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ISSN: 2318-6003 | v.7, 2019 UFRGSMUNDI • 1 • GUIA DE ESTUDOS: UFRGSMUNDI 2019 • Em memória à Prof. Dra. Sonia Maria Ranincheski 02.05.1965 - 25.07.2019

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Em memória à Prof. Dra. Sonia Maria Ranincheski

02.05.1965 - 25.07.2019

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ORGANIZADORES

Camilla Martins Pereira

Joana Soares Cordeiro Lopes

Júlia Maria Taboada Correia

Natascha Ramos Klein

Pedro Bandeira dos Santos

PORTO ALEGRE, V.7, AGO. 2019

UFRGSMUNDI Porto Alegre v.7 p.1-225 2019

GUIA DE ESTUDOS 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

REITORProf. Rui Vicente Oppermann

FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS

DIRETORProf. Carlos Henrique Horn

CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

COORDENADORProf. Érico Esteves Duarte

EDITORA-CHEFEProf.ª Analúcia Danilevicz Pereira

CONSELHO CONSULTIVOProf.ª Analúcia Danilevicz Pereira (UFRGS); Prof. André da Silva Reis (UFRGS); Prof. Érico Esteves Duarte (UFRGS); Prof. Henrique de Castro (UFRGS); Prof.ª Jacqueline Haffner (UFRGS); Prof. José Miguel Quedi Martins (UFRGS); Prof. Luiz Augusto Faria (UFRGS); Prof. Marco Aurélio Cepik (UFRGS); Prof. Paulo Visentini (UFRGS); Prof.ª Sonia Maria Ranincheski (UFRGS); Prof.ª Silvia Ferabolli (UFRGS); Prof.ª Verônica Kerber Gonçalves (UFRGS)

CONSELHO EDITORIALBruna Jaeger (UFRJ, Brasil); Camila Andrade (UFRGS, Brasil); Carolina Anthunes Condé de Lima (UFSC, Brasil); Débora de Oliveira (UFRGS, Brasil); Leonardo Marmontel Braga (UFRGS, Brasil); Luana Beal (UFRGS, Brasil); Marcel Hartmann (UFRGS, Brasil); Marielli Bittencourt (UFRGS, Brasil); Marília Closs (UERJ, Brasil); Natália Maraschin (Universidade de Denver, Estados Unidos); Rafaela Serpa (UFRGS, Brasil); Roberta Preussler (UFRGS, Brasil); Vanessa Schinke (PUCRS, Brasil)

CONSELHO EXECUTIVOCamilla Martins Pereira; Joana Soares Cordeiro Lopes; Júlia Ma-ria Taboada Correia; Natascha Ramos Klein; Pedro Bandeira dos Santos

EDITORAÇÃONatascha Ramos Klein

CAPA E PROJETO GRÁFICOPedro Bandeira dos Santos

ILUSTRAÇÕESMarcela Bittencourt Braga

APOIOPró-Reitoria de Extensão; Faculdade de Ciências Econômicas; Centro Estudantil de Relações Internacionais; UFRGSMUN; Relações Internacionais para Educadores (RIPE); UFRGSMUN Back In School (BIS)

Os materiais publicados no guia de estudos UFRGSMUNDI são de exclusiva responsabilidade dos autores. É permitida a repro-dução parcial e total dos trabalhos, desde que citada a fonte. Os artigos assinalados refletem o ponto de vista de seus autores e não necessariamente a opinião dos editores desse periódico.

UFRGSMUNDI

Faculdade de Ciências Econômicas (FCE/UFRGS)

Av. João Pessoa, 52, Campus Centro, CEP 90040-000, Porto Alegre, RS - Brasil.

Email: [email protected]://www.ufrgs.br/ufrgsmundi

Dados Internacionais de Catalagoção na Publicação (CIP)

UFRGSMUNDI

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Ciências Econômicas, Curso de Relações Internacio-nais, Centro Estudantil de Relações Internacionais - Ano 7, n. 7 (2019). – Porto Alegre: UFRGS/FCE, 2013

Anual.ISSN 2318-6003.

1. Ciência Política. 2. Relações internacionais. 3. Política internacional. 4. Diplomacia.

CDU 327

Responsável: Biblioteca Gládis Wiebbelling do Amaral, Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS

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SUMÁRIO06 APRESENTAÇÃO

08 EDITORIAL

09 GUIA DE REGRAS

12 AGÊNCIA DE COMUNICAÇÃO A Prática do Jornalismo e as Relações Internacionais Daniel Mutzemberg Giussani, Eduardo Julian Almeida Rius, Isabella Martins Carpentieri, Natália Alves Dorneles e Renata da Luz Dorneles

26 ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS O Combate ao Problema Mundial das Drogas e do Narcotráfico Aline de Souza Correia Santos, Arthur Schneider Gregório, Bibiana Ribeiro Golambieski, Gabriela de Mendonça Lima Penna, Mariana Pires Theodoro e Rafaela Elmir Fioreze

48 ASSEMBLEIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE O Uso de Agrotóxicos e a Contaminação do Solo Isabelle Fernandes Caon, Nicole Fankhauser, Rafaela Raphaelli Matos Dal Ben, Thales Jéferson Rodrigues Schmitt e Vinícius Altair Olaves Marques

66 CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES UNIDAS Armamento Civil e Direitos Humanos: Desafios e Consequências Giovanna Cunha Padilha, Luiza Cerveira Kampff, Marcus Vinicius Hypólito Alves, Mariane Di Domenico e Sofia Oliveira Perusso

92 CONSELHO EUROPEU Os Desafios Atuais de Migração e Refúgio na União Europeia Gabriel Gomes Constantino, Leonardo Seben, Natália Hedlund Jardim, Tarsila Klein Schorr e Vitória Vieira de Souza Abreu

110 CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS DE 1994 A Situação em Ruanda Beatriz Vieira Rauber, Camila Heineck Schwertner, Gabriel Tabbal Mallet, Kelen Barboza Grando e Maitê Roman Goulart

124 ASSEMBLEIA DE GOVERNADORES DO FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL DE 1986 Renegociação das Dívidas Externas dos Países Latino-Americanos Felipe Jaeger Andreis, Igor Estima Sardo, Maria Eduarda Variani e Victoria Ellwanger Pires

140 CONSELHO DA LIGA DAS NAÇÕES DE 1933 O Rearmamento Alemão Artur Holzschuh Frantz, Eduardo Tomankievicz Secchi, Luana de Meneses Borba, Tayssa do Rosário Zucchetto e Tiago Carvalho

156 ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO ISLÂMICA Movimentos extremistas e Radicalismo no Oriente Médio Fernanda Boldrin, Lucas Colombo Keil, Pietra Ribeiro Studzinski, Thaís Peixoto e Victor Hugo Dresch

178 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS A Situação na Venezuela Francielle Mazocco, Floriane Abreu da Silva, Geórgia Bernardina de Menezes Gomes, Luana Alonso Xavier de Miranda e Matheus Chiot Teixeira

194 SENADO FEDERAL A Reforma do Ensino Médio Bruna Queiroz Carvalho, Isadora dos Santos Rodrigues, Luiz Marcelo Michelon Zardo, Magnus Kenji Hernandes Hubler Hiraiwa e Mariana Aleixo Ferreira

210 ASSEMBLEIA GERAL DA UNIÃO AFRICANA A Questão da Reforma Agrária na África Ana Luiza Loh, Gabriela Ribeiro Santos, Júlio César Giacomin Spido, Larissa Teixeira e Luiz Eduardo Kihn Facchin

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APRESENTAÇÃOA Faculdade de Ciências Econômicas e o projeto UFRGSMUNDI 2019

Carlos Henrique Horn Diretor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS

Apresentamos o Guia de Estudos do UFRGSMUNDI de 2019, que foi elaborado por estudantes de graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em sua maioria pertencentes ao curso de Relações Internacionais da Faculdade de Ciências Econômicas (FCE). Trata-se de oitava edição deste evento que se propõe a reunir alunos do ensino médio e realizar atividades de simulação de debates sobre diferentes temas no âmbito das Nações Unidas. Este Guia de Estudos tem como objetivo orientar os participantes nas simulações temáticas, mas também pode ser uma excelente fonte de consulta para outros interessados nos assuntos aqui apresentados. A Universidade contribui, desta forma, para a formação e a qualificação de pessoas comprometidas com a excelência e a ética e com o desenvolvimento de novos conhecimentos e da sociedade. A FCE completa 110 anos de existência em 2019. É uma das unidades acadêmicas mais antigas e tradicionais da UFRGS. Suas origens remontam à antiga Escola de Comércio, de 1909, integrante da Faculdade Livre de Direito. Em 1945, tornou-se Faculdade de Economia e Administração da Universidade de Porto Alegre, responsável pelos cursos superiores de Ciências Econômicas, Ciências Administrativas e Ciências Contábeis e Atuariais. Em 1950, com a federalização da então Universidade do Rio Grande do Sul, a Faculdade de Economia e Administração passou a denominar-se Faculdade de Ciências Econômicas – FCE, o que permanece até os dias de hoje. No século XXI, colaborou com a expansão do sistema público de ensino superior ao criar, em 2004, um novo curso de graduação em Relações Internacionais e, em 2007, um curso de graduação tecnológica sobre Planejamento e Gestão para o Desenvolvimento Rural, na modalidade de educação à distância. Neste breve histórico, realçamos o compromisso da Faculdade em formar e qualificar pessoas comprometidas com a excelência e a ética, desenvolver novos conhecimentos e contribuir para o desenvolvimento da sociedade. O GUIA UFRGSMUNDI 2019 é mais uma prova deste compromisso, pois venceu as dificuldades inerentes a um projeto de extensão e se afirmou como um projeto regular da FCE, sendo realizado anualmente. Assim, no próximo ano, nossos alunos novamente organizarão o MUNDI e mais uma vez a comunidade gaúcha poderá usufruir dos conhecimentos aqui gerados. Nossa integração com a comunidade gaúcha se realiza de muitas maneiras e uma delas tem sido a realização do UFRGSMUNDI com a participação de jovens secundaristas que, nos dias de realização do evento, descobrem uma Faculdade vibrante, que funciona no já histórico prédio da avenida João Pessoa, 52, em Porto Alegre. Faculdade esta que busca constantemente renovar os valores de integração da comunidade acadêmica, desenvolvimento humano e colaboração e liberdade de criação, valorização da pluralidade, sustentabilidade, responsabilidade e transparência, cooperação institucional, e democratização do ensino, pesquisa e extensão. Esses valores, sobretudo os da pluralidade e da liberdade, encontram-se em xeque num mundo em que muitos governantes adotam a linguagem do ódio como seu modo de comunicação preferido. À Universidade cabe contrapor tal linguagem com a defesa intransigente da ciência, das artes e das humanidades em um ambiente de profunda tolerância. Convidamos todos a ler o GUIA MUNDI 2019. Convidamos também a conhecer a FCE, não só pelas redes sociais e pela nossa página na Internet, mas também nos visitando para o uso da biblioteca, para assistir palestras, debates ou atividades culturais, e para se informar sobre como estudar na UFRGS.

...

Nos anos recentes, a organização do UFRGSMUNDI esteve sob a coordenação docente da professora Sonia Maria Ranincheski. No GUIA MUNDI 2018, a professora Sonia alertava que “o cenário atual nas relações internacionais está exigindo dos especialistas análises profundas e que expliquem como é possível a humanidade se deixar conduzir por lideranças aventureiras que, possuindo o poder de Estado, ameaçam a paz mundial. Necessitamos de estudiosos que tenham discernimento entre o que são interesses das grandes corporações, interesses dos Estados nacionais e de bem estar de população”.

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Lamentavelmente, a professora Sonia nos deixou no mês de julho, vítima de acidente que levou a ela e a um irmão. Registramos, aqui, nossa gratidão pelo envolvimento da professora com seus alunos e na sua atividade de pesquisadora sobre cultura política, Estado e relações internacionais. A memória desta humanista estará sempre presente em nossa Faculdade.

Que o MUNDI 2019 aproveite o alerta da professora Sonia.

Sejam bem vindos à UFRGS!

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EDITORIALEnfrente a realidade, faça parte da mudança

À minha querida colega Sonia (In Memorian)

O UFRGSMUNDI é um modelo de simulações de organismos internacionais direcionado para estudantes do Ensino Médio, das redes pública e privada. Trata-se de um Projeto de Extensão do Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O objetivo principal do Projeto é oportunizar o debate em torno de temas relevantes para a compreensão da dinâmica internacional. Muitos desses temas, apesar da sua relevância, não são tratados ou não fazem parte dos currículos escolares. Nesse sentido, o UFRGSMUNDI, em sua 8ª edição, vem contribuindo para integrar o conhecimento construído na Universidade Pública à sociedade brasileira. Na edição do UFRGSMUNDI 2019, cujo tema é “enfrente a realidade, faça parte da mudança” os estudantes terão condições de refletir e discutir, sob um ponto de vista crítico, sobre as grandes questões internacionais que impactam os processos políticos, econômicos, sociais e culturais contemporâneos. A agenda de debates inclui os seguintes órgãos e temas: Assembleia Geral das Nações Unidas – O Combate ao Problema Mundial das Drogas e do Narcotráfico; Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente – O Uso de Agrotóxicos e a Contaminação do Solo; Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas – Armamento Civil e Direitos Humanos: Desafios e Consequências; Conselho Europeu – Os Desafios Atuais de Migração e Refúgio na União Europeia; Conselho de Segurança das Nações Unidas de 1994 – A Situação em Ruanda; Assembleia de Governadores do Fundo Monetário Internacional de 1986 – A Renegociação das Dívidas Externas dos Países Latino-americanos; Conselho da Liga das Nações de 1933 – O Rearmamento Alemão; Organização para Cooperação Islâmica – Movimentos Extremistas e Radicalismo no Oriente Médio; Organização dos Estados Americanos – A Situação na Venezuela; Senado Federal – A Reforma do Ensino Médio; e, Assembleia Geral da União Africana – A Questão da Reforma Agrária na África. Haverá, ainda, um comitê destinado aos professores que acompanham os alunos no evento: o Senado Federal, com o tema “O Impeachment de Dilma Roussef (2016)”. Por fim, a Agência de Comunicação será encarregada de realizar a cobertura jornalística de tudo que será debatido nos demais comitês do evento. Ao refletirmos sobre a atualidade, percebemos que com o fim da Guerra Fria foram formuladas uma série de previsões que assinalavam o início de uma Nova Ordem Mundial, fundada na paz, prosperidade e democracia. Os problemas pendentes não foram superados, e muitos articulistas destacaram que o século XXI, que inaugurou o Terceiro Milênio em 2001, deveria trazer a consolidação desta nova sociedade globalizada. Contudo, em lugar da paz, seguiram-se anos de confrontos que sinalizaram a emergência de guerras, conflitos civis e padrões de violência de novo tipo. Esse cenário de instabilidade precisa ser compreendido em seus fundamentos, partindo de uma análise histórica e processual. Com a expectativa de oportunizar o amplo conhecimento e debate sobre as Relações Internacionais, o UFRGSMUNDI espera contribuir para a formação de nossos jovens. Nesta edição, contaremos com a participação de 41 escolas, totalizando 419 participantes, entre estudantes e professores. As escolas participantes são de Porto Alegre, Alvorada, Canoas, Carlos Barbosa, Gravataí, Jaguarão, Lajeado, Montenegro, Novo Hamburgo, Osório, Pelotas, Portão, Santa Maria, São Leopoldo, Sapiranga, Soledade e Viamão, fato que revela a abrangência de nosso Projeto no Rio Grande do Sul.

Profª. Dra. Analúcia Danilevicz Pereira

Coordenadora do VIII UFRGSMUNDI

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GUIA DE REGRAS

1 O QUE É UMA SIMULAÇÃO?

Os Modelos de Nações Unidas são atividades em que os alunos simulam serem diplomatas de um determinado país, defendendo a sua política externa, em um comitê da ONU ou de outras organizações regionais e multilaterais. Também são chamados de simulação. O UFRGSMUNDI é a simulação organizada por alunos de diversos cursos da UFRGS para estudantes de ensino médio da rede pública e privada do Rio Grande do Sul. Para que o debate ocorra de forma organizada, as simulações têm determinadas regras de procedimento que devem ser seguidas pelos delegados e encontram-se explicadas abaixo. Cada comitê é presidido por uma Mesa, composta de Diretores e Diretores-Assistentes que são os alunos de graduação que escreveram o guia de estudos.

2 DEBATE Nenhum(a) delegado(a) poderá dirigir-se ao comitê sem previamente obter permissão da Mesa, de acordo com o tipo de debate vigente naquele momento. No início da primeira sessão, ocorre a rodada inicial de discursos, quando cada delegado(a) deverá fazer um pequeno discurso apresentando o seu país e explicando brevemente aquilo que considera mais importante para discussão.

2.1 FLUXO NORMAL DE DEBATE O Fluxo Normal de Debate é a forma pela qual será conduzido o debate ao longo das sessões e corresponde a um Debate Moderado pela Mesa. Delegados(as) que desejem se pronunciar durante o Debate Moderado devem levantar as suas placas e serão reconhecidos(as) a critério da Mesa.

2.2 MOÇÃO PARA DEBATE NÃO MODERADO As Moções são a ferramenta pela qual os(as) delegados(as) podem sugerir a alteração do fluxo de debate. Em Debate Não Moderado, a Mesa suspende o debate formal, por tempo previamente determinado, para que os delegados(as) possam discutir sem interferência. Em cada sessão, há um limite de 45 minutos para Debate Não-Moderado.

3 QUÓRUM E VOTAÇÕES A presença de uma maioria simples de delegados será necessária para que qualquer votação seja feita. A Mesa irá proceder com a chamada ao início de cada sessão, de modo a reconhecer a presença dos(as) delegados(as). Sempre que houver algum procedimento de votação, uma maioria dos votos será necessária para aprovação. Essa maioria é uma “maioria simples”, calculada como sendo a metade do total de votos mais um, arredondando o resultado final para baixo, se necessário. Por exemplo, a maioria simples de 5 votos é 3.

4 DOCUMENTO DE TRABALHO Os Documentos de Trabalho são documentos informais que servem para auxiliar o comitê no debate do tópico, constituindo-se de cláusulas e pontos importantes da discussão. Os delegados(as) podem propor Documentos de Trabalho para consideração do comitê durante qualquer momento da Sessão. Os documentos devem ser aprovados pela Mesa. Uma vez aprovados, serão projetados para que todos possam ver e serão impressas uma ou duas cópias que ficarão disponíveis para consulta.

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5 RESOLUÇÃO Os Documentos de Trabalho são documentos informais que servem para auxiliar o comitê no debate do tópico, constituindo-se de cláusulas e pontos importantes da discussão. Os delegados(as) podem propor Documentos de Trabalho para consideração do comitê durante qualquer momento da Sessão. Os documentos devem ser aprovados pela Mesa. Uma vez aprovados, serão projetados para que todos possam ver e serão impressas uma ou duas cópias que ficarão disponíveis para consulta.

5.1 RASCUNHO DE RESOLUÇÃOO rascunho de resolução é uma versão da resolução elaborada e apresentada ao comitê pelos delegados(as) antes da votação final. Ele deve conter todos os aspectos presentes em uma resolução final, mas pode ser alterado antes da votação, ou dividido, caso os delegados(as) desejem votar partes separadamente (explicado na tabela a seguir). Os delegados(as) podem elaborar quantos Rascunhos de Resolução forem necessários, até que algum seja aprovado - mas uma vez introduzido, cada Rascunho é discutido, alterado e votado individualmente.

6 PLÁGIO

O plágio é entendido no escopo dessas regras como o uso não reconhecido das palavras ou ideias de outro indivíduo. Quando escreverem ou discursarem durante toda a sua participação na conferência, os(as) delegados(as) não têm permissão de usar fragmentos de documentos já existentes sem a referência adequada. Um(a) participante pego plagiando algum documento será tratado de acordo com a gravidade da ação. A punição pode incluir a negação dos direitos de fala e/ou voto e possível exclusão da conferência. As medidas legais aplicáveis podem ser tomadas a critério da organização.

7 RESPEITO À DIVERSIDADE

Ações de desrespeito à diversidade não serão toleradas. Delegados(as) que promoverem atitudes de preconceito e/ou discriminação por motivos de cor, classe, gênero e orientação sexual serão convidados a se retirar da conferência.

8 QUADRO DE REGRAS GERAIS

REGRA Nº DE VOTOS COMENTÁRIOS

Ponto de ordem Não se aplica

Pode ser pedido a qualquer momento, para tirar dúvi-

das com relação às regras ou para informar desconforto ou dificuldade enfrentados por

algum delegado(a).

Moção para Adiamento da Sessão Maioria simples

Usada para adiar a reunião até a próxima sessão do co-

mitê.

Moção para Debate não-mo-derado Maioria simples

Tem como objetivo facilitar o debate. O tempo limite é

proposto pelo(a) delegado(a) e aceito pela Mesa, não poden-

do ultrapassar 45 minutos por sessão.

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Moção para Introdução de Emenda

Aprovada pela Mesa, não precisa ser votada

Uma vez aprovada pela Mesa, transforma o debate em não-

-moderado.

Votação de emenda Maioria simples

Emendas passam por con-senso se aceitas por todos os delegados(as) durante o

debate não-moderado; caso contrário, a Mesa conduz

uma votação. Nesse caso, é necessária maioria simples

para aprovação.

Moção para Divisão da Ques-tão Maioria simples

Moção que pede para que a resolução seja votada em ar-tigos individuais ao invés de como um documento único.

Se aceita, transforma o deba-te em não-moderado.

Moção para Votação por Chamada Aprovada pela Mesa.

Realizada por chamada em ordem alfabética. Delega-

dos(as) podem votar a favor, a favor com reservas, contra ou se abster, e podem pas-sar sua vez. No caso de o(a) delegado(a) passar sua vez, ele(a) será chamado(a) ao

final da votação e não poderá se abster.

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AGÊNCIA DE COMUNICAÇÃO

A Prática do Jornalismo e as Relações Internacionais

Daniel Mutzemberg Giussani, Eduardo Julian Almeida Rius , Isabella Martins Carpentieri, Natália Alves Dorneles e Renata da Luz Dorneles1

1 Graduandas e graduandos dos cursos de Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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APRESENTAÇÃO

Você já imaginou agir como um jornalista por um dia? Ainda mais trabalhando na cobertura de uma conferência internacional? A Agência de Comunicação, o comitê de imprensa do UFRGSMUNDI, é o espaço em que você pode vivenciar o cotidiano de um profissional da área do jornalismo. Você acompanhará as sessões dos demais comitês e reportará para o público tudo o que acontece. Seja por fotos, vídeos ou textos, você será referência em comunicação. Tudo isso em tempo real, como numa redação de jornal. Recentemente, a comunicação passou por processos de modernização que aceleraram a produção de notícias e exigiram do profissional de comunicação a habilidade de trabalhar de forma rápida e para diferentes plataformas, como jornal impresso, rádio, TV e internet. Mesmo assim, ainda devem-se seguir padrões e normas para construir a informação de maneira clara, precisa e objetiva. Neste guia, busca-se orientar sua participação no UFRGSMUNDI por meio do fazer jornalístico, reconhecendo a importância do profissional de comunicação para a sociedade e para as relações internacionais. Ao final deste guia, esperamos que você entenda que a atividade jornalística requer planejamento, dedicação e energia, fatores essenciais para seu desempenho na cobertura do evento.

1 O QUE É JORNALISMO?

O Jornalismo é uma área de atuação profissional que difunde informações para contribuir com a formação da opinião pública (GOMES,2004). Portanto, identificamos que a informação que o jornalista passa é essencial para a manutenção de uma forma democrática e ética do conhecimento. Fazer jornalismo refere-se ainda mais em manter o público atualizado em relação às demandas de sua comunidade. Na medida em que as informações são disseminadas, os cidadãos possuem a oportunidade de tomar ciência de suas ações e reivindicar o que acreditam ser o correto. Alguns autores chamam este tipo de jornalismo de “cão de guarda”, uma vez que é o responsável por controlar e monitorar o uso que se faz do poder público (BRUN, 2011). Os filmes sobre grandes reportagens procuram mostrar este efeito do jornalismo, o que pode ser visto no ganhador do Oscar em 2015, Spotlight, ou no clássico Todos os Homens do Presidente (1976). Souza (2005, p.29) afirma que “um bom jornalista deve ser curioso, persistente, imaginativo e ousado. Deve estar disposto a desafiar estereótipos, expor mitos e mentiras”. O jornalismo é uma profissão que carrega consigo uma sensibilidade enorme, pois o jornalista precisa ter tato para lidar com diversos públicos e necessita aprender a escutar. Além disso, atualmente, a possibilidade de ser imparcial no jornalismo é rejeitada pelos seus teóricos. Para eles, é impossível sermos imparciais e contarmos os acontecimentos sem deixar nossas subjetividades influenciarem no texto, uma vez que os fatos não serão os mesmos após terem sido analisados, ou apenas observados, pela pessoa que os relata. A partir disso, adotamos então o conceito de objetividade que é, em palavras simples, o reconhecimento de que somos sim subjetivos e, a partir disso, buscar a aproximação da realidade, construindo um texto baseado nos fatos que podem ser comprovados, ouvindo pontos de vista, ou subjetividades, variadas. Ao compreendermos que temos nossas próprias visões perante um assunto, somos capazes de buscar o equilíbrio e a objetividade jornalística.

2 A NOTÍCIA Quando se pensa em jornalismo, comumente, vem à cabeça a palavra notícia. Porém, nem só de notícias é feito o jornalismo. Há diferentes modalidades de escrita e de comunicação com o público-alvo. Por exemplo, uma distinção básica que pode ser utilizada é que o jornalismo se estrutura em fato e opinião. Ambos são jornalismo, mas moldados em formatos diferentes. No jornalismo opinativo, pega-se um fato e, a partir dele, constrói-se uma opinião analítica sobre o assunto. Você pode encontrá-lo em colunas, editoriais e crônicas. Já no noticioso, informativo, pega-se um fato e, da maneira mais objetiva possível, relata-o para um receptor. É o que se encontra em notas, boletins e, principalmente, nas notícias. É nele que se pautam as noções de verdade, de objetividade, de interesse público e de democracia. No UFRGSMUNDI, a forma de jornalismo com que mais trabalharemos será a notícia. Objetiva e prática, ela oferece, de maneira acessível e rápida ao público-alvo, as informações necessárias

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para a compreensão geral do fato. Para Traquina (1993), notícias “são o resultado de um processo de produção, definido como a percepção, seleção e transformação de uma matéria-prima (os acontecimentos) num produto (as notícias)”. Já Charaudeau (2007) argumenta falando que notícia é “um conjunto de informações que se relaciona a um mesmo espaço temático, tendo um caráter de novidade, proveniente de uma determinada fonte”. Robert Park (1966) pontua que notícias servem para orientar indivíduos, e Daniel Cornu (1999) acentua que um fato noticioso reduz as incertezas sobre o ambiente. É importante ressaltar, porém, que nem tudo que acontece pode virar notícia. Entende-se que há uma distinção entre acontecimento e notícia. Como as publicações possuem um tamanho limitado, é necessário, assim, selecionar os fatos que são dignos de tornarem-se notícia. Para tanto, diversos teóricos da comunicação criaram e estudam o que chamamos de critérios de noticiabilidade. São pontos e situações que devem ser levados em conta quando você estiver escolhendo o que pode se tornar notícia.

2.1 CRITÉRIOS DE NOTICIABILIDADE Para construir uma notícia, usam-se os critérios de noticiabilidade. Nem tudo que é notícia para uma pessoa necessariamente interessa à outra. Imagina-se que um atropelamento em uma pequena cidade no norte da França não seja tão relevante para um leitor de uma cidade no sul da Argentina, por exemplo. Entende-se também que, quando um acidente mata cem pessoas e outro deixa duas feridas, mas sem mortes, o primeiro seja mais relevante, jornalisticamente falando, do que o segundo. Essas deduções só são possíveis de serem feitas graças a critérios de noticiabilidade e valores-notícia. O autor Nelson Traquina (1993) faz uma primeira divisão entre critérios de seleção e de construção. Os de seleção dizem respeito aos critérios que devem ser usados para selecionar uma notícia:

Morte: qualquer fato que envolva morte facilmente se torna notícia. A morte tem um interesse público muito grande. Assim, assassinatos, homicídios, genocídios ou a morte em si, são, geralmente, critérios que indicam notícia. Notoriedade do personagem principal: quanto mais conhecida for a pessoa, maiores as chances de ela virar notícia. Assim, o presidente da república, por exemplo, facilmente torna-se notícia, não importando a sua ação. Além do presidente, enquadram-se nessa categoria políticos, líderes locais, celebridades etc. Proximidade geográfica ou cultural: notícias que acontecem mais próximas ao leitor chamam mais atenção. A proximidade também pode ser cultural. Você já percebeu que para nós, uma descoberta científica nos Estados Unidos chama mais a atenção do que uma Romênia?Relevância: são assuntos que interferem diretamente na vida da pessoa, como trânsito e temperatura. Também entram aqui assuntos da ordem social, política e econômica, como o preço da gasolina. Novidade: algo vira notícia, por exemplo, se é a primeira ou última vez que algo acontece, como a primeira ida do homem à Lua ou o lançamento de um álbum musical. Tempo: assuntos do passado podem introduzir assuntos a serem falados agora. Por exemplo, em 2019, a World Wide Web (www) faz aniversário. Pode-se usar isso como um gancho para novas notícias. Notabilidade: quando um fato chama muita atenção e, por isso, torna-se notável, como uma queda de avião ou algum acidente de trânsito.Inesperado: quando algo incomum acontece. O fato de um cachorro morder um homem, por exemplo, geralmente não vira notícia. Agora, se um homem morder um cachorro, teremos um fato inesperado. Conflito ou controvérsia: situações de confronto que rompem a normalidade de um fato, como, por exemplo, greves e paralisações. Infrações: ocorre quando algo transcende e ultrapassa a lei, como atos de corrupção, por exemplo. Já os de critérios de construção dizem respeito a critérios que devem ser seguidos na hora de construir uma notícia.

Simplificação: usar apenas o essencial para contar uma notícia, com o mínimo de interferência criativa por parte da escrita. Dramatização: utilizar de critérios da dramaturgia para contar uma história, como diálogos, inserção

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de sentimentos, etc. Personalização: diz respeito ao uso de um personagem específico para contar uma história inteira. Por exemplo, contar a história de um morador de rua porto alegrense para evidenciar todo problema de falta de moradias na cidade.

Com base nesses critérios estabelecidos por Traquina (1993), entendemos os comportamentos de jornais e periódicos, que, cada um de acordo com sua linha editorial, definem critérios e fatores que devem ser levados em conta para definir se algum fato é notícia ou não. A Folha de S.Paulo (2018), por exemplo, define por tais pontos: (1) ineditismo: quando a notícia inédita é mais importante do que a já dada; (2) improbabilidade: quando a notícia menos provável é mais importante do que a esperada; (3) interesse: quanto mais pessoas forem atingidas pela notícia, mais importante ela é; (4) apelo: quanto maior a curiosidade que a notícia possa despertar, mais importante ela é; (5) empatia: quanto mais pessoas puderem se identificar com a situação, mais importante ela é; e (6) proximidade: quanto maior a proximidade geográfica entre o fato e o leitor, mais importante ela é (Folha de S.Paulo, 2017).

3.2 ARTIGO Como discutido anteriormente, a notícia geralmente vai trazer algo novo e serve para sanar a dúvida ou a curiosidade do leitor sobre algum assunto. Por este motivo, ela é construída de maneira a hierarquizar a informação. Diferentemente de uma redação dissertativa, em que encontramos introdução, desenvolvimento e conclusão, uma notícia precisa ser objetiva e cumprir sua função de informar. Por isso, depois que você reunir e apurar todas suas informações, você vai selecioná-las de maneira a classificar o que é mais importante do que não é tão importante assim. Para facilitar a construção noticiosa, o teórico Carl Tiuí Hummenigge desenvolveu uma técnica conhecida como Pirâmide Invertida. Essa técnica organiza as informações para que seja selecionado primeiro o mais importante e, depois, o secundário.

Figura 1: Pirâmide Invertida

Fonte: Mídia Interessante, 2019.

Perceba que, quando lê uma notícia, geralmente você já tem toda informação extremamente importante já no primeiro parágrafo. Isso se dá por conta deste processo de hierarquização e pelo primeiro parágrafo da notícia, que chamamos de lide. Nele, busca-se responder o que aconteceu, quem

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está envolvido no fato, quando e onde. Também pode responder como e o por quê de ter acontecido. Quando você estiver apurando e montando uma notícia, siga as seguintes recomendações:

1. Encontre a notícia. Para isso, siga os critérios de noticiabilidade.2. Colete o máximo de informações que você puder. Fale com o maior número de fontes possíveis e

entenda tudo que está acontecendo. Quanto maior for a quantidade de informações, mais dados você terá para redigir sua notícia, e mais verossímil ela se tornará, o que confere credibilidade à sua escrita.

3. Hierarquize as informações. É a hora de montar seu lide e escolher quais informações são as mais relevantes para o caso que você está reportando. Responda às perguntas dadas anteriormente - o que, quem, como, quando, onde e por que - de maneira simples e objetiva. Use as demais informações que você apurou para complementar o texto e deixá-lo mais autêntico e confiável.

4. Revise seu texto. É fundamental que o leitor tenha plena noção do que você quis dizer. Por isso, leia todo o texto quanto terminar de escrever e veja se sua ideia está bem expressa. Se possível, peça para uma segunda pessoa ler.

3.3 MANUAL DE REDAÇÃO DA AGÊNCIA DE COMUNICAÇÃO Quando um jornalista entra em algum meio de comunicação, ele é apresentado a um manual de redação. É um documento com as regras e normas que devem ser seguidas para escrever uma notícia. O Manual de Redação da Agência de Comunicação é inspirado em manuais de vários jornais ao redor do mundo, principalmente o da Folha de S.Paulo.

• Todo título possui um verbo, e este verbo sempre está no modo presente. Perceba também que títulos não têm pontuação final. Procure não escrever títulos muito longos.

• Quando for utilizar siglas, primeiro, fale por extenso o nome que você quer abreviar e, em seguida, a sigla entre parênteses, por exemplo: Supremo Tribunal Federal (STF). Após isso, utilize livremente a sigla ao longo do texto.

• Cada parágrafo deve ter um raciocínio completo. Dê preferência a parágrafos curtos, pois eles dão o ritmo do texto.

• As frases devem ser curtas e objetivas. Prefira ponto final à vírgula. O uso excessivo de vírgulas pode causar confusão para o leitor.

• Use verbos declaratórios quando for falar sobre algo que alguma fonte lhe disse. Alguns exemplos de verbos declaratórios são “diz”, “afirma”, “esclarece”, “informa”.

• Não use adjetivos de valor, como bonito, feio, grande e pequeno. Estes adjetivos são subjetivos, afinal, o que pode ser bonito para você não necessariamente o é para outra pessoa. Troque, por exemplo, “o prédio é alto” por “o prédio tem 43 andares”.

• Evite eufemismos, escreva diretamente a informação que você quer reportar. Por exemplo: “João morreu” e não “João perdeu a vida”.

4 OUTROS GÊNEROS JORNALÍSTICOS

Até agora, o gênero jornalístico que mais exploramos foi a notícia. No entanto, nem só dela é feito o jornalismo, mas por outros que a complementam, aprofundam, ou, inclusive, apresentam um formato completamente diferente do dela. Eles podem ser as reportagens, os editoriais, os artigos ou as notas. Cada um possui suas próprias particularidades.

4.1 REPORTAGEM Normalmente, a reportagem é um texto mais longo do que a notícia e que busca explorar com maior amplitude um determinado assunto ou tema. Quem escreve reportagens geralmente se debruça sobre material específico, consulta especialistas da área, realiza entrevistas e inclui uma abordagem com tópicos que, normalmente, não se incluiriam numa notícia. Pode-se fazer uma reportagem especial sobre um fato que se tornou notícia, sobre um evento em curso, sobre uma descoberta científica, dentre outros assuntos. A autoria do texto pode lançar mão de imagens, gráficos e elementos textuais a fim de

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introduzir o assunto em profundidade para o leitor.

4.2 EDITORIAL O editorial é um texto redigido e editado pelos próprios veículos de comunicação. Representa a posição da publicação em relação aos mais variados temas, desde política até ciência e tecnologia. É importante ressaltar que o editorial é um texto informativo e opinativo, não necessariamente apenas um ou outro.

4.3 ARTIGO O artigo é um texto de caráter informativo e opinativo. Diferentemente da notícia, cuja função primordial é unicamente informar de maneira objetiva, no artigo, a autoria do texto busca convencer o leitor da opinião e fazer a defesa de um posicionamento.

4.4 NOTA A nota é um dos textos informativos mais curtos. Tem a função de informar rapidamente e, geralmente, é composta apenas pelo lide. Por isso, busca responder as perguntas básicas de “o que aconteceu”, “quando”, “onde” e “com quem”. Pode ser inserida em colunas sociais também.

5 A NOTÍCIA NOS DIFERENTES VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO

Os veículos de comunicação são as plataformas nas quais as notícias são publicadas. Veremos a seguir alguns exemplos destes veículos.

5.1 JORNAL IMPRESSO O jornal é um dos meios de informação mais antigos e, após a criação da prensa de Gutenberg no século XVI, foi, por muito tempo, o meio principal de propagação de notícias. Inclusive, mesmo com a evolução do acesso à internet e a demanda crescente por informação imediata, os portais online mais populares provém de grupos que se originaram do jornalismo impresso. Além disso, o jornal impresso é visto como o meio mais confiável, ou como um “atestado de confirmação” de um acontecimento. Considerando o seu processo de criação e publicação, que é mais rigoroso, tendo em vista a impossibilidade de se realizar alterações após a aprovação final. Durante o Mundi os alunos terão que escrever textos para o blog, que, apesar de ser um espaço virtual, usa da diagramação tradicional de texto impresso, que é composta, normalmente, por título, lide e texto.

5.2 RÁDIO O rádio trouxe diversas mudanças na forma como a informação chegava às pessoas, afinal, foi o primeiro contato com transmissão simultânea para muitos brasileiros. A sua popularização facilitou a vida de muitas comunidades do interior que não tinham acesso aos jornais, revistas e cinema tornando o rádio a forma das pessoas que viviam distante se conectarem com as novidades (MIRANDA, 2007). Atualmente, o rádio ainda é um dos principais veículos de informação, sendo muito usado para noticiar acontecimentos em tempo real para os ouvintes. Os programas de debate que trazem convidados para entrevistas, informam e possuem quadros de notícias do trânsito e dos acontecimentos dos dias são mais comuns, mas também é possível encontrar quadros curtos durante os intervalos comerciais.

5.3 TELEVISÃO A televisão, desde sua chegada ao Brasil na década de 50, começou a usar de conteúdos jornalísticos como parte de sua programação. Inicialmente, as emissoras transmitiam as notícias através de um locutor lendo as pautas do dia, no entanto, os produtores logo perceberam o potencial das imagens para noticiar os eventos (SPINELLI, 2012). Atualmente, as emissoras apresentam diversos formatos de programas jornalísticos como telejornais, entrevistas e documentários que apresentam diversas formas de diagramação. Dentro desses programas, o formato de reportagem tradicionalmente usado é constituído por off (quando o

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repórter narra o texto sem aparecer na imagem), passagem (a informação dada pelo repórter aparecendo em câmera) e sonora (entrevistas) (EMERIM, 2010).

5.4 INTERNET Atualmente, as plataformas de informação online são um dos meios mais populares de jornalismo, por noticiarem de forma acessível e imediata. Praticamente todos os veículos possuem portais online nos quais é fornecido conteúdo adicional àquele apresentado nos seus veículos originais (SPINELLI, 2012). A internet traz a possibilidade de inserir vídeos, áudios e outras ferramentas, além de permitir atualizar e corrigir o conteúdo da matéria conforme os acontecimentos. Outro formato muito utilizado são as mídias sociais, usadas para cobrir eventos em tempo real, que são mais acessadas pelo público por sua facilidade e possibilidade de trazer informações de forma resumida. Por isso, o twitter, será a principal ferramenta dos alunos durante o Mundi, que utilizam da rede social para atualizar os participantes do evento sobre os acontecimentos ao longo dos dias de simulação.

6 O JORNALISMO E A POLÍTICA

Na sociedade atual, o jornalismo é uma das principais atividades responsáveis por informar e, muitas vezes, moldar a opinião pública. No entanto, ao contrário do que se pensa, o jornalismo não informa com completa isenção e neutralidade. Assim, os meios de comunicação possuem seus próprios critérios de abordagem de temas e utilizam certos mecanismos para elaborar suas mensagens, como o enquadramento de notícias (CASTILHO, 2012). O enquadramento noticioso é uma teoria de comunicação formulada, em princípio, por Gregory Bateson e depois por Erving Goffmam. De acordo com tal teoria, a mídia utiliza palavras, ideias, expressões e adjetivos bastante específicos, promovendo uma abordagem manipulativa em relação aos acontecimentos, destacando alguns aspectos e ocultando outros (GOFFMAN apud RUBIM, 2004). Segundo Adelmo Genro Filho (1987), o jornalismo é uma importante estratégia da sociedade moderna, cujo conhecimento ajuda a entender os fatos e a sociedade. A cobertura jornalística seria, então, capaz de revelar as contradições sociais, jogos de poder, diversidade das visões de mundo e interesses em disputa (CARVALHO, 2009). Para a socióloga Gaye Tuchman (apud RUBIM, 2004), “o enquadramento surge como uma forma de poder, uma vez que as decisões políticas podem ser reforçadas ou enfraquecidas pela forma através da qual um fato é enquadrado”. Em outras palavras, a maneira como um fato é contado pode induzir o posicionamento da audiência e, com isso, formar opinião que condene um determinado lado em detrimento de outro. O processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016, pode ser considerado um exemplo de quando a imprensa, por meio da publicação de denúncias e delações, interferiu decisivamente no rumo de resoluções e processos políticos. Pode-se investigar a existência de enquadramento em uma notícia, buscando fontes de informação em veículos de comunicação diferentes, por exemplo, de reportagens locais, nacionais, ou até mesmo, internacionais. Outra forma seria atentar aos termos utilizados na construção de uma determinada matéria, como casos de manifestações de rua, onde a mídia costuma se referir aos participantes desde “ativistas”, “manifestantes” até mesmo “baderneiros” e “vândalos” (MOREIRA, 2015). Como uma profissão na qual é praticamente impossível apurar os fatos sem passá-los pelas nossas “lentes” (PEDROSO, 2005), é preciso aceitar que o enquadramento no jornalismo existe e não podemos fugir dele, sendo o conceito de “neutralidade” refutado. O que podemos, entretanto, é perceber nossas subjetividades e as subjetividades de outros veículos de comunicação, para assim aprimorar uma análise mais efetiva acerca dos fatos.

7 O JORNALISMO E A POLÍTICA INTERNACIONAL A relação entre jornalismo, democracia e política internacional é, há largas décadas, um tema que obtém forte relevância em grupos de discussões acadêmicos, profissionais e na própria sociedade. O jornalismo, campo pertencente à área de Comunicação Social, possui como uma de suas principais funções a propagação de fatos importantes à sociedade, atuando como uma das vias na promoção de

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uma sociedade livre e democrática (GOMES, 2009). No entanto, quando analisamos as três variáveis (jornalismo, democracia e política internacional) juntas, o jornalismo pode prover um repertório diferente no levantamento de possibilidades de interpretações no que se refere à verdade, justiça, avaliação dos argumentos e na promoção de ações. Dentro de um contexto internacional, onde os indivíduos conectam-se em uma rede globalizada, cabe ao jornalismo internacional abordar e acomodar notícias de diversos âmbitos, sejam eles políticos, sociais, econômicos, culturais. O papel que se pode compreender através desse veículo é o caráter da mídia formadora de opinião, onde a opinião pública é um dos fatores levados em conta no momento da formulação de uma sociedade com base nas leis e normas que a regem (GOMES, 2009). Diante deste contexto, verificamos que o interesse público é um dos que determinantes ao apontar se um acontecimento é ou não notícia. Em busca de transformar o conhecimento em informações acessíveis, o jornalismo internacional também assume o papel social que dá visibilidade aos fatos que influenciam nas relações políticas. Como exemplo há os casos de guerras civis locais causando repercussão mundial, como a guerra na Síria, onde, através da coleta de informações e interações entre os diferentes canais de mídia, molda a opinião da sociedade. Destaca-se, assim, que o jornalismo atua como “fiscalizador” da sociedade, sendo intitulado como o quarto poder. Da mesma forma, isso funciona para os agentes internacionais, ao se encontrarem em posição de observador perante a uma sociedade que se torna crítica com os meios de comunicação. O jornalismo, assim, cumpre sua função social de informar as demandas da comunidade – seja ela local ou internacional – aos poderes políticos e de colocar em pauta problemáticas que necessitam de solução (TRAQUINA, 2000).

8 A COBERTURA JORNALÍSTICA NO UFRGSMUNDI Após analisar o que é o jornalismo, as formas de se fazer jornalismo e quais as suas relações com o mundo atual, resta apresentar como será feita a cobertura jornalística no UFRGSMUNDI 2019. Vale lembrar que o evento, um projeto de simulação das Nações Unidas e de outras organizações internacionais, terá sessões de comitês internacionais e nacionais acontecendo simultaneamente em diversas salas de reuniões. O papel do jornalista da Agência de Comunicação (AC) será o de deslocamento até o local onde estarão ocorrendo tais reuniões, para que assim se faça a coleta de informações sobre o debate em questão, publicando posteriormente um material, em nosso próprio site, elaborado seguindo as premissas de como realizar uma notícia. Além das publicações escritas no site, será possível desenvolver entrevistas coletivas com os delegados desejados, membros dos demais comitês. Assim, a AC será o único comitê presente em todos os outros, atuando como imprensa, divulgando informações pertinentes dos debates não apenas para o público interno ao evento, como também para o público geral externo. Segue abaixo a seleção dos jornais cada um contando com dois estudantes representantes, que farão a cobertura das discussões de cada comitê. Sugere-se, ainda, ler os guias de estudo do comitê em que você trabalhará como imprensa, para tomar maior conhecimento sobre o assunto discutido.

8.1 ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS (AGNU) A Assembleia Geral das Nações Unidas é um dos principais órgãos da ONU, sendo o único em que todos os 193 Estados membros da Organização das Nações Unidas participam com direito a voto de maneira igualitária. O tópico deste ano será “O Combate ao Problema Mundial das Drogas e do Narcotráfico: Desafios e Iniciativas para a Cooperação Internacional”, em que os delegados buscarão traçar estratégias para combater o narcotráfico a níveis internacionais e fronteiriços. Durante o UFRGSMUNDI, o jornal responsável pela cobertura na AGNU será a CNN, grupo que mantém diversas plataformas ao redor do mundo, noticiando os acontecimentos de diversas regiões. O conglomerado de mídias possui uma visão liberal-democrata, e, em suas matérias, frequentemente usam de títulos sensacionalistas e palavras com apelo emocional ou que reforçam estereótipos.

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8.2 ASSEMBLEIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE (ANUMA) A Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente é o órgão da ONU responsável por tratar das questões ambientais em âmbito mundial. O ANUMA conta com todos os 193 membros das Nações Unidas para que, por meio de resoluções, seja alcançado um futuro ecologicamente sustentável. Esta é a plataforma da ONU de mais alto nível para decisões ligadas ao meio ambiente. Nesta edição do UFRGSMUNDI, o comitê debaterá “O Uso de Agrotóxicos e a Contaminação do Solo”, que reflete sobre o uso de tais produtos que são utilizados para diminuir o número de epidemias e pragas no solo e podem causar danos irreversíveis ao meio ambiente. O veículo de comunicação escolhido para o ANUMA é o Nexo, “um jornal digital que busca explicações precisas e interpretações equilibradas sobre os principais fatos do Brasil e do mundo”. Fundado em 2015 e criado por brasileiros, o compromisso essencial desse jornal é com os direitos humanos que aborda temas como meio ambiente, economia, política e acontecimentos internacionais.

8.3 CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES UNIDAS (CDH) O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas é o órgão subsidiário da ONU responsável por proteger os direitos humanos em nível internacional. O Conselho conta com mandatos de três anos exercidos por 47 países eleitos. Neste ano, o tema será o “Armamento Civil”, assunto constantemente em voga visto à escalada de violência na sociedade, fazendo, assim, o debate sobre a possibilidade de a população obter a posse de armas estar em pauta. Desta forma, os Estados precisam debater e assumir posições, tendo em vista a ameaça aos direitos humanos e da segurança dos cidadãos que a circulação e posse de armas pode trazer. Nessa edição, o jornal responsável por cobrir o CDH será o The New York Times, um dos principais jornais dos Estados Unidos. A maioria de seu público possui um posicionamento político centro-esquerda, assim, o jornal evita colocar perspectivas extremistas em suas reportagens. Seus textos, apesar de usarem uma linguagem um tanto emocional em manchetes, são factuais. O NYT se posiciona como um jornal liberal na economia e nos costumes.

8.4 CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS DE 1944 (CSNU) O Conselho de Segurança é um dos primeiros órgãos a compor as Nações Unidas, estabelecido sob a carta da ONU de 1945. São quinze membros, sendo cinco deles permanentes (Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China) e dez rotativos. Como o nome indica, este órgão serve para tratar de assuntos de segurança internacional. Nesta edição do UFRGSMUNDI, o CSNU abordará o Genocídio de Ruanda (1994). O jornal escolhido para cobrir o CSNU será a BBC de Londres. A rede foi fundada em 1922 na capital inglesa e é um dos principais veículos de comunicação mundial. Conhecida pela credibilidade de suas informações, a BBC atua em diversos meios de comunicação, desde o rádio até a televisão, e por ser uma rede estatal de comunicação, acaba abordando certos assuntos com uma visão que defende os interesses britânicos.

8.5 CONSELHO EUROPEU (CEU) O Conselho Europeu é uma instituição da União Europeia composto por chefes de Estado dos países membros da União. O organismo tem como principal função tratar das questões de desenvolvimento e integração dos países europeus. Atualmente, ele possui forte influência internacional, visto principalmente pela política externa de cada país, onde os mesmos tentam agir como uma unidade, seja na liderança de um chefe de Estado coletivo, na ratificação de documentos preponderantes ou na participação de negociações de tratados. Nesta edição do UFRGSMUNDI, o comitê debaterá sobre “Os Desafios Atuais de Migração e Refúgio na União Europeia”, tema que reflete sobre os desafios e oportunidades para a Europa ao formular políticas e acordos que possam evitar a crise migratória. O comitê terá sua cobertura jornalística feita

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pelo veículo de comunicação Die Tageszeitung. Fundado em 1979 em Berlim, na Alemanha, o jornal ficou famoso devido a suas manchetes irônicas e provocativas frente aos acontecimentos internacionais. A publicação tem perfil de esquerda e foi criada para ser um jornal alternativo. Além de abordar política, traz, com frequência, temas não tratados em outros jornais alemães, como reportagens sobre ecologia e desigualdade social.

8.6 ASSEMBLEIA DE GOVERNADORES DO FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL (FMI) O Fundo Monetário Internacional é uma agência internacional das Nações Unidas criada em 1944 na Conferência de Bretton Woods. Com 189 países membros, o FMI iniciou com o objetivo de auxiliar na reconstrução do sistema monetário internacional após a Segunda Guerra Mundial. Com o passar dos anos, a agência internacional começou a atuar monitorando esse sistema, além de realizar empréstimos aos países que apresentem dificuldades financeiras reais ou potenciais, aconselhando-os por meio de capacitações nas áreas de política econômica e financeira. Nesta edição do UFRGSMUNDI, o comitê histórico debaterá “A Renegociação das Dívidas Latino-americanas nos anos 80”. O veículo de comunicação escolhido para o Fundo Monetário Internacional é o Financial Times. Fundada em 1888, a publicação inglesa é um dos maiores jornais do mundo com foco na economia e nos negócios, possuindo três edições diárias: uma para o Reino Unido, outra para os Estados Unidos e uma terceira para a Ásia.

8.7 CONSELHO DA LIGA DAS NAÇÕES DE 1933 (LIGA) A Liga das Nações é uma organização internacional constituída anteriormente à ONU que idealizou a negociação de um acordo de paz no final da Primeira Guerra Mundial. A organização possuía cerca de 32 países membros fixos e mais 13 Estados convidados a participar. Como um comitê histórico, o cenário se passa no ano de 1933, quando a Alemanha está em seu processo de rearmamento. No UFRGSMUNDI 2019, o Conselho da Liga das Nações discutirá o “Rearmamento Alemão” em sua uma reunião. O jornal escolhido para cobrir a Liga das Nações Histórica de 1933 é o Münchener Post fundado em 1888. O jornal ficou famoso em Munique pela sua notável campanha contra Adolf Hitler e o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, o Partido Nazista. Era, em suma, uma das únicas publicações que investigou a trajetória de Hitler, denunciou crimes e atentados contra adversários e antecipou o plano do partido de eliminar judeus. O jornal fechou após a polícia nazista invadir e destruir a redação.

8.8 ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO ISLÂMICA (OCI) A A Organização para Cooperação Islâmica é uma organização intergovernamental focada em proteger os interesses dos países islâmicos, tendo 57 membros de 4 continentes. Nesta edição do UFRGSMUNDI, o tema a ser tratado pela organização é “Radicalismo e Movimentos Extremistas no Oriente Médio”, que ameaçam a segurança da população de diversos países islâmicos, dividindo opiniões da comunidade internacional. A Al Jazeera será responsável pela cobertura da OCI. Em seus textos, a organização usa uma linguagem direta e simples. Portanto, não costumam pender para nenhum lado político. Por ser uma agência estatal, a Al Jazeera normalmente evita criticar seu país de origem, o Qatar, criado por empresários magnatas. Ao mesmo tempo, é crítica em outros países – o governo da Arábia Saudita, por exemplo, fechou o escritório da Al Jazeera no país após o reino cortar relações com o Qatar.

8.9 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA) Fundada em 1948, a Organização dos Estados Americanos é o mais antigo órgão regional da ONU. Conta com 35 países da América Latina, Caribe e América do Norte. Seus pilares são a democracia, os direitos humanos, a segurança e o desenvolvimento (OEA, 2016). Este ano, no UFRGSMUNDI, o comitê abordará “A Situação na Venezuela”. O veículo escolhido para a cobertura da OEA é o periódico El País, em sua versão brasileira. Fundado em 1976, na Espanha, o jornal nascia com tendências social-democratas, logo após a morte

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de Francisco Franco, que instaurou um regime fascista no país europeu. O jornal, assim, pode ser considerado um dos veículos com maior tendência a ter um pensamento pró-democracia. Devido ao grande acesso do público brasileiro à publicação em espanhol, foi lançada, em 2013, uma versão em português com enfoque no contexto do Brasil. A publicação tem perfil de centro-esquerda liberal e, aqui, adota tom crítico contra o presidente Jair Bolsonaro.

8.10 SENADO FEDERAL (SF) O Senado Federal é parte do Congresso Nacional do Brasil, parte que exerce as funções legislativas do Estado. O Senado é formado por 81 senadores, cada estado brasileiro possui 3 representantes eleitos. Nesta edição, o tema abordado será a “Reforma do Ensino Médio”, que propõe a reformulação do currículo e a implementação do ensino integral, e, por isso, é um assunto controverso tanto dentro do congresso quanto entre a população. O jornal responsável por cobrir o Senado Federal do UFRGSMUNDI será a Folha de S. Paulo, pertencente a um dos principais conglomerados de mídia do país. Apesar de possuir um público em sua maioria de classe alta, a publicação tem alcance popular, possuindo, além disso, uma faixa etária de leitores entre os 24 e 54 anos. Por isso, usa de uma linguagem mais simples em seus textos, sem usar de terminologias. O grupo possui os princípios editoriais de “pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência” e é considerado um dos jornais mais respeitados do Brasil. Segundo De Oliveira (2010), suas matérias apresentam uma linguagem favorável a partidos que não estão no poder atualmente, dessa forma, selecionando palavras que podem trazer conotação negativa aos partidos do governo atual e do governo anterior a este.

8.11 UNIÃO AFRICANA (UA) Sucessora da Organização da Unidade Africana, existente desde 1963, a União Africana tem como objetivos a união, a solidariedade e a integração econômica do continente, contando com 55 membros (ORGANIZAÇÃO DA UNIÃO AFRICANA, 2000). No UFRGSMUNDI 2019, a União Africana discutirá a “Questão da Reforma Agrária na África”. A agricultura é uma das principais atividades econômicas que propicia renda e desenvolvimento dos países, entretanto, como consequência de uma forte colonização, a atividade tem sido comprometida devido à concentração de terra por parte de uma minoria da população. O jornal escolhido para cobrir a UA é o Cape Times da Cidade do Cabo. Tem como principal público-alvo a classe trabalhadora e é conhecido por expor a corrupção do governo. Considerado o primeiro jornal do sul da África, sua primeira publicação é datada de 1876, e hoje, se consolida como um dos principais jornais do África do Sul (SHAW, 1999).

8.12 COMITÊ DOS PROFESSORES: SENADO FEDERAL (SF PROF) Os jornais responsáveis por cobrir o Senado Federal do UFRGSMUNDI 2019 serão o Estadão e a Carta Capital. O jornal Estadão é marcado por uma linha editorial com características conservadoras na política e liberais na economia e nos costumes, defendendo o sistema democrático de governo, o Estado de direito, a livre iniciativa, a liberdade individual e a economia de mercado. A revista Carta Capital é marcada por uma linha editorial assumidamente alinhada à esquerda política, e, apesar de ter apontado (segundo o que afirmou a própria revista) falhas do governo Lula, adotou uma posição favorável em relação à sua continuidade, apoiando a candidatura de Dilma Rousseff em 2010, o que sugere um exemplo de ativismo jornalístico pela revista. A publicação, por exemplo, chama o impeachment de Dilma de “golpe”.

9 CONDUTA JORNALÍSTICA E REGRAS GERAIS

Já frisamos aqui que o jornalismo é uma prática social. Ou seja, as ações do jornalismo geram impactos sobre a sociedade e sobre a opinião pública. Portanto, os profissionais do jornalismo também devem estar alinhados a condutas que os coloquem em equilíbrio com essa postura.

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9.1 CONDUTA DE UM PROFISSIONAL DE JORNALISMO DA AGÊNCIA DE COMUNICAÇÃO Na conduta do jornalista, é fundamental ter o compromisso com a verdade do que é publicado, qualquer que seja a natureza da notícia que se irá produzir, ressaltando que o foco da notícia não deve ser a opinião pessoal do jornalista, mas a informação a ser levada para os diferentes tipos de público. Quando o jornalista estiver presente na sessão de um comitê, deve-se manter em silêncio, apenas coletando informações sem interferir no fluxo do debate. Lembre-se de que você está representando um veículo de comunicação, logo, você é responsável pela imagem da sua publicação e pela credibilidade da informação que será levada ao público. Igualmente importante é você ter um conhecimento mínimo sobre o teor do debate, sobre o assunto, sobre o que os delegados vão discutir. Por isso, recomendamos a leitura do guia de estudos que se refere ao comitê em que você vai realizar a cobertura jornalística. Além disso, deve-se ter em mente que, para realizar um jornalismo de qualidade, é necessário trabalhar em equipe. Cada jornalista é tão importante quanto o outro, não sendo permitidos abusos de autoridade ou desvalorização de colegas. Qualquer caso do tipo deverá ser imediatamente comunicado à Editoria-Chefe, que tomará as medidas cabíveis.

9.2 RESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros define que jornalistas devem sempre defender os princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Essa é, portanto, uma obrigação de qualquer jornalista no dia a dia de sua profissão. O UFRGSMUNDI é um projeto que, acima de tudo, respeita os direitos humanos e acolhe todas as pessoas, sem importar seu gênero, cor ou orientação sexual. É dever do jornalista da AC valorizar os direitos humanos, sem utilizar formas discriminatórias de comunicar-se. Tanto em textos escritos quanto em fotografias que os jornalistas poderão efetuar durante o evento, não serão permitidas quaisquer formas de desrespeito ou de inconveniência com os demais delegados. O jornalista que apresentar qualquer comportamento de cunho discriminatório, racista, machista, misógino ou LGBTfóbico, está sujeito ao desligamento imediato do projeto.

9.3 PONTUALIDADE O jornalismo é uma ciência que trabalha com prazos curtos e horários rigorosos. É dever do jornalista da AC, tal qual um jornalista profissional, observar a pontualidade, tanto para o horário de entrar novamente na sala de seu comitê, quanto para comparecer à Central de Notícias quando solicitado pela Editoria-Chefe. Informação atrasada significa informação desatualizada.

9.4 COBERTURA A Agência de Comunicação, tal qual os demais comitês, também possui uma sala para ser sua sede. Chamamos-na de Central de Notícias, que será a base de posicionamento para todos os jornalistas e para a Editoria-Chefe, que estará disponível durante todo o tempo das sessões para auxiliar o jornalista a produzir suas matérias. Quando solicitado pela Editoria-Chefe, o jornalista deverá comparecer à Central de Notícias para o recebimento de novas orientações. Os jornalistas realizarão em duplas a cobertura dos comitês. Cada jornalista será designado para um comitê específico, para o qual deverá se deslocar com sua respectiva dupla a fim de colher informações. Uma vez que considerar que já está com informações suficientes, o jornalista deverá retornar à Central de Notícias para redigir uma notícia a ser publicada no blog da AC. Também poderão ser confeccionados tweets com observações mais rápidas sobre fatos que ocorrem no comitê. Da mesma forma, o jornalista deverá retornar à Central de Notícias para que o tweet seja publicado pela Editoria-Chefe. Recomendamos o revezamento entre a dupla que estará cobrindo um determinado comitê, a fim de garantir que haja pelo menos um jornalista na sala durante todo o tempo do debate. É interessante também que, previamente ao evento, os jornalistas acompanhem os veículos que irão representar para que vejam como é produzida a informação. Tal qual o jornalismo tradicional, a linguagem que deverá ser utilizada pelos jornalistas é a formal, tanto na elaboração de notícias quanto em entrevistas. O caso do Twitter, que será uma das principais plataformas para a publicação de observações a respeito dos comitês, é a única exceção. Na AC, é permitida a utilização de linguagem formal e informal ao efetuar tweets, assim como “memes”,

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dadas as características dessa rede social. No entanto, não poderão ser efetuados apenas tweets em linguagem informal. Afinal, ainda estamos falando de jornalismo e de seu compromisso com a seriedade. A Agência de Comunicação utiliza hashtags para seus veículos de comunicação. Sendo assim, no final de cada tweet, deverão constar duas hashtags: uma com a sigla do comitê ao qual ele se refere e outra com o nome do jornal que está publicando o tweet. Por exemplo: tweets realizados pela Folha de São Paulo no Senado Federal deverão encerrar o texto com #Folha e #SF. Os jornalistas também poderão tirar fotografias dos debates e, eventualmente, postá-las nos meios online da AC. Deve-se observar sempre o respeito às pessoas fotografas, sendo proibida a publicação de eventuais fotografias em que as pessoas estejam em postura vexatória ou que incite julgamentos de valor sobre elas. Poderão ser confeccionadas pequenas reportagens em vídeo ou telejornais, desde que o jornalista manifeste sua intenção para a Editoria-Chefe.

9.5. COLETIVAS DE IMPRENSA No UFRGSMUNDI, também serão realizadas coletivas de imprensa. Elas consistem em convocar de 2 a 6 delegados de um comitê para dar depoimentos à imprensa. Elas poderão ser solicitadas em qualquer momento pelos jornalistas responsáveis por um determinado comitê ou pela Editoria-Chefe. No primeiro caso, a Editoria-Chefe da AC deve ser comunicada pelos jornalistas, para então ser dado prosseguimento à ação. Poderão ser convocados mais jornais além do específico de cada comitê. A escolha dos delegados a serem entrevistados é de responsabilidade dos jornalistas. Após a escolha, deve-se dar início à coletiva de imprensa. Para isso, os jornalistas anunciam para o comitê a intenção da imprensa e os objetivos da coletiva, e convocam os delegados escolhidos para irem até a frente, no interior da sala de reuniões. Os demais delegados permanecem sentados em seus lugares. Sugere-se que os jornalistas já tenham prontas uma ou duas perguntas a serem feitas para cada delegado escolhido, bem como já tenham em mãos câmeras fotográficas. Caso haja dificuldades para a elaboração das questões, pode-se pedir o auxílio da Editoria-Chefe ou da Mesa Diretora do próprio comitê. Os jornalistas devem anunciar o início formal da coletiva de imprensa e realizar suas perguntas a cada um dos selecionados. Os delegados possuem direito de resposta, a réplica, seguida da tréplica. Recomendamos que a entrevista dure, no máximo, 15 minutos. No final, a imprensa deve fazer um agradecimento e anunciar o fim da coletiva de imprensa. É importante que todo o período de entrevistas seja registrado em fotos e, se possível, em áudios e vídeos. O conteúdo de uma coletiva de imprensa não deve ficar restrito às redações de jornais, sendo fundamental que, ao final, seja confeccionada uma matéria a respeito dos acontecimentos e declarações para ser publicada nos meios online da AC.

10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS

O COMBATE AO PROBLEMA MUNDIAL DAS DROGAS E DO NARCOTRÁFICO

Aline de Souza Correia Santos, Arthur Schneider Gregório, Bibiana Ribeiro Golambieski, Gabriela de Mendonça Lima Penna, Mariana Pires Theodoro e

Rafaela Elmir Fioreze1

1 Graduando e Graduandas em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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QUESTÕES PARA ORIENTAÇÃO

(1) Reflita sobre os conflitos envolvendo drogas que você viu na mídia ou vivenciou nos últimos anos. Qual a causa desses incidentes? Como evitá-los?

(2) Como chegar a um consenso entre países produtores e consumidores de substâncias ilegais sobre a melhor forma de combater o narcotráfico?

INTRODUÇÃO

A Assembleia Geral (AGNU) é o maior órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), sendo o único no qual todos os membros da organização estão representados e podem votar de maneira igualitária. Dentre suas funções gerais, pode-se mencionar admitir novos membros, supervisionar os outros órgãos da ONU e selecionar o Secretário-Geral. Suas funções mais importantes, contudo, são as de deliberar e fazer recomendações sobre assuntos dentro do escopo da Carta da ONU, tendo em vista os princípios de manutenção da paz e da segurança internacional e a cooperação entre as nações. Os 193 países participantes se reúnem uma vez por ano - a não ser quando são convocadas sessões especiais -, e têm direito de falar e votar os assuntos tratados. A Assembleia Geral produz uma resolução que, quando aprovada, possui caráter recomendatório. Dessa maneira, as decisões do comitê não possuem caráter vinculante, ou seja, não são de cumprimento obrigatório. Contudo, o fato de ser uma decisão da totalidade dos países da ONU torna as decisões da Assembleia Geral moralmente vinculantes, pois aqueles países que não as cumprem podem ser vistos como desrespeitadores das regras elaboradas pela maioria (AGNU, 2019). Diante da importância da AGNU, cabe a esse organismo realizar a discussão sobre o tema do combate ao problema mundial das drogas, dado o destaque no cenário internacional. A preocupação com as atividades ligadas ao narcotráfico - comércio de drogas ilícitas, de substâncias entorpecentes - é crescente no século XXI, uma vez que ele está ligado a diferentes práticas ilícitas, como o tráfico de armas e de pessoas em situação de vulnerabilidade, confirmando a questão do tráfico de drogas como um acontecimento coletivo que envolve diferentes grupos sociais (RIBEIRO, 2011). De acordo com Rodrigues (2003), as redes de narcotráfico estão relacionadas a diversos outros problemas, como a violência urbana e a formação de organizações criminosas internacionais. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), droga é qualquer substância que, introduzida no organismo, interfere no seu funcionamento. Consequentemente, drogas podem ser, por exemplo, tanto a maconha quanto a aspirina e o antibiótico. O que varia é como elas atuam no organismo de cada indivíduo e sua finalidade, pois, quando a droga é empregada com fins terapêuticos, ela passa a denominar-se medicamento (OMS, 1993). Desde o século XX, a “questão das drogas” passou a ser entendida como um problema, o que deu início às ações internacionais de controle (RODRIGUES, 2012). A Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Drogas Narcóticas e Psicotrópicas, de 1988, é o marco da institucionalização de políticas de drogas com viés voltado ao proibicionismo1 e à securitização2. No entanto, desde então, poucos Estados membros da ONU responsáveis pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime3 (UNODC, sigla em inglês4) fizeram algo para alterar a base punitiva e criminalizante, que impõe medidas anti-drogas à força e viola direitos humanos. Individualmente, porém, países como Canadá, Bolívia e EUA - em muitos estados - já alteraram suas políticas de droga (MCALLISTER, 2000). Foi assim que o narcotráfico cresceu expressivamente enquanto negócio internacional, uma vez que a ilegalidade e a criminalização produziram um escudo protetivo para o seu desenvolvimento. O

1 Para compreender o termo proibicionismo, é importante ter em mente que drogas só são drogas porque um dia foram proibidas - embora fossem muito usadas no passado. Além disso, desde o início do século XX, a norma dominante é a de proibir drogas e buscar reprimir quem as vende.2 Conceito que legitima o combate militarizado e a utilização das Forças Armadas para a resolução de problemas domésticos e internacio-nais (SANTOS et al., 2018).3 O escritório funciona como uma agência especializada das Nações Unidas, sendo líder global no combate às drogas ilícitas e ao crime internacional. Foi estabelecido em 1997 por meio de uma fusão entre o Programa de Controle de Drogas das Nações Unidas e o Centro para a Prevenção Internacional do Crime (UNODC, 2019g).4 United Nations Office on Drugs and Crime.

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endurecimento de iniciativas internacionais proibicionistas somado à sofisticação das leis nacionais e internacionais, acabaram levando ao aumento global da demanda por essas substâncias. Em um contexto de pós Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945), esse aumento foi facilitado pelas inovações tecnológicas que contribuíram para a livre circulação de pessoas e transporte dos produtos (KOPP, 2006). Dessa forma, a manutenção das políticas que dominam as decisões internacionais de controle de drogas torna desafiante atingir um consenso global capaz de aproximar países com grandes divergências políticas. É destacada a dificuldade de encontrar iniciativas para combater o problema mundial das drogas e do narcotráfico, sendo estritamente necessário debater a questão a partir de diversas abordagens. Serão, portanto, considerados elementos estruturantes desde formas de combate e o tratamento da questão, dentro das esferas pública e internacional, passando pelas redes de tráfico até as consequências do problema.

1 HISTÓRICO

Até o século XX, não existia a proibição das drogas e, por isso, não existia o tráfico, caracterizado pelo comércio ilícito dessas substâncias - ou seja, existia o consumo de drogas, porém este não era considerado um crime. No início do século, inicia-se uma maior discussão sobre as drogas, representando um passo inicial no processo de controle dos narcóticos (RODRIGUES, 2012). A discussão toma força sobretudo a partir do fim da Guerra Fria, quando a pauta dos debates internacionais se diversifica. Antes, o foco dos debates estava essencialmente nas ações militares e diplomáticas entre a União Soviética (URSS) e os Estados Unidos (EUA). Com a queda da URSS (1991), surgem novos debates no âmbito internacional, todavia, esse tópico possui discussões muito anteriores ao período (RIBEIRO, 2011). Em meados do século XIX, a China já era um dos países mais populosos da Ásia. No entanto, o país não cultivava relações comerciais com o Ocidente. Enquanto isso, na Europa, a Inglaterra se industrializava crescentemente, o que tornava necessário o aumento do mercado consumidor para dispersar parte de sua produção. Nesse cenário, os ingleses começam a negociar diretamente com as províncias do Sul da China, buscando suprir sua necessidade de comércio, ao passo que se inseriam gradativamente no país asiático. Dessa forma, ainda no século XIX, a Inglaterra conseguiu aumentar seu peso comercial no país, obtendo autorização para o comércio. Contudo, enquanto a China oferecia diversos produtos demandados pelos ingleses, como seda, porcelana e chás, os chineses não necessitavam de nenhum produto inglês em específico, razão pela qual as trocas eram feitas pela prata. Isso se altera quando a Inglaterra inicia o comércio de ópio, uma das drogas mais viciantes do mundo, nas províncias chinesas. O ópio logo se torna um vício generalizado, e o seu uso é totalmente proibido pelo governo chinês, provocando a Primeira (1839-1842) e a Segunda (1856-1860) Guerras do Ópio entre os dois países, nas quais a China é derrotada e obrigada a abrir seu comércio aos países ocidentais (TORCATO, 2016). A China é um clássico na discussão das drogas e de seu tráfico, visto que representa um exemplo de tentativa de combate ao uso e tráfico de narcóticos. No caso chinês, o resultado desse processo é a derrota, a qual impele o país a abrir suas fronteiras para a entrada de drogas internacionais. Dentro do cenário do tráfico internacional, existem os países produtores, ou seja, os que cultivam e desenvolvem drogas em seu território - no cenário das Guerras do Ópio, o país produtor era a Inglaterra - e os países consumidores cuja população representa mercado consumidor para as drogas produzidas internacionalmente - dentro daquele cenário, a China. Dentro do contexto asiático, o uso recreativo de drogas data de muitos séculos, dada a utilização de algumas dessas substâncias em rituais das culturas locais. O problema surge quando os europeus percebem o lucro em potencial da produção e venda de drogas no continente, utilizando os narcóticos como moeda de troca e causando um grave problema de saúde pública decorrente do vício da população (DALCIN et al., 2018). A introdução do ópio na China é o maior exemplo desse acontecimento. O Triângulo Dourado, termo usado pela Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês), é uma região da Ásia - composta por Mianmar, Tailândia e Laos -, produtora de longa data de ópio, cuja visibilidade cresceu significativamente no século XIX e se fortaleceu após a Segunda Guerra Mundial. O Triângulo Dourado é o precursor do Crescente Dourado, outra região com intensa produção de drogas na Ásia, sobretudo heroína. Essa região é formada pelo Afeganistão, o Irã e o

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Paquistão. Juntas, as duas compreendem as principais áreas de produção ilícita de drogas na Ásia até os dias atuais (DALCIN et al., 2018). Mesmo que os entraves em torno do uso e tráfico de drogas datem de períodos muito anteriores, essa pauta só se tornou um ponto central nas discussões internacionais a partir da segunda metade do século XX. Em 1970, o presidente dos EUA, Richard Nixon declara a chamada Guerra às Drogas, afirmando que as drogas eram “o inimigo público número um” (NASSER, 2014). Nixon também promove a visão dos usuários de drogas e dos países produtores como os inimigos do país, difundindo essa ideia também para além das fronteiras americanas. Todavia, é nas décadas de 1990 e 2000 que se intensificam as ações estadunidenses contra o tráfico de drogas, englobando agora o combate na América do Sul, com a criação do Plano Colômbia (DUFTON, 2012), da Iniciativa Andina e da Iniciativa Mérida. Com esses programas, percebe-se a crescente intervenção americana no combate ao narcotráfico na América Latina, aumentando a quantidade de recursos econômicos e militares enviados ao continente. O problema não diminui porém, apesar dos esforços internacionais (RIBEIRO, 2011). O narcotráfico, portanto, surge a partir da criminalização da venda e porte de drogas, e se expande na ilegalidade, tornando-se um ramo muito lucrativo, razão pela qual muitos países latino-americanos passam a produzir grandes quantidades de drogas ilícitas para comércio (RODRIGUES, 2012). A fins de exemplificação, os países andinos (sobretudo Bolívia, Peru e Colômbia) aumentaram exponencialmente a produção e o tráfico para suprir a demanda dos Estados Unidos por cocaína (RODRIGUES, 2002). Ironicamente, a partir do governo Nixon (1969-1974), os países produtores começam a serem vistos como inimigos das nações civilizadas pelos EUA, que passam a publicar anualmente uma lista de países que, na sua avaliação, colaboram ou não com a Guerra às Drogas, impondo, com base nisso, sanções políticas e econômicas aos descumpridores. Isso, aliado às pressões diplomáticas e aos incentivos econômicos e militares, levou os países latinos a intensificarem o combate ao tráfico (RODRIGUES, 2012).

2 APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA

Na presente seção, serão apresentadas as diversas abordagens e iniciativas para combater o problema mundial das drogas e do narcotráfico. Serão analisados elementos problematizadores, tanto na forma de conduzir a natureza da questão, nas esferas pública e internacional, quanto na formação de redes de tráfico.

2.1 DROGAS COMO UM PROBLEMA PÚBLICO Para compreender o combate ao problema mundial do uso de drogas e as demais questões envolvidas no processo - desde a produção até o narcotráfico -, é importante observar como esse assunto é debatido na esfera pública, ou seja, como os países lidam internamente com essas questões e quais seus impactos diretos na sociedade civil. Por essa razão, apresentaremos a forma com que as drogas são tratadas nos âmbitos da saúde e segurança públicas.

2.1.1 SAÚDE PÚBLICA Desde o século XX, logo no início das discussões internacionais sobre o tema, segundo Rodrigues (2012, p. 10), “ganhava força o argumento de que psicoativos, como o ópio e a morfina, alimentavam um problema de saúde pública que precisava ser enfrentado pela via do rigoroso controle dessas substâncias”. Relacionar a questão das drogas ao campo da saúde significa englobar diversas questões específicas, como doenças infecciosas associadas ao uso inseguro de substâncias injetáveis, proibição de drogas e sistema prisional. Pois, na medida em que a população usuária de drogas encontra-se em vulnerabilidade social, sujeita ao desenvolvimento de doenças, é muito impactante como a proibição, e o consequente aprisionamento do usuário, impede a reabilitação saudável do indivíduo. Um dos maiores impactos da condenação ao tráfico de drogas é o uso excessivo do encarceramento como medida de punição, pelo qual pessoas são condenadas a longas sentenças de prisão. No entanto, ignora-se que em diversos países, como no Brasil, o uso de drogas e a injeção de substâncias ocorrem nas prisões, provocando inúmeros casos de infecções e complicações. São poucos os países que oferecem serviços de prevenção e tratamento, evidenciando falhas crônicas nas medidas de controle das drogas (CSETE

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et al., 2016). Além disso, considerar o problema das drogas nesse âmbito também acarreta a discussão acerca dos preconceitos que envolvem usuários, produtores e traficantes. Ao distanciar a questão do campo da saúde pública, acentuam-se seus traços xenofóbicos5, racistas e machistas, além de tornar claras as razões do apoio da sociedade à criminalização da produção e do consumo das drogas como forma de controle. A hostilidade de grande parte da população com estes casos está relacionada à vinculação das drogas a determinados grupos sociais, potencializada nos últimos anos. No Brasil, por exemplo, a heroína foi associada à saúde pública a partir do uso da droga por “cafetões e prostitutas” (RODRIGUES, 2012, p.10). Assim, é por meio da ótica discriminatória combinada à repressão de grupos sociais minoritários que emergem políticas socais de controle baseadas no proibicionismo, as quais investem em regimes punitivos, evidenciando uma ameaça à vida coletiva percebida pela população vulnerável. Tais regimes abrem espaço para a perseguição de classes mais periféricas e para a declaração de “guerra” às drogas (RODRIGUES, 2012).

Figura 1 - Tendências do uso de drogas

Fonte: UNODC, 2018b (Tradução nossa)

Conforme demonstram os gráficos acima, do Relatório Mundial sobre Drogas do UNODC (2018), o uso de drogas entre a geração mais velha tem aumentado mais rapidamente do que entre a população mais jovem. Essa situação pode ser preocupante, uma vez que usuários mais velhos apresentam maiores riscos de enfrentar problemas de saúde física e mental, configurando um desafio maior para o tratamento desses quadros. De acordo com o relatório, “em todo o mundo, as mortes causadas diretamente pelo uso de drogas aumentaram em 60%, entre 2000 e 2015. Pessoas com mais de 50 anos representaram 27% dessas mortes em 2000, mas esse percentual aumentou para 39% em 2015” (UNODC, 2018b, p. 19). Ampliar os serviços de saúde para os usuários de drogas pode, portanto, demonstrar para a sociedade o valor de responder com apoio, ao invés de punição, às pessoas que cometem infrações relacionadas ao consumo e crimes não violentos, como a venda de drogas sem o porte ilegal de armas. Além disso, todas as políticas de drogas também devem ser monitoradas e avaliadas quanto ao seu 5 Desconfiança, temor ou antipatia por pessoas estranhas ao meio daquele que as ajuíza, ou pelo que é incomum ou vem de fora do país.

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impacto sobre as minorias raciais e étnicas, mulheres, crianças e jovens, e classes mais baixas.

2.1.2 SEGURANÇA PÚBLICA Conforme já mencionado, em função de estarem, direta ou indiretamente, relacionadas a problemas sanitários, as drogas são muitas vezes tratadas como uma questão de saúde pública. As consequências não apenas da utilização, mas também – e sobretudo – do comércio dessas substâncias, entretanto, não se restringem ao domínio da saúde, tendo impactos igualmente significativos na área da segurança pública. Dessa maneira, a presença de seus usuários e, especialmente, de traficantes em um determinado local pode afetar a normalidade do funcionamento de uma sociedade, de forma a potencialmente prejudicar a garantia dos direitos dos cidadãos (WILLIAMS, 1994). Com efeito, no âmbito interno dos Estados, a questão das drogas e do narcotráfico pode ter impactos sobre a segurança pública em dois níveis principais: o individual e o estatal. No nível individual, verifica-se uma redução da segurança a partir de um aumento na violência, praticada tanto por organizações criminosas que desejam assegurar seus espaços, seu mercado e seus lucros, quanto pelos usuários que recorrem ao roubo e a atividades similares para financiar seu consumo. No nível estatal, tem-se um enfraquecimento da manutenção da segurança devido à capacidade das organizações traficantes de ameaçar a autoridade do Estado, seja mediante a realização de atos que violam as leis nacionais, seja mediante sua disposição para enfrentar as forças estatais. Ademais, a cooptação de agentes oficiais do Estado por parte destas organizações torna a situação ainda mais crítica, trazendo problemas como a incidência de corrupção, de modo a desestabilizar o ambiente interno e a obstaculizar o funcionamento adequado das instituições políticas e legais (WILLIAMS, 1994). Deve-se notar, no entanto, como aponta Thiago Rodrigues (2012), que a questão das drogas e do narcotráfico deixou de ser unicamente relativa ao ramo da saúde pública e se transformou também em um problema de segurança pública a partir do estabelecimento de políticas proibicionistas. Ou seja, uma vez que determinadas substâncias psicoativas passaram a ser consideradas uma ameaça, regulamentou-se sua proibição total. Embora trouxesse um discurso centrado no problema do consumo de drogas, a implantação deste tipo de regulamentação se configurava, na verdade, como uma tentativa de conter grupos sociais que, além de estarem vinculados ao consumo de tais substâncias, eram vistos como “ameaçadores” por parte do Estado – nomeadamente, imigrantes e camadas mais pobres da população. Dessa maneira, as medidas de proibição irrestrita permitiram que o Estado interviesse em hábitos e comportamentos individuais com a justificativa de promover uma melhora nas condições de vida da sociedade como um todo. Todavia, não se tendo alcançado a eliminação das drogas, as atividades relacionadas ao seu consumo e comércio passaram a operar na ilegalidade, criando-se, assim, um elemento desestabilizador em termos de segurança pública (RODRIGUES, 2012). Mais do que isso, a transformação da questão das drogas e, portanto, do tráfico em um problema de segurança pública trouxe uma série de implicações no que diz respeito às abordagens utilizadas para combatê-la. Um fenômeno que tem se mostrado bastante comum, especialmente a partir dos anos 1970 e do discurso estadunidense de “guerra às drogas”, é a chamada “securitização” do narcotráfico. Em termos gerais, há um processo de securitização quando, por meio de falas e atos políticos, um tema é não apenas definido como uma questão de segurança já existente, mas também transformado em tal por ser representado como um problema securitário (WAEVER, 1995; WILLIAMS, 2003). Dessa forma, ao se tornar uma questão de segurança, um determinado tópico passa a ser uma prioridade na agenda do Estado que assim o trata (COSTA, 2015). Muito embora a securitização de alguns temas possa parecer uma questão meramente conceitual, suas consequências práticas se apresentam principalmente por meio de algumas medidas de combate ao tráfico, dentre as quais podemos citar a militarização da segurança pública – ou, em outras palavras, a utilização das Forças Armadas para a resolução de problemas domésticos (SANTOS et al., 2018). A opção por essa prática tem se mostrado excepcionalmente atrativa para países que, cientes de suas debilidades em termos institucionais e legais, procuram alternativas capazes de fornecer uma resposta rápida e eficaz – mesmo não sendo institucionalmente a mais adequada (SAINT-PIERRE, 2012). Assim, apesar de prover a alguns Estados a possibilidade de combater com eficiência ameaças internas, essa medida representa um desafio à “divisão tradicional entre segurança pública e segurança nacional, pois as Forças Armadas são compreendidas, no modelo republicano de procedência ocidental, como o braço armado do Estado para sua defesa diante de ataques externos” (RODRIGUES, 2012, p. 32). Ademais, a militarização pode comportar uma série de outros problemas, sendo um dos mais notáveis a grande

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potencialidade de violações de direitos humanos, uma vez que as Forças Armadas, diferentemente das Forças Policiais, não recebem o devido treinamento para lidar com algumas questões inerentes à segurança pública (SANTOS et al., 2018).

2.2 AS DROGAS NO NÍVEL INTERNACIONAL E AS REDES DE NARCOTRÁFICO Não restrita ao espaço doméstico de cada Estado, a questão das drogas e do narcotráfico relaciona-se de forma crescente com o ambiente internacional. Em termos gerais, isso se deve ao fato de a economia da droga6 se mostrar cada vez mais globalizada, com agentes operando para além das fronteiras nacionais. Tendo isso em mente, a presente seção se propõe a analisar a questão das drogas e do tráfico no âmbito externo, avaliando suas implicações para a segurança internacional e buscando entender como atuam as organizações de narcotráfico nesse meio.

2.2.1 SEGURANÇA INTERNACIONAL A partir do fim da Guerra Fria7 e da redução das tensões interestatais8, verificou-se uma significativa ampliação da agenda de segurança internacional, que deixou de ser mais restrita às ameaças convencionais – ou seja, aos conflitos entre diferentes Estados – para englobar também as chamadas “novas ameaças” (COSTA, 2015). Embora não necessariamente novos, os temas aos quais se referiam essas ameaças foram assim denominados pelo fato de que, a partir daquele momento, eles passaram a ser visualizados por uma ótica securitária. Dessa forma, o conjunto de “novas ameaças” era integrado por “velhas questões que agora se tornavam complexas pela transnacionalização9 e as múltiplas conexões entre elas” (SAINT-PIERRE, 2012, p. 410), como é o caso do tráfico de drogas ilícitas. Apesar de só ser considerada formalmente uma ameaça à segurança internacional no pós-Guerra Fria, a questão das drogas e do narcotráfico está vinculada ao plano internacional desde, aproximadamente, os anos 1950. Com o início do processo de globalização e consequente avanço das comunicações e dos transportes para além das fronteiras, o narcotráfico encontrou um terreno propício para sua reprodução e expansão internacional (RIBEIRO, 2011). Conforme aponta Rodrigues (2012, p. 14):

o crescimento da demanda, a facilitação da circulação de produtos e pessoas com as inovações tecnológicas e dos meios de transporte no pós-1945, além do incentivo ao tráfico propiciado pe-los lucros auferidos na ilegalidade, dinamizaram os fluxos de drogas ilícitas, internacionalizando efetivamente o problema.

À medida que a globalização se intensificou e os fluxos internacionais aumentaram, as fronteiras nacionais se tornaram cada vez mais porosas e permeáveis, facilitando as movimentações criminosas transnacionais. A isso, somou-se a flexibilidade dos grupos de narcotraficantes, os quais atuam em diversos países mediante o engajamento em atividades de difícil controle, como o tráfico não apenas de drogas, mas também de armas e pessoas. Como resultado tem-se uma violação da soberania dos Estados, bem como uma contestação – direta ou indireta – da autoridade dos governos, os quais se veem incapacitados de regular determinadas práticas dentro de seus próprios territórios. Assim, a atuação destes atores não-estatais revela-se como uma ameaça não apenas a cada Estado individualmente, mas ao sistema de Estados como um todo – e é essa percepção coletiva das drogas como um problema internacional que estimula iniciativas de cooperação no plano externo (WILLIAMS, 1994).

6 No contexto em que se encontra inserida no texto, a ideia de “economia da droga” se refere ao conjunto de processos englobados no ciclo produtivo e comercial das drogas, iniciando-se no plantio da matéria-prima e se estendendo até sua chegada no mercado consumidor.7 A Guerra Fria consistiu em um período da história mundial (1945-1991) durante o qual prevaleceu um contexto de bipolaridade, isto é, havia dois grandes países, ou potências, com interesses e ideologias antagônicas (Estados Unidos e União Soviética) que dominavam o sis-tema internacional. Embora existisse uma grande rivalidade entre esses dois pólos, não houve nenhum confronto direto entre eles - motivo pelo qual essa guerra é caracterizada como “fria” (ENCYCLOPÆDIA BRITANNICA, 2019).8 O termo “interestatal” refere-se a questões entre Estados, e não entre um Estado e outro tipo de ator. Logo, tensões interestatais corres-pondem a tensões entre Estados.9 Denomina-se de “transnacionalização” o processo por meio do qual determinados fenômenos ultrapassam as fronteiras do Estado na-cional, tornando-se, assim, relativos a diferentes Estados e mesmo ao sistema internacional como um todo.

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2.2.2 REDES INTERNACIONAIS DE TRÁFICO Ao longo das últimas décadas, com a globalização, a facilitação do comércio, transporte e expansão tecnológica, as organizações criminosas e, entre elas, as redes internacionais de tráfico de drogas, também encontraram uma oportunidade de crescimento e transnacionalização. De acordo com Adalberto Santana (1999), a produção e o comércio de drogas são muito lucrativos como atividades econômicas ilegais, ou seja, não emitem nota fiscal, não tem funcionários registrados e não pagam impostos ao governo. O mesmo autor chama atenção para o fato de que, já no final dos anos 1990, a ONU estimou que o narcotráfico movimentava aproximadamente o dobro do que a indústria farmacêutica movimenta no mundo. Há algumas décadas chegou-se ao entendimento de que o combate às organizações criminosas internacionais depende da cooperação internacional, razão pela qual o assunto recebe destaque internacional. Não é claro, porém, quais medidas podem ser tomadas para tanto. Além disso, é necessário ter em mente que o combate a esse tipo de transgressão não é neutro e pode ter alvos específicos, dependendo dos agentes envolvidos (CEPIK; BORBA, 2012). Ou seja, mesmo que a cooperação internacional para o combate ao tráfico de drogas esteja acontecendo, ela pode ocorrer de diversas formas, uma vez que nem todos os lados veem como uma solução benéfica esse tipo de política.Nesse sentido, é importante entender de que forma essa internacionalização das redes criminosas, em especial do narcotráfico, foi e tem sido feita. Tanto Santana (1999) quanto Cepik e Borba (2012) apontam que os países periféricos, ou subdesenvolvidos, têm assumido um papel muito importante na atual configuração desse tipo de crime. Diversos grupos criminosos utilizam essas regiões como áreas de plantação e produção de mercadorias ligadas ao tráfico de drogas. Assim, a América Latina e o Sudeste Asiático tornaram-se regiões essenciais para o narcotráfico da forma como é desenvolvido atualmente (SANTANA, 1999; CEPIK; BORBA, 2012). Santana (1999) aponta que diversos Estados subdesenvolvidos tornaram-se partes essenciais da sustentação da economia do narcotráfico. Apesar disso, o consumo ocorre majoritariamente nos países desenvolvidos, em especial, nos Estados Unidos e na Europa, ocasionando um alto fluxo econômico. O comércio, ou seja, a atividade final da produção da droga, tem uma relação muito próxima com locais de alta concentração de riqueza, enquanto a produção está mais concentrada em regiões onde as organizações estão mais protegidas das consequências legais desse tipo de ação (CEPIK; BORBA, 2012). Sendo o principal gerador de riqueza ilegal no mundo (CEPIK; BORBA, 2012), o tráfico de drogas torna-se também uma questão econômica muito relevante. Marcos Kaplán já apontava, em 1991, que “mais de 2 milhões de pessoas – afirma o PNUD – estão diretamente empregadas na produção e no comércio das drogas” (KAPLÁN, 1991, p. 157). Enquanto isso, no que diz respeito ao consumo, o Relatório Mundial sobre as Drogas de 2018 estima que, em 2016, cerca de 275 milhões de pessoas no mundo teriam usado algum tipo de droga pelo menos uma vez no ano anterior (UNODC, 2018b). Os números conhecidos sobre a produção e o uso de drogas cresceram, no entanto, nos últimos anos. Ainda de acordo com o Relatório Mundial sobre as Drogas de 2018, produzido pelo UNODC, algumas manufaturas de drogas bateram recordes em 2017, como a da papoula de ópio, que teve o maior nível de produção desde que o UNODC iniciou o monitoramento. Outra substância que registrou o maior nível já produzido na história é a cocaína. A tabela abaixo traz a porcentagem de uso de drogas por continente e ajuda a entender como o consumo de drogas é uma questão global.

Tabela 1 - Uso de drogas por porcentagem da população

Cannabis Opióides Opiáceos Cocaína Anfetaminas e Estimulantes

África 7,6% 0,32% 0,30% 0,47% 0,88%

América 8,0% 2,16% 0,43% 1,39% 1,13%

Ásia 1,9% 0,46% 0,38% 0,03% 0,59%

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Europa 5,1% 0,65% 0,59% 0,79% 0,52%

Oceania 11,0% 2,24% 0,16% 1,65% 1,34%

Mundo 3,9% 0,70% 0,40% 0,37% 0,70%

Fonte: Adaptado de UNODC (2018b).

2.2.3 REDES INTERNAS DE TRÁFICO A dura repressão da ditadura civil-militar brasileira (1964 - 1985), iniciada com o Golpe de 1964, lotou os presídios do país. Sob o Ato Institucional nº5 (AI-5), promulgado em 1968 com objetivo de suspender diversos direitos civis, os presos (políticos ou não) eram tratados de maneira desumana, com escassez de alimentos e alta insalubridade, além da constante submissão à violência policial. Mesmo após o início da redemocratização, com a promulgação da Lei de Anistia, em 1979, e a reversão das acusações dos perseguidos políticos, a situação nos centros de detenção não melhoraram (D’ARAUJO, 2019). É nesse contexto que são criadas as duas principais organizações criminosas brasileiras e maiores responsáveis pelo tráfico de entorpecentes do país: o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo. Segundo Silva (2013), os presos políticos10, opositores do regime militar, demonstravam grande união e disciplina, características essenciais para a reivindicação de melhorias dos centros de detenção, o que, ainda segundo o autor, teria inspirado os demais presidiários do Instituto Penal Cândido Mendes, em Angra dos Reis, a formar o Comando Vermelho. Os oito membros fundadores da organização tinham como principal objetivo a sobrevivência em cárcere, o que mudou com o aumento de membros do grupo (AMORIM, 2010). O Primeiro Comando da Capital (PCC), por sua vez, surgiu em 1993, em condições muito semelhantes às do grupo mencionado anteriormente, na Casa de Custódia de Taubaté, no interior de São Paulo. O PCC tinha como objetivos iniciais a luta contra as violações de direitos humanos no sistema carcerário e a vingança pelas vítimas do Massacre do Carandiru, como ficou conhecido o assassinato de 111 detentos pela polícia militar no dia 2 de outubro de 1992. A facção ganhou força rapidamente, coordenando rebeliões simultâneas nos presídios paulistas e diversos atentados violentos em prédios públicos (FOLHA DE S. PAULO, 2006).

Figura 2 - Presos no Presídio do Carandiru no dia 6 de outubro de 1992.

Fonte: Jamil Ismail (1992).

10 É considerado preso político o indivíduo encarcerado por causa de crenças e atividades contrárias ao regime em que este se encontra (Dallier, 2009). No contexto apresentado, eram presos políticos os indivíduos detidos pelas forças policiais e militares do Brasil que fossem considerados perigosos para a manutenção da ditadura civil-militar.

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Mesmo não concebidas para o narcotráfico, as organizações encontraram nele a sua principal fonte de renda. Segundo Cepik e Borba (2012), facções criminosas utilizam a exclusão social e a pobreza, muito presente nos centros urbanos, para o aliciamento de novos membros, que enxergam nesses grupos um instrumento para ascensão social, pertencimento e dinheiro. Nesse sentido, é possível entender as motivações para a presença e a permanência desses grupos nas favelas brasileiras, mesmo com o grande consumo de drogas ilegais pelas classes mais altas (WERNECK, 2007). Conforme Amorim (2010), a ausência do Estado no que tange ao acesso à educação, à saúde e à segurança dessas populações, além da latente violência policial, facilitam que essas populações marginalizadas criem um vínculo com as organizações criminosas ali presentes. As atividades ilícitas desses grupos, ao contrário do que se pensa nas favelas, não visam à destruição da estrutura social estabelecida, sendo a negligência estatal e a exclusão dessas populações essenciais para o funcionamento das facções criminosas (CEPIK; BORBA, 2012). Simultaneamente a isso, as organizações criminosas necessitam das classe média e alta, utilizando a coerção e o suborno nos níveis mais baixos (cidadãos comuns, policiais de baixo escalão, políticos menos influentes). Já nos níveis mais altos, como no caso de elites econômicas e políticas, faz-se uso da cooperação e do benefício mútuo (CEPIK; BORBA, 2012). A prisão, em 2017, do prefeito recém-eleito de Embu das Artes (SP) e a condenação do ex-vice presidente do Conselho Estadual de Direitos da Pessoa Humana de São Paulo por envolvimento com o PCC são um retrato da influência desses grupos nos setores lícitos e proeminentes da sociedade (FÁBIO, 2018). Os recentes conflitos entre o Primeiro Comando da Capital, o Comando Vermelho e outras facções menos influentes demonstram a ineficiência das atividades do governo brasileiro no combate ao narcotráfico (COSTA; ADORNO, 2018). De acordo com Cepik e Borba (2012), isso se dá, principalmente, pela realização de operações policiais sem o devido emprego das investigações e da inteligência civil, expondo os agentes de segurança pública à grande violência e corrupção. Já para Oliveira e Silva Filho (2014), há uma necessidade de ocultação e negação do problema pela sociedade, evitando-se a análise do narcotráfico, suas causas e fins. Ainda segundo os autores, as organizações criminosas só serão enfraquecidas e abatidas com o restabelecimento da presença do Estado e de seu vínculo com as populações marginalizadas.

3 AÇÕES INTERNACIONAIS PRÉVIAS

Em 1961, a ONU organizou uma conferência com o objetivo de estabelecer um documento único que tratasse da questão dos entorpecentes e da criação de instrumentos de cooperação sobre o assunto. Após 61 dias de discussão, representantes de 73 Estados e órgãos especializados apresentaram a Convenção Única sobre Entorpecentes, pela qual são especificadas duas formas de intervenção e controle: limite de posse, uso, comércio, distribuição e produção de drogas a propósitos médicos e científicos somente; combate ao tráfico de drogas por meio de cooperação internacional para dissuadir e desencorajar traficantes (UNITED NATIONS, 1961). Em 1972, o Protocolo que fez emendas à Convenção reconheceu o fato de que a “dependência de drogas é frequentemente o resultado de uma atmosfera social insalubre na qual aqueles que estão mais expostos ao perigo do abuso de drogas vivem” (COMMISSION ON NARCOTIC DRUGS, 2014, p. 5). A Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas da ONU, de 1971, estabeleceu um sistema internacional de controle sobre substâncias que, quando tomadas ou administradas no corpo humano, afetam processos mentais, como a cognição e as emoções. Resposta à diversificação e expansão do espectro de drogas comercializadas, a Convenção introduziu um mecanismo de controle de drogas sintéticas, conciliando o seu potencial de abuso como droga com o seu valor terapêutico (UN, 1971). A Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas de 1988 estabeleceu mais medidas contra o tráfico de drogas, incluindo cláusulas sobre lavagem de dinheiro e controle de produtos químicos precursores de drogas. A Convenção também prevê a cooperação internacional no que tange, por exemplo, à extradição de traficantes, com uma entrega controlada do detido e a devida transferência dos procedimentos legais ao Estado recebedor (UN, 1988). Ressalta-se também o documento final do Período Extraordinário da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre o Problema Mundial das Drogas, realizado de 19 a 21 de abril de 2016, cujo título foi “O nosso compromisso conjunto de abordar e combater eficazmente o problema mundial

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das drogas”. Nele, são dadas recomendações de como os Estados devem agir em relação a questões como redução de demanda, prevenção e tratamento de usuários, aplicação efetiva de leis antidrogas, cooperação judicial e fortalecimento da cooperação internacional e regional - baseado no princípio de responsabilidade comum e compartilhada -, bem como o endereçamento de questões socioeconômicas, como a relação entre drogas, direitos humanos e membros vulneráveis da sociedade (AGNU, 2016). Dessa forma, fica evidente que o posicionamento da ONU, desde a segunda metade do século XX, é de regulamentar e tentar proibir o consumo de drogas. No contexto do continente americano, foi elaborada, em 2010, a Estratégia Hemisférica sobre Drogas e, para a sua implementação, foram criados planos de ação, sendo o Plano de Ação Hemisférico sobre Drogas para o período 2016-2020, aprovado pela Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD) em 2016, o mais recente. Esse plano - que funciona paralelamente ao da ONU - está baseado em cinco eixos: fortalecimento institucional, redução da demanda, redução da oferta, medidas de controle e cooperação internacional (COMISSÃO INTERAMERICANA PARA O CONTROLE DO ABUSO DE DROGAS, 2016). Assim, nas vias institucionais americanas há um esforço em fortalecer autoridades nacionais capazes de combater o narcotráfico. Isso ocorre por meio da formulação e constante atualização das políticas nacionais sobre drogas e sua articulação com outras políticas sociais, atendendo às causas e consequências fundamentais do problema (CICAD, 2016). Busca-se reduzir a demanda por drogas estabelecendo políticas de saúde pública capazes de criar um sistema integrado de programas de prevenção universal, seletiva e indicada do uso indevido de drogas, priorizando populações vulneráveis. Além disso, algumas iniciativas visam à consolidação de sistemas nacionais de tratamento, reabilitação e inclusão social de viciados. Trabalhando também com o intuito de reduzir a oferta, o plano recomenda a formulação de programas orientados a prevenir e diminuir a oferta ilícita de drogas, bem como o fortalecimento de programas que visem à prevenção do envolvimento com o tráfico de drogas, mas que atentem também para fatores de risco, sociais e econômicos (CICAD, 2016). As medidas de controle previstas no documento envolvem detecção, investigação e desmantelamento de instalações de processamento ilícito de drogas, assim como das rotas aéreas, terrestres, fluviais e marítimas utilizadas para o tráfico. Além disso, aponta como necessárias medidas articuladas que permitam desmantelar os grupos criminosos organizados envolvidos no tráfico ilícito de drogas e criar, atualizar e fortalecer os quadros normativos e institucionais para impedir a lavagem do dinheiro derivado do tráfico ilícito de drogas. Por fim, o eixo de cooperação internacional está baseado em melhorar o intercâmbio de informações e fortalecer os mecanismos de cooperação multilateral e internacional relacionados ao problema mundial das drogas, respeitando os direitos humanos (CICAD, 2016). Em suma, o Plano de Ação Hemisférico sobre Drogas busca combater o tráfico organizado de drogas desmanchando as redes de produção, transporte e venda de substâncias ilícitas e fortalecendo programas de prevenção e tratamento do consumo de narcóticos.

4 POSICIONAMENTO DOS PAÍSES

Responsável por quase 90% de toda a produção mundial, o Afeganistão é o maior produtor de ópio do mundo. Isso se dá, principalmente, pela grande instabilidade socioeconômica do país, que facilita a ação de organizações criminosas e terroristas no território. O grupo terrorista Talibã, que lucra com a venda de derivados do ópio produzidos no país, é o principal exemplo disso (WUNISCHE, 2017).

A África do Sul é uma grande produtora e consumidora de cannabis, que tem valor cultural para a população. Outras drogas ilícitas, como ecstasy e LSD, ainda são conhecidas como drogas “brancas”, por serem consumidas pelas classes mais altas da sociedade, majoritariamente brancas. O consumo de cocaína também tem aumentado, tornando o país o principal destino de drogas ilícitas na África Subsaariana (SICETSHA, 2019).

Recentemente, a Alemanha tem se distanciado de legislações proibitivas e rígidas no que tange ao consumo de drogas ilícitas, preferindo adotar medidas de prevenção e redução de danos. Todavia, a produção e o tráfico de drogas ainda geram duras punições. O governo alemão mostra-se disposto a combater o narcotráfico internacional, sendo um membro ativo do Escritório das Nações Unidas sobre

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Drogas e Crime (LUYKEN, 2017).

A Arábia Saudita tem uma política de tolerância zero perante a venda e o consumo de drogas, inspirando-se na sharia, lei islâmica que proíbe, inclusive, o álcool. Segundo o próprio governo saudita, 139 pessoas foram sentenciadas à pena de morte no país, sendo 54 condenadas por crimes não-violentos ligados às drogas (HUMAN RIGHTS WATCH, 2019a).

A Austrália é um dos principais destinos do narcotráfico internacional, sendo sua localização geográfica, próxima dos maiores produtores de ópio e anfetamina, um agravante para a entrada de drogas no país. A legislação australiana referente ao consumo e à venda de entorpecentes baseia-se na quantidade da substância apreendida com o indivíduo. Contudo, o fato de este ser o único critério para diferenciação entre um dependente químico e um traficante provoca uma série de indiciamentos e penas impróprias para os crimes cometidos (HUGHES COWDERY; RITTER, 2015).

A Bolívia tentou erradicar a coca, planta com grande importância cultural no país e precursora da cocaína, por décadas. Em 2004, o governo boliviano decidiu legalizar a produção para consumo doméstico e, com a ajuda da ONU, tem mantido a produção regulamentada via satélite, evitando o cultivo ilegal e a transposição do cultivo legal para a produção de cocaína. A decisão, que deu início à adoção de medidas não-securitárias, somada à conscientização promovida pelo governo, tem diminuído o tráfico e a violência no país (TEGEL, 2016).

O Brasil tem uma legislação anti-drogas extremamente dura, utilizando um sistema proibicionista em relação não só à venda, mas também ao consumo. A aplicação de condenações rígidas por crimes relacionados ao tráfico de ilícitos é generalizada, enquanto utilizam-se medidas securitárias para lidar com o problema, como a ocupação de favelas por forças de segurança nacional e pública. Mesmo assim, o país continua abrigando o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), dois dos maiores exportadores de cocaína de todo o mundo (BOITEUX, 2015).

Sendo um dos países que mais consome cannabis no mundo, o Canadá legalizou o uso recreativo da planta em 2018. Tratando o problema das drogas como uma questão de saúde pública, o país penaliza de forma mais branda os consumidores, enquanto os vendedores de substâncias ilícitas são penalizados rigidamente. Ademais, o Canadá é um dos principais financiadores do UNODC e contribui frequentemente para os projetos do órgão (BBC News, 2018; UNODC, 2012).

A China é um dos países onde o consumo de drogas cresce de forma mais acelerada. No período de 2007-2011, a média de crescimento de crimes relacionados às drogas foi de 15% ao ano. Para combater esse crescimento, o país tem adotado penas ainda mais severas para traficantes, incluindo a pena de morte em alguns casos. Para lidar com os usuários, o Governo criou programas de tratamento aos quais essas pessoas devem comparecer, de forma voluntária ou, muitas vezes, compulsória (JUN, 2018; TIEZZI, 2015).

A Colômbia é o segundo maior produtor de coca no mundo e, além de já ter sido palco da atuação de alguns dos maiores cartéis da história, como o de Medellín (fundado por Pablo Escobar) e o de Cali, continua tendo grande relevância mundial na questão das drogas. Para combater o plantio ilegal, o Governo, com apoio do UNODC, mantém um programa de recompensa a agricultores que abandonam o cultivo ilegal, garantindo a eles uma renda adequada e integrando-os em outros projetos de desenvolvimento socioeconômico (UNODC, 2019a).

Situado entre dois dos maiores produtores de cocaína do mundo, o Equador lida com uma grande circulação de drogas ilícitas no seu interior. Embora parte do Governo esteja concentrado na diminuição do fornecimento de drogas, o núcleo de ação é a redução da demanda e a ênfase na questão de saúde pública (UNITED STATES, 2016a).

Mesmo contando com diversas agências especializadas no combate ao tráfico ilegal de drogas, os Estados Unidos configuram um dos principais mercados consumidores de drogas do mundo. Embora o uso recreativo de cannabis seja legalizado em alguns estados, o tráfico ilegal desta substância ainda é

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um dos de maior volume, com taxas semelhantes às da cocaína e da heroína. As drogas sintéticas, como a metanfetamina, representam um perigo crescente, já que seu consumo pode levar mais facilmente à overdose, uma das principais causas de morte no país (VILLA, 2018).

Desde o início do seu governo em 2016, o atual presidente das Filipinas tem empreendido uma “guerra às drogas”, chegando a propor a reintrodução da pena de morte para traficantes - prática abolida em 2006. Essa repressão violenta contra o tráfico ilegal de drogas é uma resposta ao contínuo aumento no consumo de metanfetamina no país (ELLIS-PETERSEN, 2018; UNITED STATES, 2016b).

Tanto o uso quanto a posse de drogas ilícitas são crimes na França. As penas variam, incluindo desde uma advertência em casos leves, como a posse de pequenas quantidades para consumo próprio, até a prisão perpétua e multa de até 7.5 milhões de euros em casos particularmente sérios. A cannabis é a droga ilícita predominante, e o seu consumo, juntamente com o da cocaína, tem apresentado um pequeno crescimento. Embora o consumo de drogas sintéticas apresente grande crescimento, elas continuam representando uma pequena parcela do mercado de drogas ilícitas (EMCDDA, 2018a).

O território de Gana é um importante centro de trânsito para a heroína do sudoeste e do sudeste asiático e, em menor escala, para a cocaína sul-americana destinada à Europa e aos EUA (INDEX MUNDI, 2018a). Contudo, Gana pode vir a ser o primeiro país do continente africano a descriminalizar a posse e o uso pessoais de drogas ilícitas - desde 2017, há um projeto de controle de narcóticos no país, que propõe uma maior atenção à questão de saúde pública. Essa mudança é o reconhecimento de que o papel punitivo da legislação não estava funcionando, e o mais efetivo seria uma penalização em dinheiro do infrator. A prisão ocorrerá apenas em caso de tráfico (SHAW; BIRD, 2017).

A Guatemala, além de ser o principal país de trânsito para a cocaína e a heroína da América Central com destino aos EUA, é também uma grande produtora de ópio e maconha. A proximidade com o México torna a Guatemala uma importante área de desenvolvimento das drogas, sobretudo a cocaína. Corrupção e lavagem de dinheiro são problemas frequentes no país e estão recorrentemente vinculados à perpetuação do tráfico ilegal de drogas (INDEX MUNDI, 2018b).

A Holanda é conhecida mundialmente por sua política de tolerância às drogas. Mas, ao contrário do que se pensa, é ilegal produzir, possuir, vender, importar e exportar drogas no país. No entanto, o governo criou uma política que tolera o uso de maconha em alguns termos e condições específicos (BRASIL, 2018). Recentemente, o Sindicato da Polícia Holandesa declarou que as autoridades são incapazes de combater a economia paralela representada pelo tráfico internacional de drogas, visto que os acertos de contas entre facções rivais ligadas ao tráfico têm aumentado a violência no país (FERRER, 2018).

Na Índia, a polícia trabalha a questão do lado da oferta, buscando reprimir o tráfico e sua produção. O Departamento de Controle de Narcóticos, por sua vez, monitora esforços de agências federais e estaduais para aplicação da lei, encorajando os governos a criarem grupos de trabalhos para o combate e promovendo um sistema de relatórios, a fim de observar as tendências do tráfico e coordenar os esforços (UNODC, 2018a).

O governo da Indonésia possui uma das legislações antidrogas mais severas do mundo, prevendo pena de morte para o comércio e o contrabando, bem como longos anos de prisão para a posse, mesmo em pequenas quantidades. Apesar disso, o tráfico de drogas continua tendo um peso muito forte dentro do país. As drogas sintéticas ganharam popularidade, ao passo que a Indonésia se tornou um mercado muito lucrativo para cartéis internacionais, não apenas devido ao grande número de turistas estrangeiros, mas também pela grande população jovem, que representa um mercado consumidor potencial (LATSCHAN, 2016).

As drogas influenciaram a vida social, econômica e política do Irã por centenas de anos. O ópio, especificamente, é há muito tempo usado no Irã para fins medicinais e recreativos. Como resultado, tornou-se uma das principais exportações iranianas. Ao longo do século XX, o país lutou, em grande parte sem sucesso, contra os problemas do vício e do tráfico. Políticas governamentais alternavam entre a severa punição e a regulação. O problema das drogas também sobrecarrega o sistema de justiça

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criminal do Irã: mais de 60% dos presos são encarcerados por delitos de drogas - seja devido ao uso ou ao tráfico -, tendo o país executado “mais de 10 mil narcotraficantes nas últimas duas décadas” (CALABRESE, 2007, online).

O Laos já foi o terceiro maior produtor ilícito de ópio com uma das maiores taxas de dependência do mundo. Os esforços de erradicação do governo, contudo, ajudaram o país a reduzir o cultivo. Em 2005, tornou-se ilegal cultivar a papoula do ópio no país, deixando muitos agricultores sem meios de renda. O UNODC tem trabalhado com o governo para garantir a segurança alimentar e proporcionar oportunidades de subsistência a pequenos agricultores em conjunto com campanhas de conscientização sobre drogas (UNODC, 2019d).

O Líbano é um país de trânsito para diferentes tipos de substâncias psicoativas, tais como haxixe, cocaína e heroína. Ademais, pequenas quantidades de cocaína, advindas da América Latina, e de heroína, do Sudoeste Asiático, transitam pelo país a caminho dos mercados europeus e do Oriente Médio. Um dos maiores desafios enfrentados pelo país no combate ao narcotráfico é a presença de organizações extremistas somado à frequente lavagem de dinheiro (INDEX MUNDI, 2018e).

A luta contra o narcotráfico é uma prioridade na agenda política do México e caracteriza-se pela dependência do país em relação às forças militares para combater a violência provocada pelo crime organizado ligado às drogas. Essa característica, contudo, produz como resultado graves violações de direitos humanos por parte de militares (HUMAN RIGHTS WATCH, 2019b). A maior parte da heroína e da morfina traficadas nas Américas corresponde ao volume enviado do México para os EUA (UNODC, 2018b).

Embora a produção de ópio em Mianmar tenha diminuído no período de 2015 a 2017 em cerca de 14%, o país segue como segundo maior produtor mundial de ópio - atrás apenas do Afeganistão (UNODC; 2018b; SLOW, 2018). Deve-se notar, no entanto, que o Mianmar foi o primeiro país do Sudeste Asiático a adotar uma política de drogas conforme à abordagem da Sessão Especial da AGNU sobre o Problema Mundial das Drogas. Dessa forma, o país busca atender as recomendações, criando respostas focadas em saúde e direitos humanos e estabelecendo um caminho para o desenvolvimento alternativo sustentável para os agricultores de ópio (SLOW, 2018).

Com base nos relatórios da UNODC (2018b), o uso de heroína na África parece ter aumentado mais do que em outras regiões no período de 2006 a 2016, dado que Moçambique se tornou um corredor para o trânsito de drogas ilícitas. Diante disso, o país estabeleceu um programa de fortalecimento do combate ao narcotráfico em 2017, implementado pelo UNODC. O acordo permite uma ação eficaz contra ações criminosas decorrentes das operações de redes de tráfico de drogas ilícitas e outras expressões do crime organizado transnacional (CLUB OF MOZAMBIQUE, 2018).

A Nicarágua é reconhecida por ser uma das principais rotas de trânsito para o tráfico de drogas, especialmente de cocaína destinada aos EUA (INDEX MUNDI, 2018c). De acordo com o Departamento de Estado dos Estados Unidos, o ambiente dominado pela criminalidade e desemprego favorece a formação de grupos criminosos internacionais, responsáveis pelo tráfico de drogas, armas e pessoas, tornando o país muito dependente da cooperação norte-americana para contenção do narcotráfico (UNITED STATES, 2016c).

Em 2016, a Nigéria, entre outros grandes países africanos, relatou uma estabilização no número de usuários de heroína em seu território (UNODC, 2018b). Apesar disso, o país é identificado como ponto de trânsito para a heroína e a cocaína destinadas aos mercados da Europa, do Leste Asiático e da América do Norte. Por ser vista como um grande centro de corrupção e lavagem de dinheiro, a Nigéria é considerada um refúgio seguro para os narcotraficantes do país, que operam em todo o mundo (INDEX MUNDI, 2018d).

O Paquistão sofre com o alto consumo de drogas em seu território. A política do país é dura em relação a essas substâncias, prevendo pena de morte para delitos relacionados. Vizinho do Afeganistão, maior produtor de papoula de ópio do mundo, o Paquistão estabeleceu em 2001 uma política de tolerância

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zero perante o plantio de papoula. Porém, o país segue sendo uma importante rota de transporte de ópio (FOA, 2015; UNODC, 2019b).

O Peru é um dos principais produtores de coca e cocaína no mundo. O uso cultural da planta, tradicional na cultura peruana, justifica a não criminalização desse tipo de plantio. Existe um sistema de controle dentro do país, sendo necessária a posse de uma licença para o cultivo e a distribuição da coca. Apesar da regulamentação, a produção de cocaína é alta e tem como principal destino os EUA (UNODC, 2019e).

Após um surto de expansão no consumo de drogas nos anos 1970 e 1980, Portugal adotou, em 2001, uma política específica sobre o assunto. A posse e consumo de drogas foram descriminalizadas e substituídas por multas administrativas, avisos ou pelo comparecimento a uma comissão local informativa sobre o uso dessas substâncias (FERREIRA, 2017).

Nos últimos anos, com a expansão do consumo de drogas na África Oriental, o Quênia destacou-se como local relevante no comércio de narcóticos. O país se tornou um ponto importante no trânsito de substâncias como cocaína, heroína e haxixe, derivado da cannabis. Rotas iniciadas no Sul da África, na América Latina e no Sudeste Asiático passam pelo Quênia no caminho à Europa Ocidental e aos EUA (OPALA, 2017; UNODC, 2019c).

O Quirguistão é diretamente afetado pela produção da papoula de ópio no Afeganistão. Em 2014, o país instituiu uma nova política de combate ao uso dessas substâncias cujo objetivo era diminuir a demanda, em especial, dos derivados da papoula. A principal característica da estratégia é o fortalecimento das leis de controle de drogas e de mecanismos de sustentação para o cumprimento da lei pelas autoridades quirguizes (ONU, 2018; QUIRGUISTÃO, 2014).

Em 2017, o Reino Unido lançou uma estratégia para combater o uso de drogas ilícitas, levando em conta fatores como saúde, educação, moradia e assistência social. As substâncias ilícitas mais utilizadas no país são a cannabis e a cocaína. Um dado preocupante para o Reino Unido foi o crescimento do número de mortes por overdose, que chegou a ultrapassar 3 mil em 2015 (EMCDDA, 2018b).

Na Rússia, é proibido adquirir, armazenar, transportar, produzir ou processar qualquer tipo de narcóticos. A punição para tais crimes é bastante rígida e diversos países ocidentais já se manifestaram de forma contrária às ações realizadas pela Rússia e sua política de tolerância zero às drogas, afirmando que há uma punição desproporcional para os usuários casuais dessas substâncias (CARROLL, 2019).

A política antinarcóticos da Suécia baseia-se na perspectiva de uma sociedade livre de drogas, tendo como estratégia central a redução da demanda e da oferta dessas substâncias. Nesse sentido, verifica-se um enfoque do governo na execução de medidas preventivas, muito embora haja também um grande engajamento para com o tratamento e a recuperação de indivíduos com problemas relacionados ao abuso de drogas. Apesar de veementemente criticada por ser punitiva, a política antidrogas sueca mostrou-se exitosa, uma vez que, em geral, houve uma redução no número de usuários (SWEDEN, 2019; UN, 2007).

A partir dos anos 1990, a Suíça adotou uma nova estratégia nacional para redução dos problemas relacionados às drogas, a qual teve por base quatro pilares principais: prevenção, tratamento, redução de danos e cumprimento da lei. Mediante a execução de medidas que priorizavam o tratamento em detrimento do aprisionamento e a chamada “terapia assistida por heroína”11, o país logrou reduzir os índices de criminalidade e desacelerar a disseminação do vírus HIV (COLLIN, 2002; THE GLOBAL INITIATIVE FOR DRUG POLICY REFORM, 2019).

11 No caso da Suíça, a “terapia assistida por heroína” consistia em uma medida pela qual os pacientes deveriam comparecer a uma clínica para utilizar, sob supervisão médica, o tipo de heroína prescrita. Nesse sentido, “a ideia era combinar os benefícios do fornecimento pres-crito (de uma heroína pura, livre de contaminantes e adulterantes e utilizada com um equipamento de injeção limpo) com os benefícios do acesso regular aos serviços e uso supervisionado em um local seguro e higiênico”, de forma a prevenir também o desvio da heroína prescrita para o tráfico (TRANSFORM, 2019, online).

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Enquanto um Estado pertencente ao Triângulo Dourado, a Tailândia foi, por anos, uma importante produtora de ópio. Diante dessa realidade, o país implementou uma política bem-sucedida que buscava substituir a produção de papoulas (das quais derivam o ópio) por outros cultivos. Ademais, a política antidrogas tailandesa caracteriza-se por uma abordagem de tolerância zero, tanto em relação aos traficantes - que podem ser punidos com pena de morte - quanto aos usuários. Essas medidas, contudo, mostram-se bastante controversas, uma vez que, em determinados casos, desrespeitam os direitos humanos (WINDLE, 2015).

Dividindo parte de sua fronteira com o Afeganistão, o Tajiquistão corresponde à principal rota de transporte de drogas, como a heroína e o ópio, para a Ásia Central. Diferentemente de alguns países da região, contudo, a questão dos narcóticos está fortemente enraizada na economia do Tajiquistão, uma vez que aproximadamente um terço de seu PIB advém do contrabando de drogas. Apesar de algumas iniciativas e parcerias realizadas com membros da União Europeia e com os Estados Unidos, a dependência do país em relação à economia das drogas ainda representa um grave problema nacional (EDINGER, 2016).

Em 2013, a Ucrânia adotou a chamada “Estratégia da Política de Estado sobre Drogas (Narcóticos) até o ano de 2020”, que, em termos gerais, busca equilibrar a execução de medidas punitivas para o tráfico de drogas com a disponibilidade de determinadas substâncias para fins médicos. Com essa estratégia, o país visa à redução tanto da oferta, quanto da demanda por drogas. Além disso, há uma preocupação com o respeito aos direitos humanos e acesso de pacientes em tratamento a algumas substâncias, almejando-se reduzir o número de usuários de narcóticos (KIRIAZOVA; DVORIAK, 2015).

A política do Uruguai perante a questão das drogas tem por base a ideia de que abordagens focadas na manutenção da saúde pública e na garantia dos direitos humanos apresentam-se como mais eficientes do que medidas punitivas ou proibicionistas. Nesse sentido, o país se destacou por ter sido um dos pioneiros na regulamentação do mercado da cannabis, acreditando que estratégias desse gênero, em detrimento de políticas criminalizantes ou proibitivas, também contribuem para o Estado se aproximar de populações vulneráveis e de usuários de drogas em situações mais críticas (GERNER, 2015).

5 QUESTÕES PARA DISCUSSÃO (1) De que forma a cooperação entre os países da Assembleia Geral das Nações Unidas pode alterar a visão preconceituosa sobre o problema das drogas e a consequente criminalização da produção e do consumo?

(2) Qual é a melhor forma de abordar a questão das drogas: por meio de abordagens mais proibicionistas ou mais liberalizantes?

(3) Que medidas podem ser tomadas entre os países da AGNU para que o tráfico internacional seja efetivamente combatido?

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ASSEMBLEIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE

O Uso de Agrotóxicos e a Contaminação do Solo

Isabelle Fernandes Caon, Nicole Fankhauser, Rafaela Raphaelli Matos Dal Ben, Thales Jéferson Rodrigues Schmitt e Vinícius Altair Olaves Marques1

1 Graduandas e graduandos dos cursos de Relações Internacionais e Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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QUESTÕES PARA ORIENTAÇÃO

(1) Tendo em vista a fome e a miséria no mundo, quais seriam as políticas mais adequadas para a solução desses problemas? O aumento da produção agrícola? Mudanças na distribuição de recursos? Quais outras alternativas seriam possíveis?

(2) Quais sãos os prós e contras do uso de agrotóxicos ao meio ambiente? E à sociedade? São eles indispensáveis à produção de alimentos?

INTRODUÇÃO A Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente (ANUMA) foi criada em 2012 no âmbito da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável – conhecida também como Rio+20. Composta por todos os 193 Estados membros das Nações Unidas, a ANUMA conta, ainda, com a participação de organizações não-governamentais e representantes da sociedade civil, bem como entidades do setor privado. A Assembleia também caracteriza-se por ser o principal órgão de gestão e governança do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), criado em 1972 e reconhecido como o primeiro órgão das Nações Unidas a tratar exclusivamente de assuntos relacionados ao meio ambiente e à sustentabilidade. Ademais, a Assembleia tem como principais objetivos a construção de um futuro ecologicamente desenvolvido, a proteção do meio ambiente e dos ecossistemas e o resguardo da saúde humana (CIEL, 2015). Durante a reunião da ANUMA, o tópico discutido será “O Uso de Agrotóxicos e a Contaminação do Solo”, um tema de importância ímpar na atualidade tendo em vista as mudanças no padrão mundial de consumo e da produção de alimentos. Sendo assim, a primeira seção deste guia conta com o histórico de criação dos agrotóxicos, bem como seu uso e aplicação. A segunda seção trata do conceito de agrotóxicos e seu funcionamento, de modo a apresentar seus impactos na produção de alimentos e na saúde humana e ambiental. A terceira seção apresenta as ações internacionais já existentes acerca do tópico, contemplando convenções, protocolos e demais legislações internacionais. A quarta seção, por fim, discute brevemente o posicionamento das representações presentes no debate frente ao assunto apresentado.

1 HISTÓRICO

Na presente seção, composta por três subseções, o tema dos agrotóxicos é apresentado de modo a contemplar o início de sua utilização intensiva, a partir da Revolução Verde, desenrolada na segunda metade do século XX. Após, é explicado detalhadamente o que são agrotóxicos e de que modo eles funcionam, por meio de suas possibilidades de aplicação, com uma maior atenção para seu uso agrícola.

1.1 ORIGEM A denominada Revolução Verde foi marcada pela implementação de um novo modelo tecnológico de práticas e atividades na agricultura, com o objetivo final de melhorar o desempenho e os índices de produtividade agrícola. Iniciada a partir de 1945, no contexto da Guerra Fria (1945 - 1991),1 a Revolução ocorreu em um momento no qual acreditava-se que a fome e a instabilidade política no mundo – especialmente na Europa do pós-Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945) – estavam diretamente ligadas à ineficiência da produção de alimentos frente ao rápido crescimento populacional do período (DUTRA; SOUZA, 2018). Sendo assim, a Revolução Verde significou a expansão das monoculturas2 a partir da combinação do uso de insumos biológicos (sementes geneticamente modificadas), mecânicos (maquinário e tratores) e, sobretudo, químicos (fertilizantes e agrotóxicos) (ALBERGONI; PELAEZ, 2007).

1 A Guerra Fria foi um conflito de ordem ideológica, política, tecnológica e militar entre a União Soviética e os Estados Unidos, iniciado após a Segunda Guerra. Teve seu fim com a extinção da União Soviética em 1991. (ALCADIPANI; BERTERO, 2012).2 A monocultura é a prática de produzir apenas um único tipo de produto agrícola (ex.: soja, arroz), sendo normalmente feita em grandes espaços de terra: os latifúndios (ZIMMERMANN, 2011).

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Essa nova concepção referente à produção e ao desenvolvimento agrícola foi defendida e apoiada não só por órgãos internacionais importantes, como a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e o Banco Mundial, mas também por grandes empresas produtoras de insumos que viram, na agricultura, um mercado altamente lucrativo no qual poderiam expandir suas atividades (SOUZA; BELAIDI, 2016). A argumentação da expansão da produtividade agrícola como única saída para o problema da fome e da miséria foi, por outro lado, largamente contestada por estudiosos e formuladores de políticas públicas. Esse discurso, na visão deles, constituiu-se como uma forma de despolitizar o debate, de maneira a retirar o caráter social e político da fome e reduzi-lo a uma questão meramente técnica, não relacionada às disparidades sociais e à distribuição desigual de alimentos e recursos no mundo (DUTRA; SOUZA, 2018).

1.2 CONCEITOS DE AGROTÓXICOS E FUNCIONAMENTO Como mencionado anteriormente, o uso de insumos químicos, como os agrotóxicos, fez parte da chamada Revolução Verde. A palavra agrotóxicos, ou pesticidas, compreende um conjunto de compostos químicos cuja função é eliminar espécies danosas a plantas cultivadas ou criações de animais. Desse grupo fazem parte inseticidas, fungicidas, herbicidas, rodenticidas, moluscicidas, nematicidas, reguladores de crescimento de plantas, entre outros. Cada tipo de pesticida age de forma diferente sobre sua espécie-alvo (a espécie que pretende eliminar ou repelir). Os pesticidas tendem a eliminar ervas daninhas danificando as células das folhas e causando seu ressecamento, alterando a absorção de nutrientes, ou interferindo no crescimento ou na fotossíntese3. Já a função dos fungicidas é proteger as plantas de doenças provocadas por fungos; eles podem ser aplicados tanto na folhagem quanto no solo ou nas sementes, impedindo, assim, a germinação de esporos e a penetração dos fungos no tecido da planta. Os inseticidas agem em locais específicos do sistema nervoso dos insetos, os quais ficam inconscientes devido ao contato direto ou à ingestão, e depois morrem por desidratação ou falta de nutrientes. Os moluscicidas são voltados a lesmas e caramujos, contendo componentes que impedem a produção do muco necessário para a alimentação desses animais, danificando seu tecido digestivo. Os rodenticidas, venenos para ratos, podem ser compostos por anticoagulantes - nesse caso matando esses animais por sangramento interno - ou por outras substâncias que matam por paralisia, excesso de cálcio no sangue que leva à falência cardíaca ou formação de um gás tóxico no sistema circulatório (BESSIN, 2018). O pesticida mais conhecido é o DDT (sigla de diclorodifeniltricloroetano), amplamente usado no pós-Segunda Guerra para o combate aos mosquitos vetores de doenças como a malária. O DDT é um dos oito pesticidas atualmente enquadrados como Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs) pela Convenção de Estocolmo, a qual pretende eliminar ou restringir a produção e o uso dessas substâncias (LALLAS, 2001). Os POPs destacam-se principalmente por sua persistência no meio ambiente, podendo permanecer por centenas de anos. Essas substâncias depositam-se nas plantas, que são consumidas por animais, os quais são, por sua vez, consumidos por animais maiores. A concentração dessas substâncias depositadas no tecido adiposo dos animais aumenta, portanto, acompanhando o nível na cadeia alimentar (WHO, 2008). Outra característica preocupante é o fato de essas substâncias conseguirem ser transportadas por longas distâncias, como mostram os resíduos de DDT encontrados até no Ártico. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), “a exposição humana a esses poluentes, mesmo que a baixos níveis, pode acarretar riscos maiores de câncer, problemas reprodutivos, alterações no sistema imunológico, deficiência endócrina e problemas relacionados ao nascimento” (WHO, 2019, p.1). O DDT pertence ao primeiro grupo de pesticidas modernos, o grupo dos inseticidas organoclorados (OC), banidos após os anos 1960 na maior parte dos países desenvolvidos. Depois deles, surgiram outros tipos de inseticidas, como os organofosforados (OP), os carbamatos nos anos 1970 e os piretróides nos anos 1980, bem como os herbicidas e fungicidas, introduzidos nas décadas de 1970 e 1980, todos tendo contribuído destacadamente no controle de pestes e em melhores resultados no campo (AKTAR; SENGUPTA; CHOWDHURY, 2009).

3 Processo no qual a energia solar é transformada pelo organismo em energia química por meio de reações luminosas e de fixação de car-bono (SANTOS, 2019).

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1.3 O USO DE AGROTÓXICOS Tanto na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) quanto na Segunda (1939-1945) os agrotóxicos foram utilizados como armas químicas. Os inseticidas orgânicos sintéticos foram utilizados em grande escala a partir desse período a fim de proteger os exércitos nas regiões tropicais e subtropicais da África e da Ásia das pragas transmissoras de doenças (BRANCO, 2003). Devido à necessidade de proteger os soldados, as pesquisas de novos inseticidas foram impulsionadas, o que resultou no desenvolvimento de vários agrotóxicos utilizados ainda hoje cujo uso foi difundido a partir dos Estados Unidos e da Europa, onde eram empregados como “defensivos agrícolas” durante a Revolução Verde (CASTELLA, 2019). A aplicação dos agrotóxicos é mais concentrada na agricultura, servindo para destruir agentes indesejáveis nas plantações, como fungos, insetos e plantas invasoras (PARIONA, 2017). Mundialmente, 30% do uso de pesticidas é atribuído aos herbicidas, 44% aos inseticidas, 21% aos fungicidas e 5% a outros tipos. O perfil de uso de pesticidas, contudo, apresenta variações de acordo com cada país (AKTAR; SENGUPTA; CHOWDHURY, 2009). Além da agrícola, outras indústrias também utilizam amplamente esses químicos, para, por exemplo, o controle de vetores de doenças, da criação de algas em cursos de água e o manejo de espécies de plantas indesejadas crescendo em locais inapropriados (PARIONA, 2017). Estima-se que, em todo o mundo, aproximadamente um terço dos gêneros agrícolas sejam produzidos com o uso de algum tipo de pesticida. Afirma-se ainda que as perdas das plantações por motivo de pragas diminuem entre 35% e 42% quando realizada a aplicação de agrotóxicos - sem o uso deles, a perda de frutas, vegetais e cereais poderia chegar a até 78%, 54% e 32%, respectivamente (ZHANG, 2018). Ainda segundo os dados analisados por Zhang (2018), referentes ao período entre 1990 e 2014, a tendência global do uso de pesticidas tem apresentado importantes modificações: no período entre 1990 e 2007, observou-se um crescimento acentuado e muito significativo da utilização de agrotóxicos. Já no período de 2007 a 2014, esses índices começaram a oscilar anualmente entre quedas e aumentos. A respeito do uso de pesticidas ao redor do mundo, os padrões apresentados pelos maiores mercados globais encontram-se dispostos nos três gráficos a seguir, contemplando dados de 2013 referentes ao consumo geral (em bilhões de dólares), à utilização de defensivos agrícolas por área cultivada (quantidade de dólares gastos por hectares) e à utilização de agroquímicos por produção agrícola (quantidade de dólares gastos por toneladas). É importante observar, desse modo, que os valores e o posicionamentos dos países variam amplamente quando os fatores relativos são levados em consideração (como a área cultivada e a produção agrícola):

Figura 1 – Pesticidas no Mundo em 2013

Fonte: Velini e Carbonari (2013) apud Vasconcelos (2018, p. 21).

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2 APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA Nesta seção, dividida em duas subseções, serão discutidos os benefícios e os malefícios da utilização dos agrotóxicos a partir de seus impactos à economia, produção de alimentos, sociedade e ao meio ambiente. Embora os pesticidas, idealmente, não devessem representar ameaças para espécies que não os seus alvos, descobertas sobre seus efeitos prejudiciais potenciais ao ser humano e ao meio ambiente têm provocado desconfianças em torno de seu uso (AKTAR; SENGUPTA; CHOWDHURY, 2009). Enquanto, por um lado, seus benefícios nas últimas décadas são inegáveis, tendo proporcionado um aumento enorme na produtividade agrícola, por outro, várias dessas substâncias estão relacionadas a doenças, como o diabetes em seres humanos, e a fenômenos como o afinamento da casca de ovos de pássaros - levando à diminuição drástica da população de certas espécies de aves em alguns lugares. A autora Rachel Carson já denunciava esses efeitos em 1962, quando publicou seu livro Primavera Silenciosa, e atualmente não são poucas as pessoas que preferem pagar mais caro pelo acesso a produtos orgânicos (SEXTON; LEI; ZILBERMAN, 2007). Além do protagonismo dos países, o papel das empresas na discussão acerca da utilização de agrotóxicos é altamente relevante à medida que a restrição da utilização desses insumos teria um impacto direto na atividade e nos lucros de várias empresas. Como exemplos do segmento privado, temos as empresas Syngenta, com sede na Suíça e líder global no mercado de agrotóxicos, e a Bayer AG cuja subsidiária CropScience produz pesticidas para uso comercial e doméstico em grande escala (STATISTA, 2019).

2.1 OS AGROTÓXICOS E A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS O uso de agrotóxicos é resultado direto da Revolução Verde dos anos 1960 e das décadas seguintes, juntamente com o aprimoramento genético de sementes e o uso de fertilizantes. O mundo viu um rápido aumento da produção de alimentos, dando fim às teorias alarmistas do crescimento da humanidade ser maior que as capacidades do planeta comportar. O avanço da agricultura foi possibilitado pela globalização e pela divisão internacional do trabalho em que países se especializam em determinado setor da produção voltado ao comércio internacional. Isso fez com que a produtividade do setor agrário aumentasse significativamente, mas também gerou impactos negativos para a sociedade, como a superexploração do trabalho, colocando trabalhadores desfavorecidos em posições de vulnerabilidade e exposição a doenças, além da contaminação do meio ambiente (CARNEIRO et al., 2015). O principal destino dos agrotóxicos tem sido a agricultura - apesar de serem utilizados também para outros fins, como controle de vetores de doenças (VAN DEN BERG; YADAV; ZAIM, 2015) -, e seu uso tem crescido continuamente, em quantidade e em variedade de insumos químicos. A garantia de maior estabilidade das safras agrícolas e o aumento das colheitas possibilitou o desenvolvimento da chamada segurança alimentar, ainda que algumas regiões do globo - como o Leste Asiático em países como a China - tenham se beneficiado mais que outras - como a África Subsaariana, em países como Nigéria e Senegal, e o Sul da Ásia, especialmente a Índia e o Paquistão (CARVALHO, 2006). Os dois maiores benefícios do uso de agrotóxicos são o aumento da produtividade e da proteção contra perdas de colheita. A maior parte dos países com uma elevada produção de bens agrícolas emprega produtos químicos na sua cadeia produtiva. Campos de trigo, no Reino Unido, e de milho, nos Estados Unidos, ampliaram drasticamente sua produtividade, enquanto a produção de grãos na Índia chegou a quadruplicar na segunda metade do século passado (AKTAR; SENGUPTA; CHOWDHURY, 2009). As perdas de colheita também foram reduzidas significativamente graças ao controle de pragas, garantindo o aumento mundial da produção de alimentos per capita. Contudo, é importante ressaltar que a eficácia dos agrotóxicos varia de região para região e conforme a espécie cultivada, normalmente sendo mais eficientes em países desenvolvidos - a título de comparação, as perdas de colheitas de milho foram reduzidas a menos de 30% na Europa, enquanto essa porcentagem gira em torno de 50% no continente africano (STEPHENSON, 2003). Além disso, alguns efeitos secundários do uso de agrotóxicos têm sido benéficos para determinadas populações. O uso de insumos químicos para o controle de pragas possibilita a alguns grupos marginalizados estabelecer uma dieta que contenha regularmente vegetais e frutas frescas, contribuindo para evitar doenças como pressão alta, problemas cardíacos, câncer, entre outras. Entre os benefícios secundários também se encontra o adicional à renda nacional gerado pela agricultura,

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o qual pode ser convertido em melhorias para serviços públicos, como a saúde e a educação (AKTAR; SENGUPTA; CHOWDHURY, 2009). Entretanto, o uso de agrotóxicos na agricultura também pode provocar prejuízos. Embora a curto prazo os benefícios sejam claros, com o aumento de produtividade no setor agrícola, os efeitos dos produtos químicos podem ser fatais a longo prazo. A infestação de pragas é um fenômeno que envolve incertezas, especialmente para os cálculos dos fazendeiros, e, com o tempo, a tendência é de que a peste desenvolva resistência ao veneno. A necessidade de evitar esse cenário leva ao uso excessivo de agrotóxicos por parte dos produtores, mas a prática acaba por tornar-se economicamente insustentável (WILSON; TISDELL, 2001; SEXTON; LEI; ZILBERMAN, 2007). À medida que a peste adquire resistência e seus predadores são eliminados, o abandono do uso do agrotóxico (devido ao alto custo) gera uma situação com uma quantidade maior de pragas do que antes do início do uso. Há também efeitos secundários negativos para a agricultura, como o impacto em populações de abelhas cuja taxa de mortalidade é elevada por conta de pesticidas. Como as abelhas estão entre os principais polinizadores, a produção agrícola é consideravelmente dependente de seu trabalho e, portanto, sofre prejuízos com o fenômeno de desaparecimento desses insetos, que tem ocorrido de forma alarmante (AMARO; GODINHO, 2012). A contaminação do solo também pode impedir a rotação de culturas, com alguns tipos de plantas não se adaptando a áreas alteradas quimicamente. Ainda assim, o uso de agrotóxicos permanece por conta dos atrativos benefícios de curto prazo. Além disso, os custos para reverter o processo e parar seu uso são muito altos, tendo em vista que existem muitas regiões sem acesso à tecnologia sustentável alternativa. Logo, torna-se uma produção economicamente inviável a longo prazo - ou seja, uma vez que se investe no agrotóxico torna-se ainda mais custoso reverter o processo por meio da adoção de práticas sustentáveis. Assim, a única saída para muitos fazendeiros é a crescente intensificação do uso de produtos químicos (WILSON; TISDELL, 2001). É importante ressaltar que em diversos países, especialmente nos menos desenvolvidos, a falta de informação também é um obstáculo para limitar o emprego de agrotóxicos.

2.2 OS AGROTÓXICOS E O MEIO AMBIENTE Conforme exposto anteriormente, o uso de agrotóxicos tanto na agricultura, quanto no controle de vetores de doenças, torna-se mais frequente a cada dia. Contudo, sua utilização vem acompanhada de perigos ao meio ambiente, como a contaminação do solo e da água. Os agroquímicos não só podem contaminar esses recursos naturais, como também os animais que se alimentam desses recursos - a exemplo os seres herbívoros ao consumirem plantas contaminadas, ou a comunidade rural envolvida na produção agrícola (AKTAR; SENGUPTA; CHOWDHURY, 2009).Além disso, os agrotóxicos permanecem acumulados no meio ambiente por longos períodos de tempo, variando de meses a décadas em alguns casos, o que prejudica toda a comunidade de seres vivos, até mesmo os que não são alvos, como os seres humanos e diversas espécies de animais e plantas, podendo interferir na disponibilização de nutrientes e lesar os organismos presentes no solo (RIBAS; MATSUMURA, 2009). Esse fenômeno foi observado frequentemente no uso do agrotóxico DDT, pois muitos animais se intoxicaram após se alimentarem da carne de outros animais já contaminados pela ingestão de plantas contaminadas. Desse modo, o DDT espalhou-se pela fauna e pela flora, perturbando o ecossistema e pondo em risco a biodiversidade da região (PERES; MOREIRA; DUBOIS, 2003). Assim, os organismos responsáveis pela manutenção do solo nutritivo são prejudicados, reduzindo a taxa de fertilidade do terreno a longo prazo e lesando a atividade agrícola (OLIVEIRA et al., 2018). Por outro lado, os agrotóxicos lançados por meio de borrifadores não só podem atingir o solo, a água e a atmosfera do terreno-alvo, mas também são capazes de contaminar outros locais que não eram almejados, como plantações, cidades ou recursos hídricos próximos (AKTAR; SENGUPTA; CHOWDHURY, 2009). Em suma, os agrotóxicos são usados com o intuito de aumentar a produtividade do setor agrícola, contudo, verificam-se consequências que não são intencionais - isto é, efeitos colaterais, os quais temos muita dificuldade de controlar em razão da carente e desorganizada estrutura protetiva ambiental mundial. Então, ocorre que o meio ambiente, principalmente os ecossistemas mais próximos à área em que o químico foi espalhado, é atingido causando danos por longos períodos à população humana próxima, aos animais, aos recursos hídricos (superficiais e subterrâneos) e ao solo. Esse fenômeno se apresenta como um problema gravíssimo, pois prejudica tanto o solo mirado pelo agricultor, como também os demais seres vivos despreparados para lidar com o novo pesticida, gerando assim

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grandes danos à saúde pública e ao meio ambiente. Diante disso, existem mecanismos e instituições encarregados da reparação dos danos ambientais e humanitários (SOARES; PORTO, 2007). Nesse contexto, foram implementados, principalmente por meio da Declaração do Rio de Janeiro, como valores do direito internacional ambiental o princípio da precaução e o conceito de responsabilidades comuns, mas diferenciadas. O primeiro pretende promover a preservação do meio ambiente preventivamente de modo que, existindo dúvidas quanto a possíveis danos ambientais de alguma conduta, prevaleça a defesa do meio ambiente (BRUNNÉE, 2004). Por sua vez, o segundo traduz a necessidade de tratar as nações desiguais de forma desigual, logo os países responsáveis pelos maiores impactos ambientais deveriam se comprometer mais com a proteção do meio ambiente (LIMA, 2009).

3 AÇÕES INTERNACIONAIS PRÉVIAS Na presente seção será exposto o histórico da regulamentação e utilização de agrotóxicos pelo mundo, além de serem analisadas e melhor detalhadas as principais convenções internacionais acerca da temática. Ao longo das subseções, quando explicados os acordos, são consequentemente apresentadas as características deles e um panorama geral de como a comunidade global organizou-se ao longo dos anos frente ao problema.

3.1 REGULAMENTAÇÃO DA PRODUÇÃO E DO USO DE AGROTÓXICOS Como visto anteriormente, a regulamentação dos agrotóxicos inicia a partir do crescimento das preocupações sobre os danos das substâncias químicas à saúde humana e ao meio-ambiente nas décadas de 1960 e 1970 (RAMINA, 2003). Mesmo com regulamentações em nível local e regional sobre o uso desses produtos, em escala global o desenvolvimento desses dispositivos foi mais lento, limitando-se inicialmente a alguns produtos e setores especializados. Regulações globais com impacto significativo apresentaram resultados relevantes apenas após 1998 (SOARES, 2003). Após a Conferência de Estocolmo sobre Desenvolvimento Humano de 1972, o PNUMA iniciou o Registro Internacional de Produtos Químicos Potencialmente Tóxicos (RIPQTP) em 1976, com o objetivo de reunir e difundir informações sobre produtos químicos perigosos e quais as leis e normas regulando seu uso. O RIPQPT opera por meio de uma rede de organizações nacionais e internacionais, indústrias, empresas, dentre outros, para esse intercâmbio de dados (TOLBA, 2012). Em 1989, o PNUMA revisou os objetivos do Registro, buscando facilitar a troca e o fornecimento de informações sobre as mais variadas questões referentes aos produtos químicos, tanto a nível nacional quanto regional e global (SOARES, 2003). A partir da iniciativa de organizações internacionais, tais como a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o Programa das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (PNUMA), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), surgiram a maioria dos instrumentos internacionais para regulamentação e uso de pesticidas (VAPNEK; PAGOTTO; KWOKA, 2007). As funções desses organismos estão bem estabelecidas na área e há cooperação em projetos de campo, bem como nos níveis internos, por meio da troca contínua de informações entre as agências (EKSTRÖM; ÅKERBLOM, 1990). Os instrumentos regulatórios dos agrotóxicos podem ser diferenciados em duas categorias: os tratados vinculantes, ou seja, com normas de caráter obrigatório, e os não-vinculantes, os quais são apenas uma sugestão de conduta a ser seguida e não precisam de ratificações para entrarem em vigor (DINIZ, 2017). As principais convenções internacionais vinculantes sobre o assunto serão tratadas nas próximas seções. Vale destacar também o Código de Conduta da Distribuição e Uso de Pesticidas, adotado pela FAO em 1985, uma regulamentação não-vinculante e sem muito destaque em nível mundial, mas também o único instrumento internacional que trata dos principais elementos da utilização de pesticidas (VAPNEK; PAGOTTO; KWOKA, 2007). Os objetivos do Código evidenciam as responsabilidades e estabelecem padrões de conduta para todos os atores engajados ou afetados pela distribuição e uso de pesticidas, operando, principalmente, em locais em que não há lei nacional para regular os pesticidas ou, se ela existe, é inadequada (BOLAND et al., 2005). O Código possui ainda a prerrogativa de atuar em conjunto com várias orientações legais e técnicas publicadas pela FAO (VAPNEK; PAGOTTO;

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KWOKA, 2007). Mesmo com menor relevância direta, esse código foi a base para a criação de convenções vinculantes posteriores pela FAO, além de estímulo para a tomada de diversas providências para o controle da produção e uso de agrotóxicos (RAMINA, 2003).

3.2 CONVENÇÕES INTERNACIONAIS Os principais instrumentos internacionais de caráter vinculante são a Convenção de Rotterdam (1998), a Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes (2001), a Convenção de Basiléia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito (1989) e o Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio (1987). A Convenção de Rotterdam, juntamente com a de Estocolmo e de Basiléia, constituem o tripé das normas que regulamentam o uso e a produção, além do comércio e do transporte internacional, de substâncias químicas como agrotóxicos e pesticidas (RAMINA, 2003).

3.2.1 CONVENÇÃO DE ROTERDÃ A Convenção de Roterdã sobre o Procedimento de Consentimento Prévio Informado para o Comércio Internacional de Certas Substâncias Químicas e Agrotóxicos Perigosos, conhecida também como “Convenção PIC”, foi realizada exatamente no período em que a discussão sobre o combate à poluição ambiental estava em ascensão. Em 1992, durante a Cúpula da Terra, realizada no Rio de Janeiro, os Estados participantes decidiram transformar a Convenção em um tratado internacional, conferindo-lhe caráter vinculante e maior peso político. Sob condução da FAO e do PNUMA, as negociações levaram, em 1998, à adoção da Convenção de Roterdã, sendo atualmente reconhecida por cerca de 145 países (RAMINA, 2003). Uma das principais questões levantadas pelo Tratado refere-se a não biodegradabilidade dos agrotóxicos e pesticidas, ou seja, são produtos que tendem a permanecer por muito tempo na natureza, não podendo ser reutilizados ou reciclados, o que levanta uma série de preocupações (RAMINA, 2003). Além disso, o acordo abordou as obrigações relacionadas à produção doméstica e determinou como seria processado o comércio internacional de produtos químicos. Outro ponto importante foi o estímulo à troca de informações entre os países signatários, a fim de promover maior cooperação e evitar quaisquer obstáculos ao comércio internacional, como a restrição às importações e exportações de produtos químicos (VAPNEK; PAGOTTO; KWOKA, 2007).

3.2.2 CONVENÇÃO DE ESTOCOLMO A Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes (Convenção de Estocolmo), criada em 2001 e assinada por 100 países em 2004, objetiva a eliminação da produção e do uso de produtos químicos danosos à saúde humana e ao meio ambiente, também chamados de poluentes orgânicos persistentes (POPs) (VAPNEK; PAGOTTO; KWOKA, 2007). Para tanto, um grupo de especialistas identificou, de acordo com categorizações científicas, doze poluentes químicos orgânicos persistentes, os quais foram consecutivamente alvos de alguma ação imediata por parte da Convenção. Os países participantes desta Convenção comprometeram-se em proibir a produção e o uso desses poluentes em nível nacional. Da mesma forma que Convenção de Roterdã, a de Estocolmo permite a criação de mecanismos institucionais para averiguar quais países não estão cumprindo suas obrigações e qual o tratamento cabível nesses casos (VAPNEK; PAGOTTO; KWOKA, 2007).

3.2.3 CONVENÇÃO DA BASILEIA A Convenção da Basiléia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito, em vigor desde 1992, regula o fluxo internacional de resíduos perigosos, seu tratamento e disposição final. Por mais que ela não tenha um direcionamento específico à regulação do uso de agrotóxicos, seu foco principal são os resíduos de pesticidas. Assim, a Convenção é útil para os governos nacionais no tocante à prevenção contra o depósito, dentro de suas fronteiras, de resíduos pesticidas, principalmente quando não possuem capacidade de gerenciá-los de forma sustentável. A Convenção também fornece informações quanto aos métodos corretos de descarte de pesticidas (VAPNEK; PAGOTTO; KWOKA, 2007). No entanto, esse acordo apresenta uma questão preocupante: há falta de clareza na definição do que seriam resíduos perigosos, abrindo margem para diferentes interpretações e dificultando a

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cooperação entre os Estados. Essa falta de precisão gera uma inconsistência de informações, que, por sua vez, diminui a confiabilidade da base de dados da própria Convenção (VEIGA, 2006).De todo modo, os 152 países membros tem o poder de proibir a importação de resíduos perigosos, amparados em um tratado com validação internacional (VAPNEK; PAGOTTO; KWOKA, 2007). Dessa forma, a Convenção da Basiléia é capaz de regular mais de 80% do total dos movimentos transfronteiriços desses produtos e apresenta grande importância para a discussão a respeito de agrotóxicos e pesticidas (VEIGA, 2006).

3.2.4 PROTOCOLO DE MONTREAL Há um forte consenso internacional acerca da necessidade de proteger a camada de ozônio, o qual impulsionou a criação de um protocolo específico sobre o tema na década passada. A partir dessa problemática global, foram incentivadas e priorizadas diversas negociações internacionais cujo resultado foi a adoção, em setembro de 1987, do Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio. O acordo é amplamente reconhecido como a principal legislação que orienta o esforço mundial de proteção à esfera ozônica, por meio de mecanismos de controle sobre a produção, consumo e uso de substâncias destruidoras do ozônio (SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1997). O tratado conta com 191 países signatários e tem como objetivo, portanto, substituir as chamadas Substâncias Destruidoras da Camada de Ozônio (SDOs) (SILVA, 2009). Os países desenvolvidos tiveram um período para trabalhar na erradicação dessas substâncias em seus territórios, enquanto os em desenvolvimento receberam advertências e ordens para a eliminação da produção dos SDOs até janeiro de 2005. Além disso, os países signatários do Protocolo organizaram um fundo de assistência financeira - Fundo Multilateral (FML) -, criado em 1990, que auxiliou, técnica e financeiramente, os países em desenvolvimento no processo de substituição de pesticidas (VAPNEK; PAGOTTO; KWOKA, 2007). Os projetos apoiados pelo FML são realizados em 147 países com a colaboração de agências internacionais das Nações Unidas, como o PNUD, o PNUMA e o Banco Mundial (SILVA, 2009). Os defensores do Protocolo afirmam que, sem as medidas internacionais estabelecidas por ele, a destruição da camada de ozônio teria duplicado no Hemisfério Norte e chegado a 70% no Hemisfério Sul. Assim, o Protocolo de Montreal, único tratado multilateral que obteve ratificação universal, está praticamente alcançando sua completa eficácia. Isso, então, permite que ele seja destacado como um caso exitoso de cumprimento do Direito Ambiental Internacional (REI; FARIAS, 2018).

4 POSICIONAMENTO DOS PAÍSES

Os pesticidas são amplamente utilizados na África do Sul, onde milhares estão registrados para uso no campo. O país é um dos quatro maiores importadores de pesticidas na África Subsaariana devido ao número elevado de práticas agrícolas dependentes de agrotóxicos. No setor econômico, o uso de pesticidas pelos sul-africanos prejudica as vendas dos produtos agrícolas, por conta das restrições impostas principalmente pela União Europeia (QUINN et al., 2011). No entanto, a África do Sul é signatária da Convenção de Roterdã, da Convenção de Estocolmo, da Convenção da Basileia e do Protocolo de Montreal, comprovando ser um país que busca cooperar no tema da regulação da produção e uso de agrotóxicos.

A Alemanha, como membro da União Europeia, possui uma forte e restrita legislação regional acerca do uso de fertilizantes e agrotóxicos. As normas garantem que apenas os pesticidas com impacto ambiental “baixo” podem ser colocados no mercado. Entretanto, esses produtos são amplamente usados no país, contabilizando cerca de 40 mil toneladas de pesticidas vendidos anualmente (UMWELT BUNDESAMT, 2014). Fora isso, o país é signatário da Convenção de Roterdã, da Convenção de Estocolmo, da Convenção da Basileia e do Protocolo de Montreal, comprovando ser um país que busca cooperar no tema da regulação da produção e uso de agrotóxicos.

Devido a sua localização, a Arábia Saudita não consegue satisfazer a demanda por água e alimentos em seu território, o que obriga o país a recorrer à importação desses produtos, tornando a nação dependente da produção mundial de alimentos. Dessa forma, a Arábia Saudita é diretamente afetada pela política de agrotóxicos implantada nos diversos países com os quais possui relações comerciais, como o Brasil

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(FRANCO, 2018).

A agricultura na Argentina tem grande importância econômica, correspondendo à maior parte das exportações do país. O Estado tem apoiado os grandes agricultores em detrimento da agricultura familiar e o uso de agrotóxicos é elevado no agronegócio. O governo atual não apresentou medidas para mudar a situação, mesmo após ser advertido pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU (UNO ENTRE RIOS, 2018).

A economia da Austrália depende intensamente do setor agropecuário, especialmente a carne bovina, o trigo, entre outros gêneros, contudo permanece sendo um dos países mais rigorosos em políticas de regulamentação de agrotóxicos (BRITO, 2018). Ainda, o país investe na capacitação dos agricultores envolvidos no manejo de agroquímicos, mirando em seu uso mais correto e eficiente de acordo com cada situação (NETTO, 2013).

O elevado uso de agrotóxicos em Bangladesh é responsável pela contaminação das áreas rurais do país, causando danos severos à população. O Estado baniu uma lista de agrotóxicos altamente perigosos em 2000, o que diminuiu a mortalidade por contaminação sem prejuízos à agricultura. Entretanto, ainda há um grande obstáculo no que diz respeito à falta de informação dos agricultores (CHOWDHURY et al., 2018).

A Bayer CropScience é um subgrupo da empresa alemã Bayer AG que produz pesticidas para uso agrícola e controle de pestes não-agrícolas, bem como sementes e equipamento para o campo. Em 2016, sua receita foi de quase dez bilhões de euros (STATISTA, 2019). Recentemente, porém, estudos trouxeram à tona uma possível conexão de alguns dos pesticidas produzidos pela empresa com a morte de abelhas na Europa, levando a França a banir cinco desses compostos (SAMUEL, 2018).

O Brasil é um dos maiores produtores agrícolas do mundo, assim como o maior consumidor de agrotóxicos em números absolutos, movimentando cerca de 20% do mercado global de agroquímicos e aumentando o emprego de agrotóxicos constantemente no país. Além disso, atualmente, o debate sobre a regulamentação de pesticidas tomou novas proporções no país em razão da apresentação de um novo projeto de lei4 para a regulamentação de agrotóxicos (VASCONCELOS, 2018).

O Canadá possui uma Agência Reguladora de Manejo de Pragas que regulamenta todos os pesticidas no país (CROPLIFE CANADA, 2019). Assim, os agrotóxicos só podem ser vendidos depois de serem registrados, processo que permite o registro de pesticidas apenas para usos específicos (MCEWEN, 2013). Além disso, o Canadá é signatário da Convenção de Roterdã, da Convenção de Estocolmo, da Convenção da Basileia e do Protocolo de Montreal, comprovando ser um país que busca cooperar no tema da regulação da produção e uso de agrotóxicos. A China é o maior consumidor mundial de pesticidas, usando cerca de 1,8 milhão de toneladas por ano (FAO, 2018). Sendo um dos primeiros países a utilizar esses produtos, copiando a prática dos Estados Unidos, a China depende deles principalmente para o cultivo de arroz (PARIONA, 2017). Contudo, o uso excessivo dessas substâncias em algumas regiões tem provocado problemas de saúde pública. A Organização Mundial da Saúde estima que ocorram cerca de 100.000 casos de intoxicação por pesticidas por ano no país (XU et al., 2008).

A Colômbia sofreu com conflitos armados por anos até a assinatura de um tratado de paz entre o Estado colombiano e as milícias; porém, as cicatrizes desse duradouro conflito permanecem no país, especialmente os danos causados pela liberação do agrotóxico glifosato5 por aviões usados para destruir os campos de coca da nação (LE PALISQUOT, 2015). A dispersão aérea do herbicida, também conhecido como “mata-mato”, provocou o banimento da substância do país após constatado seu potencial cancerígeno e seus danos ao meio ambiente (GONZALEZ, 2017) A Costa Rica apoiou-se, durante as últimas décadas, em um modelo agroindustrial baseado na expansão 4 Projeto de Lei (PL) nº 6.299/02.5 Potencial causador de câncer, conforme a Organização Mundial da Saúde.

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de monoculturas, estando 61% das terras plantadas em seu território voltadas à exportação. Por essa razão, o país historicamente mostrou-se muito permissivo à utilização de agrotóxicos, de tal forma que, em 2011, afirmou-se como o maior consumidor de pesticidas do mundo. Essa realidade, contudo, tem produzido efeitos extremamente negativos ao território costarriquenho, como ilustrado pela contaminação dos lençóis freáticos e pela intoxicação de inúmeros trabalhadores rurais (FAO, 2011).

O Egito é um país africano cujo território encontra-se predominantemente em terreno desértico, embora possua algumas terras férteis, como o delta do Rio Nilo, as quais possibilitam o cultivo de diversos gêneros agrícolas essenciais para alimentação da população (AFP, 2018). O país também importa grande quantidade de fertilizantes nitrogenados (THE OBSERVATORY OF ECONOMIC COMPLEXITY, 2019) e construiu uma nova fábrica para produção dessas substâncias (AGROLINK COM INF. DE ASSESSORIA, 2017). Logo, a contaminação de seu solo fértil pode se tornar um sério problema à economia do país e à saúde pública.

Nos Estados Unidos, a Agência de Proteção Ambiental (sigla em inglês EPA) é a responsável pela regulamentação de pesticidas, sob a autoridade do Ato Federal sobre Inseticidas, Fungicidas e Rodenticidas (FIFRA) de 1947. Nenhum pesticida pode legalmente ser comercializado ou usado a não ser que tenha um número de registro na EPA (CALVERT et al., 2010). Todos os pesticidas considerados Poluentes Orgânicos Persistentes pela Convenção de Estocolmo constam como banidos ou severamente restringidos nas listas da Agência (BUFFINGTON; MCDONALD, 2002). O país, ainda assim, é o segundo maior consumidor desses produtos, usando cerca de 400 mil toneladas por ano e estando atrás apenas da China (FAO, 2016).

A França ganhou destaque em 2018 ao ser o primeiro país da Europa a banir cinco pesticidas vendidos em grandes quantidades pela Bayer. Essas substâncias, conhecidas como neonicotinoides, são suspeitas de estarem conectadas com a diminuição das populações de abelhas na Europa (SAMUEL, 2018). O país continua, entretanto, sendo um dos maiores consumidores de pesticidas no mundo e o segundo maior na Europa, usando cerca de 60 milhões de toneladas desses produtos por ano (PARIONA, 2017). Desde o pós-guerra, herbicidas, fungicidas e inseticidas sintéticos contribuíram para um aumento considerável do rendimento das plantações francesas.

O Greenpeace, organização não-governamental (ONG) fundada no Canadá em 1971, é uma das ONGs mais ativas na fiscalização do uso de agrotóxicos em todo o globo, atuando sempre em favor da proteção ambiental. A organização posiciona-se terminantemente contra o uso de agrotóxicos, alegando que o seu uso destrói recursos e sustenta um modelo de produção injusto, colocando em risco a saúde de trabalhadores e consumidores. Para tanto, o Greenpeace sugere que sejam encontradas outras formas de suprir a demanda mundial de alimentos, que não envolvam pesticidas e possam ser concretizadas por meio de mudanças graduais (GREENPEACE, 2019).

Na Índia, o uso de pesticidas foi essencial para a redução da fome e da dependência de ajuda externa. Entretanto, o uso de pesticidas tóxicos tornou-se notícia com a morte de fazendeiros e trabalhadores rurais na região conhecida como Yavatmal. Além disso, o mercado indiano para produtos orgânicos tem crescido a uma taxa de 25% ao ano, superior à média global de 16% (GOWEN, 2018).

Como um país em desenvolvimento, a Indonésia possui um histórico de uso de agrotóxicos datado desde o século passado. Entretanto, o país realizou investimentos em pesquisa para desenvolver alternativas sustentáveis de controle de pragas e tornou-se uma das poucas nações no mundo a reduzir o emprego de pesticidas, ao lado de países desenvolvidos, como Noruega e Suécia (WILSON; TISDELL, 2001). Além disso, a Indonésia tem acompanhado com sucesso os padrões internacionais na regulação de agrotóxicos.

O Irã é um país historicamente permissivo à utilização de agrotóxicos, fato que o leva, nos dias atuais, a ter mais cautela e a estimular o desenvolvimento de alternativas que visem à redução do papel dos pesticidas na produção agrícola nacional. O Irã, além disso, carece de infraestrutura adequada para medir e monitorar o uso dos insumos químicos, mostrando-se, por essa razão, ainda mais vulnerável aos efeitos negativos desses produtos (FAO, 2015).

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Devido a leis muito permissivas e à necessidade de produção agrícola em um território pequeno e relativamente pouco fértil, Israel apresenta os níveis mais altos de uso de agrotóxicos no mundo, colocando em risco a população que se alimenta de seus vegetais e suas frutas (MAKOVER-BELIKOV, 2019). O país se destaca entre as nações desenvolvidas como grande contaminador do solo e de rios por meio de agrotóxicos, impactando inclusive populações palestinas na fronteira e gerando atritos internacionais.

No Japão, o mercado de produtos orgânicos encontra-se muito menos desenvolvido do que o norte-americano ou o europeu, ocupando apenas 0,4% do PIB, em contraste com os 2% ocupado nas duas outras regiões (MCCURRY, 2015). Em 2006, o país introduziu um sistema chamado Sistema de Lista Positiva, que estabelece um nível limite para a presença tolerável de químicos em alimentos (SATO, 2017).

No México, o uso de pesticidas é uma prática frequente na agricultura, mas a quantidade real utilizada não é conhecida totalmente (ORTÍZ; AVILA-CHÁVEZ; TORRES, 2013). Assim, a grande maioria dos pesticidas são utilizados para culturas de exportação e não alimentares, como algodão e tabaco, e há pouco controle sobre o uso e manejo correto de agrotóxicos (ALBERT, 2019).

Os Países Baixos se destacam com sua agricultura, uma das mais fortes da Europa, e por sua média de pesticidas por unidade de terra ser bastante alta. De acordo com indicadores da FAO (2018), o país emprega cerca de 10 quilogramas de agrotóxico por hectare. Ademais, os Países Baixos são signatários da Convenção de Roterdã, da Convenção de Estocolmo, da Convenção da Basileia e do Protocolo de Montreal, comprovando sua vontade em cooperar internacionalmente no tema da regulação da produção e uso de agrotóxicos.

O Paquistão permite o uso de diversos agrotóxicos danosos à saúde humana, os quais chegam à população por lençóis freáticos contaminados. Agricultores usam os químicos além do necessário e até de forma errada, especialmente nas plantações de algodão. Por ser um país menos desenvolvido, há também os obstáculos da falta de informação e da falta de alternativas mais modernas e sustentáveis ao controle de pestes (TARIQ et al., 2007).

O Reino Unido se encontra em uma das regiões mais rígidas quanto ao controle de agrotóxicos no mundo, a União Europeia. Em razão disso, diversos pesticidas usados no restante do mundo são proibidos para uso em seu território (BRITO, 2018). Contudo, a instável situação em que se encontra quanto à saída da nação da União pode abalar o entendimento do país acerca das políticas de regulação de agrotóxicos.

A Rússia tem apresentado, nos últimos anos, grandes avanços no setor agrícola, focando sobretudo na produção de açúcar e de sementes a fim de impulsionar sua economia (MEDETSKY, 2017). O país mostra-se historicamente permissivo à utilização de pesticidas, porém tem recentemente dado maior atenção à produção de alimentos orgânicos por meio do desenvolvimento de uma nova legislação destinada à regulamentação desse mercado (AGROBERICHTEN BUITENLAND, 2018).

Na Suíça, em 2016, o uso de herbicidas diminuiu cerca de 27% nos últimos oito anos, enquanto o de inseticidas aumentou, mantendo o volume do consumo de pesticidas, em geral, relativamente o mesmo (SWISSINFO, 2018). O ato do governo do país de aumentar a quantidade máxima permitida de resíduos de agrotóxicos em rios recebeu críticas de várias ONGs (LE NEWS, 2018).

A Tailândia é, atualmente, o quarto país do mundo que mais consome agrotóxicos, utilizando 87 milhões de quilogramas deles, por ano, em suas plantações e figurando no ranking atrás apenas da China, dos Estados Unidos e da Argentina (PARIONA, 2017). O uso de agrotóxicos é intensivo na produção agrícola tailandesa e não enfrenta regulações severas por parte do governo, tendo em vista que o país carece de um sistema apropriado para a administração e o controle da utilização desses insumos (PANUWET et. al, 2012).

A Turquia é historicamente permissiva ao uso de agrotóxicos e defensivos agrícolas, apresentando

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uma legislação relativamente frágil nesse aspecto (COSTA, 2018). O país, por outro lado, vem há anos apresentando esforços com o intuito de ingressar na União Europeia e tem, portanto, reduzido a utilização de agrotóxicos na agricultura nacional (PESTICIDE, 2009).

O Vietnã tem investido fortemente na redução do uso de agrotóxicos para produção agrícola, tendo realizado com relativo sucesso um experimento em larga escala de conscientização popular, chamando a atenção de outros países da região. A medida de controle de pesticidas tende a aumentar a competitividade dos produtos agrícolas vietnamitas no comércio internacional. Ainda assim, as importações de agrotóxicos são altas e é necessário que se estabeleça uma legislação mais rígida (NORMILE, 2013).

5 QUESTÕES PARA DISCUSSÃO (1) Quais são as principais normas e instituições estabelecidas pela comunidade internacional para lidar com os agrotóxicos e como elas afetam a sua utilização pelos países?

(2) Quais países estão mais envolvidos no uso, comercialização e produção de agrotóxicos? Como essas nações podem regular essas práticas em seu território? E como a comunidade internacional pode participar desse processo?

(3) Os países precisam necessariamente empregar agrotóxicos em sua atividade agrícola?

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CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES UNIDAS

Armamento Civil e Direitos Humanos: Desafios e Consequências

Giovanna Cunha Padilha, Luiza Cerveira Kampff, Marcus Vinícius H. Alves, Mariane Di Domenico e Sofia Oliveira Perusso1

1 Graduando e Graduandas em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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QUESTÕES PARA ORIENTAÇÃO

(1) Qual a relação entre a posse e o porte de armas e os Direitos Humanos? O mero direito ao porte de armas pode levar a violações de direitos humanos?

(2) Os Estados devem permitir a posse e/ou o uso de armas por parte da população civil? Se sim, como?

INTRODUÇÃO O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (CDH) é um órgão auxiliar da Assembleia Geral das Nações Unidas1, responsável por reforçar a promoção e proteção dos direitos humanos em todo o mundo. Um dos três pilares das Nações Unidas, junto com o desenvolvimento e a paz e segurança, os direitos humanos são definidos como direitos pertencentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição (CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES UNIDAS, 2019). O Conselho possui 47 Estados membros, eleitos pela Assembleia Geral da ONU para mandatos de 3 anos. A escolha dos Estados leva em consideração tanto a contribuição das nações candidatas à promoção e proteção dos direitos humanos quanto uma distribuição equilibrada das representações em relação às regiões do globo (CDHNU, 2019). Cabe ao CDH pensar sobre como melhor aplicar os direitos humanos e como lidar com as situações de violações dos mesmos. Os resultados das discussões do Conselho são divulgados no formato de resoluções não vinculantes, o que significa que os Estados membros da ONU não são obrigados a cumprir o que foi acordado no Conselho, embora sejam fortemente estimulados a fazê-lo pois cada Estado é responsável por assegurar o bem-estar de sua população e lhes assegurar as condições mínimas de segurança. Caso isso não ocorra, o país em questão pode ser cobrado no âmbito internacional e sofrer penalidades por parte dos outros Estados (CDHNU, 2019). Atualmente, casos de tiroteios em massa como o ocorrido em Christchurch, na Nova Zelândia, crescentes índices de violência urbana em diversos países e os debates nacionais e internacionais sobre políticas de combate à violência, têm chamado atenção para questões referentes à posse de armas de fogo por civis. Observou-se que, no mundo, grande parte dos homicídios da última década foram causados por armas de fogo. Assim, governos e estudiosos ao redor do mundo vêm debatendo políticas de acesso a armas (ANISTIA INTERNACIONAL, 2019). Ainda assim, muitas vezes, os direitos humanos, um elemento essencial nessas considerações, são esquecidos dentro dos debates. Dessa forma, o CDH está unicamente posicionado para trazer esse debate à esfera internacional abarcando os mais diversos aspectos da questão. Nesse sentido, este guia busca discutir a regulamentação da posse de armas por civis em tempos de paz e sua relação com os direitos humanos, destacando-se que “tempos de paz” não excluem, necessariamente, a existência de hostilidades, tensões e crimes. Dessa forma também serão abordadas as diferentes práticas adotadas pelos Estados em relação ao acesso de armamentos pelos civis e quais seus impactos nos índices de violência e na proteção de direitos em cada sociedade.

1 VISÃO GERAL

Em 2016, registrou-se no mundo um total de 251 mil mortes decorrentes de ferimentos causados por armas de fogo; isso equivale a um pouco mais de três estádios do Maracanã lotados2. Deste total, a metade dessas pessoas concentravam-se em 6 países, todos do continente americano: Brasil, Estados Unidos, México, Colômbia, Venezuela e Guatemala (IHME, 2018). Armas de fogo são definidas como “qualquer arma portátil com cano que dispare, seja projetada para disparar ou possa ser prontamente transformada para disparar bala ou projétil por meio da ação de um explosivo” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2001b, p. 2). As armas de fogo apresentam características que facilitam sua utilização e portabilidade, como 1 É um dos principais órgãos da Organização das Nações Unidas (ONU) e é justamente o órgão em que todos os Estados possuem uma representação fixa. Nesse órgão, são discutidos os problemas mais amplos do Sistema Internacional, as questões coletivas, o orçamento da ONU, dentre outros tópicos.2 O Estádio do Maracanã tem capacidade para receber 78.838 pessoas (INOVA, 2019).

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seu peso, tamanho, durabilidade e letalidade, tornando-se assim instrumentos que facilitam ações violentas (BUENO, 2004). Esses objetos estão diretamente associados aos índices e níveis de violência no mundo, já que, diferentemente das armas impróprias, que têm como objetivos primordiais atividades além do dano, como facas e tesouras, as armas próprias, nas quais estão inclusas as armas de fogo, são produzidas justamente para potencializar a possibilidade de defesa ou ataque de quem as utiliza, representando uma considerável ameaça a vida (BANDEIRA; BOURGOIS, 2005; BRASIL, 2014). Duas questões essenciais quando se tratando de armas de fogo estão ligadas a possibilidade de civis, ou seja, pessoas que não fazem parte das Forças Armadas de seu país, ter uma arma e de poder carregá-la consigo. A posse de armas, caracterizada pela permissão de obtenção das armas de acordo as especificidades da legislação de cada país, permite que o indivíduo compre uma arma e, assim, possa manter ela em casa sem complicações legais. O porte de armas, geralmente mais regulado pelas leis nacionais, confere ao indivíduo a possibilidade de levar a arma sob sua responsabilidade. Tanto a posse quanto o porte de armas de fogo não alteram a quantidade dos índices gerais da violência, mas sua presença é decisiva na gravidade dos resultados (MATIAS, 2018), haja vista que assim como a posse de armas viabiliza a defesa pessoal e facilita a ocorrência de acidentes, o porte de armas é um fator agravante no número de acidentes e mortes envolvendo armas de fogo, podendo aumentar a letalidade de confrontos violentos e o prolongamento da violência (BUENO, 2004). Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a violência é definida como “o uso intencional de força física ou poder, ameaçado ou real, contra si mesmo, outra pessoa ou comunidade, que resulta ou pode resultar em ferimentos, morte, danos psicológicos, mau desenvolvimento ou privação” (2002, p. 4). As práticas violentas são comumente relacionadas a diversos fatores sociais – como a cultura, educação e oportunidades – e aos fatores transversais (também chamados de variáveis de risco, como o fácil acesso a armas e o consumo de álcool) de uma população. Quanto maiores forem as possibilidades e combinações desses fatores (como situações de desigualdade econômica unidas à facilidade de acesso a armas), maiores serão as condições favoráveis para o desenvolvimento de atitudes e atos violentos (OMS, 2014). A questão da violência e o uso de armas se manifesta também no que concerne um ciclo no qual a insegurança faz com que os indivíduos comprem uma arma, tornando-os mais suscetíveis a agir e reagir com violência, trazendo mais insegurança para si e para outros indivíduos que os cerca, que podem se sentir vulneráveis e adquirir uma arma para se defender dessa possível violência. Nesse cenário, fica evidente que as armas de fogo exercem danos para além dos físicos, como os psicológicos e emocionais. Esses danos não-letais são suficientes para aumentar o sentimento geral de insegurança e os índices de violência, além do aumento dos custos com policiamento e com sistemas de saúde (BANDEIRA; BOURGOIS, 2005). Todos os dias, 688 pessoas morrem no mundo por ferimentos causados por armas de fogo (IHME, 2018). Apesar de ser uma ferramenta amplamente utilizadas em conflitos e guerras, as armas de fogo têm seu uso disseminado em países e regiões tidas como pacíficas. Os maiores índices de violência armada e homicídios por arma de fogo são registrados em países que não se encontram em conflito, como é o caso de Honduras, El Salvador e Costa do Marfim – os três primeiros países no ranking de maior número de homicídios per capita, tendo cada um 913, 688 e 591 mortes a cada 1 milhão de habitantes, respectivamente. Nesse sentido, também são relevantes os índices de total absoluto, ou seja, onde morrem mais pessoas fruto de homicídio. Também nesse caso, os primeiros colocados da lista são países ditos “em paz”: Brasil (com 40.944 mortes por ano), Índia (40.752) e México (25.757) (NATION MASTER, 2019). Esses números estimularam renovada atenção à questão da letalidade das armas e reforçaram a importância da reflexão acerca da necessidade ou não de controlar a posse e o porte de armas de fogo por civis (ONU, 2015). Um dos principais debates compreende o argumento de que a posse de armas é um direito fundamental para o ser humano no que tange seu direito de defesa individual (LEITE, 2015). De acordo com o terceiro artigo da Declaração dos Direitos Humanos3 “todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” (AGNU, 1948, p.4). Esse argumento não é majoritariamente aceito, sendo rebatido por aqueles que defendem a noção de que as armas representam um risco para a vida de todos envolvidos. Há estimativas de que a taxa de crimes violentos tende a crescer de 13 a 15% quando aprovadas leis que facilitam o acesso

3 A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi um documento elaborado em 1948 na Assembleia Geral da ONU com o objetivo de estabelecer formalmente, pela primeira vez, a proteção universal e sem restrições dos direitos humanos, além de estabelecer quais seriam esses direitos (AGNU, 1948).

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às armas a população (DONOHUE; ANEJA; WEBER, 2018), o que aponta a contradição existente entre a proteção individual e a coletiva, já que as armas não são um fator determinante na segurança dos indivíduos e muitas vezes aumentam o grau de violência de eventos envolvendo esses objetos (BANDEIRA; BOURGOIS, 2005). Ao considerarmos os dados sobre o armamento civil no mundo, surge a necessidade de debater políticas de controle das armas de fogo, apesar da dificuldade de estabelecer um debate internacional e de se comparar situações e conjunturas completamente distintas vividas pelos diferentes Estados que compõem o comitê. Torna-se necessário, então, ponderar sobre as diferentes realidades de cada país, além de seu contexto social e cultural e não apenas o nível de controle de armas no índice de violência. A partir dessas informações, o Conselho dos Direitos Humanos busca discutir a regulamentação da posse de armas por civis em tempos de paz e sua relação com os direitos humanos e as políticas de acesso ou restrição de acesso a armas de fogo. Além disso, busca-se compreender os meios pelos quais o comitê pode orientar os Estados na formulação de regulamentações para a aquisição de armas por civis, sendo considerado que cada país faz uso de suas próprias referências culturais, políticas e históricas para defender seu ponto de vista acerca do controle de armas, não havendo uma única opinião e posição sobre o tema (BRASIL, 2014).

2 APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA Ao fazer uma análise das discussões que cercam a posse e o porte de armas de fogo por civis, percebe-se a grande relevância do debate sobre quais seriam as melhores e mais efetivas políticas nacionais de acesso a armas. Nesse sentido, buscando maneiras de compreender a dicotomia entre a proteção dos direitos humanos individuais e dos coletivos e entender mais profundamente a questão da posse de armas por civis e sua relação com os direitos humanos, essa sessão, primeiramente, apresentará argumentos a favor e contra a posse de armas, sua relação com os direitos humanos, alguns dados sobre as consequências de cada escolha e, em seguida, quatro estudos de caso para ilustrar como essa questão se desenvolve empiricamente de acordo com a realidade de cada país.

2.1 O ESTADO E AS POLÍTICAS DE CONTROLE DA POSSE E DO PORTE DE ARMAS Atualmente, muitos Estados não conseguem aplicar suas leis completa e/ou efetivamente, nem manter a guarda necessária para defender a segurança de seus cidadãos, fatos que contribuem para o aumento nos níveis de violência urbana (EVOY; HIDEG, 2017). Além disso, uma grande parcela da população mundial não possui um padrão de vida mínimo que assegure a ela seus direitos humanos e suas necessidades básicas (como comida, água potável e cuidados essenciais de saúde). Por exemplo, enquanto 30% da população mundial não tem nem acesso a água potável, 1% da população terrestre acumulou 82% da riqueza gerada no mundo no ano de 2017 (CHADE, 2017; GOMES, 2018). Essas profundas diferenças socioeconômicas acabam contribuindo enormemente para a criação de ambiente conflitivo dentro e entre classes sociais que passam a se somar e a aguçar outros tipos de conflitos interpessoais (NEIS, 2008). Um dos pontos que constantemente é tido como central na discussão sobre armamento civil é a questão da segurança pessoal, uma vez que o debate sobre segurança pública tem ganhado destaque em diversos países. Contudo, a questão do armamento civil vai muito além do debate sobre segurança pessoal e coletiva, tocando diretamente em questões ligadas aos direitos humanos de cada pessoa e o como assegurá-los para todos (LOTT, 2010). Em relação à discussão dos direitos humanos, um dos pontos de maior controvérsia é o que tange ao direito à legítima defesa. Muitos dos defensores da posse de armas de fogo por civis defendem que todo cidadão e cidadã têm o direito de ter os meios adequados para exercer a legítima defesa e para proteger a si mesmo e a seu patrimônio4. Segundo seus defensores, essa linha de argumentação seria especialmente reforçada pelos artigos III e XVI5 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, os

4 Destaca-se que juridicamente, nos casos em que a posse de armas é permitida, a pessoa que a possui tem o direito de usá-la para sua legítima defesa (LOTT, 2010).5 Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948: “Artigo III - Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. “Artigo XVII - 1. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade” (AGNU, 1948, p.5-8).

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quais falam sobre o direito à vida e segurança pessoal e sobre o direito à propriedade, respectivamente. Essa linha argumentativa seria fortalecida também por estudos como realizado pelo Centro de Pesquisa para a Prevenção de Crimes dos Estados Unidos em 2018 que afirmam que permitir a posse de armas com o objetivo de autoproteção pode ter o potencial de salvar vidas. Ressalta-se que no caso tratado pelo estudo, um fator que se mostrou importante para esse resultado positivo foi o aumento da compra de armas por parte de grupos que anteriormente compravam menos, como as mulheres e os negros, contribuindo para a diversificação do grupo populacional que possui armas. Essa mudança de comportamento dos consumidores foi atribuída parcialmente à redução nos preços das licenças para a posse de armas (LOTT; WHITLEY; RILEY, 2015). Contudo, a controvérsia se encontra justamente no fato de que estudos que têm esse tipo de resultado favorável ao argumento pró-posse são ainda minoritários dentro da comunidade acadêmica. Como contra-argumento, aqueles que são contra a posse de armas por civis defendem que o direito à legítima defesa não deve pôr em perigo a vida e os direitos de outras pessoas, apontando justamente para o aumento no número de mortes e nas estatísticas de violência quando há um maior número de armas de fogo nas mãos de civis, segundo a grande maioria de estudos. Hoje, existem mais dados que demonstram que menos armas equivalem a menos crimes, ao invés de corroborarem o cenário mencionado acima, de que a presença de armas ajudaria na segurança geral. Além disso, esse grupo afirma que a proteção de cada um e do direito à propriedade deve ser realizada pelo Estado, o qual é juridicamente responsável por garantir esses direitos e que possui mais meios para realizar isso (CERQUEIRA; MELLO, 2012). Outro argumento levantado, ainda no campo dos direitos humanos, é o de que todos deveriam ter direito à não interferência em sua vida privada e ao direito de escolher possuir ter uma arma, caso a pessoa julgue necessário a ela mesma. Segundo aqueles que defendem esse argumento, isso estaria escrito de certa forma no artigo XII6 da mesma Declaração supramencionada, o qual versa sobre a vida privada de cada ser humano (CERQUEIRA; MELLO, 2012). Há ainda quem defenda a posse de armas para usos em atividades recreativas e/ou esportivas e por tradições culturais, defendidas especialmente nos artigos XXIV e XXVII7 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nesse sentido, criticam as restrições à posse de armas por civis, afirmando que essas proibições vão contra os direitos de cada cidadão de fazer suas próprias escolhas no que tange sua vida privada. Além disso, alguns defensores da posse afirmam que a posse de armas pela população seria uma maneira de possibilitar as lutas contra governos ditatoriais e tiranias, quando necessário, o que estaria assegurado na Declaração, quando esta menciona, entre outros, o direito à liberdade de opinião e de expressão e ao voto (CERQUEIRA; MELLO, 2012). No entanto, segundo os que são contra a posse por civis, todos esses argumentos seguem esbarrando na ideia de que o direito individual não deve ultrapassar os limites dos direitos e da proteção do coletivo. E que optar por liberar a posse de armas para a população, ainda que pudesse trazer alguns ganhos positivos, no soma geral das consequências, seria prejudicial à sociedade, porque aumentaria as taxas de homicídios, acidentes fatais e, muito provavelmente, suicídios, uma vez que diversos estudos têm apontado uma forte correlação entre a disponibilidade de armas de fogo e a ocorrência de suicídios (CERQUEIRA; MELLO, 2012). Outro ponto importante para o debate é o que toca na questão relativa ao “ciclo” da insegurança. Esse “ciclo” é, na verdade, a síntese que se pode fazer a partir da explicação de alguns estudiosos sobre as consequências da introdução de algum fator que causasse um aumento na violência, neste caso, a liberação da posse de armas em uma sociedade. Seu funcionamento é: em determinada sociedade existe um nível de insegurança relativa à violência (seja urbana ou rural), essa insegurança aumentaria na medida em que a violência aumentasse caso a posse de armas fosse permitida aos civis. O Estado então teria que gastar cada vez mais em setores que não são produtivos (ou seja, que não dão retorno financeiro) como o policiamento, isso levaria a menos gastos em setores produtivos, diminuindo os índices de desenvolvimento do país, o que leva ao aumento da quantidade de pessoas em situação de

6 Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948: “Artigo XII - Ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, em sua família, em seu lar ou em sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques” (AGNU, 1948, p.8).7 Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948: “Artigo XXVII - 1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios” (AGNU, 1948, p.14-15). “Artigo XXIV - Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas perió-dicas” (AGNU, 1948, p.14-15).

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vulnerabilidade8, o que causa mais insegurança coletiva, fechando o “ciclo” (ADORNO, 1999). Essa relação entre problemas econômicos e vulnerabilidade e insegurança está diretamente ligada a observação de que as pessoas que fazem parte de uma parcela vulnerável e marginalizada da sociedade são justamente as maiores vítimas das violações de direitos humanos e da violência. Justamente porque, na prática, são aqueles que dispõem de menor acesso à proteção do Estado e de menos condições para fazer pressão sobre as autoridades públicas, de modo a influenciarem a implementação de políticas públicas que os ajude ou garantam que seus direitos sejam protegidos e assegurados (ADORNO, 1999). De maneira geral, é bastante claro em pesquisas que uma maior disponibilidade de armas de fogo tende a aumentar seu uso. Além disso, percebe-se que as taxas de acidentes e suicídios são maiores entre os profissionais que trabalham armados (como policiais), sendo que esses incidentes são associados não só ao caráter estressante da profissão, mas principalmente à disponibilidade de armas de fogo (KAHN, 2002). Um outro questionamento relevante ao debate é: até que ponto a justificativa utilizada para a posse de uma arma realmente corresponde ao real motivo dessa compra. O ato de adquirir uma arma de fogo parece mais frequentemente consequência de um desejo ligado a uma combinação de desejo e frustração do que à necessidade e à busca pela segurança pessoal e coletiva. Esse entendimento se liga ao modo como a mídia frequentemente retrata as armas e seus donos, atribuindo uma noção de poder à posse desse objeto. Esse tratamento não é, de forma alguma, despropositado ou gratuito, uma vez que fortalece a ideia de que as armas de fogo seriam um objeto de desejo por parte dos consumidores, fortalecendo assim a posição e os interesses das indústrias bélicas que positivam o uso de armas como uma forma de exercer direitos e liberdades, de forma a aumentar sua lucratividade e espaço no mercado. Nesse sentido, salienta-se que a produção de armas de fogo possui um peso importante na economia de diversos países, como os Estados Unidos e Israel. De forma que os grupos que controlam as empresas fabricantes desses produtos, acabam ganhando bastante peso na política doméstica desses Estados (BURNETT, 2015). Em muitos países, a questão do armamento civil e mais especificamente do direito ou proibição de os cidadãos possuírem e utilizarem armas de fogo tem estado no centro das discussões políticas. Isso está diretamente ligado ao fato de estarem ocorrendo diversas situações que chamam ainda mais a atenção para esse antigo debate. Dentre essas ocorrências pode-se citar: o aumento da proliferação de armas pequenas e armamento leve que amplificou a ocorrência de violência armada em diversos lugares, fortaleceu a capacidade dos terroristas no Afeganistão e Iraque, permitiu a consolidação de cartéis de drogas na Colômbia e tem causando um aumento nas taxas de homicídios por todo o continente africano (CREIGHTON LAW REVIEW, 2011). Ainda assim, é necessário diferenciar o contexto do qual estamos tratando quando vamos discutir a posse de armas de fogo. Neste guia, o foco está em discutir o contexto de países que vivem um período de “paz”, ou seja, nações que não se encontram em guerra nem em um conflito generalizado interna ou externamente. Situações em que há guerras ou grandes conflitos, sem dúvida, requerem uma análise diferente. Por exemplo, em casos em que há conflitos dentro da sociedade de um mesmo país (devido a motivos como tensões étnicas, rixas internas ou crime organizado), a presença de armas tende a dificultar a resolução das hostilidades e a aumentar o índice de criminalidade. Isso dificultaria ainda mais a retomada do controle estatal e as tentativas de normalização do contexto nacional, de forma que todas as tentativas de fim do conflito poderiam se ver frustradas pela falta de capacidade das forças estatais de lidar com uma população dividida, polarizada e armada (MARENIN, 2005). Além do contexto, um determinante que tem um enorme impacto em quais serão as consequências das leis em relação à posse de armas em cada país é a sua cultura em relação às armas de fogo. Ou seja, o resultado da legislação e as taxas de violências estão ligados à visão da sociedade e à sua cultura (WRIGHT, 1988). Por último, no que tange às legislações em si, existem diferentes tipos de controles à posse de armas de fogo por civis. As leis podem proibir completamente a posse de qualquer tipo de arma de fogo, como também podem apenas restringir por calibre e/ou tipo de arma. Podem haver licenças condicionadas a que a pessoa que solicite o porte passe por alguns testes. Além disso, estas licenças podem ser separadas de acordo com o objetivo e justificativa que o requerente apresentou, como por exemplo: para caça, tiro esportivo, autodefesa ou porte oculto. Também pode-se restringir a compra 8 Pessoas em situação de vulnerabilidade são aquelas que por questões ligadas a gênero, idade, condição social, deficiência ou orientação sexual, são mais suscetíveis à violação de seus direitos.

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de acessórios (como cartuchos e silenciadores), ou então colocar limites em relação a quantidades. Ou seja, a solução que cada país adota para essa controvérsia pode conter elementos completamente diferentes de seu vizinho, mesmo que ambos optem por restringir a posse de armas (WRIGHT, 1988). Por fim, uma outra questão a ser explorada é, ao se adotar legislações mais restritivas à posse, uma das principais dúvidas é de como se lidaria com o estoque de armas atualmente em mãos da população. As atitudes mais comumente adotadas são a compra por parte do governo dessas armas ou as coletas voluntárias (em que as pessoas que possuem armas as entregam para as autoridades de forma voluntária). Cada uma das soluções possíveis tem seus pontos fortes e fracos, sendo uma das principais dificuldades apontadas por pessoas contrárias a essas iniciativas a de retirar as armas das mãos dos criminosos. Entretanto, cabe destacar que esse tipo de ação busca atingir a população como um todo, uma vez que as armas dos criminosos poderiam ser simplesmente apreendidas pela polícia. No que tange a compra das armas através de programas governamentais, outro problema levantado é a possibilidade de resultar na criação de um mercado paralelo que promovesse o comércio clandestino das armas. No entanto, parte da política de recolhimento das armas seria combater esse tipo de tentativa, a qual está diretamente ligada ao já existente tráfico internacional de armas – o qual tem sido de difícil controle pelos Estados e tem perdurado através dos anos, muito em razão da dificuldade existente de controle de fronteiras (MARENIN, 2005).

2.2 ESTUDOS DE CASO As políticas estatais relacionadas às armas de fogo são bastante diversificadas pelo mundo. Os índices de criminalidade, óbitos e acidentes causados por armas de fogo podem ser bem diferentes, até mesmo em países que adotam políticas similares quanto à posse de armas de fogo por civis. De modo geral, tais políticas podem variar entre permissivas e restritivas, porém, alguns fatores acabam auxiliando e influenciando no entendimento do modo como essas políticas são conduzidas, devendo ser observado o contexto socioeconômico de cada país e a sua capacidade de implementação de suas leis, além de fatores recentes como a proliferação e tráfico de armas, a falta de segurança e os fatores conflitivos internos de cada país (CARLSEN, 2019). Assim, serão apresentados estudos de casos dos Estados Unidos, em que a regulamentação é bastante flexível, mas que possui alto índice de homicídios; do Japão, considerado com uma regulamentação rígida, e com baixíssimo nível de homicídios; do Brasil, que possui uma lei relativamente permissiva por considerar legal o posse de arma, mas ainda possuir requisitos bastante rígidos para tal, e proibir o porte de armas, sendo um “meio termo”; e da Nigéria, que possui uma regulamentação permissiva, mas com fatores agravantes como o conflito no Delta do Níger. Estes casos nos ajudam a entender como variam as leis nacionais que regulam o armamento civil (ONU, 2019).

2.2.1 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA Entre os países desenvolvidos, os Estados Unidos são um dos que possui uma das regulamentações de armas mais flexível, por não ter regulamentação federal acerca do porte de armas e proibindo a posse apenas para uma parcela específica da população, embora leis variem de estado para estado. Os Estados Unidos possuem uma forte cultura que acredita na posse de armas como um direito fundamental para a defesa pessoal dos cidadãos e para a proteção de suas propriedades, reflexo da própria constituição estadunidense que garante, em sua segunda emenda, o direito do povo em possuir e portar armas (UNITED STATES, 2019). A nível federal, a posse de armas é regulada pelo Ato de Controle de Armas (Gun Control Act, GCA), instituído em 1968 após a morte do presidente John F. Kennedy. Essa regulamentação substitui o Ato Federal de Armas de Fogo (Federal Firearm Act, 1938), mas absorveu alguns de seus artigos. Ela foca principalmente na regulação do comércio entre países, proibindo a importação de armas que não tenham “propósito esportivo” (outras armas sendo permitidas apenas com produção nacional) e obrigando que todas as armas importadas tenham número de série, além de instituir idade mínima de 21 anos para a posse e proibi-la para criminosos, pessoas com problemas psicológicos e outros casos específicos (GRAY, 2019). O GCA, entretanto, não regulamenta o porte de armas de uma maneira mais ampla, tocando no assunto apenas em casos específicos de proibição, principalmente em instalações federais e militares (GUNPOLICY, 2019). No que tange à regulamentação estadual, é importante ter em mente que, nos Estados Unidos, embora exista uma regulamentação federal, não é obrigatório que ela seja aplicada a nível estadual,

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sendo escolha dos agentes locais de cada unidade federativa aplicá-la ou não. Sendo assim, é possível inclusive que existam estados com uma regulamentação mais flexível que a federação (GUNPOLICY, 2019). Segundo um estudo de Fleegler et al. (2013), há uma grande variação no número de mortes entre os estados com leis sobre armas mais rígidas e aqueles mais flexíveis. Ainda o artigo mostra que, quanto maior o grau de regulamentação de armas, menores eram as mortes registradas por arma de fogo, e quanto mais flexíveis essas leis, maior o número de mortes – tanto por homicídios quanto por suicídios. O estado americano com maior número de mortes por arma de fogo entre 2007 e 2010 é o estado de Louisiana, com 17,9 mortes a cada 100 mil habitantes. A regulamentação de Louisiana não tem uma regulação específica para rifles, armas longas e armas de pequeno porte, além de permitir o porte ostensivo (sem que a arma esteja encoberta) de armas pequenas e longas e autorizar o porte encoberto de armas pequenas com uma permissão do governo. Já o estado com menor número de mortes é o Havaí, com 2,9 mortes. O Havaí, diferentemente de Louisiana, exige uma permissão ou licença do governo para que uma pessoa tenha a posse de armas longas, rifles e armas pequenas. Em relação ao porte ostensivo de armas, o estado permite o de armas pequenas sem a necessidade de uma licença, mas exige a permissão do governo para o de armas longas. É permitido o porte encoberto de armas pequenas apenas com uma licença do estado, mas também fica sob o critério das autoridades locais (FLEEGLER et al., 2013; THE GUARDIAN, 2013). Segundo a ONG Violence Policy Center (apud ALESSI, 2019, p. 1), “para cada criminoso morto por um civil em autodefesa, ocorrem outras 34 mortes com arma de fogo, 78 suicídios e duas mortes por disparo acidental”. Até 2018, cidadãos estadunidenses possuíam 40% das armas no mundo (SCHAEFFER, 2018), apenas no ano de 2019, até 26 de julho, foram registrados 22 tiroteios em escolas no país (LOU; WALKER, 2019) e no dia 28 de julho um adolescente abriu fogo no Gilroy Garlic Festival (Festival de Alho Gilroy, tradução nossa) na Califórnia, deixando 3 mortos e 12 feridos (AFP, 2019). De acordo com um estudo da Universidade Stanford, mortes por massacres por arma de fogo nos Estados Unidos têm aumentado nos últimos anos, sendo que 5 dos mais letais aconteceram desde 2007 (WATLING, 2019). Além dos massacres, que podem possuir uma ligação mais lógica e direta com uma regulamentação flexível, o livre acesso às armas colabora também para outros âmbitos da violência nos Estados Unidos. Mais da metade das vítimas de violência doméstica no país, por exemplo, são mortas com armas de fogo, e 92% das mortes de mulheres por arma de fogo em países desenvolvidos ocorreram nos Estados Unidos no ano de 2015. Mesmo que a arma não seja utilizada para ferir fisicamente uma mulher vítima de violência doméstica, porém, ela frequentemente é usada como forma de aumentar ameaças, considerando que violência doméstica abarca não apenas a agressão física, mas também a psicológica e emocional (EVERY TOWN RESEARCH, 2019). Além disso, de acordo com um estudo, mulheres em relações abusivas ameaçadas com arma de fogo tem sintomas psicológicos mais graves que aquelas que sofreram outros tipos de violência (SULLIVAN; WEISS, 2017).

2.2.2 JAPÃO O Japão é um dos países em que a regulamentação de armas é bastante rigorosa e bem-sucedida. As armas são controladas no país desde o final do século XVI e, após a Segunda Guerra Mundial, o pacifismo passou a ser uma das filosofias dominantes no país, fazendo com que esse controle se tornasse mais severo (LIBRARY OF CONGRESS, 2019). O processo para obter a permissão de posse é demorado e trabalhoso e envolve a participação em aulas teóricas, uma prova escrita, uma avaliação psicológica, um teste de drogas e um comunicado à polícia, informando exatamente em que parte da casa guardará a sua arma (THE ATLANTIC, 2012). O objetivo da regulamentação é fornecer medidas relevantes para prevenir a população dos perigos e danos causados pela posse de armas9, visto que a ideia de que menos armas em circulação resultarão em menos mortes é bastante defendida entre os Japoneses. De modo geral, o país tem uma baixa taxa de homicídios e há poucas mortes por arma de fogo. Por outro lado, a taxa de suicídio é muito alta, o que traz questionamentos quanto a uma possível elevação ainda maior desse número em caso de uma regulamentação menos rígida em relação a posse de armas de fogo (LIBRARY OF CONGRESS, 2019). O controle rígido de armas combinado com o respeito pela lei levou a uma relação mais harmoniosa entre civis e policiais. Na maioria dos casos, a polícia usa combinações de golpes de artes marciais ou armas de impacto, optando assim por usar a força sub-letal nas pessoas, diminuindo

9 A posse de armas no Japão pode se referir a armas de fogo ou espadas (LIBRARY OF CONGRESS, 2019).

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dentre a população o medo de serem atingidos por armas de fogo e, assim, as pessoas sentem menos necessidade de se armarem, levando ao que se considera um sucesso em termos de regulamentação da posse de armas (WELLER, 2018).

2.2.3 NIGÉRIA Outro caso a ser analisado é o da Nigéria. De acordo com dados do Gun Policy (2019), o país possui uma regulamentação considerada permissiva — em outras palavras, uma regulamentação que não proíbe a posse de armas para a maioria dos cidadãos, mas a restringe ao cumprimento de determinadas condições. Na Nigéria, qualquer cidadão pode ter licença para o porte de armas, desde que ele/ela não: possua antecedentes criminais, seja diagnosticado com algum problema psicológico que seja impeditivo, dentre outros casos específicos (ALPERS; WILSON, 2018). A Nigéria se encontra em uma situação de bastante vulnerabilidade por ser um país em desenvolvimento com graves conflitos internos entre diferentes grupos étnicos, principalmente na região do Delta do Níger. Desde o início dos anos 1990, os interesses econômicos colocam empresas multinacionais produtoras de petróleo em um embate com o governo nigeriano, e a disputa pela riqueza do petróleo fortalece a violência entre os diferentes grupos étnicos, ampliando a militarização na região que foi ocupada por milícias tribais, policiais e pelo exército (HUMAN RIGHTS WATCH, 2005). Devido a esses conflitos, a violência no país é elevada e a proliferação de armas leves acarreta em uma piora da situação, já que as armas acabam nas mãos de atores não-estatais violentos através de invasões a delegacias de polícia e bases militares e também através do contato com contrabandistas de armas da região que auxiliam na aquisição e construção do arsenal desses grupos (ONUOHA, 2006). Apesar de possuir uma regulamentação mais permissiva, o país tem investido em treinamentos especiais que auxiliam na identificação e rastreamento de armas de fogo, focando na luta contra o tráfico de armas na região (UNODC, 2018).

2.2.4 BRASIL O Brasil, mesmo sem histórico recente de terrorismo ou guerra civil, é considerado um dos países mais violentos do mundo segundo a ONU em função do seu alto índice de homicídios o qual, em 2017, chegou a 30,5 mortes a cada 100 mil habitantes – a segunda maior taxa na América do Sul, atrás apenas da Venezuela (PRESSE, 2019). Além disso, dados do Small Arms Survey apontam o país como principal produtor e exportador de armas da região sul-americana (Small Arms Survey apud SILVESTRE, 2016). A lei federal que regulamente a posse e o porte de armas no Brasil é a lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, intitulada de Estatuto do Desarmamento (BRASIL, 2003). O Estatuto foi criado com o objetivo de controlar a circulação de armas no país, a fim de diminuí-la e também aplicar penas mais rigorosas para o porte ilegal e o contrabando. Ele estabelece o comércio de armas como algo legal no Brasil, mas com rígidas restrições, sendo elas:

Obrigatoriedade de cursos para manejar a arma; ter ao menos 25 anos; ter ocupação lícita e re-sidência; não estar respondendo a inquérito policial ou processo criminal; não ter antecedentes criminais nas justiças Federal, Estadual (incluindo juizados), Militar e Eleitoral; ter efetiva neces-sidade de ter a arma (G1, 2019a, p. 1).

É considerada “efetiva necessidade” quando a pessoa trabalha em “atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física” (BRASIL, 2003). Sendo assim, desde que cumpridos os requisitos citados, a posse de armas é legal no Brasil. O porte de armas, por outro lado, é considerado ilegal em todo território brasileiro, salvo as exceções descritas no Estatuto. Assim, os únicos que não são proibidos de portar armas em território brasileiro são: integrantes das Forças Armadas, policiais federais, policiais civis, policiais militares, corpos de bombeiros militares, integrantes de guardas municipais, promotores, juízes, agentes penitenciários e funcionários de empresas de segurança ou transporte de valores (BRASIL, 2003). Ultimamente, a discussão acerca da posse de armas tem aumentado significativamente, principalmente em função da ascensão do atual presidente Jair Bolsonaro, eleito em 2018 com a promessa de liberalização do porte de armas. Bolsonaro iniciou seu mandato em janeiro de 2019 defendendo a concessão do porte e da posse de armas para a população (ALESSI, 2019). No mesmo mês, o presidente assinou um decreto que modificava os casos considerados como “efetiva necessidade” para a posse de armas em casa, de maneira que eles passaram a ser:

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Ser agente público (ativo ou inativo) de categorias como: agentes de segurança, funcionário da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), agentes penitenciários, funcionários do sistema socio-educativo e trabalhadores de polícia administrativa; Ser militar (ativo ou inativo); Residir em área rural; Residir em área urbana de estados com índices anuais de mais de dez homicídios por cem mil habitantes, segundo dados de 2016 apresentados no Atlas da Violência 2018 (todos os estados e o Distrito Federal se encaixam nesse critério); Ser dono ou responsável legal de estabelecimen-tos comerciais ou industriais; Ser colecionador, atirador e caçador, devidamente registrados no Comando do Exército (ALESSI, 2019, p. 1).

Embora esse decreto não tenha mudado o restante dos critérios para a posse de armas, e nem sequer mencionado algo em relação ao porte, marcou o início de um movimento para a maior flexibilização da regulamentação de armas no país, e até uma possível revogação do Estatuto do Desarmamento, instituído no governo Lula (ALESSI, 2019). Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, apud G1, 2019b), apesar da alta taxa de homicídios em 2017, a situação poderia ser pior sem o Estatuto do Desarmamento. Um estudo realizado pelo Instituto aponta que nos 14 anos anteriores ao Estatuto a taxa de homicídios cresceu 5,5% ao ano no país, ao passo que durante a sua vigência – no período estudado entre 2003 e 2017 – a taxa cresceu apenas 1% ao ano. O Brasil é o quinto país com maior taxa de feminicídios10, 4,8 mortes para cada 1000 mil mulheres, de acordo com dados reportados pela OMS. Entre 2003 e 2013, a morte de mulheres negras aumentou 53%, comprovando que a violência não só afeta de modo diferente os gêneros diferentes, mas também tem impactos diferentes entre brancos e negros (ONU, 2016). Em 2016 e 2017, o país foi o primeiro lugar no ranking de assassinatos contra transsexuais, chegando a 171 mortes em 2017. Nesse mesmo ano, México ficou em segundo lugar – com 71 vítimas – e os Estados Unidos em terceiro lugar – com 28 vítimas (QUEIROGA, 2018; WAISELFISZ, 2013; 2016).

3 AÇÕES INTERNACIONAIS PRÉVIAS

Inicialmente, é necessário explicar que a atuação do CDH tem por base três documentos principais: a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH; 1948), o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP; 1966) e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que juntos formam a Carta Magna de Direitos Humanos, ou seja, listam os direitos humanos essenciais na esfera internacional (UNRIC, 2019). Em relação ao tema em pauta, cabe ressaltar principalmente a DUDH, que traz em seu art. 3º a afirmação de que “todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” (ONU, 2009, p. 5). A discussão em torno do armamento civil e seus impactos para os direitos humanos se fundamenta, dessa forma, em três pilares centrais relacionados à ponderação de direitos11: se ter políticas mais liberais de posse de armas seria adequado para o cumprimento do direito à segurança pessoal, se essa liberalização é de fato necessária tendo em vista que é dever do Estado proteger seus cidadãos e, por fim, se o direito à segurança pessoal por meio do armamento civil não entraria em conflito com o direito à vida, considerado o direito primordial. Ainda dentro das discussões sobre esse tema é necessário reafirmar que apesar de o artigo 51º da Carta das Nações Unidas já ter surgido nos debates, justamente por ele falar sobre o direito à legítima defesa, este artigo fala apenas sobre o direito dos Estados de reagirem na defesa de sua soberania, dessa forma ele não cabe como argumento para o armamento civil (MELLO, 2018). No que se refere ao controle do acesso de civis a armas, existem algumas resoluções que se destacam nos sistemas regionais e internacional. A maior parte destes acordos se referem, entretanto, ao controle do tráfico ilícito de armas, um fator de grande relevância para o enfrentamento da violência. Dentre os documentos internacionais, alguns têm grande significância para debates sobre a posse de armas por civis: o Protocolo para Armas de Fogo (2001); o Programa de Ação da Organização das Nações Unidas para prevenir, combater e erradicar o tráfico ilícito de armas leves e de pequeno porte

10 Feminicídios são casos em que mulheres são mortas como consequência de situações de violência doméstica ou em decorrência de discriminações ocasionadas pelo seu gênero (ONU MULHERES, 2016).11 Segundo Mello (2018), ponderação de direitos é uma forma de interpretação dentro do Direito que entende que as decisões sobre como interpretar conflitos entre direitos fundamentais e direitos humanos devem se basear em quatro passos: 1. se o final a ser atingido é legíti-mo; 2. se os meios são adequados para obter o fim a ser atingido; 3. se há a necessidade desses meios para atingir o fim determinado; e, 4. escolher e pesar entre os direitos que estão em conflito.

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(PoA, 2001); Tratado de Comércio de Armas (ATT, 2014); o Compêndio Modular de Implementação de Controle de Armas Pequenas (MOSAIC) (2015-18); as Resoluções 29/10 de 2015 e a 35/8 de 2017 do Conselho dos Direitos Humanos; e, o Relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos12 (ACNUDH) sobre Direitos Humanos e a Regulação da Aquisição, Posse e Uso de Armas de Fogo por Civis (A/HRC/32/21); além das iniciativas regionais (PARKER; WILSON, 2016).

3.1 PROTOCOLO PARA ARMAS DE FOGO E PROGRAMA DE AÇÃO O Protocolo das Nações Unidas contra a Fabricação e o Tráfico de Armas de Fogo, suas Peças e Componentes e Munições (comumente chamado de Protocolo para Armas de Fogo ou PAF) resultou de três anos de discussão em um comitê ad hoc13 (criado especialmente com a finalidade de discutir sobre a regulamentação das armas de fogo), sendo aprovado em 8 de junho de 2001 na Assembleia Geral das Nações Unidas. Este protocolo expressa a importância do papel dos Estados no registro de armas e na fiscalização destas, bem como reafirma que o armamento civil pode ser danoso à segurança dos Estados e pôr em risco o bem-estar das pessoas e seu desenvolvimento social e econômico (ONU, 2001b). Conjuntamente com o Protocolo de Armas de Fogo, no dia 21 de junho de 2001 foi promulgado o Programa de Ação da Organização das Nações Unidas para prevenir, combater e erradicar o tráfico ilícito de armas leves e de pequeno porte (UNPoA, na sigla em inglês). Este programa prevê diversas ações a nível nacional, regional e internacional, como a ação do parágrafo 3 do capítulo II, que propõe a criação por parte dos Estados de uma legislação que criminalize a posse ilegal de armas. Cabe ressaltar que não há nenhum tratado internacional que proíba completamente a posse de armas por civis, desde que estes sigam as leis estipuladas pelo Estado onde estão. O UNPoA ainda reafirma a importância dos programas de conscientização de problemas causados pelas armas, bem como estipula projetos nacionais de entrega voluntária de armas de pequeno porte (de forma que aqueles que tinham ilegalmente uma arma não sejam criminalmente processados) e de destruição dos excedentes de armas, a não ser que outra forma de disposição ou uso tenha sido autorizada e as armas recolhidas tenham sido registradas e marcadas (ONU, 2001a). O UNPoA já passou por três Conferências de Revisão, sendo a última em 2018, nas quais os países mostram seus progressos e esforços na implementação do Programa e compartilham as melhores soluções encontradas no que se refere ao controle de armas de pequeno porte. Além disso, o UNPoA foi complementado em 2006 pela Ação Coordenada para Armas Pequenas das Nações Unidas (UNCASA), que se trata de um programa para auxiliar governantes a criar diretrizes para o controle de armas de pequeno porte, como o Padrão Internacional de Controle de Armas Pequenas (ISACS), o que assegura uma resposta conjunta entre governos e o Sistema ONU (ONU, 2001a).

3.2 TRATADO DE COMÉRCIO DE ARMAS O Tratado de Comércio de Armas (ATT) entrou em vigor em 24 de dezembro de 2014 e é considerado um dos documentos fundamentais para o tema de armamento civil dentro do Sistema ONU. Tal tratado não apenas versa sobre a possibilidade da atuação regular e legal do comércio internacional de armas, de modo a combater o tráfico de armas, como também reconhece que os Estados podem usar de sua soberania para criarem suas próprias leis nacionais para o controle de armas. Um dos maiores destaques em relação ao conteúdo do ATT é que é afirmado que o comércio internacional de armas deve prezar primordialmente pela paz, isto é, toda venda de armas internacional deve passar por uma rigorosa averiguação que comprove que estas armas não irão enfraquecer a paz ou a segurança e tampouco serão utilizadas para a violação massiva de direitos humanos, para ações terroristas ou para ações de crime organizado (ONU, 2013).

12 O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) é um órgão dentro do sistema das ONU que tem por objetivo observar, promover e proteger os direitos humanos, isto é, sua função é manter o contato entre os governos e as esferas da ONU que lidam diretamente com a temática dos direitos humanos e garantir que estes estejam sendo seguidos. Anualmente o ACNUDH, jun-tamente com os governos de cada país, formula relatórios sobre qual a situação dos direitos humanos nos Estados membros da ONU, que são apresentados nas reuniões do CDH.13 Ad hoc é uma expressão jurídica em latim que significa “com esta finalidade específica”. Nesse caso, dizer que o comitê era ad hoc signi-fica dizer que ele foi criado para discutir sobre quais seriam os termos do Protocolo para Armas de Fogo (PAF) e que ele foi fechado após a publicação deste Protocolo.

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3.3 COMPÊNDIO MODULAR DE IMPLEMENTAÇÃO DE CONTROLE DE ARMAS PEQUENAS (MOSAIC) O MOSAIC, por sua vez, trata-se de uma série de programas de controle do acesso a armas de pequeno porte pela sociedade civil, servindo como um guia para ação dos Estados. De caráter não obrigatório, o programa foi publicado dentro do sistema ONU e desenvolvido através da cooperação entre ONGs, especialistas e governos, reunindo as práticas mais bem-sucedidas de regulamentação e controle de armas de pequeno porte. O MOSAIC é dividido em seis séries, versando sobre modelos de legislação sobre armas de pequeno porte, efetivação de planos de ação nacionais para o controle e regulamentação de armas pequenas e problemas correlacionados a armas, como a violência de gênero e contra crianças e jovens (ONU, 2018). Quanto ao controle do armamento civil, o MOSAIC divide as armas de fogo em categorias conforme o grau de periculosidade, recomendando que algumas dessas categorias, como a das armas automáticas, sejam proibidas por seu potencial destrutivo. Além dessa recomendação, o documento também instrui que os Estados proíbam pessoas com antecedentes criminais de adquirirem armas, bem como que a licença para a posse e a sua renovação sigam requisitos básicos que devem ser satisfeitos pelo portador da arma, como idade mínima (recomendada em 18 anos), garantia de transporte seguro (sem riscos de disparos acidentais) e armazenamento prudente (fora do alcance de crianças e em condições ideias para que não gerem perigo, como em locais de baixa umidade e distantes de onde está armazenada a munição) (ONU, 2018). O MOSAIC traz diversas contribuições tanto por versar sobre os modelos de Planos de Ação para o controle de armas de pequeno porte, na série 4, como campanhas de conscientização da população e programas de segurança comunitária. Outra importante medida trazida na série 5 do MOSAIC são as propostas de programas nacionais de entregas voluntárias de armas de posse irregular para o Estado, e a posterior destruição destas, ação aprofundada em relação às medidas descritas no PoA. Ademais, o Compêndio desencoraja a concessão de permissão de porte de armas a pessoas que não estejam em exercício de atividade estatal (isto é, pessoas que trabalham diretamente com a segurança pública), como policiais. Quanto às consequências sociais relativas ao armamento civil, a série 6 do MOSAIC afirma que há uma grande conexão entre o armamento civil e a violência contra mulheres, crianças e adolescentes, como fica claro pelo fato de que em países com altas taxa de feminicídio, mais da metade dos assassinatos de mulheres e meninas era perpetrado com armas pequenas (ONU, 2018).

3.4 AÇÕES DO CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS Sobre a relação entre as armas de fogo e os direitos humanos, o CDH publicou a resolução 29/10 de 2015, na qual fica expresso que o uso indevido de armas por civis pode comprometer seriamente os direitos humanos, especialmente os direitos à vida e à segurança individual. O texto também afirma a necessidade de que os Estados tomem medidas legislativas e administrativas em âmbito doméstico de modo a regular a aquisição e o uso de armas pela população civil. Nessa resolução, o Conselho também requisita ao ACNUDH um relatório sobre “as diferentes formas nas quais a aquisição, posse e o uso da arma de fogo por civis foram efetivamente reguladas” (CDHNU, 2015, p. 2), o qual foi formulado a partir de dados cedidos pelos Estados e apresentado na 32ª sessão do CDH, em 2016. Tal relatório é conclusivo quanto às consequências do armamento civil, em especial em relação aos prejuízos que este causa aos grupos mais vulneráveis (como mulheres e crianças):

As submissões confirmam que as armas de fogo levam a uma ampla gama de atos que podem afetar uma grande variedade de direitos humanos. Elas destacam os tipos de crime e violência em que armas de fogo foram usadas, incluindo homicídios, ferimentos graves, incluindo os que causam deficiência, estupro e outras violências sexuais, roubo, assalto, sequestro, tortura, des-locamento forçado e violência doméstica. Alguns Estados relataram que a maioria da violência criminal em seu território foi cometida com armas de fogo. Mulheres e crianças foram encontra-das frequentemente como vítimas de violência relacionada a armas de fogo (ALTO COMISSA-RIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS DIREITOS HUMANOS, 2016, p. 3-4, tradução nossa).

O relatório também traz opiniões de especialistas, que reafirmam a necessidade de complementar medidas domésticas de melhorias no gerenciamento estatal da posse de armas por civis com um esforço internacional ao combate ao tráfico ilícito de armas, especialmente controlando as vendas online. Desse modo, o relatório do ACNUDH traz que apenas por meio de um esforço coordenado entre a esfera

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nacional – na regulamentação da posse de armas – e a esfera internacional – num combate conjunto dos países ao tráfico de armas – é que se poderia criar um controle efetivo sobre a questão das armas de fogo, minimizando suas consequências negativas aos direitos humanos (ACNUDH, 2016). Outro importante ponto do relatório do ACNUDH é que nos dados enviados pelos países é possível estabelecer uma relação direta entre a posse de armas – legal ou ilegal – e os níveis de violência e de sensação de insegurança experienciados pela população (ACNUDH, 2016). Com base nisso, é necessário retomar a ideia exposta no início da seção de Ações Internacionais Prévias: o quão adequada é a liberalização das armas para a garantia do direito à segurança pessoal? Além disso, na resolução 35/8 do CDH de 2017 trata de como o armamento civil pode prejudicar outros direitos humanos:

Armas podem ser usadas em situações de conflito e não-conflito para cometer ou facilitar atos que violam uma ampla gama de direitos humanos, desde o direito à vida, à liberdade, e à seguran-ça pessoal, até o direito de ser livre da escravidão e da tortura e outras formas cruéis, inumanas ou degradantes de tratamento ou punição. O uso ou a ameaça do uso de armas também pode en-fraquecer a efetividade dos direitos de liberdade de expressão, associação e assembleia (CDHNU, 2017, p. 3-4, tradução nossa).

A resolução 35/8 do CDH ainda afirma que a violência armada tem diversos efeitos negativos e duradouros para as vítimas, como abalos psicológicos que podem inclusive prejudicar sua inserção no mercado de trabalho bem como seu “bem-estar, reintegração à comunidade ou à vida familiar” (CDHNU, 2017, p. 4, nossa tradução) e reitera que a violência de gênero é agravada pelo uso de armas, afetando o direito à mobilidade das mulheres e até mesmo reduzindo a participação feminina na política, por medo de represálias (CDHNU, 2017). Cabe ainda trazer outros três documentos da ONU que versam sobre os impactos econômicos e sociais das armas, a Resolução 60/68 da Assembleia Geral (2006); a Declaração de Genebra sobre Violência Armada e Desenvolvimento, sigla em inglês GBAV (GENEVA DECLARATION, 2015); e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (AGNU, 2015). Tanto a resolução 60/68 quanto o GBAV tratam de como a violência armada é um fator extremamente negativo para os Estados, enfatizando especialmente para seu desenvolvimento socioeconômico, uma vez que a violência armada leva a um aumento na sensação de insegurança da população, o que faz com que mais pessoas comprem armas, criando um ciclo vicioso chamado de armadilha da violência, que gera altos custos do Estado em segurança pública, verbas que poderiam ser investidas em atividades produtivas. Como a principal diretriz de planejamento e ação da ONU, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), também conhecido como a Agenda 2030, foram estipulados pela Assembleia Geral em 2015 e formam um conjunto dos 17 principais objetivos que a ONU pretende debater e alcançar até o ano de 2030, contando para isso com 169 metas que estão distribuídas entre estes 17 objetivos como meios para alcançá-los (AGNU, 2015). A violência armada é discutida sob o ODS 16, que versa sobre a promoção de sociedades pacíficas, no qual há metas específicas quanto à violência e ao tráfico ilegal de armas:

16.1 Reduzir significativamente todas as formas de violência e as taxas de mortalidade relacio-nada em todos os lugares [...]. 16.4 Até 2030, reduzir significativamente os fluxos financeiros e de armas ilegais, reforçar a recuperação e devolução de recursos roubados e combater todas as formas de crime organizado (AGNU, 2015, texto online).

3.5 AÇÕES REGIONAIS Dentre as iniciativas regionais, cabe destacar a Diretiva 91/477/EEC (e as emendas de revisão Diretiva 2008/51/EC e Diretiva 2017/853/EC) da União Europeia14, uma iniciativa regional de controle ao acesso civil a armas. Estas diretivas, embora não fixem modelos para legislações internas, criaram recomendações quanto ao controle da posse de armas e desenvolveram uma licença padrão para o porte de armas válida por todo o território dos países-membro da UE, chamado de cartão europeu de arma de fogo. Esse cartão permite que o titular, além de estar em conformidade com as leis internas de seu país, siga também as diretrizes europeias que permitem a sua circulação com a arma, criando

14 A União Europeia é uma união política e econômica instituída formalmente em 1992, por meio do Tratado de Maastricht, cujos mem-bros são: Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, República Checa, Chipre, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Polônia, Portugal, Reino Unido, Romênia e Suécia.

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um sistema mais rigoroso de controle contra o tráfico ilegal de armas dentro do bloco por meio de um sistema unificado de marcação e de cadastramento de armas (BERMAN; MAZE, 2016; EUROPEAN COMMISSION, 2018). Outra iniciativa regional de grande destaque é o Programa das Nações Unidas de Controle de Armas Leves e Pequenas – América Central (UN SALW Central America). Durante o período da Guerra Fria, a América Central foi palco de um grande fluxo de tráfico de armas, principalmente em apoio aos Estados da região e aos grupos guerrilheiros contrários aos governos. Isso acabou por legar aos dias de hoje uma grande concentração de armas irregulares e um alto índice de violência armada, que têm sido diminuídos com sucesso após a implementação das diretrizes do PoA, para a regulamentação do porte, e do ATT, para acabar com o mercado ilegal de armas, além de contarem com o apoio da Organização dos Estados Americanos (OEA) em programas de entrega voluntária das armas nos países da região e a posterior destruição dessas armas (BROMLEY; MALARET; 2017). Por fim, outra medida de grande importância foi o Protocolo de Nairobi (2004), um acordo multilateral dos países da região dos Grandes Lagos e do Chifre da África que criou diretrizes de ação conjunta para o controle da posse de armas e para o combate ao tráfico de armas. Tal documento versa sobre a implementação de leis internas similares e restritivas nos países signatários, bem como sobre o desenvolvimento de programas de entrega voluntária de armas, promoção de campanhas contra a violência armada, e sobre a criação de mecanismos regionais contra o tráfico de armas na região, como mecanismos de compartilhamento de dados sobre as armas de fogo registradas entre os países e assistência jurídica mútua em relação à criação de novas leis para a regulação de armas (GENEVA ACADEMY, 2017).

4 POSICIONAMENTO DOS PAÍSES

A República da África do Sul não permite a posse privada de armas pelos civis, sendo estritamente proibidas a posse de armas de fogo semiautomáticas, totalmente automáticas e especificamente modificadas. É permitida sob licença a posse de armas de fogo como pistolas e revólveres, mas os civis devem atender a uma série de requisitos, inclusive a verificação de antecedentes criminais. O porte ilegal de armas pode gerar até 15 anos de prisão. Ainda assim, em 2017, havia mais de cinco milhões de armas de todos os tipos na posse de civis. A África do Sul, como membro da União Africana, adotou o UNPoA em 2006, assinou em 2001 a Declaração da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral sobre Armas de Fogo, Munições e Outros Materiais Correlatos e a GBAV em 2006. Ainda, o país assinou e ratificou o Tratado de Comércio de Armas (ALPERS, 2019a).

A República da Angola não garante o direito à posse privada de armas por civis em sua lei, entretanto, em 2017, o país tinha quase três milhões de armas na posse de civis – 12 a cada 100 pessoas possuem armas no país. A Angola tem buscado se reinventar após a guerra civil (1975-2002) e as mudanças econômicas e políticas decorrentes desse processo. Na procura por reduzir os índices de violência, o país tornou-se signatário do UNPoA, da GBAV e do Tratado de Comércio de Armas. Como membro da União Africana, a Angola assinou a Declaração da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) sobre Armas de Fogo, Munições e Outros Materiais Correlatos em março de 2001 e adotou a Convenção de Kinshasa (ALPERS, 2019b).

O Reino da Arábia Saudita tem a posse civil de armas automáticas regulada por lei. O processo de licenciamento no país envolve a checagem do histórico do requerente. Nos últimos anos, havia quase 5,5 milhões de armas em posse de civis no país tanto de forma lícita como ilícita. Para reduzir esse número, a Arábia Saudita implementou um projeto voluntário de Anistia de Armas Ilegais, incentivando os possuidores dessas armas realizar a entrega sem responsabilização. Ainda, o país assinou e ratificou o Protocolo de Armas de Fogo, comprometeu-se com o UNPoA e, como membro da Liga Árabe, aprovou a Lei Modelo Árabe sobre Armas, Munições, Explosivos e Materiais Perigosos em 2002 (ALPERS, 2019c).

A República Argentina não garante na lei o direito à posse por civis. Em 2015, foram registradas mais de 2,5 mil mortes por armas de fogo no país. A posse dessas armas são apenas permitidas através de licença, que é concedida após o requerente, com a idade mínima de 21 anos, apresentar uma razão válida para ter uma arma, como a caça, tiro ao alvo e proteção pessoal, e passar por um processo de verificação

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de antecedentes criminais, avaliação dos registros de saúde e condições psicológicas. Em 2017, foram contabilizadas mais de 3 milhões de armas de forma lícita e ilícita nas mãos de civis. A punição para a posse ilegal de armas de fogo é de dois anos de prisão e uma multa. A Argentina adotou a Convenção Interamericana contra a Fabricação e o Tráfico Ilícitos de Armas de Fogo, Explosivos, Munições e Outro Materiais Correlatos (CIFTA), assinou a GBAV em 2007, ratificou o Tratado de Comércio de Armas e comprometeu-se com o PoA. Um dos exemplos dos esforços do país para combater a violência armada está na promoção de um programa de entrega voluntária de armas (ALPERS, 2019d).

A Comunidade da Austrália só permite a posse privada de armas de fogo, como pistolas e revólveres, em condições rigorosas. Os requerentes de uma licença devem apresentar razões genuínas, como a filiação ao clube de tiro, controle de pragas e usos ocupacionais restritos, para possuir a arma, não sendo a proteção pessoal uma razão válida pela lei. Como membro do Fórum das Ilhas do Pacífico, a Austrália adotou o acordo Marco Nadi e o projeto modelo Armas Controle Bill a Nadi Framework. Além disso, o país assinou a GBAV, o Tratado de Comércio de Armas e o Protocolo de Armas de Fogo e apoia o PoA (ALPERS, 2019e).

A República da Áustria regula a posse de armas de fogo através do seu governo federal e da União Europeia. Os requerentes da posse devem ter mais de 18 anos, passar pelo processo de verificação de antecedentes, avaliação de saúde física e mental e apresentar uma razão genuína para possuir uma arma, como a caça, proteção pessoal ou prática de tiro ao alvo. Nos últimos anos, o número de proprietários de armas de fogo aumentou em 11%, atingindo 2,57 milhões em 2017, especula-se que em razão do aumento do fluxo de refugiados no país e percepção de insegurança da população. Como membro da União Europeia, a Áustria está vinculada a resolução da Diretiva da União Europeia sobre o controle da aquisição e posse de armas. Ainda, o país assinou a GBAV, o Tratado sobre o Comércio de Armas e o Protocolo de Armas de Fogo e se comprometeu com o UNPoA (ALPERS, 2019f).

A República Federativa do Brasil não tem a posse de armas por civis garantida por lei. Os civis não podem possuir armas de uso exclusivo do Exército, armas de fogo automáticas e certas pistolas. A idade mínima para solicitar a posse de armas de fogo é de 25 anos e são pedidos certificados de aptidão e de saúde física e mental do requerente. O Brasil tinha, em 2017, cerca de 17,5 milhões de armas na posse de civis e está passando por um processo que prevê o aumento do intervalo entre as renovações dos certificados – atualmente de 10 em 10 anos – e que facilita o processo de compra e o número de armas por pessoa. O porte de armas é proibido e a pena máxima para a posse ilegal é de quatro anos. Como membro da Organização dos Estados Americanos, o país adotou a Convenção Interamericana contra a Fabricação e o Tráfico Ilícitos de Armas de Fogo, Explosivos, Munições e Outros Materiais Correlatos (CIFTA), assinou a GBAV, o Tratado de Comércio de Armas e o Protocolo de Armas de Fogo, ainda se comprometendo com o UNPoA (ALPERS, 2019g).

A República da Bulgária permite a posse privada de armas de fogo apenas sob licença, não sendo permitida a posse de armas automáticas e incendiárias. Os requerentes da licença devem informar uma razão genuína para a posse, como a defesa pessoal, caça e fins desportivos, sendo a idade mínima 18 anos e necessária a verificação de antecedentes criminais e histórico médico e de abuso de substâncias. A pena máxima para a posse ilegal é de seis anos de prisão. Em 2017, o número de armas detidas por civis não passava de 600 mil. Enquanto membro da União Europeia, a Bulgária está vinculada pelas disposições da Diretiva da UE sobre as armas de fogo. O país ainda assinou a GBAV, o Tratado de Comércio de Armas e o Protocolo de Armas de Fogo, comprometendo-se ainda com o UNPoA (ALPERS, 2019h).

A República do Chile não tem posse de armas de fogo por civis garantida por lei, com exceções para indivíduos com razões genuínas para possuir uma arma – como a caça, tiro ao alvo e proteção pessoal –, devendo passar pela verificação de antecedentes criminais e os registros de saúde. Exige-se a realização de cursos de treinamento teórico e prático acerca da segurança das armas de fogo e da lei, sendo necessária a renovação a cada cinco anos. A posse de armas totalmente automáticas e o porte de armas em locais públicos são proibidos e a pena máxima para a posse ilegal é de cinco anos. O Chile realiza periodicamente campanhas denunciando os perigos das armas de fogo e restringe a venda de armas. Em 2017, havia 2,2 milhões de armas nas mãos de civis. O país assinou a GBAV, o Tratado de Comércio

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de Armas e o Protocolo de Armas de Fogo. Como membro da Organização dos Estados Americanos, o Chile adotou a Convenção Interamericana contra a Fabricação e o Tráfico Ilícitos de Armas de Fogo, Explosivos, Munições e Outros Materiais Correlatos (CIFTA) e se comprometeu com o UNPoA (ALPERS, 2019i).

A República Popular da China proíbe o direito à propriedade privada de armas, sendo a posse permitida apenas para a caça. Dessa forma, nenhum civil pode adquirir legalmente uma arma de fogo. Em 2017, estimava-se que cerca de 49 milhões de armas estivessem em posse de civis, sendo apenas 680 mil delas de forma lícita. Os requerentes são obrigados a estabelecer uma razão genuína para possuir uma arma – caça e o controle de animais – e devem passar por um processo de verificação dos antecedentes criminais e dos registros médicos. Após, o indivíduo deve realizar um curso de treinamento teórico e prático acerca da segurança envolvendo as armas de fogo e das leis. O porte é permitido sem autorização e a pena por posse ilegal chega a dois anos de prisão, enquanto que o tráfico de armas tem como punição a pena de morte. A China se comprometeu com o UNPoA e assinou o Protocolo de Armas de Fogo. Entretanto, o país não assinou a GBAV e o Tratado de Comércio de Armas (ALPERS, 2019j).

A República Democrática do Congo (RDC) não garante o direito à posse privada de armas na lei. Os civis são estritamente proibidos de possuir armas de guerra, enquanto que a posse de armas de fogo, como pistola e revólveres, é permitida sob uma licença, que é concedida após a apresentação de um motivo genuíno para a solicitação de posse, como a caça e a proteção pessoal. Além disso, é realizado um processo de verificação dos antecedentes criminais e os registros de saúde, não é requisitado qualquer treinamento teórico e prático. O porte de armas é proibido e a posse ilegal pode levar a até dez anos de prisão. Há um programa de entrega voluntária de armas pelos civis. O país assinou a GBAV e o Protocolo de Armas de Fogo, ainda se comprometendo com o UNPoA (ALPERS, 2019k; ANISTIA INTERNACIONAL, 2017).

Na República da Croácia, os civis não podem possuir arma automáticas, semi-automáticas e armas de fogo de cano longo. A posse privada de pistolas e revólveres é permitida sob licença que exige que os requerentes tenham mais de 18 anos e estabeleçam uma razão genuína para a posse, como a caça, tiro ao alvo e proteção pessoal, e passam pela verificação dos antecedentes criminais e avaliação dos registros médicos. Além disso, é necessário que seja realizado um curso teórico e prático sobre o uso responsável de armas. Enquanto membro da União Europeia, a Croácia está vinculada à Diretiva da UE sobre armas de fogo. Ainda, o país assinou a GBAV, o Tratado sobre o Comércio de Armas e o Protocolo de Armas de Fogo e também se comprometeu a implementar o UNPoA (ALPERS, 2019l).

A República de Cuba tem a posse de armas controlada pela Polícia Nacional Revolucionária, pelo Ministério do Interior e pelo Ministério das Forças Armadas Revolucionárias. A posse de armas totalmente automáticas é permitida a civis apenas com licenças especiais. Essas licenças exigem que o requerente tenha mais de 18 anos e apresente uma razão genuína para a posse, como a caça, tiro ao alvo e proteção pessoal. Após isso, é necessário que seja realizado um treinamento teórico e prático, que deve ser requalificado a cada dez anos. Cuba assinou o Protocolo de Armas de Fogo e se comprometeu com a implementação do UNPoA (ALPERS, 2019m).

O Reino da Dinamarca não tem o direito da posse de arma garantido por lei, sendo emitida uma licença de aquisição apenas em casos específicos. Os requerentes devem ter no mínimo 18 anos, apresentar razões genuínas para a aquisição da posse, como caça, tiro ao alvo e coleção, e passar pela verificação de antecedentes criminais e dos registros mentais. A Dinamarca é signatária de essencialmente todas as convenções, acordos e tratados internacionais relacionados à promoção de segurança pública e à limitação ao acesso civil a armamentos, como a GBAV e o Protocolo de Armas de Fogo, e se comprometeu com o UNPoA (ALPERS, 2019n).

A República Árabe do Egito não tem o direito à posse privada garantido por lei. Os cidadãos só podem ter acesso a armas de pequeno porte, como pistolas e revólveres, e com sua posse apenas permitida sob licença. O requerente deve ter no mínimo 21 anos e passar por uma análise do histórico pessoal, antecedentes criminais, violência doméstica e registros de saúde e doenças mentais, sendo necessária a renovação da licença a cada três anos. O porte de armas em locais públicos é permitido e a pena para

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a posse ilegal de armas é de no máximo um mês de prisão. Como membro da Liga dos Estados Árabes, o Egito adotou a Lei Modelo Árabe sobre Armas, Munições, Explosivos e Materiais Perigosos e se comprometeu com o UNPoA. Em 2013, o país passou por uma série de confrontos civis da chamada Primavera Árabe, de modo que a sua taxa de mortes por arma de fogo a cada 100 mil pessoas passou de 0,20 em 2010 para 4,05 em 2013. Em 2017, estimava-se que quase 4 milhões de armas estivessem nas mãos de civis, sendo a maioria de forma ilegal (ALPERS, 2019o).

No Reino da Espanha, os civis não são autorizados a possuir armas de fogo automáticas e a posse privada de pistolas e revólveres é apenas permitida com uma autorização especial. Para obter uma licença, os requerentes devem estabelecer uma razão genuína para possuir uma arma, como a caça, tiro ao alvo e proteção pessoal. A idade mínima é de 18 anos e é necessária verificação dos antecedentes criminais e análise dos registros médicos, além da realização de um curso teórico e prático sobre segurança com armas de fogo e as leis. O porte de armas em público é permitido. Como membro da União Europeia, a Espanha está vinculada à Diretiva da UE sobre as armas de fogo, também assinou a GBAV, o Tratado de Comércio de Armas e o Protocolo de Armas de Fogo. Além disso, o país se comprometeu com o UNPoA (ALPERS, 2019p).

Os Estados Unidos da América15 garantem o direito à propriedade privada de armas pelos civis na Constituição Nacional, limitada pela lei federal. No país, a posse de pistola e revólveres é permitida sem licença em quase todos os estados, que têm regulamentos próprios. Estimava-se, em 2017, que por volta de 300 milhões de armas estavam em posse de civis. Essas, são reguladas pelas autoridades federais, estaduais e locais. A idade mínima para a compra de armas também pode variar de acordo com o estado e com o tipo de arma. A pena máxima para a posse ilegal é de 10 anos de prisão. Os Estados Unidos são um dos maiores produtores e exportadores de armamentos, possuindo sua indústria bélica um importante peso na economia estadunidense e, por isso, seus interesses têm bastante influência nos centros de decisão política. O país é signatário apenas de Tratados e acordos que buscam a diminuição do contrabando de armas e das fabricações ilegais, não sendo signatário de nenhuma Convenção que promova um maior controle da posse e do uso de armas de fogo, adotando a Convenção Interamericana contra a Fabricação e o Tráfico Ilícitos de Armas de Fogo, Explosivos, Munições e Outros Materiais Correlatos (CIFTA) e se comprometendo com o UNPoA (ALPERS, 2019q).

A República das Fiji não permite aos seus cidadãos a posse de armas automáticas. Os civis que desejam a posse de armas de fogo devem ter pelo menos 21 anos e passar pela verificação de antecedentes criminais e por testes teóricos e práticos, sendo necessária a renovação a cada ano. O porte de armas em público é proibido e a posse ilegal de armas pode levar a cinco anos de prisão ou multa. As leis são reguladas pelo Comissário da Polícia e pelo Ministério da Policia, sendo que o Estado não se responsabiliza pela coleta das armas ilegais. Como membro do Fórum das Ilhas do Pacífico, Fiji adotou o acordo Marco Nadi e o projeto modelo Armas Controle Bill a Nadi Framework. Além disso, o país se comprometeu com a implementação do UNPoA (ALPERS, 2019r).

Na República das Filipinas, os civis não podem possuir armas de fogo automáticas e a posse privada de revólveres e pistolas são permitidas apenas sob licença. Para adquirir a licença, é necessário a apresentação de uma razão genuína para a posse, como esportes e a proteção pessoal. A idade mínima para a posse é de 21 anos e o requerente deve passar pela verificação dos antecedentes criminais e registros médicos, além de realizar um curso de treinamento teórico e prático com renovação a cada 15 anos. O controle das armas é realizado pelo Chefe da Polícia Nacional. O porte de armas de fogo em locais públicos é proibido. Filipinas assinou a GBAV e o Tratado de Comércio de Armas. Além disso, o país se comprometeu com a implementação do UNPoA (ALPERS, 2019s).

A República da Índia não garante o direito à posse de armas de fogo por civis na lei. É estimado que o número de armas nas mãos de civis chega a mais de 71 milhões, apesar da proibição da posse de armas totalmente automáticas e da necessidade de licenças para adquirir pistola e revólveres. Os solicitantes devem ter no mínimo 21 anos e são obrigados a apresentar um motivo genuíno para a necessidade de posse, como tiro ao alvo e proteção pessoal. Após esse procedimento, o indivíduo passa por um processo 15 O país se retirou do CDH em 2018, portanto, está representado no comitê como membro observador dada a sua relevância para o tópico.

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de verificação dos antecedentes criminais e dos registros de saúde mental, com renovação a cada três anos. É proibido portar armas de fogo em público no país e a pena para a posse ilegal é de até três anos de prisão. A posição da população indiana sobre as armas tem suas raízes na época do domínio colonial inglês e no processo de luta pela libertação, em que os indianos adotaram o comportamento de “resistência pacífica”. A Índia assinou o Protocolo de Armas de Fogo e se comprometeu com a implementação do UNPoA (ALPERS, 2019t).

A República da Itália não garante o direito à posse privada de armas de fogo pelos cidadãos. Os civis não estão autorizados a possuir armas de fogo automáticas e a posse de pistolas e revólveres só é permitida com licença especial. Em 2017, estimava-se que mais de 8 milhões de armas estivessem em posse de civis. Os requerentes devem ter pelo menos 18 anos e estabelecer uma razão genuína para a obtenção de uma arma, como a autodefesa e caça, sendo necessário passar pela verificação de antecedentes criminais e a análise dos registros médicos. Enquanto membro da União Europeia, a Itália está vinculada à Diretiva da UE sobre as armas de fogo, também assinou a GBAV, o Tratado de Comércio de Armas e o Protocolo de Armas de Fogo. Comprometeu-se também com a implementação do UNPoA (ALPERS, 2019u).

No Japão, a posse de armas não é garantida por lei. Os civis não podem ter acesso a revólveres, armas do exército e outras armas de fogo, com exceção de atiradores esportivos. Para requerer a licença, o cidadão deve apresentar uma razão genuína para ter uma arma, como a caça e o tiro ao alvo. Além disso, é necessário que ele passe pela verificação de antecedentes criminais e dos registros mentais. A posse ilegal de armas no país pode levar a 15 anos de prisão e o porte em locais públicos é proibido. O Japão assinou a GBAV, o Tratado de Comércio de Armas e o Protocolo de Armas de Fogo. O país também se comprometeu com a implementação do UNPoA (ALPERS; ROSSETTI; WILSON, 2019; ALPERS, 2019v).

Os Estados Unidos Mexicanos não garantem a posse privada de armas do fogo por civis. A posse de armas de guerra para civis é proibida, porém, permite-se a posse de semiautomáticas e armas de fogo como pistolas e revólveres com algumas condições. O requerente deve passar pela verificação dos antecedentes criminais e dos registros médicos, além da necessidade de apresentar uma razão genuína para aquisição de armas, como caça, tiro ao alvo e proteção pessoal, sendo a idade mínima 18 anos. A pena para a posse ilegal de armas é de três anos e de sete para porte em locais públicos. Como membro da Organização dos Estados Americanos, o México adotou a Convenção Interamericana contra a Fabricação e o Tráfico Ilícitos de Armas de Fogo, Explosivos, Munições e Outros Materiais Correlatos (CIFTA). O país também assinou a GBAV, o Tratado de Comércio de Armas e o Protocolo de Armas de Fogo. Além disso, o país também se comprometeu com a implantação do UNPoA (ALPERS, 2019w).

A República Federal da Nigéria não garante o direito à propriedade de armas aos seus cidadãos. Os civis não podem possuir metralhadoras, armas de fogo e armas de guerra. Em 2017, mais de 6 milhões de armas estavam na posse de civis de forma legal ou não. Para adquirir armas de forma legal no país, é necessário obter uma licença especial, concedida após a apresentação de uma razão genuína para a aquisição e após a verificação de antecedentes criminais e registros médicos. O porte de armas em locais públicos é permitido. A Nigéria assinou a GBAV, o Tratado de Comércio de Arma e o Protocolo de Armas de Fogo, comprometendo-se também com o UNPoA (ALPERS, 2019x).

A República Islâmica do Paquistão proíbe totalmente a posse de armas totalmente automáticas e semiautomáticas pelos civis, permitindo a posse de revólveres, pistolas e espingardas sob licença. Para a obtenção da licença, não é necessário o estabelecimento de motivos genuínos para possuir uma arma e nem a realização de cursos de treinamento. Havia cerca de 44 milhões de armas na posse de civis em 2017. A regulamentação dessas armas é realizada pelo Primeiro Ministro e pelo Ministério da Defesa e de Polícia. O Paquistão comprometeu-se com a implementação do UNPoA em 2001 (ALPERS, 2019y).

No Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, as leis acerca das armas de fogo podem variar em cada país. Os civis não podem adquirir armas de fogo automáticas e semiautomáticas, revólveres e outras munições. A única forma de possuir armas legalmente é através de uma licença de proprietário de armas que obriga os requerentes a estabelecerem razões genuínas para possuir uma arma, como

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a caça e o tiro ao alvo, e passarem por análise dos antecedentes criminais e dos registros médicos. A idade mínima para o acesso a armas varia de acordo com a finalidade e o tipo de arma. O porte de armas em locais públicos é proibido. O país tem uma taxa muito baixa de mortes por armas de fogo, sendo um exemplo no controle da violência armada. O Reino Unido assinou a GBAV, o Tratado sobre o Comércio de Armas e o Protocolo de Armas de Fogo. Ainda, comprometeu-se com a implementação do UNPoA (ALPERS, 2019z).

A lei da República da Ruanda não garante o direito à posse de armas para civis. Estes não podem possuir armas de guerra e espingardas, sendo a posse de revólveres e pistolas permitidas sob licença. Essa licença é adquirida caso o requerente apresente um motivo genuíno para possuir uma arma, tenha mais que 21 anos e passe por um processo de análise dos antecedentes criminais e dos registros médicos. Para concluir o processo da licença também é necessário a realização de treinamentos teóricos e práticos, que deve ser renovado anualmente. O porte de armas em locais públicos é permitido sob licença e a pena para a posse ilegal é de cinco anos de prisão. Ruanda assinou a GBAV, o Tratado de Comércio de Armas e o Protocolo de Armas. O país também se comprometeu com a implementação do UNPoA (ALPERS, 2019ab).

A República do Senegal não garante a posse privada de armas por civis. O controle das armas é realizado pelo Ministro do Interior e pelas autoridades administrativas locais. É apenas permitida a posse de revólveres e pistolas sob licença, sendo estritamente proibida e a posse de rifles, armas de pressão e armas de guerra. Para adquirir a licença de posse, o requerente não precisa estabelecer uma razão genuína para a posse e não há idade mínima. O porte de armas em locais públicos é proibido e a pena por posse ilegal é de até cinco anos de prisão. O Senegal assinou a GBAV, o Tratado de Comércio de Armas e o Protocolo de Armas de Fogo, comprometendo-se também com a implementação do UNPoA (ALPERS, 2019ac).

A Ucrânia permite a posse de armas de fogo, como pistolas e revólveres, apenas sob licença. Os requerentes devem ter no mínimo 21 anos e é obrigatório o estabelecimento de uma razão genuína, como caça e proteção pessoal, sendo realizada a verificação de antecedentes criminais e registros médicos. O porte de armas em locais públicos é permitido. Os dados governamentais de violência armada no país não são divulgados desde o início de 2013, quando se iniciou uma guerra civil, que continua ocorrendo na região oeste do território ucraniano. A Ucrânia assinou o Tratado sobre o Comércio de Armas e o Protocolo de Armas de Fogo, comprometendo-se também com o UNPoA (ALPERS, 2019ad).

A República Oriental do Uruguai não garante o direito à posse privada de armas de fogos por lei. Os civis apenas podem adquirir armas de fogo, como pistolas e revólveres, com uma licença especial, que requer a idade mínima de 18 anos do civil, a apresentação de certificado de boa conduta, avaliação médica, comprovante de renda e a realização de um curso de treinamento teórico e prático de manejo de armas de fogo. A licença é fornecida pelo Ministério do Interior e registrada pelo Ministério da Defesa. O porte de armas de fogo em locais públicos é proibido e a pena para a posse ilegal é de até seis anos. Como membro da Organização dos Estados Americanos, o Uruguai adotou a Convenção Interamericana contra a Fabricação e o Tráfico Ilícitos de Armas de Fogo, Explosivos, Munições e Outros Materiais Correlatos (CIFTA), assinou o Tratado de Comércio de Armas e o Protocolo de Armas de Fogo. Além disso, o país também apoia a implementação do UNPoA (ALPERS, 2019ae).

5 QUESTÕES PARA DISCUSSÃO (1) Qual deve ser o fator norteador de políticas que regulem a posse de armas por civis: a segurança individual ou a segurança coletiva?

(2) Os Estados devem permitir a posse e/ou o uso de armas por parte da população civil? Se sim, essa permissão deve ser restringida de alguma forma?

(4) Como reformular as políticas públicas que regulamentam a posse de armamentos por civis através da perspectiva dos direitos humanos?

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CONSELHO EUROPEU

Os Desafios Atuais de Migração e Refúgio na União Europeia

Gabriel Gomes Constantino, Leonardo Seben, Natália Hedlund Jardim, Tarsila Klein Schorr e Vitória Vieira de Souza Abreu1

1 Graduandos e Graduandas de Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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QUESTÕES PARA ORIENTAÇÃO

(1) Atente às notícias sobre imigrantes e refugiados que você viu nas mídias recentemente. Quais são os principais problemas enfrentados por essas pessoas?

(2) É possível dividir as responsabilidades do acolhimento aos refugiados de maneira mais igualitária entre os países da União Europeia? Se sim, de que forma isso poderia ser feito?

INTRODUÇÃO O Conselho Europeu é uma das sete instituições da União Europeia (UE), responsável por estabelecer a agenda política do bloco europeu. Tradicionalmente, adotando conclusões, resoluções e declarações durante suas reuniões, que identificam questões importantes a serem discutidas e medidas a tomar em âmbito europeu. Os membros do Conselho são os chefes de Estado ou de governo dos 28 Estados membros da UE, o Presidente do Conselho Europeu e o Presidente da Comissão Europeia, órgão executivo da UE. Ademais, este organismo toma a maior parte das suas decisões através do consenso. Entretanto, em certos casos específicos, podem ocorrer decisões por maioria qualificada. O Presidente do Conselho e da Comissão não tomam parte nas votações. As reuniões ocorrem pelo menos duas vezes por semestre e são presididas pelo Presidente do Conselho Europeu, o qual também pode convocar reuniões extraordinárias do mesmo quando considerar necessário. Durante esta reunião, o Conselho Europeu discutirá medidas a serem tomadas frente aos novos desafios que os movimentos migratórios e de refugiados apresentam à União Europeia. Desde o auge da crise migratória em 2015, o fluxo de entrada na UE diminuiu drasticamente, porém muitas questões, como a insegurança das travessias marítimas no Mar Mediterrâneo Central, a realocação de solicitantes de refúgio e de imigrantes, o apoio aos países de origem, mantêm-se em pauta. Como instituição responsável por estabelecer a agenda política da UE, o Conselho Europeu deve continuar tratando da entrada de migrantes e refugiados no bloco.

1 HISTÓRICO Os fluxos migratórios são uma constante na história da civilização humana. Entretanto, desde o início do século XXI, a temática migratória internacional tornou-se ainda mais relevante haja vista as grandes proporções incorporadas pela questão. Desse modo, esta seção busca fazer uma contextualização histórica sobre a migração e o refúgio para a União Europeia. Inicialmente, serão definidos os conceitos de migração e refúgio segundo o direito internacional; após, serão apresentados os mesmos conceitos segundo o direito europeu para a temática; e, por fim, faz-se uma retomada da crise migratória de 2015, assim como o panorama atual da temática no continente europeu.

1.1 DEFINIÇÃO DE MIGRAÇÃO E REFÚGIO NO DIREITO INTERNACIONAL E NO DIREITO EUROPEU As migrações fazem parte da história da humanidade e constituem um fenômeno crescente. Os fluxos migratórios são caracterizados pela mobilidade humana, de pessoas sozinhas ou em grupos, de um lugar para outro com a intenção de se estabelecer, permanente ou temporariamente, em um novo local (UNITED NATIONS, 2019; INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR MIGRATION, 2019c). Ainda, esse deslocamento de pessoas pode ocorrer de duas formas, tanto voluntariamente, quando o indivíduo escolhe por conta própria sair de seu país de origem, quanto involuntariamente, ou seja, são forçados a abandonar seu local de origem. Quando indivíduos são obrigados a se deslocar por conta de fatores externos, como guerras, ou mesmo, repressão política, cultural, religiosa, de gênero oriunda de governos autoritários, podem passar a ser descritos como refugiados ou, dentro do mesmo país, como deslocados internos. No mundo todo, milhares de pessoas são obrigadas a abandonar seus lares pelos mais diversos motivos, deixando seus países de origem em busca de um lugar seguro na tentativa de retomarem suas vidas. Em 2017, o número de migrantes no mundo – em função dos mais variados motivos – chegou a 258 milhões de pessoas, desses, 78 milhões vivem na Europa (UNITED NATIONS,

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2017). A imigração para o continente europeu intensificou-se após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Alguns países europeus, após o processo de reconstrução incentivado pelo Plano Marshall 1(1948), passaram a se destacar devido à força industrial que detinham na época. Dessa maneira, essas regiões começaram a atrair mais fluxos migratórios internacionais oriundos de Estados menos desenvolvidos economicamente (THE LEVIN INSTITUTE, 2017). Desde a metade do século XVII até a metade do século XX, a Europa foi um dos continentes que mais gerou emigrações. Estima-se que, entre 1815 e 1930, entre cinquenta e sessenta milhões de europeus deixaram seus países de origem. Esses números aumentam, principalmente durante e após a Segunda Guerra Mundial, quando essas emigrações eram forçadas; em sua maioria eram alemães fugindo para o Oriente Médio por conta do Holocausto (STRUCK, 2015). No entanto, atualmente, a Europa se tornou um destino para diversas categorias migratórias, dos quais, destaca-se, para fim desta discussão os migrantes econômicos irregulares – isto é, pessoas que buscam melhores condições de vida e não possuem visto autorizando sua permanência no continente – e os refugiados. Esses últimos são definidos pela Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, por meio do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), como:

Indivíduo que, temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se en-contra fora do país no qual tinha sua residência habitual em consequência de tais acontecimen-tos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele (ACNUR, 1951, p. 2).

Ainda nesse sentido, é importante pautar a Diretiva 2011/95/EU, formulada pelo Conselho Europeu em 2011, documento que estabelece um conjunto de características específicas mínimas para determinar a condição de refúgio. O segundo artigo da Diretiva anuncia o refugiado como o nacional de um país terceiro que, “receando com razão ser perseguido em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a um determinado grupo social, se encontre fora do país de que é nacional e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção desse país” (UNIÃO EUROPEIA, 2011, p. 1). Apesar de todo amparo burocrático que o refugiado possui, ele continua sujeito a passar por maiores dificuldades até se estabelecer no país de origem. A recente crise migratória no continente europeu fez com que sua imagem de ser humano e seu direito natural ficasse distorcida. Além disso, outra dificuldade que tanto os refugiados como os migrantes econômicos enfrentam é a de serem considerados como uma ameaça ao mercado de trabalho para os nativos do país de destino. Contudo, ao contrário do que se pensa, esses imigrantes podem ajudar na renovação do mercado laboral e na questão demográfica (WEEKS, 2012), visto que a população da União Europeia (UE) está envelhecendo e a taxa de fecundidade decrescendo (EUROPEAN UNION, 2019). Cabe, ainda, mencionar que os imigrantes de maneira geral também precisam se alimentar, se vestir, quando possível, enviar dinheiro para suas famílias no país de origem, e tudo isso movimenta um sistema muito importante para a economia local na qual está inserido.

1.1.1 PROTEÇÃO E DIREITOS DOS REFUGIADOS Com o intuito de compreender as responsabilidades dos Estados europeus frente aos refugiados, deve-se ter em mente a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, adotada em 28 de julho pela Conferência das Nações Unidas de Plenipotenciários sobre o Estatuto dos Refugiados e Apátridas. Baseada na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Carta das Nações Unidas, a Convenção expõe princípios de não-discriminação e direito de exercer qualquer religião livremente, do mesmo modo permitido aos nacionais do respectivo Estado. Quanto às questões de alojamento e ensino superior, passou a ser garantido aos refugiados tratamento semelhante a estrangeiros nesse mesmo território devido às diferentes condições econômicas e estruturais de cada país (NAÇÕES UNIDAS, 1951). Ademais, os Estados signatários são obrigados a cumprir os termos da Convenção a partir do momento em que o status de refugiado é reconhecido. Isso

1 O Plano Marshall foi uma iniciativa norte-americana de 1948, ou seja, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial (1945), para ajudar na restauração da Europa Ocidental. Os objetivos dos Estados Unidos eram reconstruir regiões devastadas pela guerra, remover barreiras comerciais, modernizar a indústria, melhorar a prosperidade européia e impedir a disseminação do comunismo.

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ocorre de maneira geral, conforme a seguinte cláusula:

A expressão “fundado temor de perseguição” é o elemento chave da definição, refletindo o ponto de vista dos autores da declaração em relação aos elementos constitutivos do conceito de refu-giado [...] Por se tratar de conceito subjetivo, a definição contempla um elemento subjetivo que deve ser considerado a partir da pessoa solicitante de refúgio. Assim, a determinação da condição de refugiado fundamentar-se-á, principalmente, não em um julgamento da situação objetiva do país de origem do solicitante, mas na avaliação das declarações por ele prestadas (ACNUR, 2008, p. 12).

1.2 PILARES BÁSICOS DA UE A crise migratória no Mediterrâneo colocou em evidência as limitações estruturais da política migratória da UE. Com isso, em maio de 2015 a Comissão Europeia, instituição que preza pelos tratados e normas europeias, propôs a atualização e o aperfeiçoamento de sua política de migração, estabelecendo quatro pilares para enfrentar de forma mais assertiva (EUROPEAN COMMISSION, 2015). O primeiro pilar busca a redução dos incentivos para a migração irregular, uma vez que a jornada é mais perigosa e deixa o migrante à mercê de redes criminosas de tráfico de pessoas e contrabando de migrantes, que colocam o lucro antes da vida humana. Além disso, o refugiado pode acabar sendo vítima de exploração. Para isso, a UE busca fazer parcerias com os países de origem, bem como tem buscado trabalhar com quadros de cooperação bilateral e regional sobre a migração. O segundo pilar, por sua vez, prioriza a gestão de fronteiras com o intuito de salvar vidas e proteger as fronteiras externas. Nesse ponto, o trabalho da Guarda Costeira aliado a uma medida de identificação eficaz das tendências de risco são cada vez mais necessários para uma preparação operacional de qualidade no controle fronteiriço (EUROPEAN COMMISSION, 2015). Já o terceiro pilar evidencia uma forte política de concessão de asilo, dado que em 2014, um recorde de 600 mil pessoas solicitaram refúgio na Europa. Dessa forma, a UE precisa de um sistema claro e bem estruturado de acolhimento dos solicitantes de refúgio no seu interior. Por fim, o quarto pilar consiste no planejamento de uma nova política sobre migração regular. Esse ponto evidencia a importância da imigração regular para a questão da renovação laboral, já mencionada anteriormente. Atualmente, a UE enfrenta uma série de desafios econômicos e demográficos a longo prazo tais como, envelhecimento populacional e uma economia cada vez mais dependente de empregos altamente qualificados (EUROPEAN COMMISSION, 2015). Para que essa regulamentação aconteça de forma eficiente, é impossível descartar a relevância do Espaço Schengen quanto ao debate migratório na Europa. O Espaço Schengen consiste em uma área de livre circulação de pessoas, permitindo aos cidadãos europeus viajar, trabalhar e viver em outro país sem maiores dificuldades. Essa cooperação tem como um dos objetivos permitir a liberdade dos mais de 500 milhões de habitantes da UE, assim como pessoas provenientes de países de fora do bloco, como turistas e empresários, sem a necessidade de controles fronteiriços. O Acordo Schengen está em vigor desde 1995 e hoje abrange a maioria dos Estados da UE, com exceção da Bulgária, Croácia, Chipre, Irlanda, Romênia e Reino Unido. Ainda, há países que não integram a organização, porém fazem parte da Zona Schengen, sendo eles: Suíça, Islândia, Noruega e Liechtenstein (EUROPEAN COMMISSION, 2019).

1.3 A CRISE MIGRATÓRIA EUROPEIA Desde a Primavera Árabe, iniciada no final de 2010, vários países do Oriente Médio e do Norte da África passaram por uma onda de revoltas e manifestações contrárias aos seus governos, sendo a falta de democracia nessas nações e a crise econômica consideradas duas das principais razões da eclosão desse fenômeno (CORRÊA; BRUM, 2018). Essa onda de protestos teve um grande impacto na Europa, em virtude do grande fluxo de imigrantes e refugiados que deixaram seus países, muitos dos quais em constante conflito político, para buscar melhores condições de vida e/ou sobrevivência no continente europeu. Ainda em 2011, registram-se os primeiros casos de migração em massa dessas regiões para a Turquia, que serviu como a porta de entrada desses imigrantes e solicitantes de refúgio para a UE (CONSELHO EUROPEU, 2018). No ano de 2016 em torno de 1,3 milhões de pessoas solicitaram refúgio na UE, segundo dados do Parlamento Europeu (2017). Os sírios são os maiores solicitantes, fugindo do conflito armado e

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político que se instaurou no país, seguido de cidadãos do Iraque e da Eritreia, respectivamente, ambos países que sofrem com ações de grupos terroristas e enfrentam a destruição de seus recursos humanos e econômicos. O número de deslocados forçados no mundo é o maior desde a Segunda Guerra Mundial, somando 70,8 milhões de pessoas nesta situação ao final de 2018 (UNHCR, 2019a), e seu impacto na Europa demonstrou as desigualdades no sistema de migração europeu devido a entrada de um grande número de imigrantes solicitando refúgio. A Convenção de Dublin, criada em 1990, foi uma resposta da UE aos crescentes fluxos de solicitantes de refúgio. Ela responsabilizava apenas um Estado membro por cada solicitante, impedindo que os migrantes solicitassem o refúgio em vários países. Essa definição onerava principalmente a Itália, Grécia e Espanha devido a sua localização geográfica estratégica e a proximidade com o Mar Mediterrâneo. Todavia, essa Convenção constrangia alguns direitos dos refugiados, sendo criticada pela Comissão de Direitos Humanos do Conselho da Europa, porque propunha a restrição de movimento e utilização de detenções para forçar a mudança desses refugiados para os países que aceitassem o seu pedido, podendo ocasionar até mesmo a separação de famílias. A Convenção de Dublin, todavia, foi reformulada em 2017 retirando a obrigatoriedade do país de entrada de conceder o status de refugiado (PARLAMENTO EUROPEU, 2018). A UE ao começar a receber esses grandes fluxos de pessoas através da Espanha, Itália e Grécia – começou a elaborar novas medidas para impedir os fluxos de imigrantes irregulares – isto é, pessoas que não são consideradas refugiadas nem possuem visto autorizando sua permanência no continente – em suas fronteiras externas (CONSELHO EUROPEU, 2019). Por conseguinte, ocorreu a otimização do levantamento e do armazenamento de dados sobre as pessoas que entram em território europeu como também das rotas marítimas utilizadas, possibilitando o combate contra um dos impactos negativos desse fenômeno migratório, o contrabando humano. Como percebe-se pelo mapa abaixo, além de fazerem a travessia do Mar Mediterrâneo, os imigrantes também costumam utilizar a rota terrestre através da Turquia até chegar ao seu destino final, a cidade de Munique, na Alemanha, no caso deste mapa.

Figura 1 – Principais rotas usadas dentro da União Europeia

Figura 1 – Principais rotas usadas dentro da União Europeia

A despeito dos países de destino, a Itália e a Grécia são utilizados como países de entrada na UE, todavia, os países que mais recebem esses refugiados como destino final são a Alemanha e a França, seguidos pelos dois países já citados e o Reino Unido (DW, 2015).

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2 APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA Nesta seção, abordaremos os principais tópicos que deverão ser tratados no debate. Aqui será apresentado um panorama da situação nos principais países de entrada de migrantes e refugiados, as iniciativas de cooperação entre os países de origem, entrada e destino e as legislações nacionais e no âmbito da União Europeia sobre a questão.

2.1 A SITUAÇÃO DOS PRINCIPAIS PAÍSES DE ENTRADA DE MIGRANTES E REFUGIADOS NA EUROPA Até março de 2019, os três países que mais receberam migrantes e refugiados vindos pelo mar Mediterrâneo na Europa são Espanha, Itália e Grécia. Em 2018, 65.400 pessoas entraram pela Espanha, 50.500 pela Grécia e 23.400 pela Itália. Desse modo, grande parte do peso do acolhimento inicial se concentra nesses três países (UNHCR, 2019b). Entre novembro de 2018 e fevereiro de 2019, a Itália rejeitou um número recorde de 24.800 solicitações de refúgio. As rejeições sofreram um aumento de 25%, em comparação com os números de junho a setembro de 2018, coincidindo com a introdução do Decreto Salvini, em vigor desde 3 de dezembro de 2018, que suspende o processo de solicitação de refúgio para indivíduos condenados em primeiro grau ou considerados “socialmente perigosos” e retira a permissão de permanência para certas pessoas que tiveram o status formal de refugiado negado, mas não conseguem retornar para casa. Além disso, tais processos são demorados no país, podendo levar em torno de 19 meses para as autoridades italianas analisarem um pedido de refúgio (TONDO, 2019). As chegadas à Itália diminuíram em mais de 80% desde seu pico em 2017. Segundo dados da Organização Internacional para as Migrações (OIM), 23.126 pessoas chegaram ao país em 2018, em comparação com 118.914 em 2017. Ademais, o atual governo italiano prometeu repatriar 500.000 pessoas, ou seja, retornar esses migrantes aos seus locais de origem. Entretanto, até o momento, está repatriando cerca de 500 migrantes por mês, menos do que a média do governo anterior (INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR MIGRARION, 2019a). A Espanha é, atualmente, o único país que ainda oferece desembarque garantido para os migrantes que são resgatados no Mediterrâneo. Em 2018, o governo espanhol ofereceu condições especiais a três navios humanitários que tiveram a entrada negada nos portos da Itália e Malta. De acordo com essas condições, os migrantes a bordo dos navios receberam uma permissão de residência especial por razões humanitárias de 45 dias e um tratamento mais rápido da sua documentação (MARTÍN, 2018). Entretanto, tais condições especiais foram rejeitadas pela União Europeia, assim deixando de ser oferecidas pelo país no final de 2018. Desse modo, a política atual permite que os migrantes permaneçam um máximo de 72 horas nos recintos policiais e solicitem refúgio, mas sem garantia de que o pedido seja atendido (MARTÍN, 2018). Os dados mostram que a Espanha é a principal porta de entrada na Europa para migrantes irregulares da África. A política de portas fechadas introduzida pelos governos de Itália e Malta, somada ao acordo estabelecido entre UE e Turquia – no qual o governo turco prometeu interromper o fluxo de refugiados que entravam pelo país e seguiam para os demais países europeus, obtendo em troca financiamento para manter os refugiados e a promessa de acelerar seu processo de adesão ao bloco europeu –, fez com que a Espanha se tornasse a melhor opção de desembarque. Assim, a tendência é que essa situação se mantenha até que o continente europeu consiga entrar em acordo quanto às políticas compartilhadas de imigração (VIÚDEZ, 2019). No âmbito interno, em comparação com França e Reino Unido, elementos racistas e discriminatórios nos discursos políticos não foram comuns na Espanha durante as eleições municipais de 2015. Entretanto, o número crescente de migrantes gerou críticas, reforçando o capital político do partido de extrema-direita Vox, ao conquistar 12 assentos nas últimas eleições da região sul do país através de uma campanha anti-imigração (JONES, 2019). Na Grécia, por outro lado, a maioria dos migrantes não solicita refúgio no país. Os migrantes buscam deixar o país (e a UE), atravessando a região dos Balcãs, e tentam re-entrar no bloco através da Hungria, com destino aos países do oeste e norte da Europa, em função das regras já citadas de que o migrante deve solicitar refúgio no primeiro país da UE em que chega. A ilhas gregas, em particular, enfrentam grande influxo de pessoas. Algumas ilhas não possuem sequer centros de registro e recepção, e confrontos entre polícia e refugiados são relatados frequentemente (MIGRATION POLICY CENTRE,

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2019a). O caso grego é ainda mais grave do que os casos espanhol e italiano. O país foi afetado por uma grave crise financeira recentemente, sofrendo grandes cortes na capacidade de gastos do governo, inclusive nos valores destinados aos campos de refugiados. Em 2018, a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) solicitou que o país tomasse medidas urgentes para melhorar as condições de 11 mil pessoas em campos de refugiados nas ilhas de Samos e Lesbos, que enfrentam problemas sanitários, falta de alimento e água limpa (RANKIN; SMITH, 2019). A Alemanha, apesar de não ter acesso ao Mediterrâneo e, por consequência, não ser um dos principais países de chegada dos migrantes, vem recebendo anualmente um número expressivo de pessoas advindas de diversas regiões. De acordo com o governo alemão, o país seria capaz de receber em torno de 500 mil pessoas por ano, devido, entre outros fatores, à forte economia do país, capaz de absorver tal população em seu mercado de trabalho. Contudo, tal número chegou a 800 mil em 2015, gerando tensões dentro do país e da própria coalizão do governo (BBC NEWS, 2015). Apesar desses problemas, a Alemanha possui outros motivos para receber esses migrantes, sendo o mais importante deles a questão da pirâmide etária do país. Possuindo uma população jovem cada vez menor, enquanto a população idosa aumenta expressivamente, o país abre suas portas para migrantes, especialmente aos jovens, buscando equalizar essa desproporção entre gerações. De acordo com as projeções da Comissão Europeia, a população alemã diminuirá de 81.3 milhões de pessoas para 70.8 milhões em 2060, situação que preocupa esse governo (BBC NEWS, 2015). As reações da população alemã à política de portas abertas do governo da Alemanha foram contundentes, formando, recentemente, um partido de extrema-direita, o qual se tornou a maior força oposicionista dentro do Parlamento Alemão. A situação torna-se ainda mais tensa e inquietante com a ascensão de partidos de esquerda, como o Aufstehen, que, buscando conquistar o eleitorado anti-imigração, adotou essa pauta em suas promessas, fortalecendo um sentimento xenófobo no país (DAMASCENO, 2018).

2.2 A COOPERAÇÃO ENTRE OS PAÍSES: MONITORAMENTO DAS FRONTEIRAS E COSTAS, INTERIORIZAÇÃO E REPATRIAÇÃO Entre as ações estipuladas pela Agenda Europeia de Migração2 está a redução dos incentivos para a migração irregular através da cooperação com os países de origem e trânsito, o sistema de realocação temporária e a gestão das fronteiras. Esta seção abordará esses três pilares da Agenda, trazendo exemplos aplicados por países da União Europeia (CARRERA et al, 2015). O mais recente Relatório de Progresso sobre a Estrutura de Parcerias da UE com os países de origem aponta que as ações tomadas até então foram em parte responsáveis pela diminuição gradual da entrada de migrantes na Europa. Entre as medidas adotadas estão a cooperação com a Líbia, através de um projeto de 46,3 milhões de euros para reforçar a vigilância das fronteiras terrestres e marítimas do país, além de cooperação com países como Níger, Sudão, Egito e Etiópia para repatriação dos refugiados em território europeu e vigilância das fronteiras, através do Fundo de Emergência da Europa para a África, adotado em 2015, como o principal instrumento de financiamento para as cooperações estabelecidas na Estrutura de Parcerias (EUROPEAN COUNCIL ON REFUGEES AND EXILES, 2017). Entretanto, críticos ao programa afirmam que os avanços na cooperação para a UE são considerados com base na quantidade de pessoas impedidas de entrar na Europa e na quantidade de pessoas repatriadas, ao invés da promoção de políticas de incentivo a um desenvolvimento sustentável para os indivíduos tanto na Europa quanto nos países africanos. Além disso, essa agenda é orientada pela UE e não pelos próprios países parceiros, que não possuem liberdade para escolher como serão alocados os fundos fornecidos (EUROPEAN COUNCIL ON REFUGEES AND EXILES, 2017). Ademais, uma das políticas mais controversas adotadas pela UE foi a criação de um sistema temporário de redistribuição de solicitantes de refúgio entre os Estados membros do bloco. A principal contribuição da iniciativa tem sido derrubar temporariamente o Sistema de Dublin, que colocava a responsabilidade do processamento do pedido de refúgio no país de entrada do migrante. O sistema temporário introduz um novo modelo de distribuição de responsabilidade entre os Estados-membros do bloco com base em novos critérios, que incluem PIB, população, desemprego, etc. (CARRERA et al, 2015). Por fim, a Agenda Europeia de Migração ainda estipula a criação de um Sistema Europeu de Guarda Fronteiriça com o objetivo de desenvolver um compartilhamento de fundos, estrutura e pessoal, exercícios conjuntos e a possibilidade da criação de uma Guarda Costeira Europeia no futuro. Assim, em 2016, foi criada

2 Estabelecida em 2015 pela União Europeia com o objetivo de criar diretrizes comuns aos países para o enfrentamento da crise de refu-giados no continente.

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a Agência Europeia de Guarda Costeira e Fronteiriça, através da reformulação da então Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas dos Estados-Membros. Tal reformulação estipulou como objetivos fundamentais da nova agência a definição de um sistema de gestão integrada das fronteiras, assistência técnica e operacional aos Estados-membros através de operações conjuntas, assistência em operações de busca e salvamento de pessoas em perigo no mar, bem como organizar, coordenar e conduzir as operações de regresso (EUROPEAN UNION, 2016).

2.3 CONDIÇÕES DE TRAVESSIA E DE VIDA NA EUROPA As condições precárias de vida em alguns países da África e do Oriente Médio, somadas às crises humanitárias nessas regiões, como na Líbia, são os principais fatores que levam à busca por refúgio nos países europeus. Caso utilizassem os meios tradicionais de transporte, os migrantes possuem consciência de que seriam barrados pelas autoridades aduaneiras europeias e, por tal razão, acabam por utilizar meios irregulares e perigosos para chegar à Europa, além de correrem riscos ao entrarem em contato com traficantes e atravessadores, sendo ludibriados ou coagidos a fazer o trajeto através de meios fornecidos por eles (CUSTODERO, 2018). Nesse sentido, no ano de 2018, foram registradas mais de duas mil mortes no Mediterrâneo, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Os migrantes enfrentam diariamente inúmeras dificuldades durante suas travessias, como fome e sede, clima desfavorável, naufrágios, locais de transporte irregulares, etc. (ACNUR, 2019). Além disso, a chegada de um número expressivo de refugiados gerou uma forte contrarreação governamental, especialmente na Itália, onde o Ministro do Interior Matteo Salvini anunciou medidas como o Decreto Salvini, citado anteriormente (CUSTODERO, 2018). Em relação ao mercado de trabalho, os refugiados vêm enfrentando dificuldades no continente europeu, especialmente em países em crise ou menos desenvolvidos. De uma maneira geral, essas pessoas, na maioria das vezes, são apenas contratadas temporariamente ou não possuem trabalho formal, gerando uma taxa alta de desemprego entre os refugiados, que, em 2014, estava em torno de 50%. Tal taxa continuará em constante crescimento, enquanto o número de migrantes no continente europeu continua aumentando. Além do mencionado anteriormente, tem-se o caso das mulheres migrantes, as quais enfrentam maiores dificuldades para entrar no mercado de trabalho na Europa. Isso se deve, especialmente, ao baixo nível educacional dessas mulheres, fator apontado em diversas pesquisas, ocasionando uma maior taxa de desemprego entre as mulheres refugiadas do que entre os homens (DUMOND et al, 2016). Outro fator que preocupa a comunidade internacional é a situação dos campos de refugiados no continente europeu. Especialmente no campo de refugiados de Moria, na Grécia, onde estão alojados mais de 1.500 refugiados advindos da Síria, Iraque e Afeganistão. Esse número tende a aumentar, tendo em vista que continuam a chegar cada vez mais pessoas, dificultando uma situação já bastante precária (THE NATIONAL, 2018). Dentre as muitas dificuldades encontradas pelos refugiados que vivem nesses locais estão, por exemplo, ter de dividir um banheiro entre mais de 70 pessoas, assim como conviver em meio próximo ao sistema de esgoto, que atinge os colchões das crianças. Por tais razões, o trauma dessas pessoas acaba se aprofundando e, muitas vezes, acarreta em conflitos entre diferentes etnias dentro do próprio campo, gerando ainda mais tensões para o governo grego (THE GUARDIAN, 2018). Essas grandes movimentações resultaram em diversos desdobramentos por parte da UE. Temendo o deterioramento na situação da chegada de refugiados aos Estados europeus, em 2017, os seus dirigentes atingiram um acordo, que, posteriormente, foi firmado com a União Africana e a ONU a fim de conter as travessias de refugiados pelo mar Mediterrâneo. Dessa maneira, medidas foram adotadas juntamente aos Estados da África, sendo algumas delas: impedir os passadores e traficantes de migrantes, especialmente na Líbia; aumentar o apoio à guarda costeira líbia; propiciar melhores condições de acolhimento; e combater as causas profundas da migração na África. Buscando atingir os objetivos citados acima, a UE destinou 237 milhões de euros, dando um enfoque especial à situação do Estado líbio. Esse montante é proveniente do Fundo Fiduciário de Emergência da UE para África, criado em 2015 (CONSELHO EUROPEU, 2019). Por outro lado, fortes críticas foram realizadas sobre esse acordo e as ações da UE. A mais contundente delas foi feita pela Anistia Internacional, a qual argumentou que a crise de refugiados no mar Mediterrâneo não vinha sendo solucionada. Além disso, a mesma organização também critica o auxílio europeu no patrulhamento marítimo e de fronteiras disponibilizado para o Estado líbio, dizendo que tal ação seria uma maneira de se distanciar do problema do refúgio (EL TIEMPO, 2017).

3 AÇÕES INTERNACIONAIS PRÉVIAS Frente ao cenário de crescente entrada de migrantes e refugiados na União Europeia até 2015, e a crise migratória que dela se seguiu, a Comissão Europeia apresentou, em 13 de maio de 2015, a Agenda Europeia de Migração. Seu objetivo é abordar diferentes medidas que a UE deve tomar para enfrentar os desafios migratório. A agenda reforça, em sua introdução, o compromisso da Europa com

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seus acordos internacionais e valores éticos, de proteção àqueles que fogem de perseguições, ao mesmo tempo em que destaca a importância da segurança de suas fronteiras e a prosperidade econômica do bloco. A agenda divide-se em Ações Imediatas e Próximos passos. Quanto às ações imediatas, a UE busca salvar vidas no mar, por meio de maior financiamento e aumento da oferta de navios e aeronaves para resgate; desmantelar as redes irregulares de entrada nas fronteiras por meio da cooperação com as polícias e os demais países; desenvolver um sistema permanente e bem sucedido de partilha dos refugiados entre todos os Estados membros; e buscar a estabilidade política nos países de origem da maior parte dos migrantes e refugiados, como Líbia e Síria (EUROPEAN COMMISSION, 2015). Os próximos passos apresentados pela Comissão Europeia se dão em quatro eixos chave. O primeiro busca reduzir os incentivos à migração irregular, por meio, por exemplo, de cooperação e de financiamento para o desenvolvimento, que ajudem a diminuir problemas como pobreza, desigualdade e desemprego. A Turquia é mencionada como exemplo de país que pode auxiliar a UE por meio da cooperação econômica e de recepção de refugiados. Busca-se, também, melhorar o quadro jurídico da UE para combater a entrada irregular de migrantes e as redes de passadores, com o auxílio da polícia dos Estados membros. Ademais, visa-se reforçar a comunicação com os países fora do bloco, que permitam o regresso de migrantes e refugiados não aceitos pela UE (EUROPEAN COMMISSION, 2015). O segundo eixo chave, por sua vez, concentra-se na gestão das fronteiras. Ou seja, auxiliar os Estados membros e Estados terceiros a controlarem suas fronteiras, além de reforçar o financiamento, o treinamento e a capacidade de previsão de crise da guarda costeira (EUROPEAN COMMISSION, 2015). O terceiro eixo chave trata da definição de um sistema comum de refúgio. Isto é, o processamento de pedidos de refúgio deve ser feito de forma mais igualitária entre os Estados membros. Em 2014, apenas cinco países processaram 72% dos pedidos. Por fim, o quarto eixo chave tem como objetivo desenvolver uma nova política de migração regular, a qual considere desafios econômicos e demográficos a longo prazo, como o envelhecimento da população e a necessidade de mão de obra qualificada em idade ativa. Esse eixo engloba, também, a cooperação com países em desenvolvimento para o controle da migração (EUROPEAN COMMISSION, 2015). Seguindo as diretrizes da Agenda Europeia de Migração, em 18 de março de 2016, foi assinado, entre o Conselho Europeu e representantes turcos, o Acordo UE-Turquia, o qual buscou estreitar relações e soluções para a crise migratória. Esse acordo estabeleceu que a Turquia receberá de volta os imigrantes irregulares que acessarem as ilhas gregas, desde seu país, e não solicitarem refúgio, ou cujas solicitações sejam consideradas infundadas ou não sejam admitidas. A cada sírio devolvido à Turquia, a União Europeia se compromete a receber outro sírio que esteja em território turco, de acordo com sua vulnerabilidade. Além disso, a União Europeia se compromete a desembolsar 3 bilhões de euros em assistência aos refugiados presentes na Turquia (CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA, 2016). Em 28 de junho de 2018, o Conselho Europeu chegou ao acordo de que um montante adicional de 3 bilhões será disponibilizado, em parcelas, até 2020, tendo em vista a diminuição da crise migratória (CONSELHO EUROPEU, 2018). Por fim, o Acordo UE-Turquia previu o início da isenção de vistos para turcos que desejassem viajar pela União Europeia e declarou o interesse na aceleração do processo de adesão da Turquia ao bloco europeu (CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA, 2016). Mais recentemente, em consonância com a Agenda Europeia de Migração, os países europeus e africanos adotaram o Plano de Ação Conjunto Valletta sobre Migração, o qual busca tratar conjuntamente dos benefícios e desafios da migração. Nesse plano, foi também definida a criação do fundo da União Europeia para a África, o qual auxilia financeiramente os países a adotarem as medidas definidas no plano (JOINT VALLETTA ACTION PLAN, 2018). A UE vem definindo um quadro de parceria com inúmeros países, como Níger, Nigéria, Senegal, Mali, Etiópia, Bangladesh, Paquistão, Costa do Marfim, Egito, Tunísia, Argélia, Marrocos, dentre outros. A União Europeia busca, com esses acordos, diminuir o fluxo de entrada no continente, apoiar o desenvolvimento dos países de origem dos migrantes e cooperar com os mesmos no que tange à migração regular, à proteção de migrantes e de solicitantes de refúgio e ao retorno e a reintegração de refugiados (EUROPEAN COMMISSION, 2017). Os membros do Conselho Europeu assinaram, em fevereiro de 2017, a Declaração de Malta, a qual define medidas para controlar o fluxo de emigrantes da Líbia para a Itália. O plano prevê treinamento e apoio à guarda costeira líbia, apoio ao desenvolvimento de comunidades locais no país, maior controle às redes de passadores e cooperação com países vizinhos à Líbia para controle de rotas alternativas e melhor recepção dos migrantes (COUNCIL OF THE EU, 2017). Por fim, as mais recentes conclusões do Conselho Europeu ressaltam a diminuição da detecção

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de entradas irregulares para números anteriores à crise, e que a previsão é de contínua queda desses dados. O Conselho reforça, porém, a necessidade de manutenção dos acordos e relações com terceiros países para controle de fronteiras e desenvolvimento dos mesmos. A vigilância quanto às rotas atuais e possíveis rotas futuras deve ser mantida, assim como o apoio das agências europeias aos países mais afetados pelo fluxo de imigrantes e refugiados, e a coordenação entre a União Europeia, seus órgãos e os Estados membros deve ser cada vez mais desenvolvida e coordenada (EUROPEAN COUNCIL, 2017).

4 POSICIONAMENTO DOS PAÍSESEstima-se que a Alemanha tenha recebido cerca de 1,5 milhões de refugiados e migrantes entre 2014 e 2016, sendo um dos destinos mais visados. O grande fluxo de entrada no país se mostrou um fator significante na economia alemã, tendo esse governo proposto diversas medidas para um compartilhamento mais justo dos solicitantes de asilo entre os seus vizinhos europeus. Inicialmente, o país adotou uma política de portas abertas, recebendo grande parte dos refugiados que estavam na Hungria. Entretanto, atualmente, medidas mais rígidas estão sendo tomadas, dado o peso econômico e estrutural que o grande fluxo teve no país (CONNOLLY; HENLEY, 2018).

O governo da Áustria se posiciona fortemente contra as imigrações, apesar de nos últimos três anos ter acolhido um grande fluxo de refugiados. As ações austríacas referentes à migração revelam uma contradição entre acolher e fechar fronteiras, o que transforma a Áustria em um destino não tradicional dos imigrantes (MIGRATION POLICY INSTITUTE, 2003). Ainda assim, uma medida sugerida pelo primeiro-ministro consiste na construção de campos de acolhimento fora da UE, que serviriam para acolher os imigrantes que não recebessem o asilo político, bem como para diminuir a imigração irregular (G1, 2018).

A Bélgica tem uma posição favorável à imigração. Sendo um país pouco procurado como um destino final dos imigrantes, o governo belga possui uma abordagem reativa, se adaptando às mudanças e aos fluxos de refugiados que recebe (MIGRATION POLICY INSTITUTE, 2013). Com o crescente número de refugiados em seu território e a visão negativa da população acerca da imigração, a Bélgica tem se tornado mais receosa em tomar ações referentes à concessão de asilo político e à assinatura de acordos (FÓRUM, 2018).

Devido à fronteira com a Turquia, a Bulgária recebeu grandes fluxos de imigrantes, que ou migraram para outro país ou se estabeleceram em território búlgaro, logo foi favorável ao Acordo UE-Turquia para diminuir tal fenômeno. Diversos conflitos entre refugiados e nacionais ocorreram nos últimos anos, fazendo com que a população tenha uma posição majoritariamente contrária a presença de refugiados (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 2018). Em dezembro de 2018, o governo búlgaro participou do grupo de países que se posicionou contrário e que não assinará o Pacto Global pela Migração (REUTERS, 2018).

Por ser próximo ao Líbano e à Turquia, o Chipre é um país que temia o fechamento das fronteiras turcas, pois, logo se tornaria um dos principais destinos dos imigrantes que almejavam migrar para a UE. Todavia, ainda assim o Chipre enfrenta várias dificuldades em receber os imigrantes, gastando quase 1% do seu PIB no acolhimento dessa população, recebendo o auxílio financeiro e logístico da UE para manter as atividades em curso (BARATA, 2016).

A Croácia é um dos países europeus que possui ações ambíguas em relação aos imigrantes, visto que apesar de promover o acolhimento de refugiados também atua com violência em suas fronteiras por parte dos policiais, que impedem os imigrantes em trânsito de atravessar o país (GADZO, 2018). Devido estar entrando em uma fase de crescimento econômico, a Croácia necessita atrair trabalhadores, sendo que muitos investidores internacionais requisitam tal prática para de fato investirem nesse país (PAVLIC, 2017).

No início da crise migratória, a Dinamarca recebeu números significativos de imigrantes e refugiados. No entanto, em 2016, após alegações de aumento da criminalidade e do crescimento de partidos anti-

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imigração, o país suspendeu as quotas de recebimento de pessoas de outros países da UE, pois, segundo o governo, era necessário integrar os refugiados já instalados no país primeiramente (THE LOCAL, 2018). Além disso, o governo dinamarquês planeja alojar em uma ilha os imigrantes “não desejados”, ou seja, pessoas que não foram aceitas no país, mas que não podem ser deportadas por riscos às suas vidas (GARGIULO; GUY, 2018).

A Eslováquia foi um dos países europeus menos impactados pelo aumento dos fluxos migratórios no século XX, porém viu o número de imigrantes quadruplicar desde que entrou na União Europeia, em 2004. Ainda que a maior parte dos cidadãos estrangeiros residentes no território eslovaco esteja a trabalho, o país não foge da realidade europeia e também recebe um número significativo de pedidos de refúgio. Todavia, ainda que desde 1993 tenha recebido 58.663 aplicações, somente 849 pessoas foram reconhecidas como refugiadas pelo governo eslovaco, pouco mais de 1% (INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR MIGRATION, 2019b).

A Eslovênia está inserida em um dos corredores mais utilizados por refugiados da Síria e do Afeganistão, que deixam a região do Oriente Médio em direção à Alemanha ou aos países nórdicos. O país foi atingido pela crise migratória em 2015, quando as acomodações para imigrantes superlotaram e diversas pessoas permanecem desabrigadas durante o inverno, na divisa com a Áustria. Em geral, a população eslovena é receptiva e a imigração não é encarada como um problema social, uma vez que esta é principalmente uma nação de trânsito e não um destino final (MERRILL, 2015).

A Espanha foi um dos principais destinos de imigrantes no início do século XXI e voltou a receber um número significativo de pessoas nos últimos anos. Contrário ao que se vê em países como Alemanha e Reino Unido, não há movimentos significativos anti-União Europeia e contra a imigração, sendo o 3º maior destino de estrangeiros no continente (BUCK, 2017). Entretanto, as leis que tratam de refugiados e solicitantes de refúgio não são eficazes, priorizando imigrantes oriundos de países desenvolvidos e deixando um número significativo de pessoas em situação irregular (BRIS; BENDITO, 2017).

A Estônia completou sua tarefa de receber migrantes, tendo se comprometido e recebido mais de 200 em 2015 advindo da Grécia, Turquia e Itália (VAHTLA, 2018). No entanto, devido ao pequeno auxílio prestado pelo governo – em torno de 135 euros por mês –, os refugiados preferem se deslocar para outros países, como, por exemplo, a Alemanha. Além disso, a dificuldade de conseguir emprego e a inoperância do governo em resolver tal situação também faz com que essas pessoas busquem outras regiões da Europa (ANTONENKO, 2017).

A Finlândia se compromete com a proteção internacional a pessoas em busca de refúgio, baseada nas normas internacionais e regionais, especialmente na Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 da ONU (FINLAND, 2019). Contudo, diferentemente do que se esperava do país, a Finlândia se mostrou um pouco hesitante em apoiar uma política conjunta à UE para lidar com a questão do refúgio, temendo o crescimento de partidos nacionalistas (WAHLBECK, 2018).

Sendo um dos principais destinos dos migrantes e refugiados que entram na Europa, a França é um país extremamente relevante ao debate. O país já recebeu diversas críticas sobre a maneira com a qual lida com os refugiados que conseguem entrar no país, com relatos de falta de abrigo e milhares de migrantes dormindo nas ruas de Paris. Durante as eleições municipais de 2015, elementos racistas e discriminatórios apareceram nos discursos políticos, e representantes foram eleitos utilizando plataformas anti-imigração (MARQUIS, 2018).

A Grécia é uma país chave nesse debate. É o segundo país europeu que mais recebe migrantes e refugiados vindos pelo Mediterrâneo, tendo recebido 50.500 migrantes em 2018. Entretanto, a grande maioria dessas pessoas não solicita refúgio no país, seguindo caminho para países mais ao norte da Europa. Atualmente, o país enfrenta uma situação calamitosa em diversos campos de refugiados, que enfrentam problemas de saneamento, falta de água limpa e de alimentos (MIGRATION POLICY CENTRE, 2019a).

A Hungria é o país europeu com medidas mais rígidas em relação aos migrantes e refugiados. Após

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receber um grande fluxo de pessoas vindas da Síria, o governo húngaro decidiu construir uma cerca eletrificada em sua fronteira com a Sérvia em 2015 para evitar entradas irregulares. O país já foi criticado diversas vezes pela União Europeia devido a sua abordagem para a crise de refugiados, com o governo tendo inclusive tentado aprovar uma lei que tornava crime prestar auxílio a refugiados (MIGRATION POLICY CENTRE, 2019b).

A Irlanda se mostra disposta a auxiliar a questão migratória, providenciando mais financiamento e recebendo mais refugiados, especialmente após a “solidariedade” de outros membros da UE devido ao movimento de saída da União Europeia por parte do Reino Unido (MURRAY, 2018). Por outro lado, os irlandeses, que tinham se responsabilizado por receber 4.000 desses migrantes, receberam, até o momento, apenas metade desse montante, argumentando temor com terroristas e grupos extremistas que possam estar infiltrados entre os refugiados (O’KEEFFE, 2018).

A Itália é o terceiro país europeu que mais recebe migrantes e refugiados, tendo recebido 23.400 migrantes em 2018. Atualmente, as políticas do país tornaram-se mais restritivas nesse tema. Exemplo disso é o número recorde de 24.800 rejeições a solicitações de refúgio entre novembro de 2018 e fevereiro de 2019, como resultado da introdução do Decreto Salvini, que, como já citado, suspende o processo de solicitação de refúgio para indivíduos considerados “socialmente perigosos” e retira a permissão de permanência para certas pessoas que tiveram o status formal de refugiado negado, mas não conseguem retornar para o país de origem (TONDO, 2019).

Em comparação com os demais países do continente, a Letônia recebeu poucos migrantes e refugiados até o momento. O governo afirma que a solidariedade é crucial entre os países da UE, mas que soluções sustentáveis são necessárias. O país defende o foco no reforço das fronteiras externas, no combate ao tráfico e ao contrabando de pessoas e em uma política comum e eficaz de integração dos refugiados ou de repatriação, quando possível (UNHCR, 2018).

A Lituânia, membro da UE desde 2004, considera de extrema importância a manutenção de uma Europa unida e solidária aos países mais atingidos. Assim, o mesmo implementou o programa de admissão voluntária de refugiados e recomenda que os demais países também o façam. O país faz fronteira terrestre com a Bielorrússia e com a província russa de Kaliningrado, não membros da UE. Portanto, defende a necessidade de atenção semelhante às fronteiras terrestres e marítimas (LITHUANIA, 2018).

Como um dos países fundadores da União Europeia, Luxemburgo reforça seu compromisso com o multilateralismo e com os direitos humanos. A posição do país é de formulação e aplicação de uma política migratória comum, que divida as responsabilidades igualmente entre os Estados membros. O país defende, também, a promoção de estabilidade política nos países de origem, como a Síria e a Líbia, por meio de apoio financeiro e institucional (LUXEMBOURG, 2018).

Por ser uma ilha entre a Itália e o continente africano, ou seja, um Estado de “linha de frente”, Malta é um dos países mais sensíveis à entrada de migrantes e refugiados. Praticamente todos os recursos das Forças Armadas do país são utilizados para resgatar imigrantes no mar. O país ressalta a importância de uma abordagem regional e global no que tange ao assunto. A manutenção da paz no Mediterrâneo é vista como fator importante para diminuição dos fluxos migratórios (MALTA, 2018).

Os Países Baixos, também conhecidos como Holanda, receberam 90 mil pedidos de refúgio entre 2014 e 2016, ficando em oitavo lugar entre os países da UE no período (NETHERLANDS, 2018a). O país defende a necessidade de uma divisão mais igualitária do número de migrantes recebidos por cada país membro. A cooperação com os países de origem e de trânsito desses migrantes e refugiados é considerada de extrema importância para o país (NETHERLANDS, 2018b).

A Polônia considera como solução para a crise migratória na Europa um conjunto de iniciativas, que combinam a assistência humanitária, a ajuda para o desenvolvimento dos países de origem, as operações militares e uma efetiva proteção das fronteiras. Defende a solidariedade flexível, ou seja, que os países devam auxiliar e receber refugiados dentro de suas capacidades, e não dividindo-os igualmente (POLAND, 2017).

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A característica peninsular de Portugal manteve o país longe do epicentro da crise migratória europeia. O número de pedidos de refúgio é um dos menores entre todos os Estados membros. Assim, o país defende a necessidade de partilha da responsabilidade quanto ao assunto, tendo se comprometido, em 2018, a receber até 100 mil migrantes (MERETAB, 2018).

Apesar de não pertencer à Zona Schengen e de suas relações estremecidas por conta de sua saída da UE, o Reino Unido é um dos destinos mais procurados pelos refugiados que chegam à Europa (SMITH-SPARK, 2015). Ao contrário de países como Alemanha e Suécia, o país mostrou-se resistente quanto a aceitação de refugiados, optando por um auxílio mais distante, como ajuda financeira. No entanto, sob o Programa de Reassentamento de Pessoas Vulneráveis (VPR), o Reino Unido já aceitou cerca de 1.000 refugiados da Síria e concedeu asilo a quase 5.000 sírios desde o início do conflito sírio (BBC NEWS, 2016).

O governo da República Checa se posiciona fortemente contra as imigrações, propondo o fechamento das fronteiras europeias e o não recebimento de pessoas que buscam refúgio. Segundo o primeiro-ministro, o país tem seus próprios órfãos e pobres necessitando de ajuda (DAMBACH, 2018). No entanto, a inflexibilidade do país em receber as quotas de imigrantes impostas pela UE foi motivo de ameaça de processo contra o Estado pela própria organização, haja vista que o país recebeu somente 12 das 2.000 pessoas que deveria ter acolhido (BBC NEWS, 2017).

A Romênia foi, historicamente, um país com mais emigrantes do que imigrantes, dadas as condições precárias do país ao longo dos últimos anos do século XX, sob um rígido regime comunista. Entretanto, a virada do século fez com que a Romênia passasse a ser mais um destino do que uma origem de migrantes. Ainda que as leis abordando a imigração e o refúgio sejam confusas e mudem constantemente, o país recebe cada vez mais cidadãos estrangeiros, incluindo refugiados de países em guerra, como o Iraque e a Síria (ZIARE, 2009).

A Suécia, até a virada do século, recebia poucos imigrantes. Em 1990, apenas 0,7% da população era estrangeira; já em 2010, esse índice subiu para 14%. Assim como a Alemanha, a Suécia se tornou um país extremamente receptivo e sobretudo com os refugiados da Síria. Dessa forma, o país se tornou um dos destinos mais procurados na Europa (SWEDEN, 2019). Entretanto, essa receptividade com estrangeiros gerou relatórios negativos sobre imigração, noticiados pelos maiores veículos suecos (LUNDQUIST, 2017).

5 QUESTÕES PARA DISCUSSÃO (1) Como deve ser a distribuição das solicitações de refúgio entre os países do bloco? Igualmente entre todos os membros, ou levando em consideração os recursos e interesses políticos de cada país?

(2) A política de apoio financeiro aos países de origem está sendo bem-sucedida ou deve ser substituída por outra que priorize os países europeus?

(3) Como o bloco deve lidar com sua defesa histórica dos direitos humanos e, ao mesmo tempo, com o surgimento de movimentos populistas contrários à migração?

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASACNUR. Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado – de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao ACNUR. Nota de orientação sobre extradição e proteção internacional de refugiados. Genebra, 2008. Disponível em: <www.acnur.org/portugues/wp-content/uploads/2018/02/Manual_de_procedimentos_e_crit%C3%A9rios_para_a_determina%C3%A7%C3%A3o_da_condi%C3%A7%C3%A3o_de_refugiado.pdf>. Acesso em: 19 mar. 2019.______. Travessias Desesperadas: Refugiados e inmigrantes llegan a Europa y a las fronteras europeas. Genebra: Acnur, 2019. Disponível em: <www.acnur.org/5c5110f94.pdf>. Acesso em: 19 mar. 2019.

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CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS (1994)

A Situação em Ruanda

Beatriz Vieira Rauber, Camila Heineck Schwertner, Gabriel Tabbal Mallet, Kelen Barboza Grando e Maitê Roman Goulart1

1 Graduandos e Graduandas de Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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QUESTÕES PARA ORIENTAÇÃO

(1) Qual o papel da Organização das Nações Unidas no conflito em Ruanda? Como o Conselho de Segurança pode intervir?

(2) É possível classificar o episódio como um caso de genocídio?

INTRODUÇÃO O Conselho de Segurança (CSNU) é o órgão das Nações Unidas responsável pela manutenção da paz e segurança internacionais, constituindo-se como um dos principais espaços decisórios em âmbito da ONU. O Conselho é composto por quinze membros, sendo cinco permanentes (Estados Unidos, Rússia, China, França, Reino Unido) e dez rotativos, com mandatos alternados de dois anos (Argentina, Brasil, República Checa, Djibouti, Espanha, Nigéria, Nova Zelândia, Omã, Paquistão, Ruanda). Este é o único órgão vinculante de toda a organização, visto que suas resoluções possuem caráter mandatório para todos os Estados membros. O Conselho de Segurança das Nações Unidas, em sua reunião do dia 17 de maio de 1994, deve debater a situação vigente em Ruanda e as medidas que devem ser tomadas para a contenção do massacre da população ruandesa. À época, essa questão envolvendo violações de direitos humanos e uma sangrenta guerra civil mobilizou a comunidade internacional, que tentou resolver a situação em múltiplas reuniões no ano de 1994 no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

1 HISTÓRICO Ruanda é um país localizado na região central da África, conhecida como a região dos Grandes Lagos. Sua população é, desde o período pré-colonial, dividida em três distintos grupos étnicos1: os hutus, que representam cerca de 85% da população nacional; os tutsis, que correspondem a, aproximadamente, 14% dos habitantes; e os twa, que representam 1% da população (CARPANEZZI, 2008).

Figura 1 – A localização de Ruanda

Fonte: BBC (2018)

Os eventos ocorridos em Ruanda, especialmente no ano de 1994, foram consequência de um acirramento das tensões entre os dois maiores grupos de poder do país: hutus e tutsis. Para compreender os fatores que levaram a tais acontecimentos, é necessário antes analisar o passado e as transformações ocorridas em Ruanda a partir da colonização europeia, da subsequente independência do país e da Guerra Civil deflagrada na década de 1990.

1.1 O PERÍODO COLONIAL E A DOMINAÇÃO EUROPEIA O colonialismo caracterizou-se como o processo de dominação política e econômica de determinadas regiões do globo por parte das potências europeias, cujo objetivo principal era, por meio da

1 Um grupo étnico é definido como um conjunto de pessoas que compartilham semelhanças biológicas e culturais, interagem entre si e se consideram (ou são consideradas) distintas em relação a outros grupos (BARTH, 1969).

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exploração dos recursos dos territórios coloniais, favorecer e enriquecer as metrópoles. O colonialismo moderno surgiu no século XV, a partir das Grandes Navegações, e já afetava a África. Contudo, é só a partir da metade do século XIX que ocorre uma grande ruptura na história do continente africano: uma nova investida por parte dos países europeus, visando suprir as novas demandas comerciais decorrentes da Revolução Industrial, que culminou com a partilha da África na Conferência de Berlim, em 1885. Reunidos na capital alemã, os líderes das potências da época traçaram novas divisões para o continente, atendendo apenas aos interesses europeus. Assim, foi definido, nesta reunião, que a Alemanha seria responsável pela colonização do território de Ruanda, a qual fazia parte da África Oriental Alemã (RUANDA, 2000; BOAHEN, 2010). Diante de tal conjuntura, a história ruandesa, assim como a de todo o continente africano, foi fortemente afetada pelo colonialismo europeu. No período pré-colonial, os hutus e os tutsis interagiam de maneira amistosa e, até mesmo, harmônica. Ruanda organizava-se como um Reino desde meados do século XI, e seus governantes eram majoritariamente da etnia tutsi (BARNETT, 2002). Socialmente, os hutus praticavam a atividade agrícola, enquanto os tutsis eram dedicados às práticas pastoris (CARPANEZZI, 2008). Ainda que os tutsis possuíssem maior prestígio político e econômico mesmo sendo a etnia minoritária, havia uma coexistência pacífica entre os dois grupos sociais. No entanto, ocorreu uma drástica mudança a partir de 1894, com o início da colonização europeia. Ruanda, um reino independente e soberano, passou a ser subordinada ao Império Alemão, que detinha o controle político e econômico da região. A dominação alemã se deu até 1916, quando o país europeu perdeu suas possessões coloniais devido a sua derrota na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) (TATUM, 2010). A partir de tal acontecimento, houve uma política europeia de redistribuição dos territórios coloniais alemães, cabendo à Bélgica o domínio sobre Ruanda como país administrador do território sob a autoridade da Liga das Nações e, posteriormente, da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesse período, foi introduzida pelos alemães – e aprofundada e consolidada pelos belgas – uma política de hierarquização dos tutsis sobre os hutus visando garantir o controle europeu sobre o território, baseada em critérios pseudocientíficos (que alegam ter um embasamento teórico válido, mas que não são originados de métodos científicos) racistas de superioridade de raças e na própria configuração social ruandesa (BARNETT, 2002). Assim, da mesma forma que os europeus se consideravam etnicamente superiores aos africanos, estes também acreditavam que havia uma hierarquia entre os grupos étnicos de Ruanda. Levando em consideração aspectos físicos, os alemães e os belgas julgavam os tutsis superiores aos hutus, uma vez que estes tinham traços mais finos, que se aproximavam das características físicas dos povos europeus (DES FORGES, 1999). Contudo, o principal motivo para promover a fragmentação entre hutus e tutsis era outro: por meio da política de “dividir para reinar”, ou seja, de enfraquecer as relações entre os povos nativos e estimular uma rivalidade entre estes, facilitava-se a dominação da população colonial por parte das potências europeias (BARNETT, 2002). Com isso, foi atribuído aos tutsis um status mais elevado na sociedade, tanto na esfera política quanto na econômica, com o objetivo de fortalecer a autoridade europeia na região – sendo supostamente legitimado pelo discurso racista de superioridade racial. Durante a colonização europeia, tornou-se evidente o favorecimento dos tutsis na sociedade de Ruanda: estes tinham acesso à educação de melhor qualidade e dominavam o quadro estatal local, segregando a população hutu. O controle étnico por parte do Estado era realizado por meio das carteiras de identidade étnicas, as quais cada cidadão possuía uma, esclarecendo a qual grupo pertencia – política que se manteve até 1994 (CARPANEZZI, 2008; TATUM, 2010). Conforme afirma Des Forges (1999, p. 34), “ao assegurar o monopólio de poder tutsi, os belgas prepararam o cenário para futuros conflitos em Ruanda”. A diferença no tratamento dado aos tutsis e aos hutus, por parte das forças belgas, foi essencial para a instabilidade social do país, a qual desencadeou hostilidades entre os grupos étnicos (BARNETT, 2002).

1.2 A INDEPENDÊNCIA DE RUANDA A situação em Ruanda mudou após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), alterando o seu sistema político o qual, de forma subsequente, culminou na independência do país em 1962, na separação entre Ruanda e Burundi e na ascensão da etnia hutu ao poder após a Revolução Hutu. A Organização das Nações Unidas (ONU), criada ao final da guerra com o objetivo de impedir novos conflitos entre

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os países, passou a contar com o Conselho de Tutela2, órgão que supervisionava o governo ruandês e a colonização belga. Nesse cenário, coube à Bélgica alterar a política étnica segregacionista adotada anteriormente: a partir dos anos 1950, houve um aumento da participação hutu na política e um maior acesso à educação por parte dessa população. Contudo, tais medidas não foram consideradas suficientes para a maioria dos hutus, que desejavam maior controle político (DES FORGES, 1999). O ápice dessas tensões aconteceu em 1959, com a Revolução Hutu. Estimulada pelo descontentamento da etnia majoritária de Ruanda, o levante introduziu uma grande alteração nas relações de poder entre os grupos étnicos ruandeses (CARPANEZZI, 2008). A revolução foi uma resposta ao assassinato de um líder hutu por um grupo tutsi, desencadeando uma reação hutu, que espalhou a violência pelo país. É importante entender que os líderes hutus buscaram mostrar tal revolução como um conflito destemido e legítimo entre a maioria étnica do país e a minoria repressora. A revolução causou a morte de milhares de ruandeses, e a ordem só foi restaurada no ano de 1961 (DES FORGES, 1999). Durante o período, é importante ressaltar que aproximadamente 120 mil tutsis fugiram do país, com a maioria se deslocando para países fronteiriços, como Burundi, República Democrática do Congo e Uganda (BARNETT, 2002). Além disso, como consequência do conflito, a Bélgica passou a apoiar a população hutu em detrimento dos tutsis. Em plebiscito, os ruandeses se demonstraram a favor da independência e da confirmação de uma república, acabando com a monarquia no país (DES FORGES, 1999). Com isso, em 1962, Grégoire Kayibanda, da etnia hutu, foi declarado o primeiro presidente de Ruanda. Nesta época, já se estimava que 10 mil tutsis haviam sido mortos nos conflitos. Com a ascensão oficial ao poder, os hutus começaram a dominar a política e a economia do país, substituindo a elite formada por tutsis e belgas (HINTJENS, 1999). Dessa forma, na década de 1960, como afirma Carpanezzi (2008, p. 35), “os tutsi foram destituídos dos cargos administrativos do Estado, e alguns de seus líderes, eventualmente perseguidos e assassinados”. Com a independência de Ruanda, ocorreu uma inversão na política segregacionista: foram mantidas as divisões étnicas, porém privilegiando os hutus e discriminando os tutsis (DES FORGES, 1999). Mesmo após a independência, as tensões étnicas não terminaram. Pelo contrário, as políticas promovidas pelo governo hutu viriam a favorecer novos conflitos em Ruanda.

1.3 A GUERRA CIVIL RUANDESA A Guerra Civil Ruandesa, corrida de 2 de outubro de 1990 à 4 de agosto de 1993, teve como principais oponentes o governo do presidente Juvénal Habyarimana, de etnia hutu, e os rebeldes tutsis da Frente Patriótica de Ruanda (FPR). O conflito teve início com o golpe de Estado em julho de 1973, no qual houve a derrubada do então presidente Kayibanda por dez oficiais do Exército ruandês, que tomaram o poder e entregaram a Juvenal Habyarimana a liderança do governo de Ruanda (PINTO, 2011). Seu governo foi marcado pela centralização de poder em um único partido, o Movimento Revolucionário Nacional para a Democracia e Desenvolvimento (MRND), além de censuras à imprensa e à corrupção do aparato estatal (PINTO, 2011). Todavia, a perseguição aos tutsis quase cessou durante as duas décadas do regime, ainda que estes continuassem alheios à representação política. Apesar do regime de Habyarimana conseguir manter certa estabilidade econômica, em 1989 houve uma grave crise derivada da queda nos preços do café (uma das principais exportações do país), resultando em um déficit de 50% na balança comercial, o que reduziu a arrecadação de impostos, desencadeando a derrocada dos sistemas públicos de saúde e educação, além da crise alimentar, ocasionada pelo deslocamento de recursos para o setor militar (PAULA, 2011). É nesse contexto que surge a Frente Patriótica Ruandesa (FPR), um exército de rebeldes situados em Uganda (país vizinho de Ruanda). A FPR era constituída por exilados tutsis e seus filhos, organizados em campos de refugiados, expulsos do país pelos hutus com apoio do exército, devido às perseguições ocorridas entre 1959 e 1963 (PAULA, 2011). O principal objetivo do grupo era o de invadir Ruanda e tomar o poder, para assim possibilitar o retorno dos refugiados tutsis ao país, bem como findar as intolerâncias étnicas que eram fortemente sustentadas pelas carteiras de identidades étnicas

2 O Conselho de Tutela foi um órgão da ONU responsável por fiscalizar a administração de territórios sob tutela internacional, ou seja, que ainda não possuíam governo próprio – em sua maioria, ex-colônias de países europeus. Sua principal função era promover a autode-terminação dos povos e o estabelecimento de governos independentes, administrados pela população local dessas regiões. As atividades do Conselho de Tutela foram suspensas em 1994, uma vez que todos os territórios sob o regime de tutela se tornaram independentes (NA-ÇÕES UNIDAS BRASIL, [20--?]).

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obrigatórias (ALVES, 2011). A primeira tentativa de invasão realizada pela FPR ocorreu em outubro de 1990, na qual contava com um contingente de apenas cinquenta combatentes, contra o MRND que recebeu apoio da França e do Zaire. O ataque resultou no fracasso da operação e na morte do líder da FPR, Fred Rwigyema, que foi substituído por Paul Kagame, um refugiado em Uganda que se tornou militar e recebeu treinamento do exército norte-americano (SANTOS, STEFANI, 2018). Imediatamente após o primeiro ataque, a Guerra Civil transcorreu de maneira mais velada, na qual a população hutu era incitada por extremistas a atacar os tutsis. Simultaneamente, a FPR treinava seus integrantes de maneira mais disciplinada e direcionada, com ataques localizados e bem planejados visando ao enfraquecimento do regime. Em contrapartida, o exército de Ruanda praticamente triplicou seu contingente para conseguir controlar os ataques dos rebeldes, os quais se mostravam melhor preparados e por isso garantiam alguns êxitos. Ao atingir as proximidades da capital Kigali, a FRP demonstrou potencialidade de alcançar o poder, além de receber apoio e ampliar sua força política, fato que causou pânico na elite de Ruanda (PAULA, 2011). Tendo em vista os rumos que a Guerra Civil estava tomando, manifestou-se na elite ruandesa o desejo de acabar com os seus inimigos através de assassinato. Assim, o MRND tomou providências e patrocinou a milícia Interahamwe, rede de jovens formados dentro das torcidas organizadas de futebol, que futuramente faria parte dos massacres. Todavia, a fim de mitigar os protestos civis, o governo buscou distender o regime e criar uma nova constituição, que possibilitou o surgimento de outros partidos, inclusive de oposição (SILVA, 2003). No momento em que a Guerra Civil se estreitou, os países ocidentais começaram a intervir. França, Bélgica e EUA, além de outros países africanos, usando-se de suas influências, coagiram o presidente Habyarimana a firmar os “Acordos de Arusha” com a FPR, assinados em agosto de 1993 (PAULA, 2011). Os acordos, celebrados na Tanzânia, tinham como objetivo garantir o direito de retorno dos refugiados e a conciliação política entre MRND e a FPR, determinando que cada parte poderia indicar cinco ministros – o que resultaria em um governo conjunto das duas partes do conflito. Ademais, os acordos também garantiriam igualdade de representações oficiais no exército e cessar-fogo entre os rivais (PAULA, 2011). No entanto, apesar das concessões contidas nos acordos, ambos os lados continuaram seus planos anteriores – visto que tanto o governo quanto a oposição possuíam lados extremistas e moderados. Os moderados eram a favor dos Acordos de Arusha, independente do lado do conflito. Já os extremistas hutu queriam eliminar seus adversários, na mesma medida em que os extremistas tutsis queriam o poder integral do governo. Dentro de tal contexto, em 1993, o governo realizou importações de armas como machetes e instrumentos agrícolas (tesouras, martelos, machados e facas). Ademais, milícias hutus extremistas, aproveitando-se da economia em colapso, armaram parte da população, através da distribuição de rifles, armas brancas e granadas, de forma a preparar a população hutu para um possível conflito direto (PAULA, 2011). Tendo em vista a continuidade das tensões, a ONU decidiu por intervir na região a fim de contribuir para o fim do conflito e a implementação da paz. Assim, o Conselho de Segurança, em 5 de outubro de 1993, criou a Missão de Assistência das Nações Unidas para Ruanda (UNAMIR), uma missão de paz que buscava alcançar tais objetivos (STEDMAN; ROTHCHILD; COUSENS, 2002).

2 APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA

As tensões em Ruanda levaram a uma intervenção por parte da Organização das Nações Unidas, assim como da Organização da Unidade Africana, e chocaram a comunidade internacional. A instalação de uma missão de paz como a UNAMIR é um processo extremamente complexo e requer extrema cautela. Contudo, a situação interpretada como o extermínio da população tutsi no país dificultou ainda mais a posição das organizações internacionais, trazendo à tona extremas violações de direitos humanos e o acirramento de uma guerra civil de longa data. Assim, esta seção tem por objetivo elucidar os acontecimentos ocorridos a partir de 6 de abril de 1994, analisando a atuação da comunidade internacional e suas ações diante do conflito.

2.1 O EXTERMÍNIO DA POPULAÇÃO TUTSI Como visto anteriormente, o cenário de extermínio que atingiu Ruanda, no ano de 1994, foi

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precedido por três anos de um intenso conflito decorrente da Guerra Civil previamente instaurada. Esta, por mais uma vez na história do país, colocou em oposição os grupos organizados em torno das divisões étnicas historicamente enraizadas: tutsi e hutu. De um lado, a Frente Patriótica de Ruanda (FPR) – organizada pela resistência tutsi – exigia a destituição do poder vigente e o direito à repatriação de seu povo. Do outro, os partidários atrelados ao governo tinham por objetivo manter a política de divisão étnica, a qual favorecia a população hutu (CARPANEZZI, 2008). Mesmo diante de tal conjuntura – e de uma longa história de tensões – o estopim do extermínio da população tutsi carrega uma data específica: seis de abril de 1994. Esta demarcação representa o dia do assassinato do então presidente de Ruanda, Juvénal Habyarimana, vítima do atentado que derrubou o avião que o transportava. A queda do avião, além de representar o gatilho para os subsequentes episódios de matança contra a população tutsi, deu início à luta final da FPR pela tomada do poder do país (PAULA, 2011). É importante notar que o avião trazia o presidente de volta da Tanzânia, onde ele estivera para negociar os pontos finais dos Acordos de Arusha. Por causa desse fato, até os dias atuais, não há comprovação de quem foram os responsáveis pelo atentado: os tutsis ou a ala extremista hutu, favorável à continuidade da segregação e exílio dos tutsis e, portanto, contrária à implementação dos Acordos de Arusha (CARPANEZZI, 2008). Imediatamente após o atentado, os assassinatos contra a população tutsi – e hutu moderados – começaram e espalharam-se por todo o país, inserindo Ruanda em um cenário de completo caos e violência. Tal onda de massacres foi possível devido a existência de listas, denominadas “listas da morte”, que continham os nomes dos indivíduos que deveriam ser assassinados (NIKUZE, 2014). Paralelamente, as milícias organizadas, conhecidas como Interahamwe – armadas e apoiados pelo governo hutu – realizavam bloqueios nas estradas e limites do país, utilizando as listas para identificar e assassinar os tutsis que caíam em suas mãos. Ademais, além das Forças Armadas de Ruanda, da Guarda Presidencial e das milícias, cidadãos hutu também desempenharam um papel na matança, visto que a liderança extremista fornecia armas brancas e de fogo para a população (MENDONÇA, 2013). Além dos oponentes políticos, milhares outros indivíduos foram mortos em questão de dias, mergulhando o país em um cenário em que os assassinatos se tornaram algo do cotidiano. Poucas semanas depois da deflagração do extermínio na capital, os massacres também se espalharam para as áreas rurais, onde praticamente todos os habitantes se conheciam – o que tornou ainda mais fácil a identificação dos indivíduos “alvo” (PINTO, 2011). As motivações por detrás do extermínio da população tutsi devem ser entendidas para muito além do discurso que classifica o ocorrido como um simples conflito entre duas etnias distintas. O governo hutu detinha o controle sobre a administração e sobre as forças militares, o que os propiciou levar a cabo a campanha da matança – sempre através da justificativa de proteção do Estado contra os extremistas tutsis. Todos os aparelhos disponíveis foram utilizados, inclusive a mídia – amplamente instrumentalizada para incitar o ódio contra os rebeldes tutsis, revivendo na população hutu o medo dos antigos governantes tutsis (PAULA, 2011). Desse modo, os assassinatos sistemáticos inseriram-se em um cenário de disputas por poder político e econômico, representando não apenas dois polos étnicos (hutu e tutsi), mas também dois polos de poder político (CARPANEZZI, 2008). Ademais, o estopim dos acontecimentos também recai sobre o fracasso da estrutura de paz arquitetada pela comunidade internacional: os Acordos de Arusha – que não conseguiram dar fim às disputas – e a Missão de Paz UNAMIR (PAULA, 2011). Imediatamente após o início do extermínio, os países estrangeiros evacuaram seus cidadãos que viviam em Ruanda e fecharam suas embaixadas, negando auxílio aos ruandeses que clamaram por ajuda. As tropas da UNAMIR, instauradas no território desde a Guerra Civil, ofereceram pouca resistência aos assassinatos – visto que a comunidade internacional não entendia como válido interferir tão diretamente em assuntos considerados internos do governo de Ruanda (KELLER, 2015). No entanto, os números das mortes da população tutsi e hutu moderados continuou ascendente, de forma que os países estrangeiros – e a própria Organização das Nações Unidas – não podiam mais ignorar. Cerca de 500 mil indivíduos foram assassinados, além de dois milhões de ruandeses que se deslocaram para os países vizinhos (Uganda, Tanzânia, Burundi e Zaire) em busca de um refúgio e de uma chance de sobreviver. Assim, as discussões sobre o principal instrumento de paz utilizado pela ONU para estabilizar a situação de Ruanda voltaram à tona: o papel e a validade da Missão de Paz UNAMIR (CARPANEZZI, 2008).

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2.2 A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS E O PAPEL DA UNAMIR Desde seu estabelecimento pelas Nações Unidas, em 1956, as operações de paz se orientam por três condições básicas, as quais garantem o seu papel como ferramenta da manutenção da paz e segurança internacional. O primeiro princípio é o consentimento das partes envolvidas, ou seja, a missão só será implementada caso ambos os lados do conflito concordem com a presença da ONU no local – excepcionalmente, é possível estabelecer uma missão se identificada uma situação de crise e violência incitada por uma oposição política com bases no exterior, caso esse pedido de auxílio seja feito pela governança do Estado atingido. O segundo princípio é o de imparcialidade, o qual determina que a operação deve garantir a paz e o fim do conflito entre as partes, ou seja, a guerra não deve ser vencida por nenhum lado. Por fim, o princípio de não uso da força impede os capacetes azuis (militares da ONU) de usar a força bruta no conflito, à exceção do caso de legítima defesa (UZIEL, 2010). A Organização das Nações Unidas estabeleceu a sua presença em Ruanda inicialmente no ano de 1993, através da Missão de Observação das Nações Unidas em Uganda-Ruanda (UNOMUR). Anteriormente, o Estado estava sob a administração da Bélgica determinada pelo Conselho de Tutela em dezembro de 1946, após o fim da Segunda Guerra Mundial, marcando, desde o início, um certo reconhecimento da situação precária na região por parte da Organização (ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, 1946a; AGNU, 1946b). Ademais, a UNOMUR, missão que contava com observadores militares3, foi estabelecida pelo Conselho de Segurança a pedido de ambos os países, a fim de prevenir o uso da fronteira entre estes pela Frente Patriótica Ruandesa. As tropas foram alocadas no lado ugandês da fronteira, com a missão de fiscalizar para que nenhuma assistência militar rebelde chegasse à Ruanda (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2019b). A Missão de Assistência das Nações Unidas para Ruanda (UNAMIR) foi estabelecida no ano de 1993, após a assinatura dos Acordos de Arusha, mediante o qual ambas as partes solicitaram o auxílio da ONU para sua implementação (ONU, 2019a). As diretrizes da missão foram determinadas pela Resolução 872 do Conselho de Segurança, de outubro de 1993, sendo seu período inicial de seis meses, sujeita a renovação do Conselho. Sua função seria a de contribuir com a segurança da cidade de Kigali, monitorar o acordo de cessar-fogo e as demarcações das zonas desmilitarizadas4 e dos processos de desmilitarização, supervisionar o período de transição do então governo de Ruanda, o processo eleitoral e o processo de repatriação dos tutsis refugiados e, por fim, apoiar a coordenação de atividades de assistência humanitária (CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS, 1993). Todavia, conforme o observado, a missão passou a enfrentar dificuldades já nos primeiros meses de sua instalação devido a não implementação do Acordo de Arusha. Além disso, o fracasso da missão empregada na Somália5 repercutiu em relutância por parte dos membros do Conselho em tomar parte em uma missão de tamanhas dimensões, e em enviar o contingente de soldados adequado, conforme o solicitado pelos especialistas já em solo ruandês (AKONOR, 2017). O envio do batalhão da UNAMIR em Kigali – cuja composição era de contingentes da Bélgica e Bangladesh – foi finalizado em dezembro de 1993, e a zona desmilitarizada da cidade foi demarcada no dia 24 de dezembro. No que tange ao emprego de tropas, apesar da força autorizada pelo Conselho ser de 2.548 integrantes, levou um total de cinco meses para alcançar a quantidade pré-determinada; inicialmente a missão contou apenas com 400 soldados belgas e um apoio logístico de Bangladesh de 400 outros (ONU, 2019a). O cenário de instabilidade e truculência, todavia, intensificou-se. Em seis de abril de 1994, como apresentado anteriormente, o avião em que estava o presidente Habyarimana foi abatido, resultando em sua morte. No dia seguinte, dez soldados belgas que atuavam na UNAMIR foram mortos pela Guarda Presidencial enquanto tentavam proteger a primeira-ministra Agathe Uwilingiyimana, levando o embaixador da Bélgica a retirar seu batalhão remanescente do país e, consequentemente, da missão de paz (MCQUEEN, 2005). Frente ao enfraquecimento da UNAMIR, o Conselho de Segurança da ONU reuniu-se em 21 de

3 Observadores militares são oficiais militares não armados, tradicionalmente empregados para monitorar e supervisionar acordos entre partes de um conflito que estabeleçam arranjos como cessar-fogo ou armistícios. Sua função principal é monitorar e reportar o cumprimen-to dos acordos e da situação militar em geral na região empregada (ONU, 2003).4 Zonas desmilitarizadas são territórios, pré-demarcados em acordos internacionais, cuja presença de atividades, pessoal e instalações militares estão proibidos. Muitas vezes essas são consideradas zonas “neutras” dentro do conflito (BRASIL, 2007).5 A Operação das Nações Unidas na Somália (UNOSOM I e II) não foi capaz de prevenir a Guerra Civil na Somália e teve como consequ-ência adjacente a retirada dos EUA das missões de paz, após o massacre de seu contingente em uma operação em 1993, além de diversas outras baixas entre os capacetes azuis (FAGANELLO, 2013).

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abril de 1994 para discutir qual seria o futuro da operação. De modo geral, existiam duas possibilidades centrais: um imediato e massivo reforço à UNAMIR, aumentando o número de tropas e expandindo sua capacidade de ação para cerca de 5.500 soldados ou, oposto a isso, uma completa retirada dos batalhões e um encerramento das atividades (BARNETT, 2014). Através da Resolução 912 (1994), decidiu-se por um meio-termo – ainda que a UNAMIR não tenha sido finalizada, seu tamanho foi reduzido de 2.548 soldados para 270, que deveriam atuar na cidade de Kigali de modo a mediar os dois lados do conflito e encorajar um cessar-fogo (MCQUEEN, 2006). A decisão levou em conta a situação de risco enfrentada pelos capacetes azuis, assim como o rompimento dos Acordos de Arusha (motivo inicial da missão) e a situação de guerra civil. Sendo assim, a UNAMIR, no momento da reunião do CSNU em 17 de maio de 1994, conta com contingente reduzido, apesar dos registros de pedido de reforços vindos do Comandante da Força em Ruanda. Ademais a decisão de isolamento e não uso da força (derivados de experiências anteriores com guerras civis, como na Somália) levam os membros do Conselho a agirem de forma a retardar decisões que possam impactar diretamente a posição dos capacetes azuis na região (FAGANELLO, 2013).

2.3 A SITUAÇÃO EM RUANDA: UM ATO DE GENOCÍDIO? Apesar do termo genocídio ter sido cunhado somente no século XX, existem diversos eventos históricos que podem ser classificados como atos de tal atrocidade – desde a perseguição aos protestantes na Idade Média até a expansão europeia na Ásia, África e América. Entretanto, tais eventos são frequentemente ofuscados por um dos maiores exemplos de genocídio: a perseguição travada pelo líder nazista alemão Adolf Hitler a minorias étnicas, em sua maioria judeus e ciganos, durante a Segunda Guerra Mundial. Foi por causa desse episódio que um jurista polonês chamado Raphael Lemkin cunhou a palavra genocídio, no ano de 1944, para classificar os horrores cometidos pelos nazistas e lançar base para as classificações atuais do termo (JONES, 2006). Assim, no ano de 1948, a fim de legalmente criminalizar o ato de genocídio, a Convenção Internacional para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio foi elaborada pela ONU, classificando como:

quaisquer dos atos abaixo relacionados, cometidos com a intenção de destruir, total ou parcial-mente, um grupo nacional, étnico, racial, ou religioso, tais como: (I) assassinato de membros do grupo; (II) causar danos à integridade física ou mental de membros do grupo; (III) impor delibera-damente ao grupo condições de vida que possam causar sua destruição física total ou parcial; (IV) impor medidas que impeçam a reprodução física dos membros do grupo; (V) transferir à força crianças de um grupo para outro (ONU, 1948, p. 2).

Portanto, de forma generalizada, o termo é comumente entendido como o ato intencional de matar e exterminar membros de um grupo ou grupos inteiros; característico de situações de intolerância étnica, racial ou religiosa. Ademais, não somente o ato de genocídio deve ser punido, mas também a tentativa, a cumplicidade e a incitação de tal crime. Desse modo, através de tal Convenção, quando uma situação é entendida e legalmente classificada como um ato de genocídio, os países possuem a prerrogativa e o dever de atuar para dar fim às matanças e ao próprio conflito (JONES, 2006). Outro ponto importante a ser entendido é a diferença entre uma guerra civil e um genocídio. Uma guerra civil supõe um combate entre duas ou mais forças que possuem a capacidade de combater – no caso de Ruanda, a Força Patriótica Ruandesa e o governo hutu. Já o genocídio é caracterizado como uma campanha, planejada e sistematizada, de extermínio de um grupo não necessariamente combatente, ou seja, assassinatos que não possuem uma ligação direta entre o conflito armado e os crimes cometidos. Ademais, é importante notar que Organização das Nações Unidas possui como um de seus grandes princípios a condenação de conflitos e de guerras; com apenas duas exceções para o acontecimento de tais situações: a autorização do Conselho de Segurança e a legítima defesa de um Estado contra ameaças ao seu governo e a sua população (KELLER, 2015). Tendo isso em mente, apesar de nos dias atuais a situação em Ruanda ser caracterizada como um genocídio pela maioria dos estudiosos e historiadores, à época a classificação do acontecimento não detinha tamanho consenso, principalmente no que diz respeito às opiniões da comunidade internacional. As discussões sobre a situação em Ruanda, abordadas em âmbito do Conselho de Segurança, deixavam clara a constante omissão do termo genocídio para classificar as ocorrências e, até mesmo, a utilização

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da legítima defesa – contra grupos rebeldes – como argumento para os assassinatos cometidos. Além disso, outro ponto muito enfatizado pelos países presentes nas discussões era o papel de imparcialidade das ações de manutenção de paz da Organização, ou seja, a comunidade internacional não deveria escolher um lado do conflito para apoiar (PAULA, 2011). Através de tais narrativas, o Conselho de Segurança evitou, por muito tempo, denominar a situação de genocídio, principalmente porque tal ato significaria o dever de atuar ativamente para o fim das atrocidades cometidas. Ao invés disso, afirmava-se que os acontecimentos representavam a continuação da Guerra Civil travada até então e que a interferência assertiva das Nações Unidas era inapropriada, visto que a contenção de tais crimes era dever exclusivo do Estado de Ruanda e de sua própria jurisdição e soberania. É importante entender que a posição oficial da ONU era de repúdio e condenação às atrocidades cometidas no conflito, entretanto, isso não significava que os países estavam dispostos a pegar para si o dever de acabar com o extermínio (KELLER, 2015). Deve-se ressaltar que, apesar de atualmente existirem provas concretas de que os atos de atrocidade cometidos contra a população tutsi eram amplamente organizados e sistematizados, é difícil concluir se tais provas e informações chegaram aos países do Conselho de Segurança na época das discussões – mesmo que diversos estudiosos da situação apontem que sim. Assim, à época, sem tais informações, ou sem provas destas, a comunidade internacional optou por evitar a classificação como genocídio, mesmo depois de meses de ocorrência das atrocidades, evitando, também, aumentar as forças da UNAMIR e tomar medidas concretas contra o governo de Ruanda (PINTO, 2011).

3 AÇÕES INTERNACIONAIS PRÉVIAS Conforme explicado na seção histórica deste guia de estudos, a Guerra Civil de Ruanda teve início em 1990 e foi caracterizada por uma disputa entre dois principais setores da sociedade – a Frente Patriótica de Ruanda (FPR) e as tropas governamentais do presidente Juvénal Habyarimana. À medida que o conflito avançava, as forças rebeldes da FPR foram ganhando mais espaço, de modo que Habyarimana se viu compelido a negociar. Nesse sentido, é importante ressaltar a atuação mediadora da Organização da Unidade Africana (OUA) e, mais especificamente, do governo da Tanzânia, que estabeleceram e acompanharam as conversas de paz (OLSON, 1995). Em agosto de 1993, foi assinado o Acordo de Arusha, encerrando formalmente a Guerra Civil Ruandesa. Dentre os principais pontos concordados, estipulou-se a composição de um Governo de Transição de Base Ampla, que deveria substituir o regime existente até que ocorressem novas eleições (MCQUEEN, 2005). Além disso, foi também definida a formação de um novo exército integrado, em que as posições de comando seriam divididas igualmente entre a FPR e as forças governamentais. As hostilidades, no entanto, não se encerraram com o Acordo de Paz de Arusha, visto que ondas de violência envolvendo hutus e tutsis continuaram a ocorrer (KUPERMAN, 2001). O Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), ao abordar o conflito em Ruanda, aprovou três principais resoluções, de números 872, 909 e 912. A primeira, resultado da reunião de 5 de outubro de 1993, estabeleceu a Missão de Assistência das Nações Unidas para Ruanda (UNAMIR), designada a atuar no país por um período inicial de seis meses com o objetivo geral de monitorar a implementação do Acordo de Arusha (MCQUEEN, 2005). Como mostrado anteriormente, dado seu caráter de missão de paz, a UNAMIR buscava contribuir com a segurança da cidade de Kigali, observando os arranjos de cessar-fogo e os processos de repatriação dos refugiados ruandeses, de modo geral auxiliando na coordenação da assistência humanitária. De acordo com a Resolução 872 (1993), o mandato da UNAMIR, caso estendido, seria encerrado após a ocorrência de eleições e a consequente instauração de um novo governo em Ruanda. Através da Resolução, o CSNU também parabenizou a OUA por, desde 1992, atuar positivamente em Ruanda através do Grupo Observador Militar Neutro (NMOG), formado por 50 membros fornecidos pela organização. Posteriormente, seria aprovado o envio de dois especialistas militares para ampliar as forças africanas e integrá-las junto às atividades da UNAMIR (CSNU, 1993). Em 5 de abril de 1994, o CSNU aprovou a resolução de número 909. Nesta, expressa-se uma preocupação diante da deterioração das condições humanitárias e de segurança, também apontando uma insatisfação frente à demora para estabelecimento do Governo de Transição de Base Ampla, que já deveria estar em ordem desde março. O CSNU, através da Resolução 909 (1994), optou por expandir o mandato da UNAMIR por mais três meses, enfatizando, contudo, que a manutenção da missão de paz dependeria da implementação completa e imediata das medidas acordadas em Arusha (CSNU, 1994a).

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Frente ao acirramento das tensões em Ruanda e após a derrubada do avião do presidente, o CSNU se viu obrigado a debater o futuro da operação, dando origem à Resolução 912 (1994). A decisão resultante determinou a redução do tamanho da UNAMIR de 2.548 soldados para 270 (MCQUEEN, 2006). No texto desta resolução, também estava manifestada uma extrema preocupação com a violência em larga-escala empregada em Ruanda e a consequente morte de milhares de civis. Nesse sentido, é importante pontuar que não se fez uso oficial do termo “genocídio” (CSNU, 1994b). Levando em conta as ações internacionais adotadas até então, espera-se que, na reunião de 17 de maio de 1994, os membros do CSNU adotem medidas cabíveis ao conflito em Ruanda. Deste modo, deve-se pensar no futuro da UNAMIR, seja para uma extensão de seu mandato e expansão das tropas, um encerramento das operações ou ainda uma terceira via. Além disso, o CSNU pode decidir de maneira favorável ou contrária a um embargo de armas de fogo a Ruanda, embora seja relevante considerar que armas brancas, como facões, são também amplamente utilizadas (BARNETT, 2014). Adicionalmente, espera-se que o CSNU discuta se um cessar-fogo é possível de ser alcançado e se deve ser encorajado, bem como se o Acordo de Arusha ainda deve ser tido como parâmetro para alcance da paz. Em suma, o CSNU deve debater quais as melhores formas de dar fim às ondas generalizadas de violência, buscando definir se existe, de fato, uma situação de genocídio e de que maneira se pode trazer paz e segurança de volta a Ruanda.

4 POSICIONAMENTO DOS PAÍSESA República Argentina é um membro eleito do Conselho e preza pela essencialidade com relação à adoção de medidas que visam a atender às necessidades mais urgentes de suporte aos refugiados, dessa maneira considera legítima a extensão do mandato da UNAMIR. O governo argentino espera que a situação crítica em Ruanda seja resolvida com suporte da comunidade internacional (CSNU, 1994c).

A República Federativa do Brasil considera a situação em Ruanda uma crise humanitária – e não um genocídio – e é favorável a medidas que incentivem o cessar-fogo em Ruanda. Para isso, o país defende a expansão do mandato da UNAMIR, uma vez que a considera essencial para o cumprimento dos Acordos de Arusha e para a retomada da paz na região (PERES, 2014).

A República Checa enxerga a situação em Ruanda com bastante urgência e preocupação. O país é favorável a uma expansão do mandato da UNAMIR e de suas tropas, acreditando que o objetivo primordial da operação não seja o envolvimento direto na guerra civil, mas sim a defesa dos civis em perigo. Ademais, a República Checa defende que a violência perante a população tutsi constitui um ato de genocídio (CSNU, 1994c).

A República Popular da China, um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, defende a necessidade de maior atuação da OUA na questão de Ruanda, além de estimular o diálogo entre as partes, a cooperação com a UNAMIR e a retomada dos Acordos de Arusha. Ademais, considera de suma importância a garantia da segurança dos capacetes azuis no ambiente de guerra civil e no futuro processo de negociações (CSNU, 1994c).

A República do Djibuti defende a revisão do mandato da UNAMIR, fortalecendo-a e aumentando o seu contingente em Ruanda, como medida para a restabelecer a ordem. Para garantir o sucesso da missão de paz, o país também é favorável à aplicação do embargo de armas para ambas as partes do conflito como medida complementar (CSNU, 1994c).

O Reino de Espanha demonstra fortes preocupações com a situação em Ruanda. O país denuncia o genocídio que transcorre na região e clama que as partes do conflito retomem as tentativas de acordos de paz. Ademais, o país compreende e extrema necessidade da participação da UNAMIR na conciliação e do aumento do seu contingente (CSNU, 1994c).

Os Estados Unidos da América defendem o Acordo de Arusha e acreditam que medidas interventivas são necessárias para pacificar Ruanda, apesar de observar o assunto com um certo distanciamento. Anteriormente bastante favoráveis à redução das tropas da UNAMIR, os EUA hoje defendem a extensão do mandato, enfatizando, contudo, que a eficácia e alcance da missão de paz devem ser comprovadas para que a operação continue (MCQUEEN, 2005).

A França defende a retomada dos Acordos de Arusha como a principal forma de restauração da paz e concorda

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com a extensão do mandato da UNAMIR. Ademais, alinhado ao governo ruandês, o país entende que os acontecimentos em Ruanda são resultados dos ataques da Frente Patriótica Ruandesa, defendendo que as retaliações internacionais devem recair sobre tais extremistas (MENDONÇA, 2013). A Nigéria, país porta-voz da importância da atuação dos países africanos nos conflitos de seu próprio continente, defende a ação conjunta da ONU com os países representantes da Organização da União Africana (OUA). Ademais, o governo nigeriano defende a extensão do mandato da UNAMIR, enfatizando, contudo, que o foco da missão seja a ajuda humanitária às vítimas do conflito; e que a Nigéria seja autorizada a enviar tropas próprias para a Missão (CSNU, 1994c).

A Nova Zelândia preza pela extensão do mandato da UNAMIR, incluindo a atualização e aperfeiçoamento do seu conceito operacional, visando à proteção de civis em risco em vários locais no interior de Ruanda. Desse modo, o governo da Nova Zelândia busca alterações nas funções da UNAMIR, com uma abordagem mais prática de todas as complexas operações supervisionadas pelo Conselho (CSNU, 1994c).

O Sultanato de Omã, como membro não-permanente, suporta a autonomia ruandesa para a resolução do conflito e estabelecimento da paz, bem como a continuação do diálogo para implementar o Acordo de Paz de Arusha. Além disso, Omã toma como principal função do Conselho de Segurança o suporte para as pessoas deslocadas e os refugiados e, para atingir esse fim, a expansão e a alteração do mandato da UNAMIR (CSNU, 1994c).

A República Islâmica do Paquistão, enquanto membro não-permanente do Conselho de Segurança, mostra-se relativamente favorável à expansão das tropas e do mandato da UNAMIR. Isso se dá porque o país demonstra preocupação perante a situação de violência existente em Ruanda, defendendo que a Missão deve estar adequadamente armada e com uma margem de ação ampla para que possa obter resultados efetivos. Ademais, Paquistão defende que um embargo de armas deve ser imposto a Ruanda (CSNU, 1994c).

O Reino Unido acredita que antes de qualquer proposta de ampliação da UNAMIR, é necessária a garantia de um cessar-fogo acordado entre as partes a fim de não prejudicar a segurança dos capacetes azuis. Ademais, a situação de guerra civil interna é vista como um ato sustentado por ambos os lados do conflito e, por isso, o país se mostra reticente em apontar culpados (CURTIS, 2017; WILLIAMS, 2014).

A República de Ruanda, representando o governo hutu, se demonstra favorável à expansão do mandato da UNAMIR para que se permita o estabelecimento de um cessar-fogo. Para isso, as tropas devem ser compostas por países neutros ao conflito. Ademais, a FPR é vista como a única força ilegítima do conflito, sendo o único lado que deve sofrer sanções. Por isso, Ruanda defende um embargo de armas à Uganda – que é acusada de fornecer armamentos para os rebeldes tutsis – e é contrária a medidas que afetem o governo ruandês (CSNU, 1994c).

A Rússia acredita que a única forma restaurar a paz em Ruanda é através da cooperação entre as duas partes do conflito. Ademais, o país entende como necessária a implementação de um embargo de armas à Ruanda, além de defender a criação de áreas dedicadas especialmente à ajuda humanitária – principalmente ao longo das fronteiras do país (CSNU, 1994c).

5 QUESTÕES PARA DISCUSSÃO (1)Quais medidas podem ser tomadas para impedir o prolongamento do conflito?

(2) Qual deve ser o papel da Missão de Paz UNAMIR em Ruanda? Apenas humanitário, ou com o uso da força?

(3) Frente à situação de guerra civil, é possível identificar um agressor principal no conflito? Se sim as punições devem ser direcionadas apenas a ele, ou a todas as partes?

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ASSEMBLEIA DE GOVERNADORES DO FUNDO MONETÁRIO

INTERNACIONAL DE 1986

A Renegociação das Dívidas Externas dos Países Latino-Americanos

Felipe Jaeger Andreis, Igor Estima Sardo, Maria Eduarda Variani e Victoria Ellwanger Pires1

1 Graduandos e Graduandas em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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QUESTÕES PARA ORIENTAÇÃO

(1) Por que a estabilidade econômica no exterior é importante para um país?

(2) Como as negociações realizadas com as instituições internacionais afetaram o crescimento econômico e o desenvolvimento dos países latino-americanos após o período de descolonização?

INTRODUÇÃO Em 1944, ao final da Segunda Guerra Mundial (conflito militar global que teve início em 1939 e perdurou até 1945), estabelecem-se os Acordos de Bretton Woods que tinham como objetivo discutir a criação de mecanismos capazes de reconstruir a ordem econômica internacional. Os mesmos visavam substituir o padrão monetário 1utilizado até a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) – o padrão-ouro –, fomentar o desenvolvimento econômico e o comércio internacional, ajustar a balança de pagamentos2, auxiliar os países membros através de políticas econômicas, aumentar a liquidez da economia internacional e criar regras para o funcionamento pleno da nova ordem econômica (BELLUZZO, 1995). Outro resultado de Bretton Woods foi a consagração dos Estados Unidos como potência hegemônica da economia internacional3 e o dólar como a moeda chave das finanças globais. Isso porque as moedas de todos os demais governos deixam de ser alastradas no ouro, uma moeda “neutra” e passam a ter correspondência direta com a moeda estadunidense: o dólar. Em suma, isso significa que quaisquer alterações bruscas na economia norte-americana e no valor do dólar teriam duras consequências para os demais países. (OLIVEIRA; MAIA; MARIANO, 2008). A criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) também se dão através dessas reuniões e desses acordos. Ao Fundo é concedida a função de fornecer recursos, por um curto período de tempo, para os países que apresentassem dificuldades na manutenção da paridade de suas moedas ante o dólar, além de prestar auxílio e consultoria para os países acerca de quais políticas econômicas deveriam ser adotadas. Ademais, o FMI seria o órgão responsável pela fixação das taxas de câmbio4 e pela realização dos seus ajustes (COZENDEY, 2013). O órgão máximo do Fundo é o Conselho de Governadores, formado pelos Ministros das Finanças ou pelos Presidentes do Banco Central (designados pelos países-membros). Esses possuem a função de dirigir a organização e possuem o poder de decidir questões basilares, tais como o aumento das quotas, a aceitação de novos membros e a criação de emendas ao acordo constitutivo. As reuniões ocorrem uma vez por ano (exceto em caso de reuniões extraordinárias motivadas por algum evento de força maior) e as decisões são realizadas por voto postal, isto é, os votos de cada país possuem “pesos” diferentes dependendo da sua participação no capital do FMI (são chamadas “quotas”). Além do Conselho de Governadores, o FMI possui dois outros órgãos: o Conselho Executivo e o Secretariado. O primeiro é responsável pela supervisão da gestão, pela aprovação dos programas de socorro do Fundo e pela discussão dos exames anuais das políticas econômicas dos membros. O último é liderado por um Diretor Gerente que é eleito pelo Conselho Executivo e participa tanto das reuniões desse órgão como das reuniões do Conselho de Governadores (FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL, 1944).

1 HISTÓRICO Inicialmente, tanto os empréstimos do Fundo Monetário Internacional como os do Banco Mundial eram direcionados aos países desenvolvidos cujas economias haviam sido afetadas pela Segunda Guerra e passavam, portanto, por um momento de reestruturação. O FMI tinha como principal objetivo auxiliar essas economias a passarem pela transição e realizarem as mudanças necessárias para que se adequassem ao novo Sistema Monetário internacional, seguindo as regras estipuladas pelos acordos de Bretton Woods. Entretanto, na prática, realizar essas mudanças era um processo muito mais

1 O padrão monetário é o sistema utilizado pelas autoridades monetárias como a unidade de correspondência da sua moeda. O padrão-ou-ro, por exemplo, era quando os governos tinham o valor da sua moeda definido em uma quantidade fixa de ouro e essa correspondência era legal e internacional (SANDRONI, 1999).2 Balança de pagamentos é o registro de todo o dinheiro que entra e que sai do país seja na forma de importações, exportações, investi-mentos, serviços, etc. Uma balança comercial superavitária é aquela que tem mais dinheiro entrando do que saindo no país, enquanto uma balança comercial deficitária é aquela que mais envia dinheiro para fora do que recebe (SANDRONI, 1999, p. 40).3 “A liquidez da economia nada mais é do que a quantidade de dinheiro vivo circulante disponível nela” (SANDRONI, 1999, p. 350).4 Taxa de câmbio é a correspondência que duas moedas têm entre si, ou seja, o preço de uma delas medido em relação à outra. No regime de câmbio fixo há a interferência de uma autoridade monetária (normalmente o Banco Central dos países), que determina um preço fixo de uma moeda estrangeira em moeda nacional, a fim de que não haja variação na taxa. No regime de câmbio flutuante as taxas variam de acordo com o mercado, isto é, de acordo com a oferta e a demanda por moeda, sem a interferência de políticas Estatais (SANDRONI, 1999).

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complexo do que o previsto pelas instituições. Os países se viam incapazes, ou não viam vantagem, em adotar o padrão dólar-ouro5 e em manter uma base monetária consistente com a paridade cambial6 estipulada pelo FMI, um dos pilares do novo Sistema Monetário. As nações até reconheciam o dólar como moeda central, mas utilizavam taxas de câmbio diferentes daquelas estipuladas pelo FMI (OLIVEIRA; MAIA; MARIANO, 2008). O Fundo foi percebendo que havia um descompasso entre o que era determinado pelos economistas que elaboraram as normas e o que de fato era a realidade da economia internacional naquele momento. A instituição passou a priorizar a estabilização das balanças de pagamento e a prestação de consultoria aos países membros, acreditando que fortalecendo a economia desses países posteriormente os mesmos se adequariam às regras do novo Sistema Monetário. Um dos principais empecilhos à adoção da paridade da moeda era a insuficiência de dólares no mercado internacional, mas graças aos gastos militares norte-americanos (tanto na Europa como na Ásia) e aos investimentos das empresas norte-americanas atuando no exterior, esse problema foi sendo contornado (EICHENGREEN, 2000). O número de dólares na economia internacional atingia uma quantidade considerável, principalmente na Europa, e os países desenvolvidos, em sua maioria, já haviam recuperado suas capacidades produtivas e estabilizado sua balança de pagamentos. Em 1952, o Japão e a Alemanha fixaram suas paridades cambiais ao padrão dólar-ouro, sendo esse um marco de consolidação do sistema Bretton Woods. Ao longo da década de 1960, o sistema passou por uma fase de expansão já que esse período foi marcado pelo surgimento de Estados que se tornaram independentes (como por exemplo, a Nigéria e a Costa do Marfim) e passaram a fazer parte da nova ordem econômica, adequando suas economias às leis que regulamentavam tal ordem e à conversibilidade. Outra consequência é que com a revitalização das economias dos países desenvolvidos, o FMI passa a conceder apoio financeiro para países em desenvolvimento, mesmo àqueles que ainda não haviam adotado a paridade cambial estipulada pelo Fundo (COZENDEY, 2013). Aparentemente, tudo corria bem, entretanto, uma falha inerente ao funcionamento do sistema era evidenciada quanto mais o mesmo se ampliava. O paradoxo, apontado ainda em 1959, por Robert Triffin, economista belga-estadunidense, consistia no seguinte: conforme mais países adotavam a conversibilidade (o novo padrão estipulado) e, portanto, liberalizavam os fluxos de capitais, mais dólares eram necessários na economia internacional. Isso porque esses países passavam a precisar de dólares em suas reservas a fim de garantir a conversibilidade de suas moedas. A expansão da liquidez internacional era um pré-requisito para o funcionamento do sistema, entretanto, garantir tal liquidez colocava em risco a estabilidade da economia estadunidense. Isso porque a remessa continuada de dólares ao exterior (a fim de garantir a liquidez da economia internacional) acabava por causar um déficit constante na balança de pagamentos dos Estados Unidos. E a permanência indefinida dos EUA nessa situação deficitária fez com que a solidez da sua economia e garantia de que todo dólar em circulação possuía uma quantidade correspondente em ouro fossem questionados (AGLIETTA, 1995). Ademais, esse entrelaçamento entre a adoção de políticas econômicas norte-americanas (como emissão e desvalorização de moeda7 ou o aumento da taxa de juros, por exemplo) e a liquidez global começam a criar um sentimento de inquietude e receio na comunidade internacional. O padrão dólar-ouro, portanto, estava fadado ao colapso já que a manutenção do déficit americano era insustentável, ao mesmo tempo em que esse déficit era essencial para a manutenção da circulação de dólares nos mercados internacionais, reduzindo o comércio mundial (EICHENGREEN, 2000; SERRANO, 2002). Todas as tensões geradas pela insustentabilidade do padrão dólar-ouro chegam ao seu ápice no início da década de 1970. O desenvolvimento do mercado de eurodólares (ou seja, os dólares depositados em bancos europeus), a presença de gastos militares exacerbados dos EUA no exterior (principalmente com a Guerra do Vietnã 1946-1954) e o fortalecimento de outras moedas como o marco alemão e o yen japonês acabam pressionando o dólar pela sua desvalorização (OLIVEIRA; MAIA; MARIANO, 2008). Ademais, como mencionado anteriormente, a situação deficitária estadunidense leva a uma grande desconfiança internacional que resulta em uma corrida entre os governos para trocar as suas reservas de dólares por ouro. Devido a essa soma de fatores, em 1971, o presidente estadunidense Richard Nixon anuncia a ruptura da conversibilidade

5 Padrão dólar-ouro foi o sistema adotado em que os Estados Unidos fixaram o valor de sua moeda no ouro (assim como todos países faziam du-rante o padrão-ouro), os demais países, por sua vez, fixam o valor das suas respectivas moedas em dólar que possui conversibilidade em ouro. Os países, portanto, não precisam manter grande parte das suas reservas em ouro, mas em dólar. (SANDRONI, 1999.)6 Paridade Cambial é a relação de valor entre moedas de países diferentes, por exemplo, para comprar 1 dólar, em 2019, são necessários 3,95 reais e o contrário também era válido. Caso um americano vá a uma casa de câmbio com um dólar, sairá de lá com 3,95 reais (SANDRONI, 1999, BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2019).7 A fim de garantir a quantidade de dólares na economia internacional constante uma das opções do Banco Central Estadunidense seria a emissão de mais dólares, entretanto, a expansão da oferta de moeda gera a sua desvalorização, tendo como consequência interna um aumento dos preços, ou seja, inflação (SANDRONI, 1999).

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do dólar em ouro, forçando o FMI a passar por uma reestruturação com a intenção de repensar seu papel em uma economia sem lastreamento do dólar ao ouro. O novo padrão que entra em vigor, portanto, é o dólar-flexível no qual as moedas continuam tendo seu valor dado pela conversibilidade ao dólar, mas sem que o dólar tenha conversão ao ouro (IRWIN, 2013). A crise do FMI é agravada pela crise econômica causada pelo aumento dos preços do petróleo em 1973. Fruto de uma retaliação ao apoio dos Estados Unidos e dos países europeus a Israel na Guerra do Yom Kippur8, a redução drástica da produção de petróleo por parte dos principais países exportadores (como Arábia Saudita, Irã, Iraque e Kuwait) acaba elevando o preço do barril em 400% em um espaço de três meses (IPEA, 2010). O impacto dessa represália foi imediato em todos os países importadores de petróleo que, em sua grande maioria, reduzem as importações de barris e entram na busca por fontes alternativas de energia (ISSAWI, 1978). Ademais, políticas econômicas como a redução e maior controle das contas governamentais e a elevação das taxas de câmbio são utilizadas como forma de garantir a manutenção de suas balanças de pagamentos. Em 1974, após diversas reuniões, surge uma proposta do FMI com modificações para que o Fundo se adeque à nova realidade do padrão dólar-flexível e do regime de taxas flutuantes (COZENDEY, 2013). É criada uma emenda da Convenção que permite aos países definir o seu regime cambial e a variação da sua taxa, o que se traduz na perda do poder de decisão e de controle que o Fundo exercia sobre os câmbios dos países membros. As reservas que a instituição possuía deixam então de ser necessárias como alternativas de garantir a paridade da moeda a curto prazo ou como empréstimos para reconstrução da economia dos países pós-guerra. Com os efeitos econômicos do choque do petróleo, o FMI dedica parte dessas reservas a um fundo para auxiliar os países prejudicados pelos aumentos. Apesar dos fundos do FMI serem destinados tanto para países desenvolvidos como para países em desenvolvimento, os últimos priorizavam (desde a década de 60) o financiamento de seus programas de desenvolvimento por meio de empréstimos realizados junto a grandes bancos internacionais estadunidenses e europeus. Essa preferência, que era justificada pelas taxas de juros baixas, era advertida pelo FMI devido ao alto risco de tais transações (COZENDEY, 2013). Em 1979, ocorre a segunda crise do petróleo devido à Revolução Iraniana (1979) seguida pela Guerra entre Irã e Iraque (1980-1988) e os preços deste recurso mineral mais uma vez vão às alturas, tendo, novamente, impacto sobre as economias dos países importadores. A situação econômica mundial, que já era delicada desde a desvinculação do dólar ao ouro em 1971, encontra-se ainda mais pressionada. Devido à instabilidade cambial e ao contínuo aumento da demanda e das reservas internacionais de dólares, a economia estadunidense acaba sofrendo, como consequência, um aumento das taxas de inflação (BELLUZZO, 2005; COZENDEY, 2013). A resposta norte-americana ao caos econômico e à inflação foi dada por Paul Volcker, presidente do banco central estadunidense, e ficou conhecida como o “choque dos juros”: a medida consistiu no aumento das taxas de juros de uma média de 12,88% ao ano, em 1979, para 20,18% em 1980 (BELLUZZO, 2005). Devido a importância da política monetária estadunidense na economia internacional, essa decisão teve efeito cascata e logo havia um aumento generalizado nas taxas de juros no mundo todo.

2 APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA

Um dos fatores que influenciou em grande medida o processo de endividamento foi justamente o fim da taxa de câmbio fixa. A taxa de câmbio fixa que determinava que o valor de todas as moedas deveria corresponder ao valor do dólar e, consequentemente, do seu correspondente em ouro, fazia com que os bancos centrais dos países atuassem buscando manter o câmbio fixo. Utilizavam diversas políticas macroeconômicas para tal e caso essas intervenções não fossem suficientes, recorria-se ao FMI, que “forneceria empréstimos em dólares para que as reservas de um país fossem aumentadas, fortalecendo sua moeda. E, se isto não fosse suficiente, o FMI poderia exigir mudanças – as ‘condicionalidades’ – na economia do país” (DATHEIN, 2003, p. 5). Para os países da América Latina, que não possuíam uma moeda forte como a dos Estados Unidos, dos países da Europa e do Japão, por exemplo, o fim do padrão dólar-ouro e da taxa de câmbio fixa (em 1973) significou um abalo nas suas economias, pois o câmbio flutuante regula a taxa de câmbio de um país de acordo com a oferta e demanda por moeda internacional, sendo, portanto, mais instável. Uma vez desvalorizada a moeda, a necessidade de pedir mais empréstimos, que já se mostrava recorrente, aumenta. Assim, “o

8 A Guerra do Yom Kippur (1973) foi um conflito entre árabes e israelenses devido a anexação de territórios sírios e egípcios por Israel (SAYIGH, 1997).

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endividamento externo”9 em relação ao Produto Interno Bruto (PIB)10 na região saltou de 17% em 1973 para 31% em 1981 e a soma dos ingressos de capital via empréstimos superou quase cinco vezes as entradas sob a forma de investimento direto, entre 1971-81” (MARTINS, 2008, p. 4). O aumento da taxa de juros irrompe na América Latina sob a forma da Crise da Dívida. Devido à vulnerabilidade dos empréstimos tomados pelos países latinos às taxas de juros norte-americanas, com a expansão desses juros, a soma do efeito cascata que se seguiu à fraqueza das economias da região, que ainda estavam em fase de desenvolvimento e maturação, tornaram as dívidas impagáveis (CRUZ, 1984). Para que se possa entender de forma mais completa essa fragilidade das economias e a natureza das dívidas foram feitos 5 estudos de caso.

2.1 ESTUDO DE CASO: ARGENTINA Em março de 1976, a presidenta Isabel Martínes de Perón é deposta em um golpe militar, liderado pelo Chefe das Forças Armadas, Jorge Rafael Videla. O período mais enrijecido da ditadura militar argentina (1976-1983) é conhecido como Proceso de Reorganización Nacional. Desde 1973, quando a última junta militar deixou a presidência, o país passava por um período de “estagflação” – uma soma de recessão econômica 11e inflação descontrolada. Para piorar o contexto econômico, a dívida externa argentina de 1973 a 1976 só aumentou. Foi com este intuito que Videla nomeia para o Ministério da Economia José Alfredo Martínez de Hoz, economista liberal que visava atacar a inflação descontrolada, a queda do PIB e a crescente dívida externa. No entanto, uma vez que Martínez de Hoz assume a pasta da economia, este recorre ao FMI 110 milhões de dólares para melhorar as reservas internacionais do país (FINCHELSTEIN, 2008). Em 1976, quando Martínez de Hoz assumiu o fardo econômico, a inflação média da economia argentina era de 476%. O ministro, no intuito de enxugar a base monetária e aumentar o crescimento econômico, liberalizou a economia argentina, abrindo as portas para o capital estrangeiro. A expectativa do ministro era privatizar12 os setores agropecuário, mineiro e, sobretudo, petroleiro, a fim de diminuir a pressão inflacionária, ocasionada pelo primeiro choque do petróleo de 1973. A fim de desregulamentar o mercado e facilitar o crescimento, Martínez de Hoz desmantelou os sindicatos e flexibilizou a legislação trabalhista, fato que desencadeou forte descontentamento popular, manifestações e, por conseguinte, pesada repressão policial (FINCHELSTEIN, 2008). O governo de Videla foi marcado por apelo ao militarismo argentino, recrudescimento das tensões geopolíticas e, por consequência, pelo aumento das despesas militares. Os gastos governamentais incentivaram a indústria de transformação13 do país e favoreceram um relativo crescimento do PIB, mas as tensões geopolíticas da Argentina durante a ditadura militar prejudicaram sua imagem perante comunidade internacional. Dois episódios ficaram conhecidos: o litígio fronteiriço entre Argentina e Chile de 1977 a 1978 e a Guerra das Malvinas de 1982 (FINCHELSTEIN, 2008). Enquanto isto, Martínez de Hoz não foi capaz de contornar o descontrole da inflação a partir de 1977. Desde março do mesmo ano, inicia um período de controle de preços e de reajuste salarial que duraria por quatro meses. No entanto, o controle de preços em uma economia hiperinflacionária sempre desencadeia crises de abastecimento14 e inflação da demanda. Assim, passados apenas 120 dias, a inflação voltou a explodir. À metade de 1977, a economia argentina parecia insustentável. Martínez de Hoz, neste intuito, liberalizou o sistema financeiro e desvalorizou a moeda nacional, via aumento da taxa de juros. Como consequência, tais medidas tiveram forte impacto recessivo no setor industrial (FINCHELSTEIN, 2008). A junta militar que governava o país substitui o general Videla por Roberto Eduardo Viola, devido à impopularidade do primeiro. Viola nomeia para o Ministério da Economia Lorenzo Juan Sigaut, que tinha planos de recuperar a economia argentina estimulando as exportações do país via forte controle sobre a taxa cambial a fim de desvalorizar o peso argentino. Viola, após 8 meses no cargo, sofre um golpe do general Leopoldo Galtieri que assume a presidência interinamente. Galtieri suplanta Siguat por Roberto Teodoro Alemann, o qual cortou gastos governamentais, reajustou regras salariais, desvalorizou ainda mais o peso argentino e privatizou estatais. Tais medidas agradaram a administração do presidente estadunidense Ronald

9 “Somatório dos débitos de um país, garantidos por seu governo, resultantes de empréstimos e financiamentos contraídos com residentes no exte-rior. Os débitos podem ter origem no próprio governo, em empresas estatais e em empresas privadas” (SANDRONI, 1999, p. 180).10 O PIB é a soma de todos os bens e serviços finais produzidos por um país, estado ou cidade, geralmente em um ano. Todos os países calculam o seu PIB nas suas respectivas moedas (IBGE, 2019).11 Recessão econômica é o decrescimento da economia nacional. Sintomas típicos são desemprego, pouca oferta de produtos e queda dos preços (SANDRONI, 1999, p. 221).12 Aquisição ou incorporação de uma companhia ou empresa pública por uma empresa privada (SANDRONI, 1999, p. 495).13 Trata-se da ampla gama de fábricas destinadas à transformação de matérias-primas em mercadorias finais ou intermediárias a outras fábricas de transformação, como por exemplo siderúrgicas, refinarias de petróleo etc.14 Controle de preços leva à incomunicabilidade dos setores da economia às necessidades reais da oferta e da demanda (SANDRONI, 1999, p. 220).

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Reagan (1981-1989), a qual acenou positivamente para novos empréstimos do FMI para a República Argentina. No entanto, o reajuste salarial somado à hiperinflação fez greves explodirem país afora. O presidente Galtieri procurou uma medida externa para recuperar a imagem manchada da junta militar: uma guerra patriótica. Em 2 de abril de 1982, Galtieri ordenou que as Forças Armadas ocupassem as ilhas britânicas de Falklands, Geórgia do Sul e Sandwich do Sul, localizadas no sul do Oceano Atlântico. Historicamente, a República Argentina sempre protestou a ocupação de tais ilhas, no entanto, governos anteriores sempre tentaram se valer da diplomacia e não da força. O confronto com o Reino Unido foi uma vergonha para a Argentina que se rendeu em junho do mesmo ano. O endividamento das contas da União, causado pelos gastos militares, pela crise da dívida externa e pela queda do PIB, ademais ao fracasso militar e à imagem negativa, levaram ao fim da ditadura militar argentina e do Proceso de Reorganización Nacional (FINCHELSTEIN, 2008). Raul Alfonsín, após um processo de transição democrática encetado pelo general Reynaldo Bignone, assume a presidência da Argentina de maneira legítima. De início, Alfonsín nomeia ao Ministério da Economia Bernardo Grinspun. Alfonsín e Grinspun têm de lidar com uma dívida externa de 45,087 bilhões de dólares e uma taxa de inflação na casa de 625%. Embora Grispun tenha obtido bons resultados com aumento do salário real em 35%15 e o crescimento do PIB na taxa de 2,2%, o ministro deixa o cargo em 1985, ano em que a economia argentina tem a sua pior queda (7,6% negativos de crescimento do PIB, isto é, “decrescimento”). Alfonsín, que permanece no cargo da presidência, nomeia, então, Juan Vital Sourrouille para ocupar o ministério em fevereiro de 1985. Como medida para conter a inflação, Sourrouille e Alfonsín põem em prática o Plano Austral, que substitui o peso argentino pela nova moeda Austral – uma medida desesperada para tentar conter a inflação. A partir de 1986, Alfonsín e Sourrouille começam a renegociar a dívida externa a fim de contornar a moratória16 (GERCHUNOFF; LLACH, 1998).

2.2 ESTUDO DE CASO: BRASIL O “milagre” econômico17 que levou o Brasil às marcas recordes de crescimento do PIB de 11,9% em 1972 e 14% em 1973 teria fim com a Crise Mundial desses mesmos anos. É importante frisar que o crescimento do PIB não veio acompanhado de redistribuição de renda. No período entre 1967 e 1973 o arrocho salarial18 permaneceu severo, e a concentração de renda só aumentou (CARNEIRO, 1995; NAPOLITANO, 2014). Em 1974, chegava à presidência o general Ernesto Geisel, que prometia instaurar uma transição democrática lenta, gradual e segura. Na esfera econômica, no entanto, a situação era mais preocupante graças ao primeiro choque do petróleo (1973). A alta do preço do petróleo gerou um impacto no restante da economia brasileira em um efeito dominó: a inflação mais que duplicou – em 1973 estava em 15,6%, em 1974 em 34,5% – e o crescimento do PIB caiu para 8,2% no mesmo ano (CARNEIRO, 1995; DROZ E ROWLEY, 1993; NAPOLITANO, 2014). Geisel nomeia para a pasta da Fazenda19 o economista Mário Henrique Simonsen. Na gestão Geisel, a dívida externa brasileira quadruplicou ao contrair mais empréstimos para pagar os juros dos outros empréstimos. No final da sua administração, em 1979, as dívidas do país atingiam a marca de 53 bilhões de dólares. A dependência do petróleo persistiu e o país é mais uma vez afetado quando, em 1979, ocorre o Segundo Choque do Petróleo. O governo Geisel entregou o país para seu sucessor com uma inflação recorde de 77,3% (CARNEIRO, 1995). Figueiredo assume a presidência em meio ao caos político e econômico. Era preciso cumprir a promessa de democracia clamada nas ruas do país, enquanto as contas públicas abriam um rombo cada vez maior. Para conter a inflação – que já era de 110,2% em 1980 – e recuperar o crescimento do país, Figueiredo nomeia Karlos Heinz Rischbieter ao Ministério da Fazenda. Muitos dos esforços da nova equipe econômica foram frustrados pela situação crítica das contas da União. Em 1981, a economia brasileira apresentou crescimento negativo e encolheu 3,2%. Em 1982, o país dobra a dívida externa contraindo a cifra de 106 bilhões de dólares. Em 1983, a economia brasileira tem novamente crescimento negativo de -2,9% e, finalmente, em 1985, Figueiredo finaliza o mandato com a inflação na casa recorde de 224,65% (CARNEIRO; MODIANO, 1995; NAPOLITANO, 2014). José Sarney assume como o primeiro presidente civil após mais de duas décadas de ditadura militar. O presidente tinha pela frente dois desafios: conduzir a transição democrática do país e dirimir a crise dos anos 1980. Para o Ministério da Fazenda, Sarney nomeia Francisco Oswaldo Neves Dornelles. Em 1986, para conter

15 Nível do salário em relação a seu próprio poder de compra em determinado momento. Se os salários monetários ou nominais aumentam na mesma proporção do custo de vida, o salário real mantém seu poder de compra em 100% (SANDRONI, 1999, p. 543).16 Suspensão temporária de todas as obrigações de pagamento com o resto do mundo.17 “Milagre” Econômico foi o período de 1967 a 1973 em que a ditadura militar incentivou o crédito fácil e o consumo de bens domésticos para obter aumentos extraordinários no crescimento econômico (LAGO, 1995).18 Diminuição do poder de compra que a mesma quantia de dinheiro representava antes (SANDRONI, 1999, p. 521).19 Ministério público responsável pela arrecadação e fiscalização da receita proveniente de impostos e encarregado da distribuição do dinheiro arrecadado na economia do país (SANDRONI, 1999, p. 392).

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a inflação, a equipe econômica substitui o Cruzeiro, moeda da gestão Figueiredo, pelo Cruzado – equivalente a 1.000 cruzeiros. Em 1986, a indústria brasileira se recuperava aos poucos, com uma taxa de crescimento de 8% e um PIB de cerca de 890 bilhões de reais. Entretanto, a inflação, no começo do ano, se encontrava em cerca de 250%, com tendência crescente. A equipe de Sarney temia elevar as taxas de juros do país a fim de não reduzir a atividade econômica e ser capaz de evitar a moratória, a qual já era cogitada pelo Ministério da Fazenda. De 1986 em diante, a inflação oscilaria de mês em mês, mas sua tendência seria crescente durante muito tempo (MODIANO, 1995; VERSIGNASSI, 2015).

2.3 ESTUDO DE CASO: CHILE A experiência chilena foi uma das mais emblemáticas na consolidação daquilo que veio a ser o cenário político e econômico da América Latina durante as décadas de 1970 e 1980. O golpe militar ocorrido em 1973 corrobora tal afirmação, resultando no assassinato de Salvador Allende, então presidente. Até a tomada de sua posse no ano de 1970, a história da política chilena fora marcada por altos níveis de estabilidade quando comparada aos demais países do continente desde o final da década de 1930. O país contava ainda com o sistema partidário mais desenvolvido da América do Sul. Entretanto, esse quadro vinha sendo ameaçado por uma multifacetada crise nacional, envolvendo desde aspectos econômicos a fortes dissidências entre partidos e mesmo entre alas da esquerda (eixo político do qual provinha Allende) a respeito dos rumos a serem tomados pelo regime (AGGIO, 2008). A resposta da oposição não tardou a surgir. Aproveitando o referido desvio de atenção dos setores mais à esquerda do espectro político e suplantados por outros fatores como o apoio externo dos EUA e a incapacidade do governo em garantir um mínimo de estabilidade social via política econômica, expoentes da direita deram seguimento a um processo de polarização política já instaurado durante o governo de Allende. Estes objetivavam, inicialmente, angariar apoio e desarticular o partido de centro para, por fim, destituir o governo situação (AGGIO, 2008). Ademais, como aponta Bulmer-Thomas (2017, p. 303), cabe destacar o fraco desempenho do governo de Allende como um dos pontos-chave para entender sua posterior queda:

Uma política fiscal e monetária irresponsável, juntamente com uma grande perda de entradas de capital, acelerou a inflação, de 33% em 1970 a 354% em 1973. Embora a estabilidade do regime de Allende tenha sido prejudicada por elementos externos (em particular por órgãos dos Estados Unidos), a incapacidade de conter as pressões inflacionárias foi talvez o fator mais importante de sua queda.

A partir de 1973, com o estabelecimento do regime militar encabeçado pelo general Augusto Pinochet, o Chile passaria por mudanças econômicas radicais. O Estado, anteriormente muito presente na economia nacional através, por exemplo, da manutenção de preços (como o do combustível, da energia e mesmo dos salários), seria afastado da grande maioria de suas incumbências a fim de que a economia pudesse ser sustentada majoritariamente pelos mecanismos inerentes ao mercado – em contraposição ao exemplo acima citado, teria-se, portanto, a definição de preços a partir de seus níveis de oferta e procura. Resumidamente, pode-se dizer que o Chile estaria passando por um processo de liberalização econômica, projeto que entrou em vigor para, ainda em seus estágios iniciais, reduzir o índice de inflação e melhorar a situação da conta externa chilena (PARKIN, 1983). Para Ffrench-Davis (2010), a política econômica posta em prática em um primeiro momento (1973-1981) pode ser caracterizada pela adoção de um legítimo modelo neoliberal. Dentre algumas das reformas promovidas, além da citada abolição do controle de preços, estão: a desregulamentação do mercado financeiro doméstico, desde o acesso a novos empréstimos até a entrada de capitais estrangeiros no país; redução do funcionalismo20 e dos serviços públicos; desarticulação dos sindicatos; e grandes remessas de privatizações. Cabe mencionar ainda o auxílio fornecido pelo próprio FMI ao governo chileno para o estabelecimento dessas medidas (PARKIN, 1983). Esse conjunto de diretrizes, por sua vez, gerou um grande ganho em volume de exportações, especialmente com a alta do preço do cobre, uma das principais indústrias do país, entre 1973-74, e um impulso inicial para o aprofundamento da industrialização tanto neste quanto em setores relacionados. Contudo, as mesmas se mostraram ineficientes no combate à inflação (como dito, uma das prioridades do novo governo) e tiveram seus benefícios precocemente estancados pela posterior baixa do preço do cobre, em 1975, reflexo do primeiro choque do petróleo (FFRENCH-DAVIS; AGOSIN; UTHOFF, 1997). Em linhas mais gerais, tem-se como resultado para o mesmo ano, embora a tendência tenha sido de recuperação nos anos seguintes até 1981, “uma queda de 28% na produção industrial [e] uma diminuição do PIB de 17%” (FFRENCH-DAVIS, 2010, p. 14). Como apontado, a vagarosa recuperação não foi suficiente para preparar a economia chilena para

20 Massa de funcionários empregada na Administração Pública (RABELO, 2011).

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outra grande crise no início dos anos 1980. Sem contar com um mínimo apoio estatal, os agentes econômicos não foram capazes de canalizar seus recursos na direção da superação dos choques externos (nova alta dos preços do petróleo, queda das importações internacionais e consequente baixa dos preços dos principais produtos exportados pelo país, diminuição das linhas de crédito), fato que comprovou a vulnerabilidade do modelo vigente àqueles. Frente à pior recessão sofrida por países da América Latina em 1982, com uma queda do PIB na casa de 14% e grande aumento da pobreza e da própria insatisfação popular, o governo se viu obrigado a abandonar sua total fidelidade ideológica para lançar mão de políticas que pudessem trazer resultados mais imediatos, como: a elevação dos tributos sobre produtos importados, o aumento do subsídio fornecido à indústria nacional, a maior regulação do mercado financeiro e a nacionalização da dívida externa (PARKIN, 1983). Todas essas medidas contribuíram para uma retomada do crescimento já em 1986. Vale destacar ainda a proximidade entre a administração do Estado chileno e o FMI, o que facilitou o início das negociações assim que os primeiros sintomas da crise foram identificados e os acordos de renegociação realizados a partir delas. Contudo, a recuperação gradual de maiores níveis de estabilidade econômica foi também acompanhada por processos de concentração de renda e consequente aumento da desigualdade, muito em função da maior capacidade de resposta dos setores mais consolidados da economia aos incentivos do governo e também das privatizações realizadas desde o início da era Pinochet (FFRENCH-DAVIS, 2010).

2.4 ESTUDO DE CASO: MÉXICO A problemática da dívida externa no México se assemelha a de outros países latino-americanos em pontos como a origem da dívida, adquirida a partir do processo de colonização, seu aprofundamento durante o período de regimes autoritários, com o aumento exorbitante das quantias de empréstimos, assim como pela relação de dependência entre o país e seus credores, França, Espanha, Inglaterra, e posteriormente, Estados Unidos. Será exposto um panorama histórico da dívida mexicana recortado em três períodos (com atenção especial para os dois últimos): o primeiro deles abarcando os anos de 1821 a 1884, o segundo de 1884 a 1910; o terceiro de 1910 a 1970; e último de 1970 a 1980 (MARCOS, 1985). O primeiro período compreende desde o ano no qual a independência foi conquistada até a tomada de poder por Porfírio Díaz, militar e político que governou o México durante trinta anos. O processo de independência custou ao país as despesas da guerra de libertação, além de uma indenização paga a Espanha em troca do reconhecimento externo de seu novo governo. Em 1823, foi tomado o primeiro empréstimo externo, negociado com os ingleses, que posteriormente aumentaram sua influência através do comércio, de investimentos diretos e mais empréstimos. Em 1827, pela primeira vez, o México suspende o pagamento da dívida externa por quatro anos. Em 1831, uma moratória é decretada pelo país, que se prolonga até 1851 (BAUTISTA, 2003). Essas práticas estremeceram fortemente a relação da nação com a Inglaterra, a Espanha e a França, chegando esta última a invadir o território mexicano e estabelecendo um imperador representante da França como chefe de governo entre os anos de 1864 a 1867. A fim de acabar com essa dominação, o México recorreu a um empréstimo no valor de 2 bilhões e meio de dólares aos Estados Unidos, que o concederam pois se opunham a qualquer influência europeia no continente. É importante ressaltar que a concessão do empréstimo estava atrelada a interesses estadunidenses, e não de “ajuda” aos mexicanos, uma vez que mesmo os Estados Unidos já haviam tirado grande parte das terras do México em disputas na década de 1840. Em 1884, o México encontrava-se com uma dívida externa aproximada de 200 milhões de pesos (BAUTISTA, 2003). O segundo período compreende os anos que em Porfírio Díaz governou o país. Considerado por muitos historiadores como um ditador, esses anos foram marcados por políticas que favoreceram a elite mexicana (mas não a burguesia nacional) e o capital21 estrangeiro, inclusive reconhecendo dívidas externas dadas como “esquecidas”. Investimentos em massa foram realizados na área ferroviária, projeto que foi possível pôr em prática através de mais empréstimos estadunidenses, que apesar de trazerem progresso e modernização, também corroboraram com a intensificação da relação de dependência por parte do México, agora conectado aos Estados Unidos de maneira mais fácil e rápida. Com a saída do presidente, a dívida externa do país se encontrava na casa de 580 milhões de pesos (BAUTISTA, 2003). O segundo período compreende os anos que em Porfírio Díaz governou o país. Considerado por muitos historiadores como um ditador, esses anos foram marcados por políticas que favoreceram a elite mexicana (mas não a burguesia nacional) e o capital estrangeiro, inclusive reconhecendo dívidas externas dadas como “esquecidas”. Investimentos em massa foram realizados na área ferroviária, projeto que foi possível pôr em

21 “O capital também pode ser definido como todos os meios de produção que foram criados pelo trabalho e que são utilizados para a produção de outros bens. Por exemplo, capital de uma firma ou empresa equivale aos recursos produtivos: equipamentos, instalações, estoques” (SANDRONI, 1999, p. 78).

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prática através de mais empréstimos estadunidenses, que apesar de trazerem progresso e modernização, também corroboraram com a intensificação da relação de dependência por parte do México, agora conectado aos Estados Unidos de maneira mais fácil e rápida. Com a saída do presidente, a dívida externa do país se encontrava na casa de 580 milhões de pesos (BAUTISTA, 2003). O terceiro período foi marcado pela Revolução Mexicana (1910 até 1920), movimento político e social que clamava por reformas no governo do país e opunha-se a candidatura de Díaz para mais um mandato. Tratou-se de estabelecer um Estado pós-revolucionário aliado a criação de uma identidade nacional mexicana, independe dos interesses estrangeiros (GALVÁN, 2013). Entre 1934 e 1940 foram nacionalizadas22 empresas ferroviárias e de petróleo controladas pelos Estados Unidos e pela Inglaterra (TOUSSAINT, 2002), o pagamento da dívida externa mais uma vez foi adiado e essa diminuiu consideravelmente.A partir da segunda metade da década de 1940, retorna uma política alinhada a países estrangeiros, com destaque para os Estados Unidos. Firmam-se acordos bilaterais e de cooperação militar, ampliando a possibilidade de negociação de altos empréstimos. No final dos anos 1960, revoltas populares são oprimidas de forma violenta também com o apoio estadunidense (GALVÁN, 2013). No quarto período, que abarca as décadas de 1970 e 80, o México encontrava-se com a economia em crise, completamente endividado e com altas taxas de desemprego. Problemas com a produção agrícola assolavam o país, que exportava pouco e importava muito, perdendo muito dinheiro devido à desvalorização da sua moeda e aos altos níveis de inflação internacionais (BAUTISTA, 2003).Durante esse período, os governantes apostaram na melhora da economia investindo na indústria petroleira. Devido às crises do petróleo, o preço de cada barril se encontrava alto, assim como a demanda pelo produto. Novamente a quantidade de crédito internacional era abundante, devido a necessidade de manter boas relações com os países que possuíam a matéria prima. Em 1982, o México declara moratória novamente, decisão que afeta drasticamente os países da América Latina como um todo, com destaque para o Brasil e a Argentina, desencadeando um ciclo de atrasos no pagamento das dívidas externas. Essa decisão se deu em razão do aumento substancial da taxa de juros de empréstimos estadunidenses (decorrentes, por sua vez, da crise do petróleo e a das altas taxas de inflação internacionais). Mesmo com uma boa demanda pelo petróleo, a quantidade vendida não supria o alto valor que havia sido retirado anteriormente em empréstimos para investimento no setor (FREITAS, 2008). Aliado a isso estava a queda no preço das matérias-primas vendidas pelo México para o exterior (TOUSSAINT, 2002).

2.5 ESTUDO DE CASO: VENEZUELA A estratégia venezuelana de inserção na economia internacional durante os anos 1970 esteve muito relacionada à conjuntura externa da época, ou seja, grande parte das políticas promovidas pelo país era elaborada com o intuito de aproveitar ao máximo características específicas da economia mundial no período. Dentre estas, pode-se destacar primeiramente a situação deficitária23 da economia norte-americana: por se tratar da maior potência econômica mundial, esse aspecto indicava não só um momento de facilidade nas negociações com os EUA como também de ampla liquidez internacional. Isso significa que diversos países, por receberem recursos de transações com os EUA, tornavam-se aptos a ampliar sua gama de objetivos econômicos (fossem eles aumento de investimentos, incremento da produção, redução do desemprego) e, consequentemente, a também adquirir insumos junto a países que não necessariamente os EUA. Todo esse movimento beneficiou o setor de produção de bens não-manufaturados24, uma vez que o aumento da procura por eles também aumentou seu preço (BULMER-THOMAS, 2017). Contando com uma economia bastante sustentada pela indústria petrolífera e sem uma indústria manufatureira desenvolvida, a Venezuela passa então a investir na promoção de exportações primárias para que pudesse captar os recursos necessários ao desenvolvimento do país. Não bastasse o momento favorável à exportação de produtos primários, outro fator conjuntural, embora essencialmente político, foi responsável por beneficiar a posição de países como a Venezuela no mercado internacional: a Guerra do Yom Kippur, em 1973, acarretando na elevação arbitrária dos preços do barril de petróleo pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) (BULMER-THOMAS, 2017). Ademais, a indústria petroleira venezuelana, por sua vez, tem origem durante o período de governo do ditador Juan Vicente Gómez (1908-1935), através de concessões de exploração a empresas estrangeiras, especialmente britânicas (BETANCOURT, 2007).

22 “Transferência de uma empresa de propriedade particular para a propriedade ou controle do Estado. Em geral, as constituições dos países ca-pitalistas delimitam as condições em que a nacionalização pode ser feita, procurando dessa forma resguardar a iniciativa privada” (SANDRONI, 1999, p. 418).23 De forma simplificada, a situação deficitária de um governo significa que este gasta mais do que arrecada (SANDRONI, 1999).24 Também conhecidos como commodities, são bens que não passam por nenhum processo industrial mais sofisticado durante alguma das etapas de sua produção. Um exemplo bastante comum são produtos agrícolas em sua forma bruta, como soja e café (SANDRONI, 1999).

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A reversão desse cenário é iniciada a partir do governo de Carlos Andrés Pérez (1974-1979), já após a volta do regime democrático. A nacionalização dessas empresas, posta em prática em fins de 1975, gerou um aumento da arrecadação tributária e possibilitou o aumento do investimento estatal e das linhas de crédito disponíveis, sendo este último responsável pela elevação dos gastos do setor privado nacional. A partir de então o Estado passa a ter não só os recursos necessários para promover seu desenvolvimento como também tem poder sobre eles, o que lhe permite direcioná-los para setores, a seu ver, mais interessantes; por fim, a convivência com índices reduzidos de inflação torna possível o surgimento do que muitos classificam como “Estado Empreendedor” (CANO, 2002; LUCCA, 2016). Esse posicionamento do Estado enquanto agente ativo na economia do país verificou-se especialmente em ações que visavam a promoção da indústria nacional. Além da mencionada expansão creditícia, o governo foi também responsável por criar empresas públicas no setor das indústrias de base25, consideradas essenciais para que se pudesse dar início ao processo de Industrialização por Substituição de Importações26. Ainda, a alta do preço do petróleo foi novamente benéfica por permitir a sustentação de preços fixados pelo governo para os insumos das indústrias nascentes, que tiveram sua competitividade elevada frente aos artigos importados (LUCCA, 2016). Embora tenha sido responsável por importantes avanços no que diz respeito ao desenvolvimento socioeconômico venezuelano, a intervenção direta do Estado na economia foi acompanhada por um grande aumento da captação de crédito internacional (uma vez que havia uma preferência dos bancos por países como Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Venezuela, com relação à América Latina, em função de seu potencial econômico) e, posteriormente, pela geração de déficits cada vez maiores (BULMER-THOMAS, 2017). Durante o governo seguinte, de Luis Herrera Campíns (1979-1984), o Estado continua a desempenhar seu papel de principal ator econômico, elevando cada vez mais seus gastos, especialmente após o Segundo Choque do Petróleo (1979). Mais uma vez um acontecimento externo é responsável por ditar o ritmo econômico da Venezuela: com a nova alta dos preços do petróleo, “as exportações (em US$ bilhões) passaram [de] nove em 1978 para 20 em 1980/81, e em torno de 15 em 1982/85” (CANO, 2002, p. 100). Esse grande afluxo de recursos para o país gera dois efeitos opostos, quais sejam o incentivo ao investimento por parte do governo e a necessidade de se manter um estoque razoável de moeda estrangeira para que seja possível sustentar a consequente valorização da moeda nacional. Além disso, outro fator decisivo para a definição dos rumos da economia venezuelana foi a política de alta das taxas de juros promovida pelos EUA, o que acarretou em um vertiginoso crescimento da dívida externa e também em uma repentina escassez de crédito internacional em função da desconfiança por parte das instituições financeiras a respeito da capacidade dos países latino-americanos de pagar por seus empréstimos (CANO, 2002). Ao final do governo Campíns, sentia-se a falta de políticas que combatessem mais diretamente a crise da dívida. Para isso, foram postas em prática medidas como a redução dos gastos do governo e a desvalorização da moeda com vistas a retomada de maior estabilidade. Os custos desse processo, contudo, foram traumáticos: grandes quedas de salário, aumento contundente da massa de desempregados e queda drástica do PIB. Em meio a grandes tensões sociais, essas políticas foram continuadas durante o governo de Jaime Lusinchi (1984-1989), que tinha como diretrizes principais “o pagamento da dívida externa até o último centavo, a necessária reforma do Estado e um Pacto Social para a governabilidade” (LUCCA, 2016, p. 290, tradução nossa). No plano político, o governo passou a promover um aprofundamento das instituições democráticas, com vistas a garantir também maiores níveis de transparência e assim recuperar sua credibilidade frente à população. O aumento da confiança no Estado, por sua vez, garantia maior margem para que este pudesse colocar em prática novas medidas de estabilização econômica que, em um primeiro momento, não elevariam diretamente os níveis de bem-estar social. Entretanto, elas tinham a finalidade de aumentar a credibilidade venezuelana a nível internacional, o que era fundamental para tornar a captação de novos recursos e o refinanciamento da dívida possíveis. Dentre as referidas medidas, pode-se citar o subsídio concedido pelo governo ao pagamento da dívida externa privada27 e uma alta desvalorização cambial, ocorrida em 1986 (CANO, 2002; LUCCA, 2016).

25 “Empresa ou setor industrial que alimenta os demais. São indústrias de base as que operam a extração de minérios e sua transformação em ma-téria-prima para outros setores industriais, e também as indústrias de produção de energia elétrica” (SANDRONI, 1999, p. 300).26 Processo por meio do qual um país concentra seus recursos na importação de insumos e/ou equipamentos necessários ao desenvolvimento, dentro de suas fronteiras, de setores industriais mais sofisticados. Seu nome advém da natureza de constante renovação da pauta de importações a cada novo estágio de industrialização completado (TAVARES, 1983).27 Fornecimento de crédito a juros mais baixos para empresas e outras instituições privadas nacionais que estejam em débito com agentes no ex-terior (BULMER-THOMAS, 2017).

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3 AÇÕES INTERNACIONAIS PRÉVIAS

A declaração de moratória do México, em 1982, marcou um momento crucial no processo de renegociação das dívidas dos países latino-americanos, pois deu início à fase de negociações com a participação do FMI. Dessas negociações, criou-se Plano Baker, em 1985, um plano de ação que buscava atenuar as consequências severas do que ficou posteriormente conhecida como “a década perdida” (MARTINS, 2008).As primeiras conversas sobre a situação que assolava os países latino-americanos tiveram lugar na Convenção de Quito, em 1984, em uma reunião com chefes de estado da América Latina e Caribe. O objetivo do encontro era estabelecer um diálogo conjunto, expor pontos em comum que afligiam os países a fim de avançar no diálogo político e na busca por soluções concretas para lidar com o problema. Em seguida deste encontro, outra reunião sucedeu ainda em 1984, desta vez em Cartagena, contando com presença de onze países da região – Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Chile, Equador, México, Peru, República Dominicana, Venezuela e Uruguai (KRAKOWIAK, 2004). Discutiram-se maneiras de dar seguimento às concessões de empréstimo, assim como de atrair novos países interessados em oferecer ajuda. Não era descartada a possibilidade de adotar uma posição como grupo de adiar ou não pagar um percentual das dívidas adquiridas. O objetivo era agir em conjunto e procurar uma estratégia que beneficiasse a todos (KRAKOWIAK, 2004). Em 1985, o FMI, em conjunto com outros países desenvolvidos, vendo a movimentação conjunta dos países endividados, resolveu atuar de forma mais ativa na crise, criando o Plano Baker, nomeado em razão do secretário do Tesouro dos Estados Unidos, James Baker. O plano visava auxiliar as nações em desenvolvimento a retomar o crescimento e controlar a inflação, negociando condições individuais para que tal melhora pudesse ocorrer, país por país (BETHELL, 2009) Contou-se com o auxílio do FMI para concessão de novos empréstimos, que tinham prazo relativamente curto para sua quitação (MORAES, 2007). Foi arrecadado um total de 29 bilhões de dólares para esse fim, que para serem concedidos, estavam atrelados ao que o FMI, junto aos países credores, denominava de “ajustes estruturais”. Esses ajustes envolviam medidas como a privatização de empresas e corte nos gastos do governo nas mais diversas áreas (BETHELL, 2009).

4 POSICIONAMENTO DOS PAÍSES

O Diretor-Gerente do FMI e o Presidente do Banco Mundial mantêm encontros regulares a fim de realizar consultas e colaborações para o melhor funcionamento de ambas as instituições. A colaboração de ambos acontece, inclusive, no Comitê de Desenvolvimento onde são responsáveis por conceder orientações sobre questões de desenvolvimento e de recursos financeiros. O funcionário do FMI auxilia através das avaliações da situação econômica e das políticas adotadas por um determinado país, facilitando o papel do Banco de aconselhamento acerca de reformas estruturais ou setoriais necessárias (FMI, 2019).

Os Estados Unidos da América, considerando as crises do petróleo, e o consequente aumento da inflação internacional, buscam manter seu papel hegemônico no cenário mundial. Para alcançar esse objetivo, têm interesse em continuar realizando empréstimos aos países subdesenvolvidos, com altas taxas de juros, pois dessa forma, além de receberem mais pela quantidade de dinheiro concedida, garantem a liquidez da sua economia (CORTEZ; CARVALHO; CUNHA, 2015).

Os Estados Unidos do México são o primeiro país a “quebrar” devido ao aprofundamento da crise econômica. Além disso, são os primeiros a negociar com o FMI, em 1985, a implementação de um pacote de ajustes na economia, que contou com medidas liberais radicais. A abertura da economia e as privatizações, realizadas de maneira brusca, buscavam aumentar o investimento estrangeiro no país (LAPEÑA, 1997).

A situação econômica do Estado Plurinacional da Bolívia, fragilizada desde os governos militares (1964-1971) que abriram e economia e realizaram diversos empréstimos junto a bancos norte-americanos, chegou ao seu pior momento durante a década de 1980 devido aos níveis de inflação que chegam a 11,74% em 1985. Após o aumento dos juros estadunidenses, e considerando-se a situação econômica boliviana, a dívida externa se tornou praticamente impagável (THE WORLD BANK GROUP, 2018; ANPHLAC, 1998).

O Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte durante os anos 1980 foi um dos bastiões do liberalismo clássico. Em 1979, Margaret Thatcher, do Partido Conservador, é eleita Primeira-Ministra. Administração Thatcher pôs em prática o verdadeiro projeto neoliberal. O Reino Unido nutre rivalidades com os vários países

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latino-americanos – exceto o Chile – que apoiaram a Argentina durante a Guerra das Malvinas (ANDERSON, 1998).

A República Argentina busca renegociar sua dívida externa na reunião do FMI. Em 1983, o presidente Raúl Alfonsín e seu Ministro da Economia Sourrouille tentam conter a hiperinflação de 625% e retomar o crescimento do país. Alfonsín não está disposto a fazer concessões muito liberalizantes, a fim de renegociar a dívida. Portanto, é preciso se aliar aos demais devedores e pressionar os credores (GERCHUNOFF; LLACH, 1998).

A economia da República do Chile vem passando por uma forte retomada de seu crescimento. Contudo, por se tratar de um país severamente afetado pela crise do início dos anos 1980, o refinanciamento da dívida e/ou a abertura de novas linhas de crédito são vistos com bons olhos. Em função do estreitamento de sua proximidade com o FMI a partir de 1973 e das reformas econômicas já realizadas, é improvável que se encontre grandes discordâncias entre ambas as partes (FFRENCH-DAVIS, 2010).

A década de 1980, na República da Colômbia, ficou conhecida como “la década del terror” principalmente devido ao crescimento do narcotráfico no país. O período é marcado por instabilidade política, pela corrupção, pelo narcoterrorismo e pela guerra contra o Cartel de Medellín (de Pablo Escobar). O governo de Belisario Betancur (1982-1986), portanto, tinha como principal objetivo a pacificação da Colômbia. O país recebeu amplo apoio dos Estados Unidos, tanto financeiro como estratégico, entretanto isso não impediu o país de entrar em uma grande crise política e econômica (LÓPEZ, 2017).

A República da Costa Rica tem a crise da dívida externa como maior desafio. Porém, embora distante dos conflitos nicaraguenses, hondurenhos, guatemaltecos e salvadorenhos, Costa Rica sempre desempenhou um papel de mediador regional. No tocante à economia, o presidente eleito em 1986, Luis Alberto Monge Álvarez, busca incentivar o turismo e a agricultura para recuperar crescimento (BRIGNOLI, 1983).

O caso da República Dominicana destoa do padrão encontrado na América Latina para os anos 1980. Em virtude de seu passado histórico de grande proximidade com os EUA e em função de suas características econômicas não muito atrativas aos olhos dos bancos internacionais, mais da metade de sua dívida no período provinha de fontes oficiais (outros governos). Graças a essas características, o país configurou-se enquanto um dos únicos cinco capazes de manter taxas anuais de inflação abaixo dos 10% em 1981 (juntamente com Chile, Guatemala, Honduras e Panamá), embora ainda tenha sido bastante afetado pelo Segundo Choque do Petróleo no ano seguinte (BULMER-THOMAS, 2017).

Os anos 1980 foram especialmente problemáticos para a República de El Salvador. No que tange não só à economia mas à sociedade como um todo, a Guerra Civil iniciada em 1979 marcou um período de grande instabilidade. Cabe destacar o grande auxílio econômico estadunidense fornecido ao governo por meio do envio de recursos e da assinatura de acordos de preferência comercial (MATIJASCIC, 2014).

A República do Equador, ao terminar sua política de industrialização dirigida pelo Estado, na década de 80, é amplamente influenciada pelo FMI a adotar medidas liberalizantes de sua economia. A reconfiguração do Equador após o aumento das taxas de juros norte-americanas se dá de uma forma menos drástica que nos demais países da América Latina, não sendo necessárias negociações extremadas junto ao FMI. Essa maior “flexibilidade” se dá devido a dois fatores, principalmente, ao regime democrático que vigorava no país e às exportações de petróleo que o país realizava (OLEAS, 2017).

A República Federal da Alemanha participa da discussão enquanto importante credor internacional. A partir da eleição de Helmut Kohl, em 1982, o governo passa a optar por uma maior liberalização econômica, em contraste com o projeto de Estado de bem-estar social dos anos de 1969 a 1981. Um exemplo bastante ilustrativo é a importância com a qual o tema da inflação passou a ser tratado em meio à nova administração, muito em função do poder de influência do sistema bancário alemão (RAIMUNDO, 2009).

A República Federativa do Brasil procura renegociar sua dívida externa na reunião do FMI. Em 1985, o presidente José Sarney nomeia Francisco Oswaldo Neves Dornelles como Ministro da Fazenda. Sarney e Dornelles planejam controlar preços e congelar inflação, a despeito da possível crise de abastecimento. Há dois grandes problemas que esta delegação terá de enfrentar: a pressão para privatizar e a moratória da dívida

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(MODIANO, 1995).

A República Francesa, na década de 80, estagnou em matéria de crescimento econômico, cenário contrário ao que vinha se mostrando na década anterior. Assumiu no país um governo de esquerda, mais preocupado em estabilizar a situação econômica nacional do que investir em países estrangeiros. Ainda assim, a França dispõe da quinta maior cota dentro do FMI, podendo conceder empréstimos caso entenda como promissor para sua economia (NAÏR, 1997).

A República da Guatemala tem pela frente a crise da dívida externa e as instabilidades da América Central. Para recuperar o crescimento econômico, o presidente eleito em 1984, Vinicio Cerezo, implementa reformas tributária e estimula exportações – o crescimento do PIB é positivo até 1986. Cerezo nomeia coronel Enrique Peralta Azurdia para o Ministério da Defesa, a fim de apaziguar a instabilidade regional (BRIGNOLI, 1983).

A República do Haiti vive desde 1957 sob um regime autoritário e repressor, chamado duvalierista, que era ferrenho aliado norte-americano, beneficiando-se de doações e investimentos estadunidenses que temiam uma revolta comunista no país. Entretanto, apesar dos investimentos e empréstimos realizados junto aos EUA, o país não se desenvolvia economicamente. A situação de miséria da população somada às medidas repressivas utilizadas pelo Estado fizeram eclodir revoltas, em 1986, por mudanças políticas, sociais e econômicas (MATIJASCIC, 2009).

A República de Honduras enfrenta dois problemas: a crise da dívida externa e as guerrilhas da América Central. O presidente eleito em 1986, José Simón Azcona, nomeia para o Ministério da Fazenda e Crédito Público José Efraín Bú Girón. Enquanto isso, o presidente busca uma solução conciliada com as guerrilhas da América Central e a rivalidade regional com Nicarágua, El Salvador e Guatemala (BRIGNOLI, 1983).

O Japão conseguiu manter sua economia estável durante as décadas de 1970 e 80. Apesar de sofrer impactos com a crise do petróleo, conquistou espaço no mercado através de setores como o da automobilística e da eletrônica. “Apesar da desaceleração, alcançou resultados econômicos compatíveis ou superiores a outros países desenvolvidos” (GUIMARÃES et al., 2015, p. 6). Sua cota no FMI é a segunda maior dentre os países, demonstrando sua posição de credor internacional (INTERNATIONAL MONETARY FUND, 2019).

A República da Nicarágua, desde 1984, tenta renegociar suas dívidas com os organismos internacionais. Em 1986, a Nicarágua representa o principal foco de instabilidade regional, devido à guerra civil e à pressão de Washington contra o governo marxista de Daniel Ortega. As dívidas nicaraguenses foram contraídas após décadas de ditadura militar da família Somoza, que foi destituída por uma revolução popular em 1979 (BRIGNOLI, 1983).

A República Oriental do Uruguai passou por um período de crescimento econômico durantes aos anos de 1978 e a 1980. Em 1983, assinou com o FMI uma “carta de intenção”, recebendo ajuda para estabilizar a balança de pagamentos mediante a implementação de medidas liberais na economia. Controlou-se a inflação e a dívida externa às custas da precarização dos serviços público e dos salários. Ainda assim, o déficit nas contas persiste. O país está aberto a negociar com as instituições internacionais (HARGAIN, 2019).

A República do Paraguai, apesar de apresentar significa expansão em alguns setores da economia (construção, comércio e finanças) entre os anos de 1972 e 1982, começou a perder dinamismo a partir desse ano. As taxas de crescimento por setor caíram drasticamente, assim como as taxas de emprego. As medidas implementadas pelo governo não surtiram melhoras, e os empréstimos estrangeiros não foram suficientes para estimular as empresas nacionais. O país está aberto a ajuda dos organismos internacionais (ARCE et al., 2011).

A história da economia da República do Peru sempre foi marcada por turbulência e instabilidade. Golpes sucessivos, desastres naturais e uma guerra civil contra a guerrilha Sendero Luminoso tornaram impossível, durante as décadas de 1970 e 80, o desenvolvimento econômico do país. Cercado por altas taxas de inflação e com a população vivendo, praticamente, uma crise humanitária, o presidente Alan García Pérez, eleito em 1985, decide que o Peru não destinaria mais que 10% do valor arrecadado com as suas exportações para o pagamento da dívida externa (MOORE et al., 2018).

O recente histórico da experiência da Venezuela aponta para um Estado ativo na economia. Sendo assim,

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é difícil imaginar que o país venha a acatar as medidas propostas pelo FMI sem questioná-las. No entanto, o sucesso das negociações do refinanciamento da dívida é extremamente importante para o país, tendo o mesmo já optado por medidas que visam a maior arrecadação de depósitos em moeda estrangeira – como a desvalorização cambial – e o corte de gastos do governo (CANO, 2002).

5 QUESTÕES PARA DISCUSSÃO (1) O FMI é uma instituição de auxílio internacional ou de subjugação extranacional?

(2) Em situações de desequilíbrio externo, há uma alternativa ao FMI para os países em desenvolvimento?

(3) Quais os custos da manutenção do sistema financeiro internacional para os países em desenvolvimento?

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CONSELHO DA LIGA DAS NAÇÕES DE 1933

O Rearmamento Alemão

Artur Holzschuh Frantz, Eduardo Tomankievicz Secchi, Luana de Meneses Borba, Tayssa do Rosário Zucchetto e Tiago Carvalho1

1 Graduandos e Graduandas em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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QUESTÕES PARA ORIENTAÇÃO

(1) Qual a relação entre o Tratado de Versalhes e a recuperação da economia alemã?

(2) Por que os países defendem ou não o respeito ao Tratado de Versalhes para a manutenção da paz?

INTRODUÇÃO A Liga das Nações foi uma organização internacional criada em 1919, pela Conferência de Paris, com o intuito de apaziguar os conflitos internacionais e garantir o direito à autodeterminação a todos os países. Buscava a resolução de questões por meios democráticos e pacíficos, e também a construção de normas e regras para lidar com questões internacionais, em especial a questão do armamento. O programa de rearmamento alemão foi iniciado ainda em 1919, mas enfrentou diversos desafios pela perda de capacidade da economia alemã e pelas restrições do Tratado de Versalhes, que limitavam suas Forças Armadas. A discussão passa a ser o foco da Liga das Nações, devido à ascensão de Hitler ao comando da Alemanha e sua proposta agressiva de expansão territorial e do poderio militar do país. Este Guia de Estudos se estrutura por uma contextualização histórica do período entreguerras (1918-1933) até o momento da reunião. Posteriormente, discutimos o problema específico do rearmamento e demonstramos algumas iniciativas de controle de armas já postas em prática internacionalmente. Por fim, apresentamos brevemente o posicionamento dos países no comitê. Ressaltamos que o processo a ser debatido é determinado pelo lugar e tempo em que se passa. A discussão sempre se reflete nos acontecimentos posteriores e é fruto do que aconteceu no passado. Entender os motivos que originaram a ascensão do fascismo/nazismo agressivo, bem como as dinâmicas que impossibilitaram a contenção do mesmo, são fundamentais para entender os desdobramentos futuros e fenômenos que se reproduzem até os dias de hoje no cenário internacional.

1 HISTÓRICO

Para compreender os motivos que levaram ao rearmamento da Alemanha e os perigos desta ação para o Sistema Internacional, é preciso analisar o processo de formação do Estado alemão e como isto resultou na alteração de forças da balança de poder1 europeia. O fim da pax britânica2, as disputas imperialistas, a Segunda Revolução Industrial e a ascensão da Alemanha como nova potência culminaram na Primeira Guerra Mundial. Apesar de o final do conflito ter sido marcado pela elaboração do Tratado de Versalhes (1919), as contradições que levaram à disputa permaneceram, sendo catalisadas pelo surgimento de novos atores na diplomacia internacional (VISENTINI, 2014).

1.1 FORMAÇÃO DA ALEMANHA, SISTEMA BISMARCKIANO E DISPUTAS IMPERIALISTAS Devido à posição estratégia da Alemanha no centro da Europa, sua unificação foi retardada por conflitos como a Guerra dos Trinta Anos, pois a existência de um Estado forte nesta região causaria insegurança a potências como a França. Além disso, desde o Congresso de Viena em 1815, havia sido criada a Confederação Alemã – uma federação de Estados – no lugar do Sacro Império Romano, pois, por deliberação das potências da época, o território alemão deveria ser mantido fragmentado (FULBROOK, 2012). Assim sendo, a posterior unificação deu-se a partir de um projeto do chanceler alemão Otto von Bismarck, com as guerras Austro-Prussiana, dos Ducados e Franco-Prussiana, que contribuíram para a formação do novo Estado alemão. A Guerra Franco-Prussiana, em especial, foi um conflito armado envolvendo a França e um conjunto de Estados germânicos liderados pela Prússia em 1870. Este conflito originou-se no objetivo

1 Mecanismo pelo qual o Sistema Internacional tende ao equilíbrio. De acordo com esta teoria, caso algum país busque o domínio mundial expandindo seu poder, os outros países buscarão formar uma aliança para “balancear” – criar um contrapeso – e, com isto, enfraquecer este país em expansão (WALTZ, 1979).2 Período de hegemonia britânica, quando o país possuía a primazia militar e econômica do Sistema Internacional, controlando rotas co-merciais e expandindo o Império Britânico. Compreende desde o Congresso de Viena (1815), até os eventos que antecederam a Primeira Guerra Mundial (1914) (VISENTINI, 2014).

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do imperador francês, Napoleão III, de recuperar seu prestígio interno e externo e sua ocorrência contribuiu para a efetivação da política bismarckiana de unificação alemã em torno da Prússia3. Desse modo, em 1871, com o Tratado de Frankfurt, a guerra chegou ao fim, resultando em uma humilhante derrota francesa, com perda de parte da Alsácia e Lorena — região rica em ferro, recurso muito necessário para a Segunda Revolução Industrial —, pagamento de indemnizações à Alemanha e tendo parte de seu território ocupado por tropas da Alemanha — agora um único Estado federal — até o pagamento da dívida francesa (DUROSELLE, 1976; VISENTINI, 2014). Com este processo, não apenas o mapa europeu sofreu modificações, como também as estruturas da balança de poder do continente. Os desenvolvimentos econômicos e militares da Alemanha resultaram em uma maior influência geopolítica do país na região, ao passo que Estados como a França e o Império Austro-Húngaro se enfraqueceram. Uma guerra neste período, portanto, seria prejudicial para o desenvolvimento da nascente economia alemã, mas, ao mesmo tempo, era importante a força bélica do novo império como estratégia de defesa. Desta forma, Bismarck desenvolveu um sistema de alianças com a Áustria-Hungria, Rússia e Itália — o Sistema Bismarckiano — com o objetivo de proteger a Alemanha de possíveis ameaças e isolar a França (DUROSELLE, 1976; KISSINGER, 2001). Ao mesmo tempo, nos anos 1880, acontecia a chamada Segunda Revolução Industrial, marcada por inovações tecnológicas, pelo uso do aço e do petróleo na produção de bens e com a popularização do acesso à energia elétrica.. Enquanto a Primeira Revolução Industrial aconteceu majoritariamente na Inglaterra, este novo processo espalhou-se para a França, Alemanha, Estados Unidos e Japão. Houve, desta forma, uma disputa entre estes Estados por mercados consumidores – dado o aumento da produção e, consequentemente, da exportação de produtos industrializados – e fontes de matéria-prima, que desencadearam a corrida imperialista4 na África e Ásia. A Conferência de Berlim de 1884, que dividiu o território africano entre os Estados europeus, é um retrato desta disputa, onde a Inglaterra e a França adquiriram os territórios com mais recursos, desconsiderando e desprezando países recém-formados ou menos poderosos, como a Alemanha e a Itália (DUROSELLE, 1976). Bismarck, como resposta, adotou uma estratégia de priorizar a diplomacia dentro do continente europeu e fortalecer sua influência interna. Ele usou-se da política de manter a França e a Inglaterra nas disputas imperialistas, desviando sua atenção da anexação da Alsácia-Lorena ao território alemão, bem como para fortalecer suas alianças baseadas nas rivalidades entre os outros Estados. Pode dizer-se que Bismarck obteve sucesso no isolamento francês e, ao adquirir apoio de diversos países, proporcionou uma estabilidade europeia sem guerras entre potências, que possibilitaram o fortalecimento do Estado alemão. Por outro lado, o chanceler alemão não foi capaz de criar um sentimento de nacionalismo e identidade dentro da Alemanha, pois estava focado justamente em promover esta estabilidade externa (KISSINGER, 2001; FULBROOK, 2012). Com a morte de Bismarck, seus sucessores não foram capazes de manter o sistema de alianças/política externa que este havia criado. Além disso, a nova re-anexação da Alsácia-Lorena pela Alemanha havia começado a criar um clima de instabilidade na Europa. Historicamente, o povo alemão obteve inúmeras perdas, tanto econômicas quanto territoriais, por conflitos armados, como a Guerra dos 30 Anos e as guerras napoleônicas, criando uma fragilidade nacional que foi transposta por meio de uma política de militarização acelerada. Neste período, o aumento de sua preparação bélica criou uma insegurança nos vizinhos europeus, dando início à corrida armamentista no continente. Pode colocar-se, portanto, que esta preparação armamentista alemã contribuiu para o ambiente de incerteza e para a disposição bélica dos outros países (DUROSELLE, 1976; KISSINGER, 2001). Como a Alemanha localiza-se no centro da Europa, sua expansão implica, necessariamente, em confronto com outros Estados, unindo-se também à ideia de pangermanismo5. Teve início, então, as disputas territoriais no continente envolvendo os alemães. Ao mesmo tempo, a Áustria-Hungria entrou em confronto com a Rússia na região dos Bálcãs6, onde ambas tinham interesses econômicos e estratégicos. Desta forma, a formação de blocos diplomáticos foi um resultado direto da necessidade de conter a expansão dessas novas potências – como a Alemanha –, nas regiões de interesse das

3 A chamada “Pequena Solução Alemã”, que unificava a Alemanha ao redor do antigo Estado da Prússia, saiu vitoriosa sobre a “Grande Solução Alemã”, que incluía também a Áustria (DUROSELLE, 1976).4 Um novo tipo de imperialismo que usava argumentos civilizatórios para promover a abertura dos territórios para o comércio interna-cional e visavam explorar economicamente os países – buscando a exploração de minerais, matéria primas e gêneros tropicais – e vender as manufaturas que produziam (VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA, 2007).5 Ideologia que visa a juntar, em um mesmo Estado, os povos de origem germânica (POTEMKIN, 1943).6 Região do sudeste da Europa que engloba regiões desde a Albânia à parte da Turquia. Sua importância está no acesso a mares de água quente, essenciais para o comércio.

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demais nações. Em 1904, a França e a Inglaterra – mesmo sendo inimigos históricos – uniram-se na série de acordos conhecida como Entente Cordiale, ao passo em que a Rússia tentava controlar a expansão japonesa na Ásia. Já em 1905, com a crise do Marrocos7, surgiu a Tríplice Entente, formada por Inglaterra, França e Rússia e, da mesma forma, Alemanha, Itália e Áustria-Hungria se uniram na Tríplice Aliança, concretizando as coalizões que tiveram papel fundamental na Primeira Guerra Mundial. Estas alianças foram responsáveis por acelerar a corrida armamentista, além de exacerbar o nacionalismo e o militarismo revanchista entre os alemães (HOBSBAWM, 1995).

1.2 A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL E O TRATADO DE VERSALHES

Com alianças formadas e tensões no continente europeu, o estopim que deu início à Primeira Guerra Mundial foi em 1914, quando o herdeiro do trono austríaco, Francisco Ferdinando, foi à Bósnia-Herzegovina — território recém-conquistado —, onde foi assassinado por um rebelde sérvio contrário à influência austríaca nos Bálcãs. Quando a Áustria-Hungria declarou guerra à Sérvia, que tinha acordo de proteção mútua com a Rússia, o continente inteiro encontrou-se envolvido no conflito devido ao sistema de alianças pré-estabelecido. Este acontecimento, portanto, pode ser considerado uma espécie de “pretexto” para o início do confronto, mas não pode ser considerado sua razão, tendo em vista que as disputas coloniais, desavenças territoriais e a corrida armamentista aconteciam desde a metade do século XIX e foram se acirrando com o desenvolvimento industrial e com o imperialismo até culminar na guerra em si (HOBSBAWM, 1995). Mesmo com número de soldados semelhantes, os equipamentos e recursos disponíveis à Tríplice Entente e à Tríplice Aliança eram desiguais. Devido a isso, a Alemanha buscava evitar uma guerra em duas frentes, propondo o Plano Schlieffen: uma guerra curta e vitoriosa que alcançaria a derrota da França de forma rápida e, depois, voltar-se-ia para batalhas contra a Rússia, defendendo-se a oeste e atacando no leste. Desta forma, os dois primeiros anos do conflito apresentaram a característica de uma guerra de movimento, com mobilidade ampla e ataques rápidos e fulminantes. A partir de 1916, entretanto, foi assumido o caráter de guerra de posição, dando-se início a chamada guerra de trincheiras, buscando preservar as regiões ocupadas através de posições estratégicas (KENNEDY, 1989; VISENTINI, 2014). A Alemanha acreditava que Estados como a Inglaterra iriam se abster da guerra, o que não ocorreu. Do mesmo modo, os alemães subestimaram o poderio militar russo, tendo que enfrentar uma guerra de duas frentes. Em 1915, Japão e Itália entraram na guerra. O Japão entrou no conflito ao lado do Eixo devido a tratados com a Inglaterra, mas logo se retirou, tendo sua participação ficado restringida a tomar territórios alemães no leste asiático. Já a Itália tinha um acordo defensivo anterior – a Tríplice Aliança – com a Alemanha e a Áustria-Hungria, porém este acordo foi abandonado pelos italianos quando o confronto iniciou e o Estado italiano se absteve da guerra, a princípio. Entretanto, em 1915, a Itália mudou de posição e entrou em guerra ao lado da Tríplice Entente, sob a promessa de ganhar colônias e exercer influência nos Bálcãs. Além disso, o ano de 1917 foi, assim como o de 1915, igualmente importante, pois foi quando ocorreu a Revolução Russa8 e, consequentemente, a retirada da Rússia do conflito e a entrada dos Estados Unidos da América na guerra do lado da Entente (HOBSBAWM, 1995; VISENTINI, 2014). A entrada dos Estados Unidos é ponto que merece destaque, pois foi um fator decisivo. O Estado norte-americano atuou como fonte de diversos suprimentos – como alimentos, combustível, produtos industriais e máquinas – para França e Inglaterra, por meio de um sistema de crédito, mesmo antes de entrarem militarmente no conflito, transformando-se no maior credor global da época. Ao considerar que uma derrota da Tríplice Aliança era possível, a entrada dos Estados Unidos no conflito foi estratégica, baseada em uma preocupação de que os Estados francês e britânico, caso fossem ainda mais desgastados pelo confronto, não seriam capazes de pagar suas dívidas. Os Estados Unidos começaram, assim, uma propaganda política para sua entrada militar, oficialmente concretizada após 7 Foi uma crise internacional decorrente do apoio alemão à independência de Marrocos para obter maiores benefícios de comércio, o que contrariava um acordo secreto existente entre França e Reino Unido para região. Esta primeira crise, apesar de resolvida em 1906, conso-lidou uma aliança anglo-francesa contra Alemanha e serviu como base para Segunda Crise do Marrocos em 1911 (HOBSBAWN, 1995).8 Revolução deu início à criação do primeiro Estado socialista do Sistema Internacional – a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), fundada em 1921 – e retirou a Rússia da Primeira Guerra Mundial, através do Tratado de Brest-Litovski (1918), devido ao surgi-mento do conflito interno no país (VISENTINI, 2014).

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os alemães afundarem navios estadunidenses que tentavam chegar à Inglaterra com insumos para a guerra (HOBSBAWM, 1995; VISENTINI, 2014). Em 1918, o governo russo assinou o tratado de paz com a Alemanha, da mesma forma que o Império Austro-húngaro, o Império Otomano e a Bulgária retiravam-se do conflito, tornando a derrota alemã iminente. A pressão social dentro da Alemanha aumentava, provocando uma revolução, com a criação de um governo civil para negociar o armistício, e a transformação da Alemanha imperial em uma república, conhecida como República de Weimar9. Desta forma, em 1919, aconteceu a Conferência de Paris, na qual os 27 países que saíram vitoriosos da guerra elaboraram o Tratado de Versalhes (VISENTINI, 2014). Tratando-se de números, a Primeira Guerra Mundial foi o primeiro conflito em larga escala que obteve mais civis mortos do que militares. Isto causou não só traumas psicológicos às gerações que o viveram, mas também impactos econômicos no sistema produtivo, pois houve grande perda de mão de obra. O território europeu foi devastado, com os meios de produção destruídos, e os países acabaram com grandes endividamentos externos, tornando as economias europeias vulneráveis (KISSINGER, 2001; POTEMKIN, 1943). O Tratado de Versalhes, nesse sentido, foi um mecanismo para culpar a Alemanha pelos males causados na guerra, ao passo que também buscou restabelecer um equilíbrio entre os vencedores. Desse modo, foi acordada a entrega dos territórios alemães conquistados aos vencedores – como suas colônias, Alsácia-Lorena para França e parte dos Bálcãs à Polônia –—, bem como sua redução e restrição bélica e ainda, o pagamento de uma dívida exasperada. Além disso, foi criada a Liga das Nações que tem por objetivo a manutenção da paz em um nível mundial (HOBSBAWM, 1995; POTEMKIN, 1943). O Sistema Internacional baseado no Tratado de Versalhes – também chamado de Sistema de Versalhes – prejudicou não somente a Alemanha, mas também as outras dinâmicas europeias, sendo responsável por radicalizar o nacionalismo conservador alemão e italiano nos anos posteriores. O sentimento de revanchismo destes dois Estados foi agravado pelas condições que lhes foram impostas no Tratado, assim como pela situação de crise econômica pós-guerra. Além disso, as contradições responsáveis pelo início da guerra, como as disputas por territórios coloniais, matéria prima e mercado consumidor. não foram resolvidas. Estas foram inclusive agravadas, ocasionando instabilidades sistêmicas nos anos seguintes (KENNEDY, 1989; VISENTINI, 2014).

2 APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA A análise da situação alemã é especialmente interessante, na medida em que este foi o país que sofreu as maiores sanções pelos tratados de paz e que teve uma das transições político-econômicas mais radicais (MACHADO; SILVEIRA; FOLETTO, 2014). Os danos sofridos pela Alemanha durante e após a guerra tiveram profundos impactos na sociedade e na cultura política da nação. As perdas territoriais para países vizinhos, a destituição das possessões coloniais, as restrições militares e industriais e as grandes quantias de dinheiro a serem pagas em reparações de guerra10, influenciaram a República de Weimar. Ao longo das décadas de 20 e 30 do século passado, a Alemanha testemunhou um ambiente político extremamente polarizado entre forças constantemente em embate. Seguiram-se tentativas de golpes e secessão por grupos tanto de direita quanto de esquerda, contribuindo para a instabilidade interna do país (VISENTINI; PEREIRA, 2010).

2.1 AS CONSEQUÊNCIAS DO FIM DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL A Primeira Guerra Mundial foi o maior conflito vivenciado pela humanidade até então, tendo deixado consequências marcantes por todo o mundo, mas especialmente no continente europeu, que foi o principal campo de batalha. Para compreender a real dimensão da guerra e dos processos que ela desencadeou, é necessário analisá-la considerando tanto aspectos sociais, quanto políticos e 9 A República de Weimar, proclamada na Alemanha em novembro de 1918, inaugurou um novo sistema político no país, que assumiu compromissos sociais e, também, sofreu as dificuldades inerentes a uma economia instável, à uma sociedade tumultuada pela insatisfação e às imposições do acordo de paz (FULBROOK, 2012). 10 As reparações de guerra são valores determinados no Tratado de Versalhes que a Alemanha deveria pagar por ter sido considerada cul-pada pela guerra e pelos danos causados por esta. Seu valor, considerado excessivo por alguns economistas, era de 269 bilhões de marcos alemães, posteriormente reduzidos para 132 bilhões, valor ainda considerado alto pelos alemães (ARTHMAR, 2002; MACMILLAN, 2002).

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econômicos (VISENTINI; PEREIRA, 2010). O impacto mais claro da guerra, e possivelmente o que ficou mais marcado nos imaginários das populações europeias nos anos que seguiram, foram os milhões de soldados e civis mortos. Os números são meras estimativas, mas partem dos 20 milhões de mortos e uma quantidade igual ou maior de feridos. Na Europa, o conflito deixou, sejam nos países vencedores, sejam nos derrotados, marcas na sociedade que se ramificaram e influenciaram as mais diversas áreas. Os jovens enviados para o front retornaram profundamente abalados pelos horrores das batalhas, o que influenciou suas atividades diárias e, inclusive, a política. Além disso, mesmo as pessoas que não estiveram diretamente envolvidas na luta armada sentiram a perda de amigos e familiares e, também, a regressão a uma condição de pobreza que não se via na Europa havia anos (HOBSBAWM, 1995; VISENTINI; PEREIRA, 2010). Assim, a Primeira Guerra Mundial deixou um sentimento comum de devastação e perda de esperança, mas teve um significado bastante distinto para vencedores e vencidos. Os primeiros, em boa parte traumatizados, buscavam evitar que a Europa voltasse a viver uma guerra tão generalizada e violenta quanto a iniciada em 1914. Os últimos, por sua vez, além de terem passado pelas mesmas situações decorrentes do conflito, mencionadas anteriormente, ainda estiveram sujeitos aos constrangimentos impostos pelos tratados que estabeleceram o fim da guerra. Assim, formaram-se grandes grupos dentro das sociedades das nações derrotadas que se sentiam excessivamente prejudicados pelas condições sob as quais a paz foi atingida. Estas sociedades estavam, no pós-guerra, divididas e assustadas, em meio à humilhação internacional, aos conflitos internos e à incerteza, sentimento que promoveu o ódio às condições do Tratado de Versalhes. O impacto foi, também, econômico em grande medida, ao passo que o conflito demandou uma grande quantidade de recursos para produção industrial e ainda prejudicou a produção posterior, uma vez que boa parte da mão de obra foi perdida e diversas fábricas e terras agrícolas foram destruídas ou inutilizadas no continente europeu (HOBSBAWM, 1995; CAPELATO, 1995; FULBROOK, 2012). A economia é um aspecto fundamental para o entendimento da situação em que a Europa e o mundo se viram nas décadas de 1920 e 30. O impacto negativo da guerra perdurou ao longo dos anos 20, quando houve uma pequena fase de recuperação que foi interrompida pela quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, que desencadeou a crise econômica de 1929, gerando o período posteriormente conhecido como a Grande Depressão11. As consequências desta enorme recessão foram sentidas no mundo inteiro, já que diversos países sofreram com as reduções na produção e no comércio internacional, as quais aumentaram o desemprego e a pobreza mundialmente. Apesar disso, alguns países foram menos impactados pela crise e recuperaram-se mais rapidamente, chegando a atingir taxas de crescimento econômico muito elevadas, como foi o caso da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (KENNEDY, 1989). No entanto, a Alemanha, em particular, foi extremamente afetada, visto que já havia passado por um dos piores casos de hiperinflação da história entre 1921 e 1923 e, após restabelecer sua economia provisoriamente, sofreu os impactos da quebra da Bolsa de Nova Iorque sob a forma de uma grande crise econômica que levou milhões de pessoas ao desemprego, além de agravar as tensões políticas em um regime democrático recente e instável. Ainda, esta situação de pobreza afetou outras nações europeias e serviu como base para o crescimento de movimentos extremistas e autoritários que deram origem aos governos fascistas, mesmo que alguns, como o de Mussolini, na Itália, houvesse se estabelecido anteriormente à crise (VISENTINI; PEREIRA, 2010; FULBROOK, 2012).Este período histórico evidencia como a economia tem forte relação com as dinâmicas e disputas políticas em uma sociedade. Em situações de crise econômica, é comum, e na Europa do início do século XX não foi diferente, haver um fortalecimento dos extremos no campo político. “O pós-guerra apresentou um quadro de crise generalizada na Europa. O desemprego, a inflação e a recessão somaram-se a uma intensa mobilização política e a conflitos sociais acentuados” (VISENTINI; PEREIRA, 2010, p. 119). Ou seja, partidos e lideranças de centro, ou mais moderados, perdem espaço para defensores de ideias mais extremas, tanto de esquerda quanto de direita, a exemplo da Alemanha (VISENTINI; PEREIRA, 2010).

11 A Grande Depressão é o nome dado ao período de crise e recessão econômica que perdurou ao longo dos anos 30 em consequência da Crise de 1929. Esta é conhecida como uma crise de superprodução, marcada pelo desequilíbrio entre a produção e o consumo de diversos produtos, sobretudo nos EUA, afetando todo o comércio internacional na época e deixando milhões de desempregados. Considera-se como marco inicial desta crise a queda da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em outubro de 1929, quando os preços das ações de Wall Street caíram drasticamente. Esta notícia alarmou não somente os norte-americanos, mas propagou-se mundialmente, como um “atestado” do grande nível de recessão existente (FONSECA, 2009).

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2.2 O AMBIENTE POLÍTICO ALEMÃO E EUROPEU A Primeira Guerra Mundial alterou a organização política europeia de maneira drástica. A Itália e a Alemanha são os exemplos mais usuais para representar a dinâmica geral do embate político no continente, contudo, há de se ressaltar que a Europa inteira presenciou os resultados decorrentes da guerra e dos choques econômicos que a seguiram. A dissolução de antigos impérios como o Austro-Húngaro e o Otomano ocasionou uma série de guerras civis e revoluções, em sua maioria esmagadas pelos governos centrais, mas que abriram espaço para o crescimento de movimentos de direita e extrema-direita. Países como Hungria, Espanha, Polônia e Albânia são exemplos de governos de direita instaurados na Europa no pós-Primeira Guerra (VISENTINI; PEREIRA, 2010). Na Alemanha, houve um crescimento no apelo de movimentos nos dois extremos do espectro político. No campo esquerdista, houve um aumento na adesão a movimentos social-democratas e comunistas, que chegaram a declarar a breve independência de uma república socialista na região da Baviera, no sul da Alemanha, em 1918. No entanto, os grupos de esquerda foram rapidamente derrotados e se desarticularam, abrindo caminho para sua alternativa oposta, a qual havia tido papel relevante na desmobilização da esquerda: a extrema-direita. Após uma tentativa de golpe de Estado malsucedida no início dos anos 2012, o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP, na sigla em alemão, ou Partido Nazista) começou a organizar-se, a disputar eleições e a angariar apoiadores, chegando ao poder no início dos anos 30 (RENOUVIN, 1982). O nazismo era uma ideologia de extrema-direita bastante semelhante ao fascismo italiano, mas que tinha diversas particularidades. O partido, na figura de seu principal líder, Adolf Hitler, chegou ao poder sob situações nebulosas no início de 1933 com propostas de recuperação econômica por meio da renegociação do Tratado de Versalhes ou mesmo do rompimento total com este. Para conquistar o apoio da população, o NSDAP aproveitou-se do sentimento de humilhação e impotência do povo alemão para criar inimigos, internos e externos – como os judeus, os comunistas e o próprio Tratado de Versalhes –, culpando-os pela situação difícil pela qual o país passava. Assim, surgiram as noções racistas de que a etnia alemã – a chamada raça ariana – seria superior e que outras, como eslavos, negros, ciganos, judeus, entre outros, seriam inferiores. Desta maneira, iniciou-se o gradual processo de exclusão e segregação desses grupos da sociedade em nome do progresso econômico alemão (HOBSBAWM, 1995).

2.3 O REARMAMENTO ALEMÃO No início de 1933, Adolf Hitler, líder do Partido Nazista, tornou-se chanceler da Alemanha, à época o cargo de maior poder político no governo alemão. Enquanto Hitler chegava ao poder, ocorria em Genebra, na vizinha Suíça, a Conferência Internacional para o Desarmamento, abordando, sobretudo, as demandas alemãs pela igualdade de armamentos. Tal tópico era complexo e suscitava memórias da guerra mundial que assolara a Europa havia menos de vinte anos, trazendo para o debate os interesses de diversas nações (RANKE, 2011). A ascensão do Partido Nazista transformou o assunto do rearmamento alemão em uma das pautas centrais da política internacional europeia. Os alemães reivindicavam o direito de poder aumentar suas capacidades militares, a fim de equipará-las àquelas das outras nações em seu entorno, e, caso isso fosse considerado impossível, exigiam que as outras nações reduzissem suas forças aos mesmos parâmetros impostos à Alemanha em Versalhes. Segundo o governo, era a proposta mais sensata, na medida em que propunha um equilíbrio de forças, sendo esta a situação mais favorável para evitar uma nova guerra, que os alemães afirmavam não ser sua intenção. As restrições impostas ao país eram, de fato, severas: número máximo de 100.000 soldados, desmonte da Força Aérea, reduções significativas na Marinha e no número de armamentos, restrições industriais, além das grandes compensações financeiras a serem pagas. A Alemanha considerava a imposição de tais condições injustas e humilhantes, além de afirmar que estas prejudicavam sua economia (RANKE, 2011). Apesar de as relações entre a Alemanha e as outras potências europeias não serem necessariamente hostis, havia grande desconfiança entre as nações. A chegada ao poder de Adolf Hitler não foi imediatamente criticada pela comunidade internacional, que preferiu aguardar para avaliar que tipo de mudanças ocorreriam no país. Contudo, os discursos de Hitler rapidamente passaram a ser cada

12 O Putsch (golpe, em alemão) de Munique de 1923, como veio a ser conhecido, foi uma tentativa de Adolf Hitler, juntamente com outros correligionários, de tentar tomar o poder do estado alemão da Baviera à força. A tentativa não teve sucesso e Hitler acabou preso, sendo solto anos depois e consolidando-se como líder de fato do NSDAP (CIOFFI PEREIRA, 2017).

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vez mais agressivos e surgiram evidências de que a Alemanha havia mantido o desenvolvimento de armamentos modernos, proibidos pelo Tratado de Versalhes, além de ter treinado um grande número de soldados para a reserva, oficialmente ou em organizações paramilitares13, e iniciado a reconstrução da sua Força Aérea. A França, sendo um país fronteiriço que havia sido invadido na última guerra, era o país mais temeroso com relação ao possível rearmamento alemão, por acreditar que o vizinho buscava vingança pelos territórios perdidos após o final do conflito. A Inglaterra, no entanto, acreditava que os franceses concordariam em reduzir seu poder militar, evitando que a Alemanha desejasse se rearmar, e apaziguando a Europa continental (VISENTINI; PEREIRA, 2010; RANKE, 2011). Assim, a Europa e o mundo encontravam-se em um momento particularmente sensível, com intensas dinâmicas econômicas e políticas, no qual a diplomacia era necessária, mas parecia ter sido deixada de lado. A ascensão dos extremismos afastava países com governos discordantes e agrupava-os em blocos, de forma semelhante ao que ocorrera antes de 1914. O medo de que uma nova guerra acontecesse era grande e os países tinham consciência de que, caso ocorresse, seria um conflito longo e potencialmente muito destrutivo. Portanto, resolver as questões militares e as desavenças e desconfianças legadas pelo final da guerra anterior, que solucionou poucas das contradições que levaram a ela era crucial para evitar a ocorrência de um novo conflito continental ou mundial (HOBSBAWM, 1995).

3 AÇÕES INTERNACIONAIS PRÉVIAS

Em função das rivalidades crescentes após a imposição do Tratado de Versalhes em 1919, os países vencedores da Primeira Guerra Mundial e líderes da Liga das Nações elaboraram diversos acordos bilaterais e multilaterais, a fim de evitar outro conflito de escala mundial como o recentemente ocorrido. Do mesmo modo, os países prejudicados por Versalhes, isto é, os perdedores da guerra, buscaram se reerguer, tanto economicamente quanto militarmente, usando a cooperação internacional como forte ferramenta para este objetivo (DUROSELLE, 1976).

3.1 AÇÕES MILITARES O fim da Primeira Guerra Mundial foi marcado pelo isolamento do Império Alemão, último combatente a se render, em relação a fontes de recursos. A Alemanha havia perdido controle sobre suas colônias e sofria um bloqueio naval e terrestre da Entente. Com sua economia colapsando, o país tentou negociar um armistício, o qual ocorreu com a condição de que cessassem as hostilidades e fosse permitida a ocupação, pelos aliados, da Renânia, região na fronteira entre Bélgica, França e Alemanha. Tal condição perdurou até 1930, quando houve a saída das últimas tropas francesas da região (KLINKE, PEROMBELOM, 2015; RIORDAN, 2005; ZIEMANN, 2015). A figura da próxima página indica, em vermelho mais claro, as perdas territoriais alemãs de acordo com o Tratado de Versalhes, estabelecido em 1919. Destaca-se a área da Renânia, em vermelho mais claro à esquerda.

3.1.1 OCUPAÇÃO ALIADA DA RENÂNIA (1918-1930) A ocupação aliada da Renânia foi fundamental para o controle das potências vencedoras sobre o processo de paz no fim da Primeira Guerra Mundial. A região foi, historicamente, palco de disputas no centro europeu, como na Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), e é rica em recursos naturais e densamente povoada (ZIEMANN, 2015). A região, muito industrializada, era polo importante da economia alemã, produzindo insumos vitais para o setor industrial, como aço, carvão e ferro. A criação de uma comissão aliada para administrar a região em 1920 serviu para coordenar os esforços de diálogo com a população local e com o governo alemão. A região foi dividida em quatro zonas de ocupação: Belga, Francesa, Britânica e Estadunidense. Os Estados Unidos se retiraram da zona em 1923, por pressão de seu congresso, tendo a França ocupado a maior parte do território da Renânia (RIORDAN, 2005).Sendo proibida a presença militar alemã na região, a ocupação serviu para pressionar a Alemanha a cumprir os pagamentos de reparações de guerra, bem como foi ferramenta para a França criar uma

13 A SA (Sturmabteilung, ou Divisão de Assalto) e a SS (Schutzstaffel, ou Tropa de Proteção) foram organizações armadas na Alemanha no período pós-Primeira Guerra Mundial que eram independentes do Estado alemão, mas que atuavam defendendo os interesses do Partido Nazista e de seus membros (VISENTINI; PEREIRA, 2010).

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zona segura na sua fronteira. O plano francês era desmembrar a região e criar um Estado-tampão na fronteira com a Alemanha para evitar uma nova guerra, plano rechaçado pela Alemanha e pelo Reino Unido. Este último serviu como mediador das relações conflitivas entre França e Alemanha até o fim da ocupação, evitando o acirramento das desavenças (KLINKE, PEROMBELOM, 2015; RIORDAN, 2005).

Figura 1 – Perdas territoriais alemãs com o Tratado de Versalhes

Fonte: Giancarlo Moist (2015, online)

3.1.2 OCUPAÇÃO FRANCESA E BELGA DO RUHR (1923-1925) Após quatro anos de ocupação e de pagamentos atrasados das reparações de guerra por parte da Alemanha, França e Bélgica decidiram ocupar o Vale do Ruhr, região industrializada próxima à Renânia. Esta decisão também serviu como um enfrentamento pela assinatura do Tratado de Rapallo, em 1922, pela Alemanha e a União Soviética. Porém, tal movimento não foi combinado com o Reino Unido, o que gerou desconforto para os britânicos. Estes não podiam endossar a atitude, correndo o risco de enfurecer os alemães, mas também não podiam romper o diálogo com os franceses, para não comprometer sua frágil aliança. Desse modo, a posição de neutralidade britânica veio somada a esforços para resolver a questão de maneira pacífica (KLINKE, PEROMBELOM, 2015; RIORDAN, 2005; KUNDNANI, 2014). Com isto, oficiais franceses passaram a fomentar movimentos separatistas no Ruhr e na Renânia, visando desmembrá-los da Alemanha. Tal iniciativa veio acompanhada de uma série de protestos e greves de grupos comunistas com forte presença na região, culminando no congelamento dos serviços ferroviários. Ainda, grupos nacionalistas alemães ameaçaram intervir para sufocar tais movimentos, o que poderia levar ao choque destes com tropas aliadas. Em vista disso, tal conflito foi impedido pela iniciativa britânica de negociar com os franceses uma intervenção rápida por parte das tropas alemãs, que massacraram os movimentos e retiraram-se logo em seguida. Somou-se a isto um plano econômico de pagamentos mais realista para a Alemanha, a partir de 1925, o que permitiu uma melhora nas relações entre os países, com a volta dos pagamentos das reparações de guerra (RIORDAN, 2005; SHARP, 1997).Em 1925, foram realizadas as negociações para o ingresso alemão na Liga das Nações, sendo acordada

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a não-militarização da região da Renânia, a retirada das tropas aliadas da região e a passagem do controle da mesma para as autoridades alemãs. Com o retorno dos pagamentos alemães, Bélgica e França retiraram-se do Ruhr ainda em 1925. Por fim, a Alemanha juntou-se à Liga das Nações em 1926 e as últimas tropas aliadas saíram da Renânia em 1930, apesar de que um pequeno contingente francês continuou a ocupar a pequena região de Saar até 1935. Tal movimento permitiu uma leve melhora da economia alemã, até a crise de 1929 (SHARP, 1997).

3.2 TRATADOS E CONFERÊNCIAS Como dito anteriormente, no pós-guerra afirmaram-se inúmeros tratados e realizaram-se diversas conferências ao redor do mundo para prevenir a escalada de um novo conflito. Estes acordos foram realizados de diferentes formas: tanto bilateralmente quanto multilateralmente, tanto entre os países vitoriosos quanto entre os países derrotados. A seguir, são apresentados os principais e mais significativos compromissos assumidos pelas nações neste período.

3.2.1 TRATADO NAVAL DE WASHINGTON (1922) O Tratado Naval de Washington de 1922 foi um dos esforços da série de tratados firmados pela Liga das Nações para impedir a possibilidade de uma nova corrida armamentista. O tratado foi celebrado pelos Estados Unidos, França, Reino Unido, Itália e Japão – apesar de o primeiro não ser integrante da Liga – e determinava que tais nações deveriam limitar a extensão de suas frotas navais. Isso deveria ser feito por meio da suspensão da produção de navios militares e da demolição de navios de guerra já existentes (HONE, 1979). As restrições do acordo, similares às impostas à Alemanha no Tratado de Versalhes, logo produziram insatisfações na Itália e, principalmente, no Japão. Este, por ser uma ilha, dependia extremamente de sua Marinha para a sua projeção de influência no mundo. Assim, em 1930, ambos renunciaram a sua participação no acordo. No mesmo período, a Alemanha seguia secretamente descumprindo o Tratado de Versalhes em uma operação de rearmamento revelada em 1931, pelo pacifista alemão Carl von Ossietzky. Assim, apesar das barreiras diplomáticas existentes, a corrida armamentista se tornava cada vez mais uma realidade (KENNEDY 1989; HONE, 1979).

3.2.2 TRATADO DE RAPALLO (1922) No mesmo ano do Tratado de Washington, a União Soviética (URSS) firmou o Tratado de Rapallo com a República alemã, sendo que ambos os países não integravam a Liga das Nações à época. Este acordo foi uma medida estratégica para unir duas potências economicamente marginalizadas, fazendo um contraponto aos líderes da Liga, visto que a Alemanha estava sob as sanções de Versalhes, e a URSS era vista como uma ameaça, por ser um país socialista. O pacto implicava em relações diplomáticas e econômicas amistosas, de acordo com as necessidades mútuas dos países, a exemplo da proveitosa parceria comercial. Além disso, os dois países anularam as reivindicações territoriais e financeiras entre si, ainda remanescentes do Tratado de Brest-Litovsk (1918), firmado no momento da retirada russa da Primeira Guerra Mundial (CARR, 1981; VISENTINI, 2013; VISENTINI; PEREIRA, 2010).

3.2.3 CONFERÊNCIA DE LOCARNO (1925) O conjunto de sete tratados negociados na cidade suíça de Locarno certificavam a promessa alemã de respeitar as fronteiras territoriais da França e da Bélgica, o que promoveu a retirada das tropas britânicas e francesas do Ruhr, e de submeter-se à arbitragem internacional para resolver disputas fronteiriças com a Polônia e a Checoslováquia. Assim, garantia-se que as fronteiras ocidentais da Alemanha não seriam alteradas à força. Já a questão das fronteiras orientais alemãs permaneceu em aberto. O Reino Unido e a Itália também participaram, tornando-se os responsáveis pelo cumprimento do acordo apesar de, na prática, nunca terem precisado atuar neste sentido. Como consequência dessas negociações, a retomada do prestígio internacional alemão contribuiu para que o país fosse admitido, no ano seguinte, na Liga das Nações. Inclusive, foi oferecido à Alemanha um assento permanente no Conselho da organização (KITCHEN, 2006).

3.2.4 TRATADO DE BERLIM (1926) A Conferência de Locarno, assim como o sistema estabelecido em Versalhes, tinha como

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objetivo implícito o isolamento da Alemanha e da União Soviética. Os líderes em Moscou estavam convencidos de que o acontecimento em Locarno era um movimento das potências ocidentais para agregar a Alemanha a um futuro engajamento anti-soviético. O governo alemão, por outro lado, também entendia que suas fronteiras orientais não poderiam estabilizar-se sem uma negociação com a URSS. Desse modo, em 1926, os dois países assinaram o Tratado de Berlim, apesar do desagrado ocidental. Esta foi uma forma de reafirmar os compromissos de Rapallo e, além disto, prometer neutralidade mútua no evento de algum ataque a um dos dois países. Ainda, ambos prometeram que não se envolveriam em sanções ou boicotes entre si (KITCHEN, 2006).

3.2.5 CONFERÊNCIA PARA O DESARMAMENTO EM GENEBRA (1932) Anos mais tarde, tendo em vista a crescente militarização do Japão, da Itália e da Alemanha, apesar do empenho internacional de contenção a estes países, a Liga das Nações e os Estados Unidos produziram novos esforços para conter a escalada de um possível conflito. Assim, em 1932, teve início a Conferência para o Desarmamento em Genebra, reunindo 64 nações e reafirmando compromissos que limitavam o armamento dos países, dos quais a Alemanha ocupava o centro das discussões. As negociações, novamente, espelharam as tensões que se aprofundaram no continente europeu desde o final do século XIX. A Alemanha argumentava a favor da equidade militar e da retirada das limitações de suas Forças Armadas, enquanto a França afirmava que as restrições de Versalhes eram o único modo de garantir que não haveria outro conflito como a Primeira Guerra Mundial (WEBSTER, 2006). Em suma, para os países conservadores do chamado Sistema de Versalhes, o único caminho para preservar a paz seria por meio da inferioridade militar alemã e da superioridade inglesa e francesa. Portanto, França e Inglaterra seguiram utilizando as discussões no âmbito da Liga das Nações para tentar garantir suas superioridades econômica e militar, ao passo que as tensões relacionadas ao rearmamento alemão e à ascensão de movimentos fascistas somente cresciam no continente europeu (DUROSELLE, 1976).

4 POSICIONAMENTO DOS PAÍSESNo Conselho da Liga das Nações de 1933, há membros permanentes e não-permanentes presentes na discussão. Esta seção expõe as posições de cada um deles quanto à questão do rearmamento alemão.

4.1 MEMBROS PERMANENTES DO CONSELHO DA LIGA DAS NAÇÕESA França, como país vizinho da Alemanha, manifesta que a questão securitária deveria preceder o desarmamento. Como o país fora intensamente prejudicado na Primeira Guerra Mundial, o mesmo não concordaria com a redução de seu armamento sem que houvesse o estabelecimento de garantias securitárias e de uma “polícia” internacional superior, a fim de neutralizar a possibilidade de uma agressão, por parte da Alemanha, ao território francês. Além disso, em vez de haver um processo de desarmamento abrupto, a França é a favor da realização de um período de testes quanto à efetividade dessa política (US, 1943; WDL, online).

O Grande Reich Alemão busca revisar as proposições do Tratado de Versalhes (1919) e das tratativas subjacentes, como os Tratados de Locarno (1925), buscando uma condição de igualdade com as demais potências europeias no que concerne à segurança e defesa. A Alemanha acredita ser injustiçada pelas diversas limitações impostas sobre suas forças armadas e demanda a possibilidade de aumentar seus efetivos a níveis equiparados, tanto de equipamentos quanto de soldados, com os demais países vizinhos (DEIST, 1981).

A Itália foi menosprezada pelo Reino Unido e pela França, seus aliados na Primeira Guerra Mundial, durante as negociações de paz. Consequentemente, o país teve poucas demandas atendidas e, ainda, recebeu pouca atenção das potências ocidentais. Internamente, a política fascista, adotada por Benito Mussolini a partir de 1922, passou a focar em um programa de rearmamento, visando a equilibrar o poder italiano frente à França, ao Reino Unido e à Alemanha. O governo italiano busca acordos que garantam o controle armamentista dos países, mas respeitando e exigindo a equidade das forças.

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Iniciativas como o Tratado de Washington (1922) são bem-vindas para garantir que o país consiga se equiparar a seus rivais (TOLLARDO, 2016).

O Japão preza pela manutenção de relações amistosas com os países da Liga, de maneira a seguir, muitas vezes, as tendências gerais manifestadas em Assembleia. Nesse sentido, o Japão demonstrou-se favorável a uma política de desarmamento e, caso essa seja concretizada, tal medida deve ser simultânea em todos os países. Contudo, o Japão defende que a Assembleia não deve intervir nas estratégias navais japonesas, nem no recrutamento de seus soldados (BURKMAN, 2008).

Sendo um dos países mais afetados pela Primeira Guerra Mundial, o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte julga que o desarmamento é uma forma de assegurar paz e prosperidade no cenário internacional, além de ser capaz de reafirmar os princípios da Liga das Nações, como o respeito ao direito internacional e à diplomacia como mecanismo de ação (ENCYCLOPEDIA BRITANNICA, 2019). Tendo isso em vista, o país propôs um projeto de convenção para o desarmamento, o qual foi aprovado como base para a discussão (HENDERSON, 1936).

4.2 MEMBROS NÃO-PERMANENTES DO CONSELHO DA LIGA DAS NAÇÕES A política externa da República da China está ligada com a sua guerra civil e a ocupação japonesa de 1931. O país é favorável ao rearmamento alemão, dada a missão militar alemã que desde 1927 auxilia na organização do exército chinês. Ainda, o país é favorável à igualdade de armamento dos povos da periferia para sua proteção. O país deseja, também, um maior comprometimento das potências ricas contra a agressão do Japão no oriente (BEVANS, 1968).

A Espanha vê a Liga das Nações como uma organização mantenedora da ordem internacional, bem como do equilíbrio de forças no pós-guerra. Assim, o país assume os princípios da Liga das Nações, com o intuito de auxiliar na construção de uma ordem de paz e proteger-se de uma possível agressão, a qual poderia prejudicar a reconstrução do país. A política espanhola na Liga consiste em um equilíbrio entre sua neutralidade e seu empenho para com os compromissos vinculados à participação do Estado na organização (NELLA HERNANDEZ, 1993).

O Estado Livre da Irlanda advoga por uma maior participação das potências pequenas na Liga. Também, o país entende que devem existir alternativas para o descumprimento de decisões da Liga, como sanções, e um maior envolvimento das potências maiores para coibir os desvios de conduta por parte dos países. O estabelecimento de normas comuns sobre o desarmamento e a garantia de um balanço entre as nações são propostas irlandesas para a promoção da paz (KEATINGE, 1970).

Por ser um país centro-americano e pequeno, a Guatemala envolve-se de maneira mais discreta no debate sobre o desarmamento. O país tem uma política de armamento considerável para o seu tamanho, dados seus problemas de segurança, tanto internos quanto com países vizinhos. Ainda, a Guatemala sofre constantemente com o controle dos Estados Unidos, por meio de intervenções políticas e armadas, e, por isso, possui uma política alinhada com a do mesmo. O governo busca criar um sistema de limitação de armamentos para as Grandes Potências, mas que também garanta o direito à autodefesa das pequenas nações (HERRERA LEÓN, 2016).

Dentre as nações latino-americanas, o México foi admitido na Liga em 1931, sendo o último país a entrar na organização (HERRERA LEÓN, 2016). Ao longo de sua história, o México demonstra-se favorável ao desarmamento enquanto, paralelamente, defende a equidade dos países mais pobres. A política mexicana na Liga é, principalmente, autodefensiva, ou seja, essa pode mudar à medida que corresponda à preservação dos interesses e da integridade do país (HERRERA LEÓN, 2014).

A Noruega sempre buscou a neutralidade nos conflitos europeus e a institucionalização de organizações, como a Liga das Nações, para intermediar as disputas. O país busca um acordo geral e formal de desarmamento para evitar possíveis confrontos entre os países membros. Além disso, o governo norueguês acredita que deve haver um comprometimento de todos os países, especialmente

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das grandes potências, para que seja implementado tal mecanismo de regulação ao redor do mundo (GRAM-SKJOLDAGER; IKONOMOU; KAHLERT, 2019).

O Panamá sofre com recorrentes intervenções políticas e militares dos Estados Unidos. Após um golpe de Estado em 1931, as eleições civis democráticas foram retomadas em 1932. Deste modo, no âmbito das negociações da Liga, o país busca a garantia de soberania nacional e a limitação da ingerência das grandes potências nos pequenos países. Também considera que um acordo internacional deve ser firmado para assegurar a equidade militar entre os países grandes, em especial os europeus, visando a impedir a eclosão de uma nova guerra (HERRERA LEÓN, 2016).

A Polônia encontra-se em situação geográfica semelhante à da França, o que contribui para esta ser a favor do desarmamento alemão. Além disso, o país propõe uma ação dupla, que consiste no desarmamento, tanto material quanto moral, dos países. Este objetivo deve ser promovido pela cooperação internacional, em prol da não ocorrência de guerras, por meio do intercâmbio cultural, econômico, educacional e juvenil (VUKOTIC, online; KEENE; NEIBERG, 2011).

A Tchecoslováquia preza pela manutenção da paz e pela proposição de um acordo geral de desarmamento, visando à limitação de um potencial novo conflito na Europa. Por estar localizado ao lado do Reich Alemão, o país receia uma possível tentativa de anexação de seu território por parte do governo vizinho. Por isso, demanda uma posição mais assertiva das potências ocidentais, principalmente França e Reino Unido, quanto ao desarmamento alemão (ENCYCLOPEDIA BRITANNICA, 2019b).

5 QUESTÕES PARA DISCUSSÃO (1) Como relacionar soberania nacional e limites às forças armadas?

(2) Pode haver uma correlação de forças entre as grandes potências e as pequenas potências que seja segura para todos?

(3) Pode-se limitar a soberania nacional e haver desenvolvimento ao mesmo tempo?

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO ISLÂMICA

Movimentos extremistas e radicalismo no Oriente Médio

Fernanda Boldrin, Lucas Colombo Keil, Pietra Ribeiro Studzinski, Thais Peixoto, Victor Hugo Dresch1

1 Graduandos e Graduandas em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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QUESTÕES PARA ORIENTAÇÃO

(1) Quando um ato isolado é executado por um grupo extremista ao redor do mundo, há intensa repercussão e os danos, materiais ou não, são irreparáveis. Tendo em vista que grande parte dos Estados membros da OCI têm o radicalismo como fenômeno cotidiano, como vivem essas sociedades e quais questões são prioridades quando os próprios governos são ameaçados por tais organizações?

(2) As iniciativas que buscam solucionar o extremismo e o radicalismo no Oriente Médio podem ter êxito quando levantadas exclusivamente pelos países da região, sem o auxílio do resto do mundo?

INTRODUÇÃO

A Organização para Cooperação Islâmica (OCI) é um órgão intergovernamental formado por 57 Estados membros e representa 1,6 bilhão de pessoas. Esses países abrigam grandes parcelas da população muçulmana do mundo e são pertencentes às mais diversas regiões do globo. A OCI visa fortalecer a união islâmica em prol do progresso, do desenvolvimento e da defesa dos interesses do Mundo Islâmico, prezando sempre pela paz e pela harmonia. A Conferência da Cúpula Islâmica é a autoridade máxima da OCI e a ela teve origem ainda em 1969, quando um incêndio criminoso em uma mesquita de Jerusalém reuniu os líderes dos países islâmicos. Durante as reuniões de Cúpula, os reis, presidentes e primeiros-ministros dos Estados membros discutem e tomam as principais decisões acerca de questões-chave para o Mundo Islâmico. Os resultados deste comitê orientarão os esforços internos dos países e os trabalhos da Organização para Cooperação Islâmica pelos anos seguintes (ORGANIZATION OF ISLAMIC COOPERATION, 2019). Em 2019, a OCI no UFRGSMUNDI trará como tema de debate movimentos extremistas no Oriente Médio (OM), com foco especial para grupos terroristas que atuam na região. A instabilidade no Oriente Médio foi provocada por diversos fatores interligados, principalmente a partir do período colonial após a Primeira Guerra Mundial, e que vão do político e econômico ao social. Essa instabilidade na região propiciou a ascensão de grupos extremistas que buscam fazer prevalecer suas pautas por meio da exploração do descontentamento das populações e da ligação com uma identidade religiosa comum. Na região, diversos grupos merecem destaque, tais como a Al-Qaeda, o Estado Islâmico e o Hezbollah. Nesse sentido, o presente guia de estudos buscará apontar os fatores que propiciaram o desenvolvimento desses grupos, suas características, seu contexto e diferentes maneiras de combater esse fenômeno.

1 HISTÓRICO Ao analisarmos o mapa da região do Oriente Médio, ou do continente africano, pode-se perceber que as linhas de fronteira parecem um tanto artificiais, definidas sem levar em conta os povoados, o relevo, a hidrografia ou o que quer que ali estivesse presente anteriormente. É fundamental compreender, portanto, os acontecimentos históricos que antecederam e reconstruíram a região que abordaremos neste guia como hoje a conhecemos. A seção inicial buscará demonstrar como o processo do colonialismo e, posteriormente, a Guerra Fria moldaram a realidade geopolítica do Oriente Médio a partir de decisões externas e constituíram uma quantidade significativa de problemas verificados até a atualidade.

1.1 COLONIALISMO E INDEPENDÊNCIA Com o término da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a queda do Império Turco Otomano1, houve uma preocupação imperialista europeia, especialmente britânica, em ocupar zonas do Oriente Médio, ricas em petróleo e estrategicamente posicionadas. O acordo secreto Sykes-Picot, assinado em 1916 entre França e Inglaterra – duas das nações vencedoras da guerra –, estabelecia as bases de

1 Império que surgiu em 1299 e findou-se em 1922 com sua invasão e divisão após a Primeira Guerra Mundial. Em seu auge, dominou partes da Europa meridional, Norte da África e Oriente Médio, perdendo grande parte de seus territórios para potências europeias como França e Inglaterra e tendo outros, como sua capital Constantinopla (atual Istambul), transformados em República da Turquia na Guerra de Independência Turca (QUATAERT, 2005).

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ocupação dos territórios turco-otomanos no Oriente Médio, mediante a dissolução do Império. Ao mesmo tempo, a Inglaterra negociava acordos com alguns povos árabes residentes em áreas dominadas pelo Império Turco, garantindo apoio inglês aos seus levantes de independência. Além disso, com o possível fim do Império Otomano, consolidou-se o interesse em estabelecer um protetorado único na região da Palestina por parte dos judeus sionistas2, que se comprometeram a cooperar com os ingleses (CARRERAS, 1991). Tais medidas provocaram, em 1920, a instalação da Inglaterra – já ocupante do Egito e de zonas ao sul da península Arábica – em regiões que correspondiam ao Iraque e à Transjordânia, atual Jordânia, enquanto a França estabeleceu mandatos nos atuais territórios da Síria e do Líbano (VISENTINI, 2014). Em relação aos acordos estabelecidos com os judeus sionistas, o Reino Unido assina, em 1917, a Declaração Balfour, na qual se compromete com a criação de um lar na Palestina para os judeus. Desta forma, foram geradas expectativas diferentes para o destino da região palestina. Por um lado, o acordo de Sykes-Picot previa a criação de um mandato britânico, por outro, os árabes almejavam sua independência, e ainda existia uma terceira questão: o desejo judeu sionista de constituir um Estado na Palestina. Os levantes nacionalistas árabes foram, em sua grande maioria, reprimidos pelas novas potências que se instalaram na região. A política colonial instaurada, bem como o descumprimento dos acordos por parte dos ingleses e a intensificação do processo de migração judaica para a região foram determinantes para a radicalização de tais movimentos (VISENTINI, 2014).

Figura 1 – Mapa político do Oriente Médio entre 1914 e 1922

Fonte: Portland State University (2019).

Na Pérsia, atual Irã, os ingleses derrubaram, em 1925, o Império Qajar, que possuía alinhamento com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), rival inglesa, e colocaram no poder o aliado Reza Pahlavi de forma a assegurar seus interesses sobre as jazidas de petróleo da região. Além disso, ocorreu, na Península Arábica, um enfrentamento militar entre o Xerife Hussein Meca, aliado da Inglaterra, e Ibn Saud, que, após a sua vitória, promoveu a unificação das regiões de Nedj e Hedjaz e expandiu seus domínios, dando origem ao Reino da Arábia Saudita em 1932. Tal território foi o primeiro a aliar-se aos Estados Unidos (EUA), visando à extração de petróleo através da instalação de empresas estadunidenses em zona saudita. Essa ação acirrou a rivalidade entre as multinacionais dos EUA (Aramco estabelecida em território saudita) e inglesas (Anglo-Iranian Oil Co. e Anglo-Irakian Oil Co., instaladas no Irã, Iraque e Jordânia). Desse modo, os movimentos nacionalistas em ascensão foram, mais uma vez, contrariados, o que gerou não só um nacionalismo anticolonial, como também 2 Simpatizantes do Sionismo moderno – movimento político, da segunda metade do século XIX, que defende a criação de um Estado na-cional judaico soberano na região da Palestina e a autodeterminação do povo judeu (LAQUEUR, 1972).

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um antagonismo anglo-estadunidense causado pelo controle dos combustíveis fósseis na região (VISENTINI, 2014). A intensificação da migração judaica, realizada pelas vítimas do Holocausto3, no pós Segunda Guerra Mundial 4 tornou a situação ainda mais crítica. Em 1947, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a resolução que propunha a dissolução do mandato britânico na Palestina e a divisão do território em duas áreas desiguais, cuja maior parte era destinada à criação de um Estado nacional judeu enquanto a outra ao povo árabe-palestino (CARRERAS, 1991). Revoltas surgiram da insatisfação árabe com a resolução, culminando na chamada Guerra Árabe-Israelense de 1948. Os palestinos, apesar de receberem apoio externo vindo do Egito, do Iraque, da Síria, do Líbano e da Jordânia, acabaram derrotados por Israel, que ampliou consideravelmente seu território. Já as regiões da Cisjordânia e da Faixa de Gaza passaram a ser administradas por Jordânia e Egito, respectivamente (VISENTINI, 2014). Por fim, destacam-se os processos de independência das demais colônias da região. Iraque e Reino Unido assinam, em 1930, um acordo que previa o fim do mandato britânico na região iraquiana mediante apoio militar ao Reino Unido em guerras e a permanência das bases militares britânicas no Iraque. Em 1932, a independência do Iraque é oficializada. Já o Líbano e a Síria tiveram suas independências da França conquistadas em 1943 e 1946, respectivamente, tornando-se repúblicas. Finalmente, a Jordânia conquistou, em 1946, sua independência dos britânicos sob um regime monárquico (VISENTINI, 2014).

1.2 GUERRA FRIA NO ORIENTE MÉDIO O pós Segunda Guerra Mundial apontou a ascensão dos Estados Unidos e a formação de um sistema mundial dividido em dois polos (bipolar), marcado pelo antagonismo entre o capitalismo estadunidense e o comunismo soviético: a Guerra Fria. Esse processo ocorreu do final da Segunda Guerra Mundial (1945) até a queda da União Soviética (1991) (PEREIRA; VISENTINI, 2012). Apesar de ser considerado um conflito global, a Guerra Fria não afetou profundamente a região conhecida como Oriente Médio (HALLIDAY, 1997). O bloco ocidental, liderado pelos EUA, era composto por países ligados à ideologia liberal-capitalista, integrado por países da Europa Ocidental, América Latina e Oceania. O bloco oriental, por outro lado, seguia uma ideologia conflitante à capitalista: o comunismo; era composto pelos aliados da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), como países da Europa Central e do Leste, entre outros. Os EUA e a URSS, no contexto de declínio da Europa como centro do mundo, ultrapassaram as potências anteriores (França, Inglaterra e Alemanha), derrotadas na guerra e próximas de perder seus domínios coloniais, e assumiram o papel de lideranças globais. As origens da Guerra Fria se encontram, em grande parte, das divergências entre os aliados ocidentais e os soviéticos acerca das questões sobre a reorganização do mundo após a Segunda Guerra Mundial (PEREIRA; VISENTINI, 2012). Com o início da queda da Europa como liderança do mundo, a ascensão da URSS e as declarações de uma aliança forte entre Inglaterra e Estados Unidos, encorajou-se uma crença de que a vida poderia ser diferente para os países do Oriente Médio. Países que normalmente tinham integrado zonas de influência quase que exclusiva de dois Estados – França e Reino Unido –, agora poderiam ter influência de vários. Ademais, as relações não se mantinham tão rígidas como no período anterior à Segunda Guerra (HOURANI, 1994). A polarização entre o bloco ocidental e o oriental e o conflito de políticas entre manter-se neutro, aderir à aliança ocidental ou integrar o bloco comunista, deram uma nova dimensão ao relacionamento entre os Estados árabes. Além disso, o desejo de uma união mais próxima entre esses Estados tornou-se parte dos discursos dos políticos árabes (HOURANI, 1994). Com o início da Guerra Fria, países como Egito, Síria, Líbia, Argélia, Iraque e Iêmen do Sul adotaram a posição a favor das políticas da URSS. Enquanto isso, Arábia Saudita, Israel e Irã declaram seu apoio ao bloco ocidental, encabeçado pelos Estados Unidos (HALLIDAY, 2005). O período da Guerra Fria marcou o retorno dos conflitos e rivalidades por dominação política e geográfica no Oriente Médio, abastecidos pelos interesses estadunidenses e soviéticos na região (UBRIACO, 2017). De Golda Meir de Israel, para Gamal Abdel Nasser do Egito, passando por Ruhollah Khomeini do Irã, líderes de diversos países buscaram explorar o interesse dos Estados Unidos e da União Soviética na região para conseguir todo o tipo de ajuda que desejavam. Atores locais foram os que tiveram o

3 Extermínio de judeus e de outras minorias subjugadas, feito pelos alemães nazistas durante a Segunda Guerra Mundial (BARTOV, 2000).4 Conflito global que ocorreu entre 1939 e 1945, entre dois blocos militares: Aliados e Eixo. Dentre os componentes dos Aliados destaca-se: União Soviética, Estados Unidos e Reino Unido. O Eixo, por sua vez, era composto, principalmente, por Alemanha, Japão e Itália (SOM-MERVILLE, 2008).

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maior impacto, como o presidente do Egito Gamal Abdel Nasser no Caso do Suez, superando, algumas vezes, as ações das superpotências (FARAH, 2016). Após a Crise de Suez5 com Nasser, a luta nacional pela Palestina virou um símbolo e uma força unificadora entre o povo árabe, tornando-se o núcleo das políticas da Guerra Fria no Oriente Médio (AVINERI, 1993). O presidente do Egito Gamal Abdel Nasser, figura que marcou o período, teve grande influência política nos países do OM por pelo menos uma década. O presidente egípcio, por muitas vezes não concordar com a agenda das potências, buscava seus próprios interesses e encontrava formas de influenciá-las, como foi no Suez (FARAH, 2016). Os interesses nacionais fizeram com que Nasser e outros Estados Árabes se voltassem à assistência da URSS, a fim de balancear a ameaça dos Estados Unidos no território. Devido a sua importante posição no Oriente Médio, tanto União Soviética, quanto EUA, almejavam uma aliança com o líder egípcio, se preocupando em não deixar que ele fosse para o bloco adversário, além de levar em conta os interesses de agentes locais (como Nasser) na hora da tomada de decisões. Por fim, de acordo com Farah (2016), alguns dos motivos para Nasser ter buscado a União Soviética foi tanto para atingir predominância militar na região, como difundir a ideologia do pan-arabismo6, e não o comunismo. Um dos principais feitos de Nasser foi explorar a rivalidade das superpotências no contexto da Guerra Fria a fim de maximizar a posição estratégica do Egito (FARAH, 2016). Alguns dos principais impactos da Guerra Fria no Oriente Médio foram nas questões de descolonização, adoção dos modelos socialistas ou capitalistas, conflitos como consequência da rivalidade do sistema e a formação de blocos e alianças. Na descolonização, a Guerra Fria significou tanto um final formal para o controle colonial quanto uma redução na influência informal no OM. Com os adventos do conflito, movimentos de cunho nacionalista prosperaram, tornando difícil para os Estados tradicionais dominantes manterem sua posição (HALLIDAY, 1997). Foi no contexto de retirada gradual que a segunda dimensão fica em evidência: a adoção de uma ideologia pró-soviética ou pró-ocidente pelos países do Oriente Médio. Enquanto alguns adotaram uma orientação socialista, incluindo uma variação chamada “socialismo árabe”, grande parte do seu comércio continuou com o mundo capitalista (HALLIDAY, 1997). O resultado a longo prazo do embate político e econômico desses sistemas foi o terceiro impacto do conflito: a rivalidade estratégica entre os dois blocos. Esse foi um importante fator, mas não único, para ocorrência de guerras no OM. A Guerra Fria forneceu um contexto que afetou diversos processos na região, entretanto, muitos poderiam ter ocorrido mesmo sem essas circunstâncias (como o nacionalismo árabe), portanto, é importante diferenciar o que é consequência dessa guerra e o que são dinâmicas próprias do local (HALLIDAY, 1997). Essa rivalidade estratégica levou ao quarto impacto: a formação de um sistema de alianças no qual poder político, militar e diplomático combinados alinhavam um país com um bloco ou outro. Essa questão dificilmente se dava somente por coerção, utilizava-se também afinidade política e cálculo de interesses, no qual os países menores eram capazes de manejar, normalmente beneficiando-se do comprometimento da grande potência em seu favor (HALLIDAY, 1997). Embora França e Inglaterra tenham sido dominantes durante as décadas de 1960 e 1970, o lugar delas foi, gradualmente, tomado pelos Estados Unidos (HALLIDAY, 2005). O acontecimento que marcou a substituição de Inglaterra e França como potências dominantes no território por EUA e URSS foi a Crise de Suez. Apesar da competição inicial com os EUA pela região, a União Soviética, em razão de questões domésticas, se retirou gradualmente do local durante o período dos anos 1980 (BRUNER, 1990). É importante pontuar que, por ser um Estado laico7, a União Soviética teve poucos resultados ao tentar expandir sua influência no Oriente Médio, uma vez que a cultura e a política na região estão diretamente ligadas à religião islâmica. Logo, os EUA não tinham um rival à sua altura para contê-lo, e a sua influência cresceu e predominou (FERMANN, 1994; FLAMHAFT, 1996). A Guerra Fria foi uma competição entre dois sistemas políticos e sociais rivais que buscavam se apresentar como a solução dos problemas mundiais e acreditavam que podiam superar um ao outro. O conflito teve um impacto limitado no Oriente Médio, sendo alguns dos indicadores o fato de não ter ocorrido um movimento revolucionário pró-soviético, o desenvolvimento de rivalidades dentro dos

5 Foi uma crise política com início em outubro de 1956. Após a nacionalização do Canal de Suez, antes sob administração da França e do Reino Unido, Israel, que havia tido sua navegação na região interrompida, invadiu o Egito. Os dois países europeus já citados apoiaram a invasão e em seguida interviram na localidade também, sob a prerrogativa de garantir a livre navegação no Canal. A questão foi levada ao Conselho de Segurança da ONU e, sob pressão dos EUA e ameaça de intervenção da URSS, os três invasores se retiraram do Egito.6 Ideologia que defende a união de todos os países de língua e civilização árabe.7 Princípio que rejeita a influência da Igreja na esfera pública do Estado, buscando uma separação entre Estado-Igreja (FERREIRA, 1986).

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blocos no OM e a diminuição nas disputas e intervenções em comparação com outras regiões (extremo oriente, sul da África, etc.) (HALLIDAY, 1997). Além disso, a supremacia dos EUA e da URSS fizeram com que além de líderes, se tornassem “reféns” da própria dinâmica, sofrendo chantagens (como mudar de bloco) para obtenção de benefícios. Os Estados Unidos permaneceram em uma posição de preponderância em relação aos outros (como União Soviética), tendo até os dias atuais, uma grande influência no território. As dimensões do final do conflito global nessa região podem ser resumidas no término da rivalidade estratégica, a reconfiguração dos territórios, a crise no modelo de desenvolvimento dos países e o início do processo de democratização em diversos Estados (HALLIDAY, 1997).

2 APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA Após a discussão do desenvolvimento histórico do Oriente Médio, a presente seção terá como objetivo o aprofundamento do fenômeno do terrorismo na região. Em primeiro lugar, serão apresentados os conceitos e definições de terrorismo, parte essencial para um bom entendimento da questão. Em seguida, o foco será dirigido, mais especificamente, para o Oriente Médio, bem como para os desdobramentos da Guerra ao Terror após o ataque às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001. Por fim, a seção apresentará três estudos de caso, discutindo mais a fundo alguns grupos terroristas atuantes na região.

2.1 TERRORISMO, MOVIMENTOS EXTREMISTAS E RADICALISMO De forma anterior à discussão acerca do fenômeno do terrorismo no Oriente Médio, cabe discorrer sobre as suas definições, sobre as suas manifestações e sobre a sua abrangência global. Em primeiro lugar, torna-se importante conceitualizar a pequena diferença que há entre, de um lado, extremismo e radicalismo, e, de outro, terrorismo. De uma forma simples, um indivíduo ou grupo extremista é aquele que se posiciona, seja de uma perspectiva política, religiosa, nacionalista, entre outras, de uma maneira fora do comum; é alguém intolerante e convencido de sua superioridade, que utiliza métodos radicais, tais como a violência, para atingir seus objetivos. Diante dessa ideia, é possível afirmar que, enquanto o terrorismo é uma prática radicalista, nem todo extremista enquadra-se na categoria de terrorista (WINTROBE, 2006). Apesar do enorme destaque dado a grupos terroristas nas últimas décadas, a sua prática data de milhares de anos atrás e acompanha a história humana desde, no mínimo, a existência do Império Romano (27 a.C.–476 d.C.). Ao longo de todo esse período, o terrorismo adquiriu características e métodos distintos, ocorrendo em diferentes regiões e perpassando diferentes ideologias políticas. Embora, no século XXI, movimentos terroristas de inspiração religiosa, principalmente islâmicos, tenham adquirido atenção na mídia internacional, não é possível afirmar que a prática seja inerentemente islâmica; terrorismo é um método, uma prática, e nenhuma cultura ou religião carrega o monopólio de sua utilização (CHALIAND; BLIN, 2007). Formular uma definição do que se enquadra como terrorismo, no entanto, é bastante difícil. Não há consenso entre acadêmicos ou políticos, e inúmeras definições existem e abrangem diferentes características; dessa maneira, enquanto um grupo pode ser considerado como terrorista para alguns, para outros o mesmo pode não ser (SOUZA; MORAES, 2014). Algumas características, no entanto, podem ser encontradas na enorme maioria dos grupos atualmente ativos, e a sua compreensão auxiliará na posterior adoção de uma definição mais precisa. São elas: (i) o terrorismo é uma atividade política, com objetivos políticos que buscam justificar suas ações; (ii) se manifesta na adoção de práticas criminosas e ilegais; (iii) é uma forma de guerra psicológica que busca promover medo e ansiedade; (iv) é uma forma indiscriminada de violência; (v) o emprego de violência, na maioria das vezes, é sobre alvos civis; (vi) é organizada por atores não-estatais8 (CHALK, 2013). Após a apresentação dessas características, o presente guia de estudos utilizará a seguinte definição de terrorismo:

A utilização de ou a ameaça do uso de violência ilegítima por atores não-estatais para atingir objetivos políticos específicos (com esses objetivos diferenciando-se de acordo com o grupo ou

8 Atores não-estatais são agentes que, mesmo relevantes na política internacional, não estão ligados à quaisquer governos ou Estados. Al-guns exemplos são: ONGs internacionais, empresas multinacionais, grupos terroristas, milícias, organizações internacionais, entre outros (SCHNECKENER, 2006).

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organização em questão). É uma tática psicológica que busca promover medo generalizado por meio do ataque indiscriminado a vítimas civis (CHALK, 2013, p. XII, tradução nossa).

O terrorismo é um método, o qual pode ser empregado por diferentes grupos e pode assumir diversas configurações. Como alguns exemplos principais, podemos citar a utilização de explosivos contra multidões, a utilização de armas para realizar massacres em massa e a destruição generalizada de construções, entre outros (CHALK, 2013). Com essa definição, muitos grupos e movimentos políticos de todas as regiões do mundo podem ser enquadrados como organizações que empregam o terrorismo como prática – essa classificação, no entanto, sempre poderá apresentar divergências de acordo com os diferentes pontos de vistas daqueles que os classificam. Dentre os grupos fora do Oriente Médio, e a partir da definição anteriormente apresentada, podemos destacar: o ETA (Pátria Basca e Liberdade), grupo que lutava pela independência do País Basco, entre a Espanha e a França; IRA (Exército Republicano Irlandês), movimento católico que buscava a separação da Irlanda do Norte do Reino Unido; o Exército de Resistência do Senhor (Lord’s Resistance Army, em inglês), um grupo cristão que atua em Uganda; o Aum Shinrikyo, um culto japonês responsável por um famoso ataque de gás sarin no metrô de Tóquio, em 1995; além dos chamados lobos-solitários supremacistas responsáveis por diferentes ataques individuais nos Estados Unidos. Outro exemplo mais recente e, ao mesmo tempo, bastante relevante foi o atentado sincronizado realizado na Nova Zelândia, em março de 2019, contra duas mesquitas muçulmanas, que deixou cerca de 50 mortos e diversos feridos (SOUZA; MORAES, 2014).

2.1.1 TERRORISMO NO ORIENTE MÉDIO Após a discussão teórica acerca do conceito – ou conceitos – de terrorismo, uma compreensão mais precisa sobre a ocorrência do fenômeno no Oriente Médio torna-se necessária. Muitos dos grupos mais atuantes e conhecidos atualmente tiveram sua origem e têm seu foco de atuação na região, e a questão configura-se como um dos principais pontos na agenda da segurança regional. Não há nenhum elemento novo na atuação de grupos terroristas com inspirações religiosas; no entanto, essa característica tem se tornado importante nos últimos anos, e os movimentos religiosos têm chamado cada vez mais atenção (KIRAS, 2014). Esses grupos combinam suas aspirações políticas – de derrubada de governos, criação de Estados, etc. – com elementos religiosos, os quais são extremamente importantes para uma parcela significativa da população e, por isso, servem um propósito importante de recrutamento e de legitimação (CHALIAND; BLIN, 2007). Esses atores são, muitas vezes, também conhecidos como grupos jihadistas, ideia que também merece uma explicação: sendo a tradução literal de jihad, palavra árabe, “luta” ou “esforço”, a sua importância encontra-se nos ensinamentos do Corão, o livro sagrado do Islã, e carrega diversos significados. Sendo a obrigação de quaisquer muçulmanos para com o Islã, a sua interpretação pode ir desde a adoção de um dia-a-dia em consonância com a religião, até a utilização da violência para destruir governos ocidentais e punir infiéis. É com essa última percepção que os grupos terroristas transformaram algo tão importante na fé muçulmana – a jihad – em uma luta violenta e de promoção do medo. No entanto, apesar da suposta centralidade do elemento religioso, este serve essencialmente como a base de sustentação para os objetivos políticos de cada grupo e, por si só, não é capaz de explicar a natureza do fenômeno (ESPOSITO, 2002; MIGAUX, 2007). Além disso, o terrorismo no Oriente Médio também precisa ser visto a partir do contexto regional no qual ele se insere, com as características e particularidades ligadas à região. O Oriente Médio é, há bastante tempo, um local marcado por guerras civis e pela instabilidade política, onde o subdesenvolvimento e a falta de oportunidades podem ser, muitas vezes, a regra. Assim, esses grupos aproveitam-se do vácuo político deixado por esses Estados e exploram os problemas econômicos e as mazelas sociais para impulsionar seu recrutamento e promover seus movimentos. Soma-se a isso a existência de um sentimento anti-ocidental ligado a décadas de dominação colonial e de intervenções estrangeiras, o qual também é recorrentemente instrumentalizado por esses grupos (NASSER, 2011). Apesar da sua característica religiosa, o terrorismo, inclusive no Oriente Médio, pode ser visto como fruto de uma junção de incentivos e de oportunidades, formando um contexto que leva esses grupos, os quais não possuem qualquer poder político, a recorrer à violência para atingir seus objetivos (KIRAS, 2014). No Oriente Médio, podemos citar alguns grupos de destaque, tais como: a Al-Qaeda; o Estado Islâmico, bastante presente no Iraque e na Síria; e o Hezbollah, sediado no Líbano. Esses serão mais profundamente detalhados em uma seção posterior do guia.

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2.2 A GUERRA AO TERROR No dia 11 de setembro de 2001, quatro aviões comerciais foram sequestrados no espaço aéreo estadunidense. Após algumas horas, dois deles intencionalmente colidiram contra as duas torres do World Trade Center, em Nova Iorque; o terceiro caiu sobre um setor do prédio do Pentágono, sede do Departamento de Defesa dos EUA; o quarto, por sua vez, tombou em um campo no estado da Pensilvânia. Diante desses acontecimentos, o grupo Al-Qaeda, então liderado pelo saudita Osama Bin Laden, publicamente assumiu a autoria desse ato que é, ainda hoje, considerado o maior ataque já realizado contra o território continental dos Estados Unidos (NERI, 2014). Para além do acontecimento em si, a importância desse ataque também reside em seus desdobramentos e na maneira como “o 11 de setembro transformou o significado do terrorismo internacional” (NERI, 2014, p. 7). Diante do ataque, o então presidente estadunidense George W. Bush, em um anúncio em rede nacional, comunicou que, a partir daquele momento, os Estados Unidos estariam entrando em um estado de Guerra ao Terror. Os EUA então iriam se lançar ao combate internacional contra o terrorismo, buscando desmembrar as células responsáveis pelos ataques do 11/09. A partir desse momento, o governo estadunidense conscientemente criou um novo inimigo que permitiria aumentar os gastos em defesa e conceber uma nova estratégia global para os EUA, ações que, para opinião pública doméstica, seriam agora compreensíveis e livres de quaisquer ambiguidades morais. O governo Bush logo criou uma categoria chamada “Eixo do Mal”, composta por países e organizações que supostamente apoiavam e promoviam o terrorismo; uma das consequências imediatas dessa nova denominação foi a categorização indiscriminada de grupos como terroristas, fato que, ainda hoje, respalda e justifica diversas ações tomadas por países ocidentais. Com isso, e como primeira grande resposta aos ataques em 11/09, o governo estadunidense justificou a sua intervenção no Afeganistão, lançada em 7 de outubro de 2001 com o objetivo de buscar e neutralizar as lideranças do grupo Al-Qaeda – supostamente protegidas pelo Talibã9 (BLIN, 2007). Além das consequências imediatas já citadas, a importância dos ataques ao World Trade Center, no entanto, recaíram também sobre outros fatores essenciais para a história do terrorismo contemporâneo: diante da Guerra ao Terror, grupos terroristas ganharam cada vezes mais destaque como uma das principais ameaças à segurança nacional de diversos países, e gradualmente passou a formar-se uma percepção que o terrorismo no século XXI era, principalmente, fruto do radicalismo religioso ou, mais especificamente, do fundamentalismo islâmico. A partir dessa percepção, as táticas de contraterrorismo foram profundamente alteradas, e foi em torno dessas ideias que se organizaram diversas intervenções no Oriente Médio e em outros países muçulmanos (NASSER, 2014). Ao declarar guerra contra grupos não-estatais, a administração Bush levantou polêmicas e inseriu um novo padrão na segurança internacional. A errada percepção de que o terrorismo contemporâneo é inerentemente islâmico, somada à imprecisão de suas definições, acabou por dificultar a compreensão do fenômeno. Ao enxergar e categorizar o terrorismo como uma ação irracional e desprovida de ambições políticas, justificou-se a adoção, por parte dos agentes contra terroristas, de práticas ilegítimas e perigosas, tais como tortura, assassinatos seletivos e intervenções militares (NASSER, 2014).

2.3 ESTUDOS DE CASO Nesta seção, pretende-se observar o fenômeno do terrorismo empiricamente, instrumentalizando-o através da apresentação de três organizações específicas: Hezbollah, Al-Qaeda e Estado Islâmico. Desta forma, faz-se possível aplicar os conceitos anteriormente discutidos e torná-los tangíveis, ao passo que é realizada uma discussão sobre origens, funcionamento interno e situação atual das organizações.

2.3.1 HEZBOLLAH O Hezbollah emergiu em 1982, inicialmente como uma facção localizada no Líbano, mais precisamente no Vale do Bekaa, tendo como objetivos basilares resistir à invasão israelense no país

9 O Talibã é um grupo fundamentalista islâmico que, desde 1994, atua no Paquistão e, principalmente, no Afeganistão. Entre 1996 e 2001, o grupo formou um governo pouco reconhecido internacionalmente, mas que governava cerca de três quartos do território do afegão. O gru-po surgiu, com o apoio dos EUA e da CIA, da principal oposição armada contra a invasão soviética ao Afeganistão (1979-1989), e, mais tar-de, constituiu o movimento de insurgência contra as tropas estadunidenses enviadas ao Afeganistão após o ataque do 11/09 (BLIN, 2007).

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10 se configurar como a principal força árabe de confronto contra Israel (PAN, 2006). O propósito da organização xiita11 é sustentado pelo Irã, que, assumindo o papel de Estado patrocinador do Hezbollah, desempenhou uma função essencial para que a organização fosse capaz de atingir suas metas estratégicas, concedendo assistência financeira, auxílio material, refúgio, suporte político e amparo organizacional (DEVORE; STÄHLI, 2015). O auxílio iraniano complementou atributos internos da organização que foram igualmente cruciais para seu sucesso e extraordinária efetividade, como por exemplo, o fato de que grande parte dos combatentes que integraram o grupo no contexto do seu surgimento já possuíam ampla experiência militar, permitindo que a proficiência tática do grupo evoluísse rapidamente (GABRIELSEN, 2014). Além do amparo iraniano e da eficiência estratégica no âmbito interno, a organização dispõe de um importante caráter híbrido, visto que esta apoia-se em um tripé composto por características militares – devido ao seu engajamento em atividades terroristas, visando ganhar espaço no cenário internacional e receber uma validação midiática de suas incursões –, políticas – assumindo um caráter de organização política, tanto para representar e difundir sua ideologia em larga escala, quanto para ser capaz de competir em eleições democráticas legítimas – e sociais – oferecendo serviços que normalmente são fornecidos pelo Estado, disponibilizando uma espécie de sistema de bem-estar social para a população (AZANI, 2013). Os atributos anteriormente listados permitem ao Hezbollah desempenhar operações altamente sofisticadas, caracterizadas especialmente pelo uso contínuo de mísseis para dissuadir e coagir Israel; promoção de uma guerra de caráter psicológico, desmotivando os soldados israelenses e fazendo com que a população deixasse de apoiar a presença de Israel no Líbano devido ao alto número de baixas; além de uma mistura de técnicas de guerrilha e estratégias convencionais de guerra (GABRIELSEN, 2014). Faz-se também essencial citar e enfatizar as outras facetas de poder do Hezbollah, que além de um grupo terrorista extremamente habilidoso, é o movimento político mais poderoso no Líbano – participando do processo político desde o início dos anos 1990 –, além de ser um dos maiores prestadores de serviço para a população. Todos esses aspectos coexistem, tornando o Hezbollah uma grande organização capaz de desempenhar diversas funções (BYMAN, 2008). No tangente à vertente política do Hezbollah, em 2018, o partido e seus aliados xiitas foram os maiores vencedores da primeira eleição geral do Líbano realizada em nove anos, conquistando, juntamente com outro partido político denominado Amal, 29 de 128 assentos no parlamento libanês. Além disso, mais 11 assentos foram conquistados por outros partidos políticos alinhados com a dupla. Essa vitória foi responsável por aumentar as tensões na região, visto que, como uma das principais consequências da prevalência política do Hezbollah tem-se a consolidação da influência iraniana sobre o Líbano, o que incomoda Israel, que em reação ao resultado declarou que não havia uma distinção entre o partido e o Estado libanês (AL JAZEERA, 2018).

2.3.2 AL-QAEDA O surgimento da organização sunita Al-Qaeda se deu em uma conjuntura caracterizada por uma intensa divisão política na Arábia Saudita, país de origem de Osama Bin Laden. Durante o século XX, a nação enfrentava um energético debate entre seu rei – que assumiu um posicionamento pró-ocidente e favorável à modernização – e o clero saudita, composto pelos denominados ulemás – que se colocavam diametralmente opostos a tais medidas, defendendo que estas contradiziam o Corão e seriam responsáveis por corromper a sociedade, ameaçando a identidade muçulmana saudita. Os ulemás se alicerçavam no Wahhabismo, uma ideologia saudita puritana que rejeita os aspectos científicos e técnicos da modernidade, sustentando a noção de que o projeto modernizante então aplicado era na

10 A Guerra do Líbano de 1982 se deu com a invasão de Israel ao sul do Líbano, sob o pretexto de destruir a infraestrutura militar na fron-teira libanesa-israelense, que estava sendo utilizada por grupos como a Organização para a Libertação da Palestina para atacar as Forças de Defesa de Israel (PAN, 2006).11 Xiismo e sunismo são diferentes vertentes da fé islamista, cuja discordância original se refere a quem deveria suceder o Profeta Moham-med. Os xiitas defendiam que o sucessor de Mohammed deveria ser alguém que fosse de sua linha de sangue, enquanto os sunitas acredi-tavam que o sucessor deveria ser escolhido através do consenso popular. A partir deste cisma, as divergências espirituais entre esses grupos se aprofundaram. O islamismo xiita se tornou mais autoritário estruturalmente, controlando completamente a hierarquia do clero, que se sustenta com doações religiosas, não tornando necessário o envolvimento governamental. Os sunitas, em contrapartida, permitem envolvi-mento governamental, e não existe uma hierarquia bem definida no seu clero. Os grupos também divergem em questões como a filosofia de salvação e frequência e modo de oração. É essencial lembrar que apesar dessas diferenças, xiitas e sunitas fundamentalmente compartilham crenças comuns, mas as praticam de diferentes maneiras (AZANI, 2013).

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realidade um sofisticado ataque cultural ocidental (SHAVIT, 2006). Do ponto de vista dos ulemás, a invasão do Afeganistão pela União Soviética (1979-1989), foi uma confirmação de suas suspeitas de que o ataque cultural promovido pelos infiéis estava de fato se concretizando. A partir disto, vários sauditas, incluindo Osama bin Laden, deslocaram-se para o Afeganistão, passando a integrar guerrilhas muçulmanas. Nesse contexto, bin Laden entrou em contato com ‘Abdallah ‘Azzam, um palestino que já havia integrado a Irmandade Muçulmana12 e estava encarregado da organização da jihad (interpretada por estes como a guerra religiosa) anti-Soviética no Afeganistão. ‘Azzam argumentava que todos os muçulmanos possuíam a obrigação pessoal de defender terras islâmicas contra a penetração dos infiéis (SHAVIT, 2006; BURKI, 2013). Movido principalmente pela insatisfação e o ressentimento que a aliança saudita com os Estados Unidos carregava, tomando como base as influências provenientes do Wahhabismo e a ideologia promovida por ‘Abdallah ‘Azzam, bin Laden recrutou e treinou islamistas radicais no Afeganistão, visando se tornar o líder de uma jihad global contra os Estados Unidos e seus aliados. Em fevereiro de 1998, foi anunciado por ele o estabelecimento da Frente Mundial Islâmica contra Judeus e Cruzados, que, ao receber adesão de extremistas de outras nacionalidades, tornou-se mais tarde a Al-Qaeda (SHAVIT, 2006). Bin Laden propunha a luta armada tanto para combater os inimigos mais próximos, quanto para criar uma nova sociedade islâmica, em sua forma mais autêntica de governo. Além disso, defendia a promoção da jihad contra qualquer governo que assumisse um posicionamento contrário aos ideais da lei e religião islâmicas. A materialização empírica mais significativa destes ideais ocorreu na maior operação terrorista já promovida pela Al-Qaeda contra o ocidente – o 11 de setembro (CHALK, 2013). A partir do 11 de setembro, como exposto anteriormente, os Estados Unidos passaram a empreender a Guerra ao Terror, que impactou expressivamente a rede organizacional da Al-Qaeda. O grupo, que antes possuía um sistema centralizado divido em comitês controlados por generais pessoalmente escolhidos por Bin Laden, passou a ser caracterizado por uma natureza mais fluida e desagregada. Devido a esta descentralização, que ocorreu especialmente após a invasão do Afeganistão pelos EUA em 2001, o grupo não possui mais um porto seguro de onde pode operar, mas está presente em diversas regiões, conforme indica a imagem 2, exercendo ainda ativamente sua influência (CHALK, 2013; HOFFMAN, 2018).

Figura 2 – Regiões onde a Al-Qaeda e seus afiliados estão atualmente presentes

12 A Irmandade Muçulmana é um movimento transnacional sunita que busca implementar a sharia (lei islâmica) sob um califado global e unificar as nações islâmicas, libertando-as do imperialismo ocidental. Fundada no Egito em 1928, serviu de influência para diversas or-ganizações extremistas. É importante ressaltar que o grupo em si não é classificado como terrorista, visto que não propaga a violência, mas existem grupos derivados da Irmandade Muçulmana que se engajaram em atividades classificadas como terroristas, como o Hamas, grupo palestino que atua principalmente na Faixa de Gaza (SHAVIT, 2006).

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Fonte: Hoffman (2018).

Atualmente, a organização vivencia uma silenciosa reconstrução, depois de ter se beneficiado consideravelmente da instabilidade política gerada pela Primavera Árabe13. O período de 2012-2013 foi especialmente benéfico para a entidade sunita, uma vez que o então presidente do Egito, Mohammed Morsi, libertou diversos combatentes que compunham a Al-Qaeda de prisões do país, galvanizando o movimento em um momento crítico. A partir disto, o grupo se revigorou o suficiente para fortificar suas diversas ramificações e estabeleceu uma ambiciosa estratégia que visa proteger a sua liderança e discretamente consolidar a sua influência onde já vigora uma presença significativa (HOFFMAN, 2018).

2.3.3 ESTADO ISLÂMICO O Estado Islâmico (EI) é um grupo sunita que possui suas raízes na organização Al-Qaeda no Iraque, fundada em 2004 por Abu Musab al-Zarqawi. O EI emergiu principalmente como uma reação à invasão estadunidense ao Iraque em 2003, além de carregar uma forte influência proveniente de al-Zarqawi, que possuía ideais como o desejo de incitar uma guerra civil entre sunitas e xiitas e a consolidação de um califado na região (HASSAN, 2019; HANNA, 2016). Em 2006, al-Zarqawi foi morto em um bombardeio aéreo promovido pelos EUA, fazendo com que Abu Ayyub al-Masri assumisse a liderança do grupo e anunciasse a criação do Estado Islâmico no Iraque (EII), que, desde sua fundação, já controlava uma parcela significativa da província de Anbar, localizada ao leste da nação iraquiana. Entretanto, al-Masri também foi morto em uma campanha militar empreendida pelos Estados Unidos, e o novo líder, Abu Bakr al-Baghdadi, encarregou-se do grupo a partir de 2010 (HANNA, 2016). Sob a liderança de al-Baghdadi, o Estado Islâmico do Iraque deslocou parte de seu efetivo para lutar contra as forças de Bashar al-Assad na guerra civil da Síria, iniciada em 2011. No ano de 2013, após conquistar influência em território sírio, o EII retornou ao Iraque como uma força mais consolidada e revigorada, anunciando que, a partir de então, o grupo seria denominado o Estado Islâmico no Iraque e na Síria (HANNA, 2016). Neste ponto, é de suma importância destacar que o Estado Islâmico combina uma governança rebelde com ambições territoriais expansionistas, buscando a criação de um califado islâmico. Um dos principais objetivos do grupo é a consolidação de um Estado Islâmico no território que compreende o Iraque e a Síria, unificado sob o governo de um califa. Visando alcançar esse propósito, o EI não lança mão apenas de técnicas tradicionais de guerrilha e atos terroristas ocasionais, pois estes não asseguram a manutenção do território já conquistado. Para isso, faz-se necessária a utilização de técnicas de guerra convencionais, o que requer extensivos recursos humanos e equipamento militar (GATES; PODDER, 2015). Além da necessidade de amplos recursos para a promoção de uma guerra de caráter convencional contra os governos da Síria e do Iraque, o Estado Islâmico também necessita eliminar os outros grupos extremistas que sinalizam alguma competição para o grupo – tanto em termos territoriais quanto em termos de recrutamento –, como a Frente al-Nusra na Síria, organização afiliada à Al-Qaeda (GATES; PODDER, 2015). Atualmente, o grupo, que se mostrava imponente e com um ambicioso projeto em meados de 2014, enfrenta um processo de declínio, devido a três causas majoritárias. Primeiramente, o Estado Islâmico depende de uma necessidade constante de sucesso e de expansão, o que significa que novos recrutas são continuamente necessários para substituir as baixas sofridas em combate; em segundo lugar, a existência de uma primordialidade relativa à aquisição de armas e munição; e, por fim, a indispensabilidade de saquear propriedades para a obtenção de recursos. Entretanto, após ocupar áreas centrais sunitas do Iraque e da Síria, a expansão se tornou algo improvável, visto que as fronteiras de Estados vizinhos eram bem consolidadas e resistiram à entrada do EI. Em segundo lugar, o tratamento violento e intolerante do Estado Islâmico em relação às comunidades sob sua jurisdição fez com que o grupo perdesse apoio e se enfraquecesse, visto que um dos motivos para a rápida expansão da organização foi que os líderes locais sírios e iraquianos entenderam inicialmente que uma aceitação 13 A Primavera Árabe é o termo utilizado para se referir às manifestações que começaram na Tunísia em 2010, posteriormente se espa-lhando pelo restante do Mundo Árabe. Esses levantes culminaram na reorganização da relação de forças regionais, tanto no âmbito interno das nações envolvidas quanto na esfera da diplomacia, ao passo que as rebeliões ajudaram a derrubar regimes que estavam consolidados há décadas.

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da autoridade da organização seria benéfica. Por fim, o Estado Islâmico assumiu a responsabilidade de enfrentar o Ocidente – objetivo o qual buscou realizar através de diversos ataques terroristas, realizados entre 2014 e 2018, em países como Bélgica, Canadá, Estados Unidos e França –, se tornando um dos principais alvos de ataques promovidos por coalizões ocidentais, o que forçou o EI a abandonar algumas de suas conquistas territoriais, em especial centros urbanos (BURKE, 2017). Porém, a ofensiva militar empreendida não está sendo acompanhada por medidas políticas efetivas, uma lacuna da qual o Estado Islâmico pode se beneficiar para se reerguer, dado que o objetivo aqui majoritariamente comprometido é o projeto da construção de um Estado, e não a estrutura da organização como um todo (BURKE, 2017). Logo, apesar da perda de território sofrida pelo EI e da competição com as outras organizações extremistas, o grupo ainda possui um alcance significativo em uma escala global, como pode ser observado no mapa abaixo.

Imagem 3 – Regiões nas quais grupos extremistas sunitas operam

Fonte: BBC (2018).

3 AÇÕES INTERNACIONAIS PRÉVIAS

Ao longo dos anos, a intensidade e a quantidade de movimentos extremistas existentes no mundo variaram profundamente. Pode-se dizer que essa questão já não foi prioridade no cenário internacional em dados momentos da história, o que, certamente, não é o caso da atualidade. Como forma de contextualizar acerca das ações, posições e iniciativas em relação ao problema, a seção a seguir buscará apresentar situações anteriores relacionadas ao terrorismo em que a Organização para a Cooperação Islâmica se fez presente.

3.1 AÇÕES DA OCI EM RELAÇÃO AO TERRORISMO A postura contra o terrorismo da Organização para a Cooperação Islâmica a acompanha desde seu surgimento, uma vez que, como visto anteriormente, sua reunião de fundação se deu após um incêndio criminoso em uma mesquita de Jerusalém. Isso posto, o posicionamento oficial da OCI frente aos fóruns internacionais, às demais organizações e aos países do resto do mundo, é de condenação e

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combate ao terrorismo, o que coloca a Organização como um forte aliado contra os grupos extremistas da atualidade, conhecidos por atuar, principalmente, em países da África e do Oriente Médio. Ao longo da seção atual, buscaremos apresentar situações relacionadas ao radicalismo e ao extremismo onde a OCI esteve presente, seja de forma direta ou indireta, e qual foi sua forma de ação. Em 1999, ainda antes dos ataques de 11 de setembro e das consequências que esses eventos trouxeram, a OCI adotou a Convenção da Organização da Conferência Islâmica no Combate ao Terrorismo Internacional. Segundo o texto elaborado e divulgado ao longo do primeiro artigo do documento, define-se terrorismo da seguinte forma:

Qualquer ato ou ameaça violenta realizada com o intuito de, entre outras coisas, desonrar a al-guém, ocupar ou apoderar-se de propriedade pública ou privada, bem como ameaçar a estabili-dade, integridade territorial, unidade política ou soberania de um Estado (ORGANIZATION OF THE ISLAMIC CONFERENCE, 1999, p. 2, tradução nossa).

Ainda que a primeira resolução formalizada tratando sobre o terrorismo tenha finalmente sido oficializada pela Organização 30 anos após sua criação, houve crítica da sociedade internacional em relação ao texto. Segundo a Organização Não Governamental (ONG) Human Rights Watch, o conceito adotado pela OCI para definir terrorismo é ambíguo, permitindo que nas violações apresentadas como “apoderar-se de propriedade pública” e “ameaçar a estabilidade” sejam enquadrados atos pacíficos e democráticos, como protestos e reuniões políticas (HUMAN RIGHTS WATCH, 2008). Isso traz à tona a diferença de interpretações entre o mundo islâmico e os países ocidentais acerca do que é terrorismo, algo gerado não apenas pelos interesses geopolíticos, mas também pelas diferenças culturais existentes entre os dois mundos (SAINT-PIERRE, 2015). Após os ataques de 11 de setembro realizados pela Al-Qaeda, uma sessão extraordinária entre os ministros de relações exteriores dos países da OCI foi sediada em Kuala Lumpur, na Malásia, entre 1 e 3 de abril de 2002. As declarações finais lamentaram os atentados do World Trade Center, porém a reunião focou na perseguição sofrida pelo povo islâmico ao redor do mundo como consequência da vilanização da religião. Os representantes fizeram questão de lembrar que a conexão, proposital ou não, do radicalismo com a religião islâmica são prejudiciais no combate ao terrorismo internacional (OIC, 2002). Um dos fatores pontuais que afastam o mundo árabe do discurso ocidental, e que o impede de adotar o conceito de terrorismo usado por organizações como a Organização das Nações Unidas (ONU), é a Questão Palestina. A OCI defende que o povo da Palestina é historicamente vítima do Estado de Israel, enquanto a reação por parte dos palestinos é somente de resistência, e não de ataque, tendendo a pronunciar-se sobre o extremismo sem que nele se encaixe a causa palestina (ALFITRI, 2006). Em 2007, em meio à Guerra ao Terror, os ministros de relações exteriores árabes, em reunião da OCI, chegaram a declarar que “a islamofobia14 é o pior tipo de terrorismo” (WAHAB, 2007). A dificuldade em encontrar um entendimento, entretanto, precisa ser superada caso uma luta conjunta contra o radicalismo no Oriente Médio seja almejada. Os ataques terroristas reivindicados por grupos extremistas como a Al-Qaeda, o Hezbollah e o Estado Islâmico se fizeram presentes e assustaram o mundo ocidental em casos isolados, porém assolam o continente africano e o Oriente Médio de maneira diária. Dado o isolamento entre as posições do mundo islâmico e o resto do mundo em relação ao terrorismo, a cooperação e a integração regional em prol da segurança passaram a ser prioridade. Com essa prioridade, surge em 2015, no âmbito da OCI, a Coalizão Militar Islâmica Contraterrorista (IMCTC, na abreviação em inglês), de maneira a unir os países árabes sob uma mesma estrutura e estratégia militar no combate ao radicalismo. Esta é uma iniciativa liderada pela Arábia Saudita e pelo Paquistão, tendo como participantes somente membros da OCI, e que buscava um combate ao terrorismo independente aos Estados Unidos e demais países do ocidente (OIC, 2018). Por outro lado, em momentos oportunos o diálogo e a cooperação entre diferentes regiões do mundo e os países árabes se deu de maneira satisfatória. Em novembro de 2016, durante reunião do Conselho de Segurança da ONU, representantes de países europeus elogiaram a forma com que a OCI vinha cooperando com a ONU no combate ao terrorismo no território da Organização (OIC, 2018).

14 Preconceito, repúdio ou aversão aos muçulmanos e ao Islamismo enquanto religião. Esse sentimento teve um aumento significativo após os ataques de 11 de setembro, devido à relação estabelecida entre terrorismo e islamismo. Do mesmo modo, é uma das bandeiras levantadas pelos movimentos de extrema-direita que ganham força mundialmente na atualidade (WAHAB, 2007).

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4 POSICIONAMENTO DOS PAÍSES

O Afeganistão tornou-se, no final de 2018, o país com maior número de mortes ligadas ao terrorismo, superando o Iraque, ao atingir 4563 vítimas fatais (JAMIESON, 2018). O grupo extremista Talibã chegou a governar três quartos do país durante o início dos anos 2000 e, mesmo que seu poder tenha diminuído, ainda controla parcela significativa do território afegão. Localizado na Ásia Central, próximo ao Oriente Médio, grupos terroristas como Al-Qaeda, aliada dos talibãs, e Estado Islâmico possuem forte presença no país (KHAWAJA, 2018). Aliados regionais fortes como o Paquistão, os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita tendem a orientar as decisões tomadas pelo Afeganistão, visto que o Estado já não consegue se sustentar sozinho.

A Arábia Saudita possui papel de protagonista na discussão internacional acerca do terrorismo. Ainda que haja presença do terrorismo dentro de suas fronteiras, os sauditas estão longe de figurar entre os principais alvos de ataques. Entretanto, o país, acusado inclusive de ter tido participação nos atentados de 11 de setembro, é apontado como um financiador de grupos extremistas islâmicos como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico, sob a ajuda do Afeganistão e do Paquistão (WALSH, 2010). A suposta colaboração com terroristas e a riqueza obtida pela exportação do petróleo tornam o Reino peça-chave na discussão.

A Argélia, o maior país do norte africano, é um importante ator no combate global ao terrorismo. Em uma região marcada por dificuldades geográficas relacionadas ao ambiente desértico do Saara, o país tem sido alvo de grupos terroristas tais como a Al-Qaeda no Magrebe Islâmico (AQMI) e o incipiente Estado Islâmico na Líbia. A Argélia, contudo, vem desenvolvendo e fortalecendo seus esforços antiterroristas, cuidando de suas fronteiras e, inclusive, participando ativamente da Parceria Transaariana de Contraterrorismo, apoiada pelos Estados Unidos (THE NORTH AFRICAN POST, 2018).

O Azerbaijão é um grande parceiro dos Estados Unidos nos projetos antiterrorismo, atuando, em especial, contra o grupo Estado Islâmico. O país oferece apoio em suas fronteiras marítimas e terrestres. O país aprimorou, em 2017, suas leis e seu serviço de segurança que se mostraram bastante efetivos, prevenindo inúmeros ataques terroristas em potencial. A maior parte dos ataques realizados no país partem de extremistas religiosos. Segundo o Departamento de Segurança dos Estados Unidos, em 2017, o sistema de inteligência e de segurança azerbaijano deteve três cidadãos suspeitos de serem combatentes do grupo Estado Islâmico na Síria e no Iraque. O país possui relações fortes com a Turquia (UNITED STATES OF AMERICA, 2018a).

O Bahrein teve um aumento considerável no número de ataques causados por rebeldes extremistas desde 2017. A principal fonte de ameaças partiu de militantes xiitas, há suspeitas de que o grupo tenha recebido apoio iraniano. Além disso, o país é membro de grupos de combate ao Estado Islâmico, tal como a Coalizão Global para Derrotar o Estado Islâmico, além de atuar em outros projetos que visam conter o avanço do grupo, oferecendo apoio diplomático e militar (USA, 2018b).

O Cazaquistão coopera com a política antiterrorista estadunidense, em especial no combate ao que chamam de terrorismo violento. Seus principais focos de preocupação são os combatentes da região da Síria e do Iraque, além de rebeldes locais responsáveis pelo ataque ao território cazaque em 2016. O Cazaquistão aumentou as restrições à liberdade religiosa tanto para grupos religiosos minoritários quanto para sua população de maioria muçulmana, com o propósito declarado de combater o que considera extremismo (USA, 2018e).

O Egito, em 2017, sofreu diversos ataques terroristas. Apesar dos esforços do governo, um dos maiores ataques da história do Egito ocorreu em novembro do mesmo ano, matando 312 pessoas em um templo no norte de Sinai. Além disso, de acordo com o mesmo relatório, o governo egípcio passou uma legislação que facilita a acusação de terroristas. O Egito continua com seus esforços no combate ao financiamento do terrorismo e é um membro da Coalizão Global para Combater o Estado Islâmico e os grupos que financiam o EI (USA, 2018c).

Os Emirados Árabes Unidos (EAU) não têm uma conexão oficial com países que financiam o terrorismo

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(USA, 2018l). Entretanto, de acordo com Walsh (2010), os EAU foram listados como um local utilizado por investidores para criar fundos a fim de financiar militantes no Afeganistão, Paquistão e os ataques de 11 de setembro. Em uma sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, o ministro do exterior dos EAU afirmou que o país continua firme com a política de tolerância zero em relação ao financiamento do terrorismo (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2017). É importante ressaltar que as forças armadas dos EAU têm um papel ativo na Guerra ao Terror dos Estados Unidos, recebendo o apelido de “Pequena Esparta”, por sua lealdade e aliança (CHANDRASEKARAN, 2014).

O Iêmen, atualmente, enfrenta uma grave crise humanitária agravada pelas atividades terroristas dentro de seu território. A Al-Qaeda na Península Arábica (AQAP) e o EI-Iêmen exploram o vácuo político e de segurança criado pelo atual conflito entre o governo do Iêmen, sob as forças do presidente Abd Rabu Mansour Hadi e o grupo Houthi15 (USA, 2018l). Atualmente, a AQAP controla as principais jazidas de petróleo do território iemenita. O Irã é acusado de apoiar financeiramente os Houthis, enquanto a Arábia Saudita lidera uma coalizão defendendo a manutenção de Hadi no poder (BBC, 2019).

A Indonésia, mesmo fora do Oriente Médio, possui a maior população muçulmana no mundo, tornando-se, portanto, um importante ator nos trabalhos da OCI. Em relação ao terrorismo, grupos fundamentalistas fizeram parte da história do país e, atualmente, células ligadas ao Estado Islâmico e à Al-Qaeda têm sido as principais ameaças na Indonésia. O grupo mais atuante é o Jemaah Islamiyah (JI), responsável por um ataque em Bali que matou cerca de 200 pessoas em 2002. O país, nesse sentido, é bastante comprometido com o combate internacional ao terrorismo e enxerga na OCI um importante espaço de debates para fortalecer esse esforço (FITRIANI et al., 2018).

O Irã, desde a Revolução Iraniana de 1979, tem sido acusado por vários países, incluindo os Estados Unidos, de financiar, treinar e providenciar armamentos para grupos por eles considerados terroristas, como Hezbollah e os grupos palestinos Hamas, Jihad Islâmica e a Frente Popular pela Libertação da Palestina (UNITED STATES OF AMERICA, 2007). Esses grupos são considerados terroristas por um grande número de países e órgãos internacionais; entretanto, o Irã considera alguns desses grupos como “movimentos de libertação nacional”, com o direito de se defender frente à ocupação militar israelense na Palestina (MALAKOUTIKHAH, 2018).

O Iraque tem sido um dos principais berços e alvos do terrorismo mundial nas últimas décadas. Desde o início da Guerra ao Terror nos anos 2000, o território iraquiano tem sido assolado pelas batalhas e pelos atentados em nome do extremismo. Foram cerca de 17 mil atentados terroristas no país entre 2006 e 2015. O Estado iraquiano anunciou oficialmente a vitória sobre o Estado Islâmico, que controlava partes do país, em 2017, mas a presença do grupo permanece de forma violenta e fragmentada na região (JAMIESON, 2018).

A Jordânia continua como um parceiro comprometido com o fim do terrorismo e extremismo violento em 2017 (USA, 2018c). Além disso, como líder regional na Coalizão Global para Combater o Estado Islâmico, a Jordânia foi protagonista contra os grupos terroristas. O território jordaniano continuou como um alvo para grupos terroristas (EI e Al-Qaeda), e tem experiência em diferentes tipos de ameaças, podendo dar importantes opiniões dos caminhos para combater o extremismo (USA, 2018d). O país tem desempenhado um papel importante na Guerra Global ao terror em conjunto com os Estados Unidos e seus aliados, como Turquia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos (AYASRAH, 2009). Por fim, visto como o país se encontra comprometido com a luta contra o terrorismo, é importante se posicionar a favor do seu combate.

No início dos anos 2000, o Kuwait sentiu um aumento rigoroso na atividade terrorista, em um movimento que acompanhava a instabilidade vivida nos países vizinhos como Arábia Saudita e Iêmen (GERSHMAN; TÉTREAULT, 2005). Atualmente, porém, o Kuwait é relativamente seguro e coopera com os esforços antiterroristas, ainda que sua relação próxima com os países ocidentais o coloque em situação de inimizade com os grupos extremistas islâmicos.

15 Movimento político-religioso, que se constituiu na década de 1990 após a unificação iemenita. Trata-se de um grupo de maioria religio-sa zaidita, que possui, também, parte de sua composição sunita. É um dos principais atores na Guerra Civil do Iêmen, iniciada em 2015, controlando partes do oeste e noroeste do território iemenita (BBC, 2019).

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O Líbano foi um aliado comprometido na luta contra o EI em 2017, e suas forças terrestres representaram um dos mais efetivos parceiros no contraterrorismo na região (USA, 2018f). Os Estados Unidos providenciaram assistência às forças armadas libanesas, e trabalharam em conjunto com a organização de reforço e defesa do país, como as Forças de Segurança Interna, para construir estratégias para o combate ao terrorismo (USA, 2018e). Os Estados Unidos mantêm laços com os serviços de segurança libaneses. Além disso, o Líbano auxiliou nos esforços na luta contra o terrorismo em organizações regionais e financiou programas como membro da OCI e outros (USA, 2018e).

A Líbia se tornou um ambiente propício para a atuação de grupos terroristas após a queda de seu governante, Muammar Kadafi, 2011, no contexto da Primavera Árabe, quando o país mergulhou em uma guerra civil e sofreu intervenção da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Além de ser rico em reservas de petróleo e possuir um arsenal considerável de armamentos devido a guerra civil em curso, as instituições e estruturas do Estado líbio encontram-se falidas16; um ambiente ideal para a instalação de grupos terroristas. Com as dificuldades encontradas no Iraque e na Síria, grupos como Al-Qaeda e o Estado Islâmico podem voltar-se cada vez mais seu foco para o território da Líbia (PUSZTAI, 2015).

A Malásia é um país relativamente seguro no que toca ao terrorismo. Sua localização geográfica facilita o controle das fronteiras, seu desenvolvimento econômico é melhor do que a maioria dos países da OCI e o serviço de inteligência é bem estruturado, o que faz do país um forte aliado na atividade contraterrorista. Após o atentado às Torres Gêmeas, em 2001, a Malásia buscou destacar a importância em definir o que é terrorismo, como forma de diminuir o preconceito e os efeitos da Guerra ao Terror contra o povo islâmico (REUTERS, 2002).

O Mali é um país assolado por intensa atividade terrorista de grupos extremistas. A missão internacional MINUSMA, em conjunto com tropas francesas, buscava estabilizar o país dividido por uma guerra interna e afetado pela miséria, entretanto, a intervenção ocidental foi respondida violentamente por radicais ligados à Al-Qaeda e ao Estado Islâmico. O Mali encontra-se sem um Estado estruturado, sendo um ponto chave para o terrorismo mundial e uma ameaça direta aos vizinhos Senegal, Argélia e demais países onde os grupos antes citados atuam (MCVEIGH, 2018).

O Marrocos enfrenta eventuais ameaças de grupos extremistas afiliados ou inspirados no Estado Islâmico. O país tem como estratégia medidas de vigilância e segurança, de cooperação regional e internacional, além da instauração de políticas que desincentivam a radicalização dos movimentos internos. No último ano, essas políticas se mostraram bastante eficientes, reduzindo drasticamente o número de atentados (USA, 2018g).

A Nigéria enfrenta os radicais do Boko Haram há décadas dentro do seu próprio território, sofrendo com constantes atentados e com perdas humanas constantes. O grupo radical tem laços históricos com a Al-Qaeda, e opera especificamente no centro-oeste africano. Uma vez que possui uma defesa frágil frente ao terrorismo, a Nigéria pode atrair novos grupos que buscam o poder e deve ser um representante prioritário da África no debate antiterrorista (OLOJO, 2019).

O Omã, bem como os demais países do Golfo Pérsico, recebe ameaças terroristas regularmente, uma vez que esta região está diretamente associada ao capital ocidental. O Omã tem cooperado constantemente com o contraterrorismo e com a investigação de civis e grupos suspeitos, sendo um forte aliado do mundo ocidental na região (USA, 2018h). O país faz fronteira com a Arábia Saudita e com o Iêmen, o que torna seus limites pontos sensíveis à atividade desses grupos.

O Estado da Palestina – representado pela Autoridade Nacional Palestina – é membro da OCI desde 1969, fato que explicita o antigo comprometimento da organização com a questão palestina. Para além de suas reivindicações relacionadas à luta pela existência de um Estado palestino soberano na região e

16 Estados falidos são caracterizados por problemas de governança, de controle institucional e de legitimidade, principalmente ao encon-trarem dificuldades na consolidação de funções centrais tais como bem-estar geral, serviços públicos e, sobretudo, segurança (SCHNE-CKENER, 2006).

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pelos direitos do povo palestino, a Autoridade Palestina é profundamente comprometida com a luta contra o terrorismo. Nesse sentido, a liderança palestina não reconhece como legítimas as ações tomadas pelo braço armado do Hamas – grupo detentor do controle sobre a Faixa de Gaza e considerado como terrorista por diversos países ocidentais –, acreditando que a reconciliação pacífica é a melhor maneira de atingir seus objetivos (SLATER, 2015).

O Paquistão tem sido alvo de inúmeros ataques extremistas em seu território, causados, majoritariamente, pelos grupos Islamic State’s Khorasan Province (ISIS-K) e Tehrik-e-Taliban Pakistan (TTP), braços do Estado Islâmico e do Talibã, respectivamente, em território paquistanês. Desde 2017, o país tem despendido grande energia para interromper os ataques terroristas, eliminar os militantes contrários ao governo vigente e implantar as resoluções estabelecidas pela ONU visando o combate a tais atividades (USA, 2018i).

O Qatar, país que faz fronteira com Arábia Saudita e o Golfo Pérsico, foi acusado de permitir que financiadores de terroristas operassem dentro de suas fronteiras, sendo chamado de “Clube Med para terroristas” e “nação duas caras” (KREVER, 2014; PROSOR, 2014). Em um nível oficial, o governo do Qatar foi acusado de financiar o Hamas, acusações negadas pelo país. Desde 2017, o Qatar enfrenta uma crise diplomática, na qual países como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Bahrein, Jordânia e outros cortaram relações com o país em função de suas alegadas ligações com grupos terroristas e relação próxima ao Irã (GULF NEWS, 2017; AL JAZEERA, 2017). Em 2017, o Qatar anunciou a restauração de relações diplomáticas com o Irã.

O Senegal é um país relativamente seguro quanto ao terrorismo. Porém, suas alianças militares com Estados Unidos e França, bem como sua participação na missão da ONU no Mali, podem torná-lo alvo de grupos terroristas anti-ocidente. A ação de células extremistas nos vizinhos Mali e Costa do Marfim tornam mais séria a ameaça, visto que grupos como a Al-Qaeda e o Boko Haram parecem ter o oeste da África como seu novo foco de expansão (ROUSE, 2018).

A Somália, após quase três décadas de guerra civil, é um dos países africanos que mais tem sofrido com a atuação de grupos terroristas. Com a queda do governante Siad Barre em 1991, o país entrou em uma espiral de caos, no qual diversos grupos armados emergiram em busca do controle do país. Dentre eles, o grupo terrorista Al-Shabaab tem sido considerado uma das organizações mais violentas da região. Nesse sentido, o Governo Federal da Somália, criado em 2012, tem como suas principais prioridades a luta contra o terrorismo e a importância do multilateralismo para tal (SOMÁLIA, 2015).

O Sudão tem laços históricos com a atividade terrorista, sendo parte desde 1993 da lista de Estados financiadores do terrorismo, elaborada pelo governo estadunidense. Entretanto, nos anos recentes, o Sudão tem apoiado iniciativas de contraterrorismo, auxiliando nos esforços internacionais e mantendo uma postura combativa em relação ao problema. A disposição dos representantes sudaneses em manter tal postura é fundamental para que o país seja retirado da lista e assuma uma imagem diplomática positiva (USA, 2018j).

A Tunísia, berço das revoluções da Primavera Árabe em 2011, enfrenta ameaças extremistas que colocam em xeque a jovem democracia do país. Com a adoção de políticas que restringem a prática do salafismo17, em 2013, verificou-se um aumento significativo da atividade terrorista no país. Entre atentados contra civis e figuras políticas assassinadas, a Tunísia se tornou um país instável no Norte da África, principalmente nas regiões de fronteira com o Egito, a Argélia e a Líbia (GREWAL; HAMID, 2018).

A Turquia, mesmo com fortes ligações com o leste europeu e com a Ásia Central, tem se tornado cada vez mais um importante ator no jogo político do Oriente Médio. O terrorismo é um relevante elemento da política de segurança turca, e o governo considera grupos ligados à população curda18 como as principais organizações terroristas atuantes no país. Além disso, com a guerra síria e o envolvimento turco no conflito, o país também tem sido alvo de outros grupos, tais como o Estado Islâmico (STARR, 2013).

Em Uganda, o principal grupo atuante no país é o Exército de Resistência do Senhor, uma organização

17 Vertente fundamentalista do Islamismo. O Salafismo adota uma postura radical e conservadora em relação à religião islâmica, defendendo a aplicação da Sharia. Uma vertente similar ao Salafismo é o Wahhabismo, dominante na Arábia Saudita (GREWAL; HAMID, 2018).18 Os curdos são um povo étnico que, no Oriente Médio, compreendem cerca de 30 milhões de pessoas e encontram-se nos territórios da Turquia, do Iraque, da Síria, do Irã e de alguns outros países da região. Os curdos são um povo sem Estado próprio, e, nesse sentido, diversas organiza-ções políticas curdas lutam pela constituição do Curdistão, objetivo que é recorrente e violentamente negado pelos Estados em que se encontram (PORTLAND STATE UNIVERSITY, 2019).

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fundamentalista cristã que se coloca em oposição ao governo nacional. O grupo atua no norte do país e tem sido o foco dos esforços contraterroristas do governo. Uganda é extremamente comprometida com o combate ao terrorismo no continente africano, e um dos exemplos disso é a importante atuação de suas tropas na luta contra o Al-Shabaab, na Somália. O país é responsável por uma das maiores parcelas das forças da Missão de Paz da União Africana para a Somália. No entanto, a sua atuação no país tem também chamado a atenção de outros grupos terroristas, que buscam, como forma de retaliação, transformar o país em alvo de seus ataques (SURUMA; MUTENYO, 2010).

5 QUESTÕES PARA DISCUSSÃO (1) Os movimentos extremistas e o radicalismo no Oriente Médio têm influência de nações ocidentais? De que forma outros países podem impactar na questão? (2) Pode haver interesses locais e internacionais para o desenvolvimento dos grupos terroristas existentes? A quais pautas e agendas pode ser benéfica a instabilidade gerada pelo extremismo no Oriente Médio?

(3) Parece impossível, ao tratarmos de um mundo tão diverso cultural e socialmente, que se chegue em um consenso universal sobre o conceito de terrorismo. Tendo em vista as interpretações, ideologias e interesses envolvidos, é possível que a OCI, enquanto bloco, assuma uma posição de consenso quanto ao tema?

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ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS

A Situação na Venezuela

Francielle Mazocco, Floriane Abreu da Silva, Geórgia Bernardina de Menezes Gomes, Luana Alonso Xavier de Miranda e Matheus Chiot Teixeira1

1 Graduandos e Graduandas em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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QUESTÕES PARA ORIENTAÇÃO

(1) De que forma a configuração regional contra o governo Maduro afeta a conjuntura venezuelana?

(2) Como a mídia internacional pode impactar na visão popular sobre a crise venezuelana? A opinião popular tem algum poder de fato?

INTRODUÇÃO

A Organização dos Estados Americanos (OEA), criada em 1948, é uma das organizações regionais mais antigas do mundo. Atualmente a OEA é composta por 35 países do continente americano e sua sede está situada em Washington D.C, capital dos Estados Unidos da América. A instituição tem como base os princípios da democracia, dos direitos humanos, da segurança e do desenvolvimento, visando a apresentar soluções para os problemas dos países americanos e também possibilitar o debate acerca do que pode melhorar o continente como um todo (OEA, 2019). Durante o VIII UFRGSMUNDI, será simulada a Assembleia Geral da OEA para tratar sobre a crise da Venezuela. Na ocasião, os representantes dos Estados membros reúnem-se para decidir se o governo Nicolás Maduro é legítimo ou não perante os princípios da organização, assim como discutir o posicionamento da OEA em relação a Juan Guaidó, autodeclarado presidente da Venezuela, em meio à crise no país. O guia apresenta um histórico da construção da democracia na Venezuela recente, bem como da ascensão de Hugo Chávez ao poder, seu governo e o nível da participação militar nele - essencial para o entendimento do conflito atual -, acompanhado por uma análise da sucessão de Chávez por Maduro. Por fim, os conceitos de democracia e legitimidade serão colocados em foco, seguidos por uma apresentação dos posicionamentos internacionais sobre a crise venezuelana.

1 HISTÓRICO

As páginas a seguir analisam a formação da Venezuela no tocante ao seu sistema político principalmente. Inicialmente é explanada a constante presença das Forças Armadas no poder até a chegada de Hugo Chávez, apresentada em um segundo momento, a partir do qual são elucidadas suas principais políticas de governo e sua importância. 1.1 DA INDEPENDÊNCIA AO CHAVISMO: A PRESENÇA DE MILITARES NO PODER Segundo Neves (2010), a história política da Venezuela entrelaça-se com a história política da própria América Hispânica, principalmente pelo passado colonial comum - marcado pela exportação de produtos agrícolas, como o cacau, e pela cultura escravista - e pelo processo de independência liderado pela elite criolla, ou seja, os descendentes de espanhóis nascidos na América. Em relação a esse último período, iniciado em 1810, já é possível notar a profunda presença de militares nos levantes independentistas venezuelanos1. Francisco de Miranda e Simón Bolívar, por exemplo, ambos militares liberais e importantes líderes políticos apoiadores do processo revolucionário de independência, foram peças-chave dentro dos vários levantes ocorridos até a independência de fato do país, em 1829. É nesse período, entre 1810 e 1829, que se percebe a formação dos traços intrínsecos à cultura política venezuelana. Em primeiro lugar, o poder inegável do corpo militar no país, gestado primeiramente pelo fato de líderes militares independentistas assumirem o poder na Venezuela nos períodos pré e pós-independência, uma vez que líderes intelectuais importantes não sobreviveram até o fim do processo. Em segundo lugar, a simpatia aos governos militares no período pós-independência: governos fortes - neste caso, militares - eram bem vistos e procurados devido à frágil situação sócio-econômica venezuelana. Ainda é possível perceber que, conforme Neves (2010, p. 35), “é nesse momento que se

1 Importante ressaltar que, antes da independência, a Venezuela fazia parte da Grã-Colômbia, da qual também faziam parte Nova Granada (hoje Colômbia), Panamá e Equador.

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estabelecem as grandes rivalidades entre os chefes políticos pelo controle dos recursos do Estado nascente, que desembocará posteriormente na Guerra Federal entre 1859 e 1863”. O restante do século XIX na Venezuela foi marcado de igual forma por sucessivos governos militares. Em 1831, sobe ao poder o general José Antonio Páez, governando por dois mandatos e instaurando uma ditadura que duraria até 1863. Por se tratar de uma figura central na política venezuelana, sua liderança ficou conhecida como paecismo. O fim dessa ditadura só é concretizado no momento em que há o triunfo das forças federalistas2 durante a Guerra Federal, lideradas pelo general Guzmán Blanco. Ainda durante o século XIX, diversos governos militares ascenderam ao poder em períodos marcados por grande instabilidade política, econômica e diplomática (ORTIZ, 1960). Em 1917, iniciaram as explorações de petróleo durante o governo de Vicente Gómez, sob um regime ditatorial que durou até 1935, no qual ocorreu a associação ao capital internacional, vínculo que trouxe inúmeras vantagens econômicas e tarifárias aos países exportadores de commodities – produtos de origem primária (recursos minerais, vegetais ou agrícolas, tais como o petróleo, o carvão mineral, a soja, a cana-de-açúcar e outros) com alto valor estratégico e comercial. Nesse período, a economia venezuelana sofre uma drástica mudança de foco, passando de uma economia estritamente agrária para uma economia majoritariamente exportadora de petróleo, além de sofrer um importante e profundo processo de modernização. Os dois próximos governos - Eleazar López Contreras (1935-1941) e Isaías Medina Angarita (1941-1945) - ainda mantiveram o poder nas mãos dos militares, entretanto, foram precursores no processo de libertação da presença opressiva no país até então (ORTIZ, 1960). Em 1945, após um novo golpe, assume o líder civil do partido político Accíon Democrática (AD), Rómulo Betancourt, convocando eleições livres em 1946 para a escolha de uma Assembleia Constituinte. Dessa forma, a primeira eleição da história da Venezuela ocorre em 1947, com o triunfo do ex-candidato nas eleições de 1941, Rómulo Gallegos, que assume no início de 1948, provocando insatisfação às Forças Armadas, uma vez que as pautas do novo governo limitavam as ações militares no país. Ainda em novembro de 1948, um novo golpe militar planejado por oficiais militares ocorre no país, presidido por Carlos Delgado Chalbaud. Com o assassinato de Chalbaud, em 1950, Marcos Pérez Jiménez vence as eleições de 1952, mesmo sob suspeita de fraude e de ter sido o mentor da morte de seu predecessor. Devido a problemas econômicos e denúncias de corrupção, Jiménez é deposto em 1958 e assume o chefe da Forças Armadas, o almirante Wolfgang Larrazábal (MORÓN, 1971). A partir de 1989 até 1993, a situação do país torna-se crítica, principalmente pela diminuição do preço do petróleo em escala mundial, uma vez que é a commoditie mais importante para a economia venezuelana. O então presidente civil, Andrés Pérez, adotou medidas econômicas que causaram inúmeras revoltas da população. Uma rebelião por parte dos militares estava sendo planejada e, em 1992, há uma tentativa de golpe de Estado – que foi controlada, tendo o então tenente-coronel Hugo Chávez como um de seus líderes, comandando cerca de 300 efetivos. Em 1994, Hugo Chávez reúne antigos aliados e funda um novo partido, o Movimiento Quinta República (MQR). Por fim, nas eleições presidenciais de 1998, vence o MQR, partido de Hugo Chávez, com 56% dos votos (NEVES, 2010), criando, assim, a prometida Quinta República.

1.2 O GOVERNO DE HUGO CHÁVEZ Nas eleições venezuelanas de 1989, Hugo Chávez emerge como uma nova força política em um cenário de grande crise no qual havia um vazio de poder. A população se via insatisfeita com o regime anterior, marcado pelo predomínio de dois partidos: o Ação Democrática (AD) e o Comitê de Organização e Participação Eleitoral Independente (COPEI). Ambos haviam dominado a política nacional por muito tempo, sufocando partidos menores e representando limitados grupos de interesses. Na década de 90, o desgaste dos dois partidos foi acelerado por escândalos de corrupção e pelo insucesso de suas políticas econômicas neoliberais (VASCONCELLOS, 2009). Após a frustrada tentativa de golpe de Estado de 1992, Hugo Chávez ganhou notoriedade ao proferir em rede nacional seu famoso discurso:

Companheiros, lamentavelmente, por enquanto, os objetivos que nos propusemos não foram alcançados na cidade capital... Agradeço a vossa lealdade, agradeço a vossa coragem, o vosso de-sapego, e eu, perante o país e antes de vós, assumo a responsabilidade deste Movimento Militar Bolivariano (TELESUR, 2017, online).

2 Por meio do Tratado de Coche de 1863.

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Sete anos depois, ele se torna candidato à presidência pelo Pólo Patriótico, aliança formada por partidos de esquerda. A população venezuelana, que clamava por uma mudança política, o elege em dezembro de 1999, atraída por seu distanciamento com os partidos tradicionais e sua posição contrária ao neoliberalismo e às desigualdades sociais (OLIVEIRA, 2011). Logo no início de seu mandato, Chávez propõe a elaboração de uma nova Constituição, aprovada por referendo popular. Com ela, ocorre a ampliação da participação popular na política, os mandatos presidenciais passam a durar seis anos e os militares passam a ter poder de voto (VIZENTINI, 2003). Além disso, é criada a Assembleia Nacional, instância máxima do poder legislativo, e o nome do país é alterado para República Bolivariana da Venezuela (VILLA, 2005). O novo governo segue fazendo transformações e reformas sociais, anunciando no final de 2001 um pacote de 49 leis, das quais duas suscitam grande reação da oposição. A Lei de Terras permitia a expropriação estatal3 de terras improdutivas, visando a uma futura reforma agrária (LEITE; FLORES, 2007). A Lei dos Hidrocarbonetos, por sua vez, aumentou muito a participação do Estado no setor petrolífero, uma vez que estabelecia maiores taxas a serem pagas pelas empresas privadas e a reserva de várias atividades ao Estado. Além disso, os excedentes gerados pelo petróleo iriam para educação, saúde, infraestrutura, entre outros. Mais tarde, seriam criadas as “Misiones”, políticas sociais voltadas para garantir direitos fundamentais à população venezuelana (LEITE; FLORES, 2007). Essas tiveram impacto muito positivo nos setores populares e nos indicadores sociais, explicando em parte o alto índice de aprovação do chavismo nesse período (OLIVEIRA, 2011). Um dos problemas do governo Chávez foi que a dependência do petróleo, característica tão marcante da Venezuela, se manteve. Apesar de tentativas de diversificar a produção, em 2006, a participação do petróleo nas exportações chegou a quase 90% (SOUZA, 2008). O país continuou dependendo da arrecadação do petróleo para sustentar suas importações, e agora, também, para manter seus programas e gastos sociais, que asseguravam a base de apoio chavista, formada pelas classes populares e por grande parte dos militares venezuelanos (BASTOS; OBREGÓN, 2018). À medida que as mudanças institucionais e sociais foram ocorrendo, a oposição ao chavismo se intensificou, formando a “Coordinación Democrática”, em que se organizaram a mídia televisiva privada, grande parte dos empresários venezuelanos, uma pequena parcela de militares, entre outros (BASTOS; OBREGÓN, 2018). As tensões entre chavistas e oposição cresceram até o dia 12 de abril de 2002, quando Chávez foi preso por militares, em um golpe arquitetado pela oposição, e um dos líderes antichavistas, Pedro Carmona, declarou-se chefe do governo. Mediante manifestações populares pró-governo e o apoio de parte das Forças Armadas, Hugo Chávez retornou à presidência dois dias depois (LEITE; FLORES, 2007). No fim de 2002, a oposição se intensificou novamente, com uma paralisação da produção de petróleo que causou grandes perdas econômicas (LEITE; FLORES, 2007). Depois de inúmeras tentativas mal-sucedidas, a oposição optou por tentar depor Chávez por meio de um referendo revogatório, uma vez que a Constituição venezuelana prevê que, se assim for da vontade da população, todos os cargos de eleição popular podem ser anulados (VENEZUELA, 1999). O referendo foi realizado em junho de 2004, e resultou em uma vitória para o chavismo e em uma dura derrota para a oposição. Os programas sociais tinham fortalecido Chávez, que, depois disso, venceu mais uma eleição em 2006 e instituiu a reeleição ilimitada em 2009 (BASTOS; OBREGÓN, 2018). Em relação à política externa, o governo venezuelano fortaleceu sua atuação depois de 2004, aumentando as tensões com os Estados Unidos e tendo o petróleo como importante instrumento para alcançar cooperação e integração entre os países (VASCONCELLOS, 2009). Foram negociados acordos com diversos Estados do Caribe e da América Latina para a compra de petróleo venezuelano sob condições de pagamento mais favoráveis. Esses acordos visavam, simultaneamente, a promoção da integração econômica regional e desafiar a influência dos Estados Unidos, uma vez que, ao operar somente com empresas estatais de petróleo, eram excluidas empresas norte-americanas das transações. Para estimular a integração, o governo venezuelano também criou a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América4 (ALBA) (WILLIAMS, 2011). A partir de 2009, a oposição ao governo venezuelano se reorganizou, com um novo nome, na Mesa de Unidade Democrática (MUD). Nas eleições parlamentares de 2011, um número relevante de

3 Tirar de alguém a posse de bens ou propriedades, passando-os ao Estado, sob justificativa de que eles têm uma utilidade pública que não está sendo devidamente aproveitada (DICIO, 2019).4 Organização que tem como objetivo incentivar a cooperação dos países caribenhos e latino-americanos em áreas como telecomunica-ções, energia, cultura, educação, entre outras (WILLIAMS, 2011).

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opositores foram eleitos para a Assembleia Nacional, demonstrando um possível declínio da hegemonia chavista. Um ano depois, no entanto, Chávez foi eleito para ocupar a presidência pela terceira vez. Na ocasião já estava em tratamento médico, e veio a falecer em 5 de março de 2013 (BASTOS; OBREGÓN, 2018). Deixou como sucessor Nicolás Maduro, eleito presidente da Venezuela em 14 de abril de 2013. 2 APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA

O conceito de democracia e de legitimidade é abordado nesta seção com o intuito de embasar a discussão posterior sobre assuntos mais concretos em relação à Venezuela. Será apresentado um panorama do governo de Nicolás Maduro, seus problemas internos e o desencadeamento da crise atual da Venezuela a partir da declaração do presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, como presidente interino do país.

2.1 DEMOCRACIA E LEGITIMIDADE Ao iniciar o estudo da situação venezuelana, é importante primeiramente compreender o que se entende por democracia, como ela se manifesta na América Latina e qual sua relação com o conceito de legitimidade. Há diversos conceitos de democracia, parte deles destaca aspectos eleitorais, ou seja, a ocorrência de eleições competitivas, justas e livres - aspectos relacionadas à maneira como se escolhe e substitui os governantes, também chamados de procedimentais. Outro campo, por sua vez, relaciona o termo ao respeito aos direitos dos cidadãos: de ir e vir, liberdade de expressão e reunião, entre outros - questões relacionadas à substância, ao cotidiano de um regime democrático. Robert Dahl (1971) une as duas interpretações ao estabelecer oito princípios básicos para a democracia: liberdade de formar ou se juntar a organizações; liberdade de expressão; direito ao voto; possibilidade de ser eleito para o governo; direito à competição política por suporte e votos; eleições livres e justas; canais de comunicação livres e variados; e instituições para garantir que se governe de acordo com as preferências dos cidadãos (SMITH, 2005). A legitimidade, por sua vez, está relacionada à capacidade de um presidente convencer a população, ao sucesso econômico de suas políticas, ao respeito aos direitos civis, e não só a sua vitória nas eleições. Dentre os cidadãos latino-americanos, existe uma aprovação predominante da democracia como modo de governo, porém há baixa confiança nas autoridades eleitas e nas instituições políticas, devido à inefetividade de políticas e denúncias de corrupção, por exemplo (LOPES SALLES, 2012). Max Weber identifica como fundamentos para a legitimidade os três tipos básicos de dominação política: (i) racional-legal, reconhecendo a lei e o Estado, (ii) tradicional, com base no costume e no hábito, e (iii) carismático, associado à confiança na figura do governante. Apesar de ter sido eleito de acordo com os procedimentos legais, um governo poderá, portanto, ser rejeitado pela população se não atender a algum desses fatores ou a uma combinação entre eles (WEBER, 1977). A maioria dos países latino-americanos passou por governos autoritários e ditatoriais ao longo do século XX, por meio dos quais grupos militares, famílias tradicionais ou elites empresariais detinham extenso poder. Durante a Guerra Fria5, a maioria desses governos contaram com o apoio - direto e indireto - dos Estados Unidos, razão pela qual países como Venezuela e Bolívia adotam uma postura de desconfiança ante as ações norte-americanas na região. A segunda metade do século XX foi marcada pela restrição ou não ocorrência de eleições, além disso, muitos cidadãos vivenciaram um cotidiano de medo e repressão, no qual não poderiam expressar opiniões divergentes das defendidas pelo governo (KLINE; WADE, 2018). A partir dos anos 1980, as ditaduras foram gradualmente substituídas por governos democráticos, na chamada “Terceira Onda Democrática”6. Entretanto, várias características de atuação e políticas relacionadas às ditaduras foram mantidas até os tempos atuais. As elites econômicas e militares continuam detendo controle sobre medidas que possam prejudicar seus interesses, além da

5 A Guerra Fria foi um conflito sem confrontamentos explícitos entre Estados Unidos, capitalista, e União Soviética (atual Rússia), socialis-ta, no qual o mundo foi dividido em zonas de influência entre tais países. A maioria dos países da América e da Europa Ocidental fizeram parte do bloco capitalista, enquanto os Estados Unidos incentivaram governos conservadores ou ditatoriais em países que buscavam maior independência e autonomia. Esse foi o caso da maioria dos países da América Latina, onde golpes de Estado foram extensamente incenti-vados pelo governo norte-americano (COGGIOLA, 2011).6 A Terceira Onda Democrática foi o período entre 1980 e 1990 em que muitas ditaduras nos continentes latino-americano, africano e asiá-tico terminaram, dando espaço para a construção de governos democráticos. Também foi o período de crise da União Soviética, o qual oca-sionou, posteriormente, transições democráticas nas repúblicas que compunham a União (HUNTINGTON, 1994; KLINE; WADE, 2018).

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personalização de uma figura nacional - presidente ou outro líder - na tomada de decisões ter caráter central. Tampouco foram resolvidos os problemas de desigualdade social, marcantes não só entre nações, mas dentro de cada nação, havendo diferenças sociais significativas entre regiões de um mesmo país, como é o caso do Brasil (KLINE; WADE, 2018). 2.2 O GOVERNO DE NICOLÁS MADURO Em face do falecimento do presidente Hugo Chávez em março de 2013, a Constituição venezuelana previa novas eleições no prazo de um mês. Ainda em vida, Chávez, que lutava contra o câncer desde 2012, indicou como seu sucessor o então vice-presidente e Ministro de Relações Exteriores, Nicolás Maduro. A eleição ocorreu conforme previsto e resultou na vitória de Maduro, com 50,75% dos votos, garantindo-lhe um mandato de seis anos (BASTOS; OBREGÓN, 2018). Apesar da continuidade do legado chavista, Maduro mostrou não ter a mesma capacidade de liderança - relacionada ao carisma e à habilidade de negociação de um governante (WEBER, 1994 apud SELL, 2011), ou mesmo de obter vantagens em momentos adversos e ganhar apoio internacional como o seu antecessor. Ainda que os governos Chávez tenham sido beneficiados pela alta do preço do petróleo e pelo direcionamento estadunidense para outras regiões, o cenário - doméstico e internacional - foi bem diferente para Maduro. O novo presidente se viu, ante a rápida diminuição dos preços do barril de petróleo, com menor renda disponível, fator que dificultou a manutenção de políticas sociais e de distribuição de renda (ROMERO; MIJARES, 2016). Além disso, países aliados em alguns temas devido a semelhanças envolvendo suas propostas de governos de cunho independentista, o desejo pelo afastamento dos Estados Unidos e a importância do petróleo em suas economias, como Síria e Líbia7, passaram por conflitos e mudanças de governo, o que acentuou a dependência venezuelana no mercado petrolífero e restringiu seu círculo de parceiros comerciais (ROMERO; MIJARES, 2016). Também é marcante a retomada das críticas norte-americanas, sob liderança do então presidente Barack Obama, contra o regime do país, apontando-o como autoritário e violador de direitos humanos. Juntamente às críticas foram impostas uma série de sanções econômicas8 ao país, agravando ainda mais seus problemas econômicos internos (ELLNER, 2015). No plano interno, cresciam as forças de oposição ao governo, composto pelo Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), como resposta às dificuldades econômicas e sociais enfrentadas pelo país. A progressiva escassez de produtos básicos e os problemas no fornecimento de energia elétrica afetaram diretamente grandes porções da população e colocaram-na contra as medidas do governo (URRIBARÍ, 2016). A Venezuela, assim como todos os demais países do globo, precisa de dólares, isto é, divisas, para pagar empréstimos e dívidas internacionais, bem como importar alimentos e produtos de higiene e limpeza, uma vez que não os produz internamente em quantidade suficiente para atender ao montante da população venezuelana. Para disponibilizá-los por um preço justo, o governo precisou diminuir os preços de mercado dos produtos de subsistência por meio de decretos. Com o intuito de evitar o grande aumento dos preços, ou seja, a inflação, o governo adotou um tabelamento de preços que, na prática, apenas alimentou ainda mais a escassez nas prateleiras dos supermercados. A falta de produtos está relacionada não só às rendas menores da indústria do petróleo, mas também à Lei de Limitação de Lucros9 das empresas, considerada desfavorável à atuação do setor privado no país (BASTOS; OBREGÓN, 2018). No plano político, críticos ao governo apontam para uma crescente centralização do poder na figura do presidente e seus ministros, ou seja, no poder Executivo, enquanto representantes do poder Legislativo teriam perdido influência. Isso se refletiria na adoção da chamada Lei Habilitante, 7 A chamada Primavera Árabe foi uma série de protestos que começaram em 2011, na Tunísia, e se expandiram para o restante do Norte da África e o Oriente Médio. Na Líbia, os protestos resultaram na execução do líder do país Muammar al-Gaddafi e em duas guerras civis. Na Síria, por sua vez, o presidente Bashar al-Assad permanece no poder, mas, desde 2011, o país tem passado por uma brutal guerra civil entre vários grupos rivais, com participação de grupos terroristas e países como Arábia Saudita, Estados Unidos e Rússia. O país, portanto, encontra-se profundamente enfraquecido e desestruturado, com muitos de seus habitantes refugiando-se em outros países (ROMERO; MIJARES, 2016).8 Sanções internacionais são medidas tomadas para rejeitar as ações de um determinado governo, afetando-o sem precisar utilizar meios militares. Quando de caráter econômico, representam mudanças nas relações comerciais, como proibições de importar e exportar produtos específicos a uma localidade ou punições a qualquer tipo de troca comercial (CONSELHO EUROPEU, s.d.).9 Também chamada de Lei Orgânica de Preços Justos, foi emitida em 2014 com o objetivo de limitar os lucros dos grupos comerciais a 30%, além de criar a Superintendência Nacional de Defesa dos Direitos Socioeconômicos para regular os preços de venda dos produtos e sua distribuição (TADDEO, 2014).

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empregada sucessivas vezes no seu mandato, a qual permite ao presidente governar por decreto10 em situações emergenciais, relacionadas a ameaças de outros países - como as sanções dos Estados Unidos - ou órgãos internacionais (BBC MUNDO, 2015). A oposição também denuncia a utilização do poder Judiciário como instrumento de controle e repressão às forças contrárias ao governo (URRIBARÍ, 2016). A situação na Venezuela resultou em uma enorme polarização entre favoráveis ao governo e seus opositores, desencadeando sucessivas ondas de protestos de ambos os lados. Em 2014, os protestos iniciados contra os índices crescentes de criminalidade passaram a abordar também críticas à situação geral do país. Com a repressão policial dos protestos, a violência generalizou-se entre os partidários do governo e da oposição, com a utilização de “guarimbas” por parte da oposição no período noturno, espécie de barricadas de guerra em meio às cidades (TORO, 2014). A conturbada situação econômica, política e social do país provocou uma reviravolta nas eleições legislativas de dezembro de 2015, quando o Movimento Unidade Democrática (MUV), que reúne os principais partidos da oposição, obteve 112 das 167 cadeiras. Foi a primeira vez, desde o início da Era Chávez, em 1999, que as forças pró-governo não garantiram a maioria das cadeiras. A oposição alega que a centralização do poder na figura de Maduro se acentuou após o resultado das eleições, visando a minar as possibilidades de ação do grupo rival. Também apontam para a tentativa de dominação da mídia, com a multiplicação de canais de televisão e veículos impressos de viés pró-governo em simultaneidade com a restrição de meios de comunicação da oposição ao governo com a população (URRIBARÍ, 2016).

2.3 CRISE HUMANITÁRIA E CONTESTAÇÃO INTERNACIONAL A situação de crescente inflação na Venezuela, aliada à falta de itens básicos, como materiais de higiene, medicamentos e alimentos levaram a uma saída em massa da população venezuelana em direção a países próximos - notavelmente Colômbia, mas também Equador, Peru, Chile, entre outros. Mais de três milhões de venezuelanos deixaram o país desde 2014, o que representa cerca de 10% da população total do país, caracterizando essa como a pior crise de refugiados da América Latina da história (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL PARA MIGRAÇÕES, 2018; GOLDBERG, 2019). Ademais, segundo dados de 2017 da Pesquisa sobre Condições de Vida, realizada por diversas universidades venezuelanas, cerca de um terço da população do país estaria ingerindo, no máximo, duas refeições ao dia, ambas de baixo valor nutricional (MARCO, 2019). A contestação internacional do governo venezuelano, já tendo como base os argumentos de crise humanitária, agravou-se com a convocação de uma Assembleia Constituinte, em 2017, para elaboração de uma nova Constituição, a qual daria mais poderes a Maduro. Em 2018, a reeleição de Maduro com 68% dos votos foi também marcada pelo índice de abstenção de mais de 50%, aumentando as desconfianças quanto à legitimidade do governo. Em meio a esse cenário, a Organização dos Estados Americanos (OEA) pediu a suspensão da Venezuela, alegando o desrespeito do governo para com a Carta Democrática Interamericana11 e a suposta ilegitimidade de Maduro dadas as características de sua eleição (NAIM; TORO, 2018; CORAZZA; MESQUITA, 2019). Cabe destacar, também, que esse movimento de contestação ao governo da Venezuela coincidiu com a ascensão de governos mais à direita do espectro político na América Latina, uma vez que o maior apoio para a suspensão venezuelana da OEA veio desses países - principalmente Argentina, Brasil, Peru, Chile e Colômbia. Além disso, os Estados Unidos e outros países latino-americanos têm sugerido fortes sanções econômicas12 contra a Venezuela e já propuseram uma intervenção militar no país, não totalmente descartada (NAIM; TORO, 2018; CORAZZA; MESQUITA, 2019). Nesse sentido, percebe-se que a República Bolivariana da Venezuela passa por um constante momento de tensão com outros atores internacionais, contudo, é importante ressaltar que o país também é palco de diversas manifestações protagonizadas por uma parcela da população descontente com o atual governo. Esse cenário possibilitou que, em 23 de janeiro de 2019, Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional - único órgão estatal sob controle da oposição de Maduro - autodeclara-se

10 Governar por decreto significa que o presidente pode aprovar leis sem que elas precisem passar pela aprovação do poder Legislativo (BBC MUNDO, 2015).11 A Carta Democrática Interamericana é um documento da Organização dos Estados Americanos que afirma que a democracia é e deve ser a forma de governo comum a todos os Estados das Américas e que ela constitui um compromisso coletivo para fortalecer e preservar o sistema democrático na região (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, s.d.).12 Sanções econômicas são ações que restringem as relações comerciais de outras nações com o país punido.

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presidente interino da Venezuela13. Pouco tempo depois, Estados Unidos, Canadá, Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, Honduras, Panamá, Paraguai, Peru e boa parte da nações europeias reconheceram Guaidó como presidente legítimo da Venezuela. As ruas de Caracas, capital venezuelana, também foram tomadas por manifestantes - tanto favoráveis a Guaidó, quanto a Maduro -, agravando ainda mais a polarização já existente no país (TRINKUNAS, 2019). Desde então, uma das principais preocupações da oposição, liderada por Guaidó, tem sido ganhar o apoio dos militares venezuelanos, principal frente de apoio a Maduro, uma vez que as Forças Armadas são também responsáveis pelos Ministérios, pela indústria do petróleo, pela distribuição de alimentos e pela segurança interna do país (TRINKUNAS, 2019). Na imagem abaixo, é possível ver quais países apoiam cada um dos declarados presidentes, sendo os países em vermelho apoiadores de Nicolás Maduro, e os em azul, apoiadores de Juan Guaidó. Os países em branco não publicaram declarações oficiais de apoio a qualquer um dos lados até março deste ano, os países em cinza mantêm uma posição neutra em relação ao conflito e em preto encontra-se a Venezuela. Nota-se que grande parte do continente americano apoia Guaidó, enquanto a maior base de apoio de Maduro vem da Ásia e da Europa Oriental, principalmente China e Rússia.

Figura 1 - Países e seus apoios

Fonte: Elaborado pelos autores

O momento de maior embate entre os dois lados até então foi o chamado “23f” - nomeado assim pela oposição de Maduro em referência à data em que ocorreu: 23 de fevereiro. Uma carga de alimentos e suprimentos médicos, chamada de “avalanche humanitária”, organizada pela oposição e por um grupo de países sob liderança dos Estados Unidos, entraria para a Venezuela pela fronteira com o Brasil, mas foi barrada por militares na fronteira com o uso da força e resultou na morte de três pessoas. A fronteira havia sido fechada no dia anterior por determinação de Maduro, assim como a fronteira venezuelana com a Colômbia. O maior objetivo dessas ações era conseguir apoio dos militares, enfraquecendo o seu governo. A chamada “avalanche humanitária” também teve sua legitimidade contestada devido a alegações de ter sido fundada para usos políticos e militares (CHARLEAUX, 2019).

3 AÇÕES INTERNACIONAIS PRÉVIAS

A crise econômica, política e social na Venezuela gerou grandes impactos no continente

13 O presidente interino é uma pessoa que preenche temporariamente o cargo de presidente de uma organização ou de um país quando o presidente efetivo não está disponível ou quando o cargo estiver vago (DICIONÁRIO INFORMAL, s.d.).

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americano, ameaçando a relativa estabilidade da região e redesenhando parcerias estratégicas entre Estados vizinhos, afetados pela situação crítica que Caracas enfrenta. Algumas das mais importantes organizações da região se pronunciaram sobre a situação, assinalaram recomendações ao governo Maduro e até mesmo foram diretamente afetadas por tamanha instabilidade política no país. A Organização dos Estados Americanos parte de alguns princípios essenciais, declarados na Carta Democrática Interamericana, que instituem a democracia representativa como essencial para a estabilidade e para o desenvolvimento dos Estados da região, tornando desvios a essa ordem repudiáveis pela instituição (OEA, 2001). Diante da crise política na Venezuela, a OEA tem pressionado Caracas em várias frentes, baseando-se nos princípios da organização e na carência de reconhecimento da legitimidade do processo eleitoral que garantiu a reeleição de Maduro por parte de vários estados membros (OEA, 2018). A Venezuela, por sua vez, interpretou tais acusações como uma tentativa de intervenção estrangeira e, em 2017, anunciou sua saída da organização, a qual levaria mais dois anos para ser concretizada. Nos anos seguintes, a crise no país continuou como pauta da OEA, assim como as acusações de desvio democrático e perseguição política tornaram-se mais frequentes. Durante a Assembleia da organização em Washington, em 2018, os Estados Unidos pediram a suspensão imediata da Venezuela, alegando que a OEA não poderia alienar-se acerca das ditaduras no continente (OEA, 2018). No âmbito do MERCOSUL, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai elaboraram a Declaração dos Estados Partes do Mercosul sobre a República Bolivariana da Venezuela, em abril de 2017, documento no qual é reafirmada a necessidade de proteger as instituições democráticas, restabelecer a separação dos poderes e acompanhar o processo eleitoral no país (ITAMARATY, 2017). Alguns meses após a divulgação da declaração, o governo venezuelano proclamou uma nova Assembleia Constituinte, o que intensificou a tensão entre o país e os demais estados membros do bloco e acarretou na posterior suspensão dos direitos da Venezuela no MERCOSUL. Segundo a organização, a ruptura democrática na Venezuela fere os princípios do MERCOSUL, sendo inaceitável a legitimação do governo como parte da instituição pelos Estados membros (BRASIL, 2017). Em agosto de 2017, é criado o Grupo de Lima, no Peru, reunindo doze Estados americanos, entre eles Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Honduras, México, Panamá, Paraguai e Peru. O objetivo principal da organização era tratar sobre a crise na Venezuela e seus impactos no continente americano. É firmada a Declaração de Lima, por meio da qual é estabelecido o posicionamento do grupo acerca da situação na Venezuela: defesa da realização de eleições livres e garantia do direito à livre manifestação política, bem como a condenação da ruptura na ordem democrática causada pelo governo Maduro. A declaração ainda condena a existência de presos políticos no país e propõe formas de solucionar a situação venezuelana (MERCOSUL, 2017). A instabilidade política no continente também foi sentida na UNASUL, paralisada em virtude de um impasse acerca da escolha do novo secretário-geral. Durante as votações, o candidato defendido pela Argentina era o do argentino José Octávio Bordón, vetado pela Venezuela com apoio de Bolívia, Equador e Suriname. O veto foi um ato político contrário ao avanço da ala conservadora na organização, grupo que também é contrário ao regime de Maduro. Sem um secretário-geral e paralisada devido à tal impasse, em 2018, Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Paraguai e Peru enviam um documento ao bloco comunicando a suspensão de suas participações nas reuniões do grupo (AGÊNCIA BRASIL, 2018).

4 POSICIONAMENTO DOS PAÍSES

A Argentina, desde o início de 2019, declarou que não reconhecia Nicolás Maduro como presidente da Venezuela, alegando desconfianças quanto ao último processo eleitoral que o elegeu. Além disso, o país reconheceu a Assembleia Nacional como único órgão democraticamente eleito do país (EFE, 2019c). Nesse sentido, o governo argentino foi um dos primeiros a reconhecer Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela, ainda no dia de sua declaração (CORREIO BRAZILIENSE, 2019).

A Bolívia tem se aproximado da Venezuela desde 2006, com a eleição de Evo Morales, devido à afinidade ideológica, econômica e social com o então presidente venezuelano Hugo Chávez. Morales, em seu terceiro mandato, rejeitou as declarações de Guaidó e a necessidade de novas eleições, afirmando a legitimidade do governo de Nicolás Maduro, e reiterando a importância dos problemas venezuelanos

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serem solucionados internamente (BRONSTEIN, 2019).

O Brasil recentemente elegeu como presidente um político de extrema direita, Jair Bolsonaro (PHILLIPS, 2019). O país, outrora conciliador entre as partes, passou a atuar de forma mais enérgica nas questões internacionais. No que tange à Venezuela, o Brasil reconheceu a legitimidade de Juan Guaidó no mesmo dia de seu pronunciamento e estava entre os países que organizaram o envio de suprimentos desencadeador do episódio do 23f (COELHO; FRIAS; NEVES, 2019; VEJA, 2019).

O Canadá é um dos maiores opositores ao governo Maduro, devido a sua proximidade política com os Estados Unidos e contínua defesa dos ideais democráticos. Além de fazer parte do Grupo de Lima, o país é um dos que mais aplicou sanções econômicas ao governo venezuelano, causando prejuízos imensuráveis, e um dos que mais estimula os outros países a fazerem o mesmo. O Canadá exerce uma forte influência mundial no que tange à defesa dos direitos humanos (REUTERS, 2019).

Opositor ferrenho do governo Maduro, o Chile, em reunião da OEA, no ano de 2018, apresentou uma resolução para banir a Venezuela da organização devido à ruptura democrática no país. O presidente do Chile chegou a afirmar, também, que o país rompeu relações com a Venezuela devido à intolerável continuidade do governo Maduro (TELESUR, 2018).

A Colômbia possui um longo histórico de relações conflituosas com a Venezuela, especialmente na fronteira entre os territórios, região marcada por migrações, contrabando e tráfico de drogas. Além disso, o atual presidente, Iván Duque, condena o governo Maduro e reconhece Guaidó como presidente do país. Como retaliação, Maduro rompeu as relações da Venezuela com a Colômbia e decretou o fechamento da fronteira entre os dois países em fevereiro de 2019 (SEMANA, 2019).

Não reconhecendo a legitimidade do governo Maduro, a Costa Rica, como membro do Grupo de Lima, também reconhece o presidente autodeclarado Juan Guaidó e tem expressado seu apoio ao novo governo. O país também critica o último processo eleitoral organizado na Venezuela, o qual teria contribuído para intensificar a crise social e política do país (ZÚÑIGA, 2019).

Cuba pode ser considerada a maior parceira da Venezuela desde o início da Era Chávez, muito em virtude da compra subsidiada do petróleo venezuelano desde 2000. Devido às dificuldades econômicas em Caracas, o benefício foi suspenso em 2018, o que não prejudicou a relação entre os dois países (PARRAGA, 2018). Havana, em inúmeras ocasiões, posicionou-se a favor de Maduro e condenou as sanções econômicas impostas ao país. (PRENSA LATINA, 2019).

Sendo o governo atual do Equador alinhado aos interesses estadunidenses, o país declarou abertamente seu apoio a Guaidó. Segundo o presidente Lenín Moreno, Guaidó terá como principal responsabilidade a convocação de eleições livres e transparentes na Venezuela, sob ampla observação internacional (AFP, 2019a). Em 2018, o presidente do Equador expulsou uma embaixadora venezuelana devido a divergências diplomáticas - ação retaliada pela Venezuela -, tornando instável a relação entre os países desde então (TERRA, 2018).

Governado atualmente pelo empresário e membro do Partido Republicano, Donald Trump, os Estados Unidos foram o primeiro país a reconhecer Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela. Washington endureceu sua posição devido aos recentes acontecimentos, exigindo a renúncia imediata do atual presidente e impondo mais sanções ao petróleo venezuelano, equivalentes a um embargo econômico14. O governo também tem aumentado o tom de ameaça, afirmando que “todas as opções estão em aberto” para resolver a crise, o que poderia significar uma intervenção direta no país (LISSARDY, 2019).

O governo de Granada, país integrante da ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América), grupo aliado tradicional do regime de Nicolás Maduro, declarou apoio ao presidente eleito da Venezuela (GAZETA DO POVO, 2019). O presidente do país caribenho, Keith Mitchell, afirma que apenas com 14 Proibição oficial, por parte de um país, da prática de atividades econômicas com uma determinada nação, geralmente motivada por questões políticas (MARKET BUSINESS NEWS, 2019).

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diplomacia, mediação e não-intervenção a situação na Venezuela poderá ser resolvida (GOLDING, 2019).

A Guatemala foi o primeiro país centro-americano a reconhecer Guaidó como presidente da Venezuela. Como membro do Grupo de Lima, o país é fortemente contrário ao governo de Nicolás Maduro. Seus representantes pedem que a crise seja resolvida por meio de soluções pacíficas, com a convocação de eleições livres e transparentes no país, sob o rigor de parâmetros internacionais (EFE, 2019e).

Historicamente, há uma tensão entre a Venezuela e sua vizinha, Guiana, por questões fronteiriças, agravada atualmente pelo início da exploração de petróleo na costa guianense. Entretanto, assim como outros países-membros da CARICOM, a Guiana rejeita toda e qualquer intervenção à soberania nacional da Venezuela e advoga por um maior diálogo entre as nações, visando à “preservação do processo democrático e o retorno da normalidade” (POPPLEWELL, 2019, online).

Sendo parceiros comerciais de longa data, o Haiti e a Venezuela constantemente votam juntos na OEA devido à tamanha proximidade econômica. Contudo, a intensificação do conflito venezuelano, bem como a pressão internacional, fizeram o país votar pela primeira vez, em mais de uma década, contra o seu histórico aliado. Assim, na votação em relação à legitimidade do governo de Maduro, o Haiti confirmou a sua mudança de posicionamento, colocando-o como mais um opositor da Venezuela (KIM IVES, 2019).

Apesar de serem parceiros econômicos, a Jamaica se posiciona contra o governo Maduro, alegando que seria inaceitável, tratando-se de uma democracia moderna, aceitar a deterioração de um país, como vem ocorrendo na Venezuela. A Jamaica também se opõe fortemente à repressão política por parte do governo Maduro e enfatiza como a crise venezuelana provoca impactos para todo o continente americano, tornando extremamente necessária uma resolução da questão (JAMAICA OBSERVER, 2019).

O México defende o diálogo como forma de evitar um agravamento da situação na Venezuela e um aumento do embate, diferentemente da maior parte dos países do Grupo de Lima (TELESUR, 2019a). Conjuntamente com o Uruguai, o governo mexicano organizou uma conferência internacional, no início de fevereiro de 2019, com outros países e instituições que defendem uma posição pacífica para a crise venezuelana. O país não reconheceu Guaidó como presidente, contudo, também não declarou apoio a Maduro, mantendo uma posição neutra (TELESUR, 2019b).

Envolvida em uma crise política interna, a Nicarágua posicionou-se contrária à presidência interina de Guaidó, afirmando que a autoproclamação é um ato completamente inconstitucional. Além disso, o país também critica a posição imperialista e intervencionista norte-americana frente à crise instaurada, por meio de parcerias com outros Estados caribenhos com ideologias semelhantes (TELESUR, 2019c).

Membro do Grupo de Lima, o Panamá não reconhece o governo de Maduro e suas tentativas de manutenção do poder. O país repudia a ruptura da ordem democrática em andamento na Venezuela e considera ilegítima toda tentativa de destruição dos instrumentos democráticos por parte do governo de Caracas. Recentemente, o governo do Panamá ainda anunciou estar disposto a tomar todas as medidas diplomáticas cabíveis contra o governo da Venezuela (EFE, 2019b).

Cada vez mais próximo politicamente dos Estados Unidos e da Argentina, o Paraguai é um dos mais ferrenhos críticos ao governo de Maduro, considerando-o responsável pela extensa crise humanitária venezuelana. O país, inclusive, rompeu relações com Caracas após a reeleição de Maduro, por considerar ilegítimo o processo eleitoral ocorrido em 2018 (BRINDICCI, 2019).

Uma das medidas propostas pelo Peru após a reeleição de Nicolás Maduro foi o rompimento diplomático do Grupo de Lima com o governo eleito (DEUTSCHE WELLE, 2018). Além disso, o presidente peruano, Martín Vizcarra, declarou apoio a Juan Guaidó e ressaltou a importância da realização de novas eleições sob supervisão internacional (EL COMERCIO, 2019). O país é um dos principais destinos dos imigrantes venezuelanos ocasionados pela crise econômica e política (DUPRAZ-DOBIAS, 2019).

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O governo da República Dominicana sustenta uma posição ambígua em relação à Venezuela. O embaixador dominicano Jesús Duque enfatizou as boas relações entre os dois países e a importância da não intervenção, bem como a promoção do diálogo entre a oposição e o governo venezuelanos, disponibilizando seu país como eventual mediador (ORSINI, 2019). Por outro lado, o governo apoiou, em reunião da OEA, o líder da oposição Juan Guaidó, ação motivada, em parte, pela forte influência dos Estados Unidos na região caribenha (EFE, 2019d).

Santa Lúcia e Venezuela encontraram-se em janeiro deste ano com o objetivo de melhorar a relação entre os dois países e elaborar uma agenda de cooperação (VTV, 2019). Pouco tempo depois, ocorre a autodeclaração de Guaidó, a qual não altera a postura do país caribenho, que opta por manter seu apoio a Maduro e não reconhecer a legitimidade de Juan Guaidó, tornando-o um dos únicos três países do Grupo de Lima, junto com México e Guiana, a não reconhecer o declarado presidente interino (AFP, 2019b).

Os eventuais conflitos e fluxos migratórios da Venezuela podem afetar significativamente o Suriname. Embora não declarem apoio a Guaidó, as autoridades do país também não manifestam apoio ao governo de Maduro (G1, 2019). O país posiciona-se, contudo, de modo semelhante aos demais países da CARICOM, ou seja, defende a resolução do conflito por vias pacíficas, bem como a não-intervenção nos assuntos internos da Venezuela (COMISSIONG, 2019).

O Uruguai possui um posicionamento semelhante ao do México, defende o diálogo e uma “solução venezuelana para crise venezuelana”, sendo contra uma intervenção direta no país. Juntamente com o México, organizou uma reunião com países e organizações neutras no início de fevereiro. Assim, da mesma forma que o governo mexicano, o Uruguai não reconhece a legitimidade de Guaidó, tampouco declara apoio a Maduro (CARTA CAPITAL, 2019).

Na Venezuela, o presidente da Assembléia Nacional da Venezuela, Juan Guaidó, declarou-se presidente interino do país em fevereiro de 2019. Diversos países da América Latina, incluindo os onze integrantes do Grupo de Lima (EUA, Canadá, entre outros), apoiaram a posição de Guaidó, afirmando ser esse o melhor caminho para a “restauração” da democracia na Venezuela. Em contrapartida, o exército do país e grandes segmentos políticos não apoiam Juan Guaidó e ainda encontram-se do lado de Nicolás Maduro, que não renuncia o cargo, escalonando a grande crise política venezuelana.

5 QUESTÕES PARA DISCUSSÃO

(1) É possível agir de forma a mitigar os efeitos da crise venezuelana sem ferir a soberania do país? De que forma as crises humanitária e econômica colocam em xeque a legitimação internacional do governo Maduro?

(2) O governo de Guaidó, mesmo no caso de receber apoio de parte considerável da população, pode ser considerado legítimo - dado que foi instituído a partir de uma ação unilateral em oposição a um governo eleito?

(3) O governo venezuelano deve ser julgado por violações dos direitos humanos ou os fatores causadores de tal situação são mais complexos e não decorrem apenas do governo Maduro?

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SENADO FEDERAL

A Reforma do Ensino Médio

Bruna Queiroz Carvalho, Isadora dos Santos Rodrigues, Luiz Marcelo Michelon Zardo, Magnus Kenji Hernandes Hübler Hiraiwa e Mariana Aleixo Ferreira1

1 Graduandos e Graduandas em Relações Internacionais e Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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QUESTÕES PARA ORIENTAÇÃO

(1) O que é a reforma do Ensino Médio e quais seriam as principais mudanças após sua aprovação?

(2) Quais são as motivações e interesses por trás da reforma do Ensino Médio?

INTRODUÇÃO A República Federativa do Brasil, ao adotar o republicanismo1 como forma de regime governamental no artigo 1º da Constituição Federal, estabelece o caráter representativo do governo, sendo o poder político fundamentado pela vontade do povo. O citado artigo também constitui o sistema político brasileiro como federalista, ou seja, os estados possuem autonomia para organizar-se politicamente, com responsabilidades e competências próprias, sendo o conjunto desses estados membros submetido a um governo central, conhecido como União (BRASIL, 1988). Nessa perspectiva, o Senado Federal exerce a função de igualar a representatividade entre os estados da Federação no âmbito legislativo. Isso significa dizer que a instituição garante a igualdade da elaboração de normas referentes à União ao estabelecer um número igual de senadores eleitos para cada estado membro (três por estado, totalizando 81 senadores). É importante ressaltar que as resoluções legislativas visam à representação do livre arbítrio dos cidadãos e devem ser aplicadas a todos, ou seja, as leis são feitas pela sociedade e para a sociedade, caracterizando o Estado Democrático de Direito (BRASIL, s.d.; CALAÇA, 2015). O presente guia tem por objetivo discutir a proposta de reforma do Ensino Médio, tendo em vista as incumbências do Senado Federal, nomeadamente, fiscalizar o Poder Executivo e aprovar leis em sintonia com o espírito constitucional que rege o sistema político brasileiro. Logo, a adequada discussão de referido projeto deve levar em conta como a Carta Magna2 aborda a educação. Deliberações sobre o sistema educacional estão entre as funções do Senado Federal. Nesse sentido, a Constituição Federal, no Art. 22, XXIV, indica as diretrizes e bases da educação nacional como objeto de competência legislativa exclusiva da União. Desse modo, quaisquer modificações nos objetivos ou na estrutura curricular do ensino secundário, como pretende a atual reforma, devem ser analisadas pelo Poder Legislativo Federal, composto também pelo Senado. Em conformidade com sua ênfase nos direitos de segunda geração3, a Constituição Federal, no Art. 205, define a educação como um “direito de todos e dever do Estado e da família” que visa “ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988). Assim, é o dever do Estado de dignificar os cidadãos por meio da educação que deve pautar o debate sobre a reforma do Ensino Médio. Feitas essas considerações, as próximas seções têm como objetivo prover ao leitor uma explanação mais aprofundada sobre a proposta em questão, assim como dados históricos e jurídicos que possam facilitar a formulação de um posicionamento acerca do tema. A primeira seção aborda a evolução do ensino secundário na história brasileira recente. Na sequência, a segunda seção apresenta o conteúdo do projeto de reforma, assim como os principais argumentos contrários e favoráveis; enquanto a seção seguinte discute a experiência de países-referência em educação básica. A última parte do guia, por sua vez, resume a posição de todos os partidos com representação no Senado no momento da votação (2018).

1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO ENSINO SECUNDÁRIO NO BRASIL

1 O republicanismo é uma concepção segundo a qual uma nação é governada como uma república, na qual o chefe de Estado é indicado por métodos não-hereditários, frequentemente por eleições.2 Nomenclatura comum na literatura jurídica para designar a Constituição Federal.3 Nomenclatura comum na literatura jurídica para designar os direitos sociais, que requerem a participação do Estado para serem con-cretizados, em contraposição aos direitos individuais, também chamados de direitos de primeira geração, que requerem a abstenção do Estado para serem efetivados. A Constituição de 1988 é também conhecida como “Constituição Cidadã” devido ao amplo rol de direitos de segunda geração por ela assegurados.

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No Brasil, após o fim do período imperial4 (1822 - 1889) e a instauração do republicanismo, o plano do ensino secundário passou a ser responsabilidade do Estado, sendo possível identificar mudanças na sua oferta ao longo das décadas. Assim, esta seção visa a apresentar as principais propostas anteriores de reforma do ensino brasileiro (GHIRALDELLI, 2001). À época da proclamação da Primeira República (1889-1930), levada a cabo por meio de um golpe militar apoiado pela elite cafeeira da época, não havia políticas educacionais expressivas, reflexo da impossibilidade de participação popular no cenário político oligárquico nacional5. O Ensino Médio preparava para o ingresso no ensino superior e era frequentado por jovens de classe alta, principalmente, e de classe média, considerando-se que somente essas classes possuíam condições financeiras e projeções socioeconômicas que valorizavam o diploma. A carência de políticas governamentais voltadas à educação popular e a necessidade de democratizar a República provocaram a idealização de dois movimentos no que tange ao ensino público: o “entusiasmo pela educação” e o “otimismo pedagógico”6. O primeiro movimento referia-se à pressão pela abertura de escolas, enquanto o segundo questionava os conteúdos e métodos de ensino adotados; juntos esses movimentos influenciaram o ciclo de reformas educacionais da República Velha7 (GHIRALDELLI, 2001). A primeira reforma desse período foi a Reforma Benjamin Constant (1891), que instaurou um currículo de base positivista cujo objetivo era estabelecer uma educação básica voltada à entrada no ensino superior; destacando-se, ainda, a laicização8 do ensino público e a consequente expansão de escolas privadas ligadas à alguma religião. Na década seguinte, a Reforma Epitácio Pessoa (1901) manteve o ingresso no ensino superior como o objetivo das séries básicas e passou a permitir a obtenção do título de bacharel em Letras e Ciências após a conclusão do ensino médio. A Reforma Rivadávia Correia (1911), por sua vez, provocou a desoficialização completa do ensino, ou seja, transformou as escolas em entidades autônomas, retirando do governo o monopólio da validade oficial do diploma escolar e a própria importância da matrícula no ensino superior na instrução secundária. Posteriormente, a Reforma Carlos Maximiliano (1915) oficializou novamente o ensino secundário cuja principal finalidade voltou-se novamente para a entrada no ensino superior, enquanto a Reforma João Luís Alves (1925) deu maior ênfase ao ensino de conhecimentos gerais para a vida e estabeleceu critérios para a concessão do grau de bacharel em Letras e Ciências (SANTOS, 2010). Durante a Segunda (1930-1937) e Terceira República (1937-1945), ocorreram duas reformas de grande impacto na educação secundária: a Reforma Francisco Campos (1932) e a Reforma Gustavo Capanema (1942). Foi um período de maior centralização política na União, no qual o então presidente Getúlio Vargas implementou um “programa de reconstrução nacional”. O programa varguista incluiu políticas de cunho educacional, as quais possibilitaram a criação do Ministério da Educação e da Saúde. Ao assumir a pasta deste ministério, Francisco Campos estabeleceu a obrigatoriedade da frequência escolar e a organização do currículo em séries, compostas por um ciclo fundamental, comum a todos, e um complementar cujas disciplinas dependiam do curso superior pretendido. Esse arranjo foi posteriormente alterado com as Leis Orgânicas do Ensino (Reforma Capanema), pelas quais foi estabelecido o ciclo ginasial e o colegial, bem como conferida uma maior atenção ao patriotismo nos níveis escolares (DALLABRIDA, 2009; MORAES, 1992). Por efeito da instauração da Quarta República (1946-1964) e da promulgação da Constituição de 1946, a qual conferiu à União o dever de legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional, iniciou-se uma nova discussão sobre a reforma educacional (BRASIL, 1946, art 5, inciso XV, letra ‘d’). Ratificada em 1961, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/61) institucionalizou uma grade curricular comum a todas as escolas, públicas e privadas, e permitiu a oferta de disciplinas facultativas de acordo com a autonomia de cada escola, bem como estabeleceu a equivalência entre o ensino técnico, o normal e o secundário. A partir da Ditadura Militar9 (1964-1985) e da repressão à

4 Período no qual o Brasil foi governado por imperadores, tendo em vista o modelo monárquico constitucional implementado no país após sua independência de Portugal.5 Durante a Primeira República foi instaurada a política do café-com-leite, de modo que somente os representantes dos interesses dos pro-dutores de café e de leite tiveram acesso ao poder; aos demais, eram impostas condições excludentes para participar das decisões políticas, tal como o voto censitário.6 Termos introduzidos por Jorge Nagle e reinterpretados por Paulo Ghiraldelli.7 Nomenclatura comum na literatura para denominar a Primeira República.8 Separação do Estado e da religião.9 Período no qual o Brasil era governado por militares, de modo autoritário e repressivo, ocorrendo a supressão de direitos civis da popu-lação.

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sociedade civil, a LDB/61 foi alterada10, passando a definir um currículo comum para todo o Brasil. Voltada para a formação profissional, a lei também passa a classificar como segundo grau somente o ciclo colegial, do ensino secundário, e a estabelecer o cumprimento de horas mínimas, dependendo da área de formação (BALD, FASSINI, 2018). Em 1988, com o fim do regime ditatorial, é promulgada a atual Constituição Federal, conhecida como “Constituição Cidadã” por enfatizar uma série de direitos sociais, como a educação. Nessa perspectiva, a discussão da criação de novas políticas educacionais tornou-se constante na esfera pública, resultando na ratificação de uma nova Lei de Diretrizes e Bases em 1996 (LDB/96) e em vigor atualmente. É importante notar que o texto aprovado teve forte influência do senador Darcy Ribeiro, representante dos empresários de ensino, apesar da atuação de vários setores da população brasileira, defensores da educação pública. Isso significa dizer que o texto final teve predominância de elementos flexíveis, condizentes principalmente com os interesses do mercado de ensino, em detrimento de fundamentos mais progressistas, que tinham como objetivo uma educação pública e universal de qualidade, fato que provocou diversas críticas e propostas para alterar a lei (BOLLMAN, AGUIAR, 2016; GHIRALDELLI, 2001). A LDB/96 definia o Ensino Médio como etapa final da educação básica cujo currículo destacava “a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania” (BRASIL, 1996, p. 12). A LDB/96 determina, também, a criação do Plano Nacional de Educação (PNE), pelo qual são estabelecidas metas e estratégias educacionais para o país durante uma década; e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), fundo monetário responsável pelo financiamento do ensino entre 1997 e 2006. O Fundef foi substituído, então, pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), em vigor desde 2006 e previsto para até 2020, com finalidade de aumentar o volume anual dos recursos federais repassados aos estados membros e suas respectivas escolas (BRASIL, 1996; BRASIL, 2018). Em 2013, o Projeto de Lei 6.840/13 é apresentado, com o objetivo de alterar a LDB/96, propondo a instituição de horário integral no Ensino Médio e a organização de um currículo comum baseado em áreas de conhecimento (linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas). O principal argumento dessa mudança é a “necessidade de readequação curricular no Ensino Médio, de forma a torná-lo atraente para os jovens e possibilitar sua inserção no mercado de trabalho, sem que isso signifique o abandono da escola” (BRASIL, 2013, p. 7), feito pela Comissão Especial destinada a promover Estudos e Proposições para a Reformulação do Ensino Médio (CEENSI), presidida pelo deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG) e relatada pelo deputado federal Wilson Filho (PTB-PB). Entretanto, o PL 6.849/13 foi amplamente criticado por não abranger a opinião dos principais atores educacionais e por incluir o tema da interdisciplinaridade (MACHADO, 2015).

2 APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA Em setembro de 2016, com o objetivo de alterar a Lei nº 9.394, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e a Lei nº 11.494, que regulamenta o Fundeb, foi apresentada a Medida Provisória nº 746. Seu texto propõe mudanças no funcionamento do Ensino Médio tratando de questões como currículo, carga horária, qualificação dos professores e o estabelecimento de uma Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2016a).

2.1 CONCEITUAÇÃO PRÉVIA: O QUE É E COMO FUNCIONA UMA MEDIDA PROVISÓRIA Uma medida provisória (MP) é um ato do Presidente da República (Chefe do poder Executivo) que possui força de lei, capaz de produzir efeitos jurídicos desde o momento da sua publicação. Caracteriza-se por ser uma atividade unilateral do Executivo, portanto, o Legislativo não participa da sua elaboração, pois somente é chamado para discuti-la após a MP ter sido proposta pelo Chefe do Executivo (LENZA, 2012).

10 Ratificação da Lei nº 5.652/71 (LDB/71).

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A Constituição Federal de 1988 estabelece que medidas provisórias podem ser adotadas em caso de relevância e urgência (BRASIL, 1988). No entanto, por se tratar de um instrumento legislativo, há a necessidade de que elas sejam aprovadas pelo Congresso Nacional para a sua transformação definitiva em lei, o que leva a discussão ao Senado Federal. Nesse contexto, o texto da Medida Provisória nº 746 visa a uma nova reforma no ensino médio brasileiro, portanto, deve ser analisada pelos senadores. O procedimento de análise para aprovação ou rejeição da medida provisória é composto por algumas fases, possuindo um prazo de duração de 60 dias, com a possibilidade de prorrogação por mais 60 dias. Após a publicação, a MP passa por diferentes instâncias de deliberação: uma comissão mista, a Câmara de Deputados e o Senado Federal. A comissão mista, integrada por doze senadores e doze deputados, é responsável por manifestar-se sobre a matéria emitindo um parecer único (MORAES, 2018). Em seguida, o plenário das duas Casas delibera quanto à medida provisória em sessões separadas. Desse modo, depois do resultado da votação pelos Deputados, o Senado atua como a Casa revisora. O plenário de cada uma das Casas deve decidir, preliminarmente, se há o atendimento dos pressupostos constitucionais, além da adequação financeira e orçamentária, para depois passar ao exame de mérito, ou seja, do conteúdo da medida (LENZA, 2012). A medida provisória pode ser (i) aprovada integralmente (nos termos da medida editada), (ii) aprovada com alterações no seu texto (a medida transforma-se em projeto de lei de conversão11), (iii) rejeitada expressamente (como resultado da votação) e (iv) rejeitada tacitamente (caso não seja votada pelo Congresso dentro do prazo estabelecido) (MORAES, 2018).

2.2 AS PRINCIPAIS MUDANÇAS Após passar por diversas emendas e pela aprovação da Câmara de Deputados em 14 de dezembro de 2016, o texto deve ser analisado pelo Senado. A proposta prevê mudanças na carga horária, no ensino técnico e nas disciplinas obrigatórias oferecidas nas escolas brasileiras. Essas modificações são necessárias, de acordo com o Art.35-A, § 7º da Medida Provisória, para que a formação do aluno no Ensino Médio inclua “um trabalho voltado para a construção de seu projeto de vida e para sua formação nos aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais” (BRASIL, 2016a, p. 4). É importante ressaltar que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo que define o conjunto de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2019). O novo Ensino Médio prevê a obrigatoriedade das disciplinas de língua portuguesa, língua inglesa e matemática ao longo dos três anos e, em caráter optativo, o ensino de outras línguas estrangeiras, com preferência pelo espanhol. Também de caráter obrigatório estão os estudos e as práticas de educação física, arte, sociologia e filosofia12. As demais disciplinas poderão ser escolhidas de acordo com os interesses de cada estudante nas seguintes áreas de conhecimento: Linguagens, Matemática e suas Tecnologias, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Formação Técnica e Profissional. Dessa forma, o jovem poderá optar por uma formação técnica profissional dentro da carga horária do Ensino Médio regular e, ao final dos três anos, ser certificado tanto no Ensino Médio como no curso técnico. Há a possibilidade de incluir outras disciplinas de caráter obrigatório na BNCC, mas isso dependeria da aprovação do Conselho Nacional de Educação e da homologação pelo Ministro da Educação (BRASIL, 2016a). Ademais, atualmente, a carga horária mínima anual é de 800 horas para os ensinos fundamental e médio, excluído o tempo dos exames finais. Com a reforma, a carga horária será ampliada gradualmente para 1.400 horas/ano, sendo 1.000 horas/ano oferecidas já nos primeiros cinco anos a partir da implementação da medida. Se aprovada, as escolas terão o ano letivo seguinte à promulgação da lei para estabelecer um cronograma de implantação das principais alterações e deverão iniciar o processo de implementação a partir do segundo ano letivo (BRASIL, 2016a). Além disso, considerando a situação local das diversas escolas pelo país, a medida também prevê a possibilidade dos sistemas de ensino “reconhecerem competências e firmarem convênios com instituições de educação à distância com notório reconhecimento” (BRASIL, 2016a, p. 7), desde que mediante algumas comprovações determinadas no seu Art. 36, § 11º. Outrossim, a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral prevê o repasse de recursos do

11 Também chamado de PLV.12 Importante ressaltar que essa determinação não impõe a necessidade de disciplinas específicas para essas matérias, podendo os assuntos serem abordados em temas relacionados.

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Ministério da Educação para os estados e para o Distrito Federal pelo prazo de dez anos por escola, visando à execução e ao desenvolvimento das ações previstas na medida, com metas e cronogramas a serem estabelecidos (BRASIL, 2016a).

2.3 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À REFORMA De acordo com a Lei 13.415, a reforma curricular tem por objetivo tornar o currículo mais flexível, para, dessa forma, melhor atender aos interesses dos alunos do Ensino Médio. As duas principais justificativas são (i) a baixa qualidade do Ensino Médio ofertado no país e (ii) a necessidade de torná-lo atrativo aos alunos, em face dos índices de abandono e reprovação. Em comissão mista estabelecida em 2016, o secretário de Educação Básica do Ministério da Educação do governo Michel Temer, Rossieli Soares da Silva, justificou a medida com o argumento de estagnação do atual modelo de Ensino Médio, marcado por elevada evasão escolar e baixo desempenho dos alunos em disciplinas básicas, como português e matemática, entre outros problemas (FERRETTI, 2018; OLIVEIRA, 2016). O diagnóstico dos problemas do atual Ensino Médio gira em torno da multiplicidade de disciplinas e rigidez na sua estrutura. A flexibilização curricular por meio de itinerários formativos por área (Linguagens e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias, Ciências Naturais e suas Tecnologias, Ciências Humanas e suas Tecnologias e Educação Profissional) e a oferta de cursos em tempo integral (sete horas diárias) seriam soluções viáveis para o saneamento de muitos desses problemas. Haverá também outro tipo de flexibilização: o por estado, tendo em vista que a definição dos arranjos curriculares será realizada por cada estado da federação13. Além de diminuir o número de disciplinas que os alunos cursariam durante o Ensino Médio, a possibilidade de escolha de um itinerário formativo por parte de cada aluno, de acordo com os interesses pessoais, tornaria a formação mais atrativa (FERRETI, 2018). Para alguns profissionais da educação, a reforma é positiva ao trazer o ensino técnico para o ensino médio. Destaca-se, sob esse ponto de vista, a importância da inserção do jovem no mercado de trabalho, que seria facilitada com a possibilidade da Educação Profissional de nível técnico como itinerário formativo. Os defensores argumentam que o Ensino Médio como hoje está estruturado não oferece perspectivas aos que buscam uma trajetória para além da universidade e que, com o ensino técnico, o estudante pode ter oportunidades maiores de lidar diretamente com sua futura profissão. Sob outro ponto de vista, trata-se de vincular a formação curricular às necessidades econômicas por meio de uma aprimorada especialização da mão de obra a partir da formação escolar. Nesse sentido, a reforma é uma resposta à necessidade de enfrentar, no plano educacional, os desafios postos pelas mudanças ocorridas no mercado de trabalho e, mais amplamente, pelas transformações produzidas pelo capitalismo no plano internacional a partir de 1970, as quais vinham sendo gestadas desde a década de 1940 - dentre elas o aumento da produtividade, a transição tecnologia, a abertura de mercados, a especialização crescente, entre outros (FERRETI, 2018). Outro argumento concentra-se na sobrecarga do currículo do Ensino Médio – que seria sanada com a maior flexibilização curricular de acordo com o estabelecido (EXAME, 2016).

2.4 ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À REFORMA Para os críticos, a reforma proposta identifica corretamente os problemas – todavia, peca no diagnóstico e, por conseguinte, nas propostas de solução. Desconsidera-se a infraestrutura inadequada das escolas14 e a carreira dos professores15 e ignora-se que o afastamento de muitos jovens da escola e particularmente do Ensino Médio pode decorrer da necessidade de contribuir para a renda familiar, além da busca por recursos para satisfazer necessidades próprias a sua idade e convivência social. Em estudo para a Unicef, Volpi, Silva e Ribeiro (2014) evidenciam que os adolescentes apontaram como causas do abandono escolar, além das questões curriculares, a violência familiar, a gravidez na adolescência, a ausência de diálogo entre docentes, discentes e gestores e a violência na escola. Ademais, a proposta teria sido estabelecida de forma bastante autoritária, carente de consenso acerca das medidas e diálogos tanto com estudantes quanto com profissionais da educação (EXAME, 2016). A extensão da jornada escolar, por exemplo, é obstaculizada do ponto de vista tanto da infraestrutura das escolas quanto das condições de trabalho e carreira dos docentes. Muitos dos jovens

13 Como indica o artigo 36 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), reformulado pela Lei 13.415 (BRASIL, 1996).14 Laboratórios, bibliotecas, espaços para EF, atividades culturais, entre outros.15 Salários, formas de contratação e a não vinculação destes a uma única escola.

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já estarão trabalhando no mercado formal ou, predominantemente, no informal, tendo em vista as considerações acima expostas. Daí seu deslocamento, pelo menos em parte, para o ensino noturno ou o abandono escolar (FERRETTI, 2018). Considerando que a decisão acerca dos itinerários formativos e arranjos curriculares é executada por diferentes entes federativos, há possibilidade de limitação da flexibilização tendo em vista necessidades econômicas. Em outras palavras, a priorização de itinerários formativos que contribuam para a geração de emprego e renda16, alinhando-se com a expectativa de melhoria dos índices obtidos pelos jovens brasileiros nas avaliações de caráter internacional, como o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA). Esse argumento é reforçado por dois dos artigos da Lei 13.415 (§2 e §3). O primeiro refere-se à eliminação da obrigatoriedade de determinados componentes curriculares, atualmente presentes nas matrizes em prática no ensino público brasileiro – Educação Física, Artes, Sociologia e Filosofia. O segundo estipula como obrigatórios durante os três anos do Ensino Médio, e apenas eles, os componentes curriculares Língua Portuguesa e Matemática, seja como parte da formação geral, seja sob a forma de itinerário formativo (BRASIL, 1996; FERRETTI, 2016). Há de se considerar a menção no Parecer17 95/2016b da comissão mista, a respeito da necessidade de reforma em prol do estabelecimento de “[...] novos padrões para a plena realização dos potenciais de nossa juventude, fenômeno essencial para o desenvolvimento sustentável do país [...]” (BRASIL, 2016b). As referências a uma “juventude” abstraída, desconsiderando as numerosas formações sociais e econômicas, além de educacionais, dos muitos jovens, parece não compreender a necessidade de considerar a realidade social dos diferentes jovens e as condições objetivas em que funcionam as escolas das redes públicas de ensino (em particular suas limitações). O resultado poderia ser, ao fim e ao cabo, um aumento das desigualdades no ensino, e não a redução. O relator menciona também a contribuição para que “as escolas se oxigenem e se articulem aos saberes necessários para o exercício da cidadania e a preparação para o mundo do trabalho” (BRASIL, 2016b). A mais corriqueira interpretação acerca da expressão “mundo do trabalho” refere-se à relação entre o mercado de trabalho e as qualificações dos demandantes a emprego. Decorre disso a suposta especialização precoce por áreas de conhecimento tendo em vista, também, sua continuidade no Ensino Superior, bem como a eliminação, como obrigatórias, das disciplinas Sociologia e Filosofia, que assumem papel mais questionador que adaptador. Para Ferretti:

Tal proposição constitui, no plano da proposição das políticas, a resposta à disputa sobre o En-sino Médio e a Educação Profissional que, desde a década de 1980, vem sendo travada entre, de um lado, os educadores e setores da sociedade que enxergam a escola meramente como forma-dora de sujeitos sociais eficientes e pouco questionadores e, de outro, aqueles setores sociais e educadores que almejam para os filhos dos trabalhadores uma formação integrada, integral, unitária e politécnica que não apenas os prepare para o exercício profissional consistente, mas que, além disso, tornem-nos capazes de entender ampla e criticamente tanto a sociedade em que vivem quanto a forma pela qual se estrutura o trabalho que realizam, tendo em vista a construção de formas mais humanas e igualitárias de produzir e viver (FERRETTI, 2018, p. 34) (grifo nosso).

Cabe mencionar o impacto da PEC 95, que implica a redução progressiva dos recursos disponíveis para setores como a saúde e a educação. Isso poderá deixar os colégios públicos em uma situação ainda mais sensível, incapazes de administrar adequadamente os custos do sistema de ensino. A consequência seria um aumento da desigualdade de ensino e qualidade entre o colégio público e o privado (FERRETTI, 2018). Outro ponto que merece destaque diz respeito à carreira e às condições de trabalho docentes. Podem ser elencadas quatro situações em que o trabalho docente é afetado, vinculadas sobretudo à reforma trabalhista de 2016: (i) a exclusão, como obrigatórias, de disciplinas como Sociologia, Filosofia, Educação Física e Arte, restringindo o mercado de trabalho para os docentes dessas disciplinas; (ii) a possibilidade de diminuição da oferta de postos de trabalho por meio da instituição dos itinerários formativos; (iii) o caso específico do itinerário “formação técnica e profissional”, que abre a possibilidade de que postos de trabalho possam ser ocupados, por “profissionais detentores de notório saber”, o que representa redução de oportunidades de trabalho para professores licenciados, resultando em desvalorização da carreira docente e possíveis perdas salariais; (iv) a mudança no artigo 318 da CLT,

16 Quais sejam, os referentes às áreas das Ciências Naturais, Matemática e Linguagens e Educação Profissional.17 Juízo sobre uma questão emitido em processo por um órgão público ou funcionário especializado.

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proposta no art. 8º da Lei 13.415, que, a despeito dos aspectos positivos18, permite ao professor lecionar em um mesmo estabelecimento por mais de um turno, possibilitando que o docente dobre seu tempo de atividade em sala de aula (FERRETTI, 2018).

3 SISTEMAS COMPARADOS A análise da proposta de reforma do Ensino Médio requer, ainda, comparações com as experiências dos países considerados referências em educação básica no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA). Dessa forma, é possível avaliar em que medida a proposta do Governo Michel Temer se aproxima e/ou se distancia dos programas mais bem-sucedidos no exterior. É importante, contudo, atentar às particularidades socioeconômicas do Brasil, uma vez que modelos funcionais em países desenvolvidos ou com um padrão cultural diferente poderiam, aqui, mostrar-se disfuncionais.Evidentemente, as restrições de tempo e espaço exigem que este guia selecione apenas um pequeno grupo de países para a realização da mencionada comparação. Assim, optou-se pela tríade Singapura, Japão e Estônia, já que, em ordem do melhor para o pior, foram esses os três países independentes melhor colocados no ranking do PISA de 2015/2016 (ISLAMIC WORLD ACADEMY OF SCIENCES, 2018). Começando por Singapura, é razoável afirmar que a principal característica do sistema educacional básico do país, desde o ensino primário até o secundário, é a combinação entre disciplina rígida e alta concorrência (JARDIM, 2018). Na educação secundária, os alunos são divididos, de acordo com a pontuação obtida em um exame realizado ao fim do primário, em três módulos – normal-técnico, expresso e normal-acadêmico -, com duração de quatro anos para os dois primeiros e cinco anos para o último (SINGAPURA, 2008). Cada um desses módulos possui uma matriz curricular diferenciada de acordo com seu objetivo, que pode ser mais afeito ao mundo acadêmico ou a ofícios práticos (SINGAPURA, 2008). De qualquer forma, em todos eles os alunos têm, além do núcleo de disciplinas obrigatórias, a oportunidade de escolher cursos optativos, como Engenharia e Tecnologia Informacional (SINGAPURA, 2008). Há, contudo, também problemas. O alto grau de rigidez acarreta dificuldades de acompanhamento a vários alunos, que precisam recorrer a aulas particulares e frequentemente desenvolvem graves problemas psiquiátricos (JARDIM, 2018). Desse modo, uma educação altamente qualificada se dá com a contrapartida de graves problemas emocionais aos jovens do país. Além disso, cabe ressaltar que, em contraste com o ensino primário no país, a educação secundária se dá em meio período (SINGAPURA, 2008). O tempo livre, apesar disso, é frequentemente ocupado por horas extras de estudo, por conta própria ou em aulas particulares, que consomem uma fatia significativa do orçamento das famílias (JARDIM, 2018). No Japão, por sua vez, o sistema educacional tem rendido excelentes frutos apesar de investimentos considerados baixos em educação, de anualmente apenas 3,3% do PIB (BASSO, 2017). São peculiaridades deste sistema educacional, marcado pela alta competitividade (INUI, 2006), a ampla autonomia que os professores dispõem na preparação de seus planos de ensino e o sistema de realocação de professores, em que os docentes frequentemente mudam de escola de forma a adquirir diferentes experiências e aprender com elas (BASSO, 2017). Quanto ao ensino secundário especificamente, há a divisão em “baixo” e “alto” (NUFFIC, 2015). No baixo ensino secundário, há dez disciplinas obrigatórias e também cursos optativos. Quanto melhor o desempenho no ensino secundário baixo, maior é a chance de aceitação em boas escolas de ensino secundário alto, o qual, entretanto, não é um nível de ensino obrigatório no Japão (NUFFIC, 2015). Neste, apesar do número de disciplinas ainda ser elevado, concede-se ao aluno uma maior proporção horária em cursos eletivos, sendo apenas cerca de 30% das horas-aula destinadas a disciplinas compulsórias (NAKAYASU, 2016). Apesar das diferenças, em ambos os níveis do ensino secundário a carga horária é parcial, e não integral (TOKYO METROPOLITAN BOARD OF EDUCATION, 2018). Assim como em Singapura, também há problemas. Diante da alta competitividade do sistema educacional e do desejo de ingressar no ensino superior, uma parcela significativa dos estudantes secundaristas do país sente-se pressionada a recorrer em seu tempo extra a escolas suplementares, os

18 “[...] possibilidade de instituição da escola de tempo integral e a alocação do professor a uma única escola, com tempo suficiente para atender os alunos dentro e fora da sala de aula e para reunir-se com colegas a fim de promover a integração entre as diferentes disciplinas” (FERRETTI, 2018).

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jukus (BRASOR; TSUBUKU, 2011). Nesse sentido, é importante lembrar que há altíssimos índices de depressão e suicídio entre os adolescentes no país (THE WEEK, 2018). Por fim, o modelo estoniano se caracteriza, assim como no Japão, pela alta autonomia dos docentes em seu planejamento didático (VEIGA, 2018). Outra semelhança com o país do Extremo Oriente é a segmentação dos estudos secundários: na Estônia, eles dividem-se em ensino secundário geral, obrigatório e com duração de três anos, e ensino secundário vocacional, não obrigatório e de duração variável (NUFFIC, 2018). O ensino secundário geral, vale destacar, consiste de uma carga horária bastante superior àquela dos países asiáticos já analisados; o ano letivo compreende ao menos trinta e cinco semanas, cada uma delas com no mínimo trinta e duas horas de atividades escolares (NUFFIC, 2018). São dezoito disciplinas obrigatórias, mas os alunos também podem cursar disciplinas eletivas (NUFFIC, 2018). O ensino secundário vocacional, por sua vez, como o próprio nome sugere, é voltado à carreira futura pretendida pelo aluno, podendo ter uma matriz curricular puramente vocacional ou mista entre conteúdos vocacionais e outros gerais (NUFFIC, 2018). Os programas puros costumam durar entre um ano e dois anos e meio, ao passo que os programas mistos levam ao menos três anos para serem concluídos (NUFFIC, 2018). Portanto, nota-se que, mesmo entre os países dotados dos melhores sistemas educacionais do planeta, há diferenças explícitas de políticas públicas. No caso da Estônia, por exemplo, encontra-se uma carga horária bastante elevada, em contraposição ao Japão e a Singapura. Em termos de carga horária, portanto, a proposta de reforma do Ensino Médio no Brasil parece estar aproximando o país da experiência estoniana. No que tange à flexibilização curricular, por sua vez, a reforma aproxima o Brasil de todos os países aqui analisados. A introdução da possibilidade de cursar o Ensino Médio com a seleção de determinada ênfase vai ao encontro do modelo das três nações estudadas, entre as quais a existência de disciplinas optativas no ensino secundário é um ponto em comum. Já no que se refere à extensão do curso, nota-se que o ensino secundário no Brasil tem uma duração, em anos, bastante inferior ao de Singapura, Japão e Estônia, e essa diferença persiste mesmo com a reforma. Tampouco é introduzida uma divisão do Ensino Médio do país em fases, à semelhança do que ocorre no Japão e na Estônia. Em conclusão, é possível apontar que a proposta de alteração do Ensino Médio aproxima o sistema brasileiro das experiências de países bem-sucedidos na educação básica em alguns tópicos, mas nada altera em outros fatores relevantes, como a duração do ensino secundário. Isso não significa, todavia, que haja uma tendência natural a ganhos ou perdas de qualidade. Afinal, há realidades socioeconômicas diametralmente opostas entre o Brasil, de um lado, e os três países analisados, de outro, o que torna qualquer comparação descontextualizada bastante problemática. Ao passo que o Brasil ainda é um país emergente, com altos índices de pobreza, todos os demais, apesar de eventuais problemas, são tradicionalmente considerados desenvolvidos. Não há como deixar de levar em conta essa discrepância, que possui implicações significativas em termos da (i) capacidade orçamentária do governo de investir em educação; da (ii) necessidade de os jovens trabalharem para auxiliarem no sustento familiar; e da (iii) capacidade financeira dos jovens de fazerem cursos de aprofundamento fora da escola.

4 POSICIONAMENTO DOS PAÍSES

Na presente seção será apresentada a orientação de cada partido quanto à votação da reforma do Ensino Médio. A maioria das siglas declarou apoio à proposta do governo de Michel Temer, ao passo que a posição contrária se restringiu aos partidos de oposição (PT, PCdoB, PDT). No caso dos opositores, serão destacados quais partidos orientaram o voto contrário com base no conteúdo do texto e quais o fizeram com base na forma pela qual a proposta foi apresentada (medida provisória), considerada antidemocrática por muitos (BRASIL, 2017). A defesa da oferta de educação pública e gratuita de qualidade está presente no programa do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), sendo os investimentos em educação tratados como a maior responsabilidade do Estado para a obtenção dessa qualidade. Espera-se que os senadores do MDB apoiem a medida provisória vinda do Presidente da República Michel Temer, membro filiado

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ao seu partido, posicionando-se no debate de forma favorável às reformas propostas (MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO, 1996).

O Partido Social Democrático (PSD) defende a necessidade de mudanças no sistema educacional com medidas imediatas, razão pela qual apoia a reforma. A tendência é que os senadores sigam o posicionamento exposto pelo partido na Câmara, que elogia, dentre as propostas, a ampliação da oportunidade de escolha pelo aluno dos conteúdos de seu interesse, mas que luta pela garantia do ensino de Educação Física e Artes na grade curricular (PARTIDO SOCIAL DEMOCRÁTICO, 2016a, 2016b).

O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) se posiciona de forma fortemente favorável à reforma do Ensino Médio. Para o PSDB, a nova lei é mais um passo na recuperação do país após os governos petistas. A despeito do amplo apoio, o partido considera a possibilidade de ajustes na proposta, como a manutenção dos conteúdos de Filosofia, Artes e Sociologia no currículo e a da obrigatoriedade do ensino de Educação Física (MARINHO, 2016; PSDB, 2017). O Podemos (PODE), antigo Partido Trabalhista Nacional (PTN), costuma adotar uma posição de centro-direita, embora já tenha oscilado entre a esquerda e a direita – o direcionamento político do partido seria “para frente”, nas palavras de Renata Abreu, presidente nacional do partido (WILKSON, 2016). O PODE defende a reforma do Ensino Médio, a despeito de algumas críticas – como, por exemplo, a retirada de Educação Física como atividade obrigatória – e necessidade de complementos – como o Projeto de Lei Complementar (PLC) 1108-2015, que propõe passar conhecimentos de política e deveres de cidadania nas escolas (ABREU, 2016; NICOLÁS, 2018; FARIA, 2016).

O Democratas (DEM) se posiciona enfaticamente favorável à reforma. A elaboração da proposta do Novo Ensino Médio, inclusive, foi feita sob a direção de Mendonça Filho, do DEM-PE no Ministério da Educação. Figuras importantes do DEM tanto na Câmara, como o deputado Pauderney Avelino, quanto no Senado, como Ronaldo Caiado (GO) e José Agripino (RN), posicionaram-se de maneira favorável à reforma (DEMOCRATAS, 2016; REFORMA, 2018b; SENADO, 2017).

O Partido dos Trabalhadores (PT), de acordo com seu Estatuto, tem como base a luta por transformações que visem à democracia, à pluralidade, à solidariedade e ao fim da desigualdade, da injustiça e da miséria. Dessa forma, o partido entende que a proposta de reforma no Ensino Médio, feita pelo governo golpista de Michel Temer, representa um retrocesso na educação brasileira, sendo criada de forma autoritária, restritiva e antidemocrática. Acredita-se que, na atualidade, é necessário reestruturar o quadro das escolas públicas, facilitando o acesso aos jovens para, posteriormente, analisar a possibilidade de mudanças nos meios e nos conteúdos consagrados no ensino (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2016; 2017).

O Progressistas (antigo Partido Progressista, PP), partido de viés conservador, vinculado à direita, é amplamente favorável à reforma do Ensino Médio. O Progressistas distancia-se de pautas consideradas mais progressistas, a exemplo do voto contrário do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) à inclusão de Filosofia e Sociologia como disciplinas obrigatórias do Ensino Médio, bem como seu posicionamento favorável à Escola Sem Partido e contrário às cotas raciais (BUBLITZ, 2018; HEINZE, 2019; REFORMA, 2018a).

O Partido Democrático Trabalhista (PDT) tem expresso em seu manifesto que seu primeiro compromisso é com as crianças e os jovens do nosso país e, por isso, entende que o projeto propõe a profissionalização compulsória similar à implantada pela ditadura militar (LDB/71). Vê a imposição da reforma do ensino médio por meio de medida provisória, sem um amplo debate com os sujeitos que fazem educação, como o pano de fundo para uma estratégia de inclusão das escolas privadas no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), ampliando a transferência de recursos para o setor privado. (PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA, 2016, 2017a, 2017b).

O Partido Popular Socialista (PPS) manifesta a eliminação da miséria como objetivo prioritário de suas políticas e define a educação para todos os cidadãos como uma de suas razões de luta. Representantes

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do partido consideram que a MP veio em um bom momento, sendo favoráveis à realização de mudanças no currículo (PARTIDO POPULAR SOCIALISTA, 2016, 2017).

O Partido da República (PR) se define como um partido liberal, todavia, adota pautas conservadoras, e é considerado um partido de direita. Senadores do PR, como Wellington Fagundes (PR-MT) colocaram-se a favor de reformas; Jorginho Mello (PR-SC), ex-deputado federal, agora senador, também já manifestou seu apoio à reforma do Ensino Médio, assim como o ex-senador Magno Malta (PR-ES), emblemático apoiador de Jair Bolsonaro, foi um dos principais fiadores do projeto Escola Sem Partido (ALTAFIN, 2016; PARTIDO DA REPÚBLICA, 2019; BARRETO, 2016).

O Partido Republicano Brasileiro (PRB) é conhecido por sua proeminência na chamada bancada evangélica da câmara dos deputados. O PRB é a favor da reforma, como já expressado por importantes membros do partido, inclusive no Senado (CARDIM, 2018; COHIM, 2017; NASSIF, 2018). Da mesma forma, o Partido Republicano da Ordem Social (PROS), que conta com Fernando Collor como um de seus senadores, posiciona-se de forma favorável à reforma do Ensino Médio (PARTIDO REPUBLICANO DA ORDEM SOCIAL, 2016, 2017).

O Partido Socialista Brasileiro (PSB) entende como fundamental o diálogo com alunos e professores da rede pública para que a educação avance. Dessa forma, partido acredita que uma educação de qualidade deve promover mudanças que não aumentem ainda mais as diferenças entre os jovens mais pobres e os mais abastados. Entretanto, o PSB também considera importante direcionar o ensino para a formação profissionalizante dos alunos, apoiando uma escola integral cujo ensino vise à transversalidade de conteúdos (PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO, 2013, 2016; LÍDICE, 2018).

O Partido Social Cristão (PSC) defende a reforma do Ensino Médio, sendo o antigo relator da matéria no Senado, Pedro Chaves (MS), membro do partido. O senador também deu um parecer favorável à reforma ainda em 2016 (JÚNIOR, 2016; SENADO, 2017). Segue na mesma linha o partido do atual presidente do Brasil, o Partido Social Liberal (PSL), que defende uma sociedade livre como o principal motor para a superação da pobreza e o desenvolvimento do país e, por isso, entende que a reforma promovida pelo governo Temer é positiva. O partido sustenta, ainda, que a reforma deveria também incluir como obrigatórias matérias de educação moral e cívica e de organização social e política brasileira (TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, 2018).

A REDE SUSTENTABILIDADE defende uma política comprometida com valores coletivos em detrimento da luta excludente pelo poder, acreditando na colaboração entre oponentes em favor do interesse comum. O partido afirma trabalhar para que educação e informação de qualidade estejam ao alcance de todos. Marina Silva, candidata à presidência pelo partido, diz ser necessário avaliar criticamente o Novo Ensino Médio, em debate com as instituições e redes de ensino, reconhecendo que a flexibilização curricular e a ampliação da carga horária não são compatíveis com a realidade da maioria dos municípios (DIRETRIZES, 2018; REDE SUSTENTABILIDADE, 2019).

5 QUESTÕES PARA DISCUSSÃO (1) Quais os impactos, positivos ou negativos, da atual proposta de reforma para a educação e para a sociedade brasileira?

(2) As mudanças propostas representam uma evolução ou um retrocesso para a qualidade do ensino médio?

(3) Qual a viabilidade prática de aplicar as alterações sugeridas na proposta? Quanto elas influenciam e dependem dos recursos públicos?

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6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ASSEMBLEIA GERAL DA UNIÃO AFRICANA

A Questão da Reforma Agrária na África

Ana Luiza Loh, Gabriela Ribeiro Santos, Júlio César Giacomin Spido, Larissa Teixeira e Luiz Eduardo Kuhn Facchin 1

1 Graduandos e Graduandas em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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QUESTÕES PARA ORIENTAÇÃO

(1) O que diferencia a questão da terra para um país africano e como a reforma agrária pode ser construtiva no seu desenvolvimento?

(2) Qual o papel da União Africana na realização da reforma agrária?

INTRODUÇÃO

A União Africana é uma organização internacional que congrega todos os 55 Estados africanos 1om o objetivo de promover integração, cooperação e desenvolvimento, bem como prevenir conflitos no continente. Seu principal órgão é a Assembleia Geral, que reúne anualmente os chefes de Estado e de governo de todos os membros, os quais possuem o mesmo poder de voto. Em cada reunião, as decisões são tomadas por consenso e, quando esse não é atingido, as resoluções devem ser aprovadas por pelo menos dois terços dos votos. Este ano, a Assembleia Geral da União Africana discutirá a questão da terra na África. Trata-se de explorar uma das causas da presente desigualdade, pobreza, conflito e dos entraves para o desenvolvimento social e econômico no continente. É importante, além do diagnóstico, levar em conta as possíveis medidas de remediação destes desequilíbrios: a reforma agrária e as medidas internacionais que dizem respeito à União Africana e suas diretrizes de cooperação e integração continental. Para isso, é levado em conta a multiplicidade de significados da reforma agrária e também a bagagem histórica e institucional específicas do(s) caso(s) africano(s).

1 HISTÓRICO

Assim como outros conceitos das ciências humanas, a reforma agrária têm várias definições. Uma definição mais convencional, que serve aos propósitos deste guia, é a da reforma agrária como uma política pública que interfere na estrutura institucional da propriedade, controle e uso da terra, geralmente transferindo direitos de propriedade de grandes proprietários para pequenos fazendeiros e trabalhadores rurais despossuídos. Entretanto, seu significado na prática depende sempre do contexto e das circunstâncias nas quais ela é promovida (TARISAYI, 2014; ALBERTUS, 2015; DORNER, 1972). A motivação principal da reforma agrária é aliviar a pobreza diminuindo a desigualdade econômica. Entretanto, diversos fatores devem ser levados em consideração ao avaliar o desejo de fazer a reforma, bem como sua sustentabilidade no futuro. Também são fatores importantes: (a) a dinâmica política, incluindo as relações entre propriedade e poder político; (b) a justiça social, ou sua reestruturação, levando em conta injustiças históricas; (c) racionalidade econômica, isto é, a relação entre distribuição da terra, produtividade e desenvolvimento (TARISAYI, 2014; ALBERTUS, 2015). Como política pública, ou seja, no seu sentido aplicado, a reforma agrária pode ter os seguintes significados: distribuição em massa de terras; colonização, ou seja, ocupação estratégica de territórios “intocados”; ou ainda, a formação de assentamentos rurais com foco na propriedade e na produção familiar (FILIPPI, 2005). A seguir, levando em consideração esses conceitos iniciais, traremos um breve histórico da reforma agrária. Em seguida, analisaremos um apanhado dos fatores que fizeram a África ter suas especificidades no tocante à questão agrária. 1.1 REFORMA AGRÁRIA NA MODERNIDADE Do ponto de vista histórico, a questão da distribuição da terra é tema de debate e estudo desde a Antiguidade, embora sua importância, ao que nos interessa, tenha sido renovada à partir da Revolução Industrial. A reforma agrária teve um papel central nas chamadas Revoluções Burguesas do século XVIII2. Burguesas, pois foram o momento de transição da estrutura feudal europeia para a sociedade industrial,

1 A União Africana reconhece o Saara Ocidental como Estado membro da Organização apesar dos problemas de reconhecimento por parte de alguns Estados. Por essa razão, dependendo da fonte, a organização pode ser descrita como sendo composta 54 Estados, embora reconheça 55.2 As Revoluções Burguesas do século XVIII, as quais nos referimos, são as seguintes: Revolução Industrial Inglesa (aproximadamente de 1760-1780); Guerra Revolucionária Americana (1775-1783); e Revolução Francesa (1789-1799). Esses eventos foram a manifestação de várias contradi-ções, entre mercantilismo e capitalismo, nobreza e burguesia (pequenos empresários), metrópole e colônia, entre outras (BEAUD apud FILIPPI, 2005). São também marcos do desenvolvimento social do capitalismo que se consolidava, estabelecendo importantes bases institucionais para a sociedade moderna em construção.

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urbana e, claro, burguesa no sentido da classe social dominante (HOBSBAWM, 2012; FILIPPI, 2005). Na Inglaterra, em especial no século XVIII, “o processo de cercamento do campo provocou a monetarização3 das relações comerciais agrícolas e, sobretudo, a livre mobilidade da mão-de-obra entre os mundos rural e urbano” (FILIPPI, 2005, p. 24). Na França, entre 1789 e 1791, ocorreu a secularização (perda do caráter religioso no poder político) e a venda das terras pertencentes à Igreja Católica. Enfraqueceu-se o poder feudal do clero ao mesmo tempo em que se recompensaram camponeses e, principalmente, incentivou-se os empresários rurais (HOBSBAWM, 2012). A maioria das revoluções burguesas tiveram a questão da terra como central. De modo geral, essa característica estabeleceu os condicionantes da industrialização e das estruturas políticas e sociais modernas, mais ou menos associadas à questão da terra e às antigas estruturas produtivas do campo. À exemplo dessas experiências, os resquícios do feudalismo na Europa foram gradualmente extintos ao longo do século XIX (HOBSBAWM, 2012; FILIPPI, 2005). Contudo, no século XX, a reforma agrária manteve-se como pauta nas discussões políticas mundiais, inclusive tomando outras conotações. A distribuição massiva das terras ocorreu também nos regimes socialistas, tanto na União Soviética (URSS) quanto na China pós-revolução (1949). Após a Revolução de 1917 e a formação da URSS em 1922, uma série de reformas fizeram a terra na Rússia perder sua característica feudal. Entretanto, ao invés da distribuição de terra individual, a URSS aplicou a coletivização da terra, pela qual a propriedade da terra era do Estado e seu uso, coletivo. Nesse modelo, o dos kolkhozes, a URSS definia preços e quantidades a serem produzidas por lote de terra. Cada indivíduo ou família tornava-se responsável por um pedaço da terra e, caso produzisse mais que o esperado, poderia comercializar o excedente individualmente. Apesar de seu caráter violento, a reforma agrária na URSS obteve sucesso em acabar com o regime feudal, ao passo que assentou as bases para a rápida industrialização e consequente consolidação da URSS como potência econômica e militar (FILIPPI, 2005). Durante a Guerra-Fria (1945-1991), o tema da reforma agrária foi empregado como instrumento político tanto do lado soviético, quanto estadunidense para promoção de suas agendas geopolíticas. A atitude dos dois blocos, contudo, foi inconsistente ao longo do período, atuando quando fosse politicamente interessante. Os EUA defenderam a redistribuição de terra no Japão, Taiwan e Vietnã do Sul, ao passo que, em outras ocasiões, apoiaram golpes militares em países nos quais a reforma agrária não era de seu interesse, como Guatemala (1954) e Chile (1973). A URSS, por sua vez, apoiou reformas de orientação socialista e coletivizada, mas também foi tolerante com reformas que priorizavam o setor privado em sua esfera de influência, como na Polônia e Iugoslávia (WHITE; BORRAS; HAL, 2014). Essa multiplicidade de casos nos contam que a reforma agrária não é um processo único. Existem múltiplas histórias, instituições, estruturas sociais e econômicas distintas dentre os vários modelos e processos vistos (FILIPPI, 2005; ALBERTUS, 2015; TARISAYI, 2014). Dentro de cada caso, essa multiplicidade de fatores torna o estudo do assunto uma tarefa multidisciplinar, que deve levar em conta as especificidades de cada cenário. Portanto, o caso africano, ou melhor, os casos africanos, carregam suas próprias especificidades, as quais devem ser exploradas para melhor entendimento do tema.

1.2 A COLONIZAÇÃO DA ÁFRICA E A DIVISÃO DE TERRAS Para compreendermos a questão da terra no continente africano, cabe entendermos algumas características da formação política e social da África moderna, as quais ainda têm impacto na dinâmica agrária. Iniciando pelo colonialismo, processo de expansão de alguns países europeus durante os séculos XIV e XV, o qual foi resultado das navegações promovidas em nome da necessidade de propagar a crença cristã e buscar riquezas às Coroas. Essa expansão provocou a descoberta de novas rotas comerciais, o genocídio de parte da população indígena nativa das Américas e o deslocamento de cerca de 10 milhões de pessoas provenientes da África para serem escravizadas, as quais somente metade atingiram o seu lugar de destino (KRIPPENDORFF, 1979). O destino daqueles que chegavam era ainda pior, pois eram obrigados a trabalhar em plantações extensivas de monoculturas para a produção de matérias primas, onde viviam em condições degradantes e sofriam constantes agressões físicas (SCHULTZ, 2005). De início, os portugueses eram os que detinham o monopólio do comércio de escravos, mas foram os ingleses que ampliaram a escravatura ao nível de um sistema organizado e estruturado (KRIPPENDORFF, 1979). Esse novo mercado proporcionava uma grande quantidade de ganhos, uma vez que, além de viabilizar a produção de uma matéria prima lucrativa, os escravos eram considerados uma mercadoria de alto valor por si só. Assim, pelos lucros obtidos com essa organização, os ingleses conseguiram acumular riquezas para

3 Transformação da troca de produtos por outros produtos ou proteção (no caso do sistema feudal) na troca de produtos por dinheiro, estabele-cendo as bases para uma sociedade baseada no mercado. Transformação da troca de produtos por outros produtos ou proteção (no caso do sistema feudal) na troca de produtos por dinheiro, estabelecendo as bases para uma sociedade baseada no mercado.

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impulsionar sua Revolução Industrial. Desenvolveu-se, a partir disso, um ciclo caracterizado pela troca de escravos africanos por produtos ingleses na África, que, posteriormente, eram transportados para colônias na América, onde iriam produzir matérias primas em plantações extensivas de monoculturas, utilizadas como recursos para produção de novas mercadorias na Inglaterra. Esse processo ficou conhecido como comércio triangular devido à conexão estabelecida entre África, América e Inglaterra (WILLIAMS, 2012). O território ocupado na África até então consistia somente nas áreas costeiras do continente usadas para suprir o tráfico negreiro. A partir do século XIX, inicia-se uma corrida dos países europeus em busca da dominação de novos espaços africanos. Em 1865, Leopoldo I, rei da Bélgica, adquire interesses pela África e desenvolve medidas para que o Estado Livre do Congo seja criado e reconhecido por outros países da Europa. Já em 1880, Portugal anexa as propriedades rurais afro-portuguesas de Moçambique, que até aquele momento eram quase independentes (BOAHEN, 2010). Ademais, a França passa a se portar de forma mais expansionista entre 1879 e 1880, restaurando sua política colonial na Tunísia e em Madagascar, além de partilhar o controle do Egito juntamente com o Reino Unido (MUTIBWA, 1974). Dadas as disputas territoriais na África entre as potências europeias, foi necessária uma reunião entre seus principais líderes para demarcar suas respectivas regiões de controle. Assim, entre 1884 e 1885, ocorreu a Conferência de Berlim, que dividiu o continente africano entre Portugal, Reino Unido, Bélgica, França, Alemanha, Espanha e Itália. Apesar de algumas autoridades africanas terem lutado contra e tentado manter sua soberania, não obtiveram êxito, de modo que, em 1914, o continente inteiro estava submetido ao controle europeu, com exceção da Libéria e da Etiópia, que se mantiveram como Estados independentes (Figura 1). Diante disso, os africanos não perderam apenas sua autonomia política e econômica, mas sofreram também com mudanças nas suas culturas e religiões (BOAHEN, 2010).

Figura 1 - África em 1914

Fonte: Oliver; Fage, 1962, p. 66

Em suma, a dominação dos africanos pelos europeus ocorreu por meio da diplomacia e, principalmente, da força, com o uso de armas de fogo. Entretanto, outro alicerce também favoreceu a permanência do colonialismo: a ideologia. O racismo dos colonizadores foi amplamente utilizado como arma de dominação e era justificado a partir de uma análise distorcida da Teoria da Evolução, proposta por Charles Darwin, a qual explica o processo de seleção natural. Essa ideia adulterada foi transportada e utilizada para fundamentar o

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pensamento de que existia uma “raça superior” mais evoluída e, por isso, com o direito de dominar as demais. Dessa forma, os brancos foram capazes de manter seu poder e controlar a população negra, disseminando a ideia de que ela seria composta por seres inferiores e incapazes. Mesmo frente aos métodos abusivos de controle empregados, os africanos criaram movimentos de resistência em diferentes regiões do continente, na forma de greves, tumultos e até resistência armada. Esses movimentos, motivados pelo nacionalismo africano, visavam à reconquista de sua soberania nacional, bem como o fim da partilha e da ocupação europeia no continente. A eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914 - 1918) marcou o início de novos descontentamentos no continente africano. Mais de um milhão de soldados africanos foram convocados para participarem das batalhas na Europa e um número ainda maior de mulheres e crianças para carregarem suprimentos (BOAHEN, 2010). Além disso, os europeus em solo africano também foram convocados, provocando um vácuo administrativo em serviços básicos. Com o final da guerra e o regresso dos europeus, cresceu a contestação da autoridade dos chefes pelos habitantes locais. As elites africanas, educadas na Europa e familiarizadas com os ideais europeus de nação, acreditavam que, a partir desse momento, receberiam o mesmo tratamento que os colonizadores, porém a opressão aumentou. Esses fatores provocaram o surgimento de movimentos identitários e anticoloniais, como o pan-africanismo e o pan-arabismo4 (MAZRUI; WONDJI, 2010). Passada a Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945), os movimentos nacionalistas retomam suas reivindicações, congeladas devido aos conflitos, contestando o retorno à condição de colônia ou protetorado, aproveitando-se do enfraquecimento dos países europeus (MAZRUI; WONDJI, 2010). Logo após o final da guerra, alguns independentistas passaram a se manifestar de forma não violenta, fazendo uso da mídia para divulgar suas propostas. Porém, a partir dos anos 1960, intensificaram-se as guerrilhas contra os governos, com o objetivo de atingir sua independência plena. Esse processo de reivindicações viabilizou as independências na África, promovidas tanto pela via armada, como foi o caso da independência da Argélia, quanto por meio de negociações, como o caso do Marrocos (MAZRUI; WONDJI, 2010). A partir dessa análise histórica, é possível constatar que a concentração de terras e o controle político sempre estiveram sob poder das elites, formadas pelos colonos europeus. Um exemplo simples desse fato é a situação na Argélia, em 1954, na qual os europeus detinham o controle de 23% do total das terras aráveis disponíveis (MAZRUI; WONDJI, 2010). Apesar desse número não ser tão alto, essa porcentagem correspondia às regiões mais férteis do país. Essa distribuição historicamente imperfeita da terra possui reflexos até hoje. 2 APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA

O presente tópico discute como a questão da terra impacta no desenvolvimento africano e em como se manifesta, levando em conta também possíveis soluções para o problema da sua distribuição.

2.1 A QUESTÃO DA TERRA E SEUS DESAFIOS NO CONTINENTE AFRICANO A terra, ao longo da história das civilizações, teve um papel importante nas relações trabalhistas e exploratórias, entre ricos e pobres. Conforme exposto anteriormente, durante o período em que a África era colonizada, a terra foi uma riqueza de poucos, normalmente brancos, que exploravam a mão de obra negra e utilizavam as diferenças raciais e étnicas de povos africanos para aumentar a segregação previamente estabelecida. A metade do século XX, mais especificamente durante a chamada Década Africana5, foi marcada pelas diversas independências e lutas pela autonomia dos países africanos submetidos ao imperialismo. Contudo, mesmo tornando-se politicamente independentes, os países do continente africano mantiveram-se subordinados aos países europeus em diversos setores, sendo a questão agrária e da terra uma delas. Assim, a longo prazo, a descolonização não conseguiu alcançar a transformação social e o desenvolvimento desejados (RIBEIRO, 2007). No decorrer dos anos, a concentração de terras manteve-se nas mãos de poucos, normalmente antigos colonos brancos ou empresas estrangeiras, estabelecidos nas terras africanas antes das independências, não modificando, na maioria dos países, a situação colonial pré-existente. Segundo José Negrão (2001, p. 5), “o dualismo colonial foi mantido e os Estados continuaram a adjudicar as melhores terras ou para as elites

4 Ambos foram movimentos sociais e políticos de caráter nacionalista, que contestavam o domínio colonial e visavam à promoção da unidade e dos direitos do seu povo, por meio da valorização da sua identidade cultural. O primeiro movimento busca a união do povo africano e o segundo a união do povo árabe (MAZRUI; WONDJI, 2010).5 Década Africana ou Ano Africano é o período histórico-temporal dos anos de 1960 - ano em que diversos países do continente tomaram a frente nas lutas de libertação e adquiriram independência política dos países europeus.

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locais e estrangeiras ou para empresas geridas por esse mesmo Estado”. Dessa forma, para a grande maioria da população africana, contudo, a situação era muito diferente daquela dos colonos brancos, restando-lhes apenas as terras periféricas de menor qualidade, dificultando a subsistência de suas famílias. A partir disso, surge uma pergunta a ser respondida: se o continente africano é rico em recursos naturais que podem ter alto valor econômico para suas nações, por que a maioria da sua população é pobre ou extremamente pobre? Um dos motivos mais evidentes é a concentração de terras, contudo, a falta de acesso a bens básicos, como saneamento básico, educação e, inclusive, água, na região norte africana, também contribui para o quadro de precarização da situação dos pequenos proprietários de terra. A falta de investimento em infraestrutura por parte do Estado no campo africano acaba afetando diretamente os problemas relacionados a terra (THUSWOHAL, 2014). Quando se discute a terra propriamente, é possível observar alguns desafios que os campesinos africanos, sem condições de investimento em tecnologias de ponta, enfrentam, como as adversidades provocadas pelas mudanças climáticas. Na África Subsaariana, onde a temperatura é constantemente elevada, a umidade atmosférica é forte e há uma grande concentração de chuvas (CABRAL, 1954). Além disso, a abundância de vegetação na área florestal equatoriana não torna o solo mais fértil, o qual é em muitos casos, improdutivo para a agricultura. Dessa forma, além de todos os fatores sociais e de segregação no continente, existem barreiras naturais que dificultam a relação do trabalhador com a terra. As barreiras da natureza apenas ressaltam as barreiras sociais criadas entre os homens; assim, para que haja um desenvolvimento da agricultura e da terra na África existe a “[...] necessidade de estabelecer uma estrutura agrária que não permita a exploração desordenada e gananciosa da terra; que não permita a exploração, do homem pelo homem” (CABRAL, 1954, p. 15). A questão da terra e da reforma agrária estão vinculadas aos investimentos em educação, meios de comunicação e estruturação das zonas rurais de todos os países da África. A educação, juntamente com as redes de comunicação, leva o conhecimento de novas técnicas e tecnologias agrícolas, mas - principalmente - mostra à população do campo que a terra é um direito e sua redistribuição justa entre a população, uma necessidade. A partir disso, torna-se possível educar politicamente e unificar grande parte da população, para a qual tornam-se visíveis as diversas formas de exploração e opressão socioeconômicas existentes desde o colonialismo. Outro ponto importante de ressaltar é como a questão da terra influencia diretamente as relações entre países atualmente. O Zimbábue foi o primeiro país africano a realizar uma reforma agrária após a Guerra Fria, durante os anos 2000, nacionalizando cerca de 85% das propriedades privadas de colonos brancos. Embora tenha realizado a reforma, não há incentivos por parte da comunidade internacional para o desenvolvimento da economia agrária no país. Sem apoio, assistência ou solidariedade, o Zimbábue encontra-se isolado nesse cenário de luta agrária. Além do Zimbábue, outro país que enfrenta desafios na implementação e redistribuição de terras no território é a África do Sul (ALVES, 2017). Em grande parte das revoltas, revoluções e lutas por direitos, a terra foi fator fundamental para emancipação política, econômica e social das camadas mais pobres da sociedade; o continente africano não seria distinto. A questão da terra adquire uma função social de resistência e luta diante do colonialismo e do neocolonialismo no continente. Dessa forma, é papel dos países africanos apoiarem uns aos outros na luta pela emancipação completa da região, contra o neocolonialismo, criando uma unidade africana (VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA, 2007). 2.2 MECANISMOS E FERRAMENTAS DE RESOLUÇÃO A seguir, serão discutidos dois sistemas distintos de implementação da reforma agrária, exemplificados pelos casos de dois Estados. O primeiro é o processo pela via socialista, com forte participação estatal, implementado por Angola após sua independência. O segundo refere-se ao processo sul-africano, dirigido pelas regras do mercado. Para entender os problemas relacionados à posse de terras nos diversos Estados africanos, é necessário compreender em que medida a época colonial, somada às influências da Guerra Fria no século XX, definiram as configurações de divisão de terra em uma lógica privada. O período pré-colonial era marcado pelo sistema de possessão comunal das terras - na África Austral6, por exemplo, os membros das comunidades poderiam cultivar uma ou mais partes da terra possuída (CLOVER, 2005). 2.2.1 O CASO ANGOLANO: A REFORMA AGRÁRIA DIRIGIDA PELO ESTADO O caso de Angola, país altamente influenciado pela União Soviética durante a Guerra Fria, representa 6 Sub-região geográfica do sul do continente africano, composta pelos seguintes Estados: África do Sul, Angola, Botswana, Lesoto, Madagascar, Malawi, Maurício, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Zâmbia e Zimbabwe.

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um exemplo de centralização de terras nas mãos do Estado e adoção de um regime econômico socialista. O governo pós colonial, representado pelo Movimento Popular pela Libertação de Angola7 (MPLA), nacionalizou e desapropriou terras de antigos colonos portugueses, sem estabelecer uma lei específica para tal, baseando-se em um artigo da Constituição de 1975, recém promulgada, pelo qual:

Todos os efeitos jurídicos dos atos de nacionalização e confisco feitos sob os auspícios de uma lei com-petente [A Lei Constitucional] são considerados válidos e irreversíveis, sem prejuízo ao que é previsto em legislação específica de reprivatização (CLOVER, 2005, p. 355).

A decisão de tomada das terras baseava-se na ausência injustificada de seus proprietários por mais de 45 dias, prática comum devido ao deslocamento massivo de população, provocado pelas guerras de independência e civil. As abundantes terras do país foram distribuídas entre a população angolana, por meio da criação de grandes cooperativas, sob a égide estatal, em que a população poderia cultivar alimentos de subsistência e, eventualmente, gerar algum excedente (CLOVER, 2005). Nos anos 1990, com o fim da Guerra Fria e as modificações do cenário internacional8, uma série de privatizações foram feitas pelo Estado angolano. Embora a intervenção do Estado na economia não fosse mais predominante no contexto global, o governo tentou controlar a maneira como as terras seriam vendidas, mas falhou em proteger o estrato mais vulnerável da sociedade, dependente ainda das políticas socialistas anteriores. Em contrapartida, os altos oficiais do governo e militares saíram como os grandes beneficiários das privatizações, conseguindo acesso a terras mais produtivas, em detrimento da população de baixa renda, sem condições de adquirir novas terras e com cooperativas falidas devido à falta de recursos e conflitos internos (CLOVER, 2005). Por fim, em 2004, é promulgada a Lei de Terras, trabalhada desde 2002 e contestada pelos setores representantes das classes sociais mais baixas. A maior preocupação do governo angolano naquele período era reconstruir a economia e atrair investimentos externos ao país após a Guerra Civil. Consequentemente, a Lei de 2004 deixava muitas aberturas que acarretaram na desapropriação de terras de comunidades inteiras (CLOVER, 2005). O caso de Angola é emblemático pelas diferentes abordagens dadas à questão da terra desde a independência. O modelo proposto pelo Estado socialista, apoiado pela União Soviética e aliados, foi o único que teve de fato o objetivo de sanar os problemas principais da população - fome e pobreza - por meio da redistribuição intensiva das terras. Mas o fim da Guerra Fria, o desaparecimento da União Soviética, e a longa guerra civil foram fortes empecilhos para que o modelo fosse bem-sucedido. As privatizações dos anos 1990 resultaram no acúmulo de terras por uma nova elite, e nas leis dos anos 2000, capazes de frear esse processo, mas que legalizaram-no, marginalizando ainda mais a população.

2.2.2 O CASO SUL-AFRICANO: A REFORMA AGRÁRIA DIRIGIDA PELO MERCADO Embora também localizada na África Meridional, o caso da África do Sul é bastante diferente do angolano, visto que o país sempre foi próximo do bloco capitalista durante a Guerra Fria, e a lógica privada nunca deixou de ser o imperativo na sociedade. Nesse país, porém, somada à questão da pobreza, há uma evidente segregação racial, herdada da época do apartheid9, e é essa segregação que impulsionou o Estado a tentar guiar uma reforma agrária. O CNA (Congresso Nacional Africano)10, maior partido de libertação contra o regime racista, tinha por objetivo fazer essa reforma pela via mais dura, com expropriação de terras e outros mecanismos não dirigidos pelo mercado, porém, o partido já passava por uma transição neoliberal e, quando a reforma foi de fato proposta, ela era baseada na lógica do mercado11 (LAHIFF, 2007). O sistema willing buyer, willing seller12 foi elaborado com base em prerrogativas do Banco Mundial, para quem a distribuição de terras aumentaria sua produtividade, e era apoiado por grandes fazendeiros, 7 O MPLA é um partido político angolano, que governa o país desde sua independência, em 1975. Antes disso, foi um movimento de luta pela independência de Angola entre 1961 - 1974 (SCHMIDT, 2013).8 O fim da bipolaridade, característica da Guerra Fria, teve muitas consequências para a posição da África na política mundial. Sem o jogo estraté-gico entre Leste-Oeste, potências externas começaram a reavaliar seus interesses no continente, levando-o a uma posição ainda mais periférica no sistema mundial (CHAZAN et al., 1999).9 Sistema político segregatório racial em vigor na África do Sul de 1948 a 1994, onde uma minoria branca governava o país com violência e discri-minava a população negra (SCHMIDT, 2013).10 O CNA é um movimento e partido político que governa a África do Sul desde 1994. Teve papel-chave na luta contra o apartheid, e como figura mais influente, Nelson Mandela (LAHIFF, 2007).11 Diz respeito à livre concorrência e à não interferência do Estado nas relações entre ofertantes e demandantes.12 Com uma tradução próxima a “comprador disposto, vendedor disposto”, foi um sistema que defendia o “preço justo” das terras que seriam re-passadas - em teoria, impedindo a manipulação de preços pelos grandes fazendeiros.

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majoritariamente brancos e alvos da reforma. O sistema, porém, também possibilitava que esses mesmos fazendeiros se recusassem a participar dela – influenciando, inclusive, a questão da restituição das terras retiradas dos fazendeiros negros durante o regime racista. Esse sistema, teoricamente de mercado, estabelecia a negociação entre as partes interessadas, enquanto o governo entrava como suporte financeiro. O objetivo era garantir que a população negra (grande vítima do apartheid) tivesse acesso às terras e sua redistribuição fosse realmente feita (LAHIFF, 2007). O sistema, porém, foi bastante ineficiente, burocraticamente demorado e isolava o comprador das negociações, oferecendo um valor pré-determinado por um agente oficial. Tendo em vista que o valor não era negociado com o fazendeiro, perdia-se uma oportunidade de negócio, visto que os fazendeiros tinham a prerrogativa de não vender conforme seus interesses. Ainda em 2005, pediu-se uma revisão do sistema, dados os problemas evidentes em cumprir as metas propostas (LAHIFF, 2007).Uma das críticas mais comuns entre os organismos defensores da classe sem-terra era a ausência de demonstração de força por parte do governo, que em momento algum ameaçava os fazendeiros de que poderiam perder suas terras em benefício da população. Por conta disso, cresce a demanda por uma maior ação governamental, pela qual as desapropriações e transferências de terras poderiam se tornar uma realidade (LAHIFF, 2007). O Estado sul-africano, portanto, pretendia com a reforma agrária não só o combate à pobreza, mas também à injustiça racial, institucionalizada. O CNA, influenciado pela onda neoliberal mundial, propõe a criação de um sistema baseado na lógica do mercado, mas falho em atingir os objetivos pretendidos. A posse das terras mantém-se, majoritariamente, com a minoria branca governante, conquanto as tímidas ações do Estado revelem críticas e protestos contra essa passividade, prejudicial para a igualdade social e o combate ao racismo.

3 AÇÕES INTERNACIONAIS PRÉVIAS

A problematização do acesso à terra ganhou impulso no debate internacional e africano principalmente na década de 1990, o que não exclui os esforços realizados internamente pelos países africanos pelo estabelecimento de leis de acesso à terra mais inclusivas, como nos casos do Quênia e da Tanzânia (MCAUSLAN, 2013). É válido, no entanto, ressaltar alguns dos fatores que influenciaram a retomada do debate a partir dessa década: o fim da Guerra Fria, a liberalização econômica13 e a redemocratização dos países africanos. Como visto, o debate acerca da reforma agrária fazia parte apenas da agenda dos países socialistas da África, por exemplo Somália e Zanzibar. Com o fim da “ameaça comunista”14 e a liberalização, leis de terra mais flexíveis foram incluídas na agenda internacional, definidas por McAuslan (2013, p. 65) como “lei de terras favoráveis ao mercado”, como um meio de fomentar o crescimento econômico capitalista, assim como facilitar a exploração de recursos naturais, apoiados pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional. Além da agenda de abertura econômica dos Estados Africanos, os anos 90 foram marcados pelo intenso debate sobre o acesso das minorias aos direitos básicos e igualitários de cidadãos. Nos anos 2000, portanto, o debate acerca da distribuição de terras passou a englobar as questões étnica, colonial e feminina do direito à terra (MCAUSLAN, 2013). O primeiro movimento acerca da construção de diretrizes sobre a questão da terra no continente africano ocorreu em 2006, com a formação da “Iniciativa de Política Fundiária” (IPF), composta pela Comissão da União Africana (CUA), a Comissão Econômica das Nações Unidas para a África (UNECA) e o Banco de Desenvolvimento Africano (BDA). A iniciativa partiu da necessidade de criar estruturas e diretrizes continentais a fim de facilitar aos Estados a formação de políticas fundiárias internas, conforme as suas necessidades nacionais, servindo, portanto, como uma base de cooperação e pesquisa da questão da terra entre os países membros da União Africana e das organizações regionais, as quais detiveram um papel de extrema importância na criação de relatórios complementares à estrutura da divisão de terras no continente (AUC-ECA-AFDB CONSORTIUM, 2010). Resumidamente, alguns dos principais fatores reconhecidos pela IPF, e já abordados neste trabalho, como fundamentais à política fundiária são o passado colonial e a redistribuição desigual a partir da independência dos países, a questão das minorias (principalmente etnia e gênero), bem como a erradicação da pobreza, o desenvolvimento sustentável das comunidades e a manutenção da paz (AUC-ECA-AFDB CONSORTIUM, 2010).

13 Abertura de países ao investimento de outros Estados com pouca ou nenhuma regulamentação do governo.14 Termo utilizado para simbolizar o avanço da ideologia União das Repúblicas Socialistas Soviéticas em países do bloco capitalista durante a Guerra Fria.

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Seguindo a estrutura e as diretrizes criadas pelo IPF em 2010, a Assembleia da União Africana concebe a “Declaração de Problemas e Desafios Fundiários na África”, formalizando ainda mais o comprometimento da organização com a questão agrária. Dentre as principais ressalvas da União Africana no documento está o reconhecimento da terra como fundamental para o desenvolvimento socioeconômico dos países africanos (AFRICAN UNION ASSEMBLY, 2009). Ademais, delega aos organismos de cooperação econômica regionais a participação nesse esforço conjunto a partir da unificação de políticas e compilação de dados dos seus respectivos países membros. Em 2015, portanto, o IPF se torna o Centro Africano de Política Fundiária, adquirindo um papel mais prático ao agir como um mecanismo de estudo, monitoramento e intervenção para a formulação de políticas fundiárias comuns pré-estabelecidas, com a formação do IPF entre elas (AUC-ECA-AFDB CONSORTIUM, 2010; AFRICAN UNION ASSEMBLY, 2017). Em 2013, a Assembleia Geral da União Africana assinou a Agenda 2063. O documento apresenta diretrizes e objetivos do continente africano no tocante ao seu desenvolvimento socioeconômico (AFRICAN UNION ASSEMBLY, 2015). Dentre eles, podemos ressaltar dois objetivos:

[...] Garantia de sistemas efectivos (sic.) de gestão de ordenamento territorial e de posse e uso da terra [...] Desenvolver e implementar políticas afirmativas e advocacia para garantir que as mulheres tenham acesso acrescido à terra e aos instrumentos agrícolas e a pelo menos 30% do financiamento agrícola [...] (UNIÃO AFRICANA, 2015, p. 10, 11).

A União Africana tem, portanto, adotado cada vez mais a discussão da reforma agrária, vista pelos países africanos como uma forma de evitar conflitos internos, relacionados direta ou indiretamente à divisão de terras. Ademais, o órgão se compromete com a agenda internacional dos direitos humanos ao aceitar a evolução da questão de gênero e participação da mulher na sociedade africana, apesar de ressalvas culturais (AFRICAN UNION ASSEMBLY, 2015; MCAUSLAN, 2013). Pode-se notar, por fim, a congruência das recomendações da Agenda 2063 com a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas, comprometida resumidamente com: garantir a igualdade de gênero, bem como o acesso igualitário aos recursos e oportunidades, principalmente dos grupos mais vulneráveis (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2015).

4 POSICIONAMENTO DOS PAÍSES

O presidente da África do Sul apresentou no início de 2018 uma proposta para reforma agrária. Atualmente, a porcentagem da posse das terras entre brancos e negros é discutível, com os dados indicando entre 90% e 72% das propriedades nas mãos de fazendeiros brancos descendentes de holandeses (R7, 2018). Entretanto, a proposta de expropriação das terras tem gerado muitas polêmicas entre os fazendeiros brancos, já que não prevê nenhuma indenização.

Após a independência da Angola e consolidação do governo unipartidário do Movimento Popular de Libertação da Angola (MPLA), as fazendas pertencentes a fazendeiros brancos tornaram-se propriedades estatais. Essa reforma, porém, não obteve resultados satisfatórios e durante os anos 1990, com a implementação de um sistema político multipartidário, as terras foram privatizadas (CLOVER, 2005).

O líder do governo provisório da Argélia, Houari Boumediene, anunciou, em 1971, uma reforma agrária no país. No início, o programa mostrou êxito, pois conseguiu redistribuir as terras de forma que 60 mil pessoas passaram a possuí-las. Entretanto, após a morte de Boumediene, em 1978, o sistema ruiu e, por fim, as fazendas do governo foram privatizadas (ECONOMY WATCH, 2010).

Em Botswana foram implementadas duas reformas, uma em 1975 e a outra em 1991. Ambas, porém, tiveram efeito contrário ao desejado, prejudicando a população mais pobre, por conta dos altos custos de manter a terra e da restrição do número de rebanhos que poderiam ser criados (MALOPE; BATISANI, 2008).

Camarões promoveu a reforma da terra entre 1974 e 1976, na qual foi acordado que a única forma de obter uma propriedade privada seria por meio da concessão de títulos. Além disso, foi estabelecido que o Estado teria o direito de apropriar-se das terras daqueles que não as possuíssem (OUEDRAOGO et al., 2006).

No Chade, a descoberta de petróleo inaugurou uma nova discussão sobre o monopólio das terras. O conflito de terras no país ocorre também pela disputa entre agricultores e pastores, esses com poucas chances de reivindicar terras devido à legislação agrária ainda nos moldes coloniais franceses (AUC-ECA-AfDB

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Consortium, 2011).

Convivendo desde 2002 com instabilidade política, o governo da Costa do Marfim fomentou o retorno da população ao campo. No entanto, não estabeleceu diretrizes legislativas de acesso à terra. Por conta disso, a crise interna do país foi acentuada, causando a extinção de terras comunitárias e a instalação de grandes conglomerados agroindustriais e de exploração de petróleo (OUEDRAOGO et al., 2006; CHAUVEAU, 2004).

O Egito passou por uma reforma agrária em 1952, quando o governo Nasser promulgou a Lei de Terras (VOLL, 1980). Embora bem-sucedida, foi aprovada uma segunda Lei de Terras em 1992. Nessa, a questão agrária voltou a ser elitizada e coordenada pelos interesses dos industriais e proprietários de terras, uma vez que permitia o aumento do preço das propriedades, levando muitos camponeses ao endividamento (SAKR, 2007).

A Eritreia, no mesmo ano de sua independência (1993), concentrou o controle das terras do país no Estado, além de garantir direitos iguais às minorias (WELDEGIORGIS, 2015). Entretanto, a questão fundiária na Eritreia, bem como as políticas de distribuição de renda representam pontos de instabilidade interna, principalmente entre pastores e agricultores (JOIREMAN, 1996).

A Etiópia passou por duas reformas agrárias, de vieses políticos distintos. Em 1975, promoveu uma série de reformas socialistas, entre elas a reforma agrária. No entanto, tal política trouxe instabilidade para a economia, principalmente pela dependência do país em relação ao mercado internacional. Assim, com o fim da Guerra Fria, o país foi pressionado a tomar medidas fundiárias liberalizantes, dada a perda de suporte internacional com o fim da URSS (HOLDEN, 2011).

Em Gana tem-se desenvolvido mecanismos dentro do Estado a fim de regulamentar e monitorar a política de terras vigente desde os anos 2000, a qual reduziu o controle do Estado sobre as terras (OBENG-ODOOM, 2015).

Na Guiné, em 1976, as terras, antes pertencentes aos colonos europeus, passaram para o controle do Estado e coordenação das elites locais, reduzindo os esforços para uma melhor distribuição de renda no país. A liberalização dos anos 90, bem como a pressão para abertura aos investimentos externos reduziram os esforços governamentais para maior segurança e melhor distribuição de terras (OUEDRAOGO et al., 2006).

Em Guiné-Bissau, a reforma agrária logo após a independência do país foi realizada com pouco sucesso devido ao impasse entre a elite que defende o acesso pouco regulamentado e a que defende o acesso à terra por meio de concessões (OUEDRAOGO, 2006). Em 1998, o governo propôs uma nova reforma, em tramitação até o presente momento, uma vez que a Guerra Civil impediu sua implementação até 2004 (WORLD BANK, 2006).

Desde 2005, Madagascar aplica um novo modelo de demarcação de terras que atribui a demarcação apenas quando “procurado”, ou seja, o Estado analisa situações e conflitos sem uma demarcação sistemática. Entretanto, desafios surgiram a partir da dificuldade de tornar esse sistema inclusivo e abrangente (BURNOD et al., 2017; WORLD BANK, 2019).

Em Malawi, desde 2016, novas políticas procuram diminuir disparidades na posse da terra, bem como aumentar a segurança alimentar, melhorando a produtividade da agricultura. Os desafios, contudo, refletem a capacidade limitada de implementação e as dificuldades de acompanhamento do processo (SHIBANDA; CHIKOHOMERO, 2018).

O Mali enfrentou recentemente uma rebelião do povo tuaregue que, por envolver questões ligadas à terra, resultou em uma série de reformas jurídicas que fortaleceram o costume do uso da terra pelos povos tradicionais e criaram comissões de resolução de conflitos agrários em aldeias e comunidades rurais (COULIBALY, 2019).

No Marrocos, o plano de desenvolvimento da questão da terra é baseado no seu potencial para privatização e regulamentação. Entretanto, sem reconhecer interesses e necessidades distintos, é alta a possibilidade de grupos marginalizados não serem levados em consideração (USAID, 2011).

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Na Mauritânia, o Estado não promoveu, desde sua independência, uma política pública específica para a questão da terra. Grande parte da legislação, baseada em costumes jurídicos tradicionais islâmicos, dificulta o acesso de populações marginalizadas à terra (OUEDRAOGO et al., 2006).

Embora haja uma estrutura jurídica sobre o tema, em Moçambique os direitos de pequenos proprietários muitas vezes ficam vulneráveis em relação ao das elites próximas ao governo central. Existe, portanto, uma dualidade no que tange à política de terras, entre dar suporte para inclusão de comunidades rurais e incentivar processos de investimento privado (USAID, 2018).

Na Namíbia, a reforma, como em outros países da região, segue o princípio do “comprador disposto, vendedor disposto”. Entretanto, o alto preço e o baixo número de ofertas de venda dificultou o andamento do plano. Ao mesmo tempo, os assentamentos da reforma apresentam dificuldades para tornarem-se produtivos (GARCIA, 2004).

No Níger, muitas das terras ao norte do país não são de boa qualidade para a agricultura ou pastoreio, sendo muito difícil para os pequenos proprietários manterem-se na concorrência de vendas. Assim, uma reforma agrária no país teria que observar certos fatores ambientais para sua realização (LUND, 1993).

Entre 2010 e 2015, foi lançada na Nigéria uma agenda visando à transformação e à ampliação da autonomia dos agricultores. Atualmente, o país é uma das principais economias africanas, muito em virtude das modificações e dos avanços na questão da terra (VUNGE, 2018).

O Quênia aprovou, em 2009, uma nova legislação acerca da reforma agrária. Porém, muitas das terras agricultáveis continuam em posse de antigos colonizadores, grandes proprietários ou funcionários públicos. Outro problema é o controle da terra entre as comunidades pastoris, que apresentam particularidades na questão do registro de propriedade (MANJI, 2015).

Sendo um dos 10 países mais pobres do mundo, a República Centro Africana possui muitos problemas em relação à divisão de terras. Em 2012, o governo lançou uma proposta de reforma agrária, com consultas públicas prévias. Com auxílio da FAO, o país analisa como realizar a reforma, contudo, seus principais objetivos ainda são reviver o setor agrícola e melhorar a qualidade de vida de um modo geral (FAO, 2018).

Desde 2012, a República Democrática do Congo tenta formular o processo de reforma agrária, inclusive com apoio da ONU. O país implementou um sistema de informações sobre a terra (LIS) que visa a unificar diversas informações sobre as áreas florestais, segurança da posse da terra pelos indivíduos e governança de recursos naturais. Contudo, além dos conflitos armados, a pobreza e a fome são problemas presentes no país (UN HABITAT, 2018).

O genocídio ocorrido em Ruanda, em 1994, influenciou diretamente uma gama de assuntos relacionados ao reassentamento dos refugiados e à reforma agrária no país. Dessa forma, mesmo com terras registradas e administradas pelo governo, muitas famílias que fugiram do país durante a guerra civil ainda lutam legalmente pela retomada de suas antigas terras (SCHAEFER, 2017; ONU, 2012).

No Senegal não ocorrem grandes problemas em relação à escassez ou a grandes concentrações de terra nas mãos de poucos. Dessa forma, o Senegal acredita que a terra é um direito de todos e um dever do Estado resguardá-la (COX et al., 2003).

Com a independência e subsequente declaração do país como socialista em 1976, Seychelles promoveu significativas modificações nas políticas básicas no país, como a reforma agrária, tida como relativo sucesso (SEYCHELLES, 2005).

Serra Leoa possui um sistema de distribuição de terras pelo qual a propriedade pode ser dada àquelas comunidades capazes de provar a ocupação originária das terras. Entretanto, dentro das comunidades, autoridades locais são responsáveis pela aplicação de leis que isolam mulheres, jovens e naturais de outras comunidades do direito à posse de terras (OUEDRAOGO et al., 2006).

O Sudão tem estudado a aplicação de algumas medidas da “Estrutura e Diretrizes em Políticas de Terra

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na África”. O país procura agora captar recursos e parcerias com outros países a fim de implementá-las. Mesmo sendo grande produtor de petróleo, a população ainda é bastante dependente de práticas agrícolas de subsistência, tornando a reforma agrária um assunto vital para o país (UNIÃO AFRICANA, 2017).

A Tanzânia tem trabalhado em uma proposta de reforma agrária seguindo as instruções da “Estrutura e Diretrizes em Políticas de Terra na África” da União Africana. O projeto de reforma agrária já detectou fatores-chave de problemas nas estruturas de terra atuais e tem tentado envolver as partes interessadas e relevantes nas discussões das soluções (UNIÃO AFRICANA, 2017).

Afetada pela Primavera Árabe, a Tunísia assistiu ao início dos protestos e das ocupações de fazendas privadas, outrora públicas. Desde então, a pressão da população sobre o governo pela redistribuição de terras, ditas roubadas desde a ocupação colonial francesa, tem aumentado (GANA, 2012).

Em Uganda, até 2012, a privatização em massa era vista como a melhor solução pelo governo, mas essa política logo se mostrou inviável. Desde então, a discussão abrange o estabelecimento de parcerias público-privadas, voltadas para o desenvolvimento da agricultura como meio de combate à pobreza (AMPAIRE, 2018).

A Zâmbia tem operacionalizado uma reforma agrária nos moldes da “Estrutura e Diretrizes em Políticas de Terra na África”. O governo angariou parceiros, como a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), o Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (UN-Habitat) e o Banco Mundial, que atuam como suporte financeiro, estratégico e técnico para o projeto (UNIÃO AFRICANA, 2017).

No Zimbábue, a reforma agrária, feita há dez anos, é alvo de debates e contradições, sendo apontada como um dos fatores responsáveis pela crise econômica pela qual o país passa. Entretanto, uma visão africana dos acontecimentos, entende a reforma como um sucesso no tocante à “reconquista” das terras pelo povo do Zimbábue (SANTOS, 2013).

5 QUESTÕES PARA DISCUSSÃO

(1) Como a questão da reforma agrária se apresenta na África? De que modo ela difere do resto do mundo?

(2) Quais são os principais entraves institucionais no plano internacional e de que forma os interesses externos ao continente entram em conflito com a ideia de reforma agrária?

(3) Como a promoção da reforma agrária contribui para a integração do continente africano e de que forma a UA pode criar mecanismos para realização de reformas em diferentes países, enfrentando diferentes realidades e desafios?

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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