Em Busca Do Novo: O Brasil e o desenvolvimento na obra de Bresser Pereira

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yosHiAKi N akano , J osé M árcio R ego e L ilian F urciuim ORGANIZADORES Em busca do novo O Brasil e o desenvolvimento na obra de Bresser-Pereira

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Este texto contém apenas a introdução e dois capítulos da primeira parte: "A originalidade de um inovador científico e a recepção de suas teorias"; "O métido pragmático", analisando a contribuição de Bresser pereira para a leitura de desenvolvimento do Brasil.

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  • yo sH iA K i N a k a n o , J o s M r c io Re g o e L il ian Fur ciu imO R G A N I Z A D O R E S

    Em busca do novoO Brasil e o desenvolvimento na obra de Bresser-Pereira

  • yosH iA K i N a k a n o , J o s M a r c io R e g o e L il ia n Fu r q u imO R G A N I Z A D O R E S

    Ern busca do novoo Brasil e o desenvolvimento na obra de Bresser-Pereira

    FGV

  • ISBN 8 5 -2 2 5 -0 4 9 7 -0

    Copyright Escola de Econom ia de So Paulo Eeesp

    Direitos desta edio reservados EDITORA FGVPraia de Botafogo, 190 14 andar 2 2 2 5 0 -9 0 0 Rio de Janeiro, RJ Brasil Tels.: 0 8 0 0 -2 1 -7 7 7 7 2 1 -2 5 5 9 -5 5 4 3 Fax: 2 1 -2 5 5 9 -5 5 3 2 e-mail: [email protected] web site: www.editora.fgv.br

    Impresso no Brasil / Printed in Brazil

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    Os con ceitos em itidos neste livro so de inteira responsabilidade dos autores.

    1 edio 2004

    R eviso de orig inais: Claudia Martinelli Gama

    R eviso: Fatima Caroni e Mauro Pinto de Faria

    E ditorao eletrn ica: PA Editorao Eletrnica

    C apa: Adriana Moreno

    Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV

    Em busca do novo : o Brasil e o desenvolvimento na obra de Bresser-Pereira / Organizadores Yoshiaki Nakano, Jos Mareio Rego, Lilian Furquim. Rio de Janeiro : Editora FGV, 2004. 640p.Inclui bibliografia.

    1. Pereira, Luiz C. Bresser (Luiz Carlos Bresser), 1934-. I. Nakano, Yoshiaki, 1944-, II. Rego, Jos Mareio. III. Furquim, Lilian de Toni. IV. Fundao Getulio Vargas.

    CDD 923.381

  • Sumrio

    Pref cio 9

    Parte I - V iso e m t o d o 41

    A originalidade de um inovador cientfico e a recepode suas teorias 43

    Jos Mareio Rego Construtor de instituies 85

    Maria Rita Loureiro e Fernando Luiz Abrucio O mtodo pragmtico 101

    Lilian Furquim e Paulo Gala

    Mtodo do fato histrico novo 113Alexandra Strommer de Farias Godoi

    Parte II - Ec o n o m ia 129

    Bresser-Pereira & Eugenio Gudin: pensamento e ao a partir da anlise econmica 131

    Maria Anglica Borges Progresso tcnico, crescimento e distribuio 161

    Luiz Antonio de Oliveira Lima Dezoito anos depois de Lucro, acumulao e crise 173

    Jos Antonio Rodrigues da Cunha

  • Distribuio de renda e o modelo clssico 201 Fabio Anderaos e Araujo

    Plano Bresser: a verso de otenizao 215 Francisco L. Lopes

    Inflao: inrcia e dficit ptiblico 247 Fernando de Holanda Barbosa

    Crise e reconstruo do Estado 269 Wilson Suzigan

    Par te III - So c io l o g ia e t e o r ia so c ia l 285 O que a tecnoburocracia? 287

    Grard Lebrun

    Revoluo estudantil dos anos 1960 297Olgdria Mattos

    Cultura poltica 313 Lvia Barbosa

    Sobre Desenvolvimento e crise no Brasil 333 Maria Ceclia Spina Forjaz

    Parte IV - C i n c ia e t e o r ia p o lt ic a 3 4 7

    Democracia de opinio pblica 349 Helio Jaguaribe

    Relaes internacionais 357 Celso Lajer

    Republicanismo, cidadania e (novos?) direitos 363 Marcus Andr Melo

    Capitalismo, desenvolvimento e democracia 387 Adam Przeworski

    Capitalismo e democracia 409 Cicero Araujo

    Os socialismos de Bobbio e Bresser-Pereira 423 Paulo Vannuchi

    Reforma da gesto pblica de 1995-98 443Regina Silvia Pacheco

  • o duplo papel do pblico no-eslatal na reforma do Estado 463 Nuria Cunill Grau

    Parte V - A pessoa 475

    Testemunho de amigo 477 Mareio Moreira Alves

    Mestre Bresser 485 Evelyn Levy

    Depoimento de Ablio Diniz aos organizadores 489 Entrevista com Ferno Bracher 499

    Parte VI - A u to b io g r a fia intelectual 507

    Economista ou socilogo do desenvolvimento 509 Luiz Carlos Bresser-Pereira

    POSFCIO 5 7 7

    M aria Tereza Leme Fleury

    A p n d ic e I - O bras de B resser-P er eir a 581

    A p n d ic e II - C r o n o lo g ia de Bresser-P er eir a 631

    So b r e os au to res e o rg an iza do res 639

  • Prefcio

    E ste um livro em que homenageamos os 70 anos de Bresser-Pereira. uma anlise de sua obra realizada por numerosos amigos e colegas, nossos e principalmente de Bresser, que convidamos para serem co-autores do livro. difcil falar sobre um amigo muito prximo e, se j difcil um depoimento de um mestre sobre um de seus discpulos, muito mais difcil ainda, para discpulos, falar de seu mestre. Assim, sentimos muita dificuldade em falar sobre Bresser-Pereira. H entre ns um enovelado de papis, de aprendizados, de compromissos afetivos. No s de um mestre, mas tambm de um irmo mais velho e, em algumas ocasies, tambm a de um pai. Bresser inquestionavelmente um semeador de uma atividade crtica e produtiva de um ambicioso projeto de investigao que se irradiou da FGV/ Eaesp em So Paulo para o Brasil, com desdobramentos na Amrica Latina e, j agora, em outras partes do mundo.

    Conhecemos Bresser-Pereira h muito tempo. So dcadas de convivncia e aprendizado. Sempre nos chama a ateno o seu entusiasmo. Ele dessas pessoas dinmicas e alegres, que no temem o cansao nem rejeitam

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    as tarefas. nsita em Bresser uma disposio generosa para atuar e aceitar atividades de cunho cuUural, social ou poltico. Est sempre imbudo do senso dos deveres que cabem aos homens de bem. Outra caracterstica seu inconformismo, relutncia em aceitar situaes injustas, coragem para assumir atitudes condizentes com as suas idias; para isso, Bresser no transige e capaz de agitar o seu meio, s vezes o seu pas, exercendo sempre sua capacidade de liderana inata, onde quer que atue. Quando surge um assunto em que a princpio menos versado, ele mergulha apaixonado no seu entendimento. No simplesmente por querer saber mais do que os outros, e sim por saber indagar melhor, amar com mais fora o entendimento e a resoluo de problemas. Bresser homem de pensamento e homem de ao, algo que os numerosos artigos deste livro de justa homenagem s corroboram. Seu brilho ilumina os amigos, sua amabilidade quase desptica reverte no prazer de trabalhar com ele, na alegria de desfrutar do seu convvio. Bresser de uma capacidade humana de entusiasmo e energia que se sente na hora. A paixo pela arte criadora uma espcie de ncleo de razo essencial das atuaes de Bresser-Pereira; razo que comanda os diversos modos da sua atividade como economista, como socilogo, como executivo, como cientista e filsofo poltico. Queremos dizer, com certo orgulho de sermos seus amigos e a iseno de sermos de outras geraes, que Bresser tpico do que se costuma chamar intelectual pblico, isto , aquele animado pelo esprito de solidariedade que faz o exerccio da inteligncia desaguar nas atividades de corte pblico. Nossa vida, to arriscada de viver, sempre ameaada do fim, pode acabar no meio ou ainda no comeo. muito confortante ver algum chegar aos 70 anos de existncia pleno de vigor intelectual e fino de sensibilidade. Tal conforto puro regozijo para seus amigos, colegas, discpulos. Todos ns, mais os seus inmeros admiradores e leitores congregados nessa ocasio festiva, celebramos essa singular figura de nossa inteligncia ptria. Que Bresser prossiga sendo esse polmata, lcido e so, com tudo o que significa de coerncia, carter e nacionalismo.

    A obra de Bresser-Pereira vasta. Cobre os campos da economia, da sociologia e da teoria pohtica, embora - como ele prprio assinala no ensaio que escreveu, a nosso pedido, sobre seu trabalho acadmico - encerre

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  • uma unidade em torno da idia do desenvolvimento econmico, social e poltico. Seu mtodo sempre histrico, ou, como ele prprio define, o mtodo do fato histrico novo. A partir dessa perspectiva, ele, na rea da economia, elaborou um modelo extremamente geral de crescimento e distribuio, mas definiu historicamente o desenvolvimento como revoluo capitalista e nacional, e analisou o subdesenvolvimento industrializado brasileiro como resultante de um desenvolvimento nacional-dependente. E sempre salientou que o desenvolvimento s ganha real sustentao quando fruto de uma estratgia nacional. Ofereceu ainda uma contribuio importante na rea da inflao inercial e, no momento, est dedicado crtica do crescimento com poupana externa. Na rea da sociologia, estudou em termos universais a emergncia da classe mdia profissional, e examinou as transformaes na estrutura de classes brasileiras a partir da industrializao. No campo da poltica, desenvolveu uma anlise muito geral do sistema global e do surgimento da democracia apenas no sculo XX, e fez contribuies para a teoria da cidadania e da reforma do Estado, ao mesmo tempo que aplicava essas idias para entender a poltica brasileira e sua insero no mundo atual.

    O livro est estruturado de forma a retratar essa obra ampla, mas dotada de forte unidade. Na primeira parte, apresentada a viso geral e o mtodo de Bresser-Pereira. Na segunda parte, so analisadas suas principais contribuies em teoria econmica e anlise da economia brasileira. Na terceira, discutem-se suas teorias sociolgicas, principalmente a teoria da tecnobu- rocracia, e sua anlise da sociedade brasileira. Na quarta parte, temos a teoria poltica de Bresser. Na quinta parte, reunimos alguns depoimentos sobre a pessoa de Bresser. O livro finalizado com uma autobiografia intelectual, escrita por Bresser a nosso pedido e especialmente para este livro.

    Jos Mareio Rego abre o livro, analisando no s as fundamentais contribuies de Bresser para a teoria da dependncia e da inflao inercial, mas dando uma amostra de como foram consumidas por alguns importantes economistas essas teorias. Bresser-Pereira, entre inmeros outros importantes economistas, esteve envolvido nas quase quatro dcadas de produo terica de trs geraes de cientistas sociais brasileiros. Eles

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    atuaram num perodo de grande fertilidade para as cincias sociais no Brasil. De fato, as dcadas de 1950 a 1980 foram de grande efervescncia para o pensamento social em geral. Nesses anos dourados da produo terica brasileira, emergiu uma caracterstica que, em grande medida, iria explicar a capacidade criativa de nossas cincias sociais. Era um inconformismo que impelia uma primeira gerao de economistas brasileiros e seus colegas latino-americanos a recusar as teorias graciosamente oferecidas pelo mainstream dos pases avanados, que vinham prontas para o consumo dos intelectuais da periferia. Surgia um pensamento econmico autnomo, disposto a identificar as peculiaridades de nosso processo de desenvolvimento. Assim nasceram as correntes tericas mais fecundas do pensamento econmico nacional, que influenciaram diretamente os movimentos sociais e polticos, assim como a ao do Estado brasileiro ao longo de quase meio sculo. A primeira grande corrente foi a do desenvolvimentismo, na qual esteve engajada a maioria dos pensadores brasileiros de peso da primeira gerao. Dessa lavra, surgiu a teoria do subdesenvolvimento da Cepal, que influenciou a formao de vrias geraes de pensadores brasileiros. Contudo, o fracasso do desenvolvimentismo em gestar um tipo de crescimento econmico que favorecesse no apenas a burguesia, mas se difundisse para as camadas mais pobres da populao latino-americana, dividindo melhor os frutos da riqueza que se avolumava nas mos da burguesia j havia muito tempo - no caso brasileiro, situao intensificada na era Kubitschek - , fomentou o surgimento de novas correntes tericas e movimentos polticos no Brasil e na Amrica Latina. Se por um lado a esquerda mais tradicional radicalizava seu discurso, em face das mazelas da ditadura, outra corrente partia para um empreendimento mais ousado e criativo. Surgia, l pelo final dos anos 1950 e incio dos anos 1960, uma nova esquerda no Brasil, da qual Bresser um dos mais dignos representantes. Uma nova esquerda que, para produzir um conhecimento mais aprofundado da realidade brasileira, no tinha preconceitos de usar os fundamentos do marxismo nem de apropriar- se do pensamento contemporneo de Keynes e outros autores mais prximos do status quo. Foi dessa lavra que surgiu a teoria da dependncia, na qual ele se envolveu diretamente. A nova esquerda foi extremamente crtica

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  • do modelo econmico do autoritarismo e, particularmente, da concentrao de renda e demais distores socioeconmicas que este promoveu em seus mais de 20 anos de reinado. Ao mesmo tempo, soube detectar, com maior lucidez e sem os preconceitos e limitaes da velha esquerda, a dinmica e as peculiaridades do capitalismo retardatrio brasileiro. Posteriormente, dos anos 1980 em diante, o foco dos pensadores recai sobre os problemas da dvida externa e, principalmente, sobre a questo da inflao e da crise do Estado, um dos grandes temas do capitalismo contemporneo. Da o surgimento da corrente da teoria da inflao inercial, ltimo grande movimento terico dos anos 1980, com desdobramentos importantes nos anos 1990, e para a qual Bresser-Pereira tambm deu certamente uma contribui

    o fundamental.Maria Rita Loureiro e Fernando Luiz Abrucio registram traos do

    sistema poltico do pas para melhor compreender os limites e as possibilidades do trabalho desenvolvido por Bresser-Pereira, como construtor de novas instituies em diferentes reas do aparato estatal brasileiro, enfatizando particularmente sua experincia no plano federal. As primeiras experincias governamentais de Bresser se deram no Executivo estadual pauhsta, mas foi como ministro da Fazenda por sete meses e meio no governo Sarney, em 1987, que ele assumiu pela primeira vez uma posio de forte destaque entre os reformadores contemporneos do Estado brasileiro. Posteriormente, na plenitude das instituies democrticas, consolidadas pela Constituio de 1988, Bresser voltou a exercer cargo de ministro no Ministrio da Administrao Federal e Reforma do Estado (Mare), no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso (1995-98), e, em 1999, novamente ocupou posto ministerial, dessa vez na pasta de Cincia e Tecnologia (MCT), ento no segundo mandato de FHC, por um breve perodo. Como registram Loureiro e Abrucio, recusando-se a exercer uma ao apenas rotineira no plano poltico-administrativo, Bresser marcou sua gesto frente desses trs cargos ministeriais por iniciativas de mudana institucional, cujas dimenses e graus de intensidade variaram no s em funo do tempo de durao de seu mandato e do contexto pohtico-institucional existente em cada momento, mas sobretudo pelas possibilidades ou no de formar coalizes

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    de apoio s reformas, advindas da tentativa de construo de novos paradigmas e do convencimento de seus aliados. O modo peculiar como Bresser conduziu as propostas de reformas, especialmente no perodo do Mare, envolveu a criao de um debate pblico, do qual surgiram frutos que ultrapassam seu prprio impulsionador, mesmo quando as idias so crticas ao que fora proposto.

    Com relao metodologia, Lilian Furquim e Paulo Gala destacam em seu captulo o pragmatismo presente em Bresser-Pereira. Valendo-se do artigo Dois mtodos em economia, procuram demonstrar as grandes semelhanas existentes entre suas propostas e a filosofia de Charles S. Peirce, um dos fundadores do pragmatismo norte-americano. Para tal, anahsam em duas sees a relevncia de dois conceitos fundamentais para Peirce, que parecem permear o pensamento de Bresser-Pereira: o pragmaticismo e a abduo. Em suas notas introdutrias ao artigo Os dois mtodos da teoria econmica, Bresser-Pereira levanta questes interessantes no que diz respeito postura dos cientistas em geral, e mais especificamente dos economistas, quanto dimenso normativa e positiva da cincia. Ao tocar a discusso filosfica de realismo e relativismo, assume uma posio que parece aos autores bastante prxima do pragmaticismo de Peirce. O realismo modesto que prope se aproxima das posies de Peirce, bem como seu posicionamento filosfico entre o fundacionalismo e o relativismo radical. A preocupao de Bresser-Pereira com a existncia de dois mtodos na teoria econmica se origina de sua viso de verdade. Em sua opinio, a verdade concreta, alcanvel, e no subjetiva como prega o relativismo. Entretanto, Bresser-Pereira reconhece as limitaes de nossa capacidade de conhec- la, e a dificuldade que encontramos em sua procura, justificando uma posio realista, porm modesta, especialmente para as cincias sociais. Em seu artigo Teorias sobre a verdade, resume: Eu, por exemplo, embora cientista social, me considero um realista mesmo em relao a verdades sociais. Mas no tenho dvida que meu realismo deve ser mais modesto do que o realismo com que encararia as cincias naturais se tivesse competncia para pesquis-las. Essa viso realista modesta permite que Bresser- Pereira entenda como legtimas abordagens ou teorias econmicas inconsis-

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  • tentes entre si - no caso, as escolas neoclssica, clssica e keynesiana - , j que cada uma delas explica, melhor do que as outras, algum aspecto do sistema econmico.

    Ainda sobre esse tema, Alexandra Strommer de Farias Godoi analisa o papel do mtodo histrico na teoria econmica, em contraposio ao mtodo lgico-dedutivo. Analisa tambm sua relao com o conceito de ideologia e de campo cientfico. A discusso proposta por Bresser-Pereira em seu texto Os dois mtodos da teoria econmica. Alexandra Godoi define as bases de cada um dos mtodos da teoria econmica e explicita os procedimentos por eles usados na busca da verdade cientfica. Avalia a apUcabilidade de cada mtodo ao estudo e desenvolvimento da teoria econmica e faz uma anlise crtica sobre o alcance de cada mtodo e as dificuldades que encontram. Para Alexandra Godoi, Bresser-Pereira adota uma viso semelhante ao que Victoria Chick define como sistema aberto para a teoria econmica. Como a realidade complexa, e o sistema econmico est interUgado com diversos outros sistemas, como o poltico e sociolgico, por exemplo, a melhor maneira de analisar este sistema aberto seria utilizar-se de subsistemas fechados sucessivos, cada qual adequado para um objeto de estudo especfico, mas sempre consciente das inter-relaes existentes entre sistemas e das hipteses simplificadoras adotadas. A partir deste arcabouo terico, Bresser-Pereira toma uma posio pragmtica e defende que existem dois mtodos legtimos para o estudo da economia: o mtodo histrico-dedutivo, ou do fato histrico novo, que seria adequado para a teoria do desenvolvimento econmico e a macroeconomia, e o mtodo hi- pottico-dedutivo, aistrico, utilizado pela microeconomia, ou, mais especificamente, pela teoria de equilbrio geral.

    Abrindo a segunda parte do livro, relativa teoria econmica, temos a colaborao de Maria Anglica Borges, que coteja as atividades e as contribuies de Bresser-Pereira e Eugnio Gudin, economistas de geraes distintas com atuao na Fundao Getulio Vargas. O que interessa a Borges ressaltar so alguns aspectos da interpretao desses dois importantes intelectuais, pertencentes comunidade dos economistas brasileiros, cujas atuaes no se restringiram somente academia, mas abriram um leque de

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    influncias em outras direes, inclusive na poltica nacional. Enquanto o primeiro completa 70 anos neste ano, o segundo, que viveu uma vida centenria, nasceu no final do sculo XIX e faleceu em 1986, ano do primeiro plano heterodoxo apoiado na teoria da inflao inercial, o Plano Cruzado. Bresser-Pereira e Eugnio Gudin so dois produtores intelectuais, que se dirigem para a carreira de economista oriundos de reas diferenciadas do saber. Mas suas formaes iniciais guardam uma interface com a cincia econmica - ressalte-se que, antes da criao das faculdades de economia no pas, a teoria econmica era ministrada nas faculdades de direito e de engenharia. Bresser-Pereira tem como formao primeira a cincia jurdica, e Eugnio Gudin, a engenharia. Contudo, os dois encontraro na economia o campo frtil para suas produes tericas e prticas, construindo carreiras notveis no cenrio nacional. Curiosamente, ambos passaro pela pasta da Fazenda e por um perodo semelhante, cerca de sete meses - Bresser- Pereira durante o governo Sarney e Eugnio Gudin no governo de Caf Filho. Os dois economistas so protagonistas importantes da histria dessa que uma das principais instituies de ensino e pesquisa do pas: a Fundao Getulio Vargas - Eugnio Gudin atuando no Rio de Janeiro e Bresser- Pereira, em So Paulo. Suas atuaes traduzem um arsenal de realizaes: publicao de livros, revistas, formao de ncleos de pesquisa, contatos internacionais, entre tantas outras iniciativas. Os dois intelectuais agregam ao seu redor vrios outros participantes da comunidade cientfica, exercendo uma influncia marcante tanto em alunos, professores e demais cidados, como ganhando notoriedade no exterior. Soma-se a esse rol de atividades semelhantes que ambos, no incio de suas carreiras, atuaram tambm como jornalistas.

    Para Luiz Antonio de Oliveira Lima, uma das principais virtudes das anlises econmicas de Bresser-Pereira a de no se deixar impressionar por idias consagradas, enfrent-las, critic-las e, eventualmente, ampli- las de forma criativa. Em 1986, Bresser-Pereira publicou o texto Lucro, acumulao e crise, no qual apresentou a proposta de se ampliar a anlise clssica do crescimento econmico e distribuio, fazendo da taxa de salrio uma varivel endgena e incluindo como varivel exgena a determinao

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  • do preo pelos capitalistas. Tal anlise foi retomada recentemente no texto Modelo clssico, progresso tcnico e distribuio, no qual no s apresenta uma sntese da obra mencionada, bem como procura tornar mais formalizado o modelo inicial. Para Oliveira Lima, o modelo mencionado comprova essas qualidades de Bresser-Pereira; alm de ter as virtudes de um bom modelo - ser simples e relevante, capaz de ser verificado empiricamente - , permite que seus leitores desenvolvam uma crtica fundamentada a algumas concluses que o prprio autor pode retirar dele. Para Oliveira Lima, tais qualidades decorrem do processo analtico desenvolvido, ou seja, a considerao objetiva das realidades que marcam o processo histrico de a- cumulao capitalista: primeira, os salrios no permaneceram constantes ao longo desse processo, mas aumentaram na mesma proporo do aumento da produtividade; segunda, uma certa estabilidade da taxa de lucro a longo prazo; terceira, a distribuio funcional da renda, aps a revoluo industrial, tende a permanecer relativamente constante. Tais variaes so de certa forma consagradas e, como registra Oliveira Lima, fazer um modelo a partir delas, no entanto, seria apenas realizar mais uma teoria do crescimento capitalista. Registra que uma das marcas da originalidade de Bresser associar historicamente tipos de progresso tcnico com fases da evoluo capitalista, partindo da hiptese realista de que o progresso tcnico que caracteriza o capitalismo em sua fase atual seria o progresso tcnico poupa- dor de capital. A vantagem de tal modelo seria a de estabelecer condies realistas do crescimento das economias capitalistas, ao no se limitar a casos extremos como o modelo keynesiano, do tipo Harrod-Domar - que supe coeficiente fixo da relao capital/trabalho, que resultaria em enorme instabilidade das economias capitalistas, o que no representa de fato a sua reahda- de - , ou, como o modelo neoclssico, do tipo Solow - para o qual esta flexibilidade absoluta, o que eliminaria qualquer instabilidade, e que tambm no uma representao adequada do processo de acumulao de capital.

    Ainda sobre Lucro, acumulao e crise, de Bresser-Pereira, Jos Antonio Rodrigues da Cunha desenvolve uma interessante reflexo. Procura retomar alguns dos principais pontos da anlise de Bresser-Pereira sobre desenvolvimento econmico, progresso tecnolgico e distribuio funcional da

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    renda. Tanto os aspectos matemticos e de teoria pura quanto os aspectos histricos daquela anhse so apreciados e criticados, seguidos de sugestes para pesquisas posteriores. Como registra Jos Cunha, as idias apresentadas por Bresser-Pereira com respeito ao fenmeno do desenvolvimento econmico contm originahdade em pelo menos trs aspectos: o mtodo de anlise, o contedo das idias propostas e a ambio geral desses trabalhos. Destaca Cunha que, em relao ao mtodo de anlise, tem-se a combinao de elementos tericos puros/matemticos com a constante e explcita utilizao de elementos da evoluo histrica de pases que concluram um processo de revoluo industrial no sculo XIX. Nesse sentido, destaca a inovao e o contraste com o mtodo de anlise seguido por Harrod e Solow, que se tornou predominante no campo de desenvolvimento/crescimento econmico, onde os elementos histricos/empricos constituem exclusivamente o ponto de partida de uma anlise terica pura, na medida em que so os fatos estilizados relevantes. Mas, ao mesmo tempo, h semelhana de mtodo de anhse quando o elevado nvel de abstrao e de agregao da mesma considerado, tanto no que diz respeito aos conceitos e s variveis empregadas (produto, capital e taxa de lucro, por exemplo), quanto no que diz respeito s implicaes derivadas e periodizao histrica proposta (queda da taxa de lucros na fase de consohdao capitaUsta, por exemplo). Registra ainda que, em relao ao contedo das idias propostas, tem- se um foco sobre as inter-relaes das variveis fundamentais do desenvolvimento econmico (taxa de acumulao de capital, tipo e intensidade de progresso tecnolgico e taxa de lucro) com o maior grau de genera- Udade factvel. No h o recurso a hipteses auxiliares que tornariam a anlise particular, ou ao menos mais especfica. No se encontram (como na abordagem predominante) referncias s funes de produo e suas propriedades, aos processos pelos quais as decises de consumo e de investimento so tomadas pelas firmas e pelas famhas e se transpem para o agregado, maneira pela qual os investimentos alteram o capital e as possibihdades de produo etc. Tal nvel de generahdade se justifica devido necessidade de compreenso da dinmica das variveis fundamentais do desenvolvimento econmico, sob um quadro de evoluo histrica percebi

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  • da de cerca de 200 anos para alguns pases. Jos Cunha destaca, como trao mais distintivo de originaUdade com respeito ao contedo das idias propostas, a inverso do padro tradicional de anlise realizado no campo de desenvolvimento econmico. Ao invs de fixao da taxa de salrios e determinao da taxa de lucros como resduo, tem-se a fixao da taxa de lucros e a determinao da taxa de salrios como resduo.

    Versando ainda sobre as contribuies em teoria econmica, Fabio Anderaos de Arajo inicia seu texto relembrando a interveno de Bresser- Pereira na sesso de abertura da Jornada de Reflexin sobre el Pensamiento Econmico Brasilefio - Tres Generaciones: Rangel, Furtado e Bresser-Pereira, realizada em agosto de 1999 na Universidad Nacional de San Martin, em Buenos Aires. Anderaos concentra-se na contribuio terica de Bresser- Pereira para entender a distribuio de renda na economia capitalista. Nesse sentido, dois trabalhos lhe parecem importantes. Um o j citado Lucro, acumulao e crise, publicado em 1986 e que corresponde tese de livre- docncia em economia na USP, pela sua originalidade na anlise da lei da queda tendencial da taxa de lucro de Marx. O segundo Investment ecisions and the interest rate in normal and exceptional times, apresentado por Bresser- Pereira ao XVI Congresso Internacional da Latin American Studies Association, sobre a relevncia da taxa de juro nas decises de investimento do empresariado brasileiro. Para Anderaos, as concluses dessa pesquisa de Bresser, que serviram tambm para comparar o poder explicativo de algumas teorias de investimento, permanecem, na sua essncia, bastante atuais para analisar a atual crise econmica brasileira, em que prevalece uma transferncia brutal de renda para o setor financeiro, em detrimento dos demais. Registra Anderaos que, em Lucro, acumulao e crise, Bresser-Pereira foi o primeiro economista brasileiro a analisar exaustivamente, sob a tica da teoria do valor-trabalho, as vrias formas do progresso tcnico e seus efeitos sobre a distribuio de renda e sobre o desenvolvimento da economia capitalista. Segundo Anderaos, nesse campo torico, alm de Bresser-Pereira, foram poucos os economistas que adotaram um raciocnio diferente da linha dogmtica de Marx, como, por exemplo, Bertrand Schefold no seu excelente artigo Capital Jijo, acumulacin e progreso tcnico. Contudo, o ob-

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    jetivo de Schefold no foi analisar o processo de acumulao de capital sob uma perspectiva histrica, mas apenas dar um tratamento analtico mais rigoroso a algumas formas de progresso tcnico. Em Investment decisions an the interest rate in normal and exceptional times, Bresser reflete sobre as teorias de investimento e a capacidade das mesmas de oferecer uma explicao aceitvel para a queda da taxa de investimento no Brasil nas dcadas de 1970 e 80. Como, poca da pesquisa, o Brasil estava no meio de uma nova crise, Bresser-Pereira concluiu que, em tempos normais, a taxa esperada de lucro mais importante do que a taxa de juro na deciso de investimento. Porm, em perodos excepcionais (exceptional times), ocorre o contrrio, pois uma crise profunda reduz a expectativa de lucros no setor privado. O governo, para manter a demanda agregada em determinado nvel, realiza investimentos nas reas social e de infra-estrutura. Complementa, porm, sua necessidade de recursos atravs de emprstimos (aumento do endividamento pblico), pressionando a taxa de juro para cima, uma inverso do fenmeno cushion pad, sobretudo quando o pas j apresenta um elevado endividamento lquido e com duration reduzido. Essa situao se verifica hoje no Brasil, com o mesmo crculo vicioso que Bresser-Pereira identificou na ocasio da apresentao do seu ensaio, em 1990.

    Ainda com relao s contribuies tericas de Bresser, temos uma reflexo de Francisco Lopes sobre a teoria da inflao inercial. Registra Lopes que Bresser-Pereira nunca teve medo de questionar o pensamento convencional sobre os grandes problemas nacionais. No incio dos anos 1980, ambos compartilhavam a mesma inquietude com relao inflao brasileira: No nos convencia o diagnstico monetarista simplista de que a inflao era apenas o resultado direto da criao excessiva de moeda em decorrncia do dficit pblico. Era evidente que a prpria quantidade de moeda e de seus substitutos prximos (a chamada quase-moeda) se tornara uma varivel endgena na economia cronicamente inflacionada, uma varivel endgena muito mais que um determinante exgeno. Concordvamos quanto ineficcia de uma poltica de combate inflao baseada apenas em controle monetrio, tanto na verso gradualista mais usual quanto na

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  • verso radical do choque ortodoxo, proposto por Octavio Gouva de Bulhes. O diagnstico era que a inflao crnica tinha um carter preponderantemente inercial, ou seja, a inflao passada era a principal causa da inflao presente e, portanto, s poderia ser combatida atravs de uma atuao eficaz sobre os mecanismos de gerao e sustentao da inrcia. Quando Bresser assumiu o Ministrio da Fazenda, ao final de abril de 1987, no podia deixar de se inquietar com o quadro macroeconmico que resultara do colapso do Plano Cruzado. O pas estava em moratria externa, com inflaes mensais da ordem de 20% e um gatilho salarial em operao. Logo na primeira semana de sua gesto, convocou-me a Braslia, pedindo que trabalhasse informalmente com sua equipe no desenho de um novo plano de estabilizao, uma nova tentativa herica (como costumava dizer) para enfrentar o descontrole inflacionrio. Desse trabalho, realizado ao longo de dois meses, basicamente em colaborao com Yoshiaki Nakano e o prprio Bresser, surgiu o Plano Bresser de junho de 1987. Mas o que pouca gente sabe que, at trs dias antes do seu lanamento, o plano de estabilizao em que estvamos trabalhando era um plano de otenizao, com um desenho bastante diferente do que foi finalmente adotado. O objetivo do texto de Lopes neste livro apresentar essa verso de otenizao do Plano Bresser, at hoje nunca divulgada, tentando avaliar os possveis benefcios e desvantagens que poderiam ter resultado de sua adoo. Na opinio de Francisco Lopes, 0 Plano Bresser deve ser motivo de orgulho para todos os que participaram da sua elaborao. A noo de que o plano fracassou, que alguns colunistas de economia repetem at hoje, parece-me um completo equvoco. O plano tinha objetivos limitados e os cumpriu integralmente. Fez a taxa de inflao despencar, dos 26% no ms de junho, para taxas mensais de um dgito nos seus primeiros cinco meses. Isso deu economia condies para sair da grave recesso em que se encontrava e tirou o sistema financeiro de uma situao serissima de inadimplncia generalizada. Para possibilitar o controle futuro do dficit pbhco, foi gerado um autntico choque de tarifas, que recomps o preo real dos combustveis, dos produtos siderrgicos e da energia eltrica, os quais estavam fortemente defasados desde, pelo menos, a gesto Dornelles, em 1985.

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  • EM B U S C A DO N O V O

    O trabalho de Fernando de Holanda Barbosa trata da componente inercial da inflao na literatura internacional, analisa as contribuies dos autores nacionais sobre a inrcia da inflao, bem como apresenta uma resenha de modelos em que a origem da inflao o dficit pblico financiado por emisso de moeda. Destaca a importncia de autores brasileiros no desenvolvimento dessa teoria: A componente inercial da inflao foi um tema abordado por vrios economistas brasileiros. Simonsen foi o primeiro a se preocupar com o fato de que o grau da inrcia estava diretamente relacionado com o custo social do combate inflao, a partir da experincia do plano de estabilizao do governo Castello Branco - o Programa de Ao Econmica do Governo (Paeg) do perodo 1964-67 - , de cuja formulao ele participara. Posteriormente, Lopes, Bresser-Pereira e Nakano, e Arida e Lara-Resende contriburam para a discusso sobre inflao inercial e formularam programas de estabilizao, os planos Cruzado, Bresser e Real, que tinham mecanismos para impedir a propagao da inflao. AnaHsa em detalhe as proposies tericas de Simonsen, Lopes, e Arida e Lara- Resende. Quanto s contribuies de Bresser e Nakano, destaca a formulao principal dos autores, que atribuem o aumento persistente dos preos a trs fatores: fatores de inrcia inflacionria que causam a manuteno do patamar da inflao; fatores que causam a acelerao (ou desacelerao) da inflao; fatores que sancionam a elevao dos preos. Nessa linha de pensamento, a inrcia inflacionria seria causada por um conflito distributivo entre trabalhadores e empresrios, que teriam instrumentos polticos e econmicos para manterem suas participaes relativas na renda, sendo a indexao um desses instrumentos. Os fatores aceleradores, segundo Bresser- Pereira e Nakano, seriam os seguintes: aumento dos salrios mdios reais acima do aumento da produtividade; aumento das margens de lucro sobre a venda das empresas; desvalorizaes reais da moeda; aumento do custo dos bens importados; aumento dos impostos. Por fim, o aumento da quantidade de moeda seria o fator sancionador da inflao, varivel endgena do modelo. Os dois autores acompanham Igncio Rangel, ao admitir a hiptese de que o dficit pblico produzido pelo governo, com a finalidade de aumentar o estoque de moeda da economia.

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  • Wilson Suzigan discute a contribuio de Bresser ao tema Estado e mercado, com base em seus principais trabalhos: os hvros Estado e subdesenvolvimento industrializado e Crise econmica e reforma do Estado no Brasil, os artigos Economic reforms and the cycles o f state intervention, Um novo Estado para a Amrica Latina e A reforma do Estado nos anos 90: lgica e mecanismos de controle, e os originais do livro Democracy and public management reform, submetido Oxford University Press. Suzigan procura destacar: primeiro, a interpretao de Bresser sobre a crise do Estado e suas causas; segundo, as decorrentes proposies de Bresser para a reconstruo do Estado, no no sentido de torn-lo mnimo, e sim mais forte e eficiente, embora menor e mais voltado coisa pblica; terceiro, o cerne de suas principais contribuies; quarto, algumas consideraes crticas sobre pontos especficos de sua anhse. Registra que uma das reas de maior criatividade do trabalho de Bresser o das relaes entre Estado e mercado; sua produo intelectual nessa rea no s abundante como tematicamente ampla e rica em novos insights: Valendo-se de sua erudio e de sua fihao tradio da economia pohtica, aborda o tema com viso ampla e com firmeza, oferecendo diagnsticos precisos e proposies pertinentes. Como poucos intelectuais, conseguiu colocar seus conhecimentos na prtica da vida pblica, alcanando resultados notveis, e conseguiu tambm incorporar na sua obra, como uma espcie de fertilizao cruzada, sua experincia de homem pblico. Isto transparece, talvez mais que em qualquer outro tema, em seus trabalhos sobre o Estado. Quanto s crticas e sugestes de desdobramentos de trabalhos que Suzigan faz em relao reflexo de Bresser sobre o papel do Estado no desenvolvimento, destacam- se: a excessiva estilizao do papel do Estado na industrializao; o exagero da interpretao de Bresser quanto industrializao por substituio de importaes (ISI) como um modo de interveno do Estado; sua insuficiente abordagem da economia pohtica da poltica industrial; a no-con- siderao da hiptese, aventada por N. R Bueno em obra de 1996, de histerese institucional na evoluo do padro de interveno do Estado, sobretudo com relao a reformas orientadas para o mercado e polticas

    industriais.

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  • EM BUS CA DO N O V O

    Em O que a tecnoburocracia - nico texto que no foi escrito especialmente para este livro, mas que, pela importncia do autor e pela qualidade da anlise, pareceu-nos adequado incluir - , Grard Lebrun procura situar as idias de Bresser a esse respeito em relao a seus crticos, especialmente esquerda. Destaca, por exemplo, a tese dos crticos marxistas de que o autor descreve a tecnoburocracia como uma formao de substituio que nasceria da degenerescncia do capitalismo - e no percebe que se trata simplesmente de uma forma aperfeioada deste, forma cuja anlise o marxismo perfeitamente capaz de empreender. Atravs de alguns passes rpidos, o autor assim interpreta a ascenso dos managers e a progressiva supresso do capitalista individual como a supresso das prprias relaes capitalistas. Lebrun no se alinha totalmente a essas crticas; colocando estas questes, parecemos - mas apenas parecemos - juntar-nos aos crticos de esquerda de Bresser-Pereira. O objetivo deles mais ou menos claro: pretendem manter intacta, no primeiro plano, a grande dicotomia capitalis- mo/sociahsmo e, assim, estabelecer que o capitalismo, seja qual for a sua mscara, continua sendo o inimigo pbhco n^ 1. Que o socialismo possa assumir o aspecto rebarbativo de um superestatismo, isto no os preocupa - pelo menos, no os preocupa atualmente. Mas acontece que isso preocupa a Bresser-Pereira (e, a meu ver, este um de seus grandes mritos)... Assim, cada um dos adversrios est orientado por uma exigncia diferente da que guia o outro - e por isso, talvez, que cada um tem condies de censurar o outro por sua abstrao.

    Avaliando a anlise de Bresser sobre a revoluo estudantil de 1968, Olgria Mattos registra que, valendo-se de pensadores como Adorno, Weber e Lukcs, entre outros, mas deles se diferenciando quanto ao desencanto, Bresser rastreia a necessidade da fico e do simblico de que o inconsciente poltico latente ou manifesto de 1968 foi portador. Com ele, reabriu-se um campo de investigao do prprio poltico para a compreenso do tota- htarismo, da democracia e seus paradoxos, entre eles o do consumo. A sociedade de massa moderna promete felicidade pelo consumo e frustra-a, criando mal-estar na civilizao. Esta parece ser a resposta a um mundo que se queria confortvel e sem histria, aps guerras, pauperismo e desconten

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    tamento. A alienao no um fenmeno ligado somente ao modo de produo capitalista e circulao das mercadorias. Ela significou, para a Comuna estudantil, como se revela tambm hoje, a ateno voltada para a perda dos usos e dos sentidos de nossas vidas. No se trata de avaliar o movimento estudantil apenas por sua eficcia pohtica nos termos pragmticos convencionais, e sim palmilhar aqui e l o que pode oferecer democracia sua experincia radical e inovadora de luta contra preconceitos e exclu- ses. Essa gora moderna devolveu iniciativa poltica sociedade para solucionar conflitos e equilibrar interesses e paixes. Que se pense, de incio, em algumas publicaes escritas no calor dos acontecimentos de 1968- como La brche e o livro de Bresser-Pereira. Enquanto o primeiro elege 1968 como um momento disruptivo da histria do capitalismo - a brecha - , este elege uma questo da histria da cultura, em particular a tecnocincia e a burocracia para refletir acerca de 1968, da contemporaneidade e de seu futuro, designando de outra forma, uma vez que suas premissas so diversas. Os acontecimentos posteriores da histria, com a queda do muro de Berlim em 1989 e o fim do socialismo totalitrio, manifestaram que a luta pela liberdade consistiu muito mais na busca da liberdade de consumo do que na inveno de novos valores e desejos qualitativamente diversos daqueles hgados ao mercado liberal.

    Lvia Barbosa relata brevemente seu contato com Bresser desde o incio dos anos 1990. Ressalta as diferenas e dificuldades do dilogo entre cientistas polticos e antroplogos: embora estimulante, difcil e poucos avanos so realizados no sentido de se unir a compreenso institucional da cincia poltica com a lgica simblica da ao social da antropologia. Chama a ateno para um tema que a cincia poltica comeou a explorar mais recentemente e que parece uma possibilidade de se estabelecer um melhor entendimento entre as duas vises: a cultura poltica. luz desta possibilidade, encaminha algumas reflexes e apresenta um entendimento do que julga ser cultura poltica e, particularmente, a cultura poltica brasileira. Para tanto, inspira-se em inmeras discusses sobre o tema da cultura poltica que teve com Bresser-Pereira, e nos seus textos Estado na economia brasileira e O colapso de uma aliana de classes. No oferece, contudo, uma

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  • anlise crtica dessas obras, mas sim um olhar diferente sobre uma mesma realidade. Conclui sua anlise fazendo referncia aos trabalhos de Bresser- Pereira sobre o Estado brasileiro e suas classes sociais bsicas: burguesia, tecnoburocracia e os trabalhadores que fornecem um quadro geral e distanciado de funcionamento do nosso sistema pohtico. Estes grupos aparecem como entidades abstratas cujas respectivas racionahdades so determinadas por fatores socioeconmicos e dotados de autonomia em relao s caractersticas culturais da sociedade, o que parece contrastar quando olhamos para a nossa vida cotidiana. Neste contexto, a utilizao do conceito de cultura pohtica, no sentido do entendimento cultural dos valores do sistema poltico democrtico e das pohticas do significado, pode fornecer um instrumental que permita entender como os fluxos de valores associados democracia so implementados e vivenciados a partir das diferentes culturas polticas com as quais eles entram em contato.

    Maria Ceclia Spina Forjaz aborda um livro muito significativo no conjunto da extensa e diversificada produo acadmica de Bresser, alm de seu maior sucesso editorial - Desenvolvimento e crise no Brasil: histria, economia e poltica de Getlio Vargas a Lula, pubhcado em 1968 pela Zahar Editores. Para Forjaz, esse primeiro livro publicado por Bresser, e que vem sendo reeditado ao longo de quase 40 anos com sucessivas atualizaes, permite o exerccio da reflexo sobre a evoluo das cincias sociais no Brasil nesse mesmo perodo, bem como o acompanhamento das escolas de pensamento que influenciaram o autor, os temas dominantes em determinadas conjunturas histricas e as relaes entre as posturas analticas adotadas e os fatos sociais, econmicos e pohticos geradores dessas mesmas posturas. Forjaz escolhe fragmentar o livro em cinco sees correspondentes s sucessivas edies. A primeira edio de Desenvolvimento e crise no Brasil de 1968 e a verso atualizada em 2003 manteve o texto original, com alguns cortes, revises de estilo e unificao de terminologias. As pequenas alteraes efetuadas demonstram que, para o autor, a anlise feita no fim da dcada de 1960 continua vhda; a passagem do tempo e a sucesso de modas intelectuais no macularam a significao dos contedos atribudos ao processo de desenvolvimento social, pohtico e econmico brasileiro. A primei

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  • ra preocupao de Bresser exatamente definir o conceito de desenvolvimento, e a maneira como o faz poderia perfeitamente ter sido escrita hoje. A quinta edio de Desenvolvimento e crise saiu no segundo semestre de 2003 e representa, em termos quantitativos, metade da obra, contendo aproximadamente 200 pginas que analisam a economia, a poltica e a sociedade brasileira desde a transio democrtica at a atualidade. Acompanhando a lgica de todo o livro, Bresser focaliza primeiro a situao econmica da dcada de 1980, para, em seguida, e baseado primordialmente nela, dedi- car-se anhse poltica. Caracteriza a crise da dvida externa e a crise fiscal dos anos 1980 como a mais grave de toda a histria do desenvolvimento capitalista brasileiro, que, apesar de retrocessos conjunturais, apresentou as maiores taxas de crescimento do PIB desde 1870 at 1980, em comparao com alguns pases, como os Estados Unidos, o Japo e a Unio Sovitica. Depois de discutir a questo central da desigualdade de renda, um dos principais obstculos retomada do desenvolvimento, Bresser escreve um captulo baseado em texto conjunto com Yoshiaki Nakano, Uma estratgia de desenvolvimento com estabilidade. O texto, que provocou muita polmica no mundo acadmico e foi amplamente divulgado pela mdia, uma acerba crtica pohtica de altas taxas de juros estabelecidas pelo Banco Central e pela equipe econmica ainda na gesto Fernando Henrique. Alm de reproduzir os argumentos defendidos em 2002, Bresser incorpora ao texto parte do debate que se seguiu sua publicao, especialmente ponderaes de Edmar Bacha e Francisco Lopes, economistas muito ligados equipe do presidente Fernando Henrique. Voltando arena poltica e referindo-se conjuntura atual do governo Lula, Bresser chega ao penltimo captulo com a seguinte interrogao: Do pacto liberal-burocrtico ao popular-nacional? O primeiro, vigente desde o governo Collor, seria um pacto, portanto, excludente dos trabalhadores e dos pobres: um Pacto Burocrtico-Liberal. Burocrtico porque a liderana poltica cabia a setores da classe mdia profissional, associada naturalmente classe capitalista. Liberal porque comprometido com as reformas orientadas para o mercado. A eleio de Lula significa uma mudana em direo a um novo pacto popular-nacional? Esse seria o desejo do autor, que explicita claramente suas opes poltico-ideo-

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  • EM BUSCA DO N O VO

    lgicas, mas pessimista sobre essa possibilidade, pois as decises tomadas nos primeiros meses de governo sugerem uma continuidade do pacto anterior e uma adeso total aos princpios do Segundo Consenso de Washington. O ltimo captulo dedicado explicitao do que seria o pacto nacional-popular, ou seja, aquele que adotasse um novo desenvolvimen- tismo e um nacionalismo moderno. Baseado nos princpios de uma nova esquerda socialdemocrtica ou social-liberal, esse pacto implicaria a aceitao da integrao do Brasil no mercado mundial, preservando os interesses nacionais (no nos moldes do velho nacionalismo) e mantendo um Estado forte e intervencionista para conduzir o desenvolvimento econmico. A globalizao, embora tenha ampliado a interdependncia entre os Estados nacionais, tornou-os ainda mais estratgicos para corrigir as falhas do mercado.

    Helio Jaguaribe inicia seu texto ressaltando as virtudes de Bresser como intelectual e homem pblico: representa uma rara combinao de intelectual de alta capacidade, com uma genuna vocao pbUca e a condio de exemplar homem de bem, como nos casos do socilogo-presidente Fernando Henrique, do economista-ministro Celso Furtado ou do internacionalista- chanceler Celso Lafer. Coube-lhe desempenhar - e faz-lo muito bem - alguns dos mais altos cargos de nosso pas, sendo por trs vezes ministro de Estado. Ao mesmo tempo, autor de uma ampla e importante obra, com mais de 30 livros publicados, com outros autores ou de sua exclusiva lavra, mais de 300 papers, inmeras conferncias e pronunciamentos, tudo de alta qualidade. Analisa, na seqncia, as contribuies de Bresser no campo da teoria poltica. Assinala as modalidades de democracia definidas pelo autor: democracia de elites, democracia de opinio pblica ou plural e democracia participativa ou republicana. S democrtico o governo expressamente constitudo e mantido por delegao popular. Destaca e analisa as duas primeiras formas: democracia de elites o regime que resulta de um governo que, no curso de seu mandato, passa a atuar em funo de seus prprios critrios e valores, relacionando-se com um restrito crculo de apoiadores e beneficirios, dentro de condies que reduzem seu contato com o conjunto do povo fase eleitoral. Democracia de opinio pbhca o regime que se

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  • exerce e sustenta mediante um continuado dilogo com os diversos segmentos da cidadania, no se tratando apenas de apelar para o povo na fase eleitoral, distintamente do que ocorre com a democracia de elites. As opes do governo, seus valores, seus procedimentos, resultam das tendncias predominantes na opinio ptblica, que continuamente consultada atravs de vrias modalidades, como, por exemplo, o dilogo com organizaes da sociedade civil e freqentes levantamentos da opinio pblica a respeito de questes relevantes. O autor destaca tambm outra importante contribuio de Bresser para o pensamento poltico; sua tipologia dos pactos sociais e seu entendimento de como e quando cada uma de suas modalidades se realizou neste pas. Bresser identifica quatro modalidades de pacto social; popular-nacional, burocrtico-autoritrio, popular-demo- crtico e burocrtico-liberal.

    O ex-ministro Celso Lafer registra a diversificada obra e a ao de Bresser-Pereira, caracterizadas no s pela multiplicidade de interesses como pela interdisciplinaridade que as anima. A partir de Thiery de Montbrial, Lafer lembra que os economistas, com raras excees, como o caso de Marx ou Schumpeter, em funo da sua definio do campo acadmico e de seus modelos, pouco se preocupam com a relao entre meios e fins para atingir objetivos concretos. No entanto, esse tipo de preocupao, de natureza prtica, inerente concepo de business administration, tal como desenvolvida nos Estados Unidos, adaptada e aclimatada ao Brasil pela FGV/ Eaesp, sempre atenta, no seu currculo, especificidade da estratgia das empresas. Por ter presente a tica estratgica e estar preocupado com o desenvolvimento, Bresser-Pereira alargou os seus horizontes para inserir nos seus estudos a anlise poltica; as ahanas de classe, o Estado, os pactos polticos, a tecnoburocracia, o nacionalismo. Registra Lafer que a agenda dos problemas do Brasil foi levando Bresser-Pereira a analisar os temas da inflao e do seu componente inercial, da recesso, da dvida externa, da crise fiscal, do populismo econmico, das reformas econmicas e da reforma do Estado. Nesse seu percurso, foi operando atravs do mtodo de aproximaes sucessivas. Subjacente a esse mtodo, est uma viso democrtica do mundo que, ao recusar uma concepo absolutista do poder, recusa uma

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  • concepo absolutista do saber. Nesse sentido, destaca Lafer, Bresser-Pereira no nem positivista nem marxista. O ismo, como ensina Bobbio, esttico e apela nossa faculdade de desejar; a cincia est sempre em movimento e impelida pela nossa vontade de conhecer. A vontade de conhecer de Bresser-Pereira, destaca Lafer, parte de uma concepo pluralista da verdade, na qual ela no tida como una, mas sim como mltipla. Da a multiplicidade de perspectivas e a variedade de interesses que caracterizam o seu percurso. Os seus crticos, adeptos da separao rigorosa dos campos do conhecimento, diriam que ele sincrtico e, como tal, faz misturas impuras e no tem a dose apropriada de ceticismo no que tange s verdades que vai descobrindo. Mas, para Lafer, so precisamente a abertura e a curiosidade de Bresser-Pereira que dele fazem um dubl de scholar e homem de ao, que vem enriquecendo, com o empenho de sua curiosidade intelectual, tanto o campo do conhecimento das cincias humanas quanto a agenda do debate pbhco em nosso pas. Isto vlido para a rea das relaes internacionais, qual Bresser se vem dedicando nos ltimos tempos e que Lafer vai analisar com a competncm especfica que o caracteriza. Para Celso Lafer, a leitura que faz Luiz Carlos Bresser-Pereira da reahdade internacional vincula-o tradio que pode ser qualificada de grociana. Esta tradio remonta a Grotius, um dos fundadores do direito internacional pblico moderno e se contrape tradio realista inspirada por Maquiavel e Hobbes. Reconhece a existncia de conflito e cooperao na dinmica das relaes internacionais, mas detecta um significativo potencial de sociabilidade que permite encaminhar a agenda da ordem mundial atravs dos instrumentos do direito e da negociao diplomtica. Para o adensamento dessa tradio grociana, Luiz Carlos Bresser-Pereira est contribuindo com os seus textos recentes, nos quais esto presentes, de forma relevante, as perspectivas do saber acumulado do mtodo de aproximaes sucessivas do seu percurso.

    No texto Republicanismo, cidadania e (novos?) direitos, Marcus Mello registra que a questo dos direitos est no centro das discusses em vrias reas da agenda pbhca e da agenda intelectual contempornea. Mas no foi sempre assim. Essa centralidade foi basicamente adquirida neste ltimo quarto de sculo, em um contexto marcado pela crtica lgica utihtarista

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    subjacente s discusses sobre a ao e a moralidade pblicas. Como se sabe, o utilitarismo a concepo moral que informa a avaliao de polticas econmicas. Essa concepo foi criticada fundamentalmente por um discurso que est fundado na noo de direitos. Essa crtica foi articulada por um amplo espectro de analistas de matizes ideolgicos dspares, como Rawls e Nozick. O discurso dos direitos tambm informa as construes tericas de Sen e de Dworkin, e tem influenciado a agenda internacional e a prpria concepo do desenvolvimento. O conceito de desenvolvimento humano um dos construtos conceituais produzidos nesse contexto. Em vrios artigos, Bresser-Pereira tem demonstrado uma consistente identificao com essa agenda terica antiutilitarista. Postulando um modelo deliberativo de democracia e aderindo normativamente a uma agenda normativa republicana, ele tem contribudo de forma importante para a elaborao dessa agenda terica. Sua mais notvel contribuio nesse sentido talvez seja sua discusso dos chamados direitos republicanos. Bresser-Pereira refere-se especificamente a esses direitos como um direito de nova gerao. Eles se manifestariam de formas variadas: no direito ao patrimnio ambiental pblico, ao patrimnio cultural pblico e aos recursos do Estado. Este ltimo seria, segundo ele, o mais importante, aquele que ainda no se positivou de forma concreta. Para Bresser-Pereira, ele consiste no que chama direito a res publica, ou coisa pbUca, entendida como o estoque de ativos e principalmente o fluxo de recursos que o Estado e as entidades pbUcas no-estatais controlam. Em seu texto, Marcus Mello discute essa contribuio luz de trs conceitos. Em primeiro lugar, o de republicanismo. O que h de especificamente republicano nessa concepo de direitos? Como se sabe, a tradio republicana privilegiou menos a questo dos direitos e mais a questo dos deveres dos cidados. Em segundo lugar, o conceito de direitos. Trata-se efetivamente de direitos? E mais: estamos efetivamente nos deparando com uma nova gerao de direitos? Em terceiro lugar, o conceito de representao e seu correlato, o controle ou accountahility. Qual 0 papel das instituies no mecanismo de representao e controle social sobre os representantes? A resposta que d em relao a essas questes fundamentalmente de natureza crtica. Independentemente de certa identi-

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    ficao normativa com as idias e questes de Bresser-Pereira, a leitura de sua elaborao analtica apresenta vrios questionamentos importantes.

    Para Adam Przeworski, uma caracterstica persistente do pensamento de Bresser-Pereira que ele nunca perde de vista as questes primordiais, mesmo quando analisa acontecimentos histricos concretos. No ensaio Por que a democracia se tornou o regime preferido apenas no sculo XX?, Bresser argumenta que a democracia surgiu historicamente apenas quando e onde se consolidou o capitalismo. Alm disso, ele encara esse desenvolvimento como historicamente necessrio e como racional, tanto para os capitalistas quanto para os trabalhadores. Para Przeworski, o problema dessa anhse que ela oferece somente condies necessrias, mas no suficientes. Desse modo, embora oferea uma explicao sugestiva, tem pouco poder de previso. Ao afirmar a necessidade histrica e a racionalidade coletiva, Bresser torna esta relao inevitvel. O exame do registro histrico, no entanto, mostra que ela muito mais contingente. Embora o capitalismo torne a democracia possvel, no a torna necessria. Przeworski observa que uma democracia duradoura surgiu na ndia em 1947, quando esse pas tinha uma renda per capita de US$556, enquanto a ditadura sobreviveu em Cingapura quando a renda desse pas era de US$18.300. Os nveis de desenvolvimento sob os quais a democracia surgiu em diferentes pases variaram enormemente, e em vrios pases o avano da democracia sofreu longas reverses, apesar do continuado desenvolvimento capitalista. A ditadura to compatvel com o capitalismo quanto a democracia. Portanto, a relao entre desenvolvimento do capitaUsmo e democracia exige uma anhse de contingncias histricas concretas, no podendo ser deduzida a partir de premissas. Essas questes so o objeto da anlise de Przeworski, que examina as evidncias histricas que abrangem o perodo entre 1946 e 1999. A anlise se inicia com a conhecida observao feita por Lipset de que a maioria dos pases desenvolvidos tem regimes democrticos, enquanto a maioria dos pases pobres sofre com a ditadura. No entanto, como foi mostrado pela primeira vez por Przeworski e Limongi, esse padro emerge no porque as democracias sejam mais passveis de se estabelecerem quando os pases se tornam mais desenvolvidos, mas porque, se elas se estabelecem, seja por

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  • que razo for, so mais passveis de perdurar nos pases desenvolvidos. Finalmente, Przeworski fornece uma interpretao desses padres e volta para a relao entre capitalismo e democracia. Esta interpretao baseia-se em um modelo, que est rapidamente esboado no apndice do captulo.

    Em um texto onde discute capitalismo e democracia em Bresser-Pereira, Cicero Arajo registra que a democracia como um determinado conjunto de instituies polticas pode ser objeto de reflexo sob dois ngulos tericos. Primeiro, possvel investigar os valores morais e ideais coletivos que tais instituies cultivam, atravs da tradio de suas prticas, suas regras escritas e no-escritas, e os discursos de seus protagonistas. Investigam-se, sob esse ngulo, os argumentos que procuram dar sentido moral- normativo e justificar o valor da igualdade poltica, tanto quanto as crticas a esses argumentos; como esse valor se relaciona com outros, tais como as liberdades individuais ou o imprio da lei, se eles constituem um conjunto inseparvel ou se so conflitantes entre si; e assim por diante. um estudo de natureza eminentemente filosfica. Um segundo ngulo o estudo das condies gerais de operao das instituies democrticas, cujo conjunto conforma um tipo de regime poltico (a democracia), suas propriedades e seus efeitos. Quanto anlise dessas condies gerais, ela pode envolver hipteses - simplesmente intuitivas, ou baseadas em estudos empricos e/ou histricos de regimes democrticos especficos - quanto aos vnculos necessrios ou contingentes entre a democracia, um fenmeno poltico, e outros fenmenos sociais paralelos ou antecedentes. Essa anhse envolve, certamente, construo conceituai e generalizao; trata-se de teoria, mas de teoria explicativa e causai. Teorias como essas podem estender-se s propriedades e efeitos das instituies democrticas: por exemplo, se quisermos especular se a democracia, dadas as condies gerais de sua operao, tende a gerar ou reproduzir os valores e ideais que a justificam filosoficamente; ou ento a produzir desvios ou at efeitos contrrios aos esperados por essa justificao. Teoria filosfica e teoria causai no so reflexes fadadas a no dialogarem entre si. Pelo contrrio, elas podem interagir num exerccio de mtuo esclarecimento. Contudo, so modos distintos de encarar a teoria poltica. Cicero se detm numa das incurses de Bresser-Pereira

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  • EM BUSCA DO N O VO

    teoria poltica. Seus comentrios referem-se especificamente a um artigo ainda no publicado - Por que a democracia se tornou o regime preferido apenas no sculo XX? - , apresentado em 2002 no colquio da Associao Brasileira de Cincia Poltica. Nesse artigo, Bresser-Pereira diz que o assunto uma antiga obsesso, que remonta aos tempos em que se vivia e se discutia a transio brasileira para a democracia, as razes de sua emergncia e possveis desdobramentos. Ele transpira em conferncias, trechos ou captulos de livros e outros artigos. Infelizmente, no poderemos aqui fazer justia a todo esse esforo. De qualquer modo, o artigo antes referido uma tentativa de sntese, no qual so discutidas assunes no analisadas previamente. A discusso est centrada em questes tpicas da teoria poltica em sentido causal-explicativo. Como um intelectual engajado na ao poltica, registra Arajo, Bresser-Pereira se preocupa, claro, com as maneiras pelas quais os valores da democracia podem ser defendidos, e como suas instituies poderiam aprofund-los, para o bem delas mesmas e pelas conseqncias positivas que trariam para outros aspectos da vida social, especialmente a economia e a administrao pblica. Essas idias so apresentadas no quadro de uma viso progressiva da democracia, que partiria de um estgio inferior, chamada de democracia de elites, passando por um intermedirio (democracia de sociedade civil), at uma etapa superior, idealizada (democracia de povo). aposta no progresso da democracia corresponde uma aposta na expanso de diferentes tipos de direitos: civis, polticos, sociais, at emergentes direitos republicanos, pautados pela defesa dos bens pblicos. Mas, para Cicero Arajo, essas idias de Bresser so elaboradas de modo bastante solto e despretensioso, sem penetrar sistematicamente nos meandros da argumentao filosfica. J a incurso pela teoria poltica causai apresenta-se com uma argumentao mais cerrada, visando literatura acadmica.

    Em um texto que tem como objetivo analisar as vises de socialismo de Norberto Bobbio e de Bresser-Pereira, Paulo Vannuchi, especialista em Bobbio, sobre o qual redigiu uma dissertao de mestrado, registra que em outubro de 1994, pouco antes de assumir o Ministrio da Administrao Federal e Reforma do Estado no primeiro mandato de Fernando Henrique

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  • Cardoso, Bresser-Pereira ingressou no reduzido crculo de intelectuais brasileiros que tiveram a chance de manter contato pessoal e direto com Norberto Bobbio. Bresser colheu uma entrevista, publicada no caderno Mais! da Folha de S. Paulo, onde a faceta de jornalista do visitante brasileiro no conseguiu garantir o distanciamento crtico que os manuais de redao recomendam. Salta vista, para Vannuchi, a admirao presente em cada pergunta, a ansiedade na busca de respostas que confirmem uma identidade de opinies. Segundo Vannuchi, deslizes de um f confesso. Na entrevista com Bobbio, a iseno jornalstica sucumbiu ante a atrao intelectual que Bresser reconheceu desde a primeira vez em que entrou em contato com o pensamento do mestre piemonts, ainda nos anos 1970. Mas Vannuchi destaca que Bresser obteve de Bobbio, nesse encontro, uma rarssima afirmao entre suas milhares de pginas, produzidas em quase 70 anos de consistente elaborao terica, aceitando uma plena equivalncia entre o social-hbera- hsmo de sua busca obstinada e a socialdemocracia que Bresser postula como afiliao poltico-ideolgica: eu creio que a diferena no existe. Entretanto, registra Vannuchi, no conjunto, a entrevista flui como um bate-papo repleto de afinidades. Depois de ouvir Bobbio declarar-se sincretista e apresentar-se como intelectual mediador, o visitante brasileiro se concentra em perguntas, estabelecendo nexos entre liberalismo e socialismo. Recebe a confirmao de que possvel um compromisso, no uma sntese, entre os dois campos tericos que se digladiaram to ferozmente ao longo de quase 200 anos. No fcil nem muito intehgente, como logo percebe Vannuchi, traar um amplo paralelo entre trajetrias to distintas como as de Bobbio e Bresser-Pereira. Um quarto de sculo os separa na idade, alm do imenso oceano que afasta o Novo Mundo do Velho. A vastido e a densidade da obra terica do cientista pohtico italiano fazem parecer covardia uma comparao com outros grandes nomes da universidade europia ou norte-americana. Seu engajamento direto na resistncia italiana contra o nazi-fascis- mo, com tudo o que essa experincia e os meses de crcere promoveram em sua forma de interpretar o mundo, no tm equivalente na biografia do economista brasileiro. No mesmo sentido de diferenciao, operam alguns predicados biogrficos deste ltimo, como a larga vivncia empresarial e os

    PREF CI O

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  • vrios postos de comando poltico ocupados, sem correspondente no currculo de Bobbio. Como salienta Vannuchi, no seria exato falar em discipulato. Na diversificada produo intelectual de Bresser-Pereira, a freqncia de citaes do filsofo italiano no tipifica, nem de longe, uma condio de seguidor. Mas, assinala Vannuchi, existem pontos evidentes de contato e identidade, que consistem no empenho comum a ambos em promover algum dilogo, ou desbloqueio, entre noes que so angulares no socialismo e no liberalismo. O exerccio da mediao intelectual e o sincretismo parecem estar entre esses muitos pontos de convergncia.

    Para Regina Pacheco, Bresser-Pereira talvez um dos poucos intelectuais brasileiros que deu continuidade nossa tradio de intelligentsia, mesmo quando esta entrou em crise a partir dos anos 1980, perdendo a capacidade de intervir na poltica. Pacheco destaca o compromisso sempre renovado de Bresser de formular propostas para o Brasil, em vrios campos- economia, sociedade, instituies, democracia - , que o levou a desbravar uma rea rida nos anos 1990: a reforma da gesto pbhca. Como ministro da Administrao Federal e Reforma do Estado, no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-98), concebeu e debateu incansavelmente propostas para o fortalecimento do Estado brasileiro; os ecos de suas propostas, elaboradas para a administrao pbhca federal, chegaram a vrios setores, desde municpios brasileiros s mais especializadas esferas internacionais. Neste texto, Regina Pacheco aponta sua contribuio intelectual reforma da gesto pbhca, buscando analis-la criticamente. No aborda sua atuao pbhca como estrategista da reforma, mas concentra 0 foco em suas idias e concepes para a nova gesto pblica. Para Regina Pacheco, uma das contribuies de Bresser-Pereira foi a de ter colocado em perspectiva as duas reformas do Estado no Brasil no sculo XX: a dos anos 1930 (Dasp) e a dos anos 1960 (Decreto-lei n- 200), alm da anhse indita sobre os anos 1980 (Constituio de 1988). Com clareza e perspiccia, criou a periodizao definitiva do tema. At ento, a literatura perdia-se em descries formais excessivamente detalhadas e burocrticas, elencando as sucessivas legislaes, sem conseguir extrair uma anhse crtica, ou enveredava por vises demasiadamente generalizantes, em geral de

    EM BUSCA DO N O VO

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  • cunho ideolgico, insistindo na simultaneidade entre reforma e governos autoritrios. Destaca Regina Pacheco que Bresser, fiel ao mtodo histrico- indutivo, organizou os fatos, relacionando-os a diagnsticos, atores e estratgias, e ofereceu-nos um panorama abrangente das tentativas de reforma empreendidas. A periodizao estabelecida por Bresser-Pereira significa um marco para os estudos sobre a organizao e o funcionamento do Estado brasileiro no sculo XX. Permite abordar em grandes linhas, numa viso compreensiva e abrangente, as orientaes adotadas e os respectivos contextos histricos que lhes deram sustentao. Para Regina Pacheco, poucos autores teriam tido a coragem intelectual de quebrar a unanimidade em torno da Constituio cidad; Bresser-Pereira a disseca no captulo da administrao pblica, mostrando como foi elaborada sobre um diagnstico equivocado, levando a propostas extemporneas. O diagnstico estava apenas parcialmente correto - o retorno da democracia trouxe consigo o retorno de prticas chentelistas e fisiolgicas. Entretanto, a concluso dos constituintes (ou dos tcnicos-polticos das assessorias partidrias e legislativa) foi equivocada - a de que, em face do retorno do clientelismo, o pas necessitava de mais burocracia. O erro do diagnstico consistiu em ignorar a grave crise por que passava o Estado brasileiro e, mais especificamente, ignorar o esgotamento do padro intervencionista do Estado, que havia sustentado o crescimento do pas nas cinco dcadas anteriores. Assim, a burocracia do Estado, que tivera um papel dominante no regime militar, deveria ter perdido prestgio e influncia, mas no foi isso que ocorreu. Alm de contextuaUzar as propostas da Constituinte, Bresser-Pereira inovou no diagnstico: o setor pbUco brasileiro no sofria apenas das prticas chentelistas e patrimonialistas, mas tambm de excessiva burocratizao. Com esse diagnstico, Bresser captou um anseio, talvez ainda implcito naquele momento, da sociedade brasileira: o de que a sociedade espera do Estado no apenas probidade, mas tambm resultados efetivos de sua ao. Em face de tal anseio, o enrijecimento burocrtico deveria ser substitudo por uma forte orientao para resultados, eficincia e qualidade dos servios e polticas pblicas. Para Regina Pacheco, Bresser-Pereira o intelectual e 0 homem pblico responsvel por elevar o tema da gesto agenda das

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  • EM BUSCA DO N O VO

    polticas pblicas. Antes dele, gesto pblica era um captulo da administrao. Com ele, gesto pblica dialoga com cincia poltica, economia, filosofia do direito, tica. Sua anlise histrica e de alcance universal. Combina capacidade analtica com guias claros para a ao, caracterizando-o como estrategista da gesto pblica.

    Registra Nuria Cunill Grau em seu texto que a noo de pbhco no- estatal, embora no seja originalmente de Bresser-Pereira, encontrou nele um pai que a impulsionou vida na Amrica Latina e lhe conferiu ricos contedos. Segundo Nuria, ela , provavelmente, a melhor e mais acabada expresso do compromisso de Bresser-Pereira com a democracia. Por sua vez, a noo de pblico no-estatal, tal como proposta por Bresser-Pereira, tambm uma expresso dos custos que pode ter a coragem em seu impulso para destruir inrcias. A coragem, e a conseguinte audcia, tm ajudado no nascimento de algumas das melhores idias, sobretudo quando por trs delas existe um compromisso profundo com a democracia e com o desenvolvimento humano. Para Nuria, Bresser-Pereira tem este compromisso e a ele devemos tantas boas idias que conseguiram destruir inrcias, tanto no pensamento quanto na ao, nos ltimos 20 anos na Amrica Latina. s vezes, naturalmente, o custo tem sido o erro, mas esta talvez seja a fonte mais importante de aprendizado social. Para ilustrar ambos os movimentos, tenta em seu texto, de um lado, fazer uma reviso, embora no exaustiva, das contribuies de Bresser-Pereira para a elaborao da teoria do pbhco no-estatal e, de outro, apontar alguns dos limites desta noo.

    Mareio Moreira Alves d um depoimento de amigo e de reprter. Ao voltar ao Brasil, tenta recomear sua vida poltica no ponto em que a deixara, como deputado federal pelo antigo estado da Guanabara. Candidata-se a deputado federal pelo PMDB, em 1982, e se v derrotado. A primeira pessoa que lhe d a mo Bresser, amigo ento recente mas senhor de generosidade e desprovido de qualquer preconceito. No s lhe oferece um lugar de seu assessor na presidncia do Banespa, que assumiu logo no incio do governo Montoro, como o aloja provisoriamente no trreo de sua casa no Morumbi, junto s estantes de sua ordenada biblioteca. Registra ainda Moreira Alves: no Banespa, na primeira reunio de diretoria, Luiz Carlos deu a dimenso

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  • de seu conceito de servio pblico. Disse: Governo tem uma coisa boa - data para acabar. Ns temos a obrigao de, daqui a quatro anos, entregarmos a nossos sucessores um banco melhor que o que estamos recebendo. Para Moreira Alves, Bresser sofre do mesmo defeito poltico de Darcy Ribeiro: pensa depressa demais e no sabe esperar a maturao das condies pohticas para que suas idias possam ser postas em prtica. No garanto que Luiz Carlos tenha 10 idias por dia, mas 10 por semana deve ter. Coloca-as todas no computador, trabalha a que mais apropriada lhe parece para a conjuntura e publica-a num dos dois grandes jornais de So Paulo. E ainda lhe sobra tempo para escrever ensaios, dar cursos e participar de reunies internacionais, em busca de uma terceira via poltica entre o capitalismo selvagem e o socialismo real. Essa intensa atividade intelectual fez de Luiz Carlos Bresser-Pereira o cientista poltico mais traduzido de sua gerao, gerao que tambm inclui o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

    Evelyn Levy trata do Mestre Bresser. Do modo pelo qual ele tem construdo pessoas, ou colaborado nesse propsito. Atividade qual se tem dedicado h mais de quatro dcadas ininterruptas, principalmente na Escola de Administrao de Empresas de So Paulo/FGV, mas tambm na USP, ou em Paris, na cole des Hautes tudes em Sciences Sociales. Levy destaca que mais de 5 mil pessoas passaram por suas aulas. Bresser orientou 35 teses j defendidas, sem contar as inmeras bancas das quais tem participado e as dissertaes de estudantes brasileiros e estrangeiros, a que, de algum modo, deu sua colaborao. Bresser, como professor, cumpriu um papel que foi muito maior do que se espera. A muitos de seus alunos ele incentivou a superao de limites, que cada um deles julgava ter, fazendo- os realizar conquistas muito alm do ponto em que seus sonhos se projetavam. Registra ainda Evelyn Levy a postura radicalmente democrtica e aberta de Bresser, a todas as correntes de pensamento, que permite que a busca de conhecimento de seus alunos tenha o carter universal que a cincia exige. A permanente provocao dentro da sala de aula, atiando a audcia e a criatividade, atualiza a maiutica socrtica. Em contrapartida, pacientemente recebe as crticas e dissensos que esses jovens lhe colocam no caminho.

    P REFCI O

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    Assim os faz crescer, transferindo-lhes parte da responsabilidade da construo do conhecimento, reconhecendo-lhes sua contribuio. Estabelece, pois, uma troca constante, em que aponta para mltiplos caminhos, por vezes ainda pouco ntidos ou completamente esboados, e se deixa desafiar, escutando argumc:ntos sobre aspectos no inteiramente examinados. A riqueza da experincia no se restringe a esse dilogo entre professor e alunos, pois com freqncia o Mestre vai incluindo novos subsdios de outros intelectuais que participam pessoalmente dessa busca. No h lugar para acomodamento: a procura do melhor padro, do padro internacionalmente reconhecido, uma constante. No necessariamente o mainstream, mas a qualidade intelectual reconhecida. Sua curiosidade contagiante e polivalente incita os que com ele convivem. Todos tm, ou j tiveram, espao em sua agenda. A curiosidade se estende para o novo no mundo, uma espcie de encantamento com as coisas, idias, mas, sobretudo, com as pessoas. Os alunos sentem o prazer que lhe provoca sua convivncia. O Mestre vai assim educando pelo exemplo e pelo que enxerga de potencial em seus discpulos, inventando para eles possibihdades que eles no so ou foram capazes de ousar. Registra Evelyn que, entre os alunos que procurou, nenhum deixou de se referir a sua imensa generosidade: dando de seu tempo, preocupando-se com os lados profissional e pessoal, abrindo portas, estimulando o crescimento e a auto-estima. Todos aqueles que desejaram desenvolver-se sempre encontraram nele o interesse e o apoio. Essa talvez seja a fascinante combinao que Bresser propicia a seus alunos: a de transitar pelo que grande, exige profunda reflexo e responsabilidade, para em seguida perceber que se chega a esse lugar passando pelo que ordinrio e exige meticulosa discipUna.

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  • VISO E MTODO

  • A originalidade de um inovador cientfico e a recepo de suas teorias

    Jos M a r c io Rego

    Ele pensava dentro de outras cabeas; e na sua, outros, alm dele, pensavam. Este o verdadeiro pensamento.

    (Bertolt Brecht)

    Bresser-Pereira um cientista social dos mais importantes entre os economistas e socilogos brasileiros. E a repercusso de sua obra extrapola o meio acadmico nacional, difundindo-se, e muito, em grande parte da Amrica Latina, nos Estados Unidos e na Europa. Bresser j em 2004, quando completa 70 anos, o segundo cientista social brasileiro mais citado no exterior - somente Celso Furtado o supera nesse quesito. ^ Sua preocupao central sempre foi com o desenvolvimento do Brasil e da Amrica Latina. Bresser- Pereira esteve envolvido nos grandes debates e movimentos tericos que resultaram no pensamento econmico brasileiro contemporneo e nas mais criativas polticas ptblicas formuladas por nossos economistas. Junto a Celso Furtado, Igncio Rangel, Roberto Campos, Maria da Conceio Tavares, Fer-

    1 Segundo pesquisa realizada por Carlos Roberto Azzoni (Econom ia Aplicada, v. 4, n. 4, p. 822, quadro 6, 2000), Bresser-Pereira era, em 1999, o terceiro economista brasileiro mais citado no exterior, com 109 citaes. Celso Furtado contava 374 citaes e Mario Henrique Simonsen, 131. Os dados utilizados por Azzoni foram obtidos no mecanismo de busca Web of Science.

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    nando H. Cardoso, Mario Henrique Simonsen, Carlos Lessa, Edmar Bacha, Luiz Gonzaga Belluzzo, Prsio Arida, Paul Singer, Francisco de Oliveira, Theotonio dos Santos, Jos Serra, Antnio Barros de Castro, Yoshiaki Nakano, Guido Mantega e Francisco Lopes, para citar alguns entre inmeros outros importantes autores, ele esteve envolvido nas quase quatro dcadas de produo terica de trs geraes de economistas brasileiros. Eles atuaram num perodo de grande fertilidade para as cincias econmicas e sociais no Brasil.

    De fato, as dcadas de 1950 a 1980 foram de grande efervescncia para o pensamento social em geral. Nesses anos dourados da produo terica brasileira, emergiu uma caracterstica que, em grande medida, iria explicar a capacidade criativa de nossas cincias sociais. Era um inconformismo que impeliu uma primeira gerao de economistas brasileiros e seus colegas latino-americanos a recusar as teorias graciosamente oferecidas pelo mainstream dos pases avanados, que vinham prontas para o consumo dos intelectuais da periferia. Surgia, nesse perodo, um pensamento econmico autnomo, disposto a identificar as pecuharidades de nosso processo de desenvolvimento. Assim nasceram as correntes tericas mais fecundas do pensamento econmico brasileiro e latino-americano, que influenciaram diretamente os movimentos sociais e pohticos, assim como a ao do Estado brasileiro ao longo de quase meio sculo.

    A primeira grande corrente foi a do desenvolvimentismo, na qual esteve engajada a maioria dos pensadores brasileiros de peso da primeira gerao. Afinal, superar o atraso secular da Amrica Latina, libertar-se dos velhos grilhes do colonialismo e imperialismo e colocar-se na rota da industrializao e do desenvolvimento capitahsta, ento trilhada pelos Estados Unidos e Europa no ps-guerra, era a legtima aspirao dos povos deste continente. Dessa lavra surgiu o desenvolvimentismo do Iseb, bem como a teoria do subdesenvolvimento da Cepal, que, com os seus cursos de formao implantados no Brasil sob a batuta de Anibal Pinto, alm da ida, por livre-arbtrio ou de forma compulsria, de brasileiros cidade de sua sede, Santiago do Chile, influenciou a formao de vrias geraes de pensadores brasileiros.

  • Contudo, O fracasso do desenvolvimentismo em gestar um tipo de crescimento econmico que favorecesse no apenas a burguesia, mas se difundisse para as camadas mais pobres da populao latino-americana, dividindo melhor os frutos da riqueza que se avolumava nas mos da burguesia j havia muito tempo, fomentou o surgimento de novas correntes tericas e movimentos polticos no Brasil e na Amrica Latina. Afinal, o Brasil da segunda metade do sculo XX ostentava as maiores taxas de crescimento do mundo, juntamente com os maiores ndices de desigualdade social.

    Mesmo antes do golpe de 1964, j fermentavam novas correntes tericas no seio da inteligncia brasileira. Se, por um lado, a esquerda mais tradicional radicalizava seu discurso, em face das mazelas da ditadura, outra corrente partiu para um empreendimento mais ousado e criativo. Surgia, nos anos 1960, uma nova esquerda no Brasil, da qual Bresser um dos mais dignos representantes. Uma nova esquerda que, para produzir um conhecimento mais aprofundado da realidade brasileira, no tinha preconceitos de usar os fundamentos do marxismo nem de apropriar-se do pensamento contemporneo de Keynes e outros autores mais prximos do status quo.^ Foi dessa lavra que surgiu a teoria da dependncia, na qual se envolveu diretamente Bresser-Pereira:

    Nos anos 50 domina no Brasil a teoria do imperialismo e o pessoal do ISEB, com Igncio Rangel como principal economista, e a CEPAL, onde o principal economista seria Celso Furtado, que ainda viam o subdesenvolvimento brasileiro como causado em grande parte pelo imperialismo, que impedia de nos industrializarmos. Mas fica claro, durante a segunda metade dos anos 50, que isso falso. No final dos anos 50 escrevi uma carta, depois um artigo, mostrando quais eram os fatos novos que mudavam a natureza da relao do Brasil e da Amrica Latina com o primeiro mundo. Deixava de ser uma mera relao de naes ou pases imperializados, mas passava a ser uma relao que ns chamamos de uma nova depen-

    A O R I G I N A L I DA D E DE UM I NO V A D O R C I E N T F I C O

    2 Ver, a respeito, Bresser-Pereira (1982), que continua sendo um dos melhores trabalhos de sistematizao das linhas tericas de interpretao sobre o Brasil.

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    dncia. Alis, eu estou profundamente envolvido no surgimento da teoria da nova dependncia.^

    A nova esquerda foi extremamente crtica do modelo econmico do autoritarismo, em particular da concentrao de renda e demais distores socioeconmicas que este promoveu, em seus mais de 20 anos de reinado. Ao mesmo tempo, soube detectar com maior lucidez, e sem os preconceitos e limitaes da velha esquerda, a dinmica e as peculiaridades do capitalismo retardatrio brasileiro. Posteriormente, dos anos 1980 em diante, o foco dos pensadores recai sobre os problemas da dvida externa e, principalmente, sobre a questo da inflao e da crise fiscal do Estado, alguns dos grandes temas do capitalismo contemporneo. Da o surgimento da corrente da teoria da inflao inercial, ltimo grande movimento terico dos anos 1980, com desdobramentos importantes nos anos 1990, e para a qual Bresser-Pereira tambm deu, certamente, uma contribuio fundamental.

    A teoria da dependncia, como todo movimento de idias, foi um produto coletivo, resultado da crise do modelo de substituio de importaes e do populismo, assim como do imenso volume de pesquisa e de circulao de idias para interpret-las. Essa dimenso coletiva, necessria para um resultado de tamanha complexidade, concentrou-se na obra de alguns autores que ofereceram os elementos conceituais mais genricos, sistemticos e profcuos para a sua elaborao.

    A crise econmica, poltica, social e ideolgica na Amrica Latina das dcadas de 1960 e 70, aps uma onda de investimentos em que o capital estrangeiro se torna o setor mais dinmico dessas formaes sociais, questiona decisivamente o pensamento desenvolvimentista, que supunha, em suas verses direita e esquerda, uma vez vencidos seus obstculos internos modernizao, poder repetir nas sociedades perifricas os modelos de desenvolvimento dos pases centrais. A industrializao da periferia sob a gide do capital internacional trouxe a associao do desenvolvimento com

    ^ Bresser-Pereira, 1982.

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  • 0 subdesenvolvimento, por acrescentar novos elementos s formas antigas deste. A partir desse quadro emprico complexo, Theotnio dos Santos, Bresser-Pereira, Fernando Henrique Cardoso, Enzo Faletto e Ruy Mauro Marini, entre outros, extraem o objeto e os elementos gerais do conceito de dependncia. A dependncia adquire sua expresso sistemtica na economia mundial hegemonizada estruturalmente pelo grande capital, e envolve, como registra Carlos Eduardo Martins, trs elementos que se condensariam para designar e concretizar o contedo de suas relaes:

    as estruturas de desenvolvimento do capitalismo, as quais se fundamentam nos fenmenos da internacionalizao e monopohzao do capital - em particular, nas formas que estas adquiriram a partir da fase imperialista - e exercem um papel condicionante sobre os outros elementos na produo das relaes de dependncia;

    as mediaes que se estabelecem atravs das relaes internacionais entre os pases que so objeto da expanso capitalista e os processos de internacionalizao do capital, de maneira a configurar uma diviso internacional do trabalho que fundamenta a dependncia. Aqui despontam as formas que assumem o comrcio exterior, o movimento internacional de capitais e as transferncias internacionais de tecnologia;

    as estruturas internas dos pases objeto da expanso capitalista, expressando o encontro dialtico dos elementos internos destas economias com as relaes econmicas internacionais e a estrutura monoplica internacional.

    As relaes de dependncia no surgiriam ento como um fator externo, mas a partir de uma complexa relao entre estes trs nveis de relaes socioeconmicas que internalizam a dependncia. Para Theotnio dos Santos, o conceito de dependncia envolve uma elaborao centrada na contradio, onde a integrao entre estes trs nveis, que designa as relaes de dependncia (estruturas internacionais do capital, relaes econmicas internacionais e estruturas internas dos pases objeto da expanso do capital internacional), depende necessariamente de uma composio de foras sociopohticas nos pases dependentes que a consolide de acordo com as

    A O R I G I N A L I DA D E DE U M I N O VA D OR C I E N T F I C O

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  • EM BUS CA DO N O V O

    possibilidades oferecidas pela situao que condiciona a dependncia. Surge, assim, a necessidade do conceito de compromisso ou combinao de interesses para designar esta composio.'*

    As teorias de subdesenvolvimento podem ser divididas em duas grandes vertentes. A primeira delas a da superexplorao imperialista (ou do colonialismo mercantil, que privilegia as formas de colonizao - povoamento ou explorao - como determinantes para se explicar a questo do desenvolvimento) e a apropriao pelas metrpoles do excedente gerado nas colnias via imperialismo (superexplorao). As origens destas explicaes esto em Marx e Lnin, com contribuies importantes na Amrica Latina, tais como as de Caio Prado Jiinior e Andr Gunder Frank (com a tese sobre o desenvolvimento do subdesenvolvimento). Depois temos a teoria de centro-periferia, de Prebisch e toda a escola cepalina, associada ao estruturalismo latino-americano, da qual as contribuies de Furtado e Conceio Tavares e a teoria da dependncia so derivaes importantes.

    O paradigma estruturalista (Prebisch e Furtado) entende o subdesenvolvimento como um fenmeno relacionado s estruturas produtivas da periferia - indstria no-integrada, agricultura dual e comrcio exterior reproduzindo tais assimetrias. Bresser-Pereira chama exatamente de interpretao da superexplorao imperialista a abordagem neomarxista que trata o desenvolvimento econmico e social dos pases subdesenvolvidos como se fosse condicionado por foras externas (dominao desses pases por outros mais poderosos). Isto os leva a dar nfase esfera da circulao, explicando o subdesenvolvimento em termos de relaes de dominao na troca. Argumentam que um excedente extrado de pases subdesenvolvidos por pases capitalistas adiantados, empobrecendo os primeiros, que deixam de se desenvolver porque perdem acesso a seus excedentes. Esse excedente apropriado pelos pases capitalistas adiantados e neles investido, convertendo-se num dos primeiros elementos para o seu rpido desenvolvimento econmico. A interpretao da superexplorao imperialista afirma que a dicotomia extrao/apropriao de exc