Em busca da cidade ideal

23
1 “EM BUSCA DA CIDADE IDEAL”: IMAGENS E IMAGINAÇÃO DO URBANISMO DE HAUSMANN NO INTERIOR DA AMAZÔNIA Aldair José Batista de Souza Pesquisador do Museu de Arte Sacra de Bragança-Pa MASB RESUMO: Demonstrar uma cidade que está passando pelo processo de transformação urbana, à exemplo dos grandes centros europeus e nacionais no início do século XX, é o objeto de análise do presente artigo. Todavia, não buscamos unicamente retratar as obras, como o calçamento das ruas, os prédios públicos, o embelezamento das praças e as regras sobre as habitações feias e insalubres, mas também, captar o ideal de cidade moderna e as imagens de desejo. PALAVRAS-CHAVE: Bragança Modernidade Urbanização. ABSTRACT: Demonstrate a city than it is to is passing by the the process as of conversion city planning, at the example of the big ones centrepieces at the start from the XX th century , is the one object as of analysis from the actual article. Yet , did not we pick uniquely portray the jobs as the calçamento of the pathways , the prédios public , the embellishment of the marketplaces and the rules on the subject of the habitations ugly and unhealthy, but also , grab the one ideal as of modern city and the images as of desire. KEYWORDS: Bragança Modernidation Urbanisation. O paradigma do urbanismo moderno frances haussmanniano 1 que passou a ser reproduzido na Amazônia não fora exclusivamente políticas dos administradores das cidades de Belém e Manaus no período áureo da extração da borracha. O planejamento urbano que 1 O paradigma de modernização urbanística utilizado em todo o mundo foi a grande reforma urbana implementada em Paris pelo barão Georges Eugène Haussmann, entre 1853 e 1869. Na América Latina, o modelo de Haussmann predominou até meados do século XX. No Brasil, o primeiro exemplo de reforma urbanística surgiu na cidade do Rio de Janeiro, entre 1902 e 1906. Depois, outras cidades adotaram planos urbanísticos em sua modernização, como São Paulo, Manaus, Belém, Curitiba e Porto Alegre.

Transcript of Em busca da cidade ideal

Page 1: Em busca da cidade ideal

1

“EM BUSCA DA CIDADE IDEAL”: IMAGENS E IMAGINAÇÃO DO

URBANISMO DE HAUSMANN NO INTERIOR DA AMAZÔNIA

Aldair José Batista de Souza

Pesquisador do Museu de Arte Sacra de Bragança-Pa – MASB

RESUMO: Demonstrar uma cidade que está passando pelo processo

de transformação urbana, à exemplo dos grandes centros europeus e

nacionais no início do século XX, é o objeto de análise do presente

artigo. Todavia, não buscamos unicamente retratar as obras, como o

calçamento das ruas, os prédios públicos, o embelezamento das

praças e as regras sobre as habitações feias e insalubres, mas

também, captar o ideal de cidade moderna e as imagens de desejo.

PALAVRAS-CHAVE: Bragança – Modernidade – Urbanização.

ABSTRACT: Demonstrate a city than it is to is passing by the the

process as of conversion city planning, at the example of the big ones

centrepieces at the start from the XX th century , is the one object as of

analysis from the actual article. Yet , did not we pick uniquely portray

the jobs as the calçamento of the pathways , the prédios public , the

embellishment of the marketplaces and the rules on the subject of the

habitations ugly and unhealthy, but also , grab the one ideal as of

modern city and the images as of desire.

KEYWORDS: Bragança – Modernidation – Urbanisation.

O paradigma do urbanismo moderno frances haussmanniano1

que passou a ser reproduzido na Amazônia não fora exclusivamente

políticas dos administradores das cidades de Belém e Manaus no

período áureo da extração da borracha. O planejamento urbano que

1 O paradigma de modernização urbanística utilizado em todo o mundo foi a grande reforma urbana

implementada em Paris pelo barão Georges Eugène Haussmann, entre 1853 e 1869. Na América

Latina, o modelo de Haussmann predominou até meados do século XX. No Brasil, o primeiro exemplo

de reforma urbanística surgiu na cidade do Rio de Janeiro, entre 1902 e 1906. Depois, outras cidades

adotaram planos urbanísticos em sua modernização, como São Paulo, Manaus, Belém, Curitiba e Porto

Alegre.

Page 2: Em busca da cidade ideal

2

ocorreu em Bragança do Pará no início do século XX não deixa de ser

expressivo, em termos gerais inspirava-se no que fora feito nas

grandes capitais brasileiras. Relativamente pequena, em relação a

centros como Rio de Janeiro, Belém, Manaus, Paris ou Londres, mas

no imaginário de muitos cidadãos bragantinos, principalmente os

segmentos dominantes, a cidade despontava como uma futura urbe. A

cidade de Bragança para a época, não se apresentava apenas como

uma singela cidadezinha do interior do Pará, mormente em sua

dinâmica social e na sua estrutura urbana. O aumento populacional e

urbanístico nela operado, pela ocasião da instalação de núcleos

agrícolas de migrantes e a implantação da Estrada de Ferro de

Bragança, em 1908, destacaram-na como o mais importante núcleo

urbano do interior paraense. Pela qualidade de sua produção agrícola,

ela tornou-se um grande pólo de distribuição de mercadorias que

atendia não só Belém, mas a Amazônia e a região Nordeste.

Liderada por uma elite de coronéis e profissionais liberais com

grande representação política no estado do Pará, a cidade foi “sonhada

e idealizada a um novo estágio civilizatório, que se parecesse com as

maiores cidades européias, mas especificamente a França, onde se

atingisse uma verdadeira revolução de práticas e costumes” (SILVA,

2002), que envolvesse valores morais e sociais fundamentais para os

indivíduos. Tratava-se, portanto, como afirma o historiador Geraldo

Coelho, das “condições reais e imaginárias da belle-époque, (...) aos

eixos da mundialização da cultura francesa como representação de um

padrão burguês e civilizado de identidades e de práticas culturais”

(COELHO, 2002). Esses imaginários de sociabilidade e modernização

urbana européia foram eleitos por boa parte da elite bragantina como

modelo ideal a ser seguido, influenciando o precoce

automorfoseamento da cidade.

As mudanças urbanísticas que embelezaram a face da cidade

tiveram início no governo do intendente Cel. Antonio Pedro da Silva

Pereira (1899-1906) e intensificado na administração do Major Antonio

da Costa Rodrigues (1909-1912) e do Cel. Francisco Antonio Pinheiro

Junior (1912-1918). Em tais administrações foram projetados na

estrutura urbana além de redes de distribuição de água e esgotos,

iluminação elétrica, calçamento/alargamento e sarjetamento de ruas,

Page 3: Em busca da cidade ideal

3

construções de pontes, o Palacete Municipal (1905), o Mercado

Municipal (1911) e o Matadouro Municipal (serviços e obras explorados

pela empresa de melhoramentos públicos, Santo & Calandrini); a

chegada da locomotiva do Trem na Estação da Estrada de Ferro

(1908) e a implantação do Coreto Antônio Lemos (1910), na parte

central da Praça Marechal Deodoro da Fonseca. Foi entusiasmado

com o este surto de progresso da cidade que o governador do Pará,

Dr. Augusto Montenegro, na ocasião da comemoração do término da

ferrovia Bragantina, em seu discurso, denominou Bragança de “Pérola

do Salgado” (OLIVEIRA, 2005: 32-34).

Em virtude dessas medidas remodeladoras, “o novo modelo”

urbanístico aos poucos foi transformando a parte central, com ruas

retas e perpendiculares, rigorosamente simétricas, formando um

verdadeiro tabuleiro de xadrez (SILVA, 1981: 18). Logo, a estrutura

urbana de uma cidade antiquada, tradicional, de ruas estreitas,

desalinhadas, com animais vagando pelas ruas e de habitações

insalubres; desprovida de calçamento, de uma rede de esgoto, de

abastecimento de água e de iluminação elétrica, passa a ser projetada

a um modelo de cidade moderna.

Um viajante que foi convidado pelo jornal “A Cidade”, em

1916, a dar sua impressão da Região Bragantina, descreve sua viagem

no trem e ao chegar no centro urbano de Bragança, dá o seguinte

depoimento:

(...) ao longe, na volta do caminho, a silhueta branca da

cidade: era o ar puro, a água redimidora, a evocação

histórica do passado, envergotadas as sombras

gadelhudas dos caetés entre as maravilhas do presente, a

maloca cedendo lugar aos agrupamentos civilisados, a

resina chorando a sua lágrima estúpida aos fulgores da luz

electrica, as cahiçaras substituídas pelo palacete moderno

(...) (Cf. JORNAL A CIDADE, 1916).

A nova paisagem urbana chama a atenção do viajante. Aquela

imagem de cidade como uma “aldeia” indígena, descrita por maloca,

passa agora a ser vista com feições novas, civilizada, tendo a presença

Page 4: Em busca da cidade ideal

4

da energia elétrica que assumia o papel de representação da

modernidade, do futuro e do progresso, em face ao plano de

remodelamento que a recente urbe experimentava.

Havia um projeto da elite política local de modernização da

urbe, ou melhor, do seu centro, na tentativa de mostrar o progresso

que desfruta a cidade, pois

(...) a nossa cidade acompanha a marcha progressiva, para

ser indiscutivelmente a segunda cidade do Estado, não

porque as outras se mostrem retardarias, mas porque ella

avança procurando não perder de vista a prospera e

futurosa Capital. A estrada que, ha pouco tempo, nos ligou

a Capital, solvendo as grandes difficuldades de

communicação entre nós e ella, abriu as portas do

município à entrada de capitaes e de braços novos que nos

virão fecundar as fontes de riqueza. Mas, por isso mesmo,

grandes são os cuidados, as attenções, os esforços, os

serviços que o município está, e cada vez mais,

reclamando. Mister se está fazendo, e do modo mais

imperioso, que procuremos, tanto quanto em nossas forças

couber, proporcionar á vida, entre nós, as comodidades e o

conforto das capitaes civilizadas de que ella está

carecendo (...) (Cf. LIVRO de Relatório da Intendência

Municipal de Bragança, 1910: 16).

Portanto, o poder público procurava projetar para o tecido

urbano de Bragança a imagem de uma cidade que está se

modernizando, com características européia, que correspondessem

aos interesses das elites e autoridades bragantinas. Nesse caso, ela

deveria ser limpa, saneada e com uma população de hábitos e

costumes de uma cidade moderna, e os grandes centros civilizados

seriam modelos a serem seguidos.

Para a realização de tal política que deveria embelezar, sanear

e policiar, os administradores públicos iniciaram a proposta de

modernização do perímetro urbano, implementando relevantes

medidas, como a revisão do Código de Posturas, criação da Polícia

Page 5: Em busca da cidade ideal

5

Municipal, instalação da luz elétrica; além da formação de uma

Comissão de Melhoramentos Urbanos, instrumento necessário para a

efetivação de inúmeras intervenções urbanas. Medidas urbanísticas

que se deram por meio de uma crescente legislação com o propósito

de embelezamento/saneamento.

Os melhoramentos nas ruas adquiriram força no governo do

intendente Antonio da Costa Rodrigues, quando o Conselho Municipal

autorizou a Intendência a entrar em negociação com os proprietários

da pedreira de granito, no Alto Quatipurú, para o fornecimento de

paralelepípedos (Cf. LIVRO de Leis Municipais, 1910: 12). Assim,

inúmeros trabalhos foram iniciados:

As aberturas de valas laterais teriam início em algumas

ruas cimentadas, como a da Travessa Senador José

Pinheiro, no trecho compreendido entre a Praça Senador

Antonio Lemos e a Rua 13 de Maio, para o escoamento

das águas fluviais. Na Travessa Rio Grande, partindo da

Rua General Gurjão e terminando na Rua Conselheiro

João Alfredo o alargamento e destocamento foram feitos.

Nas praças Marechal Deodoro da Fonseca e São Benedito,

na Travessa Vigário Motta, na Rua Visconde do Rio

Branco, na Praça Senador Antonio Lemos, na Rua General

Gurjão, na Rua Dr. Justo Chermont, na Travessa Senador

Pinheiro, na Rua Marechal Floriano Peixoto e na Travessa

Cônego Miguel foram realizados os aterramentos

necessários para os futuros serviços de calçamentos que

ainda estavam faltando. Paralela a Rua Dr. Roberto que se

estenderá da Travessa 15 de Agosto até acima da

Travessa do Riozinho foram feitas a abertura de uma rua

(Cf. LIVRO de relatório da Intendência Municipal de

Bragança, 1910: 13).

No ano de 1914, o intendente Pinheiro Junior, prossegue com

os trabalhos de reparos em algumas daquelas ruas. Na Rua Visconde

do Rio Branco foi feito a aquisição de uma faixa de terra de 200 m para

o seu prolongamento e calçamento. No extremo da Travessa Senador

Page 6: Em busca da cidade ideal

6

Pinheiro, devido o desmoronamento de uma barreira próximo ao litoral,

estava sendo realizado os levantamentos para a reconstrução do

trecho danificado. Na Rua Marechal Floriano Peixoto por causa do

lamaçal após as chuvas, foram feitos os trabalhos de calçamento.

Além desses trabalhos fora aberta uma larga avenida. As

grandes avenidas eram símbolos dos grandes centros. Construções

exigidas pelo progresso e pelo desenvolvimento industrial, para facilitar

o deslocamento e escoamento da produção, impulsionar o comércio e

inclusive para garantir o abastecimento de víveres e demais produtos

indispensáveis à população. Essa preocupação com a circulação fez

com que a Municipalidade idealizasse a construção da Avenida

Thomaz Ribeiro. Ela teria, logo de início, aproximadamente 5

quilômetros de extensão, ligando a cidade com as regiões dos campos.

Não se tratava propriamente de abrir uma nova via, mas de utilizar a

Rua da Liberdade já existente, desapropriando-a e alargando-a. Mas

Bragança naquele início do século XX comportava um

desenvolvimento comercial, industrial e populacional que realmente

exigisse medidas emergenciais como a abertura de uma avenida? A

questão das avenidas estava ligada mais à fantasmagoria da cultura

burguesa, isto é, da ilusão e do imaginário em se apropriar de um

modelo estrutural urbano vigente nos grandes centros como Paris, Rio

de Janeiro e Belém, que, se implantado ou instalado garantiria galgar

ao status da modernidade (BENVENUTTI, 2004: 95).

Os serviços públicos também se estendiam ao tão desejado

sistema de abastecimento d´agua e esgotos, por meio de canalizações,

que atenderia as necessidades da população. Foi nesse momento que

tiveram início a desobstrução e limpeza do igarapé Rio Grande, desde

o local da “Aldeia” até a sua foz, bem como os reparos de que carecia

o pontilhão de madeira existente sobre o rio na Rua Marechal Floriano

Peixoto. Para o andamento dos diversos melhoramentos a

administração municipal resolveu criar equipes de trabalhadores

braçais. Eram homens que estavam espalhados em diversos pontos da

cidade realizando trabalhos de canalização, calçamento, sargetamento,

alargamento das ruas e demais serviços públicos necessários para o

embelezamento de Bragança, e como era prioridade do município ter

Page 7: Em busca da cidade ideal

7

um sistema de abastecimento de água e um mercado a sua altura

foram contratados mais trabalhadores para as conclusões das obras.

Outra melhoria foi na energia elétrica, que agora os

bragantinos não mais dependiam do deficiente serviço de iluminação

de lampiões. A Intendência Municipal na tentativa de garantir um

eficiente sistema de iluminação elétrica firmou o contrato com a

empresa Eumar Santos & Calandrini, em 19 de fevereiro de 1909. A

proposta da municipalidade era primeiramente iluminar os lugares de

lazer das elites à exemplo das praças e depois estender a luz para os

domicílios, por ordem do proprietário.

O plano de remodelamento implementado pela administração

municipal previa também o término da construção do prédio do

Mercado Municipal, bem como a modernização do Palácio da

Intendência e o embelezamento das praças, em especial a

Generalíssimo Deodoro da Fonseca. Eram obras permeadas de signos

que representavam modernidade e civilização erigidas na cidade. O

Moderno Mercado Municipal, como também era chamado, teve a

conclusão dos trabalhos em 7 de setembro de 1911 pela Empresa

Santos & Calandrini. Foi construído estrategicamente em um local de

destaque, voltado para o porto em direção a ponte do litoral, no

retângulo formado pelas ruas Souza Franco, Rio Branco e pelas

Travessas José Pinheiro e São Matheus. Sua arquitetura, neoclássica,

obedecia todas as regras das construções modernas, tendo a

cobertura central sobre peças metálicas e a sua área total de 875 m²,

com o compartimento central destinado a talhos e aparadores, numa

superfície de 336 m². Possuía 16 salas externas com vinte e cinco

metros quadrados cada um. Todo o edifício era aparelhado

higienicamente, sendo marcado e tendo amplos passeios para garantir

a melhor circulação de mercadorias e de consumidores. Sendo “um

esplendido edifício, capaz de honrar a qualquer cidade adiantada do

nosso país” (LIVRO de Relatório da Intendência Municipal de

Bragança, 1912: 26).

As peças metálicas existentes na estrutura do mercado é um

ponto relevante, pois reflete a modernidade empregada nas

construções modernas. Esse tipo de material, presente nas obras

monumentais dos grandes centros, era fruto dos avanços da ciência,

Page 8: Em busca da cidade ideal

8

cada vez mais utilizado na engenharia civil. Como observa Sandra

Pessavento,

O ferro foi invadindo a técnica de construção no século

XIX, presentes nas estações ferroviárias, nos mercados,

nas usinas... Misturando a força com a leveza, a

resistência com a transparência, a arquitetura do ferro sem

dúvida marcava a separação de duas épocas. Ela se

associava aos novos tempos, da indústria, do vapor, da

eletricidade, do capitalismo triunfante (PESSAVENTO,

1997: 179).

O ferro estava cada vez mais presente no cotidiano dos

bragantinos, seja através dos trilhos do trem, dos fios elétricos, do

coreto metálico, da Estação Ferroviária, ou da ponte metálica

(atualmente denominada de Ponte do Sapucaia) – esta ponte

atravessava o Rio Caeté possibilitando aos bragantinos o acesso do

trem à colônia Benjamin Constant. Com isso, Bragança estava

entrando em uma nova época, se projetando “para ser em um futuro

breve uma faustuosa cidade, com o progresso advindo da Estrada de

Ferro” (LIVRO de Relatório da Intendência Municipal, 1913: 38).

O Palacete Municipal era outra obra que com sua

suntuosidade dotava a cidade com ares de modernidade. Fora o

primeiro prédio imponente edificado pelo poder público, uma cópia

original do Palácio de Bragança de Portugal. A intencionalidade de

construir o Palacete em um local de destaque – em frente a Praça

Generalíssima Deodoro da Fonseca voltado para Rio Caeté – tinha

como representação mostrar a ocidentalidade presente na cidade. O

viajante navegando pelas águas do rio Caeté percebia logo na

chegada um edifício de porte avantajado, revelando a civilização nas

terras dos caetés. No setor interno do prédio, na sala onde funcionava

o Conselho Municipal, foram instalados gradis de ferro com pintura de

alumínio ao mesmo tempo um serviço de iluminação. O Palacete era

motivo de admiração por todos, destacando-se das outras construções

ao seu redor, sendo chamado constantemente de uma edificação

moderna. Sua presença no centro da cidade simbolizava um novo

Page 9: Em busca da cidade ideal

9

padrão arquitetônico colocando em xeque as construções

ultrapassadas ali existentes. Assim, aquelas habitações feitas de

madeira, varas e palhas (as caiçaras) não poderiam mais fazer parte

da paisagem urbana daquela área.

Foi neste sentido que a administração municipal, na tentativa

de criar um espaço urbano, higienizado e belo, aprovou a Lei nº 96 de

15 de novembro de 1909:

Art. 1º: É absolutamente proibido a qualquer cidadão

edificar ou redificar predios ou fazer-lhes qualquer

modificações sem previa apresentação de planta, e sem a

licença do alvará e apresentar as condições de hyggiene,

estetica e architectura, de acordo com a largura das ruas e

ampliação das praças e bem assim com a sua posição

typografica.

Art. 2º: É rigorosamente vedada a construção de predios

insalubres.

Art. 3º: A approvação de que fala o art.1º não poderá ser

concedida, assi como o alinhamento sem que seja ouvida a

comissão de obras e alinhamentos do Conselho Municipal

(LIVRO de Leis da Intendência Municipal de Bragança,

1909).

Em nome do interesse público as moradias anti-higiênicas, as

barracas de palha e habitações precárias, não poderiam permanecer

no centro. Nessas edificações estavam instalados os interesses da

elite em remodelar, higienizar e controlar a cidade. Os pobres foram os

mais atingidos uma vez que a condição miserável em que viviam

obrigava-os a construir barracas de palha. As medidas previstas na lei

procuravam restringir e expulsar do espaço habitacional das elites, as

construções feias e que comprometesse a saúde, dificultando assim a

população pobre de ter sua casa naquele perímetro.

A legislação urbana também pretendia manter uma feição

harmonizada entre as residências, proibindo a edificação de prédios

“sem previa apresentação de planta e sem a licença do alvará” (LIVRO

de Leis da Intendência Municipal de Bragança, 1909). Tal medida era

Page 10: Em busca da cidade ideal

10

complementada pela Lei Municipal de 1906 que “concebia o prazo de

12 meses para que dentro deles os proprietários fizessem os devidos

melhoramentos para construção e remodelamento das edificações”.

Nesta batalha contra a feiúra, destacava-se o papel do

engenheiro municipal que tinha o dever de denunciar A Comissão de

Melhoramentos Urbanos os prédios que estavam fora das normas

estabelecidas pelo Código de Posturas:

Existindo vários predios arruinados e em estado de

desabarem, com risco da vida dos enquellinos, que em

algum d´lles moram, como também puchadas de casinhas

.... Requeiro que o Sr. Intendente, de conformidade com o

desposto do Código de Posturas em vigor, some a

respectiva Commissão para examinar os predios sita na

praça Marechal Deodoro da Fonseca dos Medeiros de

Quadros; na travessa de s.t Antonio de Manoel Miranda, na

rua Justo Chermont dos herdeiros de Rosa Lima; na Rua

Visconde do Rio Branco dos herdeiros de Manoel Ferreira

de Vasconcelos, na Travessa do Sol de Joaquim Ferreira

Porto e Manoel dos Santos e no Largo da Matriz de

Manoel Scine, para serem intimados os proprietários a

demoli-los, em praso curto, e findo (LIVRO de

Requerimento da Intendência Municipal, 1910).

Ao mesmo tempo em que se procurava demolir aquilo que era

feio, aplicavam-se novas exigências arquitetônicas para construção de

prédios modernos. Pela Lei nº 123 de 4 de dezembro de 1918 a

Intendência decretou que todos os prédios que fossem construídos no

perímetro urbano, “os proprietários seriam obrigados a fazê-la com

platibanda. E os que fossem reconstruídos ficaram sujeitos a seus

proprietários as mesmas obrigações do artigo antecedente”. Segundo

Jussara Derenji ao analisar as reformas em Belém, essas regras

eliminaria do meio urbano os temidos cortiços e barracas, “pois ao

proibir materiais como palha e barro, investiria contra a casa térrea,

predominantemente nas construções coloniais e obrigaria a reformar

todas as fachadas ao impor as platibandas” (DERENJI, 1994: 85).

Page 11: Em busca da cidade ideal

11

Outra estratégia para reurbanizar o espaço das elites

bragantinas foi a da valorização do espaço imobiliário da área central,

elevando a taxa das décimas urbanas. Medida em que uma parcela da

população não podia atender, como é o caso da requerente:

Catharina Alves da Silva, viuva de José Rodrigues da Silva

vem perante V.S. requerer que, attendendo a seu estado

de pobreza, seja ella dispensada, por lei ordinária, das

decimas de sua puchada, a rua Floriano Peixoto, canto da

travessa Lauro Sodré, desta cidade, onde habita, (...). Este

requerimento é feito por que a edade e soffrimentos da

requerente a impedem de ezercer trabalho remunerados,

vivendo de poucos recursos de produtos de pessoas

domesticas (LIVRO de Requerimento da Intendência

Municipal, 1912).

Dentro do projeto de remodelação urbana, o embelezamento

das praças e jardins constituía um outro fator importante no processo

de metamoforseamento da cidade. A preocupação em arborizar e

ajardinar esses espaços públicos não estava ligado apenas à questão

estética de uma nova cidade, mas à idéia de criar espaços saudáveis.

Era o modelo progressista presente nas transformações na paisagem

urbana de Bragança com duas características: “uma, é a existência de

grandes áreas verdes consagradas ao lazer, a jardinagem, que

satisfaçam aos olhos e preservem a saúde; a outra é a especialização

das atividades humanas – habitat, o trabalho, o lazer e a cultura”

(SILVA, 1995: 16).

Assim, o espaço verde no centro ganha atenção no processo

de modernização de Bragança, pois transmitiam ares de modernidade,

ordenamento e beleza. Foi nesta perspectiva que as praças da cidade

foram revitalizadas. A Praça Generalíssima Deodoro da Fonseca, em

frente o Palacete Municipal, carecia de melhorias só tendo em seu

centro dois pavilhões de madeira para o hasteamento de bandeiras. O

plano de revitalização incluía a implantação no centro da praça de um

pavilhão de ferro (coreto) vindo da Alemanha e do ajardinamento de

plantas vindo do Horto Municipal de Belém. A presença do coreto

Page 12: Em busca da cidade ideal

12

metálico, em 1910, foi motivo de comemoração pela população

bragantina, pois a partir daquele momento, a cidade dispunha de um

espaço civilizado próprio para as sociabilidades modernas, como as

apresentações de orquestras das bandas musicais do município.

As melhorias também foram feitas na Praça Augusto

Montenegro que ficava próximo a Estação da Estrada de Ferro. No dia

7 de dezembro de 1908 foi erguido no centro da praça um busto em

homenagem ao então Governador do Estado do Pará, Dr. Augusto

Montenegro, por ter trazido a Estrada de Ferro ao município. No

entender da historiadora Nazaré Sarges, analisando a Belém da

Borracha, a veneração pelos grandes homens pelos grandes vultos fez

parte também do projeto de urbanização, “pois é importante fazer com

que a população sempre se lembre de quem realiza as „grandes obras‟

de modernização, e, de certa forma, colabore com o progresso da

civilização” (SARGES, 2000: 171). Nela foram feitos ainda os aterros e

calçamentos com pedra mosaica de que estava carecendo. Também

foram embelezadas, calçadas e ajardinadas as praças Antonio Lemos,

da República e o Largo da Matriz. A Praça Silva Santos localizada ao

redor do Mercado Municipal foi embelezada por árvores de jaminzeiros.

Além das obras de embelezamento, a Intendência

preocupava-se com a limpeza e higiene da cidade. Uma cidade

moderna deveria estar limpa e saudável. Afinal, uma doença

contagiosa – à exemplo da epidemia de varíola de 1902 – poderia

espalhar-se rapidamente pelos espaços imundos e pobres, afetando

novamente toda a população. Portanto, era necessário cuidar,

combater, fiscalizar e impor normas higiênicas para moradias,

estabelecimentos comerciais, terrenos, estábulos e animais que

vagavam pelas ruas.

O poder público através do Código de Posturas aplicava

medidas punitivas para quem descuidasse do asseio. Multas, prisões,

fechamento de habitações e estabelecimentos comerciais, eram

penalidades impostas para quem não cumprisse as posturas. Os

terrenos e quintais imundos podiam torna-se um potencial foco

transmissor de doença. Nesse caso, a Intendência estabelecia um

prazo de trinta dias para que os proprietários limpassem seus terrenos.

Page 13: Em busca da cidade ideal

13

Os que não cuidassem da limpeza ficariam sujeitos a multa de 50$000

réis:

Aos trinta dias do mez de junho do anno de mil novecentos

e doze, nesta cidade de Bragança, Estado do Pará, eu

Raymundo Feliciano Alves Fiscal Geral da Intendência, em

correção que procedi, encontrei com falta de limpeza o

terreno de propriedade de Joaguim Zacarias da Silva, a rua

13 de Maio, canto da travessa do Lago, pelo que impuz a

multa de cincoenta mil reis (50$00) de conformidade com o

artigo nº 32 do Código de Polícia Municipal. E por ser

verdade lavrei o prezente auto de multa que assigno com

as testemunhas: João Francisco da Luz e Sizernando da

Silva Mattos, que a tudo viram e assistiram (AUTO de

Multa, 1912).

A vigilância e a fiscalização também alvejavam os

proprietários de porcos, cachorros, cavalos e gados. Os hábitos da

população interiorana de criar animais nos quintais e nas ruas para o

próprio consumo ou para comercializar, foram fortemente proibidos.

Qualquer animal que vagasse sem licença ou que fosse criado nas

ruas da cidade deveria ser imediatamente apreendido e seu dono

multado:

O Cel. Raymundo Antonio da Silva, faz saber a todos os

interessados de ordem do Sr. Intendente Municipal, que

tendo sido apprendido um porco que vagava nas ruas da

cidade, e como seu dono não tenha vindo, satisfazer a

multa de 30$00 em que incorreu (JORNAL A CIDADE,

1913).

As moradias foram alvos de intervenção diretamente das

Posturas. Os prédios de péssimas condições de higiene foram

interditados pela Municipalidade de Bragança. As autoridades

apontavam as habitações populares como focos transmissores de

doenças. O Código de Polícia Municipal de Bragança nº 69 de 23 de

Page 14: Em busca da cidade ideal

14

outubro de 1910 em seu parágrafo único, “proibia a construção de

barracas cobertas de palha dentro do perímetro urbano”. Esta iniciativa

garantiria que as habitações anti-higiênicas não permanecessem no

centro, a fim de evitar a propagação de doenças.

Medidas profiláticas imediatas foram tomadas pelo governo

municipal para garantir a saúde da população em épocas de

epidemias, como por exemplo, no caso da epidemia de Gripe

Espanhola, que vinha contaminando os moradores da cidade. Para

evitar a propagação da doença, a Intendência proibiu aglomerações de

pessoas, chegando a interditar o cemitério no dia de Finados, assim

como suspendeu o campeonato de futebol. Além dessas medidas, o

poder público através do periódico “A Cidade”, indicava os conselhos

médicos o que a população deveria seguir para evitar a doença:

O que devemos evitar:

a – As visitas aos doentes; b – As aglomerações ou

ajuntamentos; c – Cuspir ou escarrar no chão; d – Tossir

sem proteger a boca com um lenço ou com a mão;e – Uso

de gelados ou de qualquer bebida alcoólica, mesmo em

pequena quantidade ou sob qualquer pretexto; f – O

aperto de mão ou beijo nas crianças; g – Comer

excessivamente; h – Voltar ao trabalho sem nos sentirmos

forte, pois a convalescencia é, em geral, longa; i –

Excesso sem qualquer natureza (JORNAL A CIDADE,

1918).

O que devemos fazer:

a – lavar freqüentemente a casa com solução de creolina;

b – abrir freqüentemente as janelas e portas dos

aposentos, pois a casa em que entrar ar não entra doença;

c – escarrar dentro de pequenas bacias com conteúdo de

solução de creolina; d – escarrar nos lenços, quando não

tivermos bacia ou escarrador; e – ferver os lenços; f –

comer sobriamente, evitando gelados e bebidas alcoólicas;

Page 15: Em busca da cidade ideal

15

g – sobrevindo qualquer complicação, chamar o médico

mais próximo (JORNAL A CIDADE, 1918).

Essas prevenções higiênicas tiveram como alvo os pobres que

para os médicos higienistas eram os principais responsáveis pela

transmissão da gripe, principalmente por serem os freguentedores dos

botequins, moradores dos cortiços superpovoados e por não portarem

hábitos civilizados. As iniciativas médicas tinham como objetivo garantir

a saúde do homem trabalhador. Em uma sociedade onde a ordem era

trabalhar para conduzir o país ao almejado progresso, isto é, garantir o

processo de produção e o enriquecimento dos setores dominantes,

eram necessárias as mínimas condições de higiene. Uma doença

contagiosa poderia contaminar rapidamente a população, dessa forma,

os corpos doentes e fracos não teriam bom rendimento no trabalho.

Assim as doenças ameaçavam a existência do trabalhador.

Portanto, para garantir a saúde da população era preciso

intervir diretamente nos espaços destinados à moradia e na renovação

dos costumes das pessoas. A limpeza representava manter o corpo

limpo, através do banho; deixar a casa devidamente oxigenada e

abandonar os costumes que não estabelecesse uma vida sadia.

Ainda na tentativa de manter a cidade higienizada, foram

realizados serviços de limpeza e construção de esgotos que

canalizassem os dejetos da população para o Rio Caeté. Montou-se

uma equipe de Limpeza Pública que atuava na limpeza de lixo das

ruas, praças, terrenos baldios e no cemitério público. Também foram

feitos banheiros públicos na área comercial da cidade, bem como

bueiros e galerias para o escoamento das águas fluviais. Estes

serviços garantiriam à população uma cidade agradável e, sobretudo

saudável.

A garantia da saúde dos bragantinos também estava voltada

para regulamentação dos alimentos. A Intendência, pretendendo

manter as necessárias condições higiênicas dos gêneros alimentícios

para o consumo da população, firmou o contrato pela resolução nº 136

de 30 de novembro de 1910 com a Empresa Santos & Callandrini para

a conclusão das obras do Matadouro Municipal. Esta obra juntamente

com o Mercado Municipal tinha também como meta garantir maior

Page 16: Em busca da cidade ideal

16

fiscalização higiênica e controle sobre o alto preço dos alimentos de

primeira necessidade, principalmente em épocas de extrema carestia,

pois os trabalhadores precisavam de uma alimentação sadia,

necessária para recarregarem suas energias após longas jornadas de

trabalho na lavoura agrícola.

Visando solucionar este problema, o Conselho Municipal

estabeleceu a Lei nº 176 de 12 de novembro de 1918:

Art. 1º Fica expressamente prohibido abater-se gado de

qualquer espécie, para consumo na cidade, fora do curro.

Art. 2º Fica também prohibido expor carne a venda, em

talhos fora do mercado público, extendendo-se a mesma

prohibição ao peixe fresco salmora e mariscos.

PARAGRAFO ÚNICO: Os atalhadores de carne e

vendedores de peixe fresco e ou de salmoura e mariscos

são obrigados a uma licença do poder municipal, o qual

apresentarão ao funcionário fiscal do município, logo que

lhe seja pedida.

PARAGRAFRO ÚNICO: Ficam isentos da licença os

trabalhadores de carne, que forem marchantes e os

vendedores de peixe quando forem os próprios

pescadores...

Art. 3º O intendente entrará em accordo com o

contractante dos melhoramentos públicos da cidade, para

reduzir a taxa do peixe e marisco vendidos no mercado.

Tal legislação visava resolver os preços abusivos de 1200

para 1400 réis da carne bovina, que ficou escassa no município devido

a grande exportação de gado feita pela Estrada de Ferro. Diante disso,

o poder público resolveu proibir o abate clandestino do animal,

tentando ter controle do abastecimento do mesmo e dispensou os

impostos dos marchantes, que se comprometessem em manter o

preço razoável.

Se por um lado essas medidas buscavam solucionar a falta de

higiene e a alta dos preços dos alimentos, por outro lado provocou

indignações e resistências por parte dos vendedores que utilizavam o

Page 17: Em busca da cidade ideal

17

espaço externo do Mercado Municipal, para a venda de carne e peixe.

A regulamentação que proibia o uso desses espaços não reconhecia

as vivências e relações ali geridas, deixando os vendedores

transtornados, pois até aquele momento esses locais eram utilizados

livremente. Mas, mesmo com a proibição da lei municipal os

vendedores resistiam, insistindo na venda em outros locais:

(...) em a Praça da República, onde eu Perciliano de

Mattos Ferreira, Guarda Fiscal da Intendência Municipal,

me achava em pleno serviço do meu cargo encontrei

Raymundo Correa vendendo peixe fresco em lugar

proibido pelo que declarei multado na quantia de cem mil

réis (100$000) de acordo com o artigo do Código de Polícia

Municipal em vigor (...) (AUTO de Multa, 1918).

O trabalho de Michele Perrot, (PERROT, 1988: 123) contribui

para o entendimento desta questão. Ao analisar a conduta popular na

Paris do século XIX, Perrot enfatiza que as políticas de higiene, de

regulamentação e de delimitação dos espaços funcionais afetaram

diretamente o cotidiano da população e suscitaram resistências. A

autora cita o caso dos pequenos ofícios do Bairro de Temple, por volta

de 1832, onde existia o comércio ao ar livre com as bancas

vendedoras de roupas e objetos de segunda-mão. Com a construção

de um mercado coberto, essas bancas foram obrigadas a transferirem-

se para lá e a tirar seus alvarás de licença. Paralelamente surgem os

camelôs e os saltimbancos, com o seu comércio ambulante e insistem

em utilizar livremente as ruas e as praças, não aceitando as

determinações impostas.

Na idealização da Bragança moderna tentava-se criar um

espaço homogêneo. Na área central, ou primeiro perímetro urbano,

como também era chamada, deveriam ser erguidos palacetes, prédios

– de preferência janelas em gradis –, residências ao melhor estilo e

construções monumentais como o Mercado Municipal. Seria o espaço

da alvenaria, do calçamento, dos jardins, das praças cuidadosamente

ornamentadas e dos prédios importantes, como a Intendência

Page 18: Em busca da cidade ideal

18

Municipal, Grêmio Escolar, a Igreja Matriz, a Estação Ferroviária, bem

como um espaço para as novas formas de sociabilidade.

E não era apenas o desejo de alterar a paisagem urbana com

construções, calçamentos das ruas, iluminação ou eficiência dos

serviços públicos: desejava-se alterar os hábitos da população. O

poder municipal passou a ter entre as suas atribuições e deveres,

estabelecer normas e condutas sociais, para cuidar da harmonia do

espaço urbano. A preocupação da administração municipal começou a

ser focada no espaço central, pois dentro desse perímetro eram

encontrados vadios, mendigos, doentes e bêbados que perturbavam e

ameaçavam a vida da população. Uma legislação fora destinada a

disciplinar e normatizar comportamentos indesejáveis dos setores

populares. Em 1910, o Código de Polícia estabelecia multas ou

detenções as pessoas que causassem desordens e escândalos nos

lugares públicos da cidade, incluindo aí proferir palavras obscenas. A

municipalidade decretava em 1919, a proibição do banho e lavagem de

roupas, nos igarapés e rios as proximidades do perímetro urbano da

cidade, como também a pesca utilizando-se da erva timbó. O infrator

ficaria sujeito a multa de 100$000 e 200$000 mil réis ou a conversão

de 10 dias de prisão.

Assim, um modelo de cidadão é forjado: obediente,

trabalhador, produtivo e saudável. Exteriorizar esses valores garantiria

ao cidadão entrar na civilização e ter direito a ser reconhecido como

civilizado. Paralelamente aos discursos e falas em defesa da higiene e

da saúde pública, principalmente no que se refere à instalação de rede

de esgoto, sistema de abastecimento de água, limpeza e asseio nos

estabelecimentos comerciais e moradias, observa-se também

preocupações com aqueles comportamentos de indivíduos que sem

ocupação ficavam vagando pela cidade perturbando a ordem social.

Nos relatórios da municipalidade é visível a preocupação pela

preservação e defesa da ordem e harmonia da cidade. Em mensagem

apresentada ao Conselho Municipal, em 1913, o intendente Francisco

Pinheiro Junior, chama a atenção pelo desempenho da Polícia

Municipal no papel de reprimir e garantir a tranqüilidade no espaço

urbano:

Page 19: Em busca da cidade ideal

19

Escudados no sentimento da regeneração de costumes

porque vem passando todo este rico estado do Pará, o

governo municipal desenvolve acções eficientes para a

manutenção da ordem e segurança pública. Os habitantes

de Bragança reclamam de indivíduos de maus costumes e

vícios que diariamente ameaçam a tranqüilidade dos

cidadãos; até pouco tempo poucas veses se via na cidade

acontecimentos que perturbavam o sossego público.

Grande são os esforços da Polícia Municipal para punir e

reprimir das praças, das ruas do comercio, vadios,

embriagados, jogadores, reles espécies que infestam a

cidade de crimes.

O uso do álcool excessivo era um grande mal que

desrespeitava as normas e princípios morais, sendo o maior

responsável pelos desregramentos e desordens na cidade, suscitando

medidas de punição e repressão por parte do poder público. A Lei

Municipal nº 92 de 26 de abril de 1913, do Código de Polícia Municipal,

estabelecia proibição aos “botequins que não sejam de hotéis ou

pensões a serem obrigados a fechar às nove (9:00) horas da noite, do

mesmo modo aos domingos e feriados até ao meio dia, só podendo

abrir no dia seguinte”. Incorria na multa de 50$000 réis ao dono do

botequim que estivesse vendendo cachaça e o indivíduo que fosse

encontrado bebendo, após a hora estabelecida. Entende-se, portanto,

que esse tipo de manifestação que ameaçava a convivência ordeira

imposta era condenadas pelas autoridades bragantinas, mormente nos

lugares públicos.

A ociosidade é outra ameaça que desrespeitava a ordem

urbana e incomodava o poder público, sendo necessário criar

mecanismo de recuperação e transformação do praticante da

vadiagem. Consistia numa política de enquadramento no regime de

trabalho e lições de princípios morais destinado a menores

vagabundos que eram visto jogando bilhar nas tabernas,

perambulando pelas ruas, envolvendo-se em brigas ou proferindo

piadas de mau gosto aos transeuntes. Enquanto isso, a imprensa se

Page 20: Em busca da cidade ideal

20

manifestava reclamando medidas para acabar com esse mal que

ameaça o espaço público de Bragança:

Bragança, possue uma malta de menores vagabundos e é

preciso dar-lhes correctivo, e esse só pela educação pode

ser bem proveitoso. Muito felicitaremos a nossa terra se

dentro em breve tivermos o prazer de ver cada menor

vagabundo sentado a noite nos bancos da Escola Nocturna

e de dia das diversas officinas de alfaiate, marceneiros,

sapateiros etc, que possuímos. Cumpre a polícia o seu

dever e contara connosco para auxilial-a na obra

saneadora que precisamos encetar, custe o que custar,

desagrade a quem desagradar (JORNAL A CIDADE,

1915).

A inclusão de meninos vadios ou desocupados nas escolas e

oficinas os tornaria úteis à sociedade; acostumando-se ao trabalho,

garantiriam o seu futuro e o processo produtivo do município. Para dar

conta dos moleques pobres que transitavam pelas ruas e praças da

cidade, a intendência resolveu criar uma turma especial na Escola

Municipal Noturna, onde os meninos seriam recolhidos para instrução

educacional e profissional, mas de preferência agrícola. Pois seria

através do desenvolvimento da indústria agrícola que Bragança se

destacaria no cenário regional e acompanharia a “marcha progressiva

da capital, para ser indiscutivelmente a segunda cidade do Estado do

Pará” (LIVRO de Relatório da Intendência Municipal de Bragança,

1911).

Como se nota, as medidas elaboradas pela administração

municipal e autoridades públicas, surgiram exclusivamente pela

necessidade de preservação e defesa da ordem urbana. Uma cidade

que busca estar em sintonia com o progresso que experimentava a

capital do Pará, Belém, tudo que ameaçasse a idealização de uma

cidade civilizada, passa a ser motivo de preocupação por parte dos

setores dominantes, que não mediram esforços para promoverem

ações de vigilância, controle e punição sobre os costumes, hábitos e

lazer dos segmentos populares. A construção da Bragança moderna

Page 21: Em busca da cidade ideal

21

implicava representações imaginárias sobre os seus cidadãos. Assim é

que a imagem do cidadão trabalhador, educado, bem vestido e

produtivo deveria sobrepor-se à imagem do indivíduo vagabundo,

ocioso, embriagado e desordeiro.

Este universo de transformações que estava se operando em

Bragança encontrou significação no sonho e na imaginação de uma

Belle-Époque confiante na crença do progresso e da racionalidade

técnica a serviço da remodelação dos espaços urbanos, (PICON, 2001:

67-85) caracterizado por demolições de moradias, separação entre

espaços públicos e privados, higienização, arborização das praças, em

fim, na construção de uma “cidade ideal”. Esse imaginário só foi

possível, devido o projeto dos republicanos paraenses que pretendia

transformar a região de Bragança no “celeiro agrícola” do Estado, para

sustentar a economia da borracha, recebendo para isso investimentos

consideráveis como, por exemplo, a implantação da Estrada de Ferro

de Bragança. Segundo José Ubiratan do Rosário, tratava-se da

“articulação entre as duas áreas econômicas regionais – a produção

agrícola bragantina e o extrativismo da borracha – já a caminho do

boom que se intensifica, na região, a influência da Belle-Époque”,

(ROSÁRIO, 2000: 26) fazendo com que surgisse de imediato a

preocupação das elites locais na elaboração de um projeto urbanístico

para o centro da cidade. De acordo com os relatórios dos Intendentes e

o jornal “A Cidade”, os trabalhos regeneradores eram feitos para

proporcionar a cidade uma nova feição, moderna:

(...) A cidade pacata, de vida monotoma e simples, não

podia porem, ficar esquecida pelo progresso, com suas

variadas transformações e tudo se modificou numa

actividade febril. Grandes e modernos predios sugiram,

veio a estrada de ferro, cortaram-se novas ruas e

introduziu-se a moda com seus caprichos exqnesitos;

enfim, desapareceu o aspecto antiquado.

Tudo soffreu o latego feroz do modernismo triunfante

(JORNAL A CIDADE, 1915).

Page 22: Em busca da cidade ideal

22

Os resultados desta mudança estavam nas ruas e avenidas

calçadas, alinhadas e alargadas; nas praças cuidadosamente

ornamentadas com flores, árvores e monumentos metálicos; na

iluminação elétrica; nos prédios públicos; na funcionalidade do

Mercado Municipal; nos Códigos normativos; no sistema de

canalização de água e esgoto; na fiscalização higiênica de moradias,

gêneros alimentícios, estabelecimentos comerciais; e no Trem, o maior

símbolo do progresso e da modernidade na cidade.

Em suma, pode-se deduzir que, a representação dos grandes

centros civilizados, principalmente de Paris, plasmou de forma

acentuada a sociedade amazônica. Em outras palavras, a

representação dos hábitos e costumes europeus estava cada vez mais

encenada no cotidiano urbano de Belém, Manaus e Bragança, naquele

expirar da virada do século XIX para XX. Nas páginas do jornal “A

Cidade” atesta o novo tipo de viver urbano que estava se configurando

em Bragança. Era um cenário urbano tomado por senhores e senhoras

que buscavam desfrutar os espaços das praças, das ruas, do cinema,

dos clubes, das agremiações, dos bailes e dos banquetes ao ar livre,

se assemelhando com os “rituais de civilização” do mundo burguês.

Assim, adotar o comportamento e uso da cultura urbana européia era

estar em sintonia com as pulsações aceleradas de uma época de

transformações ditada pela ideologia do “Progresso e Civilização.”

Page 23: Em busca da cidade ideal

23

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. Companhia das Letras, 1988. BRESCIANI, Maria Stella M. Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da pobreza. São Paulo: Brasiliense, 1989. CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim. São Paulo: Brasiliense, 1986. COELHO, Geraldo Mártires. No Coração do Povo: Monumento à República em Belém (1891-1897). Belém: Paka-Tatu, 2002. . PERROT, M. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. ROSÁRIO, José Ubiratan. A Saga do Caeté: folclore, história, etnografia e jornalismo na cultura amazônica da Marujada; Zona Bragantina, Pará. Belém: CEJUP, 2000. SARGES, Maria de Nazaré. Belém: Riquezas produzindo a bele-époque (1870 - 1920). Recife, 1990. Mestrado em História. UFPE. SILVA, Armando Bordallo da. Contribuição ao estudo do folclore amazônico na Zona Bragantina. Belém: Falangola, 1981. SILVA, Klayton Campelo. Discursos, Perspectiva e Narrativas: Bragança através do jornal A Cidade. Belém: UFPA (Monografia), 2002. SILVA, Sonia Maria Bessa da. Bragança, a cidade e o seu cotidiano. Belém: UFPA (Especialização em História da Amazônia), 1995. VELLOSO, Mônica Pimenta. As tradições populares na Belle Époque carioca. Rio de Janeiro: Fuñarte, 1988.