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1 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE QUIMICA Programa de Pós-graduação em Química Elizabeth Carmen Pastrana Alta Derivados da cafeína como moderadores do estresse oxidativo provocado por sobrecarga de ferro Versão corrigida da Dissertação/Tese defendida São Paulo Data do Deposito na SPG 20/05/14

Transcript of Elizabeth Carmen Pastrana Alta - teses.usp.br file3 “Que nada nos defina. Que nada nos sujeite....

1

UNIVERSIDADE DE SO PAULO

INSTITUTO DE QUIMICA

Programa de Ps-graduao em Qumica

Elizabeth Carmen Pastrana Alta

Derivados da cafena como moderadores do

estresse oxidativo provocado por sobrecarga de

ferro

Verso corrigida da Dissertao/Tese defendida

So Paulo

Data do Deposito na SPG

20/05/14

Elizabeth Carmen Pastrana Alta

Derivados da cafena como moderadores do estresse

oxidativo provocado por sobrecarga de ferro

Dissertao apresentada ao Instituto

de Qumica da Universidade de So Paulo

para obteno do Ttulo de Mestre em Qumica.

Orientador: Prof. Dr. Breno Pannia Espsito

So Paulo

2014

2

Eu dedico este trabalho que representa uma parte muito importante da minha vida

Aos meus pais Mateo Pastrana e Mercedes Alta pelo amor e compreenso

minha irm Yesenia pelo apoio e amizade incondicional

Ao Prof. Dr. Breno Pannia Espsito, meu orientador,

Pela pacincia e grande dedicao

Obrigada a todos!

3

Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa prpria substncia.

Simone de Beauvoir

4

Agradecimentos

Expresso meus mais sinceros agradecimentos ao professor Breno por acreditar em mim e,

talvez at mesmo sem saber, pela confiana, compreenso e pelo prazer inestimvel de

trabalhar com uma pessoa to ntegra e dedicada, no fazendo distino entre seus alunos

nos diversos nveis acadmicos em que se encontram.

Pelo apoio financeiro e administrativo, agradeo, respectivamente, ao Conselho Nacional

de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq) e ao Instituto de Qumica da

Universidade de So Paulo.

Aos meus colegas do Laboratrio de Bioinorgnica Ambiental e Metalofrmacos pelo

companheirismo e por toda ajuda sempre prestada que contriburam para a realizao

desta dissertao, alm de meu aprimoramento profissional.

Pela amizade fraternal, agradeo a meus amigos e amigas no Per por me apoiarem

incondicionalmente nos momentos de felicidade, dificuldade e pelos momentos

maravilhosos de descontrao.

Profa. Dra. Maria Teresa Machini do laboratrio de Qumica de Peptdeos que me

permitiu usar os equipamentos no processo de purificao. Ao Prof. Dr. Maurcio da Silva

Baptista e a suas alunas do Laboratrio de Processos Fotoinduzidos e Interfaces (LPFI)

pela doao das clulas e a ajuda prestada. Profa. Dra. Cassiana Seimi Nomura pelas

anlises de absoro atmica. Profa. Dra. Paola Corio pelas anlises de espectroscopia

Raman. Profa. Dra. Liane Marcia Rossi que me permitiu usar os equipamentos de seu

laboratrio.

Profa. Dra. Ana Maria da Costa Ferreira e Prof. Dr. Gianluca Camillo Azzellini pelas

sugestes e crticas ao meu trabalho. Profa. Dra. Vera L. Constantino e Profa. Denise de

Oliveira pelas aulas to valiosas.

Secretaria de Ps-graduao (IQ-USP) em especial Cibele e ao Marcelo pela assistncia

e eficincia na entrega dos documentos requeridos.

Em especial, agradeo minha famlia; minha irm Yesi por me apoiar e incentivar do

jeito dela; a meus pais Mateo e Mercedes por seu amor e suporte emocional na minha vida

inteira.

Um muito obrigado do fundo do corao!

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RESUMO

Alta, Elizabeth Carmen Pastrana. Derivados da cafena como moderadores do estresse oxidativo

provocado por sobrecarga de ferro. 2014. 120p. Dissertao (Mestrado) Programa de Ps-

graduao em Qumica. Instituto de Qumica, Universidade de So Paulo, So Paulo.

O ferro um elemento qumico abundante e importante para os organismos. No ser humano, as

reaes redox do ferro so essenciais para a grande maioria das suas funes enzimticas, mas fora

dos compartimentos bioqumicos adequados pode se tornar uma toxina potencial para o organismo,

j que pode catalisar a formao de espcies reativas de oxignio (ROS). A sobrecarga de ferro

pode se dar no sistema nervoso central. Vrias evidncias indicam que o estresse oxidativo um

dos fatores determinantes nas doenas neurodegenerativas como a Doena de Alzheimer (AD). AD

caracterizada pela acumulao de agregados insolveis de protena -amilide (A). Tem-se

evidncia de que o Fe participaria ativamente no processo de agregao de As e como gerador de

radicais livres. A terapia de quelao um tratamento convencional na sobrecarga do metal usando

ligantes como a desferrioxamina (DFO). A cafena por outro lado uma xantina com atividade

antioxidante. Estudos em modelos animais de AD indicam que a cafena pode diminuir a produo

de placas amilides, bem como melhoria de aprendizagem e memria. Neste trabalho se sintetizou

um ligante para o Fe baseado na DFO, a desferrioxamina-cafena (DFCAF), que poderia ajudar a

manter a homeostase normal do ferro cerebral. O DFCAF foi caracterizado por anlise elementar,

termogravimetria e mtodos espectroscpicos (RMN, IR, Raman e UV/Vis). Foram avaliadas as

propriedades de ligao do DFCAF com ons metlicos (Fe(III), Cu(II) e Mn(II)), onde a

estequiometria metal:ligante sempre se manteve em 1:1. A atividade antioxidante do DFCAF foi

avaliada frente ao sistema ferro/ascorbato, pelo mtodo ORAC modificado, e por reduo do radical

DPPH. O DFCAF mostrou uma elevada afinidade por ferro em condies fisiolgicas. Nos modelos

pr-oxidantes dependentes de ferro, o DFCAF apresentou atividade antioxidante idntica do DFO.

Tanto o ligante DFCAF livre quanto o complexo Fe(DFCAF) apresentaram permeabilidade em

clulas HeLa, ao contrrio do que se observou para DFO ou Fe(DFO). Foi possvel observar que a

6

conjugao da cafena ao DFO produziu uma molcula nova, que preserva tanto as caractersticas

de ligao do DFO quanto a estrutura da cafena. Alm disso, a presena de cafena auxilia na

permeabilidade celular de DFCAF, o que pode tambm ser um acrscimo de funo na terapia de

AD.

Palavras-chave: ferro, desferrioxamina, cafena, Alzheimer, antioxidante, fluorescncia

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ABSTRACT

Alta, Elizabeth Carmen Pastrana. Caffeine derivatives as moderators of oxidative stress

induced by iron overload. 2014. 120 p. Master Thesis Graduate Program in Chemistry.

Institute of Chemistry, University of So Paulo, So Paulo.

Iron is an abundant and important chemical element for organisms. In human beings, redox

reactions of iron are essential to the vast majority of their enzymatic functions. However, outside

suited biochemical compartments, iron may behave as a toxin, since it may catalyze the formation

of reactive oxygen species (ROS). Iron overload may affect the central nervous system. Several

evidences point to the role of iron in neurodegenerative conditions such as Alzheimer Disease

(AD). AD is characterized by the accumulation of insoluble aggregates of the -amiloid protein

(A), and iron may both actively induce the aggregation of A and generate free radicals. Chelation

therapy is the frontline treatment for iron overload, employing ligands such as desferrioxamine

(DFO). Caffeine is a xanthine with antioxidant activity. Studies with animal models of AD indicate

that caffeine may decrease the rate of formation of A, as well as improve learning and memory. In

this work, a ligand was synthesized incorporating the chelator moiety of DFO and the caffeine

environment (DFCAF), which could help to maintain normal cerebral iron homeostasis. DFCAF

was characterized by elemental analysis, thermal analysis and spectroscopic techniques. Binding of

DFCAF with metal ions (Fe(III), Cu(II) and Mn(II)) occurred with a 1:1 metal:ligand stoichiometry.

Antioxidant activity of DFCAF was assayed in the iron/ascorbate system, modified ORAC and

reduction of DPPH radical. Whenever oxidation was iron-dependent, DFCAF displayed identical

antioxidant activity as the parent DFO. Both free DFCAF and Fe(DFCAF) were permeable to HeLa

cells, as opposed to the observed by DFO or Fe(DFO). It was possible to show that conjugation of

caffeine to DFO lead to a new molecule which preserves both DFO binding properties and caffeine

structure. The presence of the xanthine environment in DFCAF assists on its cell permeability,

which can be of interest as an adjuvant on the therapy of AD.

Keywords: iron, desferrioxamine, caffeine, Alzheimer, antioxidant, fluorescence

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Distribuio de ferro no corpo humano adulto.

Figura 2. Representao esquemtica dos fatores que afetam o equilbrio delicado entre a

acumulao e a deficincia de metal.

Figura 3. Quelantes de uso clnico para o tratamento de sobrecarga de Fe.

Figura 4. Distribuio de ferro no crebro humano. GP: globus pallidus, SN: substncia negra, IPN:

ncleo inter-peduncular, TH: tlamo, DG: giro dentado, RH: ncleo vermelho, CC: crtex cerebral,

HIPP: hipocampo, CER: cerebelo, FC: crtex frontal.

Figura 5. Homeostase de ferro no crebro.

Figura 6. Sinais patolgicos da AD. Deposio de A em PS e agregados de PHF da protena

Figura 7. Esquema da gerao de espcies A e seu envolvimento com ons metlicos em AD.

Figura 8. Representao esquemtica da energia da fibrilao de A. A formao de placas senis

um processo termodinamicamente favorvel.

Figura 9. Um via proposta para a formao de espcies reativas de oxignio (ROS) por espcies

ativas redox metal-A.

Figura 10. Metal-homeostase nos neurnios.

Figura 11. Molcula de cafena.

Figura 12. Diagrama de produo, homeostase e controle por cafena do peptdeo A no crebro.

Figura 13. O tratamento com cafena reduz a deposio presente de A insolvel em ratos

transgnicos (Tg). Em cima: fotomicrografia (escala = 50 m), abaixo: reduo de A.

Figura 14. Reduo de A devido administrao de cafena em ratos transgnicos em longo prazo.

* p < 0,05, **p < 0,001%.

Figura 15. Tratamento com cafena induzi uma diminuio rpida e substancial de A no plasma.

*p < 0,05-0,01.

Figura 16. Ratos transgnicos (APPsw e APP+PS1) tratados por via oral com cafena. **p

9

Figura 20. Ingresso da cafena por a BBB a traves dos receptores da adenosina 2A.

Figura 21. Ingresso da cafena por difuso passiva.

Figura 22. Reao de acoplamento desferrioxamina-cafena.

Figura 23. Montagem experimental para a sntese de DFCAF.

Figura 24. Aparelho digital de temperatura de fuso.

Figura 25. Princpio de funcionamento do mtodo de deteco de espcies reativas formadas pela

presena de ferro. A adio de um pr-oxidante (cido ascrbico) inicia a produo de EROs

catalisada pelo Fe3+ presente na amostra, convertendo a sonda no-fluorescente DHR sua forma

fluorescente (a). Curvas cinticas de fluorescncia so obtidas para diversas concentraes de Fe; a

partir dessas curvas, determinam-se seus coeficientes angulares (m), que correspondem taxa de

fluorescncia para uma dada concentrao de Fe (b). A taxa de fluorescncia linearmente

dependente da concentrao de Fe, podendo ser usada para quantificar a concentrao do metal na

amostra desejada (c).

Figura 26. Distribuio dos ensaios de permeabilidade dos quelantes. Foram estabelecidos dois

controles: ausncia de ferro (branco 1) e ausncia de quelante (branco 2).

Figura 27. Distribuio das clulas HeLa (2.5x104 clulas/poos) na microplaca de 6 poos.

Figura 28. Aparncia fsica do DFCAF. a) Bruto e b) purificado.

Figura 29. Cafena e seus metablitos.

Figura 30. DFCAF bruto (impuro): a1) cromatograma, a2) espectro de ons, b) espectro de massas

do primeiro pico e c) espectro de massas do segundo pico.

Figura 31. DFCAF purificado: a1) espectro cromatogrfico, a2) espectro de ons, b) espectro de

massas do pico nos minutos 13,7-15,3.

Figura 32. Molcula DFCAF.

Figura 33. Diagrama de anlise trmica do produto DFCAF.

Figura 34. Diagrama de anlise trmica da T7A.

Figura 35. Diagrama de anlise trmica do DFO.

Figura 36. Diagrama de anlise trmica da mistura fsica entre DFO e T7A.

Figura 37. Perfis termogravimtricos comparativos do DFO, T7A, DFCAF e mistura fsica.

Figura 38. Espectro de infravermelho em KBr de mesilato de desferrioxamina (DFO), T7A, DFCAF

e a mistura de DFO e T7A (1:1).

Figura 39. Espectro Raman da desferrioxamina (DFO), T7A e DFCAF.

Figura 40. Espectros eletrnicos UV/Vis.

10

Figura 41. Espectro 1H RMN do DFCAF.

Figura 42. Supresso e recuperao da fluorescncia.

Figura 43. Recuperao de fluorescncia (%) em funo da concentrao de DFCAF.

Figura 44. Espectros eletrnicos do complexo Fe(DFCAF) a vrias razes molares.

Figura 45. Diagrama de Job para o complexo Fe(DFCAF).

Figura 46. Espectros eletrnicos do complexo Fe(DFO) a vrias razes molares.

Figura 47. Diagrama de Job para o complexo Fe(DFO).

Figura 48. Espectro eletrnico de Fe(DFCAF) e Fe(DFO).

Figura 49. Espectro eletrnico de Cu(DFCAF) e Cu(DFO).

Figura 50. Espectro eletrnico de Mn(DFCAF) e Mn(DFO).

Figura51. Capacidade anti-oxidante de diversas substncias (18 M) no sistema

Fe(NTA)/ascorbato.

Figura 52. Capacidade antioxidante atravs do ensaio com DHR da cafena, Deferiprona, DFO e

DFCAF. Fe(NTA) = 2 M.

Figura 53. Princpio do mtodo ORAC modificado.

Figura 54. Atividade antioxidante do cido ascrbico em DMSO.

Figura 55. Atividade antioxidante para o BHT em DMSO.

Figura 56. Atividade antioxidante para o trolox em DMSO.

Figura 57. Atividade antioxidante para a cafena em DMSO.

Figura 58. Atividade antioxidante para o DFO em DMSO.

Figura 59. Atividade antioxidante para o DFCAF em DMSO.

Figura 60. Estrutura do DPPH.

Figura 61. Espectro eletrnico do DPPH (0,07 mM em metanol).

Figura 62. Capacidade antioxidante usando DPPH. Solues em DMSO.

Figura 63. Microscopia de fluorescncia das clulas HeLa. a) clulas tratadas apenas com cal-AM,

b) clulas tratadas com cal-AM e sobrecarregadas com Fe, c) clulas tratadas com cal-AM,

sobrecarga de Fe e com DFO, d) clulas tratadas com cal-AM, sobrecarga de Fe e com DFCAF.

Figura 64. Distribuio de densidade luminosa para clulas tratadas apenas com calcena-AM

(Branco 1).

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Figura 65. Distribuio de densidade luminosa para clulas tratadas com calcena-AM e so-

brecarregadas com Fe (Branco 2).

Figura 66. Distribuio de densidade luminosa para clulas tratadas com calcena-AM, sobre-

carregadas com Fe e tratadas com DFO.

Figura 67. Distribuio de densidade luminosa para clulas tratadas com calcena-AM, sobre-

carregadas com Fe e com tratadas DFCAF.

Figura 68. Concentrao de Fe nas clulas HeLa tratadas com diferentes complexos de ferro.

12

LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Protenas de transporte envolvidas e Fe armazenamento no crebro.

Tabela 2. Reagentes e solventes.

Tabela 3. Testes de solubilidade do DFCAF (1 g/1 mL).

Tabela 4. Proporo metal-ligante, razo molar e nmero de mols totais.

Tabela 5. Polaridade dos solventes.

Tabela 6. Massa molecular terica e experimental do DFCAF e seus fragmentos.

Tabela 7: Anlise elementar dos produtos E02 e E03.

Tabela 8: Composio elementar terica dos precursores DFO e T7A.

Tabela 9: Temperaturas de fuso (C).

Tabela 10: Eventos de termodecomposio (C). Entre parnteses: % de perda de massa

Tabela 11: Atribuio das bandas de infravermelho (valores em cm-1). Nmeros em destaque com

formatos iguais representam as mesmas bandas nos diferentes compostos. : estiramento; :

deformao.

Tabela 12: Atribuio das bandas de Raman (valores em cm-1). : estiramento, : deformao e :

balano.

Tabela 13. Deslocamentos qumicos do espectro 1H RMN do DFCAF.

Tabela 14. Absorbncia de Fe(DFCAF) a = 430 nm.

Tabela 15. Absorbncia de Fe(DFO) a = 430 nm.

Tabela 16. xc para cada tratamento.

13

SUMRIO

1. INTRODUO 16

1.1. Ferro 16

1.2. Toxicidade do Ferro 18

1.3. Sobrecarga de Ferro 20

1.3.1. Sobrecarga no sistema nervoso central 20

1.3.2. Tratamento por quelao 21

1.4. Ferro no crebro 22

1.4.1. Homeostase de ferro 23

1.5. Doena de Alzheimer e o Ferro 24

1.6. O papel da cafena na terapia de DA 28

2. OBJETIVOS 38

3. MATERIAIS E MTODOS 39

3.1. Reagentes, solventes e tampes 39

3.2. Sntese do ligante desferrioxamina-cafena (DFCAF) 41

3.3. Purificao do ligante desferrioxamina-cafena (DFCAF) 42

3.4. Caracterizao do ligante DFCAF 45

3.5. Propriedades do ligante DFCAF 48

3.6. Estudo da permeabilidade de DFCAF em clulas HeLa 53

4. RESULTADOS E DISCUSSES 57

4.1. Sntese do ligante desferrioxamina-cafena (DFCAF) 57

4.2. Purificao do ligante desferrioxamina-cafena (DFCAF) 58

4.3. Caracterizao do ligante DFCAF 62

4.4. Propriedades do ligante DFCAF 78

4.5. Estudo da permeabilidade de DFCAF em clulas HeLa 98

5. CONCLUSES 105

6. BIBLIOGRAFIA 107

SMULA CURRICULAR 119

14

1) INTRODUO

Uma grande quantidade dos elementos da Tabela peridica consiste de metais. Estes so

ubquos no ambiente terrestre, estando presentes no ar, solo e guas. Dessa forma, esto presentes

tambm nos organismos vivos, sendo alguns metais essenciais para a sobrevivncia e bom

funcionamento do ser humano como, por exemplo, sdio, clcio, ferro, mangans, entre outros.

Entretanto, sobrecargas desses elementos normalmente no so bem toleradas pelo organismo.

1.1 Ferro

O metal de transio de ferro (Fe) o elemento 26 da Tabela peridica e o quarto elemento

mais abundante na crosta aps Si, O e Al. Representa 5,1% da sua massa total, sendo seu contedo

no solo 3,8%. A maioria do ferro est presente em estruturas cristalinas de vrios minerais (xidos,

carbonatos, sulfetos, silicatos, etc.) [1].

O ferro apresenta como mximo estado de oxidao +6, mas apenas os estados +2 e +3 so

comuns em sistemas biolgicos [2]. As funes biolgicas do ferro baseiam-se nas suas

propriedades qumicas, tais como a sua capacidade para formar uma variedade de compostos de

coordenao com ligantes orgnicos em forma dinmica e flexvel, e o seu potencial redox

favorvel para mudar entre os estados ferroso Fe2+

e frrico Fe3+

(+772 mV a um pH neutro) [3]. A

biodisponibilidade do ferro geralmente limitada, pois sob condies aerbicas, o Fe2+

facilmente

oxidado a Fe3+

o qual praticamente insolvel a um pH fisiolgico ([Fe3+

] = 10-18

M) [3].

Um ser humano contm cerca de 3-5 g de ferro (45-55mg/kg da massa de mulher e homem

adulto, respectivamente), e sua distribuio mostrada na Figura 1. A maior parte do ferro (~ 60-

70%) utilizada na hemoglobina [4-5]

Outros rgos ricos em ferro so o fgado e os msculos. Aproximadamente 20-30% de

ferro no corpo armazenado em hepatcitos e macrfagos, em grande parte dentro de ferritina e seu

produto degradado hemosiderina. O ferro corporal restante fica principalmente na mioglobina,

15

citocromos e enzimas. Um indivduo saudvel consome 1-2 mg de ferro por dia, que compensa a

perda no-especfica de ferro como descamao, leses, sangramentos acidentais, etc. [3]

Figura 1. Distribuio de ferro no corpo humano adulto [3]

Os vertebrados dispem de uma protena transportadora de ferro chamada transferrina (Tf).

Nos humanos normais (no sobrecarregados com ferro), 30% de Tf circulatria encontra-se

tipicamente carregada com ferro, sendo portanto um importante sistema tamponante contra a

sobrecarga do metal. O corpo humano no tem um sistema excretor de ferro, portanto os nveis de

ferro so controlados na absoro, e as perdas ocorrem como sangramentos, descamao da pele,

menstruao e sudorese. Portanto, h um equilbrio delicado que deve ser mantida para evitar

deficincias ou excessos do metal (Figura 2) [6].

Figura 2. Representao esquemtica dos fatores que afetam o equilbrio delicado entre a acumulao e a

deficincia de metal [7].

16

1.2 Toxicidade do ferro

As reaes redox do ferro so essenciais para a grande maioria das suas funes

enzimticas, entretanto essas mesmas propriedades so as que podem tornar o ferro livre (fora dos

compartimentos bioqumicos adequados) uma toxina potencial para o organismo. por essa razo

que, enquanto em circulao, o ferro encontra-se firmemente associado transferrina (Tf), o que

entre outras coisas diminui a possibilidade de que o metal participe em reaes redox esprias [8].

No ambiente celular as espcies de Fe2+

e Fe3+

formam compostos de coordenao com um

grande nmero de ligantes. Os complexos de ferro mostram uma variedade de potenciais de

reduo, esta propriedade determinada por um conceito bsico em qumica de coordenao que

afirma que o ligante altera a nuvem de eltrons em torno do metal, o que por sua vez modifica seu

potencial de reduo. Esta propriedade permite o ajuste fino entre o potencial de reduo do ferro e

do processo de transferncia de eltrons que ele catalisa [2].

O ferro um produtor intrnseco de espcies reativas de oxignio (ROS). Quando um ou

mais dos seis stios de coordenao no est fortemente ligado, o ferro pode participar em reaes

de troca de eltrons com o potencial de produo de radicais livres [9]. De fato, a toxicidade do

ferro resultado dessa capacidade de troca de eltrons combinada com o ambiente intracelular

redutor e com a presena de oxignio [2].

As reaes (1) e (2) so conhecidas como reaes de Haber-Weiss, e a reao 3 conhecida

como reao de Fenton. As reaes 2 e 3 tm um valor de G bem negativo e podem, assim,

conduzir a reao 1 para a produo do nion superxido [2].

2 Fe2+

+ 2 O2 2 Fe3+

+ 2 O2 E0: -0.26V; G = +25,1 kJ/mol (1)

2 O2 + 2 H

+ 2 H2O2 + O2 E0: +0.89V; G = -85,9 kJ/mol (2)

Fe2+

+ H2O2 Fe3+

+ OH + OH E0: +0.28V; G = -27,0 kJ/mol (3)

A soma estequiomtrica de reaes 1-3 d a reao vivel 4 devido ao potencial G

favorvel:

17

3 Fe2+

+ O2 + 2H+ 3 Fe

3+ + OH

+ OH E0: +0.91V; G = -87,6 kJ/mol (4)

O meio intracelular fornece poder redutor na forma de ascorbato e glutationa reduzida

(GSH), para regenerar o estado ferroso e formar o dissulfeto de glutationa (GSSG):

2 Fe3+

+ 2GSH 2 Fe2+

+ GSSG + 2H+ ; G = -61,7 kJ/mol (5)

A soma estequiomtrica das reaes 1-5 resulta a reao 6:

2 GSH + O2 Fe2+ / Fe3+ GSSG + OH + OH ; G = -113,7 kJ/mol (6)

Num ambiente redutor e na presena de O2 como o meio intracelular, o ferro promove a

produo de radicais hidroxilas, em detrimento do consumo de GSH. A relevncia de reao 6

acentuada pela considerao de que em condies normais o citoplasma tem concentraes

milimolares de GSH e concentraes micromolares de ferro reativo [10-11].

Neste meio, o ferro redox-ativo tambm catalisa a gerao de espcies reativas orgnicas tais

como peroxila (ROO) alcoxila (RO), tiola (RS) ou tioperoxila (RSOO) [3].

Fe2+

+ ROOH Fe3+

+ OH + RO (7)

Fe3+

+ ROOH Fe2+

+ H+ + ROO (8)

RSH + OH RS + H2O (9)

RSH + ROO RS + ROOH (10)

RS + O2 ROO (11)

Curiosamente, o ferro heme pode catalisar a formao de radicais, principalmente atravs da

formao do intermedirio oxoferrila [12].

Hemo-Fe(II)-O2 + H2O2 Hemo-Fe(IV)-OH + O2 + OH (12)

Hemo-Fe(IV)-OH + ROOH Hemo-Fe(III) + ROO + H2O2 (13)

Finalmente, o on ferroso pode tambm contribuir para a produo de radicais livres por

interao direta com o oxignio, formando as espcies ferrila (Fe2+

-O) ou perferrila (Fe2+

-O2). Tem

sido proposto que, quando [O2] / [H2O2] > 100, estas reaes so uma importante fonte de gerao

de radicais livres in vivo [13].

Fe(II) + H2O2 Fe(II)-O + H2O (14)

18

Fe(II) + O2 [ Fe(II)-O2 Fe(III)-O2 ] Fe(III) + O2

(15)

Os radicais livres so altamente reativos e podem promover a oxidao de protenas,

peroxidao de lipdios de membrana e modificao de cidos nucleicos. O excesso de ferro redox-

ativo agrava o estresse oxidativo e acelera a degenerao do tecido [3]. Com o envelhecimento e

em condies de sobrecarga, a concentrao de ferro redox-ativo aumenta na clula [14-15] e por

sua vez, aumenta a concentrao de radicais hidroxila, que um oxidante perigoso [2].

1.3 Sobrecarga de ferro

Na sobrecarga de ferro, o corpo tem mais ferro do que o necessrio para a operao normal.

Aqui aparecem os reservatrios plasmticos ou citosslicos de ferro livre. Os primeiros so

conhecidos como NTBI (Non-transferrin-bound iron; Ferro no-ligado transferrina), e so o

resultado de enfermidades (como a talassemia ou a hemocromatose hereditria), ou de um regime

longo de transfuses. A composio qumica desses reservatrios indefinida, envolvendo espcies

monomricas ou oligomricas de Fe com albumina, citrato, aminocidos ou outros ligantes sricos

[6].

A sobrecarga de ferro diagnosticada quando a Tf est saturada com > 45% e/ou os nveis

de ferritina plasmtica so > 300 ng/mL. O ferro em excesso depositado principalmente em

tecidos como o fgado, corao ou crebro, podendo originar a formao do ROS. Tambm nveis

altos de NTBI podem causar septicemia [6].

1.3.1 Sobrecarga no sistema nervoso central

Vrios distrbios neurodegenerativos tm sido associados com a regulao do metabolismo

do ferro no sistema nervoso central (SNC) [16]. Altas concentraes foram encontradas nos

crebros de pacientes com as caractersticas de doenas como Alzheimer e Parkinson. Nestas

condies, o estresse oxidativo induzido pelo ferro, combinado com fraca capacidade antioxidante,

19

promove a morte neuronal e neurodegenerao. No entanto, ainda controverso se o extenso

acmulo de ferro cerebral o evento patolgico inicial, ou um efeito colateral [3].

1.3.2 Tratamento por quelao

No tratamento de sobrecarga de Fe usual a flebotomia e a terapia de quelao. Na terapia

de quelao se precisa que um quelante seja fornecido por via intravenosa (desferrrioxamina) ou

oral (deferiprona, deferasirox) (Figura 3) com a inteno de mobilizar o Fe dos reservatrios para

lograr sua excreo. importante mencionar que a deferiprona e o deferasirox so permeveis s

clulas, mas a desferrioxamina no [6].

Figura 3. Quelantes de uso clnico para o tratamento de sobrecarga de Fe [6].

Uma parte do ferro que pertence ao NTBI redox-ativa, chamada LPI (Labile Plasma Iron;

Ferro Lbil Plasmtico), a qual deve ser o alvo de qualquer tipo de terapia de remoo do excesso

do metal [6].

As estratgias de quelao para o tratamento de doenas neurodegenerativas esto em

crescimento contnuo. O uso de agentes quelantes para remover os metais livres que esto presentes

em excesso no crebro ou que perturbam a homeostase muito promissor e uma escolha bem

fundamentada. Esta terapia poderia ser bem sucedida para algumas doenas, onde o acmulo de

metal restrito a alguns tecidos ou organelas. O projeto de novas e eficazes molculas no txicas e

quelantes uma tarefa muito difcil com uma srie de requisitos especficos que devem ser

atendidos para ser candidatos a frmacos [17].

20

1.4 Ferro no crebro

O ferro o metal de transio mais abundante do crebro, sendo, como visto, uma toxina

potencial. Apesar do crebro corresponde a apenas 2% da massa corprea, consome 25% do

oxignio. Sendo o ferro necessrio para o transporte (hemoglobina) e armazenamento (mioglobina)

do oxignio, natural que o crebro use muito esse metal [18].

Figura 4. Distribuio de ferro no crebro humano. GP: globus pallidus, SN: substncia negra, IPN: ncleo

interpeduncular, TH: tlamo, DG: giro dentado, RH: ncleo vermelho, CC: crtex cerebral, HIPP: hipocampo,

CER: cerebelo, FC: crtex frontal [18].

O ferro um elemento importante na maioria dos tipos de clulas do crebro (Tabela 1) e

um cofator importante para muitas protenas envolvidas no funcionamento normal dos tecidos

neuronais as quais por sua vez esto envolvidas na sntese de mielina e dos neurotransmissores

dopamina, norepinefrina e serotonina [19].

No SNC existem mecanismos especficos para a interiorizao, transporte e depsito em que

participam diversas protenas, alguns exclusivos para esse sistema e outros tambm presentes em

vrios compartimentos do corpo [18].

21

Tabela 1. Protenas de transporte envolvidas e Fe armazenamento no crebro [18].

Protena Funo Distrbio associado

Melanotransferrina Transporte D. Alzheimer, melanoma

Lactoferrina Transporte

Antioxidante

D. Alzheimer

D. Parkinson

Ferroportina Transporte Hemocromatose hereditria

Anemia

Hepcidina Regula a transio de

ferroportina

Sobrecarga de Fe

Hipoferremia

DMT1 Transporte Anemia

Hemocromatose

Transferrina (Tf) Transporte Aumento de mortalidade

Receptor Tf Transporte

Importador

Hemocromatose

Ceruloplasmina Antioxidante

Pro-oxidante

Aceruloplasminemia

Degenerao neuronal

Ferritina Armazenamento Hemocromatose

Neuromelanina Armazenamento

Antioxidante

Pr-oxidante

D. Alzheimer

D. Parkinson

Heme oxigenase 1 Depsito de Fe

Antioxidante

Pr-oxidante

Resposta inflamatria

1.4.1 Homeostase de ferro

A via de absoro de ferro comea no intestino, onde o Fe3+

reduzido a Fe2+

e, em seguida,

transportado para o sangue atravs da ferroportina (FPN). No sangue a ceruloplasmina (Cp) oxida

Fe2+

a Fe3+

e promove a sua ligao ao transportador de ferro, transferrina (Tf) [20]. Para

internalizar no crebro, o ferro precisa cruzar duas barreiras diferentes, a barreira hemato-enceflica

(BBB) e o lquido cefalorraquidiano (BCSF). O caminho de entrada mais comum de ferro atravs

da BBB mediante os receptores de transferrina expressados nas clulas endoteliais. O ferro ligado

transferrina capturado pelo receptor de transferrina (TfR), que entra na clula por endocitose e

depois translocado atravs da membrana endossmica, provavelmente atravs do transportador de

metal bivalente 1 (DMT1) [19]. Em adio via Tf-TfR, tem sido sugerido a via do receptor

22

lactotransferrin-lactotransferrin (LfR-Lf) que pode participar no transporte de Fe atravs da BBB.

O Fe2+

no citoplasma tambm pode ser transportado para a mitocndria pela mitoferrina, ou

participar de reaes de troca de eltrons [21]. A Figura 5 resume as vias de absoro de Fe no

crebro.

Figura 5. Homeostase de ferro no crebro [19].

A disomeostase de ons metlicos um cofator reconhecido em vrias enfermidades

neurodegenerativas, especialmente no caso de ons metlicos endgenos como o ferro e outros [22-

23].

1.5 Doena de Alzheimer e o Ferro

A doena de Alzheimer (AD) a causa mais comum de neurodegenerao relacionada com

a idade e caracterizada por perda progressiva de memria, linguagem e reconhecimento de

pessoas e objetos [24]. Pode-se observar a massa reduzida em regies do hipocampo e no crtex, e

aumento ventricular ao longo da doena [25] (Figura 6). A AD caracterizada pela presena das

placas senis (PS) e de emaranhados neurofibrilares (EN), formados pela acumulao de agregados

23

de protena -amilide (A) e compostos precipitados/agregados devido hiperfosforilao (PHF)

da protena tau [19].

Figura 6. Sinais patolgicos da AD. Deposio de A em PS e agregados de PHF da protena [7].

O peptdeo A monomrico constitudo por 39-43 aminocidos e produzido pela diviso

da protena precursora de amilide (APP), por -secretase e -secretase (Figura 7). As duas

principais formas de peptdeos A encontrados em crebros de pacientes com AD so A1-40 e A1-

42, sendo A1-42 o componente predominante em placas senis e considerado mais txico do que A1-

40 [26]. As espcies A monomricas tm a capacidade de se agregar, principalmente, por meio de

interaes hidrofbicas e se acha que podem reconhecer os locais de ligao no peptdeo para a

agregao com outras espcies A. A interao contnua de monmeros A e oligmeros A com

espcies agregadas podem levar a estruturas de ordem maior e mais estveis atravs de interaes

hidrofbicas e pontes de hidrognio (Figura 8) [25].

24

Figura 7. Esquema da gerao de espcies A e seu envolvimento com ons metlicos em AD [25].

Figura 8 Representao esquemtica da energia da fibrilao de A. A formao de placas senis um

processo termodinamicamente favorvel [17].

Vrias evidncias indicam que o estresse oxidativo um dos fatores determinantes na

neurodegenerao [27]. Tal estresse, nos neurnios, produzido pela gerao de radicais livres

atravs de processos oxidativos e/ou por espcies reativas provenientes do ambiente ou da dieta. A

importncia do estresse oxidativo no desenvolvimento de AD se evidencia atravs de estudos

epidemiolgicos que demonstram que indivduos com hemocromatose hereditria (uma patologia

do transporte de ferro, que leva ao acmulo desse metal) apresentam nveis significativamente

superiores de AD em comparao com indivduos normais. Deve-se destacar que o dano oxidativo

se localiza naqueles stios onde h EN ou PS presentes [28].

25

Com o passar dos anos, acumula-se o efeito das espcies reativas de oxignio (ROS), s

quais o sistema nervoso central (SNC) parece ser especialmente vulnervel. Vrios fatores

contribuem a tal suscetibilidade, como os nveis naturalmente baixos de glutationa dos neurnios,

os elevados nveis de cidos graxos poli-insaturados nas membranas e finalmente o aumento

relativo da demanda de oxignio pelo crebro, devido s suas elevadas necessidades metablicas

[29].

Encontraram-se nas placas amilides altas concentraes de metais de transio, tais como

Cu, Zn e Fe ([Fe] = 900 M). Esta observao poder explicar a ausncia de homeostase do on

metlico no crebro de um paciente com AD [25]. A neurotoxicidade associada com o estresse

oxidativo. Vrios estudos relacionam de dois modos a neurotoxicidade das espcies metal-A:

facilitao da agregao de A e a induo do estresse oxidativo por meio da gerao de ROS, que

conduz morte de neurnios e deficincias cognitivas. Os ons metlicos Cu(I/II) e Fe(II/III) so

redox-ativos e podem sofrer ciclos redox em presena de A e oxignio (O2) produzindo ROS

(Figura 9) [25].

Figura 9. Um via proposta para a formao de espcies reativas de oxignio (ROS) por espcies ativas redox metal-

A [25].

A compreenso da AD complicada devido aos mecanismos de transporte que causam

redistribuio do metal em compartimentos inadequados, levando neurodegenerao. O ferro em

pessoas saudveis importado pelo receptor de transferrina e DMT1 atravs de endocitose e

26

exportados atravs da ferroportina. A APP uma ferroxidase que necessria para a liberao de

ferro dos neurnios e a protena tau est envolvida no trfego de APP para a superfcie neuronal.

Em pacientes com AD, a protena tau est hiperfosforilada e APP inibida conduzindo assim a

acumulao de ferro nos neurnios (Figura 10) [24].

Figura 10. Metal-homeostase nos neurnios [24].

1.6 O papel da cafena na terapia de AD

A cafena um alcalide derivado da purina 1,3,7-trimetilxantina, cujos metablitos so a

para-xantina (81,5%), a teobromina (10,8%) e a teofilina (5,4%) (Figura 11) [30]. A interao

coordenativa da cafena com ons metlicos em princpio pode se dar atravs dos tomos de

nitrognio e oxignio (provavelmente O2 e O6) [31], embora ela forme complexos muito pouco

estveis com metais em geral, e com ferro(III) em particular [32].

27

Figura 11. Molcula de cafena

A cafena tem a capacidade de aumentar o estado de alerta e excitao que envolve

principalmente o antagonismo dos receptores de adenosina no SNC. A cafena rpida e

completamente absorvida via oral atravs do trato gastrintestinal, sendo os nveis de cafena no

sangue rapidamente equilibrados com os nveis de cafena em tecidos cerebrais, porque a cafena

atravessa a BBB sem impedimentos [33].

A possvel relao entre a cafena e a bioqumica de A apresentada na Figura 12. Quando

o A produzido, imediatamente entra em um equilbrio dinmico entre peptdeos solveis e

insolveis (placas) no crebro, alm de se dar a liberao de A para o plasma (Figura 12A). Em

ratos transgnicos (APPsw), acredita-se que a cafena possa diminuir a produo de A devido sua

capacidade de inibio da -secretase e da -secretase. Acredita-se que, devido aos baixos nveis de

peptdeo solveis, se tem como resultado baixos nveis do peptdeo no plasma (Figura 12B) e ao

longo do tempo, com a ingesto continuada de cafena, as prprias placas poderiam se solubilizar

(Figura 12C) [33]. Esta hiptese baseia-se na observao de que o A produzido rapidamente

eliminado do crebro [34].

28

Figura 12. Diagrama de produo, homeostase e controle por cafena do peptdeo A no crebro [33].

A relao benfica direta entre o consumo de cafena e a AD em humanos veio de um estudo

recente que envolveu um acompanhamento de 21 anos, verificando-se que, meia-idade, a ingesto

de 3-4 xcaras de caf ao dia reduzia significativamente o risco de desenvolver AD em idades mais

avanadas [35]. Tambm se verificou uma correlao inversa entre o consumo de cafena e o

diagnstico de AD em idade avanada [36]. Esses estudos sugerem que a cafena consumida

habitualmente pode proteger contra a incapacitao associada ao envelhecimento e AD [37].

Numa tentativa de isolar o efeito do consumo da cafena de outros fatores como estilo de

vida individual, foram conduzidos estudos com ratos transgnicos (Tg) para AD com nveis

elevados de placas -amilides e acentuada deteriorao cognitiva na fase idosa [38-39]. A

administrao de cafena de maneira prolongada comeou na fase adulta, diminuindo os problemas

cognitivos e a formao das placas -amilides. Tais efeitos foram alcanados com um consumo de

500 mg de cafena na gua dos ratos por dia (equivalente, em humanos, a cinco xcaras de caf)

[40].

Observou-se que a cafena poderia reverter o quadro em ratos velhos j com deteriorao

cognitiva. Aps alguns meses, foram obtidos resultados extremamente promissores. Observou-se a

reduo de 40 e 46% na deposio de placas -amilides no hipocampo e no crtex entorrinal,

29

respectivamente, bem como nos nos nveis de A solveis, que so precursores das placas

amilides (Figura 13) [41].

Figura 13. O tratamento com cafena reduz a deposio presente de A insolvel em ratos transgnicos (Tg). Em

cima: fotomicrografia (escala = 50 m), abaixo: reduo de A [41].

Neste estudo tambm se mostrou que o tratamento de cafena por via oral em longo prazo

(dois meses) com um grupo de ratos velhos Tg, de 20 a 21 meses de vida, reduz os nveis de A

solveis (A1-40 e A1-42), no crtex cerebral e no hipocampo (Figura 14A). Alm disso, mostra a

reduo de cerca de 40% dos A insolvel no hipocampo (Figura 14B) [41].

30

Figura 14. Reduo de A devido administrao de cafena em ratos transgnicos em longo prazo. * p < 0,05, **p

< 0,001% [41].

Outro estudo mostra que o tratamento de cafena atravs de injeo intraperitoneal ou catter

em ratos transgnicos (APPsw) na idade adulta e velha reduz o A no plasma [33]. Em adultos (3 -

4 meses de idade), foi administrado 1,5 mg de cafena e os nveis de A1-40 no plasma foram

reduzidos em 41% aps 3 horas de tratamento, em comparao com os ratos tratados no tempo 0

(Figura 15A). O resultado anlogo para ratos de 14 meses de idade, ao fim de 3 horas aps a

mesma dose de cafena (Figura 15B). Alm disso, nestes ratos de 14 meses de idade foram

correlacionados o nvel de cafena no plasma e o nvel de A no plasma, apresentando uma relao

inversa (Figura 15C). Trabalhou-se tambm com ratos velhos (19 meses), mostrando resultados

semelhantes aps 3 horas de administrao de cafena nas mesmas condies (Figura 15D) [33].

31

Figura 15. Tratamento com cafena induzi uma diminuio rpida e substancial de A no plasma. *p < 0,05-0,01

[33]

O papel neuroprotetor da cafena atravs da ingesto oral foi outra vez comprovado neste

trabalho, onde se observou uma reduo nos nveis de A1-40 e A1-42 no plasma para ratos velhos

APPsw (1,5 mg, duas vezes por dia) durante uma semana, mas tambm mostra um efeito "rebote",

quando aps a interrupo do tratamento (9 dias), os nveis destes peptdeos no plasma voltaram aos

nveis basais em comparao com a ausncia de tratamento (Figura 16A). Alm disso, em um

estudo de 2 meses de acompanhamento, a reduo de ambos os peptdeos no plasma comea a se

observar ao incio e aps o tratamento (Figura 16B) [33].

32

Figura 16. Ratos transgnicos (APPsw e APP+PS1) tratados por via oral com cafena. **p

33

Figura 17. A neuromodulao da adenosina no envelhecimento e os efeitos da ingesto de cafena [43].

Os efeitos da cafena em disfunes da memria e na expresso do fator neurotrfico

derivado do crebro (BNDF) e seu principal receptor (TrkB) em ratos transgnicos PS1/APP

(modelo da AD) tambm foram estudados, mostrando melhoras na memria e na expresso de

BNDF e TrkB [44]. O BDNF uma protena essencial para o crescimento, sobrevivncia e

diferenciao de neurnios, estando relacionado aprendizagem e memria juntamente com o seu

principal receptor funcional (TrkB) no hipocampo, crtex e do prosencfalo basal. Nveis reduzidos

de BDNF e TrkB se apresentam em pacientes de AD [45]. Os ratos PS1/APP (Tg) foram tratados

com cafena (0 1,5 mg/dia) durante 8 semanas, e em seguida foram submetidos ao teste do

labirinto de gua (Figura 18A) para estudar o comportamento, a aprendizagem espacial e a

memria. O primeiro teste foi a navegao, onde o animal foi colocado aleatoriamente em um dos

quadrantes da piscina, e se determinou o tempo que ele levava para encontrar a plataforma (tempo

de latncia; Figura 18B). O segundo teste foi o espacial, onde a plataforma foi removida da

piscina e o rato foi colocado aleatoriamente em um dos quadrantes, sendo considerado o tempo que

ele levou para alcanar o quadrante onde a plataforma ficava (Figura 18C). No final do estudo os

34

animais foram sacrificados e os nveis de BDNF e TrkB no hipocampo foram avaliados por meio de

electroforese (Figura 19) [45].

Figura 18. Testes de memria e aprendizado em ratos PS1/APP tratados com cafena. A) Teste do labirinto de gua. B) Efeito da cafena no tempo de latncia. C) Efeito de cafena no tempo dispendido para localizar o quadrante onde

ficava a plataforma. Tg-control: sem cafena; Caff-L: cafena 0,75 mg/dia; Caff-H: cafena 1,5 mg/dia; WT: rato

selvagem sem tratamento com cafena. [45]

Figura 19. Efeito da cafena sobre marcadores bioqumicos do hipocampo em ratos PS1/APP. A) expresso de

BNDF, p

35

pacientes com AD [46]. Estes resultados suportam a hiptese de que a cafena pode desempenhar

um papel protetor contra a perda de memria, embora os mecanismos bioqumicos precisos em

humanos ainda no sejam completamente entendidos.

1.7 Permeabilidade da cafena

A barreira hematoenceflica (BBB, Blood-Brain Barrier) uma barreira passiva

constituda por clulas endoteliais que atua como um conduto dinmico para nutrientes, protenas e

clulas do sistema imunolgico. A funo principal proteger o crebro de agentes txicos, para o

que utiliza carregadores, sistemas transportadores, enzimas e receptores [47].

A molcula da cafena pode atravessar a BBB por duas vias. A primeira atravs de um

transportador saturado de baixa afinidade (KM = 9,8 mM; KM a constante de afinidade Michaelis-

Menten que reflete a afinidade do substrato por a enzima). A cafena tem uma estrutura

tridimensional similar das purinas nucleosdicas. No caso da adenosina, a cafena capaz de ligar-

se ao receptor da adenosina 2A, bloqueando assim a entrada desta no crebro, o que explica o

estado de alerta ao se ingerir cafena (Figura 20) [48-49].

Figura 20. Ingresso da cafena na BBB atravs dos receptores da adenosina 2A [49].

36

A segunda e mais provvel via de ingresso da cafena atravs de difuso passiva devido

solubilidade lipdica da cafena (coeficiente de partio igual a 0,85). A cafena pode se dissolver na

membrana das clulas endoteliais e atravessar a BBB (Figura 21 [47]).

Figura 21. Ingresso da cafena por difuso passiva [47]

37

2) OBJETIVOS

2.1 Hiptese

Dada a provvel correlao deletria entre nveis de ferro e doena de Alzheimer, por um

lado, e a correlao benfica entre consumo de cafena e a mesma doena, por outro, sugere-se que

a sntese de um conjugado quelante-cafena seria interessante para uma terapia de quelao voltada

a restaurar o equilbrio do metal no crebro e dessa forma mitigar os efeitos dessa enfermidade.

2.2 Objetivo geral

Sntese, caracterizao e estudo da atividade antioxidante de um novo ligante para o ferro baseado

na desferrioxamina (DFO) e cafena: DFCAF.

2.3 Objetivos especficos

a) Estudo da atividade antioxidante de metablitos da cafena em um modelo de oxidao

biolgica catalisada por ferro.

b) Determinao das propriedades de complexao de DFCAF com ons metlicos.

c) Estudo da permeabilidade celular do ligante DFCAF em um modelo celular.

38

3. MATERIAIS E MTODOS

3.1 REAGENTES, SOLVENTES E TAMPES

Tabela 2. Reagentes e solventes

Reagente Procedncia Grau

1,2-dimetil-3-hidroxipirid-

4-ona (deferiprona)

Apotex (Canad) 99,0%

2,2-difenil-1-(2,4,6-

trinitrofenil)hydrazila

(DPPH)

Sigma Aldrich 99,0%

2-propanol Sigma Aldrich 99,5%

Acetato de etila Synth Analtico

Acetometoxi-calcena

(calcena-AM)

Biotium Analtico

Acetonitrila (ACN) Vetec Qumica Fina

Ltda

Analtico

cido 6-hidroxi-2,5,7,8-

tetrametilcromano-2-

carboxlico (Trolox)

Sigma Aldrich 97%

cido L-(+) ascrbico Cromoline

Qumica fina

Analtico

cido nitrilotriactico

(NTA)

Vetec Analtico

cido teofilina-7-actico

(T7A)

Sigma Aldrich 99,0%

cido trifluoroactico

(TFA)

Merck KGaA

(Darmstadt, ALEMANHA)

Espectroscpico

gua deionizada Equipamento Millipore

(Bedforf,EUA)

Ultra-pura

Bicarbonato de sdio QM Reagentes Analtico

Butilhidroxitolueno (BHT) Sigma Aldrich 99,0%

Cafena anidra Cromoline

Qumica fina

Analtico

Cloreto de

dihidrorodamina (DHR)

Biotium Analtico

39

Calcena Sigma Analtico

Cloreto de metileno Synth Analtico

Cloreto cprico dihidratado Quimibrs-Reagen Analtico

Cloreto frrico Synth Analtico

Cloreto de mangans(II)

tetrahidratado

Sigma Aldrich Analtico

Clorofrmio Synth Analtico

Dicloreto de 2,2'-azobis(2-

metilpropionamidino)

(AAPH)

Sigma Aldrich 97%

Dimetilformamida (DMF) Sigma Aldrich Analtico

Dimetilsulfxido (DMSO) Sigma Aldrich Espectromtrico

Eter dietlico Vetec Qumica Fina Ltda Espectroscpico

Fitato de sdio (PHYT),

sal dodecassdico

Sigma Aldrich Analtico

Mesilato de

desferrioxamina (DFO)

Novartis (Sua) 99,0%

Metanol Synth Analtico

N-(3-dimetilaminopropil)-

N-etilcarbodiimida (EDC)

Sigma Aldrich 98,0%

N-hidroxibenzotriazol

(HOBt)

Sigma Aldrich 99,0%

Sulfato ferroso amoniacal

hexahidratado (FAS)

Sigma Aldrich 98%

Teobromina Sigma Aldrich 99,0%

Teofilina Sigma Aldrich 99,0%

Tampo HBS/Chelex: Hepes (20 mM), NaCl (150 mM), lavado com Chelex-100 (sdica)

a 1 g/100 mL, pH 7,4. Tampo PBS: NaCl (0,1711 M), KCl (3,35 mM), Na2HPO4 (0,01 M),

KH2PO4 (1,83 mM), CaCl2 (9,01 mM), MgCl2.6H2O (4,918 mM) em gua deioinizada.

40

3.2 SNTESE DO LIGANTE DESFERRIOXAMINA-CAFENA (DFCAF)

A sntese do ligante DFCAF foi realizada pelo acoplamento em fase orgnica iniciado por

EDC, HOBt, DFO e da T7A em refluxo a atmosfera inerte com N2. A reao mostra-se na Figura

22. A sntese foi realizada de acordo ao processo j descrito por um artigo de conjugados de

desferrioxamina [50], e baseado no mecanismo de Williams e Ibrahim [51]

N

N N

N

O

O

CH3

CH3

O

OHCH

3N N

H

N

O

OH

O

O

OH

NNH

O

NH2

O

OH

CH3

N NH

N

O

OH

O

O

OH

NNH

O

NH

O

OHN

N N

N

O

O

CH3

CH3

O

+

EDC

Figura 22. Reao de acoplamento desferrioxamina-cafena

No balo de trs bocas adicionou-se 10 mL de N,N-dimetilformamida (DMF) contendo

excesso dos precursores 0,288 g de EDC (1,5 mmol) e 0,203 g de HOBt (1,5 mmol), seguido de

0,6568 g de desferrioxamina (1 mmol) e 0,238 g de T7A (1 mmol). A mistura permaneceu em

refluxo por 5 h a 75C. A soluo formada foi resfriada temperatura ambiente. O solvente foi

roto-evaporado at a formao de slido de cor bege, que foi secado com ajuda do dessecador a

vcuo. O slido seco foi lavado trs vezes com 7 mL de ter dietlico, em agitao com ajuda de

uma barra magntica, devido baixa solubilidade o solvente foi simplesmente decantado e secado

no dessecador a vcuo. O produto seco lavo se novamente cinco vezes com 7 mL de gua, em

41

agitao com ajuda de uma pastilha de agitao, seguido de centrifugao (7500 rpm por 8 min a

25C) para decantar o lquido, seguido de nova secagem no dessecador a vcuo. Repetiu-se o

procedimento de lavagem nas mesmas condies com metanol. Na Figura 23 se mostra a montagem

experimental da sntese do DFCAF.

Figura 23. Montagem experimental para a sntese de DFCAF

3.3 PURIFICAO DO LIGANTE DESFERRIOXAMINA-CAFENA (DFCAF)

3.3.1 Solubilidade do DFCAF

Os testes de solubilidade DFCAF foram conduzidos para determinar os melhores solventes.

O melhor solvente foi usado na purificao por cromatografia e avaliaes de estabilidade,

42

capacidade de quelao, comportamento estequiomtrico, atividade anti-oxidante, e ensaios de

permeabilidade celular. Na Tabela 3 so mostrados os resultados da inspeo visual, positivos e

negativos da solubilidade com diferentes solventes.

Tabela 3. Testes de solubilidade do DFCAF (1 g/1 mL)

Solventes Agitao Solubilidade

2-propanol Forte Nenhuma

Acetato de etila Forte Baixa

Acetonitrila Forte Baixa

gua Forte Baixa

Clorofrmio Forte Nenhuma

Diclorometano Forte Baixa

Dietilter Forte Nenhuma

DMSO Moderada Alta

Metanol Forte Nenhuma

3.3.2 Purificao cromatogrfica do DFCAF

Dado que o DFCAF apresenta maior solubilidade em DMSO, foi dissolvido neste solvente

para depois ser purificado. Na preparao de eluentes para cromatografia lquida de alto

desempenho de fase reversa (RP-HPLC) e cromatografia lquida acoplada a espectrometria de

massas (LCOMMS), prepararam-se os seguintes solventes:

- Solvente A: 0,1% TFA em H2O

- Solvente B: 60% ACN/0,09% TFA em H2O.

43

3.3.2.1 Cromatografia Lquida de Alta eficincia de Fase Reversa (RP-HPLC)

O DFCAF bruto (100 mg) foi purificado usando o sistema RP-HPLC Waters (EUA),

modelo 600E preparativo, composto de uma bomba quaternria (Waters Delta 600 Pump), um

detector UV (Waters 2487 Dual Absorbance Detector), um injetor de amostras manual (Rheodyne

3725i-119), um controlador de gradiente automatizado (Waters 600 controller), um registrador Kipp

& Zonen SE 124 e uma coluna preparativa (Vydac C18, 10m, 300, 2,2x25 cm). O sistema de

cromatografia preparativa a gradiente e tempo foram ajustados da seguinte forma:

( ) ( )

A anlise do DFCAF purificado foi realizada usando um sistema da LDC Analytical

composto por um controlador de gradiente automtico, duas bombas (ConstaMetric 3500 e

ConstaMetric 3200), um detetor UV (Milton Roy, spectromonitor 3100), um injetor de amostras

manual (Rheodyne 7125), um integrador (TermoSeparation Products, Data Jet integrator) e uma

coluna analtica (Vydac C18, 5m, 300, 0,46x25 cm). Foram injetados 7L de amostra de uma

soluo 1 g/L de DFCAF dissolvido em DMSO, com gradiente linear de 5%-95% do Solvente B

por 30 min.

Esses equipamentos so de responsabilidade da Profa. Maria Teresa Machini (Laboratrio

de Qumica de Peptdeos, IQUSP).

3.3.2.2 Cromatografia Lquida acoplada espectrometria de massas (LC-ESI/MS)

O DFCAF foi injetado num equipamento composto por um sistema de RP-HPLC da

Shimadzu Corporation (Kyoto, Japo, fluxo 0,8 mL/min), composto por um degaseificador modelo

DGU-20A3, duas bombas modelo LC-20AD, um injetor Rheodyne 8125, um forno de coluna

modelo CTO-20A, uma pr-coluna C18 (5 x 2 mm, 4,6mm) Shim-pack GVP-ODS e uma coluna C18

(150 x 2mm, dimetro de partcula = 4,6 m e dimetro de poro = 12 nm) Shim-pack GVP-ODS

44

acoplada a um espectro de massas AmaZon X da Bruker Daltonics (Alemanha) com fonte de

ionizao do tipo eletrospray, modo ESI positivo e com analisador do tipo Ion trap. As voltagens

aplicadas foram 3500 V (capilar) e 37 kV (cone). Para as anlises dos espectros foi utilizado o

software HyStar 3.2. Os solventes utilizados na cromatografia foram: solvente A, gradiente linear

de 5 a 95% de solvente B em 30 min [52].

Esses equipamentos so de responsabilidade da Profa. Maria Teresa Machini (Laboratrio

de Qumica de Peptdeos, IQUSP).

3.4 CARACTERIZAO DO LIGANTE DFCAF

3.4.1 Anlise elementar

A composio elementar do ligante DFCAF obtido na forma slida foi determinada no

equipamento Perkin Elmer Elemental Analyzer CHN 2400 (Central Analtica do IQUSP) para a

quantificao de C, H, N e S, a fim de determinar preliminarmente sua composio. Tambm foram

analisadas as composies elementares dos reagentes de partida, DFO e T7A.

3.4.2 Ponto de fuso

Determinaram-se as temperaturas de fuso do ligante DFCAF e tambm dos reagentes de

partida T7A e DFO no equipamento MQAPF 301 (Laboratrio Didtico de Qumica Orgnica,

IQUSP) (Figura 24).

45

Figura 24. Aparelho digital de temperatura de fuso

3.4.3 Termogravimetria

O ligante DFCAF, os precursores T7A e DFO, e a mistura fsica entre ambos (nas

propores estequiomtricas usadas na sntese, ou seja, 1:1) foram encaminhados para anlise

termogravimtrica no equipamento Hi-Res TGA modelo 2950 HR V5.4 (Central Analtica,

IQUSP), em atmosfera de N2 com uma rampa de aquecimento de 10C/min.

3.4.4 Espectroscopia vibracional na regio do infravermelho

O ligante DFCAF, os precursores T7A e DFO, e a mistura fsica entre ambos (nas

propores estequiomtricas usadas na sntese, ou seja, 1:1) foram encaminhados tambm para

espectroscopia na regio do infravermelho em pastilhas KBr no equipamento Bomem MB100

(Central Analtica do IQUSP) a fim de determinar os grupos funcionais presentes.

46

3.4.5 Espectroscopia vibracional Raman

O ligante DFCAF foi investigado no microscpio Raman Renishaw in-Via equipado com

uma lente de amplificao de 50 (Abertura Numrica, NA = 0,75). O comprimento de onda de

excitao foi 785 nm de um laser de estado slido (modelo HPNIR785). A potncia do laser na

amostra foi ajustada para aproximadamente 5 mW. O equipamento de responsabilidade da Profa.

Dra. Paola Corio (Laboratrio de Espectroscopia Molecular, IQUSP).

3.4.6 Espectroscopia UV/Visvel

Registraram-se os espectros eletrnicos do DFCAF, de cafena e do DFO (todos 100 M em

HCl 0,1 M contendo 10% de DMSO). O aparelho usado foi um leitor de microplacas multimodal

SpectraMax M4 controlado pelo software SoftMax Pro 6.1, em cubetas de quartzo de caminho tico

de 1,0 cm, de propriedade do Laboratrio de Qumica Bioinorgnica Ambiental e Metalofrmacos

(IQUSP).

3.4.7 Espectroscopia de Ressonncia Magntica Nuclear de Prton (1H RMN)

O espectro 1H RMN do DFCAF foi obtido no espectrmetro Bruker modelo A3-500

disponvel na Central Analtica do IQUSP. As amostras foram preparadas em DMSO deuterado e

medidas a 298 K.

47

3.5 PROPRIEDADES DO LIGANTE DFCAF

3.5.1 Determinao da constante de estabilidade efetiva do complexo Fe(III)

DFCAF

A determinao da constante de estabilidade efetiva (Kef) do complexo entre ferro(III) e

DFCAF foi feita a partir da recuperao da fluorescncia da calcena, atravs do equilbrio

competitivo entre DFCAF e calcena pelo ferro [53].

Inicialmente, a fluorescncia de 95 L de calcena 2 M em tampo HBS/Chelex foi

medida at a estabilizao (~15 min) em microplacas transparentes de 96 poos (TPP).

Adicionaram-se em seguida 95 L de uma soluo aquosa 2 M de sulfato ferroso amoniacal

(FAS) a fim de formar in situ o complexo Fe(III)

-calcena1 e, assim, induzir a imediata supresso da

fluorescncia da calcena. A leitura foi feita at a estabilizao do sinal (~ 25 min). Finalmente, a

recuperao da fluorescncia foi tentada atravs da adio de alquotas de 10 L de DFCAF

(concentrao final de 0 a 5 M, em DMSO 50% em gua). A fluorescncia foi registrada a 37C

no aparelho BMG Fluorstar Optima com exc/emis = 485/520 nm.

3.5.2 Titulao espectrofotomtrica

Usamos o mtodo dos grficos de Job (Jobs plots), os quais servem essencialmente para

obter informao sobre a estequiometria de formao de complexos, adutos ou compostos de

incluso. Neste caso, investigamos a estequiometria de ligao de ons ferro com o ligante

polidentado DFCAF a fim de determinar se o ambiente de coordenao (DFO) permanecia

inalterado aps a conjugao cafena. Comparamos o grfico de Job do DFCAF com o grfico Job

do DFO, posto que a estequiometria do Fe(DFO) conhecida (1:1) [54].

1 O complexo frrico da calcena o mais estvel. Adiciona-se soluo ferro(II) para diminuir reaes de hidrlise e

aumentar a velocidade de complexao. No momento da coordenao, o on metlico oxidado a ferro(III).

48

As solues aquosas de ferro FAS (sulfato ferroso amoniacal), DFO e DFCAF foram

preparadas em DMSO 10%, devido baixa solubilidade do DFCAF em gua, a partir de estoques 1

mM. Os espectros eletrnicos UV/visvel dos complexos ligante-ferro foram obtidos em placas

transparentes de 96 poos utilizando um leitor de microplacas SpectraMax M4, fazendo uma

varredura de comprimento de onda : 350-750nm, a 30C. As combinaes Fe-DFO e Fe-DFCAF

foram preparadas em diferentes propores de ferro e ligante (7 propores), sendo o nmero de

mols totais constante como se mostra na Tabela 4. O tempo de equilbrio aps a mistura dos

reagentes foi de 30 minutos.

Tabela 4. Proporo metal-ligante, razo molar e nmero de mols totais

Fe2+

(L) DFO ou DFCAF (L) Razo: [ ]

[ ] [ ] Mols totais (10

-9)

0 90 0,00 90

15 75 0,17 90

30 60 0,34 90

45 45 0,5 90

60 30 0,67 90

75 15 0,84 90

90 0 1,00 90

3.5.3 Avaliao da capacidade quelante do DFCAF com Fe(III), Cu(II) e Mn(II)

O DFCAF um conjugado desferrioxamina-cafena, portanto espera-se que a parte

correspondente desferrioxamina no novo ligante tenha atividade quelante. Para estabelecer isso,

foi avaliada a atividade do DFCAF como ligante de trs metais: Fe, Cu e Mn, atravs dos espectros

eletrnicos dos complexos formados. Tais espectros foram obtidos em microplacas transparentes de

96 poos (TPP), utilizando um leitor de microplacas SpectraMax M4.

49

A soluo do metal Fe(II) e dos ligantes foram preparados em gua com 10% de DMSO em

pH= 6. A soluo do metal Cu(II) e dos ligantes foram preparados em gua com 32,5% de DMSO

em pH= 8 (ajustado com NaOH) em agitao por 2 horas. A soluo do metal Mn(II) e dos ligantes

foram preparados no DMSO, devido baixa solubilidade na formao do complexo com DFCAF

em gua, e em agitao ao ar livre por 24 horas. As propores estequiomtricas metal:ligante

foram sempre 1:1, e as concentraes dos metais foram 1 mM (Fe), 7 mM (Cu) e 42 mM (Mn). Tais

concentraes foram diferentes porque as absortividades molares de cada um dos complexos eram

diferentes.

3.5.4 Atividade antioxidante frente ao sistema ferro/ascorbato

A deteco de espcies reativas de oxignio (ERO) geradas pela presena de ferro, em meio

fisiolgico, possvel atravs da reao de uma mistura pr-oxidante (ascorbato e ferro) com a

sonda fluorimtrica cloreto de dihidrorodamina (DHR). Na forma reduzida, essa sonda no

fluorescente, entretanto, uma srie de substncias (EROs, O2) pode convert-la forma oxidada,

fluorescente (Figura 25). Adaptamos o mtodo para nosso estudo, sendo originalmente concebido

para a deteco de ferro redox-ativo em meio fisiolgico [55-56].

50

Figura 25. Princpio de funcionamento do mtodo de deteco de espcies reativas formadas pela

presena de ferro. A adio de um pr-oxidante (cido ascrbico) inicia a produo de EROs

catalisada pelo Fe3+

presente na amostra, convertendo a sonda no-fluorescente DHR sua

forma fluorescente (a). Curvas cinticas de fluorescncia so obtidas para diversas

concentraes de Fe; a partir dessas curvas, determinam-se seus coeficientes angulares (m), que

correspondem taxa de fluorescncia para uma dada concentrao de Fe (b). A taxa de

fluorescncia linearmente dependente da concentrao de Fe, podendo ser usada para

quantificar a concentrao do metal na amostra desejada (c) [6].

O complexo padro para esses ensaios o nitrilotriacetato frrico, Fe(NTA). Fe(III)/NTA

foi formado pela mistura de cido nitrilotriactico 70 mM, titulados para pH 7,0 com NaOH, com

uma massa de FAS suficiente para produzir a concentrao final de 20 mM em ferro. A razo molar

Fe:NTA 1:7. A mistura foi aquecida a 37C por 30 minutos, sob agitao, para permitir que o

Fe(II) se oxidasse a Fe(III) [55].

Em microplacas transparentes de 96 poos foram adicionados 180 L de uma mistura de

dihidrorodamina (DHR) 50 M com cido ascrbico (40 M) em tampo HBS/Chelex.

Posteriormente, foram adicionados 10 L de soluo de Fe(NTA) a distintas concentraes finais

(entre 0 e 1 M). Em seguida, foram adicionados 10 L da soluo dos quelantes (DFO, DFCAF e

do padro de atividade anti-oxidante deste ensaio, a deferiprona) a concentrao final constante de

51

18 M. A leitura foi feita em equipamento BMG Fluostar Optima, com incubao a 37C e

exc/emis = 485/520 nm. A intensidade de fluorescncia de cada poo foi medida em intervalos de

um minuto durante uma hora. Os resultados so apresentados como taxas de fluorescncia

(intensidade de fluorescncia/tempo).

Uma modificao desse ensaio foi manter a concentrao de Fe(NTA) constante em 2 M e

variar a concentrao dos quelantes de 0 a 10 M.

O mesmo teste foi realizado para a cafena e seus outros dois metablitos (teofilina e

teobromina) variando as concentraes de 0 a 100 M, e mantendo a concentrao constante do

Fe(NTA) em 2 M.

3.5.5 Atividade antioxidante pelo mtodo ORAC modificado

O Oxygen Radical Absorbance Capacity (ORAC) um mtodo de medio de capacidade

antioxidante. O ensaio originalmente proposto mede a degradao oxidativa de uma molcula

fluorescente (fluorescena) promovida por radicais livres como 2,2'-Azobis(2-amidinopropano)

(AAPH). Candidatos a antioxidantes devem proteger a molcula fluorescente de tal degradao

oxidativa. Ns utilizamos como sonda fluorimtrica a DHR em lugar da fluorescena, em funo

dos melhores resultados obtidos. Espera-se que, quanto maior seja o efeito antioxidante, menor ser

a intensidade fluorescente [57].

O protocolo original [58] foi portanto adaptado como segue. Em microplacas transparentes

de 96 poos foram adicionados 10 L das solues de estudo 0 100 M em DMSO.

Posteriormente, foram adicionados 150 L de uma soluo de dihidrorodamina (DHR) 0,5 M em

tampo HBS/Chelex deixando em incubao a 37C por 25 min. Finalmente foram adicionados 25

L de AAPH 0,3 M preparado em tampo HBS/Chelex. A leitura foi feita no equipamento BMG

Fluostar Optima, a 37C e exc/emis = 485/520 nm com incubao a 37C. A intensidade de

52

fluorescncia de cada poo foi medida em intervalos de um minuto durante uma hora. Os resultados

so apresentados como intensidade de fluorescncia/tempo.

3.5.6 Atividade antioxidante por absorbncia por DPPH

O 1,1-difenil-2-picrilhidrazilo (DPPH) um radical livre estvel de colorao violeta intensa

em soluo metanlica (max = 520 nm) que, quando neutralizado, perde a colorao.

tradicionalmente usado, portanto, para estudar a atividade anti-radicalar de uma srie de candidatos

a antioxidantes [59]. Medimos a atividade antioxidante do DFCAF, DFO, cafena e outros padres

atravs do monitoramento da banda caracterstica do DPPH [60].

O procedimento foi seguido conforme descrito na literatura [58]. Em microplacas

transparentes de 96 poos foram transferidos 125 L de DPPH 0,1 mM em metanol e em seguida

foi adicionados 56,3 L de HBS/Chelex. Finalmente foram adicionados 6,3 L das solues de

estudo 0 100 M em DMSO, deixando em incubao por 30 min a temperatura ambiente e no

escuro. A leitura foi feita em um leitor de microplacas SpectraMax M4 a temperatura ambiente, a

=520 nm.

3.6. ESTUDO DA PERMEABILIDADE DE DFCAF EM CLULAS HeLa

Utilizaram-se clulas de cncer crvico-uterino (HeLa) cultivadas em meio Dulbecco

Modified Eagle (DMEM) complementado com 10% de soro fetal bovino e 1% de antibiticos, a

37C e 5% de CO2 numa incubadora modelo COM-18AC-PA. As clulas foram repicadas com

tripsina-EDTA 0,25% por 5 minutos a 37C e, quando necessrio, foram transferidas a microplacas

estreis tratadas de 6 poos (2,5104 clulas/poo; 1 mL) e mantidas a 37C e 5% de CO2 por 24

horas para completar a aderncia e confluncia das clulas nos poos.

53

3.6.1 Microscopia de fluorescncia

As clulas foram tratadas com acetometoxi-calcena, ou Cal-AM, a forma permevel a

clulas da calcena, que na forma esterificada no fluorescente mas que, quando no citosol, o

grupo acetometoxi clivado por esterases e a molcula torna-se fluorescente. A adio de ferro na

combinao sulfato ferroso/cido ascrbico induz uma rpida sobrecarga de ferro nas clulas, o que

suprime sua fluorescncia. A adio de quelantes ao meio somente recuperar a fluorescncia da

sonda caso sejam tambm capazes de penetrar a clula [53].

No experimento, as clulas plaqueadas (microplacas de 6 poos) tiveram o meio removido e

foram lavadas com tampo (HBS/Chelex) pr-aquecido a 37C. Foi adicionado a cada poo 1 mL

de Cal-AM 1M em tampo, e a placa foi incubada a 37C por 20 min. Foi removida a soluo e

cada poo lavado com 1 mL de tampo a 37C, sendo em seguida adicionado a cada poo (menos

ao Branco 1) 1 mL de uma soluo de FAS 10 M/cido ascrbico 100 M em gua. Aps nova

incubao a 37C por 20 min, os poos foram lavados com 1 mL de tampo a 37C; em seguida,

foram adicionados 1 mL de tampo e 50 L da soluo dos ligantes (DFO ou DFCAF 1 mM em

DMSO; Figura 26) e a placa foi incubada a 37C por 30 min. A incubao foi feita no leitor de

microplacas BMG Fluostar Optima. As imagens foram obtidas no microscpio Axiovert 200 (Carl

Zeiss 146 Gttingen, Alemanha). O conjunto de filtros usados foram: ex= 450-490nm; em

515nm. As imagens foram registradas em cmera digital Canon Power Shot G10. O estudo da

densidade de pixels foi feito com o programa ImageJ (v. 1.43u).

54

Figura 26. Distribuio dos ensaios de permeabilidade dos quelantes. Foram estabelecidos dois

controles: ausncia de ferro (branco 1) e ausncia de quelante (branco 2)

3.6.2 Espectroscopia de Absoro Atmica

Outra maneira de quantificao da permeabilidade dos quelantes monitorar o aumento na

concentrao de ferro intracelular promovido pelos ferro-derivados dos quelantes (DFO ou

DFCAF). Esse monitoramento pode ser feito atravs da tcnica de absoro atmica. Foram

preparados os complexos entre ferro e o fitato (em princpio permevel s clulas [61, 62]), DFO e

DFCAF. Todos os estoques dos complexos foram obtidos em DMSO, exceto o Fe(PHYT) (gua).

Todos foram obtidos na razo molar 1:1. Um poo foi mantido como branco (Figura 27).

Figura 27. Distribuio das clulas HeLa (2,5104 clulas/poo) na microplaca de 6 poos

55

As clulas foram plaqueadas conforme descrito acima. O meio foi removido e as clulas

foram lavadas com tampo (HBS/Chelex) a 37C. Foi adicionado a cada poo (menos ao Branco

1 ao qual se adicionou 1 mL de tampo) 1 mL de soluo dos complexos 50 M em tampo, e em

seguida incubou-se a microplaca a 37C por 30 min. A soluo dos complexos foi removida e os

poos foram lavados duas vezes (exceto o brancos 1, ao qual se lavou com 1 mL de tampo) com 1

mL de uma soluo de DFO 100 M em tampo. Finalmente cada poo foi lavado duas vezes com

1 mL de tampo a 37C. A incubao se realizou no BMG Fluostar Optima.

A microplaca foi deixada em dessecador por 24 horas. As clulas foram raspadas e pesadas.

Em seguida foram tratadas com 300 L de cido ntrico (67%) e 100 L de perxido de hidrognio

(30%) com agitao por 5 minutos e avolumao para 2 mL com gua deionizada. A quantificao

de ferro foi realizada num espectrmetro de absoro atmica com forno de grafite ZEEnit 60,

Analytikjena AG (Jena, Alemanha). Como fonte de radiao foi usada uma lmpada de catodo oco

de Fe ( = 302,1 nm), fenda de 0,8 nm e corrente de 4 mA. O experimento foi executado pela

equipe da Profa. Dra. Cassiana Seimi Nomura (IQUSP).

56

4. RESULTADOS E DISCUSSES

4.1 SNTESE DO LIGANTE DESFERRIOXAMINA-CAFENA (DFCAF)

Completada a sntese, e depois de lavar e secar o produto, como j foi descrito, pesou-se o

DFCAF bruto. O produto foi purificado por cromatografia lquida de alta eficincia de fase reversa

(RP-HPLC) e uma poro do produto (DFCAF puro) foi obtido da liofilizao da frao mais pura,

41 mg. Na Figura 28 mostram-se as fotografias do DFCAF bruto e purificado.

Figura 28. Aparncia fsica do DFCAF. a) Bruto e b) purificado.

A reao estequiomtrica na sntese :

T7A + DFO DFCAF + H2O

A massa molecular terica do DFCAF 780,8 g/mol.

57

4.2 PURIFICAO DO LIGANTE DESFERRIOXAMINA-CAFENA (DFCAF)

Solubilidade do DFCAF

Encontrar um bom solvente para o DFCAF foi importante para o desenvolvimento das

anlises subsequentes, comeando com a purificao por cromatografia. O DFCAF teve pouca

solubilidade com solventes comuns, da mesma forma com a cafena e seus metablitos teofilina e

teobromina (ao contrrio do DFO, que apresenta grande solubilidade aquosa).

A cafena e seus metablitos so xantinas pertencentes famlia dos alcalides de purina e,

portanto, so bases naturais fracas [63]. A cafena uma molcula com polaridade relativamente

baixa em comparao com a gua, tal que a solubilidade em gua baixa por causa da elevada

polaridade do solvente. Teofilina e teobromina, devido presena de um tomo de H ligado ao N

(Fig. 29), podem ter interaes fortes do tipo ligao de hidrognio apresentando melhor

solubilidade em solventes polares prticos (2-propanol, metanol e gua), ao contrrio da cafena que

totalmente metilada [64].

Figura 29. Cafena e seus metablitos.

A solubilidade da cafena (e DFCAF) maior em solventes polares aprticos, com

polaridade moderada (Tabela 5 [65]), sendo o dimetilsulfxido (DMSO) o melhor solvente.

58

Tabela 5. Polaridade dos solventes [65]

Solvente Momento dipolar (D) Constante dieltrica

Acetato de etila 1,78 0,09 6,0814

Acetonitrila 3,925 36,64

Diclorometano 1,60 0,03 8,93

DMSO 3,96 0,04 47,24

Purificao cromatogrfica do DFCAF

Na purificao por cromatografia se obteve em primeiro lugar o perfil cromatogrfico

monitorado por luz UV ( =210 nm) e o espectro de massas dos ons do produto bruto, como se

mostra na Figura 30. A fonte de ionizao por eletrospray (ESI) tem a funo de ionizar o produto

de maneira suave, preservando assim sua estrutura, e de transferir as espcies a serem analisadas ao

analisador de massas, o qual separa os ons formados de acordo com suas relaes m/z [66].

O perfil cromatogrfico do DFCAF impuro mostrou dois picos, o primeiro deles referente ao

solvente DMSO nos minutos 3-5, e o segundo correspondente ao DFCAF no minuto 13. O espectro

de ons mostra tambm dois picos, no qual o segundo pico corresponde ao DFCAF, m/z = 781,5

(Mw DFCAF= 780,8 g/mol).

59

Figura 30. DFCAF bruto (impuro): a1) cromatograma, a2) espectro de ons, b) espectro de massas do

primeiro pico e c) espectro de massas do segundo pico.

A purificao foi realizada por RP-HPLC nas condies j descritas. A verificao da

pureza do DFCAF foi realizada atravs de um novo cromatograma e espectro de ons como se

mostra na Figura 31.

0 10 20 30 40 50 Time [min]

1

2

3

4

7x10

Intens.

eli dfcaf crude_-1_01_844.d: TIC +All MS eli dfcaf crude_-1_01_844.d: UV Chromatogram, 210 nm

309.0

1+

438.0

1+

561.5

1+

867.4 1174.7

+MS, 11.1-11.9min #(331-357)

0

1

2

3

4

5

6

4x10

Intens.

500 1000 1500 2000 2500 m/z

243.1

391.2

2+

539.3

1+

781.5

1+

867.4

1+

1190.7

1561.7

1+

+MS, 13.6-15.1min #(407-454)

0.0

0.5

1.0

1.5

5x10

Intens.

500 1000 1500 2000 2500 m/z

a1 a2

c

b

60

Figura 31. DFCAF purificado: a1) espectro cromatogrfico, a2) espectro de ons, b) espectro de massas

do pico nos minutos 13,7-15,3.

O perfil cromatogrfico mostra a presena de um nico pico, entre os minutos 13,7-15,3. O

espectro de ons mostra uma alta intensidade do on principal (DFCAF: m/z= 781,5) alm da

presena de outros ons que correspondem s fragmentaes e rearranjos da molcula, tal como

mostrado na Tabela 6.

0 10 20 30 40 50 Time [min]

1

2

3

4

5

7x10

Intens.

eli dfcaf pure_-1_01_843.d: TIC +All MS eli dfcaf pure_-1_01_843.d: UV Chromatogram, 210 nm

391.2

2+

539.3

781.5

1+

867.4

1+

1003.4 1191.2

1561.7

1+

1648.6

+MS, 13.7-15.3min #(412-461)

0.0

0.5

1.0

1.5

2.0

2.5

5x10

Intens.

500 1000 1500 2000 2500 m/z

a1

b

a2

61

Tabela 6. Massa molecular terica e experimental do DFCAF e seus fragmentos

Molcula

(Mw terica g/mol)

Mw

experimental

(g/mol)

Carga Massa

(g/mol)

DFCAF

(780,8)

780,4 2+ 391,2

780,5 1+ 781,5

(DFCAF+CH3CN)+

(865,4) 866,4 1+ 867,4

2 DFCAF

(1561,6) 1560,7 1+ 1561,7

Parte do DFCAF: C23H37N8O7

(537,2) 538,3 1+ 539,3

DFCAF + (DFCAF+CH3CN)+

(1646,2) 1646,8 1+ 1648,6

4.3 CARACTERIZAO DO LIGANTE DFCAF

Procedeu-se caracterizao do produto sintetizado DFCAF (Figura 32).

Figura 32. Molcula DFCAF

62

4.3.1 Anlise elementar

O slido formado foi encaminhado para anlise elementar a fim de determinar

preliminarmente sua composio. Sintetizou-se duas vezes o DFCAF e as amostras foram chamadas

E02 e E03 (DFCAF bruto). Os valores tericos so apresentados na Tabela 7.

Tabela 7: Anlise elementar dos produtos E02 e E03

% Carbono % Hidrognio % Nitrognio

Terico 52,25 7,17 17,93

E02 50,96 7,42 17,21

E03* 50,96 7,65 17,09

(*) apresentou tambm 0,75% de enxofre.

Embora haja presena de enxofre como contaminante presente na amostra E03 (proveniente

do mesilato de desferrioxamina), a porcentagem menor do que 1%.

Para o clculo da possvel presena de solventes na molcula, aplicamos o software Jasper

V.2.02, sendo o melhor ajuste correspondente frmula C34H56N10O11. 0,5CH4O. 0,9H2O (massa

molecular = 813,08 g/mol). A frmula molecular esperada do DFCAF C34H56N10O11 (massa

molecular = 780,88 g/mol). A presena de metanol e gua coincide com os solventes usados na

lavagem do produto, e representa 3,9% da massa total.

Tambm foram calculadas as composies dos reagentes de partida (Tabela 8). Esses

valores no coincidem com os resultados do estudo obtidos para amostras E02 ou E03,

evidenciando que tais amostras so diferentes dos reagentes precursores.

2 http://www.chem.yorku.ca/profs/potvin/Jasper/jasper2.htm

63

Tabela 8: Composio elementar terica dos precursores DFO e T7A

% Carbono % Hidrognio % Nitrognio

Desferrioxamina

(sal mesilato)

47,50 7,92 12,79

T7A 45,34 4,20 23,51

Doravante, todos os testes foram feitos com a amostra de DFCAF correspondente a E02.

4.3.2 Temperaturas de fuso

Determinaram-se as temperaturas de fuso da T7A, mesilato de desferroxamina e do produto

DFCAF (Tabela 9).

Tabela 9: Temperaturas de fuso (oC)

DFCAF DFO T7A

Temperatura 183,5-186,3 110,4-111,7 270-272

Como se observam os pontos de fuso do produto e seus precursores so muito distintos

entre si, evidenciando a formao de um novo produto. Alm disso, a faixa de temperatura de fuso

bem estreita, indicando que no h presena de contaminantes.

4.3.3 Termogravimetria

O DFCAF, os precursores T7A e desferrioxamina, e a mistura fsica entre ambos (nas

propores estequiomtricas usadas na sntese) foram encaminhados para anlise

termogravimtrica. Os diagramas de anlise trmica (TGA) e suas primeiras derivadas encontram-

se nas Figuras 33 a 36.

64

0 200 400 600 800 1000

-20

0

20

40

60

80

100

Temperatura (C)

Ma

ssa

(%

)

-0.2

0.0

0.2

0.4

0.6

0.8

1.0Produto DFCAF

% Massa

Derivada (%/C)

De

rivad

a d

a va

riaa

o d

e m

assa

(%/C

)

Figura 33. Diagrama de anlise trmica do produto DFCAF

0 200 400 600 800 1000

-20

0

20

40

60

80

100

Temperatura (C)

Ma

ssa

(%

)

-0.5

0.0

0.5

1.0

1.5

2.0

2.5Teofilina-7-acetato

% Massa

Derivada (%/C)

De

riva

da

da

va

riaa

o d

e m

assa

(%/C

)

Figura 34. Diagrama de anlise trmica da T7A

65

0 200 400 600 800 1000

0

20

40

60

80

100

Temperatura (C)

Ma

ssa

(%

))

-0.1

0.0

0.1

0.2

0.3

0.4

0.5

0.6

0.7

0.8

DFO

% Massa

Derivada (%/C)

De

riva

da

da

va

riaa

o d

e m

assa

(%/C

)

Figura 35. Diagrama de anlise trmica do DFO

0 200 400 600 800 1000

0

20

40

60

80

100

% Massa

Derivada (%/C)

Temperatura (C)

Ma

ssa

(%

))

-0.1

0.0

0.1

0.2

0.3

0.4

0.5

0.6

Mistura Deriv

ad

a d

a v

aria

a

o d

e m

assa

(%/C

)

Figura 36. Diagrama de anlise trmica da mistura fsica entre DFO e T7A

66

A partir desses diagramas, listaram-se as temperaturas dos principais eventos de

termodecomposio (Tabela 10).

Tabela 10: Eventos de termodecomposio (oC). Entre parnteses: % de perda de massa

1 2 3 4

DFO 191,47 (21,71) 266,34 (36,04) 301-343 (23,34) 423-484 (7,881)

DFCAF 183,02 (28,95) 238-335 (49,33) 394-433 (6,067) 710-760 (12,15)

T7A 101,99 (5,203) 283,86 (84,39) 492,90 (9,462) 770-860 (5,717)

Mistura fsica 97,13 (3,998) 187,11 (11,35) 294,91 (31,77) 367,80 (41,75)

Para uma melhor visualizao da variao de massa em relao temperatura, a seguir

mostram-se os perfis de perda de massa em relao temperatura de cada um dos compostos

testados.

0 200 400 600 800 1000

0

50

100

150

200

250

Ma

ssa

(%

) u

.a.

Mistura fisica

T7A

DFO

DFCAF

Temperatura (C)

Figura 37. Perfis termogravimtricos comparativos do DFO, T7A, DFCAF e mistura fsica.

Da Figura 37 infere-se que o perfil do produto diferente dos perfis dos reagentes de partida

e de uma simples mistura de ambos, de modo que podemos dizer que temos realmente um produto

67

diferente. O perfil do produto tem vrias semelhanas com o perfil de DFO e isso razovel, pois a

maior massa molecular do nosso produto deve ser fornecida pelo DFO.

4.3.4 Espectroscopia vibracional na regio do infravermelho

Os produtos DFCAF, T7A, desferrioxamina e a mistura foram encaminhados tambm para

espectroscopia na regio do infravermelho em KBr a fim de determinar os grupos funcionais

presentes (Figura 38).

4000 3000 2000 1000 0

50

100

150

200

250

Tra

nsm

it

ncia

(u

.a.)

Mistura fisica

T7A

Amostra E02

DFO

Wavenumber (cm-1)

Figura 38. Espectro de infravermelho em KBr de mesilato de desferrioxamina (DFO), T7A,

DFCAF e a mistura de DFO e T7A (1:1).

68

As principais bandas so listadas na Tabela 11, seguidas das atribuies sugeridas.

Tabela 11: Atribuio das bandas de infravermelho (valores em cm-1

). Nmeros em destaque

com formatos iguais representam as mesmas bandas nos diferentes compostos. : estiramento; :

deformao

Banda DFO DFCAF T7A Mistura Referncia

Deformao

OCO - - 688 688 [67]

Vibraes do

anel, C-N ou

N-H

1164

1197

1238

1396

1413

1461

1163

1196

1238

1396

1414

1348

1460

1331

1435

1459

1163

1194

1241

1397

1409

1331

1435

1459

[68]

C=C, C=N ou

NH 1569 1566 1551 1551 [68]

C=O

(hidroxamico) 1628 1627 - 1627 [69]

C=O do C(2) - 1672 1656 1657 [70]

C=O do C(6) - 1708 1707 1707 [70]

C=O cido

carboxlico - - 1732 1731 [70]

OH cido

carboxlico - -

2572

2625

2747

2963

2998

3136

2855

2571

2637

2747

2962

2998

3136

2857

[70]

sCH2 2929 2929 - 2930 [69]

N-H (amina

secundaria) 3313 3306 - 3313 [69]

OH gua - - 3481

3487

[70]

De acordo com os dados da Tabela 11, observa-se que no ocorrem as bandas de vibrao

C=O (1731 cm-1

; [70]) nem de deformao O=CO (688 cm-1

; [67]) tpicas do cido carboxlico.

Ambas esto presentes apenas na T7A e na mistura fsica, mas era esperado que esse grupo

69

carboxilato fosse removido durante a conjugao que d origem ao DFCAF (Figura 22). Se

mostram tambm bandas de vibrao C=O (1728cm-1

; [69]) tpicas dos estiramentos hidroxmicos,

bem como da vibrao CH2 (2929cm-1

; [69 ]) presente apenas no DFO, DFCAF e na mistura. Tais

resultados corroboram o xito da sntese. Uma srie de bandas de meia intensidade na regio de

2500 a 2800 cm-1

, correspontes na T7A a estiramentos do grupo OH carboxlico, tambm esto

ausentes no produto, conforme esperado.

Um conjunto de bandas entre 1100 cm-1

e 1400 cm-1

refere-se s vibraes do anel

xantnico, estiramentos N-H ou C-N. Encontram-se nos quatro compostos analisados, entretanto,

seu nmero menor no caso da T7A, talvez porque no apresenta ligao N-H.

Existem vibraes na regio de 1650 cm-1

e 1708 cm-1

que so caractersticas do C(2) e C(6)

da T7A respectivamente, e que obviamente tambm aparecem na mistura fsica.

4.3.5 Espectroscopia vibracional Raman

As espectroscopias Raman e Infravermelho (IV) so tcnicas complementares e portanto se

requerem para medir completamente os modos de vibrao da molcula. Embora algumas vibraes

possam ser ativas tanto em Raman e IV, estas duas formas de espectroscopia surgem dos diferentes

processos e regras diferentes de seleo. Em geral, a espectroscopia Raman melhor nas vibraes

simtricas de grupos no polares, enquanto a espectroscopia IV melhor nas vibraes assimtricas

de grupos polares. A molcula do DFCAF tem vibraes de ambos os tipos, se espera ento a

presena de novas vibraes, devido mudana de polarizabilidade e a corroborao de outras j

apresentadas no IV.

DFCAF, T7A e a desferrioxamina foram analisados por espectroscopia vibracional Raman a

fim de determinar os grupos funcionais presentes (Figura 39).

70

250 500 750 1000 1250 1500 1750 2000 2250 2500 2750 3000

Tra

nsm

it

ncia

(u

.a.)

Wavenumber (cm-1)

DFO

DFCAF

T7A

Figura 39. Espectro Raman da desferrioxamina (DFO), T7A e DFCAF.

Como se mostra na figura 39, o espectro Raman apresenta sinais na regio 500-1800 cm-1

e

2600-3200 cm-1

. As principais bandas so listadas na Tabela 12, seguidas das atribuies sugeridas.

71

Tabela 12: Atribuio das bandas de Raman (valores em cm-1

). : estiramento, : deformao e

: balano.

Banda DFO DFCAF T7A Referncia

Vibraes do anel xantnico

(anel) + (CNO) + (CH)

(C-N-CH3),

(O=C-C) anel

(C-N) anel

(C=C) + (C-N) + (CH3)