alemanha. Por ser alemão de origem judaica, Adorno se
viu ameaçado pela ascensão do nazismo, refugiando-se pela Europa. De acordo Schilling (2009) ele
pertencia a um grupo de pensadores extremamente sofisticado que fazia parte da famosa Escola de
Frankfurt, fundada em 1923, e que fora constrangido a sair do país nos anos seguintes da ascensão
do nacional-socialismo ao poder. Era uma época difícil, as cicatrizes da guerra estavam
profundamente expostas, as revoluções eram constantes e se espalhavam pelos países ocidentais.
____________________
*Alunos do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Federal do Maranhão - UFMA
Em 1934 na Inglaterra, Adorno lecionou na Universidade de Oxford. Mudou-se para
os Estados Unidos quatro anos depois a convite de seu amigo Max Horkheimer e ocupou o cargo de
diretor musical do setor de pesquisa da Rádio da Universidade de Princeton. Logo se tornou vice-
diretor do Projeto de Pesquisas sobre Discriminação Social da Universidade da Califórnia, em
Berkeley. Com o fim do Estado nazista, retornou para seu país em 1953, voltando a trabalhar na
Escola de Frankfurt.
“O exílio forçado em uma sociedade profundamente diferente de sua pátria natal traz
a Theodor W. Adorno a estranheza e a lucidez do excluído, do diverso” (PUCCI, 1999. p.36) A sua
experiência na America mostrava que não havia espaço neutro neste país, tudo girava em função do
grande sistema capitalista que propagava uma ideologia de conformismo e futilidade a seu povo,
principalmente pelos meios de comunicação de massa.
O difícil contexto influenciou na produção de várias críticas a cerca do
comportamento social e a estética musical. Suas obras buscavam o esclarecimento, tornando-as
compreensível a realidade. Adorno desenvolveu em seus escritos a qualidade de conceder à razão
uma força crítica, procurando demonstrar diferentes aspectos do real para direcionar seu leitor a um
novo patamar de análise e de consciência. Desta forma, utilizou-se da educação para defender um
modelo educacional que combata primordialmente, questões que proporcionam o ressurgimento de
Auschwitz, uma de suas grandes preocupações.
Os acontecimentos do campo de prisioneiros de Auschwitz durante a Segunda
Grande Guerra Mundial foram à regressão da humanidade, a barbárie no ápice, e a possibilidade de
um retorno era seu temor. Por isso, a primeira exigência da educação é que não se repita tais
condições, que favoreceram de forma banal os acontecimentos de violência extrema, capazes de
dizimar sociedades inteiras. Para Adorno, apesar da existência do ofuscamento atual das
adversidades, a pressão social continua se impondo e atraindo as pessoas em direção ao que é
indescritível e que, nesta conjuntura, ele acredita que resultaria ao renascimento de Auschwitz. O
autor reconhece a difícil missão da educação diante uma ampla discussão a respeito de como evitar
esse retorno, que acaba sendo obscurecido pela necessidade de se conscientizar desse fato
atemorizador. Mas existe a necessidade da insistência, inclusive porque para Adorno, tanto a
estrutura básica da sociedade como os seus membros responsáveis por termos chegado onde
estamos não mudaram nesses últimos anos, demonstrando que e o assunto continua sendo atual.
Fica evidente a importância que o filosofo atribui à educação, sem se esquecer da
arte e da filosofia na possibilidade de uma mudança social quando acredita na concretização de uma
sociedade verdadeiramente democrática somente através de sujeitos emancipados, ou seja, sujeitos
capazes de atuarem na sociedade ativamente, possibilitando sua transformação. A educação seria a
responsável por favorecer o desenvolvimento dessas pessoas emancipadas e por isso, deve rever sua
atuação no sentido unicamente da auto-reflexão crítica para cumprir essa função.
Na argumentação de Adorno, a educação passa por uma relação dialética, onde traz
em si uma ambigüidade em seus objetivos. De um lado precisa integrar a criança e o jovem à
realidade em que vive, por outro, ela não pode ser apenas um processo de amoldamento, porque
seria criticada duramente se fosse apenas isso, produzindo nada além de pessoas bem ajustadas. A
educação deve ser simultaneamente, autonomia, racionalidade e possibilidade de ir além da mera
adaptação, chegando à emancipação.
O autor lembra ainda, da importância da educação em não ser um instrumento
disciplinador de condutas através da repreensão, costume que sempre predominou durante muitos
anos de forma explícita através de castigos físicos e morais, e hoje de maneira disfarçada através de
uma repressão psicológica, gerando uma violência simbólica. Esses comportamentos agressivos e
violentos também estão visíveis na educação que é caracterizada pela severidade.
É bastante evidente em suas obras a prioritária urgência defesa pela desbarbarização
para o processo de emancipação do sujeito. Desde a ascensão do nazismo até a sua morte, Adorno
mostrou-se preocupado com a necessidade de se garantir que a civilização não venha novamente
passar por algo parecido. Mesmo influenciado por uma visão decadente da sociedade, o autor
aponta caminhos através de um processo educacional na qual define como emancipador, aquela
dirigida exclusivamente para uma auto-reflexão como a melhor proposta de se evitar novas
barbáries. Neste sentido, propõem-se uma reflexão entorno das propostas apresentadas por Adorno,
compreendendo a importância de um processo educacional comprometido com o crescimento
harmonioso das sociedades
2 AS IDÉIAS DE ESCLARECIMENTO, EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO
Para uma análise critica do que vem a ser o esclarecimento, Adorno ao lado de
Horkheimer expõem, primeiramente, definições a partir das concepções iluministas que se
apresentavam contrárias as idéias místicas na aquisição e produção do conhecimento em meados do
século XVIII, onde o termo era freqüentemente habitual. É durante esse período que mitos e os
conhecimentos religiosos declinaram-se perante a uma nova fonte de conhecimento, a ciência.
Na busca das origens do venha a ser o esclarecimento, os autores não se limitam aos
anos que compreende o iluminismo. Eles Procuram estender esse conceito através de um retorno à
antiguidade clássica com o objetivo de entender sua dialética intrínseca, que faz um elo entre os
conceitos de libertação e iluminação defendidos pelos próprios iluministas, com o conceito de
dominação. Deste modo, estabelecendo uma crítica ao conceito tradicional de esclarecimento. Ao
passar dos tempos, os mitos foram progressivamente substituindo as crenças religiosas. Entretanto,
ambos possuíam a mesma essência fundamental, explicavam os fenômenos através de uma
argumentação não lógica, assistemática, e, portanto, irracional. Os mitos e as crenças se baseavam
em histórias criadas para superar o não conhecido, aceitando-as como verdade e assim, assumindo
uma função esclarecedora, porém não nos termos iluministas. “O mito queria relatar, denominar,
dizer a origem, mas também expor, fixar, explicar”. (ADORNO, HORKHEIMER, 1985. p.23) O
colapso das antigas formas de esclarecimento como o mito, a metafísica e da própria teologia
coincidiram com o fim da Idade Média através da crescente onda de confiança do homem por sua
própria capacidade de resolver seus problemas, sem recursos externos.
O uso correto da razão surge como meio capaz de trazer a esperança e a promessa,
permitindo ao homem superar os seus anseios e medos, satisfazendo suas necessidades e aspirações.
Como eixo motriz dessa perspectiva histórica, encontra-se o conhecimento para o domínio do
homem e da natureza. Fica para trás a idéia de conhecimento que se planifica na verdade e instalam-
se, como novo sentido do conhecer e do agir, a operação e os procedimentos eficazes.
Para os Iluministas, o esclarecimento tinha que possuir um conteúdo de libertação da
ignorância imposta pelos mitos por que seu objetivo “[...] é de livrar os homens do medo e investi-
los na posição de senhores”. (ADORNO, HORKHEIMER, 1985. p.19). Apoiados na preferência da
ciência sobre as demais formas de conhecimento defendiam que era somente através dela que o
homem conseguiria emergir sobre a ignorância, livrando-se dela e tornando um ser autônomo,
portanto, esclarecido.
Trata-se então numa relação estreita entre autonomia e conhecimento quando os
iluministas afirmam que a superioridade do homem está no saber, capaz de permitir a obtenção do
poder porque se considera como ela própria ao afirmar que o saber “[...] não conhece nenhuma
barreira, nem na escravização da criatura, nem na complacência em face dos senhores do mundo”.
(ADORNO, HORKHEIMER, 1985. p.20). Desta forma, a superioridade conquistada através do
conhecimento é imposta sobre os outros seres, desconhecendo qualquer tipo de empecilho.
Oliveira (2009) lembra que Immanuel Kant, um dos maiores representantes
iluministas da época, afirmavam que o homem conseguiria alcançar a maioridade intelectual através
do esclarecimento, tornando-se ser autônomo e livre de qualquer resquício de uma menoridade
dependente. Assim, o que impedem ao homem de alcançar o estado de maioridade são o medo e o
comodismo resultante da menoridade, um estado do ser humano de dependência e conformismo de
depender de outros do que confrontar difíceis caminhos onde se encontra o conhecimento. A
racionalidade seria então o instrumento proposto por Kant apropriado para guiar o homem nesses
difíceis caminhos em busca do esclarecimento e promover sua maioridade.
Com a disseminação dos ideais iluministas, deu início à ascensão e a hegemonia da
ciência, impondo superioridade sobre tudo aquilo que não era científico. Desta maneira, o conceito
de esclarecimento passou a ser definido segundo Adorno e Horkheimer (1985) como uma forma em
que os homens querem aprender com a natureza é como empregá-la para dominar completamente a
ela e aos homens.
Essa definição é resultado de uma forte crítica dos autores ao próprio conceito de
esclarecimento que guiou a humanidade por mais de dois séculos, e tinha a ciência como à solução
de todos os problemas. Da mesma forma que o esclarecimento proporcionou condições dignas de se
viver, de acordo com Oliveira (2009) inspirou paralelamente através das possibilidades científicas, a
criação de armas e bombas cada vez mais mortíferas e devastadoras, promovendo a deterioração das
sociedades perante as grandes guerras mundiais, as misérias e a degradação da dignidade humana.
Os autores afirmam que “o conhecimento e o poder passaram a ser sinônimos”
(ADORNO, HORKHEIMER, 1985. p.20) quando demonstra a existência de uma relação intima
entre o mito e o esclarecimento já que ambos os processos de aquisição do conhecimento acabam
gerando o mesmo resultado, a violência. Assim, a mudança de posição proporcionada pelo
esclarecimento onde o homem deixa de ser dominado para uma posição dominadora não garante o
bem estar da sociedade, mas proporciona a geração de mais violência e, violência contra o outro é
violência contra si.
Desta forma, Adorno e Horkheimer acreditam que a modernidade se apresenta como
mera repetição da antiguidade, pois o esclarecimento inverte a relação de poder sobre a natureza a
favor do homem, consequentemente, liberando forças naturais de destruição do próprio homem.
Isso ocorre devido a este princípio de dominação que conduz o conjunto das relações sociais entre
os homens, destes com a natureza e do homem consigo mesmo.
A partir deste principio, os autores afirmam que há uma coesão entre a sociedade
capitalista e a dominação porque a própria razão deixou de constituir uma referência de autonomia e
liberdade para um puro pensamento dominador, “[...] um instrumento intelectual do poder, que ao
submeter tudo a um eu controlando o outro, na verdade elimina o próprio eu e submete-o a poderes
cegos e irrefreáveis, e com isso a razão é apenas um meio racional para a realização de fins
racionais”. (BITTENCOURT, 2009)
Adorno e Horkheimer estabeleceram um questionamento em relação ao
esclarecimento que o homem busca realmente, aquela que promove a destruição ou humanização
das sociedades. No momento em que se depara com essa triste realidade decadente das sociedades
fica inevitável não questionar até que ponto o esclarecimento deixou de ser um o bem de libertação
para um meio de autodestruição do homem.
Pela própria experiência de ser um refugiado judeu, Adorno relembra questões da
violência proporcionada pelo nazismo, um caso de manifestação de barbárie em sua magnitude. Isso
porque durante a época da Alemanha nazista, a violência física se tornou corriqueiro, e as pessoas
passam a se identificar com ela, mesmo estando elas, desvinculadas de objetivos racionais.
Suspeito que a barbárie existe em toda a parte em que há uma regressão à violência física primitiva, sem que haja uma vinculação transparente com objetivos racionais na sociedade, onde exista, portanto a identificação com a erupção da violência física. Por outro lado, e circunstâncias em que a violência conduz inclusive a situações bem constrangedoras em contextos transparentes para a geração de condições humanas mais dignas, a violência não pode sem mais nem menos ser condenada como barbárie (ADORNO, 1995, p. 159).
Viana (2009) lembra que as mesmas condições históricas e sociais que conceberam o
nazismo e sua violência ainda estão presentes em nossa sociedade e por isso é preciso impedir o seu
ressurgimento. A preocupação de Adorno é em evitar a barbárie. Desta forma, considera como
objetivo principal do processo educacional, evitar a volta da barbárie, isto é, o retorno do
totalitarismo, do nazismo e todas as formas de violência. Essas peculiaridades decadentes da
sociedade são uma ameaça constante de retorno, e a educação é o meio mais eficiente de contenção
dessas enfermidades. Se a possibilidade do retorno da barbárie existe, então a educação assume um
papel importante no sentido de prevenir e impedir tal retorno. “A exigência que Auschwitz não se
repita é a primeira de todas para a educação”. (ADORNO, 1995, p. 119).
É diante do importante papel que a educação tem para a humanização da sociedade,
Adorno critica a tese americana que a confiança germânica no autoritarismo foi o responsável pelo
surgimento do nazismo, e consequentemente por Auschwitz, embora hoje, não só na Alemanha,
mas em vários países considerados democráticos, comportamentos autoritários e autoridades cegas
persistem com mais obstinação.
Para Viana (2009) o atual processo civilizatório segundo Adorno, provoca uma
pressão e um sentimento de claustrofobia que é intransigente num mundo administrado. Isto
provoca uma busca pela superação, e a violência é uma das formas como se tenta concretizar tal
“fuga da civilização”. Quanto mais intensa é a repressão, mais intensa também será a recusa da
repressão, a tendência é de haver aumento da raiva contra a civilização, e ações irracionais contra
ela. A civilização gera anticivilização, um processo de integração e ao mesmo tempo de
desintegração ou, como diz Adorno, desagregação.
Mesmo não querendo expor um projeto educacional, a proposta de uma educação
após Auschwitz deveria seguir um modelo baseado em dois aspectos. A educação infantil,
sobretudo durante a primeira infância, pois é nesse período da vida que a personalidade está se
formando e, também porque a criança ainda é ingênua em relação à cultura, à sociedade e à
semicultura desenvolvida pela indústria cultural. É nesse estágio que ocorre a formação do caráter
do indivíduo. O outro, voltado ao esclarecimento geral da população, que seria um processo mais
abrangente, criando um clima intelectual, cultural e social que proporcionaria um contexto
adequado, um obstáculo para se evitar a repetição da barbárie.
A educação tem o sentido unicamente como educação dirigida a uma auto-reflexão crítica. Contudo, na medida em que, conforme os ensinamentos da psicologia profunda, todo caráter, inclusive daqueles que mais tarde praticam crimes, forma-se na primeira infância, a educação que tem por objetivo evitar a repetição precisa se concentrar na primeira infância. (ADORNO, 1995, p. 121-122).
Para Adorno, a educação deve buscar a autonomia, a autodeterminação do homem
enquanto sábio, fazendo uso público de sua razão, superando os limites da liberdade trazida pela
barbárie, pela semicultura. A educação é uma grande responsabilidade para própria sobrevivência
da humanidade e se tornou um campo estratégico para constituição de um novo ser que deve está
essencialmente comprometido ao social, e para isso “[...] a educação tem sentido unicamente
dirigida a uma auto-reflexão crítica” (ADORNO, 2003. p.121)
A educação proporcionada por esta sociedade é simplesmente uma reprodução de
conhecimentos produzidos do lado de fora da escola, do mesmo modo que deixou fora dos muros
da escola, o mundo da vida. A atual pedagogia é ineficaz frente às aspirações da sociedade porque
valoriza a transmissão do saber, contribuindo na perpetuação dos padrões culturais dominantes. Isso
provoca um circulo vicioso, quanto mais educação, mais conformidade, “[...] quanto mais
conformidade e adaptação mais educado é o individuo”. (BENELLI, 2006. p 06). Observa-se
perante a essa pedagogia, a existência de uma grande barreira que impossibilita o desenvolvimento
de um processo capaz de cultivar o pensamento critico no individuo.
Qualquer debate acerca das metas educacionais carece de significado e importância frente a essa meta: que Auschwitz não se repita. Ela foi à barbárie contra a qual se dirige toda a educação. Fala-se da ameaça de uma regressão à barbárie. Mas não se trata de uma ameaça, pois Auschwitz foi a regressão; a barbárie continuará existindo enquanto persistirem no que têm de fundamental as condições que geram esta regressão. (ADORNO, 1995, p. 119) .
Percebe-se que a formação encontrada na sociedade capitalista principalmente nas
escolas, é na realidade contraditória no sentido de promover um ser ativo na sociedade, visto que o
indivíduo educado nesse sistema, passando pela escola e apreendido idéias, acaba se tornando, mais
um alienado, vítima dessa ideologia no qual estabelece a distinção daqueles que devem ter uma
educação baseada no trabalho intelectual e outros, que por sua vez, terão uma educação baseada no
trabalho intelectual.
Nesse sentido, Adorno reflete ainda sobre o papel ideológico que a educação teve ao
longo da história, sobretudo como instrumento de poder da burguesia que se utilizou da
semiformação estabelecida para camada operária e camponesa no sentido de promover a
experiência de alienação e não a consciência da complexidade. “A semiformação tornou o reino
encantado como propriedade de todos”. (ADORNO, 1979 p. 118).
Ao perceber a educação se transformando num bem a ser comercializado e vendido,
onde a escola deixa de ser instituição social para ser uma empresa e os alunos seus clientes,
verifica-se que a afirmação de Adorno (1979), onde a escola de massa acaba por deformar a
consciência é de fato plausível. O ideal é que a escola deva criar condições para experiências
individuais de autonomia de pensamento e ação para serem desenvolvidos no intuito de uma
coletividade.
Mas Adorno reconhece que existem inúmeros obstáculos para realização desta
proposta como as forças opositoras que distanciam as sociedades do campo e da cidade, a
ineficiência dos grandes centros metropolitanos no combate a violência e principalmente, as pessoas
com tendências violentas morando nelas, produzindo uma forte convergência para regressão. Esses
fatores estão relacionados com a velha estrutura social estreitamente ligada à autoridade e ao caráter
autoritário. Mas Auschwitz foi possível devido à identificação cega com o coletivo e o preparo para
manipular tanto as massas como a coletividade. “Trata-se da concepção tradicional de educação,
voltada para a rigidez, à repressão do medo e para o caráter manipulador”. (VIANA, 2009)
Outra questão levantada pelo autor é o que ele denomina de fetichismo ou adoração
da técnica. Adorno define esse caráter manipulador, relacionando ao seu conceito clássico de
consciência coisificada quando afirma que “No começo as pessoas deste tipo se tornam por assim
dizer iguais a coisas. Em seguida, na medida em que o conseguem, tornam os outros iguais a
coisas” (ADORNO, 1995, p. 130). Consiste numa idolatria por coisas, máquinas, em si mesmas. De
acordo com Viana (2009) o fetichismo da técnica cria uma relação do homem com ela que contém
algo de exagerado, irracional, patogênico onde a única explicação para isto é a incapacidade de
amar. Adorno não se coloca como defensor sentimental e moralizante do amor, pois acredita que tal
incapacidade atinge hoje a todos, em diferentes graus.
Fazendo um elo com a realidade capitalista e suas ideologias controladoras do
Estado, ele destaca os “assassinos de gabinete” e os “ideológicos” como responsáveis em executar
as ações violentas. Essas pessoas sempre continuaram a existir, mas a grande finalidade da
Educação está, sobretudo, atrelada à sua responsabilidade na produção de uma consciência
verdadeira, impedindo que esses executem suas ações violentas, cumprindo seu papel de evitar o
retorno da barbárie que segundo Adorno, é uma questão decisiva para a sobrevivência da
humanidade.
Por outro lado, a educação não pode ser somente um instrumento de prevenção. Deve
também assumir na visão de Adorno um caráter emancipador. Por este termo, Adorno compreende
a importância da visão de Kant, onde a emancipação se refere ao homem autônomo, emancipado,
isto é, para a "exigência de que os homens tenham que se libertar de sua auto-inculpável
menoridade" (ADORNO, 1995, p. 141). Nesse sentido, a educação estaria contribuindo para um
processo de formação e emancipação, os quais forneceriam condições por uma idéia de ser social,
enquanto aquele que participa de uma esfera coletiva e que reconhece esse como primordial para
uma mudança, de fato.
A categoria autonomia indica uma forte influência de Kant sob Adorno por legitimar
a Educação como o único meio que poderia prevenir o princípio de Auschwitz, sob a perspectiva da
autonomia. Percebe-se então, o poder da reflexão, da autodeterminação, da não participação.
Verifica-se o que Kant denomina de passagem do estado de tutela para a autonomia. A partir disso,
seria possível pensar em uma desbarbarização da sociedade, tendo por base o esclarecimento.
A superação da menoridade na concepção kantiana é através da experiência e a
reflexão onde a primeira é a condição da segunda. A experiência nos transporta ao empirismo, ao
contato com o objeto e sua historicidade. É um processo formativo, onde o individuo se torna
experiente pelo acumulo de resultados dos processos anteriores e seu próprio processo,
proporcionando a capacidade da reflexão.
O essencial é pensar a sociedade e a educação em seu dever. Só assim seria possível fixar alternativas históricas tendo como base a emancipação de todos no sentido de se tornarem sujeitos refletidos da história, aptos a interromper a barbárie e realizar o conteúdo positivo, emancipatório de ilustração da razão. (LEOMAAR. 2003, p. 12)
Mas perante essa posição, “A emancipação, na perspectiva de Adorno, não se refere
apenas ao indivíduo como entidade isolada, mas fundamentalmente como um ser social” (VIANA,
2009). Ela é um pressuposto primordial para a democracia e se funde no anseio individual, tal como
ocorre nas instituições representativas, mas é preciso evitar um resultado irracional, que cada
indivíduo possa se servir de seu próprio saber.
A partir de uma atitude de resistência à barbárie, que se pode pensar numa formação
do indivíduo direcionado pelo princípio da autonomia, e assim almejar uma formação de
esclarecimento deste sujeito com uma educação que deve contribuir para o processo de formação e
emancipação, disponibilizando condições para os indivíduos conquiste essa autonomia socialmente.
Assim, o papel da emancipação não está direcionado somente para a formação da autonomia, mas
seu sucesso está diretamente ligado a um processo coletivo. Em nossa sociedade, a mudança
individual não provoca necessariamente a mudança social, mas esta é a precondição para que isso
ocorra.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fica evidente entre os escritos de Adorno a urgência de promover um modelo de
educação emancipador como solução para sua preocupação em evitar o surgimento de novas
barbáries. O autor acredita que os mesmos elementos que influenciaram os grandes conflitos do
passado, ainda perduram em nossa sociedade e devem ser combatidos prontamente, e a melhor
forma para isso, é direcionar a educação no sentido de estabelecer ao individuo uma auto-reflexão
de sua individualidade demonstrando sua importância numa coletividade para bem comum da
humanização.
No desenvolvimento deste trabalho, alguns objetivos nortearam essa pesquisa, tais
como entender de fato, como consiste o projeto de emancipação em Adorno a fim de compreender a
pertinência de sua teoria crítica como um meio eficaz de emancipação, no intuito de possibilitar
maior instrumentação teórica para analisar a atual sociedade, e de como as categorias autonomia e
liberdade podem ser possíveis para um projeto de emancipação.
Assim, os aspectos emancipatórios da teoria crítica de Adorno deste trabalho podem
ser destacados pelos temas da “educação contra a barbárie”, da “educação para uma consciência
verdadeira”, da “educação para a sensibilidade”, da “formação contra a semiformação”, do
“progresso” como desenvolvimento da humanidade, enfim, da “educação para a emancipação”.
Devido sua experiência como refugiado judeu numa sociedade americana voltado
para futilidade, conformismo e a dominação ideológica capitalista, tendo que assistir seus
compatriotas dizimados pelo totalitarismo nazista alastrado pela Europa e principalmente, o que ele
denomina de barbárie em seu ápice, os acontecimentos em Auschwitz, Adorno acredita que o
principal culpado por essas contradições foram às formas equivocadas de aquisição do
conhecimento pela humanidade, que desde a antiguidade até os dias atuais, sempre estiveram
voltadas, sobretudo para obtenção de poder e dominação.
Além disso, Adorno demonstra que o modelo educacional sempre se posicionou de
forma oposta a um modelo emancipador. Utilizou-se de violência para educar no passado e o usa
em outros moldes no presente, para estabelecer o conformismo e a adaptação através da
semiformação que se apresenta como reino encantado como propriedade de todos. O modelo
educacional se tornou um instrumento ideológico de poder da burguesia que impôs as camadas
dominadas à experiência da alienação, evitando qualquer possibilidade do desenvolvimento de uma
consciência crítica perante as complexidades sociais.
Adorno também alerta para a omissão do poder público em assumir as
responsabilidades com a educação. A conseqüência disto é a sua transformação para um bem a ser
comercializado, privado. A escola está deixando de ser um centro de formação de cidadãos para
uma empresa formadora clientes e mão de obra, onde a escola de massa, denominada por Adorno
neste contexto, acaba deformando a consciência do individuo. Enfim, o tema proposto por Adorno
continua atual, levando-se em conta as necessidades de se entender as origens das guerras, conflitos,
terrorismo e as revoluções sangrentas que ainda persistem em acontecer em nossas sociedades, mas
possui algumas limitações, pois de acordo Viana (2009) não percebe a necessidade de um projeto
mais amplo, englobando o conjunto das relações sociais, que é condição de possibilidade para sua
concretização.
A transformação social deve atuar simultaneamente sobre as relações sociais e a
cultura, onde a educação possui um papel primordial. O próprio Adorno parece não perceber a
ausência dessa relação no cristianismo quando cita que (ADORNO, 1995, p. 135) “Um dos grandes
impulsos do cristianismo, a não ser confundido com o dogma, foi apagar a frieza que tudo penetra.
Mas esta tentativa fracassou; possivelmente porque não mexeu com a ordem social que produz e
reproduz a frieza.” Por isso que Viana (2009) afirma que ao pregar a educação emancipadora para
evitar a barbárie sem mexer na ordem social que a produz levará fatalmente ao fracasso.
Assim, para a superação desta limitação pressupõe compreender a necessidade simultânea de
uma nova educação, de uma nova escola com novos educadores, levando em conta ainda,
transformações em outras esferas sociais na direção de uma nova ordem, visando acabar com as
condições que possibilitem o retorno da barbárie. Entretanto, o projeto de Adorno de uma educação
emancipadora tem seu valor, sentido e concreticidade na contribuição de um processo de libertação
humana.
Adorno conjuntamente com Horkheimer elaborou uma crítica social que favorece a
tomada de consciência das reais condições de vida do seu tempo. Desse modo, um projeto de
emancipação consistente pode ser encontrado na elaboração dessa crítica. Por ela é possível chegar
à consecução da autonomia requerida pela razão. Esta, por sua vez, se consolida como crítica do
Esclarecimento, descobrindo as razões do seu enveredamento para um novo mito, regressando
àquilo que desejava superar. Esta Crítica que guarda um projeto de emancipação gerador de novas
condições de vida. Eles operam uma revisão do Esclarecimento, através da crítica da razão
instrumental, em vista de encontrar o caminho de superação daquela menoridade salientada por
Kant. A teoria crítica poder-se-ia dizer, é um modo de engajamento dos homens na sua marcha para
a liberdade. Assim, nesse caminho para a liberdade, como projeto fundamental do homem e
também de nosso tempo, a teoria crítica da sociedade é um significativo aliado.
Os autores apontam saídas possíveis, apesar de um aparente fechamento no momento
da crítica, a partir da indagação: “[...] por que a humanidade, em vez de entrar em um estado
verdadeiramente humano, está se afundando em uma nova espécie de barbárie” (ADORNO,
HORKHEIMER, 1985, p. 11). O esforço de encontrar na teoria crítica os sinais que apontam para a
emancipação é ilustrado com as palavras do prefácio da Dialética do Esclarecimento, ao afirmarem:
“Não alimentamos dúvida nenhuma [...] de que a liberdade na sociedade é inseparável do
pensamento esclarecedor” (ADORNO, HORKHEIMER, 1985, p. 13). Dessa expressão advém a
idéia de que junto à teoria crítica, enquanto pensamento esclarecedor está presente o projeto de
emancipação.
Vale ressaltar, que a oportunidade de realizar este estudo, ficou a certeza da grandeza
quantitativa e qualitativa do legado de Adorno, não se esgotando em uma primeira pesquisa. Ela
requer novos trabalhos, novos aprofundamentos, sobretudo por oferecer variadas vertentes e novas
possíveis leituras.
REFERÊNCIAS
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