Eletroquímica do Estado Sólido: Fundamentos Sobre Materiais ...

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Apostila “Eletroquímica do Estado Sólido: fundamentos sobre materiais semicondutores” Autor: Dr. Leonardo Morais Da Silva UNICAMP – Laboratório de Química Ambiental (LQA) 2005

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Apostila

“Eletroquímica do Estado Sólido:

fundamentos sobre materiais

semicondutores”

Autor: Dr. Leonardo Morais Da Silva

UNICAMP – Laboratório de Química Ambiental (LQA)

2005

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1. Introdução

A investigação de eletrodos semicondutores tem intensificado nos últimos anos a

ligação entre a eletroquímica e a química do estado sólido, criando assim uma conexão

íntima entre a eletroquímica e a fotoquímica, permitindo assim um profundo

melhoramento na compreensão dos processos interfaciais [1]. Dentre os inúmeros

colaboradores a investigação dos materiais semicondutores, vale a pena destacar os

trabalhos desenvolvidos por Heinz Gerischer (1919-1994) [1-15], o qual foi um dos

fundadores da eletroquímica moderna.

De uma forma breve pode-se dizer que a maior diferença existente entre um

metal e um semicondutor é a magnitude de sua condutividade. Enquanto que os metais

possuem uma condutividade da ordem de 106ohm-1.cm-1, os semicondutores apresentam

valores na faixa de 102-10-9 ohm-1 cm-1 [16]. Esta grande diferença de condutividade

reflete predominantemente a concentração dos transportadores de cargas livres.

Contrariamente aos condutores metálicos, onde a concentração de transportadores de

carga elétrica é elevada, os semicondutores apresentam uma reduzida concentração de

transportadores com capacidade de locomoção, e sua acumulação no interior do

semicondutor corresponde a uma distribuição de carga espacial, diferente portanto dos

metais os quais apresentam uma distribuição de cargas superficial.

O processo de condução nos sólidos requer o movimento de elétrons, o qual por

sua vez é dependente da estrutura eletrônica do material. No caso dos semicondutores,

os transportadores móveis são os elétrons da banda de condução e os buracos da banda

de valência. A banda de valência é o resultado do recobrimento entre os orbitais de

valência dos átomos individuais, enquanto que a banda de condução é o resultado do

recobrimento entre os orbitais mais elevados parcialmente preenchidos ou vazios.

Semicondutores intrínsecos (ex. germânio) normalmente possuem uma baixa

concentração de transportadores quando comparado com os metais. Neste materiais o

número de elétrons na banda de condução é igual ao número de buracos na banda de

valência, visto o processo de movimentação de cargas é o resultado da transição

eletrônica através do “gap” que separa a banda de condução da banda de valência, e o

seu produto é uma constante dada pela lei de ação das massas [16]. Contrariamente, no

caso dos semicondutores extrínsecos do tipo “n” e “p” a condutividade é mais elevada

do que no caso dos semicondutores intrínsecos, e é caracterizada por um processo

específico de condução via elétrons ou buracos. Um aspecto interessante no caso destes

materiais é que a concentração dos transportadores, e portanto a sua condutividade,

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pode ser variada dopando-se o material com pequenas quantidades de elementos que

confiram um acréscimo no número de aceptores ou de doadores de elétrons [16].

2. Modelo empregado na representação da Interface eletrodo/eletrólito

No interior dos semicondutores do tipo-n a carga dos elétrons móveis é

compensada pelos doadores positivos imobilizados, enquanto que nos do tipo-p tem-se

buracos móveis e aceptores negativos imobilizados, mantendo-se portanto um equilíbrio

entre os transportadores de carga. No caso dos semicondutores do tipo-n os

transportadores majoritários (aqueles em maior concentração) são os elétrons,

enquanto que nos do tipo-p os transportadores majoritários são os buracos.

Tomando-se como exemplo a distribuição espacial de carga no interior de um

semicondutor de tipo-n, tem-se que a concentração dos elétrons n(x) é sempre igual a

concentração dos doadores ionizados, ND. Assim, aplicando-se uma voltagem ao

semicondutor, em contato com um eletrólito, a distribuição de carga, ρ(x), pode ser

obtida como um resultado da combinação entre a equação de Poisson e a função de

distribuição de Boltzmann:

−=

kTeNex o

Doϕρ exp1)( (1)

Esta expressão é somente válida para um intervalo onde o sistema eletrônico não

é degenerado ( não deve possuir diferentes estados com a mesma energia), o qual requer

n(x) << Neff, sendo Neff a densidade efetiva de estados os quais é para a maioria dos

semicondutores da ordem de 1019 - 1020 cm-3. Desse modo, para acumulações de carga

onde a concentração dos transportadores eletrônicos é próxima de Neff o comportamento

do semicondutor aproxima-se ao de um condutor metálico, requerendo portanto neste

caso o tratamento estatístico introduzida por Fermi no lugar da distribuição de

Boltzmann.

A figura 1 mostra um diagrama de energia (Energia vs. posição) para um

eletrodo semicondutor do tipo-n para diferentes distribuições da carga espacial.

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Figura 1 – Diagrama representativo da dupla camada elétrica em um semicondutor do tipo-n em

contato com um eletrólito. Acima: distribuição dos transportadores de carga; Meio:

posicionamento das bordas das bandas; Abaixo: variação do potencial elétrico com a posição.

Figuras extraídas da ref. [1].

Primeiramente, observa-se na parte posterior da fig.1 as 3 distribuições possíveis

da carga na interface, ou seja, na ausência de excesso de cargas (ponto de carga zero

“pcz”, condição de banda plana), na deficiência de elétrons (camada de depressão) e

no excesso de elétrons (camada de acumulação). Posteriormente observa-se no meio da

fig.1 as posições das bordas das bandas de energia e finalmente, na porção inferior da

figura, observa-se as respectivas dependências do potencial elétrico com a posição no

interior do eletrodo.

No caso da situação de banda plana tem-se que a distância entre a posição do EF

e das bordas da banda refletem a concentração local dos transportadores de carga.

Assim, considerando-se a distribuição de Boltzmann, a concentração eletrônica n(x) no

interior do eletrodo é dada pela seguinte expressão:

−−

=kT

ExENxn FCC

)(exp.)( (2)

onde NC é a densidade efetiva dos estados na borda da banda. Se uma perturbação

positiva é aplicada a um semicondutor do tipo-n, ∆ϕCE se torna positivo e a posição das

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bordas da banda é deslocada para baixo no interior em relação a superfície, como pode

ser observado na figura 1. O resultado é uma camada de depressão e um decréscimo de

n na superfície do eletrodo. Assim, se a concentração eletrônica no interior é nb, a

concentração superficial ns torna-se neste caso:

∆−

=kT

enn CEobs

ϕexp. (3)

Contrariamente, no caso de uma camada de acumulação, com um ∆ϕCE negativo,

os elétrons acumulam-se na superfície do eletrodo.

O espaçamento entre os estados energéticos criados pela proximidade dos

átomos no sólido depende do número de estados presentes; quanto maior o número de

estados, mais próximo estão os níveis eletrônicos permitidos. Portanto, no caso dos

sólidos, os níveis energéticos estão tão próximos que é mais conveniente ignorar a

existência de níveis discretos e pensar em termos de uma banda contínua dos níveis de

energias permitidos.

Não há uma metodologia disponível até o momento que permita a medida direta

da distribuição espacial de cargas no interior do semicondutor. No entanto, pode-se

obter informações indiretas, a respeito da variação da distribuição de cargas, a partir de

medidas de capacidade diferencial.

Assumindo-se que a contra carga de equilíbrio (de sinal oposto) esteja em frente

a superfície do semicondutor, a capacidade diferencial CCE da camada de carga espacial

pode ser dada pela seguinte expressão:

( ) 212

1

.2

−∆

=

∆= CE

Doo

CECE

Ned

dQC ϕεεϕ

(4)

Considerando-se que a voltagem aplicada se distribua em duas regiões distintas

da interface sólido/líquido (interior do semicondutor e no eletrólito), o modelo mais

apropriado para representar a interface eletrificada é constituído pela associação em

série de dois capacitores. Tal modelo, leva em consideração que a concentração do

eletrólito seja alta o suficiente para que contribuições referentes a dupla camada elétrica

difusa possam ser desprezadas [1]:

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CEH CCC111

+= (5)

Visto que em uma combinação em série de capacitores a capacidade total é

determinada pelo menor valor da capacidade, para valores de voltagem positiva (Ex:

semicondutor do tipo-n), a capacidade total é limitada pela capacidade da carga espacial

residente no interior do sólido já que esta é em magnitude a menor das capacidades

(< 1 µF cm-2). Para semicondutores do tipo-p a situação é a mesma, porém deve ser

invertido o sinal da voltagem aplicada.

Assim, obtém-se das equações (4) e (5), considerando-se CH constante

(≈ 20 µF cm-2), a seguinte relação:

CEDoo NeC

ϕεε

∆= .212 (6)

Enquanto que a determinação do ponto de carga zero, pcz, é bem estabelecida

para eletrodos metálicos, o fato da existência de uma distribuição de cargas volumétrica,

ou espacial, no interior do semicondutor proporciona a aplicação de várias técnicas para

a determinação do pcz nesta classe de materiais [12,17,18], o qual é mais conhecido

como potencial de banda plana.

Considerando-se que somente a voltagem externa aplicada U possa ser variada,

mede-se a capacidade diferencial em função de U. Se a queda do potencial no eletrólito

∆ϕH permanecer constante, ∆ϕCE variará em paralelo com U de acordo com a seguinte

expressão:

∆ϕCE = U - UBP, para ∆ϕCE > 100mV (7)

O potencial UBP é chamado de potencial de banda plana devido a energia dos

elétrons nas bordas das bandas ser constante do interior do semicondutor até a

superfície. Assim, UBP corresponde ao potencial onde não há excesso de carga (pcz) no

interior do semicondutor, e seu valor frente a um sistema padrão de referência (ex. ERH,

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Eletrodo Reversível de Hidrogênio) pode ser determinado por extrapolação do gráfico

1/C 2 vs. U, também conhecido como gráfico de Mott-Schottky.

A extrapolação para 1/C2 → 0 fornece o potencial de banda plana UBP, e a partir

da eq.7 obtém-se o valor de ∆ϕCE para o intervalo onde a relação Mott-Schottky é

linear. O coeficiente angular do gráfico fornece a concentração de doadores ND, se ε é

conhecido.

Normalmente o potencial de banda plana é dependente de fatores como o a

adsorsão específica de íons provenientes do eletrólito e da estrutura da cristalográfica do

material semicondutor. Um caso particular é o dos óxidos semicondutores, os quais são

materiais que interagem especificamente com íons H+ e OH-. Assim, a queda de

potencial na dupla camada de Helmholtz destes materiais é fortemente dependente do

pH do eletrólito [1].

A figura 2 mostra o circuito equivalente empregado para representar a interface

semicondutor/eletrólito e a respectiva dependência das capacidades referentes a dupla

camada elétrica difusa, de Helmholtz e da carga espacial no eletrodo, com o potencial

aplicado.

Figura 2 – Capacidades diferencial da dupla camada ionica difusa (Camada de Gouy), CG; dupla

camada de Helmholtz, CH; camada de carga espacial do semicondutor, CSC, em função da queda do

potencial ∆ϕ nestas camadas.

Considerando-se que o menor valor da capacidade em série é o da carga

espacial, é este valor de capacidade que corresponde portanto ao valor medido

experimentalmente.

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A figura 3 mostra a capacidade diferencial medida e a interpretação com o

modelo de dois capacitores em série, onde um capacitor representa a dupla camada de

Helmholtz do metal, e o outro a carga espacial desconhecida do grafite. Como pode ser

constatado a camada de Gouy desempenha o seu papel somente próximo ao ponto de

carga zero. Além disso, em altas concentrações do eletrólito de suporte a presença da

dupla camada de Gouy pode ser desprezada.

Figura 3 – Capacidade diferencial do grafite, Cexp, e a capacidade da carga espacial calculada, CSC,

a qual é suposta estar em série com a capacidade de Helmholtz, CH. O valor de CH foi obtido a

partir do eletrodo de mercúrio no mesmo eletrólito.

Um aspecto importante a ser levado em consideração é que para uma

polarização catódica os valores de CSC são próximos à CH e daí a análise dos valores da

capacidade medida se torna difícil. Para o caso de um semicondutor do tipo-p a situação

é idêntica para o caso de uma polarização anódica.

A figura 4 mostra a densidade dos estados energéticos em função da posição do

nível de Fermi, derivados a partir dos respectivos valores da capacidade diferencial. A

parte inferior da figura mostra a comparação da distribuição de carga entre um metal e

um semi-metal.

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Figura 4 – Densidade dos estados ao redor da energia de Fermi no grafite, derivado a partir das

medidas de capacidade (a) e da distribuição de carga no contato (b) em comparação a um metal.

Como pode ser observado na fig.4(a) a densidade dos estados eletrônicos é

praticamente constante com o potencial para o metal, enquanto que para o grafite

observa-se um mínimo da densidade ao redor do nível de Fermi. Um análise da fig.4(b)

revela que enquanto a distribuição de cargas no eletrólito é a mesma para o metal e o

grafite, na fase sólida observa-se a ocorrência de uma distribuição diferenciada, sendo a

mesma prolongada a uma maior distância para o grafite quando comparado ao metal.

3. O emprego da técnica de espectroscopia de impedância eletroquímica EIE no

estudo de eletrodos semicondutores

Do ponto de vista experimental o valor da capacidade diferencial pode ser

determinado através de medidas de EIE. De um modo geral o procedimento adotado na

interpretação dos resultados de EIE consiste no ajuste de um circuito teórico aos dados

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experimentais, de onde obtém os valores da capacidade frente ao dado modelo de

circuito empregado. Normalmente o ajuste é feito empregando-se os programas

desenvolvidos por B. A. Boukamp (EQUIVCRT) [19] e por J. R. Macdonald (LEVM)

[20].

A figura 5 mostra um diagrama de energia para um semicondutor do tipo-n em

condição de depressão e o correspondente modelo baseado em um circuito equivalente.

Figura 5 - (a) Diagrama de energia para um semicondutor do tipo-n em condição de depressão. A

flecha indica o sentido da transferência monoeletrônica da banda de condução para os estados

vazios do sistema redox. (b) Circuito equivalente correspondente a situação descrita em 3(a).

Uma análise da fig. 5(a), revela que uma polarização positiva do eletrodo leva a

uma depressão de cargas negativas (transportadores majoritários), ou seja uma

envergadura, em função da distância no interior do semicondutor. Como poder ser

também pode ser observado, a interface semicondutor/eletrólito constitui uma dupla

camada elétrica. A figura também mostra que o nível de Fermi EF dos elétrons tem que

ser tomado horizontalmente. Levando-se em conta estas considerações, verifica-se que a

posição das bandas de energia na superfície (EC,S e EV,S) permanecem fixas com

respeito ao nível de referência na solução quando é variado o potencial aplicado.

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Em um caso mais simples, a impedância da interface semicondutor/eletrólito

pode ser representada pelo circuito presente na fig. 5(b), onde RF é a resistência

faradaica. No entanto, estudos tem revelado que este modelo é muito simplista, e não

leva em consideração todos os fenômenos físico-químicos presentes na interface

sólido/líquido. Assim, alguns autores [21,22] tem demostrado que uma representação

mais realista da interface semicondutor/eletrólito é obtida substituindo-se o componente

capacitivo da impedância interfacial XC = (jωCCS)-1 por um elemento de fase constante

EFC = Q(jω)-n, com 0 < n < 1, onde “n” está relacionado com o ângulo de fase φ pela

relação φ = n(π/2).

Estudos revelam que fatores como a relaxação da camada de depressão para

níveis doadores mais profundos e a rugosidade do eletrodo, são as principais causas do

fenômeno da dispersão da freqüência em eletrodos semicondutores [23,24]. O fenômeno

da dispersão da freqüência é normalmente caracterizado por um desvio dos valores da

reatância capacitiva de seu valor ideal, o qual reflete em valores do expoente “n”

diferentes da unidade [25].

A figura 6 mostra um gráfico de Mott-Schottky obtido em diferentes valores de

frequência para um eletrodo de GaP do tipo-p, com uma orientação cristalográfica

(111), em pH =1, sob condição de depressão [26].

Figura 6 - Gráfico de Mott-Schottky obtido em diferentes valor da freqüência em condição de

depressão; Eletrodo: GaP do tipo-p; pH 1.

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Como pode ser observado na fig. 6, as extrapolações efetuadas em diferentes

valores da freqüência convergem para um ponto em comum o qual caracteriza o valor

do potencial de banda plana. Assim, conhecendo-se o valor do potencial de banda plana

UBP, a queda do potencial sobre a camada de depressão e portanto da quantidade de

envergadura da banda em um dado potencial, pode ser determinada fornecendo assim

informações sobre a concentração de transportadores de carga livres na superfície do

eletrodo, o qual é de grande importância do ponto de vista cinético [27].

Outra aspecto de primordial importância é o fato de que a partir dos valores de

UBP pode-se determinar a posição energética das bordas da banda na superfície, visto

que -eUBP representa na verdade a posição do nível de Fermi do semicondutor para o

caso onde não há excesso de carga no interior do semicondutor, ou seja, em condições

de pcz.

4. Aspectos teóricos sobre o processo de transferência eletrônica em uma interface

sólido/líquido

A investigação do processo de transferência eletrônica tem sido um grande

objeto de estudos pelos eletroquímicos [28], além de ser um dos maiores desafios desde

os trabalhos pioneiros desenvolvidos por J. Tafel no início do século XX [29]. Estudos

revelam que mesmo as teorias mais avançadas empregadas para descrever a cinética dos

processos eletroquímicos confrontam-se com sérias dificuldades quando faz-se o uso de

predições quantitativas com relação a velocidade do processo eletródico [30-32]. Tal

aspecto se deve ao fato de haver perdas de informações microscópicas relacionada a

camada superficial reacional, o que leva a incertezas na escolha dos parâmetros do

correspondente modelo empregado. De um modo geral, uma das maiores complicações

encontradas é a análise do fator pré-exponencial comum aos modelos normalmente

empregados e a análise referente ao recobrimento existente entre os orbitais dos

reagentes durante o processo de transferência eletrônica heterogênea.

De um modo genérico, um processo de transferência eletrônica ocorre entre dois

estados quânticos: um ocupado e um vazio. Assim, visto que o elétron é uma partícula

muito mais leve do que o núcleo atômico, nos modelos adotados a transição do estado

eletrônico é considerado um evento rápido quando comparado aos movimentos da

vizinhança (ambiente interior a esfera de solvatação). Desse modo, o modelo de

transferência eletrônica é normalmente construído a luz do princípio de Franck-Condon,

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o qual estima a separação entre as respectivas contribuições nucleares e eletrônicas, e

da conservação da energia o qual é mantido considerando-se que a energia de ligação E

do elétron em ambos estados quânticos é o mesma.

Em um processo eletroquímico a corrente medida é composta de contribuições

dos níveis eletrônicos individuais presentes no eletrodo. Estudos revelam que estes

níveis são muito pouco afetados pela vizinhança, enquanto que a estrutura molecular é

fortemente acoplada com o meio eletrolítico [33].

Na ausência de polarização a energia de equilíbrio dos níveis inicialmente vazios

está bem acima do nível de Fermi EF. Assim, flutuações na polarização levam o nível

energético para estados mais populados próximos ao nível de Fermi, tanto no caso dos

eletrodos metálicos quanto dos semicondutores, e próximo as bordas das bandas de

condução e de valência para o caso dos eletrodos semicondutores.

A figura 7 mostra o modelo de Gurney para um processo de transferência

eletrônica entre um metal e um sistema redox em solução, onde é assumido que os

elétrons passam do nível de Fermi do metal para os estados aceptores vazios de uma

espécie oxidante em solução (a), ou vice-versa de um estado doador preenchido de uma

espécie redox em solução para o nível de Fermi do metal (b) pelo processo de

tunelamento.

Figura 7 – Modelo de Gurney para uma reação redox em um eletrodo metálico mostrando as

condições para a transferência eletrônica: E ≈ Φ (função trabalho).

Um processo de transferência eletrônica em uma interface sólido/líquido pode

ser representado pelo seguinte processo redox genérico:

sólidosolvsólidosolv vazioestadodocupadoestadoOx ).(Re).( +⇔+ −+ (8)

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onde a velocidade do processo de transferência eletrônica, tomando-se como exemplo o

sentido catódico, pode ser descrito pela seguinte expressão:

dxdEEWEDxEkxNi OXOCUOX .).(.)().,().(∫∫= (9)

onde NOX(x) é a concentração da espécie oxidada a uma distância x da interface em

termos de íons (ou moléculas) por cm3. DOCU(E) é a concentração dos estados ocupados

no eletrodo a um nível de energia E, normalmente expressado por cm3 e eV. WOX(E) é a

probabilidade que o nível eletrônico alcança, por flutuações térmicas, um nível de

energia E, e k(E,x) é a probabilidade de tunelamento para a transferência eletrônica em

função da energia e da distância.

A figura 8 mostra uma representação das integrais referentes a velocidade de

transferência eletrônica em função do nível de Fermi EF e do potencial redox Eo, onde é

assumido iguais concentrações das espécies oxidadas e reduzidas.

Figura 8 – Representação ilustrativa das integrais nas equações da velocidade da reação,

descrevendo a velocidade da transferência eletrônica em função da relação existente entre EF e

Eoredox.

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5. Extensão do modelo de Transferência eletrônica para eletrodos semicondutores

Tomando-se algumas considerações básicas, o modelo genérico descrito pela

eq.9 também é válido para representar um processo de transferência eletrônica em uma

interface semicondutor/líquido. A principal diferença é o fato dos semicondutores

apresentarem uma discretização de sua banda de energia em banda de valência e de

condução, as quais são ausentes nos eletrodos metálicos. No caso particular dos

semicondutores, a banda de energia mais alta preenchida por elétrons (banda de

valência) é separada da banda de energia mais baixa vazia (banda de condução) por

uma energia de separação, denominada de energia de gap ∆Eg, da ordem de 1 a 3 eV.

O fato de haver uma separação dos estados eletrônicos cria uma descontinuidade

nos estados energéticos e faz com que a eq. 9 tenha que ser dividida em duas

contribuições: uma sobre a faixa de energia da banda de valência e a outra sobre a faixa

de energia da banda de condução. Desse modo, a ocorrência de um processo de

transferência eletrônica, em uma interface semicondutor/eletrólito, tem que ser

especificada por qual caminho: via banda de condução ou via banda de valência.

Estudos mostram [33] que o processo de transferência eletrônica a partir das bandas de

condução e de valência podem ser competitivos.

Em contraste aos metais, a energia de Fermi EF, como é localizada entre os

estados doadores (ou aceptores) é excluída do processo de transferência eletrônica. Se

EF está acima da energia da banda de condução EC ou abaixo da energia da banda de

valência EV (situação conhecida como degeneração de um semicondutor) as

propriedades do semicondutor se aproxima as dos metais, e assim o tratamento

desenvolvido para eletrodos metálicos pode ser aplicado neste caso sem modificações

posteriores. No caso de eletrodos semicondutores uma situação de equilíbrio significa

que EF é coincidente para o eletrodo e para o sistema redox presente no eletrólito.

Para a obtenção de um modelo para a velocidade da transferência eletrônica

deve-se fazer uma analogia aos eletrodos metálicos, ou seja, as espécies redox devem

requerer uma excitação térmica de seus níveis de energia para a energia das bordas da

banda onde os estados energéticos no semicondutor são acessíveis [13]. Assim, é

requerido que os estados ocupados e vazios estejam disponíveis na mesma energia em

ambos lados da interface sólido/líquido. A descontinuidade gerada pela separação entre

a banda de valência e a banda de condução faz com que a transferência eletrônica seja

dada pela seguinte expressão, considerando o sentido catódico[1]:

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Eletroquímica do Estado Sólido: fundamentos sobre materiais semicondutores 16

+= ∫∫

∞− C

V

EOCUOXICELEELE

E

OCUOXIVELEELEnREDREDo dEEDEWEdEEDEWENej )()(.).()()(.).(... κσκσνσ (10)

onde tem-se que a corrente total (j) é a soma das correntes parciais via banda de

valência ( −Vj ) e via banda de condução ( −

Cj ):

−− += CV jjj (11)

Os parâmetros presentes na eq.10 apresentam os seguintes significados:

σOXI, σRED e σELE são as interseções transversais reacional dos participantes

presentes na interface.

νn: freqüência média dos modos nucleares no complexo ativado.

νELE: fator de freqüência para transição eletrônica.

κELE: coeficiente de adiabaticidade, onde para um processo adiabático νELE >> νn.

WOXI: distribuição de probabilidade dos estados energéticos das espécies

oxidadas. Os demais parâmetros possuem os seus significados usuais.

Uma análise do modelo descrito pela eq.10 revela que para o caso onde o nível

de Fermi está localizado no gap, a densidade de corrente de troca é extremamente

pequena. Contrariamente, se o potencial redox do sistema redox envolvido estiver

localizado próximo as bordas da banda do semicondutor uma densidade de corrente

considerável pode ser observada [1]. Estes detalhes mostram a importância da

correlação existente entre a posição das bordas das bandas de energia do semicondutor

com o potencial redox das espécies provenientes do eletrólito.

A figura 9 mostra 3 casos de “equilíbrio” entre pares redox e um semicondutor

do tipo-n.

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Figura 9 – Três casos de equilíbrio entre pares redox e um semicondutor do tipo-n. Sistema redox 1

pode trocar elétrons com a banda de condução, e o sistema 3 com a banda de valência. Para o

sistema 2, a troca eletrônica no equilíbrio é desprezível.

Para o sistema 1, onde é assumido a condição de camada de acumulação, espera-

se uma alta velocidade de transferência eletrônica em virtude da grande concentração de

elétrons na superfície. Contrariamente, para os sistema 2, onde é assumido a condição

de camada de depressão, não é esperado o processo da transferência eletrônica já que

não há elétrons disponíveis na superfície. Finalmente, para o sistema 3, a altura da

barreira para os elétrons é alta (próxima ao gap da banda), o que exclui a possibilidade

de transferência eletrônica com a banda de condução. Entretanto, os níveis de energia

das espécies oxidadas recobrem com a banda de valência, e a troca de elétrons é

possível via banda de valência.

A figura 10 mostra curvas de energia e as correspondentes curvas corrente-

potencial para o caso de “não-equilíbrio” de reações redox em eletrodos do tipo-n (a) e

do tipo-p (b).

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Figura 10 – Reações redox em um eletrodo semicondutor do tipo-n (a) e do tipo-p (b). Acima:

diagramas de energia em um sobrepotencial particular: η = (Eoredox – EF)/eo. Abaixo: curvas

corrente-potencial correspondentes.

Uma análise do comportamento da fig.10 revela que a velocidade da

transferência eletrônica para um eletrodo do tipo-n e um sistema redox depende somente

da concentração superficial de elétrons, enquanto que a oxidação de um sistema redox

por buracos depende da concentração superficial de buracos. Como pode ser observado

no caso do semicondutor do tipo-n, valores de corrente consideráveis só são observados

para valores do sobrepotencial η < 0, enquanto que para um semicondutor do tipo-p

valores de corrente mais elevados só são observados para η > 0.

No caso de um semicondutor onde o nível de dopagem não é muito elevado, e a

voltagem aplicada corresponde somente a uma queda do potencial na camada espacial

de carga, um modelo simples pode ser empregado para representar a cinética do

processo de transferência eletrônica [4]. Tal caso, pode ser representado unicamente em

termos de um processo de transferência eletrônica via banda de condução ou via banda

de valência de acordo com as seguintes equações:

Transferência via banda de condução:

OXIsCREDccc NnkNNkj .... −+ −= (12)

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Eletroquímica do Estado Sólido: fundamentos sobre materiais semicondutores 19

onde a concentração superficial de elétrons é dada pela seguinte expressão:

=kT

enn CEo

osϕ

exp. (13)

Transferência via banda de valência:

OXIVVOXIsVV NNkNpkj .... −+ −= (14)

onde a concentração de superficial de buracos é dada pela seguinte expressão:

=kT

epp CEo

osϕ

exp. (15)

Se a queda de potencial varia na dupla camada de Helmholtz, as constantes

presentes nas eqs. 12 e 14 sofrem alterações, e o comportamento cinético requer

modelos mais complexos [5].

De um modo geral, os modelos cinéticos revelam que a velocidade de

transferência eletrônica de um semicondutor do tipo-n para um dado sistema redox é

dependente somente da concentração superficial de elétrons, enquanto que a injeção de

elétrons na banda de condução a partir de um sistema redox permanece constante e é

independente da voltagem aplicada [1]. A correlação inversa é válida para os buracos

presentes em um semicondutor do tipo-p.

A figura 11 mostra curvas corrente-potencial para um eletrodo semicondutor do

tipo-n [11] e o correspondente efeito da variação do ∆ϕH com o potencial aplicado.

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Eletroquímica do Estado Sólido: fundamentos sobre materiais semicondutores 20

Figura 11 - Curvas corrente-potencial (polarização) para um semicondutor do tipo-n em contato

com um par redox onde ocorre a troca de elétrons via banda de condução: Linha cheia: ∆ϕH =

constante; Linha pontilhada: ∆ϕH sofrendo pequenas variações.

De acordo com Gerischer [11] os motivos para os desvios observados na fig. 11

são devidos a existência de estados eletrônicos superficiais que podem estocar o excesso

de carga. Assim, parte do sobrepotencial então aparece em ∆ϕH. O resultado então é

uma curva de polarização mista de difícil interpretação. Além disso, pode ser observado

também que o ramo catódico da curva aumenta mais acentuadamente com o

sobrepotencial do que o ramo anódico quando o processo redox ocorre em um eletrodo

do tipo-n.

Visto a importância da comparação direta entre o potencial dos pares redox e a

energia dos estados do semicondutor, é necessário que ambas energias sejam medidas

frente a um mesmo referencial. Assim, para ser possível comparar o potencial redox (vs.

ERH) com a energia das bandas, foi criado uma escala baseada em função trabalho, ou

seja, na energia requerida para remover elétrons dos níveis energéticos para o nível do

vácuo (nível de referência).

A figura 12 mostra a comparação entre as escalas eletroquímica E e absoluta U

dos potenciais redox, e como pode ser observado, o nível de Fermi na escala do eletrodo

de hidrogênio se localiza cerca de 4,5 eV abaixo do nível do vácuo.

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Eletroquímica do Estado Sólido: fundamentos sobre materiais semicondutores 21

Figura 12 – Comparação das escalas eletroquímica (U) e absoluta (E) dos potenciais redox.

6. Técnicas experimentais empregadas na investigação da cinética doprocesso de transferência eletrônica em eletrodos semicondutores

De acordo com estudos da literatura [11], os métodos experimentais mais

adequados para o estudo cinético de transferência de carga em interfaces sólido/líquido

são aqueles envolvendo as técnicas de passo de corrente, passo de potencial e a

espectroscopia de impedância eletroquímica, EIE.

6.1. Técnica envolvendo o passo de corrente

Considerando-se o caso genérico de um processo redox representado pela eq.8,

tem-se que para um controle difusional puro, as concentrações na interface seguem, à

corrente constante, a equação derivada por Sand [35]:

−=

REDREDRED

ti

NNτ

11,0 (16)

onde NRED é a concentração inicial na interface e τRED é o parâmetro tempo de transiente

onde NRED torna-se zero à uma corrente anódica,

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Eletroquímica do Estado Sólido: fundamentos sobre materiais semicondutores 22

0,2 REDoRED

RED Ni

eDπτ = (17)

Combinando-se as eqs.16 e 17 com a expressão derivada originalmente por

Butler e Volmer [36,37], obtém-se a seguinte relação para a resposta de tempo da

voltagem, a uma corrente constante, quando a velocidade é controlada pela

transferência de carga e pela difusão, sem convecção:

tkT

ekTei

iiii o

OXI

o

REDoTC

+

−=

ηατ

ηατ

η )1(exp1exp1)( (18)

com

−−−

=

kTe

kTeii oo

oTCηαηαη )1(expexp)( (19)

onde iTC(η) representa a dependência da velocidade de transferência de carga com o

sobrepotencial η para uma concentração constante dos componentes redox na interface:

NRED = NRED,0 e NOXI = NOXI,0. A eq. 18 representa o transiente galvanostático da

sobrevoltagem. Constata-se portanto que uma extrapolação do transiente de

sobrevoltagem η(t) para t→ 0, em diferentes valores de corrente constante, resulta em

informações diretas sobre a relação entre a corrente de transferência de carga e a

sobrevoltagem. A figura 13 mostra um comportamento genérico de um transiente

galvanostático da sobrevoltagem.

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Eletroquímica do Estado Sólido: fundamentos sobre materiais semicondutores 23

Figura 13 - Perfil característico de um transiente galvanostático da sobrevoltagem.

Todavia, como pode ser observado na fig.13, há um inconveniente na análise dos

transientes da sobrevoltagem à uma corrente constante. Normalmente, um transiente

real exibe um retardamento inicial no aumento de η devido a corrente necessária para o

carregamento da capacidade da interface eletrodo/eletrólito. Os problemas relacionados

com a influência da corrente capacitiva na forma da curva η vs. t bem como os seus

possíveis contornos são descritos na literatura [38,39].

6.2. Técnica envolvendo o passo de potencial

A análise matemática do transiente de corrente à sobrepotencial constante,

conhecido como transiente potenciostático, é mais simples do que o caso descrito no

item 6.1. Para conectar o processo de transferência de carga com o transporte de massa

por difusão como controladores da velocidade do processo redox, em um eletrodo

inerte, pode-se derivar a seguinte expressão [15]:

)()exp()()( 2 tgerfctgiti TC η= (20)

onde

+

=OXIOXI

o

REDRED

o

o

o

DNkT

e

DNkTe

ei

g00 ,

)1(exp

,

expηαηα

(21)

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Eletroquímica do Estado Sólido: fundamentos sobre materiais semicondutores 24

onde erfc é a função erro complementar (1 - erf). Para a parte inicial do transiente, esta

expressão pode ser simplificada:

−≈ tgititg TC πη 21)()(:1pp (22)

Para a parte final do transiente tem-se que:

( ) 1)()(:1

−≈ tgititg TC πηff (23)

Da mesma forma que no item 6.1, a limitação para a realização do transiente

previsto teoricamente em sua parte inicial reside no processo de carregamento da dupla

camada elétrica. Entretanto, potenciostatos mais modernos podem alcançar

sobrepovoltagem constante em intervalos de tempo de (∼ 10-6 s) [11]. Assim, o fator

limitante neste caso se torna os processos redox que apresentem transferência de carga

extremamente rápidas.

O problema mais sério apresentado por esta técnica reside na queda ohmica

existente entre o eletrodo de trabalho e a o contato com o eletrodo de referência.

6.3. Espectroscopia de Impedância Eletroquímica

A espectroscopia de impedância eletroquímica EIE constitui uma poderosa

ferramenta para os estudos de eletrodos constituídos de materiais semicondutores [27].

Tal técnica permite a análise tanto dos aspectos estruturais da interface sólido/eletrólito

como dos aspectos cinéticos dos processos eletroquímicos.

De um modo geral, a técnica pode ser aplicada a sistemas eletródicos em

equilíbrio, onde a perturbação senoidal resulta em variações da concentração de ambos

componentes do processo redox em direções opostas. Em uma outra aplicação da EIE a

perturbação senoidal pode também ser sobreposta a uma corrente constante, desde que

um estado estacionário possa ser alcançado para um dado valor da corrente d.c.

Embora a EIE seja uma ferramenta bastante empregada, alguns cuidados

especiais devem ser tomados quando se faz o uso de circuitos equivalentes para simular

os dados de impedância, pois a função de impedância, extraída originalmente dos

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Eletroquímica do Estado Sólido: fundamentos sobre materiais semicondutores 25

sistemas elétricos, é estritamente definida em um domínio de freqüência que satisfaça as

restrições da teoria da análise linear de sistemas (TALS) [40,41]. Desse modo, com o

intuito de se assegurar linearidade a resposta do sistema eletroquímico sob investigação,

ou seja somente os termos de primeira ordem são considerados na resposta, é requerido

o emprego de pequenos valores da amplitude senoidal aplicada (∆E < 10 mV).

A principal dificuldade na análise dos espectros de impedância é o

desenvolvimento de modelos que representem o comportamento da impedância de

transferência de carga ZTC e do transporte de massa a partir do eletrodo em função da

velocidade angular ω.

Para uma pequena amplitude senoidal da corrente, a amplitude da sobrevoltagem

e as respectivas variações de concentração das espécies redox são pequenas. Desse

modo, é possível demonstrar que a impedância total do sistema eletródico possui três

componentes [11]:

)1(2

12

1

0,0,

jDNeDNee

kTie

kTdidZ

REDREDoOXIOXIooooTCTC −

++==

ωωη (24)

DIFTCTC ZRZ += (25)

O primeiro termo na eq. 24 representa a contribuição do processo de

transferência de carga e possui um caráter ôhmico. Os dois outros termos representam a

contribuição do processo difusional, ZDIF. ZDIF possui um componente imaginário

(capacitivo) e um componente real (ôhmico) de mesma magnitude, sendo portanto

caracterizado por um angulo de fase φ = 45º. Extrapolando-se ZTC para ω→ 0 pode-se

determinar densidade da corrente de troca a partir da seguinte expressão:

ooTC ie

kTR = (26)

Se a corrente capacitiva pudesse ser desprezada, a impedância seria determinada

pela impedância de transferência de carga mais a resistência ôhmica do eletrólito RΩ., e

um gráfico dos componentes real e imaginário vs. ω-½ resultaria em uma reta para

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Eletroquímica do Estado Sólido: fundamentos sobre materiais semicondutores 26

ambas as partes da impedância total. Assim, a extrapolação do componente real

ω-½ → 0 resultaria em RTC + RΩ.

Da mesma forma que nas técnicas discutidas nos itens 6.1 e 6.2, o problema

neste procedimento consiste na influência da corrente capacitiva na resposta do sistema.

Comparando-se as técnicas discutidas anteriormente, com relação ao influência

do carregamento da dupla camada elétrica (DCE), conclui-se que as técnicas

galvanostáticas e potenciostáticas são superiores a EIE devido o processo de

carregamento da DCE poder ser minimizado nestes casos. No entanto, observa-se que o

maior atrativo dos estudos envolvendo a EIE é a precisão dos dados experimentais

obtidos [11].

7. Aplicação da EIE ao estudo da transferência de carga em eletrodos

semicondutores [Figuras extraídas da ref. 27]

Considerando-se a abordagem em termos da representação da interface

semicondutor/eletrólito por circuitos equivalentes constata-se que na prática, os dados

de EIE, sobre condições de fluxo de corrente, não estão de acordo com o circuito

equivalente descrito pela fig. 14(b). Neste caso, semicírculos adicionais são observados

nos diagramas no plano complexo. Este comportamento é normalmente interpretado em

termos de um processo de transferência eletrônica em duas etapas via estados

localizados na superfície do semicondutor, como representado na fig. 14(a).

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Eletroquímica do Estado Sólido: fundamentos sobre materiais semicondutores 27

Figura 14 - Diagrama de energia e o correspondente circuito equivalente para um processo de

transferência eletrônica em duas etapas.

Estudos revelam que a impedância relacionada ao fluxo de corrente via estados

superficiais não é simplesmente resistiva, sendo que complicações adicionais podem

aparecer devido haver uma redistribuição potencial aplicado sobre o semicondutor e

plano de Helmholtz [42]. Tal situação é representada pelo circuito equivalente dado na

fig. 14(b).

Uma das principais fontes de complexidade na interpretação dos espectros de

EIE é o fato de que na maioria dos casos, ambos elétrons da banda de condução e

buracos da banda de valência contribuem para o fluxo de corrente durante o processo

eletroquímico. Desse modo, as correntes parciais via elétron e via buraco são conectadas

através de uma recombinação (fig. 15(a)) ou via injeção térmica (fig. 15(b)) de

transportadores na superfície.

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Eletroquímica do Estado Sólido: fundamentos sobre materiais semicondutores 28

Figura 15 - (a) Diagrama de energia para um semicondutor do tipo-n em condições de fraca

depressão com injeção de buraco: c - Tunelamento do elétron (banda de valência → sistema redox)

resultando em um buraco; d - Captura de um buraco em um estado superficial; e - Captura de um

elétron em um estado superficial.

(b) Diagrama de energia para um semicondutor do tipo-n em condição de dissolução fotoanódica: d

- Captura de um buraco fotogerado em uma ligação superficial, resultando em dissolução do

intermediário; f - Injeção térmica de um elétron resultante da dissolução do intermediário na

banda de condução.

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Eletroquímica do Estado Sólido: fundamentos sobre materiais semicondutores 29

7.1. Troca de transportadores majoritários entre um eletrodo semicondutor e um

sistema redox via estados superficiais

A redução envolvendo a troca de um elétron de um sistema redox que não sofre

nenhum tipo de reação química com a superfície do semicondutor pode ser representada

de acordo com o seguinte esquema genérico proposto por Tyagai e Kolbasov [43] para

representar a redução do Fe3+ em eletrodos de CdS e CdSe do tipo-n:

So + e- →captura S- (27)

S- + Ox → otunelament So + Red (28)

Em tal mecanismo é assumido que a transferência eletrônica via banda de

condução é o processo majoritário, envolvendo duas etapas, e sua ocorrência é via

localização temporária do elétron em um estado superficial S no gap da banda (veja fig.

14(a)).

A figura 16 mostra reúne os circuitos equivalentes normalmente empregados nos

diferentes processos envolvendo eletrodos semicondutores.

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Eletroquímica do Estado Sólido: fundamentos sobre materiais semicondutores 30

Figura 16 - Circuitos equivalentes normalmente empregados nos estudos de EIE envolvendo

semicondutores: (a) Troca de transportadores majoritários do eletrodo para o sistema redox via

estados superficiais e para a injeção de transportadores minoritários e subsequente recombinação

com transportadores majoritários via estados superficiais; (b) Interação dos estados superficiais

com ambas bandas de condução e de valência e com o sistema redox; (c) Mecanismo de dissolução

anódica de um semicondutor do tipo-p envolvendo ambas bandas de energia.

O circuito equivalente que melhor representa experimentalmente a impedância

correspondente ao processo descrito pelas etapas (27) e (28) é apresentado na fig. 9(a).

Cardon [44] calculou a impedância para o caso no qual os estados superficiais

interagem com ambas bandas de condução e de valência e com estados preenchidos e

vazios do sistema redox. O correspondente circuito equivalente é dado na fig. 9(b), e

pode ser considerado como sendo um modelo geral para o caso onde reações

eletroquímicas ocorrem via estados ou intermediários de reação localizados na

superfície.

Estudos [45] revelam que a injeção de transportadores majoritários por redução

catódica de certos agentes oxidantes ocorrem via estados superficiais, sendo o

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Eletroquímica do Estado Sólido: fundamentos sobre materiais semicondutores 31

comportamento observado correspondente ao circuito presente na fig. 15(a). Em tal

procedimento, uma análise detalhada dos resultados da EIE fornece informações sobre

as constantes de velocidade referentes as etapas individuais e a energia dos estados

superficiais com respeito a banda de valência.

7.2. Injeção de transportadores minoritários em um eletrodo semicondutor:

impedância de recombinação

A corrente relacionada a injeção de transportadores minoritários em um eletrodo

semicondutor implica que os transportadores minoritários recombinam-se com os

transportadores majoritários do semicondutor (veja fig. 14(a)). A admitância (ou seja, o

inverso da impedância) devido a recombinação de elétrons e buracos via estados

superficiais [46], ou via estados impuros no sólido [47] foi estudada por

Vanmaekelbergh e Cardon. Para o caso da recombinação superficial, a admitância

calculada corresponde ao circuito equivalente representado na fig. 15(a). Os valores dos

elementos são determinados pela envergadura da banda e os parâmetros de

recombinação (Ex: as constantes de velocidade para a captura de elétrons e de buracos e

a densidade dos centros de recombinação na superfície).

Contrariamente, para o caso onde o processo de recombinação ocorre via estados

no sólido (na camada de depressão) a impedância medida não concorda com o circuito

equivalente descrito na fig. 15(a).

De um modo geral, pode-se concluir que o estudo de recombinação através da

EIE resulta em informações detalhadas sobre o mecanismo e permite determinar a

densidade de corrente referente a recombinação superficial [27]. Isto possibilita a

distinção entre redução catódica ocorrendo via banda de condução diretamente, e

redução catódica via injeção de buracos e recombinação.

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