Em 20 Anos Poderemos Determinar Se Há Vida Em Outros Planetas

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brasil.elpais.com “Em 20 anos poderemos determinar se há vida em outros planetas” by Ediciones El País • Aug. 24, 2015 • 5 min read • original Grande parte da carreira científica do astrofísico Mario Livio, ao menos no último quarto de século, está ligada ao telescópio Hubble, que acaba de completar 25 anos em órbita. Mas ele observa que é um cientista teórico, não diretamente envolvido com as observações. “Estou acostumado a dizer que praticamente não sei de que lado do telescópio é preciso olhar”, diz, com ironia, esse cientista que trabalha com equipes de astrônomos observadores e já participou de várias descobertas importantes, como o estudo de longínquas supernovas que levou à detecção da energia escura, além de diversas pesquisas para determinar as propriedades dessa energia. Livio nasceu na Romênia em 1945 e, aos cinco anos, emigrou com a família para Israel. Em seu país de acolhida estudou, se doutorou e trabalhou durante vários anos, até que, em 1991, entrou para o Instituto Científico do Telescópio Espacial, em Baltimore (EUA). Mais ou menos na mesma época, foi descoberto um defeito garrafal no sistema óptico do já famoso telescópio Hubble, que tantas esperanças científicas havia concentrado e sobre o qual, uma vez em órbita, ninguém sabia àquela altura se realmente teria muita serventia. “Houve gente que achasse que eu estava louco... Chegar ao Instituto logo naquela época!", recorda.

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“Em 20 anos poderemosdeterminar se há vida em outrosplanetas”

by Ediciones El País • Aug. 24, 2015 • 5 min read • original

Grande parte da carreira científica do astrofísico Mario Livio, aomenos no último quarto de século, está ligada ao telescópio Hubble,que acaba de completar 25 anos em órbita. Mas ele observa que é umcientista teórico, não diretamente envolvido com as observações.“Estou acostumado a dizer que praticamente não sei de que lado dotelescópio é preciso olhar”, diz, com ironia, esse cientista que trabalhacom equipes de astrônomos observadores e já participou de váriasdescobertas importantes, como o estudo de longínquas supernovasque levou à detecção da energia escura, além de diversas pesquisaspara determinar as propriedades dessa energia.

Livio nasceu na Romênia em 1945 e, aos cinco anos, emigrou com afamília para Israel. Em seu país de acolhida estudou, se doutorou etrabalhou durante vários anos, até que, em 1991, entrou para oInstituto Científico do Telescópio Espacial, em Baltimore (EUA).Mais ou menos na mesma época, foi descoberto um defeito garrafal nosistema óptico do já famoso telescópio Hubble, que tantas esperançascientíficas havia concentrado e sobre o qual, uma vez em órbita,ninguém sabia àquela altura se realmente teria muita serventia.“Houve gente que achasse que eu estava louco... Chegar ao Institutologo naquela época!", recorda.

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Agora, ao olhar para trás, destaca os numerosos feitos acumuladospelo Hubble desde que o problema foi solucionado. E, olhando parafrente, explica as perspectivas que se abrem para a astronomia com osobservatórios espaciais que virão a substituir aquele que já é talvez omais célebre telescópio da história. Entre esses novos aparelhos,encontra-se um de 12 metros de diâmetro, que poderá ser lançado porvolta de 2030.

Livio desempenhou vários cargos no Instituto, inclusive o de diretorcientífico e de responsável pelo seu importantíssimo arquivo, semprereunindo seu trabalho com a pesquisa e divulgação científica. É autorde vários livros, sendo o mais recente deles, Brilliant Blunders(“falhas brilhantes”, de 2013), sobre erros graves cometidos porgrandes figuras da ciência, como Charles Darwin, Lord Kelvin, LinusPauling, Fred Hoyle e Albert Einstein. Livio participou, em Madri, dasjornadas sobre Arte e Ciência organizadas pela rede europeiaInvisíveis (coordenada pela Universidade Autônoma de Madri) e peloMuseu Thyssen.

Estamos planejando um telescópio espacial de 12 metros, osubstituto do ‘Hubble’”

Pergunta. Qual foi a chave do sucesso do Hubble, não só em nívelcientífico, mas também social?

Resposta. O que o Hubble fez, e praticamente nenhum outroinstrumento científico havia feito isso antes, foi provocar a emoçãosocial da descoberta, uma emoção da qual antes só os cientistasdesfrutavam, e que este telescópio levou para dentro da casa daspessoas. As imagens do céu feitas por ele são tão fantásticas quemuitos as tratam quase como obras de arte. Além disso, há o dramaque ele causou no começo: o telescópio começou sendo um grandefracasso por causa do defeito do espelho e depois, com aengenhosidade dos cientistas e dos engenheiros que conceberam a

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solução, mais a valentia dos astronautas que o consertaram no espaço,se tornou um enorme sucesso. É uma mistura de tudo isto: as imagensincríveis, o drama, a emoção...

P. Mudou a percepção das pessoas a respeito da astronomia?

R. Absolutamente. As pessoas sempre foram fascinadas pelo céunoturno, mas agora, com estas imagens de objetos celesteslongínquos, do universo tão distante... São fotos fantásticas, reais. OHubble desempenhou um papel fundamental em alterar a percepçãode nosso lugar no universo. Já há toda uma geração de 25 anos que nãoconheceu o céu sem o Hubble!

Achamos que [o ‘Hubble’] ainda pode funcionar por pelo menos cincoanos.”

P. Falando das fotos: são mesmo tão bonitas as estrelas e galáxiasvistas nas fotos do Hubble, ou são tratadas com cores falsas?

R. O Hubble capta imagens com diferentes filtros. Algumas vezescapta em vermelho, azul e verde, e nesse caso são como fotografiasnormais. Mas outras vezes observa em ultravioleta, que nós nãovemos com nossos olhos, ou em infravermelho. O que fazemos então érepresentar, por exemplo, o ultravioleta em azul ou o infravermelhoem vermelho para poder vê-lo, e a imagem resultante não tem as coresreais do objeto, mas sim todos os detalhes.

P. Que descobertas do Hubble você apontaria como as maisimportantes?

R. São inumeráveis as suas contribuições. Entre as mais importantesestá a descoberta da energia escura, essa energia misteriosa quepermeia todo o espaço e que está acelerando a expansão do universo.Também a composição das atmosferas de planetas ao redor de outrasestrelas... E a determinação, com muita precisão, do valor da

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Constante de Hubble, que nos indica a idade do universo [13,8 bilhõesde anos], o qual agora conhecemos com uma margem de erro deapenas 3%, e que logo vamos reduzir a 2%. O Hubble tambémdemonstrou que há buracos negros supergigantes em quase todas asgaláxias.

P. São descobertas exclusivas do Hubble, ou em colaboração comoutros telescópios?

R. É preciso deixar claro que quase todas as descobertas não sãoexclusividade do Hubble. Frequentemente há indícios obtidos comoutros observatórios em terra, e o telescópio espacial os transformaem provas firmes.

P. Há outros telescópios excelentes. Por que o Hubble é especial?

R. Há observações que nenhum outro pode fazer, dada a alta precisãoque o Hubble oferece, sua resolução, sua acuidade visual. Por exemplo,identificar supernovas em galáxias muito longínquas e determinarseu brilho, descobrindo com isso a aceleração da expansão deuniverso. Isso é algo que só o telescópio espacial pode fazer bem.

O ‘Hubble’ alterou a percepção do nosso lugar no universo”

P. Entretanto, quando você chegou ao Instituto em plena crise, em1991, não se sabia nem sequer se o telescópio espacial serviria paramuita coisa.

R. Ele foi lançado ao espaço em 1990, e eu cheguei em 1991. Até entãonão sabíamos se haveria uma solução, e precisamos esperar até 1993para comprovar que, sim, ele funcionava. Naquele momento parecia,potencialmente, a maior falha da história da ciência, e depois setornou naquele que talvez tenha sido o maior êxito.

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P. E agora já é um instrumento veterano, com 25 anos defuncionamento.

R. Achamos que ele ainda pode funcionar durante pelo menos cincoanos mais, e se em 2020 continuar sendo produtivo cientificamentenão há motivo para que não prossiga.

P. Não está obsoleto?

R. O Hubble foi recondicionado várias vezes, a última em 2009. Assim,é preciso considerar que tem seis anos, não 25. E agora esta com omelhor conjunto de instrumentos que já teve. Temos mais de milsolicitações de tempo de observação por ano, e um comitê muitorigoroso as seleciona. Uma em cada sete propostas é aprovada. Alémdisso, temos um arquivo incrível, ao qual qualquer pessoa pode teracesso de qualquer lugar do mundo.

Há observações que nenhum outro pode fazer, dada a alta precisãooferecida pelo ‘Hubble', sua resolução, sua acuidade visual”

P. Mas já estão construindo o telescópio espacial James Webb, paramuitos o sucessor do Hubble.

R. Cientificamente o James Webb, a ser lançado em 2018, é o sucessor,embora não diretamente, porque é muito diferente. Observaráexclusivamente em infravermelho, ao passo que o Hubble observasobretudo a luz visível. E, enquanto este tem um espelho de 2,4 metrosde diâmetro, o do James Webb tem 6,5 metros, e ele não ficará emórbita baixa, a 560 quilômetros de altura sobre a superfície terrestre,como o Hubble, e sim a 1,5 milhão de quilômetros de distância daTerra. O James Webb será capaz de ver as primeiras galáxias que seformaram no universo, vai nos dizer que planetas extrassolarespodem abrigar água em estado líquido na sua superfície... Mas otelescópio que seria diretamente o sucessor do Hubble é um queestamos propondo agora, o Telescópio Espacial de Alta Definição

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(HDST), que seria lançado em 2030 e teria um espelho de 12 metros dediâmetro, para trabalhar em luz visível e um pouco no ultravioleta eno infravermelho, como o Hubble.

P. O James Webb tem problemas de sérios estouros orçamentários eatrasos.

R. Agora o orçamento e o calendário já foram ajustados. Todos os seuscomponentes foram fabricados e estão sendo integrados. Essetelescópio realmente leva ao limite tecnologias muito complexas, e oHDST as levará mais longe ainda.

P. A NASA também seria o sócio principal do HDST?

R. Sim. Mas antes será lançado outro telescópio que está sendopreparado. A NASA recebeu de presente dos militares dois telescópiossimilares ao Hubble, com espelho de 2,4 metros de diâmetro, que nãoforam lançados ao espaço. Agora um deles está sendo preparado comotelescópio de infravermelho. Será fantástico. Assim, antes serálançado o James Webb, que funcionará por cinco anos ou mais, depoiso novo de infravermelho, e já estamos concebendo o seguinte, o HDST.Pela primeira vez estamos na perspectiva de sermos capazes, empoucas décadas, de determinar se há vida em outros planetas fora doSistema Solar. Para isso precisamos do HDST.

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