Eletromagnetismo - Aula 20

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ELETROMAGNETISMO II UNESP – Naasson Pereira de Alcantara Junior – Cláudio Vara de Aquino 195 21.1 - Corrente de Condução e Corrente de Deslocamento A corrente elétrica é um fenômeno conhecido por todos e o seu comportamento já foi analisado a partir de conceitos e definições do eletromagnetismo no capítulo 6. Naquela ocasião, definiu-se a corrente elétrica como o movimento de partículas eletricamente carregadas, sendo que esse movimento ocorre numa certa ordem, também caracterizado pela troca de elétrons em um condutor (corrente de condução), ou pela migração de cargas elétricas entre dois terminais (corrente de convecção). Tomando por base estas definições, vamos analisar o comportamento da configuração ilustrada na figura 21.1, onde uma tensão v(t) é aplicada entre os terminais de duas placas condutoras paralelas de mesma área, separadas por uma distancia muito menor do que as dimensões lineares que definem a sua área, tendo o espaço entre elas preenchido por um dielétrico perfeito, o que caracteriza uma interrupção ao caminho da corrente estabelecida por condução. Figura 21.1 – Capacitor submetido a uma diferença de potencial v(t), percorrido por uma corrente i(t) Sabendo que várias superfícies podem ser delimitadas pelo mesmo contorno, vamos aqui definir duas superfícies, S 1 e S 2 , delimitadas pelo mesmo caminho fechado (contorno) . A lei de Ampère aplicada ao caminho delimitando a superfície S 1 fornece: ) t ( i d H ) S ( 1 , pois efetivamente neste caso existe um movimento efetivo de elétrons entre os átomos do condutor que constituem a corrente (de condução) enlaçada pelas linhas do campo magnético. Por outro lado, a lei de Ampère para o mesmo contorno só que agora definindo ou delimitando a superfície aberta S 2 , que contém o dielétrico, informa que: 0 d H ) S ( 2 Este resultado não deve causar indagação alguma, pois como já é do nosso conhecimento, quando um campo elétrico for aplicado em um material dielétrico, ocorrerá apenas um deslocamento virtual entre as cargas que compõem as moléculas do material isolante. v (t) S 1 S 2 i (t) 21 CORRENTE DE CONDUÇÃO, CORRENTE DE DESLOCAMENTO, EQUAÇÕES DE MAXWELL

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Equações de Maxwell

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    21.1 - Corrente de Conduo e Corrente de Deslocamento A corrente eltrica um fenmeno conhecido por todos e o seu comportamento j foi analisado a partir de conceitos e definies do eletromagnetismo no captulo 6. Naquela ocasio, definiu-se a corrente eltrica como o movimento de partculas eletricamente carregadas, sendo que esse movimento ocorre numa certa ordem, tambm caracterizado pela troca de eltrons em um condutor (corrente de conduo), ou pela migrao de cargas eltricas entre dois terminais (corrente de conveco). Tomando por base estas definies, vamos analisar o comportamento da configurao ilustrada na figura 21.1, onde uma tenso v(t) aplicada entre os terminais de duas placas condutoras paralelas de mesma rea, separadas por uma distancia muito menor do que as dimenses lineares que definem a sua rea, tendo o espao entre elas preenchido por um dieltrico perfeito, o que caracteriza uma interrupo ao caminho da corrente estabelecida por conduo.

    Figura 21.1 Capacitor submetido a uma diferena de potencial v(t), percorrido por uma corrente i(t) Sabendo que vrias superfcies podem ser delimitadas pelo mesmo contorno, vamos aqui definir duas superfcies, S1 e S2, delimitadas pelo mesmo caminho fechado (contorno) . A lei de Ampre aplicada ao caminho delimitando a superfcie S1 fornece:

    )t(idH)S( 1

    ,

    pois efetivamente neste caso existe um movimento efetivo de eltrons entre os tomos do condutor que constituem a corrente (de conduo) enlaada pelas linhas do campo magntico.

    Por outro lado, a lei de Ampre para o mesmo contorno s que agora definindo ou delimitando a superfcie aberta S2, que contm o dieltrico, informa que:

    0dH)S( 2

    Este resultado no deve causar indagao alguma, pois como j do nosso conhecimento, quando um campo eltrico for aplicado em um material dieltrico, ocorrer apenas um deslocamento virtual entre as cargas que compem as molculas do material isolante.

    v (t)

    S1

    S2

    i (t)

    21 CORRENTE DE CONDUO, CORRENTE DE DESLOCAMENTO, EQUAES DE MAXWELL

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    Obviamente isto um absurdo. O circuito apresentado na figura 21.1 nada mais do que um capacitor submetido a uma tenso varivel no tempo e de acordo com a teoria de circuitos, h, sim, uma corrente eltrica circulando por ele, o que inquestionvel. Essa corrente fluir pelo capacitor, e dever ser da mesma magnitude da corrente que flui pelo condutor, para no contrariar o princpio da continuidade de corrente. Este simples exemplo deixa claro que uma nova natureza de corrente eltrica deve ser apresentada neste ponto da discusso. A esta nova corrente daremos o nome de corrente de deslocamento, distinta da corrente de conduo j apresentada em captulo anterior. A corrente de deslocamento no o resultado do movimento de cargas eltricas e s existir quando a tenso entre as placas for varivel com o tempo. Se a tenso aplicada for constante, ela existir apenas em um instante transitrio, desaparecendo em seguida No exemplo em questo o mesmo dever ocorrer com a corrente de conduo, para satisfazer o princpio da continuidade da corrente. Finalmente, antes de prosseguirmos com a formulao do problema, podemos adiantar aqui que a corrente de deslocamento fruto do resultado da propagao da energia na forma de um campo eletromagntico estabelecido entre as placas. Seja agora um capacitor e um resistor ligados em paralelo, submetidos a uma tenso V, conforme a figura 21.2.

    figura 21.2 Resistor e capacitor submetidos a tenso V

    Da teoria de circuitos eltricos, sabemos que a corrente de conduo no resistor :

    RVi R (21.1)

    Enquanto que a corrente de deslocamento no capacitor :

    dtdVCi C (21.2)

    Vamos agora escrever essas relaes baseadas em relaes de campo, onde os elementos resistor e capacitor so representados na forma intensiva, conforme mostra a figura 21.3.

    Figura 21.3 representao do capacitor e do resistor, baseada em grandezas de campo

    Vamos admitir ainda que pela geometria apresentada, a intensidade de campo eltrico a mesma, tanto no resistor como no capacitor, e pode ser expressa como:

    dVE (21.3)

    iR iC

    V

    V E E

    i

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    Para o resistor podemos escrever:

    AddE

    RViR

    (21.4)

    Considerando cada linha de corrente ou a sua densidade superficial, podemos escrever que:

    EJAi

    RR (21.5)

    O que traduz a lei de Ohm, j vista, na sua forma pontual. Da:

    EJR

    (21.6)

    Para o capacitor, considerando-o como formado por placas planas e paralelas, desprezando os efeitos de borda ou o espraiamento das linhas de campo eltrico, a corrente capacitiva fica:

    dtdV

    dA

    dtdVCi C

    (21.7)

    Para o campo eltrico uniforme e espaamento d constante

    EdV (21.8)

    dtdEd

    dAi C (21.9)

    dtdD

    dtdEJ

    Ai

    cC (21.10)

    onde:

    dtDdJC

    (21.11)

    CJ

    a densidade das linhas de corrente de deslocamento no capacitor representada por dJ

    , enquanto

    que RJ

    a densidade de linhas de corrente de conduo no resistor que ser representada

    simplesmente por J

    . Vamos supor agora um meio com as duas caractersticas, ao invs de uma resistncia pura em paralelo com uma capacitncia pura, podendo ser considerado um mal condutor ou um dieltrico com perdas. Esta generalizao na lei de Ampre para esse meio permite escrever:

    L S

    SdtDJLdH

    (21.12)

    Aplicando o teorema de Stokes ao primeiro membro da equao acima, temos pontualmente:

    tDJH

    (21.13)

    ou ainda:

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    tEEH

    (21.14)

    O conceito de corrente de deslocamento foi introduzido por James Clerk Maxwell, para se levar em conta a possibilidade da propagao de ondas eletromagnticas no espao. Se o campo eltrico varia harmonicamente com o tempo, as correntes de deslocamento e de conduo esto defasadas de 90 graus e

    tsenEE 0

    (21.15)

    tsenEJ 0

    (21.16)

    tcosEJ 0d

    (21.17) Exemplo 21.1 Um material com condutividade = 5,0 S/m e permissividade relativa r = 1,0 submetido a uma intensidade de campo eltrico de 250 sen (1010 t) V/m. Calcular as densidades de corrente de conduo e de deslocamento. Em que frequncia elas tero a mesma amplitude? Soluo:

    Figura 21.4 dieltrico com perdas

    tsenEJc 1010250.5

    )/(101250 210 mAtsenJc

    tdtdEJd

    10109

    10cos250.1036

    10

    )/(10cos1,22 210 mAtJd

    Para a mesma amplitude:

    srad /1065,510

    36.0,5 119

    GHzf 5,892

    Exemplo 21.2 Um capacitor coaxial com raio interno 5 mm, raio externo 6 mm e comprimento 500 mm tem um dieltrico onde r = 6,7. Se uma tenso de 250 sen (377t) V aplicada, determine a corrente de deslocamento e compare-a com a corrente de conduo. Soluo:

    Figura 21.5 Capacitor co-axial

    Neste exemplo, a corrente entre as placas do capacitor ser a de deslocamento e a corrente no condutor aquela de conduo. No tendo informaes da condutividade, podemos supor o dieltrico perfeito, ou seja, sem perdas.

    Jc Jd E

    V(t)

    ic(t)

    Id(t)

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    Da teoria de circuitos sabemos que:

    dtdVCi c

    Onde, conforme j visto e deduzido

    F1002,156ln365,0.10.7,6.2

    rrln2C 9

    9

    ie

    0r

    Ento a corrente de conduo ser

    t377cos250.377.10.02,1dtdVCi 9c

    At377cos10.61.9i 5c

    Da teoria eletromagntica temos que o potencial entre as placas obedece equao de Laplace. Em coordenadas cilndricas:

    0drdVr

    r0

    drdVr

    rr10V2

    Integrando em relao a r vem:

    rdrAdVA

    drdVr

    Integrando novamente em relao a r:

    B)r(lnAV

    Das condies de contorno vem que V = 0 para r = 6 mm. Da

    B006.0lnA0 (1)

    B005.0lnAt377sen250 (2)

    Resolvendo (1) e (2) temos:

    )6/5(ln

    t377sen250A

    )006.0(ln

    )6/5(lnt377sen250B

    )006.0(ln

    )6/5(lnt377sen250rln

    )6/5ln(t377sen250V

    No caso V = V (r). Logo

    rar1

    )5/6(lnt377sen250EVE

    r6

    d

    9

    0rd

    at377cosr10.6,30J

    56lnt377cos250.377

    r1

    3610.7,6

    dtEdJ

    5,0

    0

    2

    0rr

    6

    sdd adzdrat377cosr

    10.6,30SdJi

    A)t377(cos10.61,9i 5d

    o que comprova a continuidade da corrente no circuito mostrando que a corrente de deslocamento, dentro do capacitor, igual corrente de conduo, no condutor externo.

    21.2 - As Equaes de Maxwell para campos variveis no tempo. No captulo 17 estabelecemos as quatro equaes de Maxwell para campos eltricos e magnticos estticos (invariantes no tempo). Estas quatro equaes de Maxwell so enunciadas de modo geral considerando os campos variando no tempo, ficando os casos estticos como particularidades. O conjunto de equaes a seguir, mostrado tanto na forma integral como na diferencial justifica matematicamente as principais leis e princpios bsicos que regem a teoria da eletricidade. A lei circuital de Ampre prova a existncia das correntes de conduo e de deslocamento onde:

    forma integral forma diferencial

    S

    L

    SdtDJLdH

    tDJH

    (21.18)

    A lei de Faraday aplicada a uma superfcie S fixa, justifica a tenso induzida de modo variacional:

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    forma integral forma diferencial

    L S

    SdtBLdE

    tBE

    (21.19)

    No incio dos nossos estudos em eletromagnetismo vimos que as linhas de fora de um campo eltrico emanam de uma fonte de carga positiva ou se dirigem fonte de carga, caso esta seja negativa. Em outras palavras, a existncia das cargas eltricas fundamentada na lei de Gauss onde:

    forma integral forma diferencial

    vS

    dvSdD

    D

    (21.20)

    Por outro lado, o mesmo conceito mostra a inexistncia de monopolos magnticos de forma que:

    forma integral forma diferencial 0

    S

    SdB

    0 B

    (21.21)

    Observe que o terceiro e quarto conjunto de equaes no mudam em relao aos campos estticos. Estas equaes de fluxos em superfcies fechadas na forma integral ou de divergentes na forma diferencial justificam o campo eltrico como conservativo e o magntico como solenoidal. 21.2.1 - Equaes de Maxwell no espao livre Quando Maxwell formulou as suas equaes, a sua maior preocupao era demonstrar a existncia das ondas eletromagnticas e que elas se propagavam mesmo na ausncia de meio material, ou seja, no espao livre. Como neste caso, no existe corrente de conduo ( 0J

    ), nem densidade de

    cargas eltricas livres ( = 0), o conjunto das equaes (21.18) a (21.21) reformulado de forma simplificada resultando:

    forma integral forma diferencial

    S

    L

    SdtDLdH

    tDH

    (21.22)

    L S

    SdtBLdE

    tBE

    (21.23)

    0 S

    SdD

    0 D

    (21.24)

    0S

    SdB

    0 B

    (21.25)

    A partir das relaes constitutivas em que ED

    e HB

    e no espao livre na forma diferencial

    temos:

    forma integral forma diferencial

    S

    L

    SdtELdH

    0

    tEH

    0 (21.26)

    L S

    SdtHLdE

    0 t

    HE

    0 (21.27)

    00 S

    SdE

    0 E

    (21.28)

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    00 S

    SdH

    0 H

    (21.29)

    Este conjunto particular de equaes demonstra a propagao das ondas eletromagnticas e esclarece como os campos magnticos so produzidos atravs dos campos eltricos e estes atravs dos magnticos no decorrer do tempo. 21.2.2 Equaes de Maxwell para campos variantes harmonicamente com o tempo Finalmente apresentamos as formulaes das equaes de Maxwell para campos eletromagnticos que variam harmonicamente no tempo (no necessariamente no espao livre). Considerando uma variao do tipo a = A ejt com derivada temporal jA ejt = j a, elas podem ser escritas como:

    forma integral forma diferencial s s SdEjLd.H

    EjH

    (21.30)

    l s SdHjLd.E

    HjE

    (21.31)

    vs dVSd.D

    0D.

    (21.32)

    s 0Sd.B

    0B.

    (21.33)

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    EXERCCIOS 1)- Seja a densidade de corrente de conduo num dieltrico dissipativo Jc = 0,02 sen (109 t) (A/m2),

    encontre a densidade de corrente de deslocamento se = 103 S/m e = 6,5 0. 1,15x10-6 cos (10-9 t) (A/m2) 2)- Um condutor de seo reta circular de 1,5 mm de raio suporta uma corrente ic = 5,5 sen (4.1010 t)

    (A). Quanto vale a amplitude da densidade de corrente de deslocamento se a condutividade vale 35 MS/m e a permissividade relativa r = 1?

    7,86x10-3 A/m2 3)- Descubra a freqncia para a qual as densidades de corrente de conduo e de deslocamento

    so idnticas em: (a) gua destilada, onde = 2,010-4 S/m, r = 81; (b) gua salgada, onde = 4,0 S/m e r = 1.

    (a) 4,44 x 104 Hz; (b) 7,20 x 1010 Hz 4)- Duas cascas esfricas condutoras concntricas com raios r1 = 0,5 mm e r2 = 1 mm, acham-se

    separadas por um dieltrico de constante dieltrica r = 8,5. Encontre a capacitncia e calcule a corrente de conduo ic dada uma tenso aplicada v (t) = 150sen (5000t) V. Calcule a corrente de deslocamento iD e compare-a com ic.

    IC = iD = 7,08 . 10-7 cos (5000t) A 5)- Duas placas condutoras planas e paralelas de rea 0,05 m2 acham-se separadas por 2 mm de um

    dieltrico com perdas onde r= 8,3 e = 8,010-4S/m. Aplicada uma tenso v = 10 sen 107 t (V), calcule o valor rms da corrente total.

    0,192 A rms 6)- Um capacitor de placas paralelas, separadas por 0,6 mm e com um dieltrico de r = 15,3 tem

    uma tenso aplicada de 25 V rms na frequncia de 15 GHz. Calcule o rms da densidade de corrente de deslocamento. Despreze o espraiamento no campo eltrico.

    5,31105 A/m2