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resenhas: FORMAÇÃO DE PROFESSORES: pensar e fazer — de Nilda AlvesÁgueda Bernardete Uhle (UNICAMP)

FORMAÇÃO DO EDUCADOR E EDUCAÇÃO POLÍTICA — de Jefferson Ildefonso daSilva

Helena Costa Lopes de Freitas (UNICAMP)

A FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO — de Mário Osório MarquesGenuíno Bordignon (UnB)

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101bibliografia

painel: CARTA AO LEITORAPRESENTAÇÃODIRETRIZES GERAIS PARA A CAPACITAÇÃO DE PROFESSORES, DIRIGENTES E ESPECIALISTAS DA EDUCAÇÃO BÁSICA

Em Aberto, Brasília, ano 12, n.54, abr./jun. 1992

EM DIREÇÃO A UMA POLÍTICA PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Luiz Carlos de Freitas *

O propósito deste trabalho é veicular algumas idéias geradas,nos últimos anos, no interior do movimento pela reformulaçãodos cursos de formação dos profissionais da educação, acres-cidas da percepção que o autor tem das mesmas. São asseguintes as partes deste documento: As circunstâncias, oshomens e a inevitável luta político-ideológica; O profissional daeducação: uma delimitação necessária; Elementos constitutivosde uma política global; Formação intensiva de qualidade; A organização da agência formadora: em direção à escola única;e Centros de Referência para a Formação do Profissional daEducação.

Boa parte dos problemas relativos à formação do educador noBrasil não depende de grandes formulações teóricas — aindaque estas possam ajudar e tenham seu lugar. São questõeseminentemente práticas: seja no interior das agências for-madoras (em especial, escolas normais e universidades), seja nointerior das agências contratantes (secretarias de educaçãoe Ministério da Educação, em especial). Não é preciso nenhum

* Professor da Faculdade de Educação da UNICAMP; Coordenador do Curso dePedagogia da FE/UNICAMP e Ex-Presidente da Associação Nacional pelaFormação dos Profissionais da Educação — ANFOPE — 1988/1992.

esforço teórico excepcional, adicional ao que já foi feito, paraencaminhar os problemas: é questão de "vontade política" — para citar um jargão. O termo não é muito adequado porquesugere que os problemas poderiam ser superados com a "vontade" de algumas pessoas, desde que se dispusessem a resolvê-los. Não é assim. As pessoas são também produtos desuas circunstâncias, ainda que possam e devam interferir ne-las. Costuma-se dizer que "a teoria na prática é outra". Porém,se uma teoria é consistente, na prática ela não é outra, senãoela mesma, já que se originou da mesma prática à qual retornaagora. No entanto, esta questão não é assim tão simples, poisesta prática está entrecortada por interesses conflitantes deseus atores — interesses que compõem projetos políticos an-tagônicos. São estes projetos que terminam influenciando a escolha das idéias e das teorias que convêm e rejeitando — independentemente da qualidade — outras. Isto faz com quemuitas idéias, na prática, não convenham a determinadosinteresses e, por isso, não sejam implementadas por determi-nadas circunstâncias criadas para defender tais interesses.

Não se interprete esta abertura como uma apologia do pragma-tismo e da acefalia teórica. Estamos querendo assinalar que jáse fez muito no campo das idéias e poucas delas converteram-seem realidade no interior dos cursos de formação de professores,nas secretarias de educação e dentro das escolas de formaefetiva e duradoura. O que sabemos, hoje, sobre formação deprofessores, se fosse concretizado, produziria uma mudançasubstancial em nossas escolas. É preciso, portanto, ainda quebrevemente, pelo menos assinalar algumas circunstâncias quejogam contra ou a favor do avanço da prática da formação de

E N F O Q U E ' . Qual é a questão?

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professores no Brasil. Como se verá, tais circunstâncias não sãodesconhecidas dos profissionais da educação — alguns estãohabituados a elas de tal forma que preferem prescindir delas,idealisticamente, como se pudessem operar no vácuo . Detempos em tempos, a realidade lhes apresenta a conta destedevaneio.

As c ircunstânc ias , os homens e a inevi táve l luta político-ideo lóg ica

Vínhamos argumentando que nossas questões são práticas e que as idéias já formuladas não se concretizam, em parte, porcircunstâncias que devemos ter presentes . Tais circunstânciasajudam a compreender porque, em determinado momento(década de 70 e 80), avançamos tão lentamente na questão daformação do professor e, em outro (década de 90), parece havermaior preocupação com a temática.

Dentre estas circunstâncias, cabe assinalar os requerimentos

1 Não é raro encontrar colegas muito bem intencionados que preferem relevartais circunstâncias porque "o que importa é fazer algo pela educação".Conseguem muito pouco, quando não fracassam e, então, o exame do insucessovolta-se para aspectos parciais do problema como "a estrutura da Secretaria",o "dirigente da instituição", "a existência deste ou daquele especialista ou a inclusão de mais um", "o pedagogo", etc. Como se estes contivessem o "mal" emsi mesmos e não fossem, eles mesmos, também, produtos de tais circunstânciasou não interagissem com estas.

2 Enumeraremos essa idéias ao longo deste trabalho.

que a formação social brasileira (e suas conexões internacio-nais) impõem à questão educacional .

Até mesmo para o leigo, nos últimos anos, uma nova terminolo-gia esteve presente nos jornais e na televisão assinalando osrumos de uma "nova ordem mundial". Competitividadeinternacional, desregulamentação, estado mínimo, informática,desemprego, redução do déficit público, recessão, e t c , sãoexemplos. O velho padrão de exploração da classe trabalhadora(que influenciou as mudanças educacionais dos anos 70)encontra dificuldades para continuar gerando riqueza. Nos anos70, o padrão de exploração implicava ampla fragmentação dastarefas de produção, acompanhada por rotatividade do traba-lhador de forma a baixar seus salários . Neste processo, a formação do trabalhador era bas tante limitada e rapidamenteconduzida no posto de trabalho por observação direta ou porcursinhos rápidos no interior da fábrica . O que importava erao domínio de um conjunto limitado de tarefas realizadas dentro

3 Para os incrédulos e "cansados" desta temática, vale a pena relembra-lhes a história da Lei n° 5.540 e da Lei n° 6.692. Veja-se a este respeito, por exemplo,Romanelli (1983) e Saviani (1987).

4 Ver Carvalho, (1987)

5 Como consultor de recursos humanos que fui nessa época, tive oportunidadede vivenciar esta organização de produção em várias empresas médias e grandes.

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de um certo ritmo . O nível educacional da força de trabalho é,nesta perspectiva, apenas um elemento complementar e a pouca qualidade da escola não incomoda.

A par t i r de meados da década de 80, o Brasil vem sofrendoinfluência de um movimento internacional que procuraredefinir as bases deste processo de exploração da classe traba-lhadora a part i r da introdução de novas tecnologias e de novasformas de organização do processo de trabalho . Este processovem acompanhado por uma nova divisão de mercados que criaconglomerados regionais sob liderança de alguns paísesemergentes (p. ex. Japão, Alemanha), onde a competitividadeinternacional define a posição dos países membros . Entreoutros fatores, faz parte do aumento desta competividade a introdução de novas formas de organização do trabalho (p. ex.tecnologia de grupo, células de produção, qualidade total)baseadas em novas tecnologias (em especial a microeletrônica).

Nestas novas formas de organização da produção, o capital fixo

6 Embora a teoria do capital humano estivesse posta noa anos 70, seu alcanceera macroeconômico e não microeconômico (cf. Bartlett e Lingard, 1992).

7 Gamble refere-se a este movimento como "Nova Direita", mais conhecida peloseu braço neoliberal (cf. Gamble, 1988). Consultar ainda: Carvalho (1987),Paiva (1989), Salm (1991) e 0'Connor (1986), entre outros.

8 Neste campo há um debate importante sobre a quebra de hegemonia norte-americana para uns (p. ex. Gamble, 1988) versus a reestruturação destahegemonia, para outro (p. ex. Gill, 1990).

complexificou-se, o velho padrão de exploração é superado e novas exigências são feitas para a organização do Estado, parao trabalhador, para a escola e para a formação dos professo-res . Maior capacidade de integração, trabalho em equipe,mais "democracia" na condução do trabalho caracterizada pelomaior envolvimento do trabalhador em certas decisões, maiorcapacidade de abstração, mais leitura, mais matemática — entre outras — são requeridas. No entanto, tais habilidadesnão podem ser rapidamente improvisadas na contratação dotrabalhador. São habilidades típicas de serem desenvolvidas noaparato escolar — não no atual, mas em um reformulado . A qualidade da escola passa a interessar mais

9 No sentido hegeliano do termo: eliminar/conservar.

10 Ver Paiva (1989), Freitas (1992b) e Pinto (1991). Boa parte da mídiabarulhenta, no que se refere a educação (sucessivas reportagens sobrequalidade de ensino, ensino superior, ênfase na escola básica, avaliação, etc.)está articulada com estes interesses.

11 Da mesma forma que estas mudanças de padrão não atingem todas as áreasda economia, estando restritas, no momento, preferencialmente aos setores deponta da economia (cf. Carvalho, 1987), assim também, é provável que nãosejam todas as escolas a serem reformuladas, nem dentro de um mesmo Estadoe nem entre os estados. A extrema desigualdade industrial do Brasil cer-tamente afetará os estados de maneira diferenciada. Chama a atenção o Projetodos CIACs, a criação de escolas-padrão em São Paulo e as escolas-referência emoutros estados (p. ex. Minas Gerais).

12 Leia-se, a este respeito, Xavier (1992), onde se pode observar os conceitosde qualidade da indústria sendo aplicados ao aparato escolar.

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Acreditamos, portanto, que as novas contradições geradas nointerior da produção capitalista estão reacendendo o velhodilema entre educar/explorar. A educação é sempre temida pelosistema capitalista pela possibilidade de conscientização quegera. A "torneira da instrução" sempre foi muito bem dosada e agora, face às novas exigências tecnológicas, o capitalismo estásendo forçado a abri-la um pouco mais. Devemos recusar talabertura? Não. Mas fazer uso dela sem ter conhecimento doprocesso no qual está inserida é caminhar ingenuamente, comose a sociedade capitalista não contivesse em seu interiorinteresses de classe antagônicos e se pudesse "fazer algo pelaeducação" independentemente destes. Há muito que a idéia daneutralidade científica foi contestada nas ciências humanas.

É possível também, a julgar pela experiência internacional , que as elites — dada a característica dual da ação educativa — queiram "controlar" mais o aparato escolar — no que dizrespeito à política educacional —, descentralizando e envol-vendo os professores e demais atores da escola nas decisõesacessórias ("democratização da escola"), ou municipalizando-ana tentativa de colocá-la sob controle de forças conservadorasda sociedade (em relação a este último aspecto — controle — veja-se o Projeto "Adote uma Escola" em São Paulo, dirigido a empresários).

As circunstâncias fazem os homens, assim como os homens fa-

13 Ver Salm (1991) e Smyth (1991).

14 Cf. em Smyth (1991), a experiência da Austrália.

zem as circunstâncias , mas esta dialética implica ter cons-ciência da luta político-ideológica imbricada neste processo. O recente interesse na temática da formação de professores passapor esta conjuntura — bem como o descaso em que foi mantidoem décadas anteriores . Daí a necessidade de um examecrítico permanente das propostas para a área, de forma a desvelar os projetos políticos que estão nelas embutidos, já queestes são elementos importantes na escolha das idéias quechegam ou não até a escola. Tal escolha não ocorre alheia aosinteresses do capital, ainda que não necessariamente se limitea estes.

Não podendo ser mais abrangente nesta introdução, cabe enfa-tizar mais um aspecto, pelo menos. A situação da principalagência de formação de profissionais da educação: a Univer-sidade.

A est rutura da nossa Universidade responde a exigênciaseconômico-sociais de mais de 20 anos atrás — isto inclui asFaculdades ou Centros de Educação. A est rutura departamen-tal — que na época pode ter sido um avanço em relação à cátedra — encontra-se sem fôlego para assumir os novos desa-

15 Cf. Marx e Engels (1977).

16 Estas considerações dependem, agora, de uma avaliação permanente, emfunção da eleição de um democrata para a presidência dos Estados Unidos, doeproblemas enfrentados pela Inglaterra — países onde o neoliberalismo atingiuníveis de desenvolvimento altos nos últimos dez anos —, do afastamento de F.Collor e da indefinição do Governo Itamar. A queda de Collor não significa,necessariamente, a paralisação do projeto neoliberal.

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fios que se apresentam à Universidade. No entanto, é precisoenfatizar que esta questão diz respeito à Universidade como umtodo e não, como querem alguns, especificamente às Faculdadesou Centros de Educação. Não bastassem questões estruturais ,os Cursos de Graduação encarregados da profissionalizaçãoencontram-se com graves problemas: asfixia de recursos, faltade motivação por parte de alunos e professores, infra-estruturadeficiente, bibliotecas defasadas, etc.

Estes aspectos afetam, como não podia deixar de ser, os cursosdestinados à formação de professores — com a agravante deque, neste caso, a desvalorização econômica e social da figurado professor é um componente incontrolável para a Univer-sidade, já que depende da política das agências contratantes — em especial das secretarias de educação

Estas circunstâncias (exigências da formação social, es t ruturada Universidade e valorização profissional) não podem sercolocadas de lado se queremos efetivamente caminhar emdireção a uma política para a formação do profissional daeducação no Brasil . Sem este cuidado, corremos o risco deacharmos que as idéias já acumuladas são, elas mesmas em si,responsáveis pelo seu próprio fracasso ou sucesso. Presos às

17 No Estado mais desenvolvido, São Paulo, o salário do Professor nível I, 20horas-aula, oscilou entre 1.37 e 2.85 salários mínimos nominais, no período demarço/91 a dezembro/92.

18 Para complementar esta questão, consulte-se o Documento Final do VIEncontro Nacional da ANFOPE, julho de 1992.

idéias e longe do movimento das forças político-ideológicas,ficamos vulneráveis aos interesses dos grupos dominantes.

A questão da formação do educador tem sido examinada demaneira sistemática nas décadas de 80 e 90. Para falar de umainstância específica, sem descartar esforços ocorridos em váriosoutros níveis , tomamos por referência os debates encaminha-dos no interior do movimento pela formação do educador,iniciado ao final da década de 70:

Pode-se concluir, então, que o movimento pela refor-mulação dos cursos que formam profissionais da educação articula-se, mais enfaticamente, em 1980 com a instalação, durante a I Conferência Brasileira de Educação, do Comitê Nacional Pró-Formação do Educa-dor (com sede em Goiânia), criado face à necessidade de mobilização de professores e alunos em torno da refor-mulação do Curso de Pedagogia, então colocado em debate nacional.

O mesmo Documento aponta três períodos de desenvolvimentodeste movimento:

a) um primeiro período sob a forma de Comitê Pró-For-mação do Educador, entre 1980 e 1983;

19 Por exemplo, os esforços da SBPC, do Grupo de Licenciaturas da ANPEd,da CNTE, ANDE, ANDES, CEDES, entre outros.

20 ANFOPE, 1992, p.6.

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b) outro período como Comissão Nacional de Refor-mulação dos Cursos de Formação do Educador, entre 1983 e 1990; c) o atual período como Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação, a partir de 1990.21

Este é o pano de fundo sobre o qual pretendemos examinar a questão da formação do profissional da educação.

O profissional da educação: uma de l imi tação necessária

Há, entretanto, mais uma pré-condição para o exame que nospropusemos a fazer: referimo-nos ao conceito de "profissional daeducação". Quem é profissional da educação? Todos os quetrabalham na escola? Apenas os professores e especialistas?Esta questão tem aparecido, em especial, nos debates relativosà preparação da nova Lei de Diretrizes e Bases da EducaçãoNacional.

Propomos considerar "profissional da educação" todos osprofissionais formados pela Escola Normal e pelos Cursos deLicenciaturas de nível universitário (seja o Curso de Pedagogia,sejam os Cursos de Licenciaturas específicas em áreas deconhecimento definidas, p. ex., Professor de Matemática,Física). Isto, obviamente, não inclui todos os profissionais que

21 Idem, p.7.

t rabalham na escola (p. ex., não inclui a merendeira, o porteiro,o pessoal da limpeza, eventualmente a bibliotecária, entreoutros).

De modo geral, as relações que se estabelecem entre o produtorde um serviço (ou de um bem) e o consumidor deste, sãoimportantes na definição de uma profissão . Tais relações sãodefinidas, dependendo da profissão, ora pelo profissional, orapelo consumidor e, ainda, como no caso do profissional daeducação, mediada por um terceiro elemento, o Estado. Emfunção destas relações, é importante destacar que, nas profis-sões organizadas, estipula-se o seu processo de formação e treinamento — objeto de nossa reflexão .

Em rápidas pinceladas, entendemos por profissional daeducação aquele que foi preparado para desempenhar deter-minadas relações no interior da escola ou fora dela, onde o trato com o trabalho pedagógico ocupa posição de destaque,constituindo mesmo o núcleo central de sua formação. Não háque se identificar, aqui, trabalho pedagógico com docência — esta é apenas uma das formas de se desenvolver o trabalhopedagógico e um dos aspectos da atuação do profissional daeducação (há outros, p. ex., a atuação em nível de planejamentonos sistemas de ensino). No entanto, reafirmamos que a "porta

22 Ver, a este respeito, Johnson (1989).

23 Um exame das características das profissões organizadas pode serencontrado em Wilensky (1964). Para um exame mais pormenorizado emrelação ao profissional da educação, veja Freitas (19--).

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de entrada" obrigatória na preparação do profissional da educa-ção, além de sua formação geral como educador, é sua prepara-ção para o trabalho pedagógico ou, em outras palavras, suaformação como educador com ênfase na atuação como professor.As possíveis outras funções são acréscimos a este núcleofundamental

É a este profissional, com esta formação (em nível das EscolasNormais e Cursos de Licenciaturas de nível universitário) quereservamos o nome de profissional da educação. Os demaisatores da escola não deixam de ser profissionais, mas forampreparados para outras relações, definidas pela natureza de suaprópria função. Como integrantes do aparato escolar, são todostrabalhadores da educação , mas não necessariamenteprof iss ionais da e d u c a ç ã o já que não é o local de trabalhoque define uma profissão, mas sim as relações para as quais os

24 Mesmo quando se pensa no profissional que atua em nível de sistema, nãose pode pensar a formação deste de forma isolada de sua preparação para o trabalho pedagógico, já que a informação e a prática de lidar com o trabalhopedagógico são componentes importantes para quem atua em nível de sistema.Uma preparação isolada sugeriria um retomo à superada noção de "Bacharelem Pedagogia" em contraposição ao "Licenciado em Pedagogia" e de outraslicenciaturas. Não somos contra a existência de profissionais da educação emnível de sistema e realizando predominantemente pesquisa. No entanto, nãoconcordamos com a omissão da preparação para o trabalho pedagógico naformação destes profissionais. Todos devem ter uma base comum onde seprivilegia a formação do professor no educador — a qual pode sofrer uma sériede complementações. No caso da pesquisa e da especialização, não se deveesquecer o papel dos Cursos de Pós-Graduação e da formação em serviço.Voltaremos a esta questão.

profissionais são preparados.

Para finalizar, registramos nossa concepção de educador:

O educador (...) é aquele que: — tem a docência como base da sua identidade profissional; — domina o conhecimento específico de sua área, articulado ao conhecimento pedagógico, numa perspectiva de totali-dade do conhecimento socialmente produzido, que lhe permite perceber as relações existentes entre as ativida-des educacionais e a totalidade das relações sociais em que o processo educacional ocorre; — é capaz de atuar como agente de transformação da realidade na qual se insere ' .

Neste bloco, esperamos ter deixado claro concepções quejulgamos fundamentais: 1. a distinção entre trabalhadores daeducação e profissionais da educação; 2. o trabalho pedagógicocomo núcleo fundamental da preparação do profissional daeducação (a partir do qual outros aspectos podem ser acres-cidos), no contexto de sua formação como educador . Esta nosparece ser a essência, o fundamento do profissional da educação(o educador-professor), cuja expressão assume formas deatuação variadas; e 3. nossa concepção de educador.

25 ANFOPE (1989, p.13). Por "docência" entenda-se "trabalho pedagógico".

2G No início da década de 80 cunhou-se a expressão "formar o professor noeducador" que reflete adequadamente nossa concepção. Também, reconheceu-seser, desde o inicio, o trabalho pedagógico o ponto fundamental da formação do

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Elementos const i tut ivos de u m a pol í t ica global

O último Encontro Nacional da ANFOPE representou umavanço nesta questão, na medida em que conseguiu propor umconjunto de elementos que devem fazer par te de uma políticaglobal, séria, para a questão do profissional da educação noBrasil.

Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que esta problemáticanão pode ser resolvida apenas com a intervenção das agênciasformadoras do profissional, mas é fundamental o envolvimentodas agências contratantes. Vale dizer, somente uma açãoconjunta entre quem forma e quem paga, pode encaminhar a questão do profissional da educação. Enquanto o Estado (comoarticulador da política educacional) não mediar uma açãoconjunta entre escolas normais, universidades (principaisagências formadoras) e secretarias de educação (principal agên-

profissional da educação. No entanto, à época ressaltou-se mais a docência: "adocência constitui a base da identidade profissional de todo o educador"(ANFOPE, 1983, p.6), com o que concordamos, desde que se entenda pordocência o trabalho pedagógico. Pessoalmente, não vejo incompatibilidade entreos dois termos — apenas maior abrangência do último. Deve-se entender o contexto histórico desta formulação. Em 1983, era fundamental ressaltar queas licenciaturas específicas não eram "primas pobres" do Curso de Pedagogia.Foi e continua sendo uma formulação importante na reflexão da área, poiscontribuiu muito para "unificar" as licenciaturas e fixar a atenção, dentro doCurso de Pedagogia, para o essencial que se havia perdido em meio a grandefragmentação deste curso na década de 70, com as habilitações: a importânciado trabalho pedagógico.

97cia contratante), não reverteremos a a tual situação . Issopassa por uma transformação global de toda a legislação queregulamenta a formação e atuação deste profissional, com o objetivo de garantir formação de qualidade e valorizaçãoprofissional.

No entanto, há um terceiro elemento nesta problemática, queapenas começa a ser veiculado no Brasil, e que diz respeito à continuidade da formação básica do profissional — a formaçãocontinuada — cuja responsabilidade principal, no que dizrespeito ao incentivo e criação de condições, cabe às agênciascontratantes. A formação contínua em Portugal, por exemplo,é exercida, do ponto de vista técnico, pelas Instituições deEnsino Superior, pelas Associações entre Escolas e pelasAssociações de Professores. Mas as agências contratantes(Ministério da Educação e secretarias) têm que criar ascondições legais e de trabalho que viabilizem esta ação .

A importância da formação continuada pode ser posta em duasdireções: 1. como relevante para a própria atuação profissional,

27 E claro que este processo deve ocorrer de maneira ampla, envolvendoentidades cientificas e sindicais da área educacional, bem como entidades quecongregam os interesses dos alunos.

28 Veja-se a este respeito importante artigo de Arroyo (1989) e Gouveia (1992).

29 Veja-se, por exemplo, o caso português. Criou-se em Portugual um "RegimeJurídico da Formação de Professores" (Decreto-Lei n8 249/92, DecretoRegulamentar nº 29/92 e Despachos nº 299 e 301 do ME/92). A LDB portuguesa(Lei nº 46/86) reconhece o direito à formação contínua a todos os educadores e professores.

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enquanto aprimoramento constante (político e técnico); 2. comorelevante para al terar a concepção curricular das agênciasformadoras. E este segundo aspecto que examinaremos.

Todo aquele que teve alguma experiência com alteraçõescurriculares no interior das universidades sabe das dificuldadesde se construir uma grade curricular em meio às inúmeraspressões de Departamentos (e de professores) com a finalidadede preservar "seu conteúdo", "sua" disciplina. Não raramente,algumas poucas horas de uma disciplina convertem-se emmotivo de uma guerra destinada a mantê-las, como se a formação do profissional dependesse exclusivamente destaspoucas horas. Tudo é importante para a preparação do profis-sional. Com isso, as grades curriculares "incham" — emespecial nas disciplinas teóricas.

Esta forma de ver a organização curricular parte da idéia deque o curso deve formar o profissional em toda a sua extensão;que ele deve sair "pronto" em vários níveis de formação. Deseja-mos contrapor a esta forma de organização curricular, outra,articulada com a formação continuada. Nesta, não se busca a extensão da formação, mas a intensificação da formação emalguns eixos curriculares de maneira que boa parte das "espe-cializações" são desenvolvidas e/ou ampliadas posteriormentepela formação em serviço, ou pelos programas de Pós-Gradua-ção

30 Esta concepção nada tem a ver com a formação de um "prático", posterior-mente elencaremos alguns eixos curriculares que consideramos fundamentais.

Estes parecem ser os elementos constitutivos básicos para a elaboração de uma política global para o profissional da educa-ção: formação intensiva de qualidade, salário digno ou, maisamplamente, condições de trabalho dignas e formação conti-nuada.

Formação intensiva de qual idade

Nos limites deste trabalho, vamos deter-nos em apenas um doselementos anteriores: a questão da formação. Mas devemosalertar que isto é possível apenas didaticamente, já que oselementos enumerados são altamente integrados.

O movimento pela formação dos profissionais da educaçãosempre questionou a noção de "currículo mínimo". Foi pioneironesta crítica. Hoje se generaliza a compreensão de que estaforma de "controle burocrático" do Estado sobre as instituiçõesde ensino é inadequada . Portanto, não se deve entender quea abordagem que seguirá seja a proposta de um currículomínimo, até porque, em nenhum momento, estaremos nosreferindo a "disciplinas". Procuraremos, seguindo a produçãorecente da ANFOPE , enumerar alguns eixos ou diretrizescurriculares que deveriam orientar a formação do profissional

31 Não significa que concordamos com algumas propostas alternativas a estecontrole, por exemplo, desprofisaionalização, exame de Ordem.

32 Ver ANFOPE (1990) e Freitas (1991).

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- 33da educação 33 .

O primeiro eixo curricular a ser abordado diz respeito à organização curricular que a universidade estrutura, demaneira geral, para seus cursos de graduação. Como eviden-ciamos no início deste trabalho, esta organização é umalimitante estrutural da maior importância para se entenderemas dificuldades que enfrentamos na reformulação dos cursos delicenciatura. Soma-se a esta questão estrutural a tendência a elaborar currículos extensivos já examinada anteriormente.

O problema fundamental, parece-nos, está relacionado com o fato da es t rutura universitária organizar seus cursos demaneira etapista: primeiro a abordagem teórica, depois a prática. Separam-se elementos indissociáveis como se o conhecimento pudesse primeiro ser adquirido para depois serpraticado. A raíz deste etapismo está na separação entre a formação e o trabalho . Este último termina ficando restritoa algumas disciplinas chamadas de Prática de Ensino e EstágioSupervisionado, as quais não podem estabelecer relaçõesadequadas com a teoria — até porque este momento curricularjá passou. O que propomos é tomar o trabalho como o principalarticulador curricular, já que este reúne, em si, tanto a teoria

33 Veja-se a este respeito, também, Alves e Garcia (1992).

34 Cf. Enguita (1989). Exemplos de como esta questão afeta a formação doprofissional da educação podem ser encontrados em Lelis (1989) e Baptistella(1993).

como a prática35 . Neste sentido, não basta enunciarmos a necessidade de melhorar a relação teoria/prática. Esta for-mulação ainda põe enfase nos pólos da contradição teoria/prá-tica e deixa de apontar o caminho de sua superação: o traba-lho . Nossa formulação não elimina os momentos anteriores (ateoria e a prática) mas propicia uma "dinâmica curricular" que,nos limites possíveis da estrutura universitária, não pára notrato com estes momentos de forma isolada. No entanto, a dificuldade que implica tentar t rabalhar desta forma naUniversidade brasileira, dada sua es t rutura e forma de organi-zação curricular, é extremamente grande3 7 .

35 Por razões várias a formação social em que vivemos, separa estes momentos.A dicotomia não existe só no currículo. Está no real, daí a dificuldade parasuperá-la.

36 Deve-se evitar, aqui, uma leitura pragmatista desta proposição. Colocar o trabalho como organizador curricular não significa dirigir a formação doeducador para "aspectos práticos de sua profissão".

37 A Faculdade de Educação da UFMG, o Curso de Pedagogia do CampusAvançado da UFF — Angra dos Reis e a Faculdade de Educação da UNICAMP,entre outras, têm tentado este caminho. Nesta última, procura-se forçar a introdução do trabalho na formação abrindo-se espaços curriculares específicospara tal desde o primeiro semestre do curso — uma forma limitada, mas maisavançada em relação ao que existia anteriormente. As dificuldades são várias:de parte de quem aceita a formulação, existe o romantismo de achar que elapoderia funcionar completa logo de início. Como isto é difícil, alguns desanimamou investem em análises teóricas para demonstrar as limitações da formulação,esquecendo-se de que estas são estruturais. Não consideram que a práticaimpõe limites que a teorização, como tal, pode não ter. De parte de quem nãoconcorda, tem-se reações contrárias que terminam dificultando sua operaciona-lização.

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O trabalho está aqui colocado, também, por ter um potencialeducativo muito grande, como tem sido assinalado insisten-temente na l i teratura educacional . E, finalmente, porque tema ver com a nossa concepção de profissional da educação, ondeo trabalho pedagógico (no contexto de sua formação comoeducador) ocupa lugar privilegiado.

O trabalho, como articulador curricular, remete-nos ao trabalhopedagógico real, vivo — dentro e fora das instituições educa-cionais formais — e permite que agreguemos outro elementoextremamente importante para a formação profissional: a pesquisa.

Este eixo curricular — trabalho e pesquisa — altera substan-cialmente a formação até agora proporcionada ao profissionalda educação. Muda os próprios métodos de ensino adotados, emsua grande maioria métodos verbalistas e livrescos.

O segundo eixo curricular diz respeito à qualidade da formaçãoteórica do profissional. É importante fazer referência a estaquestão, na medida em que se veiculem com insistênciaalgumas versões pragmáticas de formação profissional voltadaspara o "fazer" e que podem implicar uma ainda maior desquali-ficação teórica do educador/professor. Para estes, a formação do

38 Cf. Arroyo (1991).

39 Em articulação com a prática social mais ampla, cf. Arroyo (I EncontroNacional sobre Estágio Curricular, 1989, p.104-112).

educador é por demais teórica e o que estaria faltando é privilegiar a prática. Porém, esta proposta apenas transi taentre os elementos da contradição teoria/prática, sem ao menosapontar para sua superação. Não se trata, agora, de inverter e passar para o pólo oposto, a prática. Esta visão está baseada nafalsa percepção de que a formação teórica dos cursos quepreparam os profissionais da educação é muito boa. A quali-dade da formação teórica obtida pelos cursos é fraca40. E istoé fatal para a atuação profissional, pois força os alunos a esque-mas, caricaturas e receitas predefinidas, já que não dominamseus fundamentos.

Estes dois primeiros eixos acontecem tendo por norte uma di-reção política que privilegia o compromisso social e a democra-tização da escola. Este é um terceiro eixo e merece algumareflexão. É relevante destacar o aspecto relativo à democratiza-ção da escola, na medida em que o aparato escolar tende a serautoritário e clientelista. Isto nos conduz à discussão da gestãoescolar. Esta temática, com a perspectiva cada vez maisacentuada de envolver o professor e fazê-lo participar da gestãoda escola, deixou de ser assunto para especialistas. A or-ganização do trabalho pedagógico, as relações de poder naescola e sua articulação com as relaçães de poder no planosocial mais amplo são questões afetas a todo profissional daeducação.

40 Isto vale para o Curso de Pedagogia e em especial para as escolas normaise licenciaturas específicas.

Em Aberto, Brasília, ano 12, n.54, abr./jun. 1992

Finalmente, como quarto eixo, cabe assinalar a necessidade daação curricular ser exercida de forma coletiva e interdisciplinar.

Estas exigências são extremamente difíceis de serem obtidas naatual estrutura da universidade, mas é preciso apontá-las e incentivar a caminhada nesta direção

Estes quatro eixos curriculares constituem uma base comumpara se articular a formação do profissional da educaçãoEstas diretrizes, como antecipamos, não são um currículomínimo. Dizem respeito ao dia-a-dia da agência formadora, à construção coletiva de uma organização curricular.

Uma última questão: a avaliação do currículo.

Ainda que admitamos que algum grau de legislação seránecessário para garantir um mínimo de coerência na formaçãodo profissional da educação em nível nacional, é cada vez maisaceita a tese de que os controles burocráticos pouco garantemem matéria de eficiência curricular. Uma alternativa é a

41 Neste particular, face às exigências do novo padrão de exploração da classetrabalhadora, é possível que se venha a valorizar o trabalho coletivo e interdisciplinar. É possível que a própria estrutura atual da universidade tenhaque ser reformulada para dar conta desse novo padrão. Resta saber como istoocorrerá num país periférico como o Brasil.

42 O documento da ANFOPE (V Encontro Nacional, 1990) apresenta outroseixos; no entanto, achamos que estes estão contemplados nos que já forammencionados (p. ex. escola; individualidade).

avaliação institucional. Paulat inamente, a universidade temcomeçado a encarar a questão da avaliação de uma maneirapositiva . Este pode ser um caminho mais eficiente paragarantir a qualidade da formação do educador: a avaliaçãointerinstitucional a partir de Comissões formadas por profis-sionais da área, com o envolvimento das entidades científicase sindicais. Em nível interno de cada curso, além das Co-missões ou Colegiados, uma alternativa interessante pode sera elaboração dos chamados Trabalhos de Conclusão de Curso,os quais devidamente analisados poderiam fornecer subsídiosimportantes para alterações curriculares.

A organização da agênc ia formadora:em d ireção à escola ún ica

A formação do profissional da educação é feita, hoje, de formaprecária e desarticulada entre três instâncias: escolas normais,licenciatura de pedagogia e as licenciaturas específicas. Umnovo conteúdo para a formação profissional certamenteprovocará alterações substanciais na forma de se desenvolveresta preparação.

43 Não podemos detalhar, aqui, nossa concepção de avaliação. O leitor que tiverinteresse poderá consultar Freitas (1992a).

Em Aberto, Brasília, ano 12, n.54, abr./jun. 1992

A proposta que aqui defenderemos , é a da unificação daformação do profissional da educação em uma única instância.

Qual seria esta instância?

É sobejamente conhecida a disputa de terreno existente, noplano universitário, entre os Institutos e as Faculdades deEducação, em relação às licenciaturas específicas. As licen-ciaturas, coladas a Institutos de prestígio, acusam as Facul-dades de Educação de serem inoperantes (quando não, demasi-ado politizadas); as Faculdades de Educação, consideram-sedetentoras de um conhecimento não disponível em nível dosInstitutos e principais responsáveis (até porque a legislaçãoassim estabelece) pela formação destes profissionais. Enquantoos primeiros enfatizam a posse do conteúdo, as segundasenfatizam a posse da metodologia e da formação educacionalmais ampla. Esta disputa não vai ser resolvida tentandoencontrar qual dos dois pólos (Institutos ou Facul-dades/conteúdo ou método) está com a razão, ou é maisimportante ou eficiente. A idéia da escola única de formação,pretende ser uma forma de superar esta dicotomia, estabelecen-do claramente a participação de cada um desses atores noprocesso de formação profissional, sem perder de vista, entre-tanto, a especificidade dos envolvidos. A escola única assumeque, do ponto de vista do método de ensino e da formação

44 Examinada e colocada para debate pelo VI Encontro Nacional da ANFOPEem julho de 1992. Deve-se alertar, no entanto, que a apresentação da proposta,aqui, é feita na ótica do autor a qual nem sempre coincide com a da entidade.

ampla do educador, a Faculdade de Educação é o local privilegi-ado para uma preparação profissional que articule, do ponto devista do conteúdo escolar específico, os Institutos. Ou seja, a articulação deste conteúdo com o método e a formação maisampla é responsabilidade da Faculdade de Educação numaação conjunta com os Institutos . A idéia de que a posse doconteúdo garante a qualidade do ensino é falsa. Além disso, a localização das licenciaturas nos Institutos causaria um empo-brecimento teórico fatal para o profissional, já que não podemoscriar uma minifaculdade de educação em cada Instituto paraque lá ocorra a interface com as disciplinas de fundamento daeducação. Por outro lado, querer reproduzir as condições deaquisição dos vários conteúdos específicos a serem ensinados,pela escola dentro da Faculdade de Educação, causaria umempobrecimento enorme à formação profissional pelo mesmomotivo de não podermos reproduzir, dentro da Faculdade deEducação, todas as exigências de produção de conhecimentoexistentes em nível dos Institutos. É sabido que o método nãopode ser gestado e aprendido sem que haja uma interface com

45 E preciso considerar, aqui, que a preparação profissional não é o mesmo quea pesquisa em metodologia do ensino — ainda que devam estar relacionadas.Uma diz respeito propriamente ao ensino e outra à pesquisa. O envolvimentodireto dos Institutos é esperado na preparação do profissional. A pesquisa demétodos de ensino é tarefa da Faculdade de Educação e neste ponto deve-seestimular os profissionais das áreas de conteúdo específicos a virem fazer suaspesquisas multidisciplinares e interdisciplinares no interior desta faculdade.Não dá tanto prestígio como pesquisar em um Instituto, mas é o local ondeestão dadas condições para tal, face ao volume de profissionais diferenciadosque as Faculdades de Educação reúnem.

Em Aberto, Brasília, ano 12, n.54, abr./jun. 1992

forma como o conhecimento é produzido em uma determinadaárea. Dessa maneira, só é possível resolver esta questão pormeio da parceria — respei tadas as especi f ic idades dosenvolvidos. E, neste particular, é preciso que se admita comtodas as letras que a Faculdade de Educação é o local especi-ficamente criado para que tal formação ocorra — ainda que nãonossa declarar-se auto-suficiente. Os Institutos organizam-se a partir de suas especificidades epistemológicas (p. ex. Física,Química, etc.). As Faculdades em função da responsabilidadesocial que assumem em relação a uma determinada área social(p. ex. saúde, educação, etc.)46 .

Mas ainda há uma questão delicada a ser examinada: a situa-ção das escolas normais.

As escolas normais abastecem grande parte das escolas deprimeiro grau. A formação profissional ministrada nelas, comose sabe, é pouco confiável , apesar das tentativas de revitalizá-las (p. ex. os CEFAMs). O grave é que seus profissionaisassumem as séries de maior responsabilidade e dificuldade, ouseja, as primeiras séries do primeiro grau, onde deveríamos teros mais qualificados.

46 Interpreto a tentativa de se localizar nos Institutos a responsabilidade pelaformação do professor como uma falta de percepção das relações entre conteúdoe método, o que leva a supervalorizar o primeiro, ou ainda, o que é mais grave,como uma forma de produzir uma assepsia política na questão educacional,remetendo a formação do aluno para uma visão estreita de metodologia deensino, acompanhada de uma visão pragmatista de educação.

47 por exemplo, Baptistella (1993) e Miranda (1992).

Não bastasse essa realidade, as escolas normais contribuempara que haja uma diferenciação salarial para uma mesmaatividade. Seus profissionais recebem salários menores que osformados em nível superior para a mesma atividade. Um dosprincípios da escola única é: formação única, salário único

Nossa posição a respeito das escolas normais é a seguinte:quando e onde for possível, devem ser desativadas concentran-do-se a formação do profissional da educação em nível superior,nas Faculdades de Educação .

Por estas razões, concluímos que o local privilegiado para a formação do profissional da educação é a Faculdade de Educa-ção a qual deve conduzir seu trabalho em parceria com osInstitutos quando e onde isto for necessário. No entanto, paracumprir esta função catalisadora, a atual es t rutura destasfaculdades é insuficiente.

Em primeiro lugar, da mesma maneira que a Faculdade deEducação abriu-se para os profissionais das áreas que lhe ser-

48 Ribeiro (1989, inédito).

49 Somos contra a existência de escolas normais de nível superior ou Institutosisolados de nível superior destinados à formação de professores para asprimeiras séries do primeiro grau. A experiência do Instituto Superior deEducação do Pará recomenda cautela pelas inúmeras dificuldades encontradaspara sua viabilização e manutenção. Em locais onde haja déficit de Univer-sidades, seria mais recomendável utilizar-se a estrutura de Campus Avançado.A experiência da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminenseem Angra dos Reis deve ser observada.

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vem de fundamentação (filósofos, sociólogos, historiadores, psi-cólogos, entre outros), deve urgentemente abrir-se para osprofissionais das áreas de conteúdo (físicos, químicos, matemá-ticos, biólogos, entre outros). Tais profissionais devem serestimulados a integrar os quadros das Faculdades de Educaçãoe a realizar programas de Pós-Graduação em Educação. A incorporação desses profissionais à Faculdade de Educação nãosignifica um afastamento dos Institutos na preparação doconteúdo específico a ser ensinado pelos licenciados. Estaincorporação visa a apoiar a pesquisa em metodologia do ensinono interior desta. Outra é a esfera da formação profissional, a qual ocorre valendo-se de recursos humanos e materiaisexistentes nos Institutos em disciplinas de conteúdo queatendem indiscriminadamente tanto o bacharelado como a licenciatura .

Em segundo lugar, a es t ru tura departamental deve ser elimi-nada . A atuação no campo da pesquisa pode ser melhororganizada a partir de núcleos de pesquisa mais ágeis consti-

50 A Faculdade de Educação não deve contratar um químico para das aulas deconteúdo de Química aos professores em formação. Este conteúdo deve serensinado pelos professores do Insti tuto de Química. A presença do Químico naFaculdade de Educação deve ser direcionada à pesquisa e ensino da metodolo-gia do ensino de Química.

51 Ou reduzida à sua função real: unidade burocrática. Neste caso, não deve serentendida como uma camisa de força para a produção científica, separando osdocentes em áreas. Os docentes dos vários departamentos devem ter umaorganização supradepartamental para a pesquisa e o ensino.

tuídos em função de temáticas relevantes que agrupemprofissionais procedentes de vários campos do conhecimento e atuem de forma interdisciplinar. A atuação do departamento nocampo do ensino pode ser substituída pela organização deprogramas de formação profissional para o qual concorrem osvários núcleos. Não queremos, com isso, separar a pesquisa doensino. Os profissionais são os mesmos: os programas sãoarticulados e superpostos aos núcleos já que os profissionais dosnúcleos também têm responsabilidade em relação à docência e extensão. A atual estrutura de habilitações seria extinta.

Certamente essas duas ações não esgotam o elenco de altera-ções necessárias na estrutura das Faculdades de Educação; noentanto, destacamos essas duas faces às propostas que seseguirão.

Os c e n t r o s de referência para a Formação do Profissio-nal da Educação

Os Centros de Referência não estão destinados a substituir, deimediato, a estrutura de formação atual em sua totalidade.Devem ser entendidos como "laboratórios" destinados a testar,aprimorar e divulgar novas formas de se preparar o profissionalda educação. Não são "ilhas de excelência". Dada a complexi-dade da questão da formação do educador, não podemos pensarem legislar sem antes experienciar certas propostas e verificarsuas conseqüências. Não temos a pretensão de esgotar estaquestão; apenas apresentamos alguns elementos básicos paraestimular a reflexão nesta área.

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A estrutura dos centros contempla, inicialmente, um programabásico de formação de profissionais para a educação — configu-rado a partir dos eixos curriculares indicados na parte anteriorsob o título de formação intensiva de qualidade — de forma a articular-se com outros programas de formação subseqüentes.Todos os profissionais da educação, independentemente de suaespecificidade, passariam por ele sem qualquer diferenciaçãodurante os primeiros dois anos . A part ir daí, ocorreria umadiferenciação da formação em dois programas específicos:

Programa de formação de profissionais para a educaçãoinfantil e séries iniciais do 1° grau (1* a 4* série).

Programa de formação de profissionais para áreas específi-cas de conteúdo do 1º grau (5a a 8a série) e 2a grau.

Talvez esta seja a mudança mais radical. Atualmente os alunosdas licenciaturas específicas (professores para 5a a 8a série e 2ºgrau) entram nelas via Institutos. Em realidade, não queremser professores, mas biólogos, físicos, químicos, etc. Apenas, porextensão, fazem a licenciatura. Propomos que entrem viaFaculdade de Educação, sendo alunos desta Faculdade (nãomais dos Institutos), o que poderia melhorar o nível motivacio-nal dos candidatos a profissionais da educação — desde queseja acompanhado por uma política global de valorização desteprofissional. Alunos que decidem ser professores somente a posteriori e já tenham terminado algum bacharelado poderão

62 Os eixos curriculares percorrem toda formação do aluno e não apenas os doisprimeiros anos.

ser admitidos na Faculdade de Educação pelo expediente dacomplementação; e quando não tenham terminado o bacharela-do, pelo expediente da transferência, sem necessidade derealizar outro vestibular. Cada um dos programas específicosmencionados tem a duração de dois anos e o aluno, vindo dobásico, escolhe apenas um deles.

É no desenvolvimento do programa de formação de profissio-nais para áreas específicas de conteúdo (5a a 8a série e 2° grau)que os Institutos são chamados a t rabalhar conjuntamente coma Faculdade de Educação . Isto não significa que o aluno desteprograma deverá realizar todas as disciplinas de conteúdo dobacharelado no Instituto. No entanto, as que realizar serãofeitas nas mesmas condições e com os mesmos professores queatendem ao bacharelado.

Aos três programas anteriormente descritos (1. Básico; 2.Professores para Educação Infantil/Séries Iniciais; e 3. Profes-sores para 5a a 8a/2º grau) seguiria um quarto programaoptativo, destinado a preparar profissionais da educação parao sistema de ensino 54 (seja para a tua r em nível da escola, seja

63 Não se descarta a realização de uma ação dos Institutos, ainda que maismodesta, para o programa de formação de professores para as séries iniciais do1º grau. E sabida a precariedade com que os alunos chegam do 2° grau emáreas como Matemática, Ciências, entre outras.

64 Não mencionamos uma preparação para a pesquisa porque entendemos queisto ocorre desde o início de sua formação. Não faz sentido um programaespecífico para a pesquisa — até porque já existe a Pós-Graduação e deveriaexistir a formação contínua.

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em nível de secretarias) com a duração de um ano. Esteprograma seria aberto a todos os alunos que concluíssemqualquer um dos dois programas específicos anteriores,eliminando-se, assim, a dicotomia entre alunos de Pedagogia e alunos das licenciaturas específicas. Não haveria habilitaçõesespecíficas (Orientação, Supervisão, Administração, etc.) masuma preparação geral, visando uma atuação polivalente.Qualquer professor, portanto, com este programa adicional,passa a ter acesso aos cargos existentes nas escolas e secreta-rias, já que sua formação está unificada. Uma especialização,se fosse necessária, seria obtida em nível do próprio sistema viaformação continuada ou Curso de Pós-Graduação

Não se t ra tará , aqui, de apresentar uma grade curricular paracada um desses programas, na medida em que esta deve serproduto de um esforço coletivo envolvendo profissionais devárias áreas do conhecimento. E importante assinalar que estadeverá ser desenvolvida a partir dos eixos curriculares queindicamos anteriormente. Na tabela da coluna ao lado podemosvisualizar esses programas.

Há um aspecto relativo à manutenção da formação paraatuação em nível de sistemas como curso de graduação quemerece ser examinado. É muito freqüente a argumentação deque a preparação para cargos (os atuais especialistas) deve ser

55 Para facilitar a compreensão estamos nos restringindo aos programascentrais de preparação de profissionais da educação; no entanto, outrosprogramas podem ser pensados (p. ex. Educação Especial). O importante é queestejam articulados entre si e com o Programa Básico.

PROGRAMAS PROPOSTOS PARA OS CENTROS DE REFERÊNCIADESTINADOS Ã FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO.

feita depois que o aluno exerceu a profissão um certo númerode anos. Ele voltaria, então, para fazer uma especialização emnível de pós-graduação. Esta proposição ainda trabalha com o pressuposto de que toda a formação deve ocorrer na univer-sidade. No entanto, conforme já desenvolvemos em partesanteriores deste trabalho, acreditamos que a universidade devadar o fundamental, deixando a cargo da formação em serviço a continuidade da preparação do profissional. Não achamos o argumento da experiência suficiente. A questão da experiênciaé um problema da agência contratante. Cabe a ela fixar o número de anos de experiência que um profissional necessitater antes de assumir um cargo específico. Os respectivosestatutos de magistério dos Estados devem contemplar taisexigências.

Todos os programas anteriores estariam, também, articuladoscom um quinto: programa de apoio à formação continuada. Es-te, além de atuar na área da extenção e dá apoio à formaçãocontinuada organizada pelas Secretarias de Educação, encami-

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nharia profissionais que já a tuam no mercado de trabalho pararealizarem disciplinas nos programas anteriores, sejam discipli-nas isoladas , sejam programas completos. Enquanto houverescolas normais, pode fazer parte deste programa, uma açãodestinada a melhorar o nível delas.

Este programa também faria uma interface especial com osestágios profissionalizantes previstos para os demais programasde formação anteriores e com a prática social mais ampla.

Para evitar que este programa termine como um "apêndice" deoutros, ele teria administração e recursos próprios e contariacom um colegiado composto também pelas agências contratan-tes dos profissionais da educação (Secretarias de Educação),bem como, entidades sindicais.

À Guisa de Conclusão

Estas são algumas idéias, desenvolvidas no interior do mo-vimento pela reformulação dos cursos de formação do educa-dor, e apresentadas a part ir da leitura que o autor faz delas.Esperamos que elas possam estimular o debate e no interiordeste serem até mesmo superadas por novas abordagens. A situação dos cursos de licenciatura é insustentável. As ex-periências isoladas que determinads universidades têm feito

56 A Faculdade de Educação da USP tem uma experiência interessante a esterespeito, integrando professores da rede em disciplinas regulares do Curso dePedagogia.

não vão além das limitações que a a tual estrutura de formaçãopossui. Torna-se cada vez mais inadiável uma ação sistemáticaem relação à formação dos profissionais da educação, no seio deuma política global que articule formação de qualidade, saláriosdignos e formação continuada. Idéias não faltam.

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Em Aberto, Brasília, ano 12, n.54, abr./jun. 1992

P O N T O S DE V I S T A : O que pensam outros especialistas?

FORMAÇÃO DE FORMADORES BÁSICOS

Pedro Demo*

Introdução

Trata-se de discutir, de modo introdutório e tentativo, a relevância da profissão de formadores básicos, consideradadesde logo estratégica, no sentido de condicionar decisivamenteas oportunidades de desenvolvimento da sociedade e daeconomia. Embora ainda esteja marcada pela seleção negativa,porquanto não desempenha atração profissional entre os jovensnem lhes garante futuro promissor, teríamos de rever radi-calmente tal situação, na dupla dimensão da valorizaçãoprofissional (remuneração, carreira, organização política, etc.)e da competência técnica (capacidade de estar cientificamenteà frente dos tempos). No pano de fundo está a nova maneira devisualizar o papel da qualidade da educação, que, sem jamaisdecair em panacéia, de modo geral ocupa a posição de estraté-gia primordial de desenvolvimento. Algumas hipóteses detrabalho são aqui cruciais.

De um lado, a problemática da qualidade, valorizada hoje emtodos os âmbitos políticos, sociais, econômicos, tecnológicos,ambientais, aponta invariavelmente para o fator humano comogerador/promotor específico de qualidade, ainda que, para tan-

Doutor em Sociologia e Pesquisador do Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada (IPEA).

to, tenha de lançar mão de habilidades tecnológicas (Soares,1992). Quer sob o ponto de vista mais individual (satisfação),quer sobretudo do ponto de vista social, coletivo (participação),qualidade denota intrinsecamente uma questão política, ouseja, processo e produto tipicamente humano. Qualidadepolítica não se contrapõe à qualidade formal, técnica, metodo-lógica, antes uma implica a outra, cada qual com sua lógicaprópria. Com isto, fica patente que a formação dos professoresserá o fator mais decisivo da qualidade educativa básica.

De outro lado, no contexto do planejamento estratégico,torna-se consenso cada vez mais comum que educação represen-ta a vantagem comparativa (competitiva) mais decisiva face àsoportunidades de desenvolvimento, desde que qualitativa e moderna. Diante do desafio de construir projeto moderno e próprio de desenvolvimento, educação emerge como fatorcrucial tanto no repto "moderno" (manejo e produção doconhecimento, fator principal das mudanças que se impõemneste fim de século), quanto no repto "próprio" (humanização damodernidade¹ e fecundação vantajosa a partir das identidadesculturais). Educação significa a possibilidade de realizarmodernidade que seja menos parametrização externa (de forapara dentro, de cima para baixo, via produção econômica,consumo e meios de comunicação), e mais conquista por parte

1 Tomamos modernidade aqui no sentido simplificado de desafios de mudançaque sobrevém à sociedade e a economia neste fim de século, sem entrar empolêmica conceituai. Trata-se de mudanças estruturais em todos os níveis, cujomóvel mais relevante seria educação (ciência e tecnologia), desde que qualitativa.

Em Aberto, Brasília, ano 12, n.54, abr./jun. 1992

da sociedade, porque é o fator mais decisivo da cidadania e daatual competitividade e qualidade econômica (CIMA, 1991;

Carvalho, 1992; Seitz, 1991).

Assim, teorias da mudança ou do desenvolvimento visualizam,cada vez mais, na educação (mais ciência e tecnologia, ou nomanejo e produção de conhecimento) o fator mais decisivo,embora nunca mecânico ou automático, substituindo tantoexpectativas objetivistas (revolução pela via da infra-estrutura),quanto subjetivistas (revolução pela via ideológica). Mudançaé questão de qualidade formal e política ao mesmo tempo, cujaefetividade depende, mais que tudo, da qualidade educativa dapopulação (formação básica), no sentido de poder assumir a condição de sujeito histórico de seu próprio projeto de desenvol-vimento. Para tanto, precisa apropriar-se do conhecimentodisponível relevante, manejá-lo como instrumentação essencialda modernidade e atualizar-se continuadamente. A par disso,mister se faz produzir conhecimento, implicando condição decompetência própria nesta parte, no contexto globalizado daciência e da tecnologia (UNESCO/CEPAL, 1992; PNUD, 1990).

Expectativas sobre educação

Para que educação suporte tamanha relevância, carece deter asdevidas virtudes históricas, sem mistificações. Estratégiasmodernas e sustentáveis de desenvolvimento destacam educa-ção, ciência e tecnologia, mas compõem-se de muitos outrosfatores relevantes, cujo espectro globalizado e sistêmico lhes

empresta significação estratégica. Uma razão para tal destaqueestá no reconhecimento geral de que a marca essencial do de-senvolvimento seria a humana, não a econômica ou a técnica,que, no fundo, são instrumentais, embora integrantes. Educa-ção englobaria, da maneira mais aceitável e moderna, estacomposição estratégica, desde os fins (o homem satisfeito e participativo) até os meios (ciência e tecnologia). Educação seriaapta a humanizar e a sustentar a modernidade, contribuindoa viabilizar desenvolvimento ao mesmo tempo moderno e próprio (Demo, 1992).

Diante desse horizonte, salta aos olhos que necessitamos deuma educação muito diferente daquela usual. Em primeirolugar, precisamos de educação que "puxe" o desenvolvimento,não que se arraste a t rás , representando o atraso. Para tanto,carece corresponder ao desafio de manejar e produzir con-hecimento, ou seja, deve superar a exclusividade da didática"ensino/aprendizagem" (Demo, 1991), tipicamente reprodu-tiva/transmissiva. Trata-se de superar a "exclusividade",porquanto continua relevante a função da escola no sentido desocializar conhecimento disponível (Stein, 1987).

O que marcaria a modernidade educativa seria a didática doaprender a aprender, ou do saber pensar, englobando, num todosó, a necessidade de apropriação do conhecimento disponível e seu manejo criativo e crítico. A primeira necessidade é daordem dos insumos instrumentais, enquanto a segunda perfazmais propriamente o desafio humano da qualidade. A com-petência que a escola deve consolidar e sempre renovar é aquela fundada na propriedade do conhecimento como instru-

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mento mais eficaz da emancipação das pessoas e da sociedade.Neste contexto, mera transmissão é pouco, embora como in-sumo seja indispensável. Em termos emancipatórios, com-petência jamais coincidiria com cópia, reprodução, imitação.Torna-se essencial construir atitude positiva construtiva, críticae criativa, típica do aprender a aprender. E preciso abandonara postura de mero objeto de aprendizagem, para assumir a desujeito histórico, com base no manejo e produção de conhe-cimento (Carraher, 1988; Vygotsky, 1989; Grossi, 1990 a, 1990be 1990c).

Há pelo menos três reptos mais profundos nesta parte. Pri-meiro, é mister compor de modo criativo e renovado o que seriao centro da formação básica universal, unindo humanismo e técnica. Existe uma tendência a aceitar que esta formaçãobásica é constituída de "filosofia, linguagem e matemática ",

2 Esta trilogia indica algo de sentido metafórico e real. Quanto ao ladometafórico, sinaliza um tipo de conhecimento balanceado, recebendo matemá-tica o mesmo t ra tamento que filosofia e língua, a té porque matemática e linguagem do mundo moderno. Quanto ao lado real, sinaliza um tipo maisaceitável de modernidade, que, sem deixar de impulsionar inovações pela viado domínio matemático, compõe-se com o humanismo implícito em todo projetoeducativo. Entretanto, sinaliza ainda que este humanismo não significaresistência, postura de costas para o futuro; ao contrário; indica fortemente suaatualização, para poder estar à frente dos tempos. Por fim, a trilogia funda umaproposta essencial em todos os patamares da formação educativa, porquerepresenta a formação básica comum estratégica. Primeiro, no 1º grau,representa aquele acervo de conhecimento crucial e sempre renovado que deveestar ao alcance de todos os cidadãos. Segundo, aponta para uma espécie desaber fundamental propedêutico indispensável para manejar e produzirconhecimentos, repercutindo, por exemplo, no 3º grau numa oferta inicial abso-

para indicar uma composição direcionada tanto a humanizar a modernidade, quanto a modernizar o humanismo. Trata-se, naverdade, de tornar acessível a todos conhecimentos básicos es-tratégicos na dupla direção da constituição da cidadania e dacapacidade produtiva. Parte deste repto é típica "apren-dizagem", mas didaticamente é fundamental superá-la parafomentar no aluno atitude positiva de pesquisa, entendida estacomo princípio científico e educativo (Demo, 1991; Luckesi,1991; Cademartori, 1991; Dias et al., 1991).

Segundo, é mister trabalhar especificamente o espaço educativodo aprender a aprender, cuja base é uma atitude de pesquisadiante da realidade, acompanhada da competência de nelaintervir com base em conhecimento atualizado. Mero ensino,mera aula, meras provas decaem na vala da mediocridade,porque neles não aparece o ímpeto educativo emancipatório,nem no professor, nem no aluno. Ademais, a didática típica"ensino/aprendizagem" tenderá a ser assumida, cada vez mais,pela instrumentação eletrônica, capaz de transmitir conheci-mento disponível em condições mais favoráveis que os profes-sores. O professor continua insubstituível como orientador doaprender a aprender, porque se trata de formar uma competên-

lutamente comum a todos os cursos. Terceiro, indica uma direção modernasubstancial do conhecimento, avesso à cópia reprodutiva e identificado com a capacidade criativa, crítica do aprender aprender e do saber pensar. Conhecernão se volta, primordialmente, a apropriar-se do conhecimento dos outros, masa fundar as condições de manejar e produzir conhecimentos próprios. Conheci-mento, assim tomado, é alavanca fundamental da emancipação.

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c i a humana que exige sujeitos interagindo, mas será substituí-da como "ensinador" (Freitas, 1989; Fleury, 1991; Frigotto,1989; Mello, 1986).

Este repto coloca sobre o professor exigências específicas, taiscomo: pesquisa como sua definição essencial, não tanto aula,para que tenha at i tude crítica e criativa; elaboração própriacomo condição profissional iniludível; capacidade de teorizar a prática; atualização permanente; construção, na escola, dedidáticas produtivas, capazes de promover no aluno a condiçãode sujeito histórico; capacidade de usar e produzir instrumen-tação eletrônica educativa.

Terceiro, é mister, mais que aprimorar os professores, recriara profissão em muitos sentidos. A razão mais fundamental é o reconhecimento de que se t ra ta de profissão estratégica, emcujas mãos está, em grande parte, o futuro do país em termosde desenvolvimento. Por conta disso, corresponde-lhe, de umlado, competência clara e sempre renovada em termos demanejar e produzir conhecimento, e, de outro, valorizaçãoprofissional definitiva, para que seja marcada pela seleçãopositiva. Ademais, todos os professores deverão deter com o tempo pelo menos formação de 3º grau, eliminando-se a diferença odiosa e arcaica entre professores menores (normalis-tas) e maiores (Pimenta e Gonçalves, 1990; Alves, 1992;Candau, 1991).

Faz parte desse repto, assim, também a participação dauniversidade em termos de formação dos professores deeducação básica e de reciclagem permanente, tomando-se em

conta que a qualidade da educação está remetida primordial-mente à qualidade dos professores. De novo, para educação pu-xar o desenvolvimento, não pode ser tocada pela universidadede hoje, muito menos pelas atuais faculdades de educação.Entretanto, não cabe dúvida sobre o reconhecimento de que taisfaculdades detêm papel essencial no processo de consolidaçãoda educação como móvel crucial das mudanças modernas e dahumanização da modernidade. Para dizer o mínimo, delasdeveria provir a construção adequada da didática do aprendera aprender, em todos os níveis, ou seja, do pré-escolar ao 4ºgrau (Wachowiez, 1989).

É mister, no desafio de compor o progresso técnico com o humanismo, imprimir nos educadores e na universidade comoum todo o compromisso com a pesquisa, a elaboração própria,a teorização das práticas, a crítica e a criatividade, superan-do-se a cópia da cópia, o mero ensino e a mera aprendizagem.É fundamental atualizar o humanismo, ainda perdido emvelharias típicas de ciências humanas discursivas e super-ficiais. É fundamental "educar" a modernidade, para que o progresso não persista tão insistentemente na concentração darenda. A universidade teria de ocupar o lugar que a sociedadee a economia dela esperam, a saber, o lugar onde se discute, semonta, se ensaia, se efetiva o futuro (Greenfield, 1988; Salm,1991).

Cabe ressaltar o impacto da qualidade educativa sobre a competitividade e qualidade da economia, algo que os educado-res geralmente têm receio de colocar, por conta do risco de

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instrumentalização capitalista. Este risco é óbvio, até porque o capitalismo se interessa por educação por conta do aprimo-ramento das condições de lucro, não por pieguice. Mesmo assim,esta hipótese de trabalho pode ser bem elaborada e alargarenormemente o horizonte de influência positiva da educação.

A primeira constatação refere-se ao patrimônio já comum deque mudança es t rutural é motivada sobretudo pela qualidadeeducativa (manejo e produção do conhecimento). Vale istotambém para o mundo da economia, cuja competitividade e qualidade dos processos e produtos dependem, cada vez mais,de recursos humanos qualitativos, dotados da capacidade desaber pensar, avaliar processos complexos, questionar a qualidade, globalizar conhecimentos e experiências, a par dedeter habilidades prático-técnicas.

A segunda constatação está na diferença profunda entrecapitalismo selvagem, marcado pela mais-valia absoluta(exploração vil da mão-de-obra), e o capitalismo dito moderno,contextuado pela mais-valia relativa (fundada no uso doconhecimento). Não se põe a superação do sistema, mas a migração útil de um estágio a outro, com visíveis ganhostambém para os recursos humanos implicados, tais como: a pardas melhorias salariais, do maior acesso ao consumo, doambiente mais aceitável de trabalho, valoriza-se a capacidadede participação política (sindical), fator crucial da redistribuiçãode renda e do confronto mais tolerável entre capital e trabalho(Kurz, 1991; Offe, 1980-1991).

A terceira constatação leva a ver que não é mister necessaria-mente reincidir na velha teoria dos recursos humanos, que osinstrumentalizava diretamente em função das necessidades docapital, no contexto de meros treinamentos funcionais (tayloris-mo, por exemplo). O capital "precisava" de "mão-de-obra" emsentido instrumental, para realizar seu ciclo reprodutivo e concentrador, sendo este tipo de exploração a fonte principal deacumulação. O capitalismo moderno certamente continua"usando" o trabalhador, mas o teor de "dependência" é maisprofundo, levando-o a vê-lo como componente essencial dacapacidade competitiva e, por isso, do êxito do empreendimentoprodutivo. "Mão-de-obra" pouco qualificada, mesmo abundante,é fardo, até porque predomina o sentido da intensividade docapital sobre a do trabalho. Torna-se fundamental agregarvalor intelectual ao processo produtivo, passando-se do usoinstrumentalizado da "força-de-trabalho" para a participaçãoqualificada educativamente, sem falar que a massa salarialemerge como fator principal da demanda (Paiva, 1989).

É claro que restam/sobrevém outros problemas. A empresamoderna terá de conviver com um trabalhador melhor or-ganizado politicamente, que já não aceita contribuir para umprocesso produtivo de cujos benefícios não participa. Precisaaprimorar formas de avaliação da qualidade dos processos e produtos, onde a qualidade do fator humano é essencial. Poroutra, a intensividade do capital elitiza ainda mais o mundo dacompetitividade, dificultando a geração de excedentes sociaispara uma oferta decrescente de emprego. Regiões menos desen-volvidas correm risco não só de subdesenvolvimento relativo,

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mas de "irrelevância" econômica, marcando-se pela sucatatecnológica, já que suas vantagens anteriores (abundância dematéria prima, geografias extensas, tamanho populacional e damão-de-obra disponível, etc.) se banalizam, sem falar que, nocontexto da mais-valia absoluta, dificilmente se forma mercadoconsumidor apreciável (Kurz, 1991).

Com isto, educação de qualidade atinge condição de relevânciahistórica extraordinária, porque aparece como componentecrucial dos processos emancipatórios. Desborda a condiçãoclássica de instrumentação crucial da cidadania (formação dosujeito histórico competente, organizado, crítico e criativo), parapenetrar o mundo da produtividade, aninhando-se no miolo dodinamismo econômico e confluindo capacidade de participarcom a de produzir. Com efeito, emancipação funda-se nessasduas colunas vertebrais, fazendo da qualidade educativa o maior investimento estratégico. Já não é mero gasto social, cujoretorno seria impraticável controlar. A sustentabilidade dodesenvolvimento inclui, em seu centro, sempre, a formaçãoadequada de recursos humanos, seu componente essencial de

3 Para evitar malentendidos, usamos os termos "instrumentar" e "instrume-ntalizar" em sentidos muito diversos e mesmo oposto. O primeiro e seusderivados conotam a dotação de instrumentos (meios) adequados para se atingirum fim. A política pública de educação é a melhor instrumentação da cidadaniapopular. Ciência e tecnologia instrumentam de modo mais efetivo o porgresso.Segundo termo (e seus derivados) já conotam a redução de fins ao nível dosmeios, coincidindo com o significado típico da discussão de Marcuse sobre"razão instrumental" na Escola de Frankfut. O capitalismo selvagem reduz o trabalhador a mero meio de acumulação de capital.

qualidade (Habermas, 1982-1989; Siebeneichler, 1989; Rouanet,1986).

Alguns Problemas dos Professores

Em termos de realidade nacional, forçoso é reconhecer nossoatraso significativo, em muitas faces. Na educação básica, seavançamos sensivelmente na quantidade (mais de 90% dascrianças em idade escolar acedem à escola), revelamos aindadéficits qualitativos clamorosos. O aproveitamento do 1° grauestaria por volta de 1/3 (apenas cerca de 30% dos alunoscompletam a 8a série), significando isto não só desperdícioinsustentável, mas sobretudo agressão frontal ao direitoconstitucional (Costa, 1990).

O baixo aproveitamento deve-se, em parte, às próprias con-dições de precariedade sócio-econômica e cultural das criançase respectivas famílias. Mas, em parte, deve-se aos baixos teoresqualitativos do sistema, em particular do professorado. Não setra ta de impingir aqui qualquer noção de culpa, mas dedimensionar este fenômeno de extrema precariedade, que temuma das origens no próprio processo de massificação da oferta.O saudosismo segundo o qual, um dia, tivemos boas escolaspúblicas, onde apareciam professoras distintas e competentes,não cabe, porque naquela época educação estava disponívelapenas para a elite. O preceito democrático da universalizaçãodo lº grau levou, quase que naturalmente, a este tipo demassificação, onde assoma mais que tudo o lado negativo donivelamento por baixo.

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Um dos aspectos mais precários do sistema educativo está nofato recorrente de que muitas crianças não o aproveitamconvenientemente por conta de agentes mal formados, inade-quados à tarefa, sobretudo se levarmos em conta o desafio.Para educar crianças pobres e culturalmente indigentes, namaioria dos casos, carecemos de um professor altamentepreparado e competente. Faz parte deste imbróglio, sempre, a condição histórica profissional de uma ocupação rebaixada aosmais ínfimos patamares de prestígio social, marcada pelaseleção negativa (Mello, 1986).

Segundo dados de 1987 (MEC/SEEC), no Nordeste, por volta de45% dos professores de Cursos Normais eram "leigos", nosentido de que não possuíam formação superior. Tratava-se deprofessores dotados apenas com formação de 2º grau, paraformar outros professores com nível de 2º grau. No caso doMaranhão, esta percentagem subia para quase 70%, per-manecendo em pouco mais de 60% em Alagoas. Como médianacional, pouco mais de 20% dos professores em CursosNormais eram "leigos".

Existiam, em 1987, pouco mais de 1 milhão e cem mil postosdocentes do ensino de 1" grau, dos quais 13% (146 mil) nãopossuíam 2ºl grau completo. No Norte, esta relação subia para31,7%, e no Nordeste, para 26,2%. Em Estados como Pará,Acre, Ceará, Maranhão, Paraíba, a percentagem de professoresleigos atingia os 40%. Na zona rural, Estados como Amazonas,Acre e Ceará mostravam taxas superiores a 80%. Dos 146 milprofessores leigos, mais de 80% exerciam suas atividades nazona rural, e mais de 50% localizavam-se no Nordeste. Com

isto, caracterizava-se que a "geografia" do professor leigo erarural e nordestina predominantemente, representando cifrasainda alarmantes em nossa realidade (Barreto, 1991a).

Sob o ponto de vista da remuneração, usando dados da RAIS,Barreto comparou o professor de lº grau com outras profissõesassemelháveis (tendo como critério de comparação grau deescolaridade e taxa de empregos ocupados por mulheres), emparticular, com "auxiliares de contabilidade/caixas" e "secretá-rias". Os resultados mostram que para 1986 e 1987 os profes-sores ganhavam, em média, menos que as duas profissões emcotejo. O salário médio dos professores, em 1987, era da ordemde US$ 192,89, descendo no Nordeste para US$ 137,63 (Bar-reto, 1991b).

É fator prejudicial, também, o atual corporativismo crescenteentre professores e agentes educacionais, voltado a benefíciospróprios de modo abusivo, sem levar em conta os direitos dascrianças. Por conta disso, faz anos que não temos calendáriosnormais de atividade escolar, reduzindo o funcionamento dosistema a mínimos cada vez menores. Se levarmos em contaque a criança permanece em média por volta de três horasdiárias na escola, somando-se a isto as paralisações crescentes,o aproveitamento estaria em franco declive.

Entretanto, este fenômeno é menos causa do que conseqüência,levando-se em conta a situação profissional ainda muitodeprimida dos professores. É impraticável a qualidade educa-tiva deles no contexto de pobreza marcante, sobretudo em

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giões mais a t rasadas. Embora melhores salários não reper-cutam necessariamente em melhoria da qualidade, fazem parte

da cidadania do professor. Um dos traços mais deprimidosnesta situação está no conluio — círculo vicioso — entremiséria e despreparo, algo típico das Escolas Normais, porexemplo- A normalista é típica vítima deste tipo de sistema,que nela estampa posicionamento histórico persistente dianteda educação básica, fraudando direitos básicos dos maisdecisivos para as oportunidades de desenvolvimento daspessoas e da sociedade como um todo.

A Escola Normal representa, de modo geral, uma das ter-minalidades de 2º grau mais precárias, sem falar na estig-matização feminina. Não se constrói aí qualquer chance de umaeducação moderna, proeminente em termos de formação geral,capaz de avançar de modo atualizado na matemática, ciênciasnaturais, e t c , fundada no aprender a aprender, e assim pordiante. Na prática, fabrica-se um professor "menor", relegadoaos primórdios do sistema de educação, como se estes fossem a fase menos crítica. Com certeza, o baixíssimo aproveitamentodo lº grau correlaciona-se com este tipo de precariedade, nemseria cabível exigir ou esperar da normalista t amanha com-petência, dada sua condição profissional (Lelis, 1989).

A universidade não tem assumido desafios modernos típicos,como tecnologia educacional, os temas relativos ao engate entreeducação e tecnologia, os desafios da qualidade formal e política. Pululam cursos arcaicos, entre eles os de pedagogia,signo típico da posição de mera retaguarda. Com isto, torna-sepraticamente impossível construir um educador capaz de

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elaborar e efetivar projeto próprio pedagógico. Vive de cópia e só ensina a copiar.

Preocupa sobremaneira a problemática do professor de educa-ção básica preparado nas licenciaturas, sem falar no educadorem geral, gestado nas Escolas de Pedagogia. São crescentes asdificuldades de avançar em ritmo adequado nas áreas dematemática e ciências, sem falar na questão da qualidade. Deum lado, há a questão da formação básica, marcada pela baixademanda e pela alta desistência, sobretudo em disciplinas maissensíveis à modernidade. De outro, existe o atraso da didática,ainda presa ao modelo da mera aprendizagem via aula (cópiada cópia), muito afastada dos compromissos de elaboraçãoprópria, reproduzindo um educador incapaz de traduzir a emancipação instrumentada em educação e ciência.

Alguns exercícios de planejamento estratégico, realizados noDepartamento de Macroestratégias (Secretaria de AssuntosEstratégicos da Presidência da República) em 1992, indicamhorizontes possíveis de progresso, mas certamente muitodifíceis de atingir, porque implicam mudanças radicais nosistema. Alguns acenos para o lº grau seriam:

a) para 10% de decréscimo anual das taxas de evasão e repetência a partir de 1992, a matrícula alcançaria no ano2000 a quase 40 milhões de alunos (30 por docente), e, sepagássemos em média o salário de US$ 600 por professor,isto custaria 3.84% do PIB ou US$ 18.12 bilhões;

b) tomando-se algumas hipóteses modestas (crescimento dosprofessores com nível superior, diminuição dos leigos, substi-

tuição por aposentadoria, e tc) , somente após o ano de 2010seria viável termos apenas professores de nível superior;

c) para se atingir aproveitamento de 2/3 dos alunos no ano2000, é mister melhoria de 127o anuais nas taxas de evasãoe repetência (Brasil.SAE, 1992).

Possível seria. Mas supõe formidável vontade política e aumento significativo de investimento. Nosso sistema estáefetivamente marcado pela mediocridade encardida, numconluio fatal entre incompetência técnica, desprestígio profis-sional dos professores e falta de decisão pública.

Desafios desta Hora

1. É preciso rever radical e progressivamente a proposta daEscola Normal, em dois sentidos pelo menos. Num primeiromomento, é fundamental preocupar-se com a qualidade e atualização deste tipo de formação, porquanto nossas criançasestão nas mãos dela. A importância crucial da normalista nosistema educacional é, de modo geral, negligenciada, sejaporque representa na realidade profissão relegada, seja porquese supõe, sem mais, que sua formação está adequada, sejaporque nos satisfazemos com quantidades apenas. Na verdade,trata-se da figura mais estratégica: de sua qualidade dependea qualidade da educação inicial (incluído o pré-escolar).

Fato mais marcante é a baixa qualidade deste tipo de formação,sem falar no recrutamento rebaixado e na estigmatizaçãofeminina. No fundo, predomina a seleção negativa. A par disso,

a atualização é um processo pouco contemplado, numa faixaprofissional onde o envelhecimento científico é rápido e fatal(ISEP, 1990). A seleção negativa sinaliza não só o fenômeno deuma ocupação residual, mas igualmente do reduto da incom"petência acumulada (entidades de capacidade duvidosa emtermos de formação, negligência de disciplinas estratégicas,sobretudo de Matemática e Ciências, vezos inócuos de "treina-mento", arranjos temerários de estudos adicionais para ampliaro leque de atuação profissional) (Novaes, 1987; Freitas, 1989).

Num segundo momento, é crucial encetar processo de supera-ção, no tempo, do modelo da Escola Normal, introduzindoformação superior, para corresponder à complexidade dodesafio, conforme a Constituição e as expectativas modernas.Não cabe um "professor menor", logo em área tão estratégica.Dado o desafio, carecemos de um superprofissional, dotado deampla formação geral, competência educativa evidente,capacidade interdisciplinar, para t ra tar da criança de modoglobal e pleno.

A passagem para nível superior não garante, mecanicamente,qualidade "superior", mas é condição importante, inclusive devalorização profissional. Tal passagem suporia revisão radicaldo que entendemos, neste País, por formação superior, emtermos curriculares. Mais do que nunca, aplica-se esta cautelaà problemática do educador, que não pode ser gestado emambiente de reprodução e cópia, destituindo-o da fundamentalcapacidade de construir projeto crítico e criativo pedagógico,com elaboração própria.

Componentes decisivos desta discussão seriam:

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Os cursos de pedagogia estão entre os mais fracos, em par-ticular aqueles de entidades particulares noturnas, sem falarque sua procura está marcada também pela seleção negativa.Nada têm a ver com a modernidade. Pelo contrário, represen-tam o atraso, reduzindo educação a atividade consolidada nacópia e na reprodução, conhecimento de segunda categoria paragente de segunda categoria.

Os currículos são no mínimo arcaicos, carecendo comprome-ter-se com propostas intensivas e fundadas na capacidade depesquisa e elaboração própria, o que incluiria:

a) parte inicial propedêutica, destinada a construir com-petência metodológica no manejo e produção de conhecimen-to, incluindo, filosofia da ciência, metodologia científica,estatística e planejamento, língua e iniciação teórica*

b) esta parte deve ser instrumentada eletronicamente de modofarto e recorrente, para diminuir a necessidade de aulas e abrir espaço para trabalho do aluno e com o aluno-

c) parte profissionalizante organizada por temas de pesquisa,com a finalidade de o aluno exercitar a capacidade de darconta de temas, desenvolvendo método capaz de dar contade qualquer tema; em vez de cobrir extensões infindáveis dematéria, opta-se pelo aprofundamento intensivo, queredunde na capacidade de elaboração própria;

d) teorização da prática, tomando-se esta como curricularestritamente;

e) avaliação em torno da produção própria, não de aulas e provas.

Os cursos de pedagogia necessitam aderir a es te tipo demodernidade, para poderem puxá-la dentro do ambienteuniversitário, estabelecendo a dianteira em termos de manejoe produção de conhecimento. Não se pode falar de capacidadecriativa e crítica da educação sem fundar-se em pesquisa,elaboração própria, atualização, habilidade sempre renovada deintervir na realidade sob o crivo do conhecimento. A respeito,parece ainda reinar entre educadores at i tude equivocada e

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to menor for a criança, tanto maior deve ser o respecti-a) quanto menor for a criança, tanto maior deve ser o respecti-; vo profissional deveria estar entre as profissões mais

prestigiadasdo País, em termos de qualidade formal e política, e remuneração;

Ho o desafio de educar adequadamente crianças social e culturalmente muito prejudicadas, cercado de forte com-plexidade, o respectivo profissional deve es ta r dotado de

extrema competência;te tipo de educador carece ultrapassar os horizontes

usuais atribuídos à pedagogia, não para intrometer-se emespecialidades específicas (tipo pediatria, psicologia infantil,fonoaudiologia, etc), mas para sustentar visão interdiscipli-nar pertinente;

e) marca deste educador deve ser a capacidade própria deelaboração, pesquisa, construção criativa, cultivando o ambiente moderno do "aprender a aprender", para fugir do"ensinar a copiar" (Olmsted & Weikart, 1989).

2. Em termos de formação do educador como tal, definido estecomo gente preparada em pedagogia, temos um rol de questõesda maior gravidade e que implica um repensar radical.

antiquada, no sentido de esperarem mudanças apenas daqualidade política, negligenciando a qualidade formal. A população necessita de instrumentação atualizada em termosde conhecimento, através da qual se habilita efetivamente comosujeito histórico. Posturas ideológicas favoráveis a mudançassão fundamentais, mas não dispensam competência adequadaem termos de manejo do conhecimento (Caporalini, 1991).

3. No que concerne às licenciaturas, a problemática alcançanível de complexidade própria, porque envolve, ao mesmotempo, as faculdades de pedagogia e os respectivos cursos degraduação que permitem a formação de professores de educaçãobásica (até ao 2º grau). De um lado, temos a questão envelheci-da de cursos baseados em transmissão repetida de conhecimen-to copiado, alimentada também pela tradição bacharelesca e discursiva, que valoriza mais falar bem, do que produzir ciênciaprópria. Daí se origina o preito à aula, cuja didática enfeitamaneiras de expor, de manter acesa a atenção de ouvintes, deconvencer a aprender. Esta época está esgotando-se rapida-mente, no contexto dos meios modernos de comunicação.

O pior vício está na preservação da postura de docentes que"apenas ensinam", porque "apenas aprenderam". Literalmentese preparam para transmitir conhecimento copiado, como seisto fosse algum "preparo". Impera ainda o esquema exclusivo

"ensino/aprendizagem", signo de um tempo autoritário e reprodutivo, no qual se imaginava um "professor" que vinhadas alturas, para ensinar a plebe ignara e rude. Esconde-se aí,ademais, um messianismo fossilizado, que confunde facilmente

educação com sacerdócio, em vez de fazê-la profissão estratégica(Ribeiro, 1984).

Este tipo de didática serve para a senzala, coibindo o processoemancipatório, porque reprime a emergência do sujeito his-tórico capaz de construir projeto próprio de desenvolvimento, nabusca de ampliar e potencializar suas oportunidades de vida.O contato pedagógico previsto no esquema "ensino/aprendiza-gem" ignora aquilo que é mais específico no meio educativo-aca-dêmico, que é a produção própria e criativa de conhecimento.Educar na universidade não é a mesma coisa que educar emcasa, na igreja, na fábrica, na rua, no botequim, por mais queem tudo haja núcleo comum e possível dignidade. E fundamen-tal que o contato pedagógico surgido no meio acadêmico sedistinga de outros, e tal distinção passa pela produtividadecientífica.

Tanto é falso conceber o professor como alguém que meramenteensina, quanto é falso conceber o aluno como alguém quemeramente aprende. O aluno comparece para produzir ciênciatambém, ou seja, para fazer, no fundo, o mesmo que o profes-sor, apenas em estágios diferenciados. É preciso transmit irpara o aluno a ambiência moderna do "aprender a aprender",e isto também na educação básica, para sairmos da "decoreba",da cola, da imitação barata . O "pedagógico" na aula estásobretudo no horizonte emancipatório de ocupação de espaçopróprio via pesquisa e elaboração própria. Por incrível quepareça, tecnologia já sabe disso desde sempre, pois vive deinovar. Só educação ainda acredita na cópia, na cola, na aularepetitiva.

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Entretanto, temos outro problema de intensa gravidade naslicenciaturas, marcado pela dificuldade crescente de obtermosprofessores em áreas mais modernas (Matemática, CiênciasNaturais). Tais cursos sofrem baixa procura e al tas evasões.Isto bastaria para indicar a distância que temos frente à modernidade, sobretudo a obstaculização ao desafio de domi-narmos, via educação, o processo de modernização da sociedadee da economia.

Tal problemática revela, à revelia, outra face do déficit tec-nológico4, relativa às dificuldades de atualização constante dosprofessores. Nas esferas mais modernas, o envelhecimento é muito mais rápido, porque a pesquisa está em franca evolução.Os ciclos de mudança no conhecimento tornam-se cada vezmais rápidos. Aí, mais do que nunca, formar-se e reciclar-seconstantemente coincidem. Entretanto, esta questão não é tomada a sério, favorecendo o ambiente de mera imitação doconhecimento copiado. Quando um professor não se convenceude que ciência é pesquisa, permanece na mera aprendizagem,não lê mais, não se renova através de novos cursos, nãoconstrói sua biblioteca própria, nunca escreve e publica. Olhan-do bem, jamais foi professor de coisa alguma.

4 Expressão cunhada por Luhmann em 1982, denotando dois vazios no mundopedagógico: de um lado, a dificuldade de dialogar com o mundo modernotecnológico, permanecendo em propostas pré-científicas; de outro, a facilidadede cair no extremo oposto da mera imitação das ciências naturais , sacrificandoo compromisso humanista. Luhmann assevera isto sobre bases da metodologiasistêmica, da qual é considerado possivelmente o autor mais versado (Luhmanne Schorr, 1982).

Vale aqui recolocar o déficit tecnológico: não cabe perambularem penumbras pretensamente humanistas envelhecidas,fugindo das tendências do mundo moderno, como não cabesacrificar os conteúdos formativos à tecnologia, invertendo a relação entre meios e fins. O que buscamos, via educação, é dominar a modernidade, para que seja, ao mesmo tempo,científica e humana (Santos, 1990).

4. Dadas as circunstâncias atuais e o processo de longo prazode gestação da qualidade do professor, é muito importantepensar em maneiras mais adequadas de formação permanente.Virá a época em que a atualização do professor será continuadae recorrente, implicando, entre outras coisas, deixar o exercícioprofissional direto de tempos em tempos (uma modalidade de"sabático"), para voltar a estudar. A própria noção moderna deconhecimento e ciência (como inovação em processo) exige estetipo de atualização constante, ao estilo do que chamamos de"educação permanente", englobando sobretudo o direito de todosà informação estratégica e sua infindável renovação.

Essencial será, por conta disso, refazer conceitos e práticas de"treinamento", destacando-se:

a) cursos de atualização/capacitação não podem durar menosque o tempo necessário para se exercitar a didática doaprender a aprender, devendo-se rejeitar totalmente aquelesfundados em aulas copiadas que apenas ensinam a copiar;

b) esta duração será sempre algo polêmico, mas podemosavançar que um mínimo poderia fixar-se em duas semanas,ou 80 horas intensivas, imaginando-se que, neste espaço

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temporal, seja viável construir oportunidade real de apren-der a aprender (chegar a exercitar a elaboração própria e sobre ela realizar a avaliação);

c) a atualização permanente não deveria ficar abaixo de umsemestre, ou quatro meses, permitindo com isto desenvolververdadeira ati tude de pesquisa;

d) é relevante cercar tais cursos com toda instrumentaçãoeletrônica disponível, fazendo parte da competência doscursistas usar e produzir nesta parte; ao mesmo tempo, é mister estabelecer os limites desta instrumentação, destina-da a favorecer o aprender a aprender.

Abaixo de duas semanas, como regra, são possíveis e recomen-dáveis outras modalidades de contato com o conhecimento, sobforma de seminário, congresso, encontro, conferência e t c ,destinadas a socializar acesso, restringindo-se tendencialmentea meras aprendizagens, revisão de teorias e autores, contatosmotivadores. È absurdo dar nome de curso a encontros de umou dois dias, onde não sucede mais que o contato de participan-tes com conferencistas. Este fenômeno tem seu valor, indepen-dentemente de qualquer restrição, mas não realiza atualização,nem capacitação.

Com isto, é mister superar a tendência ao "credencialismo" detais eventos, destinados apenas a melhorar o curriculum vitae dos interessados. Por outra, é essencial rejeitar facilidades deacesso que, na prática, são estigmatizações dos pobres, porquese reduzem a ofertas pobres para os pobres. Exemplo destapreocupação é o surgimento de escolas integrais manejadas porquadros usuais de professores, sem devida capacitação e reci-

clagem. Dada a premência, faz sentido usar táticas de "treina-mento em serviço", por exemplo, desde que não reduzidas à cópia da cópia, ao mero "fazer" destituído da devida teorização,ao desprezo do saber pensar.

A educação moderna baseia-se em conhecimento como fonte dacriatividade. Neste sentido, treinamentos em serviço nãosubstituem formação básica sólida, porque atendem a outrorequisito voltado para o exercício prático. É completamenteequivocado contentar-se com meras melhorias da formação,supondo que, de modo geral, a formação esteja à al tura.Trata-se principalmente de refazer a profissão (Gadotti, 1980e 1986).

Por certo, conhecimento não é automaticamente "libertador",porque podemos construir conhecimento para matar, oprimir,torturar. Por isso é fundamental insistir na qualidade formale política da ciência, o que releva ainda mais a importância daeducação como humanizadora do conhecimento. Assim comoeducação deve humanizar o conhecimento, conhecimento devemodernizar a educação (Demo, 1988).

Expectat ivas sobre o Professor

1. Como profissão estratégica, o professor de educação básicadesempenha pelo menos dois papéis cruciais no contexto dasoportunidades de desenvolvimento: de um lado, concentra a força propulsora do" desenvolvimento, à medida que, manejando>• produzindo conhecimento, "puxa" a modernidade e ocupa um

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A pontos nevrálgicos do processo de formação da competência,escola; de outro, emerge como garantia primordial de

humanização da modernidade, no sentido da construção de umprojeto moderno e próprio de desenvolvimento.

Tamanha responsabilidade descarta, desde logo, modosabreviados e sumários, ou decadentes de formação, como a

Escola Normal, as a tuais faculdades de pedagogia, os progra-mas inócuos de treinamento, e assim por diante. O professortorna-se o formador principal da capacidade de desenvolvimen-to na sociedade e na economia, ligando-se, mais que a produtosdo conhecimento, ao processo de construção da competênciapropedêutica do conhecimento. É peça-chave do descortino dofuturo. Precisa estar à frente dos tempos, para lhes sinalizar a rota.

2. Entre as habilidades cruciais, destaca-se de part ida a capaci-dade propedêutica, definida como competência em construircondições adequadas do aprender a aprender, do saber pensar,de pesquisar, de teorizar a prática, de atualizar-se constan-temente. Trata-se de habilidade tipicamente metodológico-ins-trumental, de domínio de meios e métodos, para poder manejare produzir conhecimento com a devida destreza, capacitando-se,assim, a construir com as crianças o mesmo ambiente produ-tivo, construtivo, participativo. Opõe-se à tendência reprodu-tiva, copiadora, meramente transmissiva dominante, marcadapela relação hierárquica e formal do "ensino/aprendizagem",que "instrumentaliza", em vez de "instrumentar" as pessoas.

No contexto do tripé da modernidade do conhecimento -filosofia/linguagem/matemática - a propedêutica significa menos

o domínio de conteúdos, do que a habilidade metodológica,capaz de dar conta de qualquer conteúdo. Trata-se menos de"aprender" filosofia, matemática, língua materna, do queconstruir, através delas, a capacidade de ser competente diantede qualquer desafio do desenvolvimento. Propedêutica é, naessência, aprender a aprender, saber pensar (Carraher, 1988).

3. Também se t ra ta de dominar conteúdos. Cada cidadãoprecisa saber muita filosofia, muita matemática e versar-sesobre a língua, para estar a par das coisas, ser contemporâneono espaço e no tempo, poder informar-se convenientemente.Temos também este problema: nossas crianças, como nossosprofessores, sabem pouco. Entre tantas questões, podemosassinalar:a) descuido com respeito à matemática e às ciências, por vezes

sob alegaçães humanistas retrógradas, como se educaçãoapenas olhasse para t rás;

b) enredamento excessivo com posturas ideológicas, como seideologia substituísse conhecimento, por mais que ambos sepermeiem inevitavelmente; saber usar politicamente o co-nhecimento supõe que se o tenha em quantidade e qualida-de adequadas;

c) excessos e/ou deturpaçães em termos do papel da cultura noprocesso educativo, seja no extremo de homogeneizar tec-nicamente à revelia das identidades históricas e dos patri-mônios próprios, seja no outro extremo de preferir o lingua-j a r cotidiano local à língua culta, ou de imaginar matemáti-ca regional e t c ;

d) imposição de conteúdos decorados, mecanicamente inter-nalizados, por vezes para fins imediatistas de prova, vesti-

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biliar, concorrência social, e que não ficam para a vida; comodizem os alemães, "formação é aquilo que fica, depois que seesqueceu tudo";

e) situação de atraso científico originado também pela falta deatualização constante, o que "sucateia" os professores e suasaulas surradas.

4. Por conta deste último item, é essencial assinalar a neces-sidade de assumir compromisso com a atualização constante,superando-se, em definitivo, os treinamentos inócuos que nãoapenas se divorciam das habilidades propedêuticas, ou transmi-tem conteúdos envelhecidos, como também estigmatizam o professorado como gente fora de época. Alguns vezos deveriamser repassados:

a) cursos de atualização precisam ter duração mínima quepossibilite a elaboração própria, a pesquisa, a teorização daspráticas;

b) só podem ser dados por ministrantes dotados de elaboraçãoprópria, pesquisa, capacidade de construção científica; nãosão sucessão de aulas transmissivas, mas tempo e lugarpara manejar e produzir conhecimento;

c) todos os cursos necessitam sinalizar a dianteira das mudan-ças na sociedade e na economia, o (que lhes exige absolutaatualização em termos de conhecimento e de materialdidático;

d) diante das lacunas dominantes na formação, será misterintroduzir cursos longos, que permitam refazer os vazios e construir competência de vanguarda, talvez de um ou maissemestres;

e) será mister pleitear, com o tempo, o "direito" à atualizaçãorecorrente, ao estilo do "sabático", abrindo para o professora oportunidade sempre renovada de confrontar-se com a dialética da inovação pela via do conhecimento;

0 isto não contradita modos de "socialização do conhecimento",feitos através de eventos curtos (conferências, mesasredondas, seminários), que nunca poderiam "certificar" osparticipantes.

5. Faz parte da modernidade a instrumentação eletrônica, emprimeiro lugar, porque vai ocupar o espaço da transmissão e socialização do conhecimento; e em segundo lugar, porque abrecondição para melhor manejar e produzir conhecimento.Embora os meios de comunicação tendam a "instrumentalizar"a sociedade (fazendo dos meios, os fins), no seu devido lugar"instrumentam" de forma inteligente e pertinente a propedêu-tica. Tal instrumentação nunca substitui elaboração própria,pesquisa, teorização da prática e t c , mas pode motivá-las, desdeque existam professores capacitados para tanto.

Com efeito, a maioria dos professores não saberia lidar com a instrumentação eletrônica, ou a teme por razões de humanis-mos ou pedagogismos arcaicos. Assim como cabe à educação dequalidade "humanizar" a modernidade, cabe ao professor"educar" a eletrônica, conservando-a como instrumento, sempermitir a "instrumentalização". E inegável o apoio que podedar com respeito ao trato de conteúdos de estilo mais repetitivo,onde a aprendizagem tem seu lugar (matemática, gramática,exposições sumárias), bem como no trato de outros conteúdos

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• curriculares e paracurriculares, como cultura, educação cívica,etc. Todavia, pode igualmente servir para apoiar a

propedêutica como tal, destacando conteúdos recorrentes dela,tais como: sugestões de como se constrói um trabalho científico,tais como: sugestões de como se contrói um trabalho cientifico

de como ler de maneira inteligente, de como teorizar praticas,ou montagens de polêmicas pertinentes no campo da metodo-

logia científica, e assim por diante. Enquanto o mundo lá fora,sobretudo a economia, luta para acompanhar o ritmo das

danças, a escola parece uma trincheira tombada, fora deespaço e tempo.

6 Habilidade essencial é a pesquisa, como princípio científicoe educativo, para incutir no professor at i tude cotidiana críticae criativa, com vista a confluir saber & mudar . Primeiro, a pesquisa, na condição de habilidade de questionar a realidade,faz parte, não apenas da construção científica, mas igualmenteda construção da cidadania, porque arquiteta a capacidadecrítica e criativa em sentido político. Segundo, a pesquisa é o antídoto crucial à mera reprodução escolar, apontando para umdos resultados mais eloqüentes das teorias modernas educati-vas, a saber, que conhecimento não se reproduz, se constrói.Terceiro, a pesquisa, bem colocada, amarra conhecimento e mudança, seja porque conhecimento é o instrumento primordialde mudança hoje, seja porque qualidade formal e política daeducação passa sempre também pelo manejo e produção deconhecimento, seja porque a modernidade se define, entreoutras coisas, por mudar com base em conhecimento sobretudo.

O processo de produção de conhecimento no professor precisa

colocar-se em seu devido contexto, até para não ser meramenteimitativo da pós-graduação, por exemplo. Como todo processocriativo, começa do começo, ou seja, da cópia. Mas dela saiimediata e persistentemente, para descortinar horizontessempre mais próprios, compatíveis com a condição de sujeitohistórico consciente e organizado, competente e produtivo.

A sala de aula deverá transmutar-se, de lugar da reproduçãosubalterna, para processo intrinsecamente construtivo deconhecimento e interação do saber. Papel essencial do professorserá orientar os alunos a produzirem conhecimento, dentro deseu contexto próprio, partindo-se do que já sabem, de suasituação cultural e histórica, para abrir-lhes a competênciapropedêutica de manejar e produzir conhecimento. O processoeducativo, por sua vez, migrará da "moral e cívica", para a construção do cidadão competente e produtivo. O que diferenciaa educação neste espaço é o fato de fazer-se com base emconhecimento. Eis sua qualidade básica. Não se arquiteta aíqualquer cidadania, mas aquela fundada em conhecimentoatualizado e atualizante.

O mero contato entre professor e aluno não basta para serautenticamente "educativo". Desde que se assuma a postura doaprender a aprender, do saber pensar, este contato, para sergenuíno, precisa mediar-se pelo manejo e produção do con-hecimento. Caso contrário, não se distingue do contato deesquina e do boteco. É preciso desfazer a fantasia arcaica doprofessor que "educa" pela via do requentamento de saberultrapassado, alheio, sucateado.

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a) professores precisam ser sempre avaliados, de fora sobretu-do, pela simples razão de que cumprem função pública pagapelos que trabalham e produzem; estes têm direito a exigiro devido desempenho;

b) o corporativismo deve ser superado no tempo, substituindoa reles autodefesa pelo compromisso profissional, devida-mente competente e prestigiado; diante dos direitos do alunoe de suas famílias, os professores são "meios", não o fim dosistema educativo; "direitos adquiridos" não podem prejudi-car as crianças, encobrir incompetências, fantasiar privilé-gios, camuflar manobras de proteção burocrática;

c) os próprios professores precisam usar suas associações paradefender a qualidade da educação, onde são os protagonistasessenciais; faz parte disso a habilidade de elaborar, em cada

escola, projeto pedagógico próprio coletivo, que, a par de darconta da capacidade de manejar e produzir conhecimento,mostraria a capacidade de servir à comunidade;

d) os professores precisam assumir correções importantes nasreivindicações, em si justas, de indicação de diretores deescolas, para conjugar destreza política com competênciatécnica; onde desaparece o mérito acadêmico-técnico, restaapenas a gritaria.

O professor, a par de ideólogo, capaz de imprimir diretrizespolíticas ao conhecimento, precisa manejar e produzir con-hecimento.Uma coisa não substitui a outra. Qualidade formale política constitui sua alma. Seria contradição incrível esperardele que sedimente condições básicas da cidadania popular,sem que ele mesmo exerça plenamente sua própria cidadania.Mas é igualmente contraditório enredar-se em processoreivindicatório corporativista, cuja busca de privilégios implicao desrespeito aos direitos alheios. O sarcasmo desta situaçãoestá em que as reivindicações, de modo geral, são justas, diantede uma história triste de escárnio público à profissão. Todavia,não pode interessar ao professor aparecer na cena pública comoadversário dos direitos das crianças e famílias. Ser adversárioaí não significa apenas exceder-se em greves, já mais comunsque os dias de trabalho, mas igualmente não estar à altura dacompetência que dele se espera (Giroux, 1986).

Seja como for, não escaparemos de aceitar que é mister investirmuito mais em educação, inclusive para que os professores te-nham remunerações dignas 0 outro lado da mesma medalha

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7. Por fim, cabe ressaltar a dignidade profissional, de cujarelevância sócio-econômica e política já não se pode duvidar. A exigência iniludível de competência sempre renovada cor-responde à devida valorização social, começando pela remune-ração. As pesquisas insinuam que a remuneração, sozinha, nãofaz competência, e vice-versa. Não se t rata de puxar a car-ruagem com uma rédea só, mas com as duas, simultaneamente.Entretanto, em muitos casos, os professores ganham remunera-ções de tal modo vis, que nada seria adequado sem, primeiro,garantir um patamar mínimo de dignidade social.

A partir daí, cabe confluir as duas vertentes, até sedimentar a a de profissão estratégica atrativa, marcada pela seleção

positiva. Algumas questões relevantes são:

sinalizará que dele esperamos comprovada competência, atua-lização constante ,atitude produtiva e construtiva em termos demanejar e produzir conhecimento. Serão avaliados, todo dia.Pelo menos no serviço público, primeiro vem a sociedade, depoisa corporação.

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absorvidos de uma maneira direta pelos futuros professoresé no mínimo, ignorar a produção acadêmica de todas asfaculdades de Educação. Aqui, além de uma proposta demudança de paradigma, propomos também uma revisão naspropostas curriculares dos cursos de licenciatura.

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universidades, praticamente aos cursos de conteúdos específicos— cursos de Licenciatura idêntico ao de Bacharelado, compequeno acréscimo das disciplinas pedagógicas (Carvalho e Vianna, 1988; Furió e Gil, 1991). Entretanto temos que insistirnessa tecla pelas razões apontadas a seguir.

Talvez como uma reação contra a atenção exclusiva quetradicionalmente se deu aos conteúdos específicos na prepa-ração do professor, apareceram propostas que relativizaram a importância desses conteúdos. Como exemplo temos as licencia-turas de curta duração, que pretendiam (ou ainda pretendem)em dois anos preparar professores para lecionar Ciências de 5a

a 8* série, isto é, Física, Química e Biologia (sic), ou mesmo a transformação dessas licenciaturas em plenas, complementan-do-as com mais dois anos de uma especialidade, mas sem lhesretirar a condição de professor generalista de Ciências. Por trásdessa idéia está a concepção popular de que "quem sabe faz,quem não sabe ensina", isto é, o professor precisa sabersomente um pouco mais que seus alunos para ensinar (Carva-lho, 1991).

Quando tomamos conhecimento da maioria dos cursos deformação continuada do professor, vemos que a tônica principaldas atividades está em propostas metodológicas inovadorasdeixando-se de lado as que se referem aos conteúdos específicos,como que admitindo, implicitamente, que fora suficiente a preparação proporcionada neste aspecto pela formação inicial.Entretanto é cada vez mais evidente que essa preparação é insuficiente (Krasilchik, 1987), e, como mostrou Tobin e Espinet(1989) a partir de um trabalho de tutoria e assessoramento a

professores de Ciências "uma falta de conhecimento científicoconstitui a principal dificuldade para que os professoresparticipantes adotem atividades inovadoras". O mesmo resul-tado, trabalhando com professores brasileiros, foi encontradopor Pacca e Villani (1992). Na verdade, toda a tradição detrabalhar com professores mostra os problemaas gravesacarretados pela deficiência no conhecimento da matéria. Esseé o principal fator que converte o professor em um transmissormecânico dos conteúdos dos livros-textos.

Além desses pontos, é preciso chamar a atenção sobre o fato deque algo tão aparentemente simples como "conhecer a matériaque se vai ensinar" implica conhecimentos profissionais muitodiversos (Coll, 1987; Gil e Carvalho, 1992), que vão muito alémde que tradicionalmente é dado nos cursos universitários.

Conhecer a matéria que se vai ensinar, como mostram Gil e Carvalho (1992), compreende:

1 ~ Conhecer os problemas que originaram a construção dosconhecimentos a serem ensinados, sem o que os ditos conheci-mentos aparecem como construções arbitrárias. Conhecer a história das Ciências, não só como um aspecto básico dacultura científica, mas, primordialmente, como uma forma deassociar os conhec imentos científicos com os problemasque originaram sua construção (Carvalho, 1989a; Mattheus,1990; Castro e Carvalho, 1992). Conhecer, em particular, quaisforam as dif iculdades, os obstáculos epistemológicos, poisesse conhecimento constitui uma ajuda imprescindível para secompreenderem as dificuldades dos alunos (Satiel e Viennot,

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1985); saber ainda como esse conhecimento se desenvolveu e co-mo os vários pontos chegaram a articular-se em um corpo coe-rente, evitando-se, assim, visões estáticas e dogmáticas quedeformam a natureza do trabalho científico (Gagliardi e Giordan, 1986).

9— Conhecer as or ientações metodológicas empregadas nacontrução do conhec imento , isto é, a forma como os

pesquisadores abordam os problemas, as características maisnotáveis de sua atividade e os critérios de validação das teorias(Gil, 1986). Trata-se de um conhecimento essencial paraorientar adequadamente a prática de laboratório, a resoluçãode problemas (Gil et alii, 1992). e a construção de conhecimentopelos alunos (Silva, 1990; Gil et a, 1991).

3 — Conhecer as in terações da sua disc ipl ina com o desenvolvimento tecnológ ico e social da humanidade.Isso é fundamental para dar uma imagem correta ao ensino decada disciplina, pois o trabalho dos homens e mulheres não temlugar longe da sociedade em que vivem, sendo afetado pelosproblemas e circunstâncias do momento histórico do mesmomodo que suas ações têm uma clara influência sobre o meiofísico e social em que estão inseridos. Insistir neste ponto podeparecer supérfluo, entretanto, quando analisamos nosso ensinouniversitário, vemos que ele se reduz a uma transmissão deconteúdos conceituais, deixando de lado os aspectos históricos,sociais e tecnológicos que marcam o desenvolvimento dahumanidade.

4— Saber selecionar conteúdos adequados que dêem uma visão

correta da disciplina a ser ensinada, que proporcionem umavisão atual , sejam acessíveis aos alunos e suscetíveis dedespertar seu interesse (Piaget, 1969; Krasilchik, 1988). Paraque o licenciando tenha essa habilidade necessita de um co-nhecimento profundo da matéria a ser ensinada. Esse, obvia-mente, não pode ser adquirido somente no curso de formação;devemos, nos cursos de formação em serviço, continuar sempreaprofundando e atualizando o conhecimento específico dosprofessores.

5— Estar preparado para aprofundar os conhec imentos ad-quiridos nos cursos de licenciatura e para adquirir novos, emfunção dos avanços científicos e mudanças curriculares. Enfim,precisamos de que os cursos de licenciatura dêem atenção a queseus alunos tenham um bom domín io da maté-ria, pois osalunos de primeiro e segundo graus são extremamente sensí-veis a este respeito, considerando-o um requisito essencial paraseu próprio aprendizado (Carrascosa et alii, 1990).

A Didática Especial em um Curso de Licenciatura

Quando colocarmos a questão "que conhecimentos precisam osprofessores ter para resolver os problemas que a atividade do-cente lhes coloca?", começamos também um debate sobre os di-versos campos do conhecimento que fazem parte dessa forma-ção. Ainda que essa preocupação seja antiga, a té recentementeos estudos se centravam nas características do bom professore nas diferenças entre os bons e os maus professores. A questãoagora é colocada em termos de quais conhecimentos os professo-

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res precisam adquirir (Hewson e Hewson, 1988). Essa diferençaé importante e supõe uma superação de concepções essencialis-tas ("se é", "se nasce" bom professor), indo para um processo deformação.

O conjunto de saberes e destrezas proporciona, agora, uma vi-são rica e complexa que vai mais além dos dois grupos de co-nhecimento que tradicionalmente compunham um currículo deformação de professores: o específico e o pedagógico. Este

modelo somativo de saberes acadêmicos tem como principal obs-táculo a falta de integração dos princípios teóricos estudadosnos cursos de educação com as práticas docentes. Blackburn e Moison (1986), num estudo apresentado à Comissão de Educa-ção da Comunidade Européia, estabeleceu como indicador dequalidade na formação de professores o "grau de integração en-tre o componente acadêmico desta formação e a prática docen-te". A Didática Especial pode ter, precisamente, este papel inte-grador (Carvalho, 1980 e 1988b; Carvalho e Vianna, 1988;Furió e Gil, 1991), sempre que tiver uma série de característi-cas que a pesquisa educativa colocou em relevância (Gil e Carvalho, 1992).

Podemos sintetizar essas características em cinco pontosfundamentais:

1— Tem de estar dirigida para a construção de um corpode conhecimentos específ icos, capaz de integrar coerente-mente os resultados das investigações em torno das questões

colocadas pelo ensino e pela aprendizagem da disciplina.Devemos insistir nisso, pois em nosso país os cursos deDidática Específica (ou Prática de Ensino) ou são cursos deDidática Geral com exemplos específicos no conteúdo a serensinado ou, então, t ra tam esse mesmo conteúdo (Física,Biologia, História, etc.) ao nível dos alunos aos quais os futurosprofessores terão de ensinar, acompanhados de algumasconsiderações acerca de "objetivos" (seguido taxionomiasindutivistas há tempos abandonadas pela comunidade científi-ca), descrições de laboratórios escolares e outros "recursos".

Temos de confeccionar um programa de Didática Específica queresponda às necessidades formativas do professor e que pro-porcione uma concepção teoricamente fundamentada do pro-cesso de ensino e de aprendizagem da disciplina (Gil e Carva-lho, 1992). Isso não significa, de modo algum, que estamos pre-conizando a construção da Didática Específica como um corpode conhecimento desligado de outros campos como a Psicologia,a Filosofia ou a Pedagogia. Muito ao contrário, é a existência deuma problemática e de um corpo de conhecimento específicoque possibilita a integração de proposições provenientes de ou-tros campos. Como exemplo, entre os muitos possíveis, podemoscitar a noção de "obstáculo epistemológico", introduzido por Ba-chelard, em um contexto da Filosofia das Ciências, e quepassou despercebido para os estudiosos da aprendizagem atéque as in-vestigações em Didática das Ciências, sobre errosconceituais, mostraram a importância dos conhecimentosprévios dos estu-dantes e conduziram à concepção de aprendiza-gem como uma mudança conceituai e metodológica que exige a superação dos obstáculos epistemológicos que, na forma de

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"evidências do sentido comum", gera o pensamento espontâneo(Bachelard, 1938).

o — Tem de estar colocada como u m a mudança didát ica dopensamento e comportamento espontâneo do docente. Talvez a primeira contribuição na preparação dos futuros professores

seja fazê-los conscientes de que possuem uma formação docenteanterior, adquirida "ambientalmente" durante os muitos anosem que, como alunos, estiveram em contato com seus professo-res. Isso significa questionar uma série de pontos, tais como: a)a forma como são introduzidos em aula os problemas, os tra-balhos práticos e os conceitos — muito longe de que é Ciência e do trabalho científico desenvolvido por aqueles que construíramo conhecimento; b) o caráter natural do fracasso escolar, sempreposto como uma variável externa ao ensino; c) a obrigatorieda-de de "cumprir um programa", o que se converte em obstáculopara o aprofundamento devido dos temas; d) questionarprincipalmente a idéia de que ensinar é fácil, bastando algumconhecimento da matéria, experiência, bom senso ou encontraruma "receitinha" adequada.

Uma atividade que se mostra muito eficaz para o próprioprofessor tome consciência de seu comportamento docenteespontâneo é a gravação em vídeo de suas classes e posterioranálise e discussão das mesmas (Carvalho, 1989b). Duranteessas discussões, o professor expõe e utiliza suas concepçõesespontâneas de uma maneira funcional para explicar seucomportamento e, também de uma maneira funcional, as ditasconcepções podem ser questionadas e modificadas, como

resultado de um trabalho de aprofundamento teórico geradopelas discussões.

3 — A Didática Especial deve es tar orientada para favorecer a v ivênc ia de propostas inovadoras e reflexões didáticas ex-plícitas. A importância da formação docente ambiental, a queacabamos de nos referir, reside, por um lado, no seu caráterreiterado e, por outro, na natureza do exemplo vivo, real, muitomais eficaz que qualquer explicação. E compreensível, portanto,que, sem alternativas claras, os professores usem o queadquiriram pela vivência, inclusive quando eles mesmos cri-ticavam esse ensino. Isso obriga a que as propostas de reno-vação sejam também vivenciadas. Só assim resulta possível quetais propostas tenham efetividade e que os futuros professorespossam romper com a visão unilateral da docência recebida atéo momento.

Uma forma ágil e efetiva de proporcionar aos professores a vivência de propostas inovadoras consiste na preparação,realização e posterior discussão do que chamamos de "mini-cursos" (Carvalho, 1980), isto é, pequenos tópicos do programaque possam mostrar a coerência e efetividade das propostaselaboradas (em particular das orientações construtivistas).

4— A Didática Especial deve estar desenhada para incorporaros professores na invest igação e nas inovações da área.Na medida em que as concepções atuais de aprendizagemacentuam a construção de conhecimento pelos próprios alunos(Driver, 1987), o papel do professor como diretor desse processo

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e aproxima muito de um "investigador orientador" que dirigetrabalhos de "investigadores principiantes" (Gil e Torregrosa,

1987). Alguns problemas detectados pelos pesquisadores sãoonsiderados como irrelevantes por muitos professores, até quesua própria participação nas investigações lhes abra os olhos.

Como exemplo, podemos citar o caso das concepções espontâ-neas dos alunos: os professores, quando lêem a respeito,afirmam que "isso não sucede em minhas classes", mas bastaque repliquem algumas das pesquisas conhecidas para quetomem consciência da gravidade do problema (Carvalho,1992b).

A preparação para a investigação didática constitui um objetivobásico da formação docente e requer um trabalho em equipe pa-ra a preparação de materiais didáticos, de intercâmbio deexperiências e, enfim, de produção de conhecimento sobre o ensino e a aprendizagem (Valle Filho, 1988; Moraes et alli,1990).

5— Por fim, a Didática Especial deve ser concebida em ínt imaconexão com as prát icas docentes , como núcleo integradordos diferentes aspectos da formação do professor. Todos os itensque temos assinalados a té aqui como características de umcurso de Didática Específica estão associados à imersão dofuturo professor nas práticas docentes, coordenada por estadisciplina. Desse modo, essa disciplina guia a ação educativa e promove a reflexão crítica depois da interação, fazendo com quea imersão na aula seja valorizada pelos futuros professorescomo, talvez, a atividade mais relevante na sua formação, poisrepresenta um contato real com a sua futura profissão. Desse

modo, ainda, as práticas podem converter-se em uma viaprivilegiada de conexão entre a pesquisa didática universitáriae a problemática das salas de aula (Carvaho, 1988a, 1988b).

A Relação Teoria/Prática/ Teoria em um Curso de Licenciatura

Essa é uma questão de grande significado nos cursos de for-mação de professores das disciplinas específicas e que temacarretado discussões apaixonadas nos fóruns onde as licencia-turas são sistematicamente debatidas(ANPEd, ANFOPE,SBPC, ENDIPE) e também nos congressos de ensino dosconteúdo específicos, como por exemplo os simpósios de ensinode Física, os encontros de Ensino de Biologia, etc.

Se analisarmos os currículos das licenciaturas— qualquer queseja este currículo, das licenciaturas curtas dadas em faculda-des de fins de semanas às licenciaturas muito bem organizadasdas faculdades tradicionais — vamos encontrar sempre trêsblocos de conhecimentos. Os conhecimentos específicos, que sãoensinados por professores pertencentes aos institutos oudepartamentos de conteúdos específicos e que, se possível,devem abranger os tópicos discutidos anteriormente; a DidáticaEspecial (em muitas faculdades denominada Prática de Ensino,em outras constituindo-se um conjunto de disciplinas), ensinadapor professores que têm suas graduações no conteúdo específico,mas que t rabalham e pesquisam no campo do ensino desseconteúdo e cujos cursos devem abranger os tópicos discutidos nopresente subtítulo; e, por último, os conhecimentos estritamente

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pedagógicos, ministrados pelos professores formados empedagogia.

Tradciionalmente, somente nos dois primeiros blocos de co-nhecimento encontramos momentos, dentro do currículo, em

que a relação teoria/prática/teoria, tão indispensável para a cons-trucão e mesmo para a compreensão de qualquer conteúdo,

pode aparecer concretamente.

Nas principais disciplinas de conteúdo específico encontramos,grades curriculares, ao lado das aulas de teoria as de

laboratórios, as de problemas, os de estudo do meio, etc. Issosignifica que os licenciandos, ao estudarem o conteúdo específi-co do curso do qual escolheram ser professor, passam por aulas

teóricas e por aulas práticas. Se a relação teoria/prática/teorianão for discutida, se eles tiverem seus laboratórios simplesmen-te como receitas de cozinha, se suas aulas de exercícios foremcópias de listas infindáveis de problemas já resolvidos por seusprofessores, não se estará diante de um problema curricular,mas sim, de uma necessária mudança de paradigma do queseja ensinar um conteúdo. Qualquer que seja a metodologiaadotada nessas aulas, o licenciando sempre terá tido em seucurso a teoria e a prática desta teoria.

Na área da Didática Especial, as coisas já não são tão bemdefinidas. Existem instituições que, sob o título de Prática deEnsino e Estágio Supervisionado, criam condições para que docurrículo constem aulas nas faculdades e departamentos ondeé possível desenvolver uma teoria de ensino do conteúdo a ser

abordado e estágios onde se possa exercitar a prática da teoriadada. Nessas instituições "privilegiadas" - as aspas sãocolocadas porque isso não deveria ser um privilégio, mas umaobrigação cu r r i cu l a r - , encontramos vários problemas sérios a enfrentar, sendo que o principal é que o estágio, apesar deobrigatório não consta da carga horária dos cursos. Ele é considerado importante para a formação do professor, a parteprática da teoria de ensino, mas não tão importante quanto a par te prática de, por exemplo, Física Geral, que tem seulaboratório definido na carga horária. Essa incoerência é campofértil para as "fajutagens", colocando o professor de Prática deEnsino numa situação desconfortável de ter de "negociar" cargahorária real de estágios com seus alunos.

Em um número razoável de instituições, a Prática de Ensino é dada sob a forma de Estágio Supervisionado, isto é, os alunossó têm a prática de uma teoria não dada. Três idéias, nomínimo simplistas, estão por t rás destas grades curriculares: a primeira é a de que ensinar é muito fácil, basta saber o conteúdo e ter um mínimo de teoria pedagógica (Gil e Carvalho,1992). A segunda espelha a crença de que um aluno sozinho,dando sua primeira aula, possa fazer toda a síntese de conteú-dos transmitidos durante quatro anos de Faculdade (Carvalho,1988). A terceira mostra o desconhecimento de toda uma áreado saber, desenvolvida nestas últimas três d é c a d a s - a pesqui-sa em ensino de conteúdos específicos — e que é fundamentalpara a formação de professores.

As disciplinas pedagógicas estão ainda em pior situação. A elaslhes é negada qualquer relação entre teoria e prática. Não

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político-pedagógicas explicitamente embasadas em determinadocampo científico e adequadamente conduzida.

Construir sua identidade profissional, seu projeto político-pedagógico, as práticas determinadas e a reflexão teórica sobreelas e seus rumos é tarefa permanente do educador coletivo,exercida na incorporação de novas gerações de educadores atra-vés do processo formativo formal e do exercício da profissão co-mo atuação/formação. E, nesta construção, importa incor-porarem-se, na unidade da dinâmica curricular de cada curso,a dimensão ético-política da profissão, as dimensões teórico-conceituais articuladores de práticas e teo-rias, as metodologiasespecíficas e os procedimentos, a produ-ção/sistematização dosaber pedagógico, na forma educativa, os instrumentos, meiose recursos.

Não é compatível com os dinamismos da sociedade contem-porânea a idéia de um currículo concebido como plano deestudos, programa preestabelecido em elenco de disciplinassujeitas a objetivos e métodos definidos em outras instâncias e lugares sociais, que não os da educação mesma. Devem ser vali-dados sempre de novo os critérios sobre o que se tem de ensinare aprender, quando e como, numa sociedade que se quer demo-crática e pluralista, a tenta aos valores e interesses de indi-víduos e grupos em igualdade de oportunidades, cônscia daspeculiares relações que mantém com os processos da educaçãoe sensível à incorporação em larga escala dos avanços cien-tíficos e tecnológicos, políticos, culturais e artísticos.

A concepção dinâmica de conhecimento, que esposamos, vê o co-

nhecimento como produção histórica, sempre provisória, falívele reiterativa, inseparável de seus portadores reais, vivos, queo produzem em suas práticas sociais concretas, entre as quaisse situa a educação. Como produção social/histórica, o co-nhecimento se constrói na ação e na palavra dos homens quedão sentido às suas realizações intersubjetivas e às suas obje-tivações sempre reconstruídas no mundo em que vivem e queconstituem para viver. Conhecer é entenderem-se os homensentre si, no seio das comunidades lingüísticas em que agem/co-municam-se, sobre os mundos que projetam. E a edu-cação é a atividade prática em que se vinculam as gerações no sentido dedarem sentido à práxis coletiva em que aliem seus interessescognitivos e expressivos e seus interesses eman-cipatórios, detransformação social.

Constrói-se a programação curricular a partir da premissa deque se t rata de uma opção por alternativas num universo depossibilidades em aberto, opção de que é responsável o coletivodos interessados em educação, nomeadamente os educadores,os educandos e a comunidade determinada a que servem aspráticas educativas em questão.

Na unidade da dinâmica curricular ganham forma as diversasregiões do saber, não no soberbo isolamento delas como se auto-suficientes, e, muito menos, no enclausuramento em disciplinasque compartimentam os conhecimentos. A produção do conhe-cimento, por mais especializada que seja, não pode des-conhecersua qualidade básica de produção humana inserida no univer-so que compõe com as demais formas de ser e agir dos homens,

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realizando-se em cada elemento as determinações concretas emque coopere com os demais. O específico dos conhecimentos sãodiscursos que recortam o mesmo objeto para diferenciadamenteapropriarem-se dele.

A partir desses pressupostos gerais e buscando concretizá-losna referência às práticas circunstanciadas, ousamos adiantaruma proposta para a reconstrução dos cursos de formação doeducador. Assumindo esse risco na convicção de que sem a coragem das iniciativas pequenas, localizadas, nada se inova,e de que se tornam indispensáveis ao movimento da recons-trução dos cursos avanços para além da denúncia, das deman-das por reformas legais ou administrativas, das pro-posiçõesteóricas que não estejam implicadas em práticas circunstancia-das efetivas.

Os De l ineamentos de uma Proposta

O Departamento de Pedagogia da Universidade de Ijuí embasasua proposta de reconstrução dos cursos de formação de pro-fessores na análise do estado da questão das preocupações ge-rais com os referidos cursos, no entendimento compartilhado so-bre o processo formativo em suas dimensões profissional e pe-dagógica, no delineamento dos pressupostos teórico-metodoló-gicos da educação e da dinâmica curricular, como unidade pro-cessual dos estudos requeridos .

Centra-se a proposta na ciência que se constrói na atuação docoletivo dos educadores, a Pedagogia, como eixo articulador de

todo o processo formativo e núcleo fundante da conexão dostemas, dos enfoques das disciplinas específicas e das metodolo-gias (Marques, 1990, p.113-161).

Direciona-se o Curso de Pedagogia à formação do pedagogo daunidade e identidade de cada escola em concreto: um universocomplexo onde se trabalham uma diversidade de conteúdos doensino-aprendizagem e uma diversidade de desafios postos a cada situação em tempos e lugares determinados. Trabalharcom a diversidade e com a pluralidade das vozes da razão emnível da unidade da escola, não no paradigma da redução a esquemas rígidos, mas no paradigma da complexidade e darazão comunicativa, eis o desafio do pedagogo em questão, aptoa valorizar as distinções no contraprocesso das situações ideaisde fala, da autoridade do melhor argumento, da articulação emsíntese nunca conclusas.

Volta-se essa proposta às demais licenciaturas como cursos deformação do pedagogo da sala de aula, na perspectiva da aten-ção às regionalidades do saber, correspondentes a interesses ob-jetivos do conhecimento, de forma, porém, a superarem-se a fragmentação e o isolamento das disciplinas e as dicotomias deconteúdo e forma, educação e ensino, teoria e prática. Faz-senecessário recomporem-se a unidade da construção do conheci-mento em cada curso e a unidade dos corpos docente e discente.

Tanto na Pedagogia como nas demais licenciaturas repõe-se a unidade de cada curso na urdidura de suas linhas e eixostemáticos e da recorrência dos conceitos, pela semestralizaçãodos estudos, vista não como conglomerado de disciplinas, mas

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tomada como unidade básica do ensino-aprendizagem.

A dinâmica curricular ganha vida e concretude a part ir das de-finições processuais sobre: a semestralização do curso, a te-matização ou determinação das questões-problema a serem pos-tas em discussão, a conceituação ou construção do referencialteórico expresso nos conceitos básicos com que se irá operar.São tais dimensões nem sucessivas, nem paralelas, mas cor-relacionadas passo a passo, dinamicamente interdependentes,imbricadas em reciprocidade.

A semestralização não é apenas a determinação de um elencode disciplinas de que se ocuparão uma turma de alunos e umaequipe de professores; é, sobretudo, uma correlação de temasque, por sua vez, não se especificam senão pelas tramasconceituais em que se inserem e problematizam. Seriam osperíodos letivos tempos vazios, se abstraídos dos temasarticulados em determinadas concepções teórico-conceituais a que se reservam.

A tematização, por sua vez, não é uma mera relação deassuntos a serem abordados de acordo com a ementa de cadadisciplina, em predefinição estabelecida de vez. As questões quese erigem em interrogações propostas à discussão, a partir dodesafio do entendimento e da ação suscitado pelas práticaseducativas não se agregam simplesmente por justaposição, masse entretecem na t rama das relações conceituais que supõem e que originam. Na proposição dos temas a serem tratados emcada turma-semestre estão implícitas determinadas concepçõesteóricas, que necessitam ser explicitadas e postas em discussão

no confronto das práticas com os conceitos que as informam,explicam e induzem.

A conceituação, de sua parte, busca vincular as práticas com asrazões que as impulsionam e delas derivam, vinculá-las emreciprocidade e em campo teórico mais abrangente e comocapacidade renovada não só de dar conta do que se pensa e faz,mas ainda de formular perguntas novas e novas perspectivasde ação. São construtos da razão os conceitos, instrumentos dopensar e agir, que só se justificam e ganham sentido próprio nocomplexo sistema em que interagem com os conceitos correlatosem campo teórico mais vasto.

Encadeiam-se, desta forma, a semestralização, a tematizaçãoe a conceituação em configurações unitárias básicas de linhase eixos. As linhas supõem continuidade e progressividade, que,porém, não procedem na mecânica de impulso único em uma sódireção, mas se retomam na multipolaridade de dimensões quese entrecruzam como eixos de convergência e irradiação. Todoo curso deve estruturar-se, assim, em linhas curriculares,linhas temáticas e linhas conceituais, atravessadas e propulsio-nadas por eixos curriculares, eixos temáticos e eixos concei-tuais, entendidos tais eixos como momentos fortes de concen-tração das atenções e esforços no sentido da retomada e sistematização dos passos dados e do destaque de determinadoselementos que necessitam ser detidamente considerados.

As linhas curriculares se definem na programação do curso e seredefinem retomadas de contínuo pela reflexão e ação vigilantesdo Colegiado do Curso. Nos eixos curriculares se demarcam e

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revelam a vocação e as preocupações de cada turma-semestre.Mas, em nenhum momento, a dinâmica curricular se completasem nela se especificarem as linhas e eixos temáticos e concei-tuais, que a perpassam e impulsionam.

A definição de turmas-semestre. ou turmas-ano de alunos e equipe de professores que corn cada uma irá interagir de formaregular/sistemática, orgânica e unitária, cria a unidade de tra-balho necessária e o sentido das co-responsabilidades as-sumidas.

Além disso, no ensino aprendizagem em sala de aula, as di-versas disciplinas do currículo se correlacionam e comple-mentam não só na unidade que compõem na produção e organização do saber, mas também na unidade de conteúdo, forma e método de cada uma. Não podem as ciências dispensar o con-curso uma das outras, nem no contexto em que operam, nem nointerior de cada uma, por onde perpassam as determinações domundo da vida e das relações sociais em sua abrangência, bemcomo as exigências da ação comunicativa.

Não se dão as relações educativas entre subjetividades abs-tratas , como se subtraídas do seu contexto sócio-cultural maisamplo. Objetivam-se os atores-sujeitos sociais nos resultados deseu pensamento e ação e pela mediação do mundo social hu-mano que lhes é anterior e fundante ao mesmo tempo quedesafio que se coloca, de um projeto de vida e ação.

Temos, assim, que a forma pedagógica dos conteúdos do ensino-aprendizagem é a inserção neles de uma racionalidade plural

ativa, pela qual se interrelacionam nos temas e conceitos de ca-da ciêincia as regionalidades múltiplas/complementares do sa-ber. A forma pedagógica dos conteúdos é, dessa maneira, a for-ma como na unidade do saber humano se correlacionam suasregionalidades, exigência quer da construção dos conhecimentosem suas especificidades, quer da construção deles na formaçãoprofissional científica.

E a forma pedagógica não é apenas forma dos conteúdos do en-sino-aprendizagem, mas possui seus próprios conteúdos, quenecessitam ser explicitados e desenvolvidos. Em sua ativa e or-gânica inserção nos conteúdos de cada disciplina, postula a Pe-dagogia o entendimento hermenêutico e crítico e a organizaçãodeles, com vistas à condução processual do ensino-aprendiza-gem, segundo as reciprocidades das regionalidades do saber,acima descritas e interpretadas. Demandam, além disso, aspráticas educativas uma racionalidade de caráter estratégico-instrumental, adequada às especificidades do saber em questãoe aos momentos todos da construção dele. Adequada, em es-pecial, às peculiaridades dos sujeitos/atores envolvidos, às ca-racterísticas do lugar social em que se realiza a educação, àstecnologias disponíveis e ao emprego apropriado dos recursose meios auxiliares demandados, tudo isso se traduzindo namultidimensionalidade da Didática e das metodologias espe-cíficas.

Feitas essas colocações, ainda de ordem geral, cumpre deixarclaro que é na concretude dos tempos e espaços de cada cursoe na processualidade das ações dos professores e alunos, passo

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a passo, que se definem as linhas e eixos temáticos, concei-tuais e metodológicos.

Importa garant i r as condições efetivas de trabalho e de re-flexão/articulação da equipe de professores vinculada a cadaturma de alunos, da mesma forma como se devem garantir ascondições da continuada construção da dinâmica curricular,comunicativo-processual, quer por parte do Colegiado de cadacurso, quer por parte dos demais colegiados da universidade.

A linha básica da urdidura curricular, em que de contínuo seretomem os temas fundantes e se correlacionem mais estreita-mente, será atravessada, em cada semestre, cuja vocaçãoespecífica se expresse em ementa unitária à busca da contretu-de mais rica de distintos elementos, determinações e relações,de prática e teoria, a que concorram as diversas disciplinas.Não se definem, assim, os semestres pela simples agregação dedisciplinas. Estas é que serão convocadas, com os respectivosdocentes, para a específica contribuição que de cada uma seespera no sentido da análise e compreensão dos temas e conceitos que compõem a vocação distintiva de cada períodoletivo.

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Em Aberto, Brasília, ano 12, n.54, abr./jun. 1992

REFORMAS NAS LICENCIATURAS: A NECESSIDADEDE UMA MUDANÇA DE PARADIGMA MAIS DO QUE DEMUDANÇA CURRICULAR

Anna Maria Pessoa de Carvalho*

Introdução

Os cursos de formação de professores de uma maneira geral e,em particular, as licenciaturas, isto é, aqueles responsáveispela formação de professores para as áreas específicas, têmpassado, nestes últimos anos, por grandes discussões, sendoalvos de inúmeras propostas de mudanças curriculares.

Uma série de importantes questões estão sendo levantadasnessas discussões. Vamos apresentá-las de uma forma amplapara podermos, num trabalho mais metódico, classificá-las,analisá-las e apresentar o nosso ponto de vista.

Uma das primeiras questões levantadas é a função socialdesses cursos nas universidades públicas, uma vez que ospoucos egressos dessas faculdades têm se destinado aos bonscolégios particulares e que a grande maioria do professoradodas escolas estaduais e municipais está sendo formada emfaculdades de baixo padrão educacional, necessitando, quaseque imediatamente após a sua imersão no mercado de trabalho,de ser reciclada (Vianna, Costa e Almeida, 1988).

* Professora da Faculdade de Educação da USP

Uma outra questão relevante diz respeito à eficiência doscursos de formação. Esses cursos têm preparado bons professo-res para nossas escolas de primeiro e segundo graus? Incluímosnesta questão os cursos de licenciatura oferecidos pelas grandesuniversidades, pois uma das queixas mais freqüentes queouvimos dos professores destas mesmas universidades é a deque seus alunos tém ingressado cada vez menos preparados;porém estes, como sabemos, têm vindo das camadas maisprivilegiadas da sociedade, que estudaram nos melhorescolégios (FUVEST, 1992) e que tiveram professores formadosnessas mesmas universidades (o ciclo se fecha!!).

Ainda sobre a questão de eficiência, discute-se muito a qualida-de dos cursos de reciclagem oferecidos aos professores dasescolas oficiais. E aqui sob dois pontos de vista: o dos professo-res que recebem os cursos e o dos professores que ministramesses mesmos cursos. A crítica dos primeiros é a de que oscursos são dados, com as devidas exceções, muito longe darealidade das salas de aula; e a crítica dos segundos é a de que,também com as devidas exceções, o nível dos professores estátão baixo, que é impossível preparar cursos de trinta horas quecheguem a um bom resultado.

Qual será a solução para tantos e tão importantes problemas?Poderemos resolvê-los, de uma maneira simplista, propondosomente reformulações nos currículos dos cursos de licenciatu-ra? Será esta a solução para dificuldades tão diversas?

Numa análise desses problemas podemos separá-los em doisgrandes blocos: os de origem social, levando a implicaçõespedagógicas e os de origem pedagógica, acarretando implicações

sociais. Estas duas variáveis são extremamente interligadas naeducação, porém vamos separá-las somente para facilitar a apresentação de soluções.

Os Problemas de Origem Social que Acarretam Impli-cações Pedagóg icas

A diferença entre o número de alunos matriculados nos cursosde licenciaturas em faculdades públicas e em particulares,apesar de ter implicações pedagógicas diretas, é um problemaeminentemente social, se não quisermos classificá-lo comopolítico.

A profissão de professor foi desvalorizada brutalmente nestesúltimos trinta anos — isto é uma questão política séria para o Brasil, que tem nos discursos oficiais de seus políticos a educação como uma questão fundamental. Como conseqüênciadireta do rebaixamento salarial da profissão, os candidatos aoscargos de professor também sofreram um rebaixamento social.Hoje a grande maioria de alunos de licenciatura são provenien-tes da classe média e média baixa, alunos que precisamtrabalhar durante o dia e estudar à noite.

Por outro lado, a grande maioria das faculdades públicasfuncionam somente no período d i u r n o - as grandes exceções a esta regra são a Universidade de São Paulo, Campus de S.P.,e as universidades estaduais do Paraná. É comum encontrar-mos cidades onde os cursos de licenciatura da Faculdadepública local estão vazios e, ao lado desta, existir um prédio de

uma faculdade particular, com cursos noturnos repletos dealunos.

Aqui entra um segundo problema, político agora, da esfera daspróprias universidades públicas — federais, estaduais oumunicipais. Se realmente essas universidades estão interessa-das na formação dos professores de conteúdos específicos paraas nossas escolas de primeiro e segundo graus, se faz par te deseus objetivos a melhoria do ensino brasileiro, então essasuniversidades deverão oferecer cursos de licenciatura noperíodo noturno até, pelo menos, que a situação social daprofissão de professor melhore, o que esperamos ardentemente.

Felizmente a conscientização já começou. Estão sendo abertoscursos noturnos na USP — Campus de São Carlos —, naUNICAMP, na UFMT — na área de Física — na UFRJ — nasáreas das ciências: Física, Química e Biologia e na UnB. É umpequeno começo, mas vencer a inércia sempre é o mais difícil.

Os poucos egressos das universidades públicas dirigem-se aosbons colégios particulares e a grande maioria dos professoresdas escolas estaduais e municipais estão sendo formados emfaculdades particulares de baixo padrão educacional.

Esse também é um duplo problema social. De um lado, umaquestão de mercado: o profissional mais competente tende a receber os melhores salários. Se o governo paga mal seusprofessores, não pode querer o melhor profissional. Quando o governo começa a competir em bases salariais com a redeprivada, o que ocorre, por exemplo, no Município de São Paulo,

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as suas escolas, com bons professores, também começam a serrespeitadas sob o ponto de vista educacional e o seu ensinoapresenta um salto qualitativo sentido amplamente pelacomunidade.

Um problema social estreitamente relacionado a este é o se-guinte: por que a maioria das faculdades particulares apresen-tam baixo padrão educacional em seus cursos de licenciatura?Essa é uma realidade bastante complexa ligada ao ConselhoFederal de Educação durante os anos de ditadura militar-- sobo ponto de vista político - , e está relacionada com o apareci-mento das licenciaturas de curta duração— sob o ponto de vistapedagógico- e com as condições de trabalho de seus professores(professores horistas) — sob o ponto de vista da estruturaburocrática das próprias faculdades. E um fenômeno dentro dopanorama educacional brasileiro que mereceria um estudo maisprofundo.

Outro problema político-social que se reflete na estruturapedagógica do ensino das escolas de primeiro e segundo grausé a necessidade de uma quantia razoável de verba destinada à reciclagem dos professores.

Em toda profissão encontramos a necessidade de aperfeiçoa-mento contínuo, pois a quantidade de novas informaçõesgeradas em qualquer ramo do conhecimento é sempre muitogrande, mas em educação, principalmente junto aos professoresque estão em sala de aula, esta exigência se faz premente. Aquitemos um problemas de máximo e mínimo: como fazer o

máximo dos cursos de aperfeiçoamento (em quantidade e qualidade) com o mínimo de despesas, já que o número deprofessores que necessitam destes cursos é muito grande.

A solução encontrada pela Faculdade de Educação da USP foisimples, barata e está apresentando resultados bastantesatisfatórios, pois foge dos tradicionais cursos de tr inta horas(FEUSP, 1991). Foi aproveitada a estrutura já montada doscursos de licenciatura (e também de Pedagogia) e oferecidas asvagas remanescentes em cada disciplina aos professores emefetivo exercício na rede pública — estadual e municipal.Estamos tendo uma média de quinhentos professores ematividade matriculados em nossos cursos, por semestre. Essaexperiência tem trazido duas grandes vantagens: uma, para osprofessores da rede que voltam à universidade, freqüentando asaulas, a biblioteca, os laboratórios e participando de umambiente cultural que muitas vezes nunca conheceram; e outra,para os próprios cursos da Faculdade, que, com os alunos játrabalhando na rede pública, ganham uma visão muito maispróxima da realidade de nossas escolas.

Os Problemas de Origem Pedagógica que AcarretamImplicações Sociais

A questão central dos problemas é: estamos formando bonsprofessores para nossas escolas de primeiro e segundo graus?

A resposta a essa pergunta é não. E infelizmente é sempre não,

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mesmo quando nos referimos às boas universidades. Como jáescrevemos há alguns parágrafos a t rás , uma medida destaincapacidade de formarmos bons professores é dada pelosprofessores das universidades que recebem os alunos desegundo grau formados por seus próprios alunos de licenciatu-ra. Eles estão descontentes com o nível de conhecimento que osvestibulandos apresentam.

Apesar desta aparente simplificação dos problemas pedagógi-cos, transformando-os em um só — não formamos bons profes-sores —, sua solução não pode também ser simplista — vamosmudar o currículo dos cursos de licenciatura —, pois essasolução é inó-cua (Carvalho, 1992a). Já mudamos inúmerasvezes os currículos e estes na essência continuam com osmesmos entraves, co-mo mostra McDermott (1990), analisandocursos de formação de professores de Física:

— O formato expositivo das aulas estimula um aprendizadopassivo; os futuros professores são acostumados a receberconhecimento, mais que a criá-los.

— Os problemas-padrão realizados conduzem a resoluçõesalgorítmicas, repetitivas, sem contribuir para desenvolverformas de raciocínios necessárias para abordar situaçõesnovas, como as questões não previstas que os alunos podemcolocar.

— As práticas de laboratório utilizam material sofisticado, nãodisponíveis nas escolas secundárias e, sobretudo, limitam-sea um processo de verificação, do tipo de receita de cozinha,que não contribui em absoluto com a compreensão daatividade científica.

- A amplitude do currículo abordado e o escasso tempo que sededica aos distintos temas impedem uma apropriação emprofundidade dos conceitos transmitidos, o que se repete notratamento de aspectos tais como as interações ciência/tec-nologia/sociedade, essenciais para uma imagem correta daciência.

O que McDermott escreve para os cursos de Física desenvolvi-dos nos Estados Unidos vale, com pequenas modificações, paratodas as licenciaturas (sem falar nas nossas licenciaturaspolivalentes!!!). Não serão simplesmente novas grades curricu-lares que irão melhorar nossos cursos de licenciatura (Carva-lho, 1992a). Esta mudança só será possível se acompanhada deuma verdadeira mudança de paradigma no desenvolvimentodos cursos de formação de professores.

Para propor esta mudança de paradigma teremos de subdividiro nosso problema cent ra l — não formamos bons professores - e estudá-lo sob três enfoques: o papel e a qualidade do conteúdoespecífico; o papel da Didática Especial (e Prática de Ensino);e as diversas conotações que a relação teoria/prática/teoriatoma num curso de licenciatura.

O Conteúdo Específico em um Curso de Licenciatura

Não se tem dúvida da necessidade de o professor saber o queele vai ensinar. Afirmar isto pode parecer supérfluo se levarmosem conta que a formação dos professores se reduz, em inúmeras

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FORMAÇÃO UNIFICADA DO PROFISSIONAL DEENSINO: UMA PROPOSTA DA FACULDADE DE EDU-CAÇÃO DA UNIVERSIDADE DO AMAZONAS

Marlene Ribeiro*

Curso Superior X Escola Normal

Professores, alunos e funcionários da Faculdade de Educaçãoda Universidade do Amazonas reuniram-se na última semanade março/89 para dar continuidade à discussão da propostaapresentada pela Comissão de Reformulação do Curso de Peda-gogia. Convidado para participar do evento, o Professor LuizCarlos de Freitas — Presidente da Comissão Nacional de Refor-mulação dos Cursos de Formação do Educador — sugeriu a ela-boração deste documento, resultante das colocações feitas comrespeito a proposta original de que a formação básica do Cursode Pedagogia fosse magistério das séries iniciais de 1º grau.

Nos debates ficou caracterizado o confronto entre duas posiçõessobre a formação do profissional de ensino de 1a e 4a série:curso superior x escola normal.

Não pretendemos resolver a questão. Nem mesmo acreditamosna reformulação do curso como um remédio mágico para os ma-

* Professora da Universidade do Amazonas (UAM).

les da educação, de origens estruturais. No entanto, esperarpela mudança da sociedade é conceber como mecânico umprocesso fundado na contradição e que, por isso mesmo, é muitorico. Neste processo, professores, alunos e pais, associações,sindicatos e partidos políticos, discutem a escola que está aí.

Aprofundar a discussão é fundamental, não para reformar, maspara ir construindo na prática a nova concepção de escola.Nesta ótica se insere a nossa proposta, que pretende viabilizaralguns princípios que estão sendo esboçados na luta pelademocratização do ensino público, entre eles: a formação dodocente das séries iniciais do 1º grau em curso superior.

A Escola Pública para Todos E Realmente para Todos?

A concepção burguesa de escola fez-se no conflito com aspráticas escolásticas, satirizando seus métodos, conteúdos,objetivos e princípios em que se assentava a escola tradicional,ao mesmo tempo em que, no seu interior, construções utópicasdeixavam entrever a escola da classe emergente. É também noconflito de classes que as camadas populares vão fincando asraízes do seu projeto de sociedade e de escola, gerando o novopor dentro do velho sistema pedagógico, como fizeram osideólogos burgueses revolucionários.

Nesta perspectiva entendemos que a crítica não está esgotada,sendo ainda indispensável para descobrirmos pistas de supe-ração. Tais pistas deverão ser buscadas numa reconstruçãohistórica que nos leve às origens da escola burguesa.

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D projeto de escola pública, elementar para todos, leiga, comumsexos, gratuita e obrigatória — começa a se delinear no sé-

culo XVI. Esse projeto enfatiza métodos de participação ativado aluno baseados na observação e experimentação, e põe emvidência o ensino das ciências naturais e da língua vernácula.

Tais necessidades vão se colocando à medida em que mudançassignificativas na base material passam a exigir outras modali-dades de ensino.

A unificação dos feudos transformados em estados nacionaistrazia como conseqüência a concentração do poder, exigindo a aprendizagem da língua vernácula. Esta se impunha como ne-cessária às transações comerciais e ao controle dos súditos,mais tarde, cidadãos. A organização do trabalho em fábricasdemandava por parte dos operários o domínio dos conhecimen-tos elementares de leitura, escrita e cálculo para lidar com asmáquinas. Esses rudimentos educativos eram reconhecidospelos intelectuais burgueses como indispensáveis ao desempe-nho eficiente e ao comportamento ordeiro e disciplinado dostrabalhadores.

No plano ideológico, a síntese das concepções de moral, deciência e de educação, elaborada pelo catolicismo para o mundomedieval, rompia-se com as transformações introduzidas pelocapitalismo que começava a destruir o modo de produçãofeudal. A crítica interna dava origem à Reforma Protestante,que não iria opor obstáculo ao laissez faire, laissez passer empunhado pelo liberalismo. Os fiéis, possuidores de livrearbítrio, eram portanto responsáveis pela própria salvação quese encontrava na Bíblia. Ler e interpretar a palavra de Deus

exigia que os cristãos fossem alfabetizados, afirmava Lutero,líder reformador. Era a nova classe que começava a formularuma nova concepção de religião (obrigando o Catolicismo a reagir pela Contra-Reforma), de mundo e de educação, impondosua hegemonia sobre a nova sociedade de classes.

A análise dos acontecimentos, obras, textos e discursos produzi-dos nesse período de transição, que vai do século XVI ao séculoXIX, mostra que a classe burguesa levou muitos séculos parase afirmar enquanto classe, como demonstra também que,sozinha ela não teria derrubado os estamentos a que secontrapunha: clero e nobreza. Vinculada à mesma nascia a classe operária, que lutou ao seu lado para derrubar o regimeenquanto colocava também suas reivindicações. Estas consti-tuirão um projeto de sociedade e de educação que a burguesiavem tantanto aniquilar desde a violenta repressão à Comunade Paris (1871), que foi a primeira tentat iva de organização deum Estado proletário.

Silenciado muitas vezes, este projeto renasce, vinga e sefortalece nas práticas de trabalhadores que participaram deprocessos revolucionários, — alguns em andamento como naUnião Soviética, China, Cuba e Nicarágua; — muitos malogra-dos por movimentos reacionários e a té por regimes fascistas,cujo objetivo é conter o avanço dos operários.

Duas classes, portanto, lutaram contra os padres e os nobres,mas só uma tomou o poder, submetendo e sufocando a outraque lhe nasce necessária à exploração e antagônica, isto é,voltada para a sua destruição. Por isso, a escola definida pela

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burguesia é duas, para cada classe segundo suas ocupações, o que fica bem claro no discurso de La Chalotais, o idealizador da

escola diferenciada por classe social. Ele assim recomenda: "obem da sociedade exige que os conhecimentos do povo nãoultrapassem suas ocupações" (Luzuriaga, 1959). Sua função nãodeve ir além de socializar hábitos, comportamentos e atitudesque coloquem operário mais rapidamente dentro dos padrões dedisciplina exigidos pela fábrica, sem encarecer o valor da forçade trabalho.

Escola Diferenciada Segundo Aptidões X Escola Única doTrabalho

Na verdade, o que estamos propondo é a formação única doprofissional do ensino. E esta proposta não é tão nova. Comoestamos acompanhando, o processo de geração da escola é lentoporque se faz no conflito de classes. Faz-se com períodos deavanços e de retrocessos, de forma diferenciada nos países,conforme o grau de organização e força dos trabalhadores.

Por isso, temos dificuldade de interpretar esta, que é umaaspiração antiga, decorrente do movimento de transformaçõeseconômico-sociais, captada por Comenius que advogava umaescola universal, com linguagem internacional e formaçãoenciclopédica, já no século XVII. Está posta desde este séculoa questão da escola única, por onde passa também a formaçãoúnica do educador.

A escola elementar, comum a todos, é uma constante nos dis-

cursos do período revolucionário francês, quando se digladiamas classes para a imposição de seus projetos de sociedade. Osnovos objetivos da escola e sua ampliação as camadas popula-res exigirão o controle da formação dos mestres pelo Estado, o que será feito nas escolas normais.

O movimento se intensifica no entendimento que as classes temda questão da igualdade colocada pelo liberalismo: civil e jurídica, pela burguesia; social e econômica, pelo proletariado.Nas experiências revolucionárias vividas na segunda metade doséculo XIX até as primeiras décadas do século XX forjam-seconcepções classistas de "escola unificada" que estamosretomando para a fundamentação da nossa proposta.

A consolidação de um Estado moderno identificado como naçãoúnica, exigirá a unificação de estados e territórios, bem comoa identidade cultural, lingüística, religiosa e racial. Foi o queaconteceu na Alemanha, onde teve início o movimento pelaescola unificada, cuja motivação política forçou o aprofunda-mento das discussões, no interior das quais se situa a formaçãodo educador em cursos universitários, ou bacharelados seguidosde formação profissional nas escolas normais.

A escola única, com ampliação de oportunidades para que a maioria da população tenha acesso e com o corpo docenteformado em curso superior é uma realidade conquistada pelostrabalhadores dos países industrializados. No entanto, a seleçãosegundo os méritos, vocação e aptidões, que através dos testespsicológicos hierarquizam "cientificamente" a clientela, e a formação supletiva como solução para o número insuficiente de

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mestres, comprometendo a qualidade do ensino, mascaram a desigualdade de condições em que as camadas populares e os

burgueses competem pela "escola única". Estes são encaminha-dos para as carreiras clássicas, humanistas , para as universida-de- e aquelas, para os cursos técnicos profissionalizantes.

Mas conquistas dos trabalhadores europeus e americanos, comeferência à democratização do ensino público, é de fundamen-

lal importância destacar o papel das associações de educadores,inclusive da Internacional dos Trabalhadores do ensino (ITE),cujos estatutos foram redigidos em 1922. Tinha como objetivos:"agrupar a nível internacional todas as organizações nacionaisdos trabalhadores do ensino, que agiam sobre o terreno da lutade classes. Dentro de suas tarefas havia uma específica aoestudo da questão da escola laica, única do trabalho" (Machado,1984). A ITE durou até 1939, tendo incentivado a criação daInternacional dos Mestres da América Latina. Participaramtambém desta luta as organizações de alunos e os partidossocial-democratas, socialistas e comunistas, que assumiram noParlamento as reivindicações sociais da educação.

A concepção proletária de "escola unificada", que vai do pré-escolar à universidade, com formação, classificação e salárioúnico para os profissionais do ensino, vem sendo forjada nasexperiências revolucionárias, mais especificamente na Comunade Paris, no movimento revolucionário alemão, na I Internacio-nal, nos países comunistas e sistematizada pelo marxismo.Segundo Manacorda (1989):

"0 marxismo não rejeita, mas assume todas as conquistas,

ideais e prática da burguesia no campo da instrução, jámencionadas: universalidade, laicidade, estatalidade, gratuida-de, renovação cultural, assunção da temática do trabalho, comotambém a compreensão dos aspectos literário, intelectual,moral, físico, industrial e cívico. O que o marxismo acrescentade próprio é, além de uma dura crítica à burguesia pelaincapacidade de realizar estes seus programas, uma assunçãomais radical e conseqüente destas premissas e uma concepçãomais orgânica da união: instrução-trabalho na perspectivaoweniana de uma formação total de todos os homens."

Gramsci é um dos sistematizadores da proposta da escola únicado trabalho, concedendo um grande peso à formação cultural e educacional das massas, como momento de preparação dascondições subjetivas revolucionárias. Suas práticas o levaramaos cárceres da di tadura fascista de Mussolini. Paulo Freire,educador brasileiro, criador de um método de alfabetizaçãofundado e orientado a uma determinada prática social, em quevincula o texto a uma leitura crítica da realidade, foi exiladopelo golpe militar de 1964. Estes são apenas dois, dos exemplosconcretos da existência real de uma proposta de escola daclasse trabalhadora, que não tem espaço dentro da sociedadecapitalista, ainda que se engendre dentro dela, rompendo suasamarras , como fez a escola burguesa no interior da escolástica.

A Proposta de Unificar a Formação do Educador, no Brasil

No Brasil, a ampliação da rede pública elementar de ensino e a preparação do professor primário em escolas normais são

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Ainda segundo o mesmo autor, o curso de Pedagogia teria duasvertentes: uma seria a formação em nível superior dos professo-res das escolas primárias, normais e da educação especial; a outra seria a formação de professores para a tua r na educaçãonão formal.

Entre as conclusões que apresenta na indicação 67/75, referenteaos estudos superiores em educação, Valnir Chagas (1976) in-

Á consciência das possibilidades e limites do espaço institu-cional, que não se fecha sobre si mesmo, mas está atravessadopela dinâmica política e social das classes em conflito, permite-nos recolocar mais uma vez a formação do professor de 1a à 4a

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"propõe formar o bacharel que seria o especialista em educação,e o licenciado, professor da escola normal na graduação. Mas,ao mesmo tempo, já aponta para a formação do bacharel, doespecialista a nível de pós-graduação ou pelo menos após a graduação, e para a formação do professor primário em nívelsuperior, como uma tendência que dentro de pouco tempodeveria se concretizar."

Ildeu Moreira Coelho (MEC, 1987), analisando o referidoParecer adotado pelo Conselho Federal de Educação, afirmaque o mesmo:

problernas colocados pelo processo de industrialização nos anos30 quando foi criada também a Faculdade de Filosofia,Educação, Ciências e Letras (1939). Mais proximamente, nadécada de 60 se começa a pensar na formação do professor

rimário em curso superior, o que fica caracterizado no Parecer251/62 do Professor Valnir Chagas. Segundo este, na escolanormal deveriam ser lançadas as bases para a futura formaçãodo professor primário em curso superior.

Por tudo isso, entendemos que a reforma da escola burguesanão irá mudar a sua função, diretamente amarrada aosobjetivos da sociedade; que a mesma não vai atingir a umexpressivo número de trabalhadores, que não têm acesso nemàs primeiras séries, ou delas são expulsos por suas condiçõesmateriais de existência; que as propostas revolucionárias nãopodem ser colocadas em práticas. Entendemos, no entanto, queelas podem, pela força dos movimentos sociais, em especial dosprofissionais do ensino, ser testadas e enriquecidas nasexperiências de luta pela construção da nova sociedade e danova escola.

Acompanhando as discussões e tendências educacionaiseuropéias e americanas, educadores brasileiros têm incluído emseus pareceres e indicações a proposta de formar o professor da1a à 4a série do 1° grau em curso superior de Pedagogia.Sabemos, no entanto, que a uma economia capitalista depen-dente não interessa a mão-de-obra qualificada, como tambémtivemos oportunidade de observar que há dois projetos deescola, sendo que não há lugar para que o projeto dos trabalha-dores seja implantado nesta sociedade.

clui o preparo de professores para as atividades inerentes aosanos iniciais de escolarização.

série do lº grau no curso superior de Pedagogia, o que é umareivindicação histórica dos trabalhadores.

Algumas Considerações que Justificam a Proposta

Retomando a aparente contradição colocada no início, paramuitos professores permanece a pergunta: Como ficarão osnormalistas se o mercado de trabalho tiver oferta de professo-res formados em curso superior? Afinal, para onde caminhamas escolas normais e os cursos de Pedagogia?

Em princípio, não sabemos responder. Mas 31 milhões deanalfabetos já representam uma demanda expressiva deprofessores de 1° grau. Significa dizer que o número de profes-sores está muito longe de ser suficiente para atender àsnecessidades da população escolarizável brasileira. Na verdade,são os baixos salários, as condições precárias de trabalho e a ausência de uma política educacional de compromisso com ascamadas populares que empurram normalistas e pedagogospara outras atividades. No entanto, parece-nos que é noprocesso mesmo de organização e luta dos profissionais doensino para a constituição da nova escola que algumas questõesvão se definindo.

Inserida na história dos movimentos pela educação, esta pro-posta é ainda enriquecida pelas justificativas psicológicas, eco-nômico-social e política, que aqui queremos anexar.

A razão psicológica fundamenta-se na obra de Jean Piaget(1976), reconhecendo o esforço dos países industrializados paraampliar a oferta de vagas, prolongar a escolaridade e reforçara educação pré-escolar, especialmente das camadas populares,o autor tece severas críticas aos métodos de ensino e à for-mação dos professores em cursos de suplência, como respostaimediata ao aumento da demanda escolar.

Piaget coloca como preliminar a todas as propostas de reformaspedagógicas a formação do professor, pois é inútil que se tenhauma boa organização curricular, métodos ativos, conhecimentosde Psicologia, se não forem alteradas as condições de formaçãodos mestres. Sobre esta preocupação, duas questões sãoimediatamente levantadas pelo autor. A primeira refere-se à valorização social e profissional do magistério primário e secundário, cuja condição de miséria a que se encontra submeti-do, evidencia o desinteresse dos países em geral, que não têmse detido na reflexão sobre a importância de bons mestres parao futuro da humanidade. Decorrente desta primeira, está a segunda questão relativa à formação moral e intelectual, umavez que os melhores métodos exigem maior aprofundamento deestudos e dedicação por parte dos professores. A importância daafirmação nos remete à própria citação do autor, que recomen-da:

"Para estes dois problemas existe uma única e idêntica soluçãoracional: uma formação universitária completa para os mestresde todos os níveis (pois quanto mais jovens são os alunos,maiores dificuldades assume o ensino se levado a sério) à semelhança da formação dos médicos etc... A formação universi-

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tária completa é sobretudo necessária à formação psicológicasatisfatória, e isso para os futuros mestres, tanto de nívelsecundário, quanto do primário." (1976, p.29)

Bárbara Freitag (1986) realiza experiências com criançasescolarizadas e não escolarizadas, de diferentes idades e classessociais, no município de São Paulo, aplicando à análise ascategorias interpretativas de Piaget que explicam as es t ru turasformais da consciência. Esta pesquisa conclui sobre a importân-cia da escolaridade para a formação das estruturas cognitivas,o que confere nova dimensão a uma exigência histórica daclasse trabalhadora: a escola pública e gratuita para todos ondea criança possa permancer o maior tempo possível para comple-tar a formação das competências: lógica, moral e lingüística.

A segunda justificativa que nos leva a propor a formação doprofessor de lº grau em curso superior é de natureza econômi-co-social e já tem embasamento na Lei, que poderá ser usadapoliticamente pelos profissionais do ensino. As falhas da Lei5.692/71, de caráter tecnicista, têm sido amplamente aponta-das. Embora feita em gabinetes por tecnocratas, contemplaminimamente no seu artigo 39 uma possibilidade históricacolocada pelo movimento dos professores europeus, americanose brasileiros.

"Art. 39. Os sistemas de ensino devem fixar a remuneração dosprofessores e especialistas de ensino de lº e 2º graus, tendo emvista a maior qualificação em cursos e estágios de formação,aperfeiçoamento ou especialização, sem distinção dos grausescolares em que atuem."

A isonomia salarial prevista neste artigo é uma conquista quedeve ser mantida e aprofundada, porque une os três graus deensino e fortalece o movimento dos professores.

Não estamos aqui negando o valor dos normalistas. Há muitasvagas nas escolas de lº grau para professores normalistas; e muitos destes, t rabalhando no comércio, nas indústrias e naprestação de serviços, devido ao aviltamento dos salários,ausência de concursos e de um plano de carreira que osestimulem a ocupar aquelas vagas.

A terceira razão que embasa a nossa proposta seria de ordempolítica e se refere à formação de uma consciência crítica domundo da sociedade e da educação. O nosso compromisso coma classe trabalhadora e com o seu projeto de sociedade, ambosem formação, definem a necessidade de professores competentesnesta capacidade de ler o mundo a partir de uma determinadaprática social. Se a instrução não faz a consciência, esta não sefaz espontaneamente. O embasamento teórico é fundamentalpara que o profissional do ensino tenha uma visão crítica dasua própria prática, como das práticas diferenciadas com asquais irá conviver e até se organizar.

A construção da nova escola não se faz pelo repasse de conteú-dos, mas pela produção social de conhecimentos. Este processo,no qual professores e alunos são co-produtores, exige umembasamento filosófico, histórico, sociológico, econômico,político e antropológico, que só poderá ser feito em cursosuperior, onde são aprofundados conhecimentos adquiridos, depreferência no curso normal.

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finalmente, o caráter político da luta dos profissionais doensino, de alunos e pais, passa não só pela ampliação donúmero de vagas nas escolas públicas, mas sobretudo pelaqualidade do ensino, à qual as camadas populares têm direito,o que mais uma vez justifica a formação dos professores dasséries iniciais do 1º grau no curso de Pedagogia. Desta forma,um dos fundamentos da proposta dos trabalhadores — a escolaúnica — que tem como princípio educativo o trabalho, começaa ser implantado pela formação unificada dos profissionais doensino. Constituir-se-ia esta formação na terminalidade básicado curso de Pedagogia: magistério de 1° grau, da 1a à 4a série,a partir da qual se abriria o leque das especializações estabele-cidas segundo as peculiaridades regionais de cada curso.

À Guisa de Conclusão

Para concluir, a proposta aqui apresentada não é nem original,nem exclusividade da Faculdade de Educação da Universidadedo Amazonas, uma vez que vários cursos de Pedagogia emoutros estados já a têm colocado em prática. Mas é, segundonos parece, um eixo comum que aproxima propostas dediferentes regiões, enquanto começa a desenhar com algumasnitidez os traços da identidade do educador brasileiro, preocu-pação colocada desde os seminários regionais a té o EncontroNacional de Reformulação dos Cursos de Formação do Educa-dor, realizado em Belo Horizonte em 1983.

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A RECONSTRUÇÃO DOS CURSOS DE FORMAÇÃO DOPROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO

Mário Osório Marques*

Introdução

A questão crucial da formação dos profissionais da educaçãoestá na base de qualquer tentativa de construção de um projetonacional de educação e é, sobretudo, condição radical para asmedidas que se imponham. Nesta questão, querem os próprioseducadores ter sua palavra, em reação à brutal separação entreos que pensam e decidem sobre as políticas da educação e osque as executam no dia-a-dia, condenados a práticas servis e mecânicas.

Apercebem-se os educadores brasileiros, como nunca,empurrados para a desagregação e a desarticulação no interiorda profissão, no momento mesmo em que dela tomamconsciência política e a desejam assumir desde a reconstruçãode seus quadros.

Intentaremos, aqui, sintetizar alguns elementos de nossoestudo sobre esta questão (Marques, 1992), enfocando: a) o

* Professor Titular no Departamento de Pedagogia da Universidade de Ijui(RS)

debate nacional a respeito; b) os pressupostos teórico-metodoló-gicos da reconstrução dos cursos de formação; c) os deli-neamentos de uma proposta gestada no seio das discussões doDepartamento de Pedagogia da Universidade de Ijuí.

A Formação do Educador em Debate Nacional

Os anos de 1980, geralmente considerados como a décadaperdida, não o foram, certamente, para a educação, se levarmosem conta o surgimento dos movimentos de educadores quedesde então se reestruturam no país e, em especial, a atençãoa esta questão relevante, que é a da formação do profissionalda educação, em discussão conduzida pelo Movimento NacionalPró-Formação do Educador, hoje representado na AssociaçãoNacional pela Formação dos Profissionais da Educação(ANFOPE).

Realizaram-se, entre 1983 e 1990, cinco encontros nacionais,em que a busca de uma base comum nacional centrada nadocência manifesta a necessidade de um corpo conceituaiadequado, em que se articulem a dimensão profissional, a dimensão política e a dimensão epistêmico-hermenêutica daação educativa.

Manifesta-se o discurso da base comum nacional como denúnciae como tentativa de superação da fragmentação e da desar-ticulação, onde quer que se manifestem:

— no divórcio entre teoria e prática;— na distinção entre educador e professor, entre professores e

especialistas da educação;

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nas muralhas que se estabelecem entre as disciplinas doensino, confinada cada qual nos limites auto-impostos;na separação entre disciplinas de conteúdos e disciplinas pe-dagógicas, entre a Pedagogia, a Didática e as tecnologiaseducacionais;nos estágios curriculares e nas práticas do ensino divor-ciadas do todo e postas à margem dos cursos;

__ na refrega entre os cursos de bacharelado e os de licen-ciatura, entre departamentos e coordenações de curso;

__ na diferenciação de valores, pesos, medidas e recursos atri-buídos à pesquisa, à administração, ao ensino e à extensão,como a funções dist intas e separáveis de uma universidadea eles preexistente e sobranceira;

na desvinculação existente entre a educação, a escola e a di-nâmica social ampla;

no distanciamento das instâncias formadoras entre si e delas com os sistemas de ensino e as redes de escolas de lºe 2° graus;na desarticulação entre o ensino superior e os demais graus;na separação entre as dimensões cognitivas, as dimensõeséticas e as dimensões políticas da formação do educador;na pós-graduação desviada de sua função básica de for-mação para docência universitária, para confinar-se nocultivo de áreas específicas do saber científico e da pesquisaa ele referente.

Percebe-se a base comum nacional como linhas cumuns de açãoe de reflexão, uma mesma e generalizada inquietude ques-tionadora, sendo o ensino organizado não sob a ótica das disci-plinas de um currículo mínimo, mas na perspectiva de eixos

curriculares, como espaços coletivos de discussão e ação, pos-síveis de serem desenvolvidos em equipe e de neles se procederà sistematização dos conteúdos, sem que isto signifique a homo-geneização das posições ou a eliminação das diversidades teóri-cas e metodológicas. Apontam-se explicitamente, como exemplosde eixos articuladores, a relação escola-cidadania, o cotidianoda escola e da sala de aula, as relações de alunos/professores noprincípio educativo da pesquisa.

Pressupostos da Reconstrução dos Cursos

Entendemos a formação como processo de acesso à generalida-de da cultura humana, movimento a um tempo intelectual e histórico, que, na sociedade atual , se realiza como formaçãoprofissional, isto é, como inclusão no coletivo de uma profissãoinserida, por sua vez, no amplo espaço público da sociedade,espaço da palavra e da ação. Dá-se essa inclusão no coletivo daprofissão, não em passiva adaptação ou mero revezamento deindivíduos, mas como injeção de sangue novo, na provocaçãodas novas gerações com outras idéias e paixões e com a no-vidade de um mundo distinto porque, mais do que ancorado nopassado, protendido para o futuro.

Configura-se, assim, a formação do profissional da educaçãocomo movimento da ativa inserção no coletivo da profissão, umcoletivo atento e dedicado ao exercício da docência em sua co-tidianidade. de maneira crítica, orientada por perspectivas

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ALVES, Nilda (Org.). F o r m a ç ã o de professores: pensar e fazer. São Paulo: Cortez, 1992.

A formação de professores representa um dos muitos problemasapontados no debate sobre a escola pública no Brasil. Há quaseuma década, os pensadores envolvidos com a educação vêmdestacando a má formação profissional dos professores. E interessante porque os temas ent ram em debate, não se sabemuito bem como e nem por que, e vão se sucedendo um a umaté ficarem gastos.

Nos últimos anos assistimos a este movimento com relação a alguns temas. Primeiro foi a vez do tecnicismo na educação;depois veio a democratização da escola; em seguida o fracassoescolar; e agora é a vez da formação de professores.

À medida que um tema é escolhido passa a ser tratado até a exaustão e será substituído por outro sem que se tenhaesgotado ou provocado mudanças na situação da educação e daescola. Entre o que se estuda e o que se consegue transformar,há uma distância muito grande. Fica-me então uma indagação:estaremos nós, na educação, investigando profundamente ostemas que elegemos como prioritários ou com legítimos? Seestamos, por que não conseguimos interferir nos rumos datransformação efetiva da educação, de seus agentes e suasinstituição?

Uma pista que se apresenta ante essas indagações aponta paraa possibilidade de estarmos fazendo estudos e análises segmen-tados, que não se aprofundam pela troca fecunda de idéias en-

tre grupos de diferentes áreas que se interessam pela pesquisaem educação. Outra possibilidade está ligada à seduçãoexercida sobre os pesquisadores pelos chamados temas novos oupalpitantes, que se apresentam como a última descoberta aptaa solucionar os graves problemas vividos no campo da edu-cação.

Ao tomar contato com esta coletânea organizada pela professo-ra Nilda Alves, a primeira sensação que tenho é de que osautores, que participam com seus artigos neste livro, configu-ram-se num grupo buscando trocar idéias, debater assuntoscorrelatos. Todos os textos publicados nesta obra são apresenta-dos como anotações ou subsídios para debate. Aparece, pois,neste trabalho, uma tentativa de aprofundamento do tema, e mais do que isso, um convite ao estudo e a discussões com seuspares.

Os cinco artigos que compõem esta coletânea envolvem desdereflexões teóricas sobre os desdobramentos propostos pelasociedade contemporânea para sua própria organização, atérelato de experiências novas com vista a uma formação maisadequada dos professores.

Freitas, preocupado com a formação do educador, procurarespostas para as demandas oferecidas pela nova organizaçãodo trabalho, configurada hoje, na percepção do autor, em umanova forma de exploração do trabalhador. Seu texto gira emtorno dos problemas colocados pela nova divisão internacionaldo trabalho e, dos conhecimentos que estar iam sendo necessá-rios para que o trabalhador saia da escola com melhores con-

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dições de lutar pela transformação social. Para o autor, a discussão sobre a formação do educador não pode estardistanciada da análise do novo padrão internacional docapitalismo. Alerta para o rumo dado pelos discursos queorientam as reformas numa perspectiva denominada neotecnis-mo— "É a aplicação dessa tecnologia do poder aos domínios daeducação com o objetivo de a tender às necessidades do novopadrão de exploração da classe trabalhadora".

A experiência de formação de professores levada a efeito pelaUniversidade Federal Fluminense, em Angra dos Reis, é analisada em artigo de Nilda Alves e Regina L. Garcia. Asautoras vêem no projeto uma possibilidade de construçãocoletiva de conhecimento, garant ida por um currículo flexívele interdisciplinar, além de ter o novo curso de pedagogia o compromisso com um eixo orientado pela pesquisa e práticapedagógica. O relato da experiência permite perceber as amplasdiscussões que antecederam e que seguem ocorrendo entre osdocentes envolvidos com o curso, os técnicos da Secretaria deEducação de Angra dos Reis e membros da comunidade. Estaprática que tem servido ao delineamento e avaliação do curso,já pode ser apontada com uma maneira diferente de se pensare fazer educação.

Os outros três artigos que compõem a obra t ra tam diretamenteda formação de professores e de aspectos internos à escola,imbricados com a prática pedagógica, seja na universidade sejana escola pública de lº e 2º graus .

Partindo do estudo dos cursos noturnos, no Rio de Janeiro,

Celia Linhares discute a dinâmica da exclusão nas sociedadescontemporâneas. Ela procura compreender o imaginário dotrabalhador que freqüenta os cursos noturnos, um trabalhadorque luta para encontrar e manter um emprego num mercadoexcludente e perverso, que acredita na escola como instituiçãocapaz de salvá-lo das mazelas de sua própria condição. Poroutro lado, observa a escola destinada a esse trabalhador. Umaescola de segunda categoria, cedida a ele por favor, porqueprojetada para os alunos regulares dos cursos diurnos, commobiliário infantil, assim como são também os livros que eleencontra. O resultado deste encontro do trabalhador e suasfantasias com a escola que lhe é reservada é de fracasso. Talfracasso não é privilégio seu, mas atinge também o professor,outra vítima não menos excluída e explorada que seu próprioaluno.

A formação dos professores e alunos das camadas populares,tema com espaço garantido na grande maioria dos colóquiossobre educação em países pobres, é t ratado nesta publicaçãotendo como ponto fundamental o currículo. Na percepção doautor — Antonio F.B. Moreira — os currículo dos cursos deformação de professores devem possibilitar ao futuro profissio-nal a superação de dicotomias já apontadas na prática docente,tais como: o etnocentrismo dos currículos; o uso da linguageme as questões que envolvem os dialetos dos alunos e a línguaculta; a leitura e a produção de textos; e a dicotomia da própriaformação de professores expressa no currículo que separa a formação específica e a formação pedagógica. Nas palavras doautor, "Estamos propondo, em síntese, que os currículos doscursos que preparam professores contribuam para que eles

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assumam não como intelectuais tradicionais, conservadores,mas sim como intelectuais transformadores".

Os estágios curriculares na formação do professor, nos cursosde graduação, são discutidos por Maria de Lourdes Fávero quedestaca a desarticulação dos currículos além da falta de re-cursos destinados à universidade pelos poderes públicos, refle-tidas em infra-estrutura deficitária e incipiente política de gra-duação. A autora não apresenta proposta de reformulação dosestágios curriculares, mas alerta para a necessidade urgente dese pensar esta prática pedagógica nas nossas universidades."Formar profissionais não significa apenas formar pessoas debom senso. É mais do que isso! É formar pessoas dotadas deconhecimentos sistematizados em base científica, filosófica e tecnológica", diz a autora.

Desta leitura, pela qual se percebem os graves problemas en-frentados pelas universidades, na formação do professor capaz

de atuar nas diferentes escolas públicas deste País, fica-meuma série de indagações: Será que não caberia, neste momento,pensarmos no lugar social que foi atribuído a esta instituição,seja pela própria sociedade, seja pelos educadores, seja pelospoderes públicos? Será que uma única instituição social temcapacidade para abarcar tantas atribuições? Que professor seráeste que está no imaginário de toda gente, será um professor,produto desta mesma sociedade desarticulada e portadora detantos males sociais?

Diante de tantas indagações, cabe esperar que o convite à reflexão, feito pelos textos ora apresentados, venha seduzirpesquisadores com vista ao aprofundamento do debate.

Águeda Bernardes UhleUniversidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

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SILVA, Jefferson Ildefonso da Silva. Formação do educadore educação pol í t ica. São Paulo: Cortez, 1992.

Tratar da questão da formação política do eduador foi sempreuma tarefa espinhosa. O tema propicia resvalar pelo proselitis-mo ou pela superficialidade. Em tempo de "pós-modernidade"o desafio é ainda maior, pois navega-se contra a maré cheia dadesesperança e descrédito que tem caracterizado a vida políticano nosso país nos últimos tempos. Divergências teóricas,políticas e ideológicas à parte , o livro de Jefferson I. da Silvaenfrenta esse desafio com muita coragem e torna-se indispensá-vel recorrermos a ele para t ravar a luta de idéias no campo denossos cursos de graduação e de formação de educadores.

Denunciando os falsos dilemas "professor ou educador" "vocaçãoou profissão", o autor os dilui para t ra tar da questão daformação do educador "para além do âmbito pedagógico ouindividualista", situando-a na perspectiva de uma proposta e teoria pedagógica que incorpore "o caráter político da práticapedagógica e sua dependência da práxis social global, onde sedá a luta hegemônica das classes".

O autor retorma o sentido de intelectual tal como o encontra-mos no pensamento de Gramsci. A partir da afirmação de que"a ação do educador, como prática educativa tem um caráterintelectual, na medida em que se efetiva pela mediação doconhecimento e da formação das consciências", o autor passa a analisar sua função social em uma sociedade de classes. Aodemonstrar a natureza intelectual da atividade educativa e suafunção na direção e organização das camadas sociais, caracteri-

za o educador como intelectual dirigente, no sentido dado porGruppi, citado pelo autor: "Dirigente é quem possui umaespecialização cultural, ao mesmo tempo, uma visão do processohistórico no qual se insere sua especialização. Assim, avaliaenquanto político a sua própria posição na sociedade e a tuapoliticamente no processo social, tornando sua presença maisincisiva precisamente graças a sua especialização".

As reflexões do texto procuram mostar que a função dirigentedo educado não é um atributo social dado pelo caráter de suaatividade — de especialista ou técnico — mas é uma conquistaque caminhará juntamente com a conquista da escola pelasorganizações de trabalharadores. O texto discorre com clarezasobre o tema do professor enquanto criador e difusor da ciência,organizador e difusor de conhecimentos e enquanto intelectualdirigente.

Com esta compreensão, questiona também a preparação atualdeste profissional, colocando novos desafios para a sua for-mação, capaz de prepará-lo para a tua r como intelectualdirigente, com clara consciência política, em condições depensar criticamente a realidade e se manter vinculado à classeexplorada da socieade — os tabalhadores —, comprometidocom suas lutas e auxiliando-a em seu pensar crítico sobre a realidade.

A partir desta compreensão, qual é a perspectiva que se colocapara a formação do educador dirigente? O autor afirma quea "questão da formação do educador desviou-se do pólo estrutu-ral pedagógico — onde se coloca prioritariamente a es t rutura

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dos cursos a ser reformulada — para centrar-se no conteúdo e na prática da formação política, tornando a reformulação doscursos apenas um instrumento facilitador ou uma conseqüên-cia da preocupação primeira".

Assim, destaca a formação da consc iênc ia , formada atravésde determinadas bases das práticas pedagógicas e da práticapolítica, como o objetivo primordial da formação do educador.Analisando o processo de desenvolvimento da consciência doeducador, distingue três etapas ou níveis de consciência que sedefinem historicamente no contexto das várias tendências e correntes da educação.

A consc iênc ia romântica, revelada pelo otimismo pedagógicoe marcada pela tendência do humanismo, centrada na crençadas potencialidades da natureza do indivíduo. O autor alertaque esta tendência está de volta na tentativa de contrapor a intencionalidade e a subjetividade à objetividade da ciência e da técnica. É a crença na suficiência da ciência e da práticapedagógica que realizariam, por si, o político, dispensando a consciência política.

Este estágio romântico não é suficiente para a formação doeducador dirigente; é necessário ultrapassá-lo. Uma outra etapaou nível da consicência é aquele que permite ao educadorcompreender seu trabalho pedagógico em relação com o trabalho produtivo material do sistema de produção. É a consc iência s indical e profissional . Esta consciência passapela compreensão do educador como profissional do ensino — compreensão que não se reduz à sua dimensão técnica — capaz

de apreender criticamente as finalidades do trabalho educativocomo trabalho produtivo e os rumos políticos do processo social.Este nível de consciência é ainda corporativo, reivindicatório e exige ser superado.

Com a consc i ênc ia pol í t ica o educador ul t rapassa as lutascorporativas e reivindicativas desenvolvidas no interior dasorganizações sindicais da categoria, abre-se à luta política dostrabalhadores na direção da construção de uma nova sociedade.Esta opção política, a que o educador é levado ao assumir suaconsciência política, só tem sentido enquanto significa uma"tomada de partido" diante da ambivalência da prática pedagó-gica.O autor destaca que a consciência política é "o objetivomáximo de toda a formação do educador".

O trabalho destaca a concepção de que a capacidade técnicanecessária é definida e determinada pelo político. A formaçãoda consciência política do educador é que vai permitir que o conhecimento seja científica e tecnicamente organizado segundoos interesses da classe trabalhadora, com a qual ele estácomprometido, ligado, integrado.

Na tentativa de responder a "quem forma este educador", o autor discute os agentes e instâncias responsáveis pelaoformação do educador dirigente. A escola , uma destas instân-cias, cumpre seu papel de primeiro agente da formação doeducador, na medida em que propicia sua formação técnico-profissional, sua formação científica e crítica que lhe permitecompreender a realidade histórica. A escola também formapoliticamente ao propiciar, no seu interior, a vivência práticadas contradições próprias da sociedade.

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Mas a formação política do educador dirigente não se completano interior da instituição escolar. Ela exige um estreito rela-cionamento com a classe trabalhadora, uma identificação, naprática política, cornos interesses e valores dessa classe. É ne-cessário ul trapassar a práxis cotidiana na direção de uma prá-xis revolucionária. A prát ica pol í t ica permiteao educador ex-perimentar uma nova prática, distante das práticas de suaclasse de origem e de sua prática pedagógica estrita. CitandoMarx e Engels, o educador deve se apropriar sem reservas dasconcepções proletárias, participando de suas organizações, desuas lutas, aprendendo com os trabalhadores.

A formação política do educador dirigente se dá também naso r g a n i z a ç õ e s s indicais . É na atuação sindical que o educadorse vê enquanto categoria, vê-se marcado pelas relações detrabalho típicas da sociedade capitalista, em relação com osdemais trabalhadores. Sua atuação nessa frente permite umaformação política superior, uma compreensão das raízes gera-doras do próprio sistema de produção e trabalho capitalistas.

Por último, o autor destaca a importância do part ido pol í t icona formação política do educador dirigente. É através da atua-ção no partido político que o educador participa da consciênciade classe dos trabalhadores e adquire a dimensão social e polí-tica do seu trabalho e de sua inserção na construção de umanova sociedade. Essa atuação cria a unidade e a coerência desua ativdade pedagógica com sua consciência política, traduzi-das em ações pedagógicas e políticas com uma qualidadediferente. Esta, no entanto, é uma exigência geral, e não ape-nas para alguns dirigentes sindicais. A formação pelo partido

é uma formação ideológica, entendida enquanto determinadavisão de mundo de determinado grupo social.

Finalmente, o autor destaca que essas instâncias não sesucedem "pela simples ultrapassagem de uma sobre a outra,mas se incorporam e se inter-relacionam dialeticamente,levando cada uma à maior expressão, ainda que entre elasperdure o conflito". O desenvolvimento da consciência de classecomo um "novo determinante na formação do educador" naspalavras do autor, possibilita-lhe "uma forma de realizar suavida profissional, concreta e historicamente participante da lutapor uma ordem social mais jus ta e humana".

Fica em aberto, no trabalho, a questão de fundo que hoje é fundamental para determinarmos nossos parceiros na lutapolítica pela tranformação social: de que transformação socialse fala? a qual projeto histórico está referido o trabalho? emque terreno se t ravam as lutas políticas necessárias paraconstruirmos essa nova ordem social mais jus ta e humana?

Reafirmando as considerações iniciais, é importante destacar a relevância deste trabalho no contexto das discussões sobrereformulação dos cursos de formação dos profissionais daeducação. Em tempos de descrença e desesperança provocadaspelos ventos da pós-modernidade e pelas quedas dos regimessocialistas, é muito gratificante encontrar um trabalho que tema coragem de reafirmar a crença na ação política, sindical e sobretudo na participação partidária.

Helena Costa Lopes de FreitasUniversidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

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MARQUES, Mário Osório. A formação do profissional daeducação. Ijuí: UNIJUÍ, 1992. 22 lp.

Ao ler A Formação do Profissional da Educação, de MárioOsório Marques, revivo o curso de Filosofia realizado na pri-meira metade dos anos 60 na antiga Faculdade de FilosofiaCiências e Letras de Ijuí (FAFI), hoje Universidade de Ijuí(UNIJUÍ). De ambas Mário Osório foi e é um dos principaismentores. Desde 1952 Mário Osório vive e respira educação emIjuí, profundamente inserido no contexto, mas acompanhandoa universalidade dos movimentos e saberes educacionais. So-ciólogo, transita entre os filósofos, na profundidade das abs-trações conceituais sem jamais desvinculá-las da realidade con-creta de seus espaços e tempos. Antes, coerente com o eixo, a tese que permeia todo seu livro, na sua vida "teoria e práticase acham intimamente relacionadas e auto-exigentes numa prá-xis social-histórica, como tal vinculada sempre de novo à teoriaque a faz práxis reflexiva". Nele, "saber e ação, teoria e prática,conjugam-se na formação de maneira indistinta, inseparável a teoria das práticas que ilumina, inseparáveis as habilidadestécnico-operativas das concepções teóricas e da ética no sentidodos interesses humanos em emancipação consensualmentedefinidos, a que devem servir com eficácia e acerto".

Não por acaso, mas por opção histórica de seus mentores, a FAFI de ontem e a UNIJUÍ de hoje guardam perfil singular,profundamente marcado pela realidade de seu espaço e tempo,pela "especificidade de sua proposta política de inserção ativano todo das relações sociais e no todo das relações específicasdos saberes com que trabalha". Saberes que decorrem da supe-

ração do dualismo teoria e prática, sujeito e objeto, estabelecen-do um "processo de construção mútua e operatória, que é cons-trução coletiva a ser intersubjetivamente válida a cada passoe sempre de novo".

O livro "A Formação do Profissional da Educação" é umasíntese, densa e profunda, da trajetória pessoal e institucional,na qual ambos, Mário Osório e UNIJUÍ, se confundem, ambos,ao mesmo tempo criaturas e criadores. Isso faz com que seuconteúdo, para além do texto denso e filosófico, sempre recor-rente aos conceitos axiais da tese nele contida, transpareçacarregado de ethos educativo, porque escrito com paixão e arte.

O eixo temático do livro é a "natureza epistêmica da Pedagogiacomo ciência do coletivo dos educadores", que constitui a ciênciada educação, cujos saberes são permanentemente recriados noexercício da profissão. Conforme o próprio autor sintetiza, o livro apresenta "uma proposta para a formação do educadoratravés da reconstrução dos cursos a ela direcionados e atravésdo exercício da profissão enquanto formação continuada",configurando "a formação profissional da educação comomovimento de inserção ativa no coletivo da profissão inscrito noamplo espaço público da palavra e da ação, atento e dedicadoao exercício da docência que se requer criticamente orientadapor perspectivas ético-políticas explicitamente embasadas naPedagogia do entendimento compartilhado, da organizaçãodemocrática e da condução adequada dos processos da edu-cação, pelos quais as gerações humanas transcendem a simesmas e a seus mundos e se constroem no exercício daintersubjetividade da razão de múltiplas vozes: as da interação

Em Aberto, Brasília, ano 12, n.54, abr./jun. 1992

e do diálogo e as das resistências com que as positividades dosseres os desafiam uns aos outros".

As principais questões analisadas nos cinco capítulos si tuam o debate atual sobre a formação do educador, as dimensões daprofissão do educador, a identidade dos cursos de Pedagogia e seu espaço na formação de educadores, os pressupostos teórico-metodológicos da reconstrução dos cursos de formação deeducadores e a formação continuada do educador.

O primeiro capítulo apresenta uma resenha histórica sucintados movimentos no "processo de organização do corpo educacio-nal" e leis voltadas para a formação de educadores no Brasil.Analisa como, apesar dos diversos movimentos, conferências e manifestos de educadores, decretos e leis, gestados emdemorados embates político-ideológicos ou autoritariamente, a preocupação com a formação do educador só ganha corpo nosanos 80, cujo marco é a I CBE, realizada em São Paulo,resultado da confluência das várias entidades associativas deeducadores. Até então, os movimentos dos educadores centra-vam suas atenções na busca da "autonomização" do espaçopedagógico e se debatia no conflito entre escola pública e escolaparticular, enquanto os pensadores educacionais se ocupavamda teoria educacional, isolada e independente dos professores,colocados no contexto educacional, mais especificamente na salade aula, não como construtores dos saberes educacionais, mascomo meros executores de programas prontos.

O debate da formação do educador passa, necessariamente, a questionar os cursos e seus currículos segmentados em discipli-

nas. No V Encontro Nacional das Entidades Associativas,realizado em 1990 em Belo Horizonte, a questão central foi a busca de uma "base comum nacional", como "núcleo essencialda formação do profissional da educação", que "aponte parauma organização curricular baseada em matriz epistemológicaque veja a teoria e a prática pedagógica de forma indissociável".No curso desta temática o livro levanta uma série de questõese apresenta uma síntese dos diversos encontros e movimentosde educadores, as questões de fundo e as questões intercorren-tes neles contidas.

O capítulo II , A formação/Ação Pedagógica, explicita a con-cepção da identidade e as dimensões da profissão de educadore sua formação. Essa formação, centrada na indissociabilidadeentre teoria e prática, implica uma racionalidade assentada emtríplice base: .cr í t ico-ref lexiva ("traçar nos valores e normasconsensuais as diretrizes de orientação no sentido da emanci-pação humana"); hermenêut ica ("como inserção vital naconcriatividade da história, na capacidade de reinterpretar, à luz das atuais perspectivas, as tradições sedimentadas dacultura...") e extratécnico-operativas da razão estratégico-instrumental (a efetivação das ações).

Para caracterizar as dimensões e a identidade da profissão deeducador o autor analisa os conceitos, referidos por HannahArendt em A Condição Humana, de labor ("necessárias à sustentação da vida corpórea"), de trabalho (voltado para a produção de objetos de uso, que se incorporam ao mundo dasrelações e mediações) e a ação (exercida diretamente entre oshomens, mostrando quem são, produzindo e revelando "suas

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identidades pessoais e singulares, na interaubjetividadecriadora, no estar uns com os outros, no simples jogo daconvivência". A profissão assume a tríplice dimensão dolabor/trabalho/ação, concebida "não apenas como atividade ocu-pacional de indivíduos, mas como compromisso social solidárioinserido na esfera política da sociedade...".

Assim, "a identidade da profissão de educador exige a formaçãodele a partir do caráter de unidade e totalidade da ciência daeducação, que denominamos Pedagogia"..., pela "superação dodivórcio entre o saber e o fazer, a teoria e a prática, a educaçãoe o ensino, os conteúdos e a proposta pedagógica com suasintencionalidades políticas...", de tal forma que o "ganhar a vida" se dê no duplo sentido: o de garantir as condições desobrevivência e o do "realizar os sentidos e valores pelos quaisse vive, sob pena de o trabalho, a profissão, converter-se emforma de alienação pessoal e social".

O terceiro capítulo Pressupostos Teórico-Metodológicos daReconstrução dos Cursos, fundamenta as bases da proposta dereformulação dos cursos de formação de educadores, apresenta-da no capítulo seguinte. Inicia discorrendo sobre A DimensãoEtico-Política da Consciência e Compromisso Profissionais, nosentido amplo das profissões, criticando a formação profissionalno seio das universidades pautada por modelos funcionais depapéis e perfis profissionais (a visão tecnocrática, estatal oucorporativa) para, em Bases Conceituais, Linhas e EixosTemáticos na Dinâmica do Currículo, propor nova dinâmica aoscursos, não constituídos de "somatório de fragmentos", mas porum "processo dialogai continuado", "construído a cada passo

pelos educadores através de sua práxis", na "dimensão sócio-interativa da educação", nos níveis hermenêutico, crítico-dialético e praxeológico (da racionalidade instrumental estraté-gica).

Colocados esses pressupostos, o autor passa a analisar estraté-gias e aspectos da formação do profissional da educação,abordando os seguintes itens: As Articulações da Prática e daTeoria no Método; Didática e Metodologias Específicas doEnsino; Os Processos de Avaliação/Sistematização das Práticase o Confronto Teórico; Teoria e Prática no Estágio Curricular;Tempo-Espaços Pedagógicos e Ritmos do Ensino; Tecnologias daEducação, Recursos eMeios Auxiliares; A Gestão Democráticado Trabalho Educativo e a Direção Administrativa e A Dinâmi-ca Curricular Integradora.

O capítulo IV, o mais longo e detalhado, contém "uma propostade reconstrução dos cursos de formação de educadores,centrada na ciência da educação, a Pedagogia, como eixoarticulador de todo o sistema formativo e núcleo fundante daconexão dos temas, dos enfoques das disciplinas específicas e das metodologias que compõem os currículos respectivos".Sugere que todos os cursos devem atender às dimensõestécnica, hermenêutica e crítico-reflexiva e educativa, sendoesta última tarefa da Pedagogia, enquanto ciência da educação,que "deve fazer-se presente em todos os cursos de formaçãoprofissional". A formação do pedagogo capaz de atender à dimensão educativa leva o autor a discorrer sobre a identidadedo curso de Pedagogia e a propor sua reconstrução com base emlinhas e eixos temáticos e conceituais, não em currículos

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segmentados em disciplinas, com alunos organizados emturmas-semestres e não dispersos em disciplinas. Aponta 5 linhas básicas e pólos temáticos para a reconstrução do cursoe, a título de exemplo, sugere uma seqüência possível denúcleos temáticos para os semestres do curso, fazendo umaanálise das dimensões pedagógicas dessa dinâmica curricular.

A seguir passa a abordar a questão da formação do "pedagogoda sala de aula" das licenciaturas específicas, relativas "àsregionalidades do saber". A questão está em situar as di-mensões profissionais e políticas das licenciaturas, que, para "aefetiva superação da fragmentação e isolamento", requer o aprofundamento da dimensão epistemológica, "de modo a entender-se melhor a dialética do uno e do múltiplo, ou, maisprecisamente, da unidade do conhecimento na diversidade e multiplicidade de seus campos e formas, de suas regionalida-des". Para isso analisa a questão dos conteúdos, formas e métodos das licenciaturas, vinculada à questão dos bacharela-dos e licenciaturas, para afirmar que, na formação de educado-res, "os bacharelados e as licenciaturas se exigem em reciproci-dade e demandam ser reconstruídos na unidade de cursos deformação de profissionais competentes para a atuação ético-política e técnico-científica em áreas específicas do saber". Osconteúdos das "regionalidades do saber", "a urdidura conceituaide cada ciência", devem ser informados pela dimensão pedagó-gica. Para o autor, "a tarefa crucial da reconstrução dos cursosde formação profissional" está na "definição das linhas e eixos-temáticos e conceituais e da gradualidade dos estudos nasemestralização de cada curso. E tarefa indispensável, eminen-temente político-pedagógica, na medida em que se busque efe-

tivamente a superação da fragmentação do ensino-aprendi-zagem em disciplinas isoladas e fechadas em si mesmas, coma pulverização do corpo docente e com a desagregação do corpoestudantil".

O capítulo IV trata, ainda, da formação de profissionais paraa docência universitária, questionando as atuais diretrizesoficiais na política de pós-graduação, cujos cursos "se desviaramde sua função primeira, a qualificação para a docência universi-tária". Aborda, ainda, a ênfase dada aos departamentos e a fragilidade das coordenações de cursos. Finalmente, o capítuloaborda a questão da "revitalização da Escola Normal" e asresponsabilidades da universidade nessa tarefa.

O último capítulo é dedicado à educação continuada e abordaa formação do educador e a reconstrução da Pedagogia noexercício da profissão. Para o autor "o mundo de referência detodo o processo formativo" é "o tempo-espaço mais específico dasala de aula e da escola" e "é no quadro da atuação coletiva nointerior da escola que importa se aprofunde a teoria, serepensem as práticas e se transformem as diretrizes e ascondições operacionais do trabalho pedagógico". Em outraspalavras e sem dizê-lo diretamente, o autor coloca a questão daautonomia da escola como fundamental à construção do projetopedagógico e ao exercício pleno da profissão de educador, nadimensão da cidadania.

O livro A Formação do Profissional da Educação, de MárioOsório Marques, é para ser lido, relido e meditado peloseducadores. Suas propostas, embora gestadas"em contexto

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particularizado", seu "longo processo de reflexão, discussões e testagem" o fazem profundamente rico em análises conceituaise propostas, enraizadas na prática cotidiana do autor e seus co-

legas da UNIJUí.Genuíno Bordignon

Professor Adjunto II — PAD /FED/UnB

Em Aberto, Brasília, ano 12, n.54, abr./jun. 1992

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E S P A Ç O A B E R T O ! Manifestações rápidas, entrevistas, propostas, experiências, traduções, etc.

TRAJETÓRIA DO MOVIMENTO PARA AS REFORMU-LAÇÕES CURRICULARES DOS CURSOS DE FORMA-ÇÃO DE PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO: DO COMITÊ(1980) À ANFOPE (1992)

Iria Brzezinski*

O presente trabalho pretende registrar o movimento nacionaldos educadores brasileiros para reformular os cursos deformação dos profissionais da educação, principalmente noperíodo de 1980 a 1992.

Evidencia este estudo os esforços de alunos e de professores nosentido de promover a articulação das forças intelectuais dasinstituições educacionais, associações científicas, entidadessindicais e estudantis contra as imposições da legislação oficialautoritária que fragmenta a formação do educador em todos osseus níveis. Evidencia, ainda, a trajetória da construção doconhecimento referente a uma política de formação do profissio-nal da educação, apontando princípios, pressupostos e indi-cações para Reformulações Curriculares que ocorreram noBrasil, sobretudo, na década de 80.

A continuidade do processo de construção de conhecimento, por

* Vice-presidente da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais daEducação — ANFOPE, Professora Assistente da Universidade de Brasília — UnB. Professora Adjunta da Universidade Católica de Goiás - UCG.

um periodo de doze anos, permitiu à ANFOPE uma contextuali-zação das políticas e diretrizes para a formulação de umaconcepção básica de formação de professores, mediante a indicação da Base Comum Nacional. Esta base, que ainda estápor ser definida e institucionalizada, é uma proposta de soluçãopara as questões relativas à formação dos profissionais daeducação brasileira. Na operacionalização da Base ComumNacional serão respeitadas, sem dúvida, as experiências, locaise regionais, assim como as especificidades de cada instânciaformadora: Escola Normal (ensino médio), licenciaturas, Cursode Pedagogia (ensino superior), em que pese ser a Base ComumNacional uma concepção globalizadora e concretizadora de umcorpo de conhecimentos fundamental e de uma prática comumnacional de educadores, qualquer que seja o conteúdo específicode sua área de formação (CONARCFE, 1983, p.9)

Reconst i tu indo a Trajetória do Movimentode Formulação dos Cursos de Formaçãodos Prof iss ionais da Educação.

A Gênese

Ao final da década de 70, após longos quinze anos de instalaçãodo governo autoritário no Brasil, a sociedade civil brasileirainicia a sua reorganização, exigindo modificações no quadro deprioridades sócio-político-econômicas. No setor educacional,como reflexo do quadro geral da sociedade capitalista, emergemfenômenos expressivos que podem ser agrupados em algumascategorias: a) descrédito nas instituições que representam o poder constituído; b) mobilização dos educadores para umaanálise profunda da falência do ensino e da organização

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escolar; c) fortalecimento das associações de classes, porquenovos personagens entram em cena, uma vez que se inicia o período de "abertura política"; d) redescoberta, pela própriasociedade e pelo professor, da responsabilidade social daprofissão de educador; e) intenção de os educadores interferi-rem, através de representatividade, nas decisões a seremtomadas na Assembléia Nacional Constituinte, visando a encaminhamentos para a nova legislação educacional, decorren-te da nova Carta Magna Brasileira.

As diversas formas de debates e reflexões realizadas, tanto nointerior da escola como fora de seus limites, nos mais variadosfóruns de debates educacionais vêm permitindo um sério e consistente aporte político-técnico-científico para o t ratamentodas questões educacionais. Entre elas, a questão da formaçãode profissionais da educação, objeto de estudos, pesquisas e debates da Associação Nacional de Formação de Profissionaisde Educação - ANFOPE.

A ANFOPE, segundo seu estatuto, é um "entidade científica,civil, sem fins lucrativos, sem caráter religioso e nem político-partidário, e independente em relação ao Estado" (Art.3o).Assim, a ANFOPE é uma associação que congrega "pessoas e instituições interessadas na questão da formação do profissio-nal da educação, integrantes do Sistema Nacional de Formaçãode Profissionais de Educação" (Art. 4º).

Assinala-se que a ANFOPE passou a ter existência jurídicacomo associação em 26 de julho de 1990; no entanto, sua

origem remonta a 1980, quando se instalou, durante a I Conferência Brasileira de Educação, o Comitê NacionalPró-Formação do Educador, (com sede em Goiânia. Este Comitêfoi criado diante da necessidade de mobilização de professorese alunos para reformular o Curso de Pedagogia no Brasil.

O processo de reformulação do Curso de Pedagogia teve comomarco inicial o ano de 1975. Neste ano, o Conselho Federal deEducação - CEF, propôs as Indicações nºs 67 e 68 e, a seguir,os nºs 70, 71/76, de autoria do Professor Valnir Chagas, sendoa indicação geral a de formar o especialista no professor.

Ressalta-se que o especialista era o profissional a tuante ,naquela ocasião, nas escolas de lº e 2° graus do sistemanacional de ensino, após ser formado em cursos de Pedagogiaque, de modo geral, relegavam ao segundo plano o magistérioe formavam, em nível de graduação, o Orientador Educacional-(OE), o Supervisor Escolar(SE) e o Administrador Escolar(AE).

Os cursos de Pedagogia no Brasil, assentados na legislação de1969 (Parecer 252/69), promoviam a formação de técnicos emhabilitações - OE, SE e AE, e diluíam a formação básica, a fundação teórica indispensável ao exercício do magistério -função primordial do pedagogo escolar.

Os pareceres de 1975/1976, por sua vez, fortaleciam a formaçãodo profesor em nível de graduação, mas por outro lado reforça-vam a formação do técnico-especialista em nível de especiali-zação lato sensu.

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Os educadores preocupados com a formação do pedagogo, tendocomo base de identidade nºs 67, 68, 70 e 71 a docência, enten-diam que a formação proposta pelas Indicações mencionadastornaria mais precária, ainda, essa formação. Naquele momen-to, as habilitações pedagógicas "não eram outra coisa senãodivisões de tarefas no campo educativo" (SAVIANI, 1981:2) e não requeriam o aprofundamento encetado por Valnir Chagas,transferindo-as para a pós-graduação.

A defesa dos educadores envolvidos com as reformulações daPedagogia era a de que o pedagogo, realmente formado para serprofessor em nível de graduação, deveria ser capaz de exerceras atividades específicas, conforme as exigências da complexi-dade da escola. Neste sentido, a bandeira de luta contra a formação de especialista no professor (preconizado por Chagas)era a de que a formação do pedagogo deveria propiciar aoeducador tanto a formação do especialista, quanto a do profes-sor. Lutava-se, também, para que na universidade e nasociedade a educação fosse convertida em preocupação precí-pua, o que historicamente não ocorria e ainda não ocorre,sobretudo, pela desvalorização social da profissão do professor,pela falta de atenção ao real significado da educação e daPedagogia e pelo descaso dos governantes às políticas educacio-nais.

Evidentemente, a falta de atenção à educação, a atrofia dosfundamentos teóricos dos cursos de formação de professores e a conseqüente atomização e fragmentação dos currículosdelineavam uma inadequada formação do profissional paraatuar na escola. Tais questões são conseqüência do projeto da

sociedade da época. A sociedade capitalista brasileira conviviasob a dominação do modelo econômico desenvolvimentista,assentado no ideário do racionalismo instrumental e da teoriado capital humano. É esta sociedade, marcada por antagonis-mos e contradições de classes com interesses opostos, que sevincula às contigências históricas características de um modeloeconômico tecnocrata-militar, preconizador de uma intensaespecialização de funções e formação de técnicos, corresponden-tes às exigências da divisão social do trabalho.

Por esta época, a sociedade brasileira já começava a sentir osprimeiros reflexos de "abertura democrática" assumida pelosúltimos governos militares. Como reflexo da abertura política,o movimento dos educadores reivindicava a revisão imediata doprojeto de sociedade vigente. Reivindicava, também, a transfor-mação do sistema educacional, que "supunha sua articulaçãocom a própria mudança es t rutural da sociedade em busca decondições de vida mais jus tas , democráticas e igualitárias paraas classes populares" (CONARCFE, 1989, p.3).

Caminhava o movimento, ainda, em defesa da descentralizaçãodo poder de decisão na área educacional, o que permitiria a au-tonomia universitária que fora cassada, principalmente, pós-68,quando o Decreto-Lei 477 baniu do país a massa crítica que seformara nas grandes universidades brasileiras. Nesta mesmacaminhada, exigia o movimento a instauração da gestão demo-crá-tica na escola em todos os níveis e a reforma das leis5.540/68 e 5.692/71 que garantiam o exercício do autoritarismoe da arbitrariedade praticados pelas autoridades educacionais,

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tanto no ensino universitário quanto no ensino de lº e 2ºgraus.

Em 1978, o Ministério de Educação - Mec sustou as Indicaçõesdo CEF e passou a impulsionar as Faculdades de Educação dasuniversidades públicas para reverem seus cursos de Pedagogia.

De modo mais específico, o Comitê Pró-Formação do Educadorpromovia debates, estudos e discussões e divulgava o conheci-mento produzido em âmbito nacional sobre a questão dareformulação dos Cursos de Pedagogia com apoio de instituiçõesuniversitárias, escolas de 1º e 2º graus e associações científicase educacionais.

Marco importante de produção científica e evolução foi o I Seminário de Educação Brasileira, realizado em 1978 emCampinas-SP, o que permitiu superar o isolamento dasdiscussões, apontando para um debate de âmbito nacional.

A medida que os debates se acirravam e o conhecimento erasocializado, afirmava o Comitê, agora com segurança, que eraimpossível reformular o curso de Pedagogia distanciado daformação do educador. Conseqüentemente, emergia a necessida-de de revisar os currículos das Licenciaturas - cursos queformam professores especialistas em área específicas do saberpara a tuarem nas séries finais do 1º grau e no 2º grau.

Nesta perspectiva, as bases discutidas para as reformulaçõescurriculares se ampliariam para as Licenciaturas em diversasinstituições preocupadas com as revisões de seus currículos,

uma vez que as questões se voltavam para uma única formação- a de professores.

Em 1981, o Comitê Pró-Formação do Educador solicitou àsinstituições que participassem de seminários regionais organi-zados pela Secretaria de Ensino Superior do MEC, sobre a reformulação dos cursos de preparação de recursos humanos daEducação. O MEC era possuidor de recursos financeirossustentadores dos trabalhos, assim como dispunha de condiçõespara a divulgação dos resultados obtidos nos seminários.Constatou-se, contudo, que as discussões ocorridas a té 1981ainda eram insuficientes em extensão e profundidade e que o movimento de educadores não conseguira envolver a totalidadedos interessados na formação do educador.

Os resultados dos seminários foram publicados em 1982, coma função de facilitar e promover uma nova fase de consulta doseducadores à documentação existente a té essa data. Neste ano,também, transferiu-se a sede do Comitê de Goiás para SãoPaulo, após intensos debates na Reunião Anual da SociedadeBrasileira para o Progresso da Ciência.

Após a divulgação da síntese dos resultados dos semináriosregionais nos Estados da Federação, a Secretaria de EnsinoSuperior do MEC decidiu pela realização do Encontro Nacionalem 1983, precedido de encontros estaduais sobre a reformu-lação dos cursos de preparação de recursos humanos daEducação. Nesta fase, o movimento de educadores desenvolviaestudos e pesquisas, cujos resultados eram absorvidos comoprodução científica, tanto pelo Comitê quanto pelo MEC.

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Considera-se que o intervalo 1980-83 constitui o primeiroperíodo de articulação do movimento de educadores congraça-dos para reformular os cursos e, conseqüentemente, o períodooriginário da Associação Nacional pela Formação dos Profissio-nais da Educação.

Por todo o país multiplicaram-se comitês estaduais de professo-res com a participação dos estudantes, organizando encontroscom a temática principal: a formação do educador.

O Desatrelamento das "Amarras" Oficiais

O Comitê Pró-Formação do Educador, durante o I EncontroNacional, transformou-se em Comissão Nacional de Reformu-lação dos Cursos de Formação do Educador — CONARCFE.

Foi o próprio encontro realizado em Belo Horizonte, emnovembro de 1983, que, compreendendo a importância e asdificuldades para se implementarem os princípios geraisformulados e as propostas aprovadas, sugeriu a criação daCONARCFE, para acompanhar a continuidade do processo e mobilizar o debate sobre a questão.

A relevante atuação político-pedagógica da CONARCFEdificulta a elaboração de qualquer síntese de suas atividades.No entanto, para atender ao escopo deste trabalho, serãoregistradas sucintamente as principais realizações da Comissãodurante sete anos, com a efetivação de cinco encontros nacio-nais.

1. CONARCFE: Natureza e Papel

A CONARCFE foi criada num contexto de tensão entreeducadores e representantes do poder educacional constituído(MEC) no I Encontro Nacional. Os princípios, diretrizes e alternativas sobre as reformulações curriculares expressavamuma postura conflitante com o projeto dos órgãos oficiais, queconduziam o debate até aquele momento.

Na realidade, a instalação da CONARCFE marcou o distancia-mento entre as posições defendidas por educadores em âmbitonacional e as indicações dimensionadas pelos órgãos oficiais,que obstacularizavam o avanço do movimento.

O início do desatrelamento das "amarras" oficiais está eviden-ciado no Documento Final do I Encontro Nacional, no qual seencontram as exigências feitas ao Estado pelos educadores e consideradas fundamentais e indispensáveis ao desenvolvimen-to de propostas de reformulações de cursos.

Uma análise geral do Documento permite reconhecer que a problemática da reformulação circunscreve-se aos fatoresexternos e internos à educação, embutidos na crise geral dasociedade brasileira. Esta problemática envolve aspectosrelevantes, tais como: a) a necessidade de mudança na políticaeconômica vigente — em especial a dependência do capitalestrangeiro; b) o necessário abandono de uma perspectivagerencial que propõe soluções tecnicistas e estabelece mecanis-mos de controle que tolhem a crítica; c) o poder de decisão e autonomia do profissional de educação; d) a denúncia da

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política clientelística na área educacional — (CONARCFE,1989, p.6).

Pode-se, também, identificar no Documento de 83 um conjuntode princípios gerais norteadores das reformulações curriculares.Destacam-se entre eles: (a) contextualização do movimento dereformulação explicitando sua dependência das condiçõesestruturais da sociedade brasileira; (b) defesa da autonomiauniversitária; (c) gratuidade do ensino em todos os níveis; (d)reformulação das leis 5.540/68 e 5.692/71; (e) mudanças dasatribuições e da composição dos Conselhos de Educação; (0eleições diretas nas universidades, em todos os níveis; (g)autonomia da universidade para executar um projeto educativocompromissado com a maioria da população brasileria, incluin-do autonomia para definir os currículos de seus cursos,liberdade para decidir sobre a prioridade da pesquisa e liberdade para realização de experiências pedagógicas a partirde uma Base Comum Nacional; (h) credenciamento periódicodos cursos e experiências, conduzido, no caso das universidades,pelos Conselhos de Ensino e Pesquisa destas e, no caso dasisoladas pelos Conselhos Estaduais de Educação (CONARCFE,1989, p.6).

Esses princípios gerais delineiam a natureza e o papel daCONARCFE que se complementam com as orientações decontituidade do processo de mobilização, produção de conheci-mento e divulgação do conhecimento redefínidor dos currículosdos cursos que formam professores.

Como a natureza mobilizadora da CONARCFE se concretizava

mediante a representatividade de comissões estaduais instala-das em todo o País, são estas as impulsionadoras do movimentonas instituições de ensino superior, nas escolas de 1º e 2º graus,nas entidades, associações científicas e segmentos representati-vos da sociedade civil, envolvidos com a educação.¹

2. Concepção de Educador

Na mesma linha progressista dos princípios gerais o Documen-to de 83 aponta os caminhos para a formulação de uma con-cepção sócio-histórica avançada de educador. Ressalta o enten-dimento de que esta concepção só será incorporada à práticapedagógica cotidiana se for construída na prática social global,nas relações dos homens com outros homens, numa perspectivade totalidade do conhecimento socialmente produzido, articu-lando o conhecimento pedagógico ao conhecimento específico decada área do saber, para as quais são formados os professores.

É nesta concepção que se evidencia: (a) a docência como baseda identidade do profissional da educação; (b) a teoria e a prática como núcleo integrador da formação do educador; (c) a formulação da Base Comum Nacional dos cursos como um"concepção básica de formação do educador" e definida por "umcorpo de conhecimento fundamental", que não se concretizasomente em um currículo mínimo ou em um elenco de discipli-nas; (d) o trabalho interdisciplinar e a iniciação científica nocampo da pesquisa propiciados pela estruturação dos cursos;

Para maiores esclarecimentos ver CONARCFE. Coletânea de Documentos .São Paulo, Coordenação Nacional, 1988. Mimeo. p.8

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e) a prática social global como ponto de partida e de chegada daprática educativa.

A partir dessa concepção pode-se afirmar que:

"O educador, enquanto profissional do ensino é, aquele que:. tem a docência como base da sua identidade profissional;. domina o conhecimento específico de sua área, articuladoao conhecimento socialmente produzido, que lhe permite per-ceber as relações existentes entre as atividades educacionais e a totalidade das relações sociais, econômicas, políticas e cultu-rais em que o processo educacional ocorre; . é capaz de atuarcomo agente de transformação da realidade em que se insere"(CONARCFE, 1989, p.13).

3. A Consolidação da militância da Comissão Nacional

Houve sucessivas tentativas dos órgãos oficiais para desconhe-cerem as recomendações indicadas no Documento de 83. Não fo-ram poucas, também, as tentativas desses órgãos de colocarema Comissão em confronto com instituições de ensino formadorasde profissionais de educação, acusando-a de impedir avançosnas reformulações curriculares. A oficialidade descaracterizavaas conquistas feitas pela Comissão ao definia uma concepçãoprogressista de formação do educador. O poder constituído faziacobranças contra a própria história construída pelo movimentodos educadores, pois exigia eficiência e produtividade nacondução da reformulação dos cursos, independente da dinâmi-ca que a realidade impunha ao curso dos acontecimentos.

"Cerceada em seus recursos e com a tarefa de mobilizar umpaís com as dimensões do Brasil, a atividade da Comissão nãopodia constituir-se somente por avanços. Os erros, recuos,dificuldades, boicotes faziam parte de seu dia-a-dia. Estaincompreensão fez com que vários companheiros se afastassemdo trabalho. Alguns simplesmente desistiram, outros converte-ram-se em críticos implacáveis. Os setores menos politizadosforam os primeiros que se afastaram..."

"... Simultaneamente, as entidades e associações da área edu-cacional foram fortalecendo-se ao longo desses anos e surgiu a argumentação de que a Comissão estaria superpondo suas ati-vidades às destas entidades e associações. Várias vezes apa-receram sugestões para que ela fosse incorporada a outras en-tidades sob a argumentação de evitar a fragmentação. Mas osque continuaram militando no movimento permaneram fiéis aopostulado da necessidade de uma comissão autônoma que mobi-lizasse e acompanhasse as questões específicas da reformulaçãodos cursos de formação do educador" (CONARCFE, 1989, p.8).

Em resumo, os diversos obstáculos transpostos demonstravama fundamental importância da permanência da Comissão comautonomia em relação aos órgãos oficiais, para revitalizar a mobilização dos segmentos educacionais interessados nasreformulações dos cursos.

No decurso do III Encontro Nacional realizado em Brasília, em1988, dá-se um passo significativo na retomada das questõesorganizativas do movimento e na clarificação do seu papel.

A partir deste instante, a consolidação da natureza e da

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especificidade da CONARCFE facilita o delinear do seu próprioperfil de atuação, por meio das seguintes ações: a) viabilizar a unidade do movimento articulando a compreensão das questõesnacionais, regionais e locais, bem como suas relações específi-cas; b) estimular a organização do movimento em nível esta-dual e regional; c) articular-se com as entidades, sem perder a especificidade do movimento; d) manter-se atualizada comrelação às experiências de formação do educador, veicularinformações e propor avanços quando oportunos².

A magnitude dos objetivos propostos para o desenvolvimentodas ações da Comissão sinalizava para a necessidade de umaavaliação constante e contínua de suas atividades. Ademais, o descompasso entre a legislação educacional vigente e asimposições da nova Constituição Brasileira, promulgada emoutubro de 1988, instigava os educadores para reunirem-se como propósito de apresentar emendas constitutivas ao Anteprojetode Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional quetramitava no Congresso Nacional. Por essas razões, tornou-seimperiosa a realização de outro Encontro Nacional no intervalode um ano, contradizendo a tradição bienal dos encontrosnacionais.

Após o IV e V Encontros Nacionais ocorridos respectivamenteem 1989 e 1990, nos quais se tratou com maior profundidadea concepção e a operacionalização da Base Comum Nacional,houve a transformação da Comissão em Associação.

²Para maiores esclarecimentos, ver CONARCFE. Coletânea de DocumentosSão Paulo, Coordenação Nacional, 1988. Mimeo. p. 39

Apontando alternat ivas

O período de 1990 a 1992, caracteriza a ANFOPE por um ciclode reorganização que vem confirmando o status da Associaçãocomo entidade na constelação das associações científicasnacionais.

A ANFOPE ganhou participação efetiva no Fórum em Defesada Escola Pública na Lei de Diretrizes e Bases da EducaçãoNacional, instalado em caráter permanente no CongressoNacional para acompanhar a tramitação da lei.

Ampliaram-se as atribuições da Associação, uma vez que suasbases se assentam nacionalmente em cinco coordenaçõesregionais e vinte comissões estaduais, vinculadas hierarquica-mente à Coordenação Nacional.

O acompanhamento contínuo das propostas implantadas nas di-versas instituições de ensino superior, que mantêm as Licencia-turas , cursos de Pedagogia, e nas instituições de nível médio,com cursos de Magistério permitiu uma avaliação dessas re-formulações. Este acompanhamento processual mediante a par-ticipação em encontros e reuniões realizados nos Estados bra-sileiros e o conhecimento produzido pelos educadores envolvidoscom as reformulações possibilitaram à ANFOPE a elaboraçãode princípios e diretrizes para uma política de formação do pro-fissional da Educação. Possibilitaram, ainda, a formulação deuma concepção básica de formação de professores.

Ressalta-se que a nova concepção de cursos de formação do

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educador é resultante da produção coletiva de conhecimentos.Sendo assim, as políticas de reformulação são uma obracoletiva dos educadores brasileiros que respeita a autonomiadas experiências locais e regionais. Na mesma linha, sãorespeitadas as especificidades das agências formadoras e osrespectivos niveis de formação.

Uma Nova Política para a Formação do Educador

A própria trajetória do movimento dos educadores revista e registrada neste estudo, permite reafirmar que uma política dereformulação de cursos que formam profissionais da educaçãose constrói a partir da concepção do homem que se desejaformar, do tipo de sociedade para a qual se formam professorese da finalidade para que se formam esses educadores.

Intentou-se, nesse trabalho, demonstrar os diferentes caminhospercorridos para se atingir um objetivo comum aos educadoresque se debruçam científica, didática, acadêmica, política e tecnicamente a fim de examinar, criticar, construir e proporalternativas para a complicada questão • formar professores.

Em síntese, as propostas apresentadas pela ANFOPE emba-sam-se no referencial teórico construído ao longo de 12 anos e apontam sobretudo para:

a) uma concepção de educador que permite uma sólida for-mação científica, técnica e política viabilizadora de uma práticapedagógica crítica e consciente da necessidade de mudanças nasociedade brasileira;

b) uma concepção de Base Comum Nacional, entendida comoum corpo de conhecimento identificador do profissional daeducação, de forma ética, tanto na sua competência pedagógicapara o ato de dar aulas, quanto no embate político pelavalorização social da profissão de magistério;c) uma proposta de eixos curriculares que oportunize a exe-cução teórico-prático-teórica da Base Comum Nacional.

Uma incursão histórica pelo conhecimento construído desde a instalação do Comitê (1980) até a ANFOPE (1992) destaca a evolução da Base Comum Nacional, que vem sendo estudadaintensamente por mais de uma década. A proposição da basecomum surgiu principalmente da análise da fragmentação doconhecimento pedagógico proporcionado pelo elenco de discipli-nas dos currículos vigentes à época.

A existência da base comum, contudo, não exclui a possibilida-de de existência das disciplinas, porque é através delas que sedá a apropriação do conhecimento específico. Assim, poderáexistir concomitantemente a Base Comum Nacional e o elencode disciplinas pedagógicas, embora sua operacionalização sejauma questão bastante polêmica, pelo fato de que não seexplicitaram ainda na prática as formas de execução da BaseComum Nacional.

O próprio conceito de base comum é impreciso e aparece com asseguintes concepções nos sucessivos documentos da ANFOPE:

"A base comum nacional dos cursos de formação de educadoresnão deve ser concebida como um currículo mínimo ou um elenco

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de disciplinas, e sim como uma concepção básica da formaçãoe a definição de um corpo de conhecimento fundamental"(CONARCFE, 1983, p.5).

Oito meses depois do primeiro encontro que apontava a concepção já mencionada, a Comissão Nacional realizou suaprimeira avaliação e posicionou-se:

"A base comum seria considerada como uma diretriz queenvolve uma concepção básica de formação do educador e quese concretiza através da definição de um corpo de conhecimentofundamental. Essa concepção básica de formação do educadordeve traduzir uma visão de homem situado historicamente,uma concepção de educador comprometido com a realidade deseu tempo e com um projeto de sociedade justa e democrática."(CONARCFE, 1988, p.14).

No II Encontro Nacional da CONARCFE, em 1986, a questãoda Base Comum é tratada sem diferenciação de concepções.Nesta ocasião definiu-se que a Base Comum Nacional deveriaabranger três dimensões fundamentais e intrinsecamenterelacionadas: a dimensão profissional, a dimensão política e a dimensão epistemológica.

Essas três dimensões deveriam permitir que o profissional seapropriasse, de forma articulada, da totalidade do trabalho queexercerá ha realidade da escola pública brasileira e em outrosespaços em que possa contribuir como profissional e educador.

Em 1988, por sugestão de trabalhos apresentados por pesquisa-dores do III Encontro Nacional, a Base Comum Nacional

começa a configurar-se sob a forma de:

"eixos curriculares que perpassariam todas as disciplinas e criariam campos de ação nos quais, embora fossem mantidas asespecificidades de cada disciplina e de seus professores,propostas coletivas poderiam ser desenvolvidas e em equipe. Oseixos curriculares permitiriam, também a seleção dos conteúdosessenciais. É prudente explicitar que tal trabalho coletivo nãopressupõe a homogeneização de posições entre seus participan-tes. O trabalho coletivo não pressupõe a eliminação dasdiversidades teóricas e metodológicas" (CONARCFE, 1989,p.18).

Em 1990, durante o V Encontro Nacional, as discussõespermitiram um aprofundamento da concepção da Base ComumNacional, com indícios de operacionalização mediante eixoscurriculares.

Os pressupostos norteadores para este aprofundamento foram:

"a base comum nacional é comum a todos os cursos de formaçãodo educador, ganhando expressões específicas dependendo dainstância formadora;

"a base comum nacional é a sustentação epistemológica quenorteará a elaboração e o desenvolvimento do currículo, naperspectiva de construção e reconstrução permanente de umensino público de qualidade compatível com os interesses dasclasses trabalhadoras;

"a base comum nacional deverá ser um instrumento de luta

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contra a degradação da formação do profissional da educação"(ANFOPE, 1990, p . l l ) .

Por força das evidências, a té o presente momento a operaciona-lização da Base Comum Nacional permanece em situaçõesexperimentais com projetos assumidos por universidadespúblicas federais e estaduais , ou mesmo por expressivasuniversidades católicas brasileiras.

Com o intuito de registrar as preocupações sobre a definiçãodos eixos curriculares, podem-se ressaltar, como resultante deacordo entre educadores, cinco eixos curriculares:

1) Trabalho - significa a verdadeira produção do conhecimentonas relações de trabalho entre os homens socialmente localiza-dos e determinados por condições históricas. A prática pedagó-gica é uma das formas de exercitar este eixo curricular, que seevidenciará no potencial do saber o quê, o porquê, o como e o para quê ensinar.

2) Formação teórica - é a possibilidade de superação da atrofiados fundamentos teóricos dos diferentes cursos e a hipertrofiado tecnicismo imposto pelo projeto neoliberal brasileiro dasúltimas décadas.3) Gestão democrática - é o eixo curricular que suscitará a participação representativa da maioria da população escolarnos colegiados decisórios das diversas instituições, ou, como a ANFOPE sugere, a concessão do direito ao aluno, professor e comunidade escolar de escolha, através de eleição direta dosgestores da administração escolar.

4) Compromisso social - é o eixo curricular que propõe avançosna concepção sócio-histórica de professores e de sua identidadecom a maioria da população, que deverá ingressar, permanecerna escola e obter sua formação de modo condigno com o exercício da cidadania.

5) Interdisciplinaridade - expressa pelo trabalho coletivo dosprofissionais, respeitadas as especificidades de cada área dosaber. A prática interdisciplinar objetiva a superação dafragmentação e atomização do currículo, da prática pedagógicatecnicista e da alienação pedagógica impedidora de visão detotalidade da concepção de formação do educador.

Salienta-se que os eixos curriculares aqui propostos não seconstituem em alternativas prontas e acabadas. O que se temcomo princípio é que cada instância formadora poderá propora organização curricular respeitando a Base Comum Nacionalalicerçada em eixos curriculares consoante suas condições, quese apresentam em cada realidade loco-regional; e que a idéia-força principal na formação é a fundamentação teórica dequalidade.

Conclu indo

No limite deste estudo, acredita-se que a mobilização doseducadores deverá ter continuidade com a consolidação daANFOPE, que propõe:

a) a formação do profissional da educação conforme concepçãodefendida neste estudo;

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b) a luta pela melhoria das condições de trabalho e valorizaçãosocial do profissional da educação;

c) a formação contínua para formar o pesquisador no professor.

Acredita-se, também, que a mobilização dos educadores para re-formular os cursos que formam profissionais de educação pro-picia condições concretas para a crítica e a superação da frag-mentação do conhecimento instalado no curso de Pedagogia, dadicotomia entre a formação pedagógica e a formação específicados cursos de Licenciatura, da descaracterização da Faculdadede Educação como local de formação do profissional de educaçãoe da desqualificação dos cursos de Magistério em nível desegundo grau.

A trajetória reconstituída do movimento de educadores em de-fesa da reformulação dos cursos que formam professores de-monstra a ampliação das bases das reformulação curricularese a maneira de entender a construção do conhecimento sobre a questão em pauta.

A nova perspectiva de revisão curricular representa o divisorde águas entre o modo de saber e saber fazer dominantes noBrasil até meados dos anos 70 e o modo de ser, saber e saberfazer atuais. Em nossos dias, a caminhada se faz em favor dodesenvolvimento do pensamento crítico, histórico, autônomo e construído coletivametne por pessoas que almejam o desatrela-mento das "amarras" para a consecução de um projeto que va-lorize o homem como ser humano, ao mesmo tempo premissae produto da história.

Referênc ias bibl iográf icas

ANFOPE. Estatuto . BOLETIM ANFOPE. Campinas, v.I , n.3,p.32-41, nov. 1991.

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BRZEZINSKI, Iria. A formação do professor para o iníciode escolar ização. Goiânia: Ed. UCG, 1987.

Propos ta de reformulação do Curso deP e d a g o g i a da UCG. Goiânia, 1985. Mimeo.

CONARCFE. Co le tânea de documentos . São Paulo: Coorde-nação Nacional, 1983-1988. Mimeo.

D o c u m e n t o final do IV Encontro Nacional .Belo Horizonte: Comissão Nacional, 1989. Mimeo.

D o c u m e n t o final do V Encontro Nacional .Belo Horizonte: Comissão Nacional, 1989. Mimeo.

MARX, Karl. E l ementos fundamenta les para Ia cr í t i ca deIa economia pol í t ica . México: Siglo Veintiuno, 1986.

SAVIANI, D. Uma estratégia para a reformulação dos cursosde pedagogia e licenciatura; formar o especialista e o professor no educador. In: A FORMAÇÃO do educador. SãoPaulo: ANDE, 1991. p.15.

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