Em Que Consiste a Intimidade

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1/3 EM QUE CONSISTE A INTIMIDADE? Por Flávio Gikovate A intimidade consiste em uma adorável sensação de proximidade e cumplicidade com uma pessoa especial: um amigo sincero, um parente, um parceiro sentimental. Ela só se constrói em determinadas condições especiais, sendo que a mais importante delas tem a ver com o modo como se constituiu nosso modo de pensar. Cada um de nós desenvolveu um jeito de correlacionar as palavras e os pensamentos que é mais original do que pensamos. Apesar de todos falarmos a mesma língua, nem sempre o que dizemos corresponde exatamente ao que o outro ouve; e, o que é o principal, muitas vezes não está em sintonia com aquilo que estava em nossa mente. Ou seja, como cada cérebro é único, não é raro que aquilo que estou escrevendo aqui agora e que é o fruto de um esforço de transformar em palavras o que se passa em minha mente não corresponda ao que você, leitor, estará entendendo. Isso não se deve apenas à uma eventual dificuldade minha de me comunicar e sim a diferenças relevantes entre os nossos modos de pensar. Em contrapartida, há vezes em que o que falamos ou escrevemos parece corresponder exatamente ao que nosso interlocutor entendeu. A sensação é extremamente agradável, uma vez que nos sentimos devidamente entendidos e isso define uma importante afinidade no sistema de pensar, condição indispensável para que se constitua um relacionamento íntimo. Quando ocorre essa comunicação bem sucedida nossa sensação é de aconchego, de não estarmos tão sozinhos nesse mundo. Ao longo do convívio com alguém cujo modo de pensar é suficiente parecido com o nosso, é claro que podem surgir divergências de pontos de vista e mesmo de atitudes diante das várias condições objetivas da vida de cada um dos que são íntimos. É indispensável que esse canal fluente e fácil de comunicação não se feche, o que exige certos cuidados muito relevantes. O primeiro deles diz respeito ao modo como colocamos nossas diferenças: o melhor caminho consiste no uso da primeira pessoa do singular e

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Como conseguir a intimidade no relacionamento? É uma pergunta que o autor tenta responder.

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    EM QUE CONSISTE A INTIMIDADE?

    Por Flvio Gikovate

    A intimidade consiste em uma adorvel sensao de proximidade e cumplicidade com uma pessoa especial: um amigo sincero, um parente, um parceiro sentimental. Ela s se constri em determinadas condies especiais, sendo que a mais importante delas tem a ver com o modo como se constituiu nosso modo de pensar. Cada um de ns desenvolveu um jeito de correlacionar as palavras e os pensamentos que mais original do que pensamos. Apesar de todos falarmos a mesma lngua, nem sempre o que dizemos corresponde exatamente ao que o outro ouve; e, o que o principal, muitas vezes no est em sintonia com aquilo que estava em nossa mente. Ou seja, como cada crebro nico, no raro que aquilo que estou escrevendo aqui agora e que o fruto de um esforo de transformar em palavras o que se passa em minha mente no corresponda ao que voc, leitor, estar entendendo. Isso no se deve apenas uma eventual dificuldade minha de me comunicar e sim a diferenas relevantes entre os nossos modos de pensar. Em contrapartida, h vezes em que o que falamos ou escrevemos parece corresponder exatamente ao que nosso interlocutor entendeu. A sensao extremamente agradvel, uma vez que nos sentimos devidamente entendidos e isso define uma importante afinidade no sistema de pensar, condio indispensvel para que se constitua um relacionamento ntimo. Quando ocorre essa comunicao bem sucedida nossa sensao de aconchego, de no estarmos to sozinhos nesse mundo. Ao longo do convvio com algum cujo modo de pensar suficiente parecido com o nosso, claro que podem surgir divergncias de pontos de vista e mesmo de atitudes diante das vrias condies objetivas da vida de cada um dos que so ntimos. indispensvel que esse canal fluente e fcil de comunicao no se feche, o que exige certos cuidados muito relevantes. O primeiro deles diz respeito ao modo como colocamos nossas diferenas: o melhor caminho consiste no uso da primeira pessoa do singular e

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    no a terceira pessoa, uma vez ela que pode facilmente provocar a sensao de cobrana, crtica ou acusao. Se algo me desagrada no outro, posso dizer a ele que eu fico triste quando acontece isso ou aquilo entre ns em vez de no acho que voc deveria fazer isso ou aquilo; ou pior ainda: no aceito no admito que voc faa isso ou aquilo. Ningum tem o direito de exigir nada de ningum, muito menos dos mais ntimos. Temos o direito e mesmo o dever de inform-los sobre os desdobramentos de seus atos: quando voc age dessa ou daquela maneira, isso provoca em mim tantas e tais sensaes e emoes. Se o outro quiser nos agradar certamente tender a evitar as condutas que nos entristecem. Se no for esse o caso, cabe a ns decidir se aceitamos ou no o convvio com essa pessoa. Outro ingrediente que considero fundamental para a continuidade dos relacionamentos baseados em respeito e intimidade a ausncia de crticas. Quando uma pessoa relevante nos censura, nossa sensao muito desagradvel; e especialmente ruim se espervamos algum tipo de compreenso ou alvio de um desconforto que ns mesmos estejamos sentindo por termos cometido algum erro. Quando esperamos colo e recebemos uma reprimenda, tendemos a nos calar; e no s naquela dada situao especfica, mas tambm em qualquer outra que venha a ser passvel de algum tipo de reprimenda. Um exemplo: se eu contar para o meu parceiro sentimental algo no qual eu tenha falhado ou algum sonho ou pensamento no muito abonador eu no gostaria de ouvir algo do tipo nossa, nunca pensei que voc fosse fazer essa bobagem ou ter tal tipo de pensamento. claro que da prxima vez que eu fizer algo que possa ser censurvel ou pensar algo no to agradvel no mais contarei o que se passou comigo. Assim, o que mais comumente interrompe a comunicao e impede a intimidade so atitudes crticas e reprovadoras vindas de parceiros cuja aceitao nos to importante.

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    Se ao invs de crticas ouvirmos algo do tipo voc sabe que em uma dada ocasio fiz algo parecido e sei muito bem como chato errar e imagino como voc deva estar se sentindo; mas no se aflija, pois isso logo passa, claro que a intimidade cresce e se fortalece. Em sntese, as boas relaes de companheirismo acontecem entre aqueles que possuem modos de ser e de pensar assemelhados, que sejam muito cautelosos ao colocar suas divergncias sempre dando prioridade para a descrio da repercusso das aes do outro sobre si mesmo e, mais que tudo, entre pessoas que no se arvorem em juzes e que sejam acima de tudo cmplices.