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22 Balde Branco - maio 2014 QUALIDADE OUALIDADE or mais que se tenha enfatizado a importância do controle da qualida- de da água utilizada na propriedade rural, o que se vê é que muitas vezes essa prática é negligenciada. Como consequên- cia, o descaso leva ao comprometimen- to da saúde dos ani- mais e da qualidade do leite produzido. Conforme destaca Marcelo Henrique Otênio, pesquisa- dor da Embrapa Gado Leite, tudo isso ocorre porque o saneamento rural é quase inexistente no País, ao contrá- rio das cidades que dispõem de água tratada. “Quando se fala de saneamento rural, no caso, se referindo à pequena proprie- dade familiar, se considera que estamos abordando o manejo do esgoto das mo- radias, dos efluentes dos currais, enfim, o tratamento da água de toda a proprie- dade, e não só da sala de ordenha”, explica. Com isso, se abrange também a questão de ganho de qualidade de vida e de saúde das pessoas, o que reflete no melhoramento da atividade envolvida. “Ajusta-se, assim, o manejo geral da higiene na propriedade como um todo, pois está tudo rela- cionado”, diz ele, ressaltando a necessidade de observação rigorosa das recomendações higiênicas no processo de ordenha e limpeza dos equi- pamentos e do tanque de refrigeração. “De nada adian- ta ter água de qualidade se esses procedimentos forem negligenciados”, completa. Carolina Martins Kamiya- ma, bióloga do Serviço de Ins- peção Estadual da Secretaria de Agricultura do Estado do Rio de Janeiro/Defesa Agro- pecuária, destaca que ao longo do processo de produção, se sabe que o leite pode constituir um meio de cultura para microrganismos deteriorantes e patogênicos. “A ocorrência de falhas na cadeia produtiva está associada a contaminações do leite e, como conse- quência, à ocorrência de casos e surtos associados à ingestão de lácteos”, cita. É certo que a água de qualidade impacta positivamente a qualidade do leite, auxiliando na redução da contagem bacteriana e de células somáticas, dei- xando de ser veículo de contaminação durante a ordenha e conservação do leite ordenhado. “A água contaminada pode veicular bac- térias causadoras de mastite e tam- bém bactérias que contaminam o leite, podendo provocar acidez e perda do produto”. PESQUISAS MOSTRAM DESCUIDOS NA FA - ZENDA - O principal contaminante da água são os agentes microbiológicos da água natural, de minas e poços, especialmente colifor- mes fecais. Daí a necessidade de fossa séptica, mais o tratamento com cloro. “Deve-se ressaltar que são as próprias pessoas da propriedade que contaminam Em todo o processo produtivo da cadeia do leite, a água exige análises e também avaliação constante de suas fontes. Só assim a produção do leite com qualidade estará garantida JOÃO ANTÔNIO DOS SANTOS Otênio: são as pessoas que contaminam a água Carolina: água pode estragar o leite

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22 Balde Branco - maio 2014

QUALIDADEOUALIDADE

or mais que se tenha enfatizado a importância do controle da qualida­de da água utilizada na propriedade rural, o que se vê é que muitas

vezes essa prática é negligenciada. Como consequên­cia, o descaso leva ao comprometimen­to da saúde dos ani­mais e da qualidade do leite produzido. Conforme destaca Marcelo Henri que Otênio, pesquisa­dor da Embrapa Gado Leite, tudo isso ocorre porque o saneamento rural é quase inexistente no País, ao contrá­rio das cidades que dispõem de água tratada.

“Quando se fala de saneamento rural, no caso, se referindo à pequena proprie­dade familiar, se considera que estamos abordando o manejo do esgoto das mo­radias, dos efluentes dos currais, enfim, o tratamento da água de toda a proprie­dade, e não só da sala de ordenha”,

explica. Com isso, se abrange também a questão de ganho de qualidade de vida e de saúde das pessoas, o que reflete no melhoramento da atividade envolvida.

“Ajusta­se, assim, o manejo geral da higiene na propriedade como um todo, pois está tudo rela­cionado”, diz ele, ressaltando a necessidade de observação rigorosa das recomendações higiênicas no processo de ordenha e limpeza dos equi­pamentos e do tanque de refrigeração. “De nada adian­ta ter água de qualidade se esses procedimentos forem negligenciados”, completa.

Carolina Martins Kamiya­ma, bióloga do Serviço de Ins­peção Estadual da Secretaria de Agricultura do Estado do Rio de Janeiro/Defesa Agro­

pecuária, destaca que ao longo do processo de produção, se sabe que o leite pode constituir um meio de cultura para microrganismos deteriorantes e patogênicos. “A ocorrência de falhas na cadeia produtiva está associada a contaminações do leite e, como conse­quência, à ocorrência de casos e surtos

associados à ingestão de lácteos”, cita. É certo que a água de qualidade

impacta positivamente a qualidade do leite, auxiliando na redução da contagem bacteriana e de células somáti cas, dei­

xando de ser veículo de contaminação durante a ordenha e conservação do leite ordenhado. “A água contaminada pode veicular bac­térias causadoras de mastite e tam­bém bactérias que contaminam o leite, podendo provocar acidez e perda do produto”.

Pesquisas mostram descuidos na fa-zenda - O principal

contaminante da água são os agentes microbiológicos da água natural, de minas e poços, especialmente colifor­mes fecais. Daí a necessidade de fossa séptica, mais o tratamento com cloro. “Deve­se ressaltar que são as próprias pessoas da propriedade que contaminam

Em todo o processo produtivo da cadeia do leite, a água exige análises e também avaliação constante de suas fontes. Só assim a produção do leite com

qualidade estará garantida João antônio dos santos

Otênio: são as pessoasque contaminam a água

Carolina: água podeestragar o leite

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a água que utilizam. E não se dão conta disso, sempre achando que a contami­nação vem de fora, e não dos próprios procedimentos”, ressalta Otênio.

Joaquim Mário Neiva Lamas, técnico em alimentos e laticínios, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tec­nologia do Sudeste de Minas, campus de Rio Pomba­MG, observa que, muitas vezes, o senso comum acredita que as nascentes ou minas são sinônimos de água de qualidade. “Isso só vale para nascente que este­ja protegida quanto aos riscos de contaminação e que tenha uma profun­didade adequada para permitir um bom processo de filtração do solo”. É co­mum a formação de lodo ou de limbo em caixas, canalizações e bebedou­ros, o que exige limpeza periódica do sistema.

Em seu trabalho, Ca­rolina fez análise da água

utilizada nas agroindústrias localizadas em propriedades rurais. A água era proveniente de fontes, como nascentes, olhos d’água e poços. Ela constatou que na maioria dos casos se deparou

com água que estava contaminada nas 20 pro­priedades pesquisadas. Foram realizadas aná­lises físico­químicas e micro biológicas, sendo que estas últimas se mostraram mais impac­tantes na qualidade da água.

As águas de poços estavam contaminadas em 100% das amostras, enquanto nas de nas­centes e olhos d’água, 86% também estavam fora do padrão microbio­lóg ico recomendado pe la legislação. “Como principal causa dessa contaminação estavam os coli formes fecais e colifor mes totais”, diz ela, observando que as razões eram variadas, como falta de manu­tenção e proteção das nascentes, poços rasos

e falta de manejo adequado dos dejetos e efluentes.

Lamas, em seu trabalho, avaliou a influência da cloração da água utiliza­da em uma propriedade familiar, na

Zona da Mata de Minas Gerais, nos valores de contagem de células somáticas (CCS) e de bactérias (CBT) do leite cru. Parte das amostras de água foi coletada na sala de ordenha e ana­lisada com a utilização de kits de análise de água in loco, enquanto ou t ras fo ram env ia­das para o laboratório da Embrapa Gado de Leite.

“Após a cloração da água, os valores de CCS e CBT reduziram signifi­cativamente, em 63,46% e 30,21%, respectiva­mente. Isso demonstra o efeito da desinfecção da água utilizada na la­vagem dos tetos e uten­sílios de ordenha”, cita.

Água de qualidade auxilia na redução da contagem bac-teriana e de células somáticas

Para evitar a formação de lodo ou limbo nos bebedouros, recomenda-se limpeza periódica

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efeito do clorador

indomar Batista, dono do Sítio Bom Jardim, em Rio Pomba­MG, há vá­

rios anos é produtor de leite, mas foi nos últimos cinco anos que resolveu aprimorar geneticamente o rebanho e profissionalizar mais a atividade. Foi essa mudança que o levou a buscar orientação de Joaquim M. N. Lamas para melhorar a qualidade da água na propriedade.

“Como sempre, quis produzir leite de qualidade, aprendi que pra isso a água também deveria ser de qualidade”, diz ele. Nos 24,5 ha de área, além do leite produz milho, para silagem e grão, e fumo. O rebanho atual é de 95 animais Girolando “puxados para o Holandês”. Produz entre 450 e 500 litros de leite/dia, com 28 vacas em lactação. Recentemente, passou a vender o leite para o Laticínios Flórida, do qual espera receber em breve bonificação por qualidade.

A água utilizada para a limpeza de equipamentos na sala de ordenha vinha do riacho que corta a propriedade. A canalização, sem a devida manutenção (cano com rachaduras ao longo do tra­jeto), ia direto do córrego para o curral. A análise da água, então, indicou conta­minação por coliformes fecais, além de apresentar turbidez.

Sob a orientação de Lamas, foi feita a troca de todo o encanamento e água passou a ser captada de um poço semi­

in 62 exige análise de Potabilidade - Nas propriedades leiteiras é comum o uso de água sem tratamento adequado, de fontes susceptíveis a contaminações externas. Segundo Otênio, o primeiro procedimento a ser feito neste caso é a análise da potabilidade da água utili­zada na sala de ordenha, o que é exi­gido pela Instrução Normativa 62. Isso pode ser realizado pelo Departamento de Água do município ou, então, este indicará um laboratório.

Se for detectada contaminação nes­sa amostra, o produtor deve procurar um técnico para encontrar a origem do problema. Em seguida, é preciso implantar um programa de manejo para garantir a qualidade da água, como pro­teção da fonte, manejo dos eflu entes da sala de ordenha, limpeza e higiene dos equipamentos de ordenha. “É importan­te frisar que não se po de pensar que basta colocar um clora dor e resolver tudo”, cita o pesquisador.

Carolina explica que entre os micror­ganismos que podem ser veiculados pela á gua, se destacam, além das bactérias do grupo coliformes, os mi­

­artesiano, indo para uma caixa de 3 mil litros, que distribui a água para a moradia, e para outra de 100 litros no curral, com um clorador em sua entrada. “Agora, a gente tem maior segurança de que está utilizando água de qualidade na sala de ordenha e para o consumo dos animais”, frisa Batista.

O produtor Romeu Rodrigues dos Reis, proprietário da Fazenda Campo Limpo, também em Rio Pomba, é outro que ficou em conformidade com a legislação quanto à água utilizada na propriedade. Com produ­ção entre 700 e 1.000 litros de leite por dia, na média dos últimos doze meses, com 60 vacas Girolan do em lactação, os trabalhos de limpeza da sala de ordenha consomem

crorganismos psicrotróficos como Pseudo monas spp., patógenos co mo Listeria monocytoge nes, Salmo­nel la spp., espécies de Staphylococcus produtoras de enterotoxicinas, dentre outros.

“As bactérias do grupo coliformes, como E. coli, estão entre os agentes etiológicos da mastite e, assim, podem ser carrea­das do úbere para o leite”, informa ela, acrescentando que vale notar ainda que o uso de água não potável, além de ocasionar o aumento da CBT e a contaminação do leite e seus deri­vados com patógenos, põe em risco a saúde dos consumidores.

São várias as orientações para pro­teção e preservação dos mananciais de água. Entre elas, se destacam o trata­mento de resíduos da produção leiteira; manejo adequado dos animais, plantas e solo para não causar degradação am­biental; conservar as águas de chuva,

em torno de 200 litros de água por dia.Antes da instalação do clorador, a aná­

lise da água armazenada numa caixa de 5 mil litros, proveniente de uma nascente, apresentou contaminação por coliformes fecais. Segundo Lamas, essa caixa que não tinha tampa, passou a ser coberta com uma lona e foi dotada em sua saída de um clorador.

Também foi instalada outra caixa d’água de 1.000 litros na sala do tanque de expan­são, com um clorador antes da entrada da água. “Com isso, a qualidade da água é garantida e atende às exigências da IN 62, que preconiza que toda a água utilizada na sala de ordenha seja potável”, diz ele.

propiciando a infiltração no solo; cercar as nas­centes e fontes para evitar a presença de animais na área; limpeza frequente das caixas d’água, tubulações e bebedouros.

Otênio lembra ainda que, quando se trata da captação de águas super­ficiais, como em represas e lagoas, é recomendável fazer a captação um pouco afastada das margens e a alguns centímetros de profundidade, de modo a evitar o excesso de matéria

orgânica presente nas margens e na superfície. Uma técnica é perfurar e re­vestir a extremidade do cano com uma tela fina, usando também um recipiente perfurado, sus penso por uma boia de isopor para impedir que o cano atinja o fundo do curso d’água.

oPções de tratamento - pesquisador faz questão de frisar que a cloração, num ponto antes do armazenamento

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Lamas: nascentesdevem ser protegidas

Ao lado da caixa, clorador que assegura qualidade para a água utilizada no Sítio Bom Jardim

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da água, é a última etapa do processo de tratamento de água. “Para volumes de água superiores a 5 mil litros/dia, é sugerido utilizar um clorador por

gotejamento ou ainda o clorador de pastilhas. Para volumes menores, até 1.000 litros/dia pode ser usado o clorador modelo Embrapa (http://www.cnpdia.embrapa.br/produtos/clorador.html). Em geral, o custo desses equi­pamentos varia entre R$ 300 e R$ 50, respectivamente, com um gasto de cloro entre R$ 4 a 5 por mês.

Ainda como busca de orientação quanto à obtenção de leite e derivados seguros e de qualidade nas proprieda­des rurais, o produtor conta com diver­

sos programas, como o Programa Alimentos Segu­ros (PAS­Leite), idealizado pelo Se brae, Senar e Em brapa Gado de Leite. Seu ob­jetivo é orientar a implementação das Boas Práti­

cas Agropecuá rias (BPA) e os princí­pios do sistema APPCC, em todos os elos da cadeia produtiva.

Mais informações:Marcelo H. Otênio; telefone: (32)3311­7514Carolina M. Kamiyama; e­mail: [email protected] – Joaquim M. N. Lamas; e­mail: [email protected].

qualidade monitorada

o último dia 20 de março, a Agência Na­cional de Águas (ANA) lançou a Rede

Nacional de Monitoramento de Qualidade das Águas (RNQA). A ação busca monitorar, avaliar e disponibilizar à sociedade as infor­mações de qualidade das águas superficiais e gerar conhecimento para subsidiar a ges­tão dos recursos hídricos do Brasil.

Além disso, a RNQA tem o objetivo de identificar áreas críticas em termos de po­luição hídrica e de apoiar ações de planeja­mento, outorga, licenciamento e fiscalização das águas do País. Serão contemplados com equipamentos 16 estados, sendo que todos já operam com redes estaduais de monitora mento de qualidade de água.

A meta é que até dezembro de 2020 o programa disponha de 4.452 pontos de monitoramento. Para isso, a ANA está investindo R$ 9,54 milhões em equipamen­tos, como medidores acústicos de vazão e sondas multiparamétricas de qualidade de água. A RNQA propõe a padronização dos dados coletados, dos procedimentos de coleta e da análise laboratorial dos parâmetros qualitativos para que seja pos­sível comparar as informações obtidas nas diferentes unidades.

Os parâmetros mínimos a serem cole­tados nos pontos de monitoramento en­volvem aspectos físico­químicos (trans­parência, temperatura da água, oxigênio dissolvido, pH e demanda bioquímica de oxigênio), microbiológicos (coliformes), biológicos (clorofila e fitoplâncton) e de nu­trientes (relacionados a fósforo e nitrogênio). Todos os dados obtidos pela RNQA serão armazenados no Sistema de Informações Hidrológicas (HidroWeb), da ANA.

tabela 1análises de cloro residual (água da sala de ordenha),

contagens de células somáticas e bacteriana do leite cru no baldede ordenha, realizadas antes e dePois do uso de cloro residual

Cloro residual (mg/L) CCS (mil/mL) UFC (mil/mL)

0 312 192 1,0 114 134

n

Consumo de água em represas e lagoas pelo rebanho deve ser evitado