ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de...

123
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO MESTRADO ACADÊMICO EM ENSINO ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA A RECONTEXTUALIZAÇÃO DO CURRÍCULO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: ETNOGRAFIA EM UMA ESCOLA QUILOMBOLA DE VITÓRIA DA CONQUISTA-BA VITÓRIA DA CONQUISTA 2020

Transcript of ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de...

Page 1: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO

MESTRADO ACADÊMICO EM ENSINO

ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA

A RECONTEXTUALIZAÇÃO DO CURRÍCULO NOS ANOS INICIAIS DO

ENSINO FUNDAMENTAL: ETNOGRAFIA EM UMA ESCOLA

QUILOMBOLA DE VITÓRIA DA CONQUISTA-BA

VITÓRIA DA CONQUISTA

2020

Page 2: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA

A RECONTEXTUALIZAÇÃO DO CURRÍCULO NOS ANOS INICIAIS DO

ENSINO FUNDAMENTAL: ETNOGRAFIA EM UMA ESCOLA

QUILOMBOLA DE VITÓRIA DA CONQUISTA-BA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Ensino da Universidade Estadual do

Sudoeste da Bahia, como requisito parcial para

obtenção do título de Mestre em Ensino.

Orientador: Prof. Dr. Benedito G. Eugenio

VITÓRIA DA CONQUISTA

2020

Page 3: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson
Page 4: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890

UESB – Campus Vitória da Conquista – BA

S58r

Silva, Elenilson Evangelista da.

A recontextualização do currículo nos anos iniciais do ensino

fundamental: etnografia em uma escola quilombola de Vitória da Conquista -

Ba. / Elenilson Evangelista da Silva, 2020.

122f. il.

Orientador (a): Dr. Benedito G. Eugenio.

Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia,

Programa de Pós Graduação em Ensino – PPGEn, Vitória da Conquista, 2020.

Inclui referência F. 116 – 120.

1. Currículo. 2. Ensino de Língua Portuguesa e Ciências - Recontextualização. 3.

Educação Escolar Quilombola. 4. Prática Curricular. I. Eugênio, Benedito G. II.

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Mestrado Acadêmico em Ensino-

PPGEn. III. T.

CDD 375

Page 5: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

Aos meus pais Lucia e Gerson, por todo amor e carinho

dedicados a mim.

A todos os familiares que sempre torceram por meu sucesso.

A todos os professores e professoras da educação básica

que recontextualizam o currículo em prol de uma educação

de qualidade.

Page 6: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

AGRADECIMENTOS

“Quero, um dia, dizer às pessoas que nada foi em vão... Que o amor existe, que vale a pena se

doar às amizades e às pessoas, que a vida é bela sim e que eu sempre dei o melhor de mim... e

que valeu a pena.” (Mario Quintana)

Nesse caminhar fui agraciado por muitos anjos, por isso tenho muito a agradecer.

Primeiramente a Deus, pois é Ele que em todos os momentos de minha existência se fez e

faz presente.

Aos meus queridos pais Gerson e Lucia, pelo amor, cuidado e ensinamentos: obrigado por

compreenderem os meus motivos de sair da roça para estudar. Nesse tempo, além de aprender sobre

o ensino e a educação, aprendi muito sobre saudade. Mas já antecipo, “Lucinha” e “veio Gerson”,

que quero manter essa saudade no doutorado. Amém!!

Aos meus amados irmãos Norali, Gilson, Ronelio, Vagner, Lucinélia, Edmilson e Elenilza,

que sempre torceram pelo meu sucesso.

Às minhas sobrinhas queridas e lindas de viver: Amarilha, que sempre esteve de portas

abertas para eu usar a internet; Aparecida, que sempre lavou minhas roupas quando estava mais

apurado; Adivândia que nunca me negou uma viagem de moto, e Ana Maria, pelo carinho. Como

não amar umas sobrinhas dessas!!

Aos meus tios e tias, primos e primas pela torcida.

À Nivalda Aguiar, pela amizade e pelos esforços para que eu conseguisse uma estadia no

início do curso. Na oportunidade, agradeço, também, à dona Ni e família, que me receberam em

sua casa como um filho.

Aos colegas da Escola Jaime Gonçalves de Aguiar, que sempre me incentivaram a

continuar.

À minha amiga Raika Costa, pela força no início de minha graduação.

Aos meus amigos e colegas da Pós em Docência do Ensino Superior, que vibraram comigo

com a entrada para o mestrado.

Aos amigos e amigas da República Estudantil de Maetinga (tanto os do tempo da graduação,

quanto os dessa nova fase), pela convivência e por dividirem os momentos de estudos. Na

oportunidade, agradeço à Prefeitura Municipal de Maetinga pela cessão da vaga. Grato ainda a

Page 7: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

Marcia Porto e a Mariana Souza, e ao Conselho de Educação pelo convite para ajudar na

coordenação da república enquanto morador e por compreender a minha saída da casa no segundo

ano do curso para melhor concentração na escrita.

Aos companheiros Davi e Kleber, pelo convívio silencioso; eles sabiam o quanto eu

precisava disso e foram compreensivos.

Aos distintos e unidos colegas de turma, pela parceria e cuidado de um para com o outro,

em especial comigo. No início do curso, sem dinheiro para nada, eles fizeram até vaquinha, e

torceram muito que eu fosse contemplado com a bolsa. Grato ainda pelas trocas de conhecimentos

e aprendizagens.

Ao meu queridíssimo professor e orientador Benedito Eugenio, por compartilhar comigo

novos conhecimentos e pelo empenho durante todas as orientações para que este trabalho desse

certo.

Ao professor Jackson Reis e às professoras Tânia Gusmão, Fatima Garcia, Sílvia Jardim e

Sandra Márcia Pereira pelas magnificas aulas ministradas.

À secretária do PPGEn, Gessica Soares, por suportar meus aborrecimentos (risos).

À banca examinadora, composta pelo professor Prof. Dr. Paulo de Tássio B. Silva e a Profa.

Dra. Roberta D. M. Bortoloti pelas contribuições na qualificação e por aceitar o convite para fazer

parte da defesa.

Ao grupo de orientandos de Benedito: Andrea, Eudite, Zelânia Tina, Hanneli, Wanessa e

Débora, pois juntos nesse processo nos tornamos uma irmandade.

À toda a equipe da Escola Quilombola Jorge Amado, em especial à professora e sua turma

que de prontidão me receberam e mandaram-me ficar à vontade. Grato também aos moradores da

comunidade pelas informações compartilhadas.

À FAPESB- Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia, pela concessão da bolsa.

À UESB, por fazer parte de toda minha formação acadêmica e por oferecer um ensino

público e de qualidade.

A caminhada contínua cheia de força, esperança e resiliência; por tudo e por todos:

gratidão!!

Page 8: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

LISTA DE QUADROS E TABELA

Tabela 1- Comunidades quilombolas de Vitória da Conquista ................................................ 42

Quadro 1- Documentos do Campo Recontextualizador Oficial (CRO) ................................... 56

Quadro 2- Documentos do campo recontextualizador oficial .................................................. 56

Quadro 3 - Unidades temáticas, objetos de conhecimentos e habilidades - Ciências 1º ano . 100

Quadro 4- Unidades temáticas, objetos de conhecimentos e habilidades- Ciências 2º ano ... 101

Page 9: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

LISTA DE SIGLAS E/OU ABREVIATURAS

ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação

APAE – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais

BA – Bahia

BNCC – Base Nacional Comum Curricular

C- – Classificação fraca

C+ – Classificação forte

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CEB – Câmara de Educação Básica

CEMEI – Centro Integrado de Educação Municipal

CEP – Comitê de Ética em Pesquisa

CNE – Conselho Nacional de Educação

CRO – Campo Recontextualizador Oficial

CRP – Campo Recontextualizador Pedagógico

CRQ – Comunidades Remanescentes de Quilombos

DCNs – Diretrizes Curriculares Nacionais

DI – Discurso Instrucional

DR – Discurso Regulador

E- – Enquadramento fraco

E+ – Enquadramento forte

EQJA – Escola Quilombola Jorge Amado

ESSA – Estudos Sociológicos da Sala de Aula

FAPESB – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia

FTC – Faculdade de Tecnologia e Ciências

IBGE – Índice Brasileiro de Geografia e Estatística

IC – Iniciação Científica

KM – Quilometro

MEC – Ministério da Educação e Cultura

NSE – Nova Sociologia da Educação

PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais

Page 10: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

PI – Pedagogia Invisível

PM – Polícia Militar

PME – Plano Municipal de Educação

PMVC – Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista

PNAIC – Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa

PNE – Plano Nacional de Educação

PPGEN – Programa de Pós-graduação em Ensino

PROEMI – Programa Ensino Médio Inovador

PROERD – Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência

PROF. – Professora

PV – Pedagogia Visível

SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

SECAD – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão

SMED – Secretaria Municipal de Educação

TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UESB – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

UFBA – Universidade Federal da Bahia

UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

UFSCar – Universidade Federal de São Carlos

UIDEF – Unidade de Investigação Desenvolvimento e Formação

UNINTER – Centro Universitário Internacional

USP – Universidade de São Paulo

VDC – Vitória da Conquista

Page 11: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

RESUMO

O objetivo central desta pesquisa foi analisar o processo de recontextualização do currículo de

Língua Portuguesa e Ciências proposto para uma turma multisseriada de 1º e 2º ano das séries

iniciais do ensino fundamental, na prática curricular de uma professora da escola quilombola do

Baixão, situada no território de Vitória da Conquista - BA. Para tanto, foi feito um mergulho no

contexto microssocial da instituição por meio de uma pesquisa etnográfica realizada no primeiro

trimestre do ano de 2019. Os dados foram construídos mediante observações e entrevista, os quais

foram interpretados e analisados à luz do referencial teórico de Bernstein (1996), especificamente

com o conceito de recontextualização e regras da prática, focalizando os seguintes elementos:

fronteiras de espaços entre alunos e professores; relações de comunicação; critérios de avaliação;

ritmos de aprendizagem; relações intradisciplinares; nível de exigência conceitual e nível de

proficiência investigativa. Os resultados das análises estão organizados em dois artigos, nos quais

foram explorados o processo de recontextualização curricular nas disciplinas de Língua Portuguesa

e de Ciências. No primeiro estudo, a prática pedagógica foi caracterizada como visível, uma vez

que a professora detinha o poder e o controle na sala de aula, mas com indícios, também, de uma

pedagogia invisível, visto que a disciplina de Língua Portuguesa apresentava currículo de

integração. No segundo estudo, de outro modo, dedicado ao currículo de Ciências, encontrou-se

uma prática pedagógica mista, levando a considerar, portanto, que há na sala de aula observada,

elementos favoráveis ao aprendizado dos estudantes. Todavia, a pesquisa possibilitou visualizar,

além desses aspectos, a invisibilidade da educação escolar quilombola tanto na prática pedagógica

como no processo de recontextualização do currículo.

Palavras-chave: Currículo. Recontextualização. Educação Escolar Quilombola. Ensino de Língua

Portuguesa. Ensino de Ciências.

Page 12: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

ABSTRACT

The main objective of this research was to analyze the process of recontextualizing the curriculum

of Portuguese Language and Applied Sciences for a multiserial class of 1st and 2nd year of the

Initial grades of elementary school, in the curricular practice of a teacher from the quilombola

school of Baixão, located in the state of Vitória da Conquista - BA. For that, a dive was made in

the micro-social context of the institution through an ethnographic research carried out in the first

quarter of 2019. The data were constructed using the interviews and interviews, which were

interpreted and analyzed in the light of Bernstein's theoretical framework (1996), specifically with

the concept of recontextualization and rules of practice, focusing on the following elements:

boundaries of spaces between students and teachers; communication relations; rating criteria;

learning rhythms; intradisciplinary relationships; level of conceptual education and level of

investigative proficiency. The results of the analyzes are organized in two articles, in which the

process of curricular recontextualization in the subjects of Portuguese Language and Sciences was

explored. In the first study, a pedagogical practice was characterized as visible, since the teacher

detects or can control the classroom, but with indications, also, an invisible pedagogy, which

studies the Portuguese language discipline that presents the integration curriculum. In the second

study, otherwise dedicated to the science curriculum, found a wrong pedagogical practice, taking

into account, therefore, that there are elements in the observed classroom, favorable to the students'

learning. However, a research made it possible to see, in addition to these aspects, an invisibility

of quilombola school education, both in pedagogical practice and in the process of

recontextualizing the curriculum.

Keywords: Curriculum. Recontextualization. Quilombola School Education. Portuguese

Language Teaching. Science Teaching.

Page 13: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 13

1 CURRÍCULO E A TEORIA SOCIOLÓGICA DE BERNSTEIN .................................. 20

1.1 A teoria sociológica de Bernstein e o currículo .......................................................... 20

1.2 O conceito de código e os princípios de classificação e enquadramento .................. 26

1.3 As modalidades do código pedagógico: restrito e elaborado .................................... 29

1.4 O dispositivo pedagógico e suas regras ....................................................................... 31

1.5 Pedagogia visível e invisível.......................................................................................... 33

1.6 O conceito de recontextualização do currículo .......................................................... 36

2 OS CAMINHOS DA PESQUISA ....................................................................................... 39

2.1 Considerações sobre quilombos e comunidades quilombolas ................................... 39

2.2 A comunidade quilombola do Baixão ......................................................................... 43

2.3 Algumas considerações sobre a etnografia ................................................................. 45

2.3.1 Os procedimentos e instrumentos: observação e entrevistas ............................. 51

2.4 Situando a escola pesquisada ....................................................................................... 59

2.4.1 A turma pesquisada ............................................................................................... 61

2.4.2 A professora e suas aulas ...................................................................................... 63

3 A RECONTEXTUALIZAÇÃO DO CURRÍCULO DE LÍNGUA PORTUGUESA NA

SALA DE AULA DE UMA ESCOLA QUILOMBOLA .......................................................... 68

4 A RECONTEXTUALIZAÇÃO DO CURRÍCULO DE CIÊNCIAS NOS ANOS

INICIAIS EM UMA ESCOLA QUILOMBOLA ..................................................................... 94

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................... 114

REFERÊNCIAS......................................................................................................................... 116

ANEXOS..................................................................................................................................... 121

Page 14: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

13

INTRODUÇÃO

A pesquisa acerca da diversidade e das relações étnico-raciais constitui os temas sobre

os quais me debruço1 desde 2013, quando eu ainda era estudante do curso de Pedagogia e na

condição de bolsista do Programa de Iniciação Cientifica (IC) no Projeto “Acesso e

permanência de estudantes universitários dos meios populares no ensino superior”, coordenado

pelo professor Benedito G. Eugenio, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB),

campus Vitória da Conquista - Ba.

Nos anos letivos de 2013/2014, pesquisamos as ações afirmativas, cujo marco temporal

foi o período compreendido entre 2007 e 2013, quando analisamos as produções acadêmicas

no contexto da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED). E

no segundo ano da IC, 2014/2015, analisamos as contribuições do curso pré-vestibular

quilombola de Vitória da Conquista, para a inserção de estudantes negros e pobres no ensino

superior.

Ainda no que tange ao meu conhecimento sobre relações raciais, cursei a disciplina

optativa Tópicos Especiais em Educação I: Relações Étnico-raciais e Educação, na qual,

posteriormente, atuei como monitor no curso de Pedagogia. No ano de 2015, durante a 67ª

reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizado na Universidade

Federal de São Carlos (UFSCar), participei do minicurso “Epistemologia Afrobrasileira na

Interface Comunicação e Educação”, ministrado pela professora Rosangela Malachias. Dessas

experiências, surge nosso desejo de dar continuidade aos estudos dessa temática, mas, dessa

vez, com enfoque na educação escolar quilombola.

Com o advento da promulgação da Lei nº 10.639/03, que inclui no currículo oficial a

obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, surgem, então, demandas para

sua implantação nas escolas. Além disso, a publicação das Diretrizes Curriculares Nacionais

para a Educação Escolar Quilombola, em 2012, trouxe novas possibilidades de pesquisa para

as práticas curriculares e pedagógicas presentes nessas escolas.

Assim, a escola é por nós compreendida como um espaço possível para a construção de

novas possibilidades de trabalho com respeito, igualdade e justiça social; é onde as práticas

curriculares são fundamentais para a compreensão do ensino. Desse modo, nos debruçamos

sobre as práticas curriculares de uma docente que trabalha em uma escola quilombola, no

1A primeira pessoa do singular é para explicar minha trajetória antes de entrar no mestrado.

Page 15: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

14

território de Vitória Conquista - Ba, a fim de analisar como o currículo é recontextualizado na

prática pedagógica dessa professora.

Sendo assim, o objetivo central desta pesquisa é analisar o processo de

recontextualização dos currículos de Língua Portuguesa e de Ciências, proposto para uma turma

multisseriada de 1º e 2º ano das séries iniciais do ensino fundamental, na prática pedagógica de

uma professora no interior de uma escola quilombola, no território de Vitória da Conquista -

Ba.

Nesse sentido, para saber como se efetiva essa recontextualização, temos como

objetivos específicos: analisar as reinterpretações construídas por uma docente, no contexto da

prática, em uma escola quilombola, das orientações curriculares para Língua Portuguesa e

Ciências; caracterizar o currículo de Língua Portuguesa e Ciências proposto para o 1º e 2º ano

do ensino fundamental, por meio da descrição da prática pedagógica de uma professora.

A opção em trabalhar com observações em duas disciplinas levou em consideração

alguns elementos, a saber: a) boa parte das análises empregando a teoria de Bernstein é realizada

em aulas de Ciências e Matemática; b) a utilização da teoria do discurso pedagógico em aulas

de Língua Portuguesa tem sido uma preocupação das pesquisas do grupo Currículo, gênero e

relações étnico-raciais, conforme demonstram as pesquisas de Bezerra (2018), Carneiro (2019),

Oliveira (2020); c) a possibilidade de comparar os processos de recontextualização de Língua

Portuguesa e Ciências, levando em consideração o quantitativo de aulas de cada disciplina e

sua relevância na formação dos discentes evidenciados na prática da professora.

Nesta pesquisa, o currículo é analisado mediante a contribuição da teoria sociológica de

Bernstein. Trabalhamos com conceitos como recontextualização e regras da prática pedagógica

que, conforme Bernstein (1996, p. 259), é o processo de deslocação e relocação pelo qual o discurso

original passa por uma transformação: de uma prática real para uma prática imaginária, em que o

discurso é sempre transformado ou modificado. As regras da prática pedagógica são a condução

cultural do discurso pedagógico por meio das regras hierárquicas, sequenciais e criteriais,

determinando “o que” e o “como” dos conteúdos.

A opção pela realização do trabalho em escolas quilombolas também se vincula às

preocupações das pesquisas desenvolvidas no Grupo de Pesquisa Currículo, gênero e relações

étnico-raciais, que tem a educação escolar quilombola como modalidade privilegiada de

investigação.

No que diz respeito à educação escolar quilombola na Bahia, Oliveira (2013)

acompanhou o processo de elaboração das suas diretrizes curriculares no estado da Bahia e em

âmbito nacional. Segundo a autora:

Page 16: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

15

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola

foram construídas a partir de consultas públicas oficiais nos Estados

(Maranhão, Bahia e Brasília) realizadas pelo CNE/MEC, assim como de

consultas públicas noutros estados, a partir de iniciativas locais e autônomas.

Essas consultas, reivindicadas pelas organizações quilombolas e movimentos

parceiros, tiveram a missão de estruturar uma proposta de política educacional

com a diversidade local característica das comunidades quilombolas

existentes no Brasil (OLIVEIRA, 2013, p. 74).

Oliveira (2013, p. 55) afirma que os estados da Bahia, Mato Grosso e Paraná foram os

três primeiros a “discutir e criar condições político-pedagógicas legitimando a importância das

políticas de diversidade na educação para comunidades quilombolas”.

A Bahia foi o terceiro Estado brasileiro a debater e propor a elaboração de

diretrizes curriculares estaduais para a educação escolar quilombola. O início

do debate e de proposição de política educacional e intersetorial para tais

comunidades no Estado deram-se legalmente através da Secretaria de

Promoção da Igualdade Racial (SEPROMI) em 2007 e da Coordenação de

Educação para as Relações Étnico-Raciais e Diversidade, em 2008.

(OLIVEIRA, 2013, p. 60).

Souza (2015) defende que os saberes das comunidades quilombolas façam parte da

educação escolar. Em sua dissertação, a autora busca “compreender como elementos da cultura

quilombola presentes no processo de socialização das crianças na comunidade de Barreiro

Grande, compõem pedagogias para a educação escolar quilombola” (SOUZA, 2015, p.23). Ela

é enfática ao pontuar que, para oferecer uma educação escolar quilombola, é preciso que haja

uma mudança curricular envolvendo escola e comunidade, interesse do poder público, bem

como a formação docente, a infraestrutura e os materiais didáticos e pedagógicos de acordo

com a realidade local. No caso da escola por nós pesquisada, esses elementos não se fazem

presentes, o que contribui para que a especificidade da educação escolar quilombola esteja

ausente no currículo.

Historicamente, há toda uma luta do movimento quilombola para a determinação de um

currículo diferenciado e específico. Nesse sentido, o Ministério da Educação e Cultura- MEC,

o Conselho Nacional de Educação - CNE e a Câmara de Educação Básica-CEB instituíram, por

meio da Resolução número 08, de 20 de novembro de 2012, as Diretrizes Curriculares

Nacionais para Educação Escolar Quilombola. O inciso II do artigo 9º do referido documento

define a escola quilombola como “escolas que atendem estudantes oriundos de territórios

quilombolas” e, segundo o artigo 35 das Diretrizes:

Page 17: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

16

Art. 35º. O currículo da Educação Escolar Quilombola, obedecidas as

Diretrizes Nacionais definidas para todas as etapas e modalidades de

Educação Básica:

I-garantir ao educando o direito o conceito, a história dos quilombos no Brasil,

protagonismo do movimento quilombola e do movimento negro, assim como

o seu histórico de lutas;

II- implementar a educação das Relações Étnico-Raciais e o Ensino de

História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos termos Lei nº 9394/96, na

redação dada pela Lei nº 10.639/2003 e da Resolução CNE/ CP nº 1/2004;

III - reconhecer a história e a cultura afro-brasileira como elementos

estruturantes do processo civilizatório nacional, considerando as mudanças,

as recriações e as ressignificações históricas e socioculturais que estruturam

as concepções de vida dos afro-brasileiros na diáspora africana;

IV - promover o fortalecimento da identidade étnico-racial, da história e

cultura afro-brasileira e africana ressignificada, recriada e reterritorializada

nos territórios quilombolas;

V- garantir as discussões sobre identidade, a cultura e a linguagem, como

importantes eixos norteadores;

VI - considerar a liberdade religiosa como princípio jurídico, pedagógico e

político atuando de forma a:

a) superar preconceitos em relação às práticas religiosas e culturais das

comunidades quilombolas, quer sejam elas religiões de matriz africana ou não;

b) proibir toda e qualquer prática de proselitismo religioso nas escolas.

VII - respeitar a diversidade sexual, superando práticas homofóbicas,

lesbofóbicas, transfóbicas, machistas e sexistas nas escolas (BRASIL, 2012).

Nesses termos, fica claro que a Educação Escolar Quilombola pressupõe que as práticas

curriculares estão de acordo com as realidades quilombolas, enfatizando sua história, cultura,

diversidade, memória e modos de viver. Assim sendo, é na sala de aula que os professores vão

recontextualizar, interpretar e até modificar essa proposta (BERNSTEIN, 1996).

Lopes (2004), acerca das políticas curriculares, aponta que:

Toda política curricular é constituída de propostas e práticas curriculares e

como também as constitui, não é possível de forma absoluta separá-las e

desconsiderar suas inter-relações. Trata-se de um processo de seleção e de

produção de saberes, de visões de mundo, de habilidades, de valores, de

símbolos e significados, portanto, e culturas capaz de instituir formas de

organizar o que é selecionado, tornando-o apto a ser ensinado (LOPES, 2004,

p. 111).

Ainda de acordo com a autora:

Toda política curricular é assim, uma política de constituição do conhecimento

escolar: um conhecimento construído simultaneamente para a escola (em suas

práticas institucionais cotidianas). Ao mesmo tempo, toda política curricular

é uma política cultural, pois o currículo é fruto de uma seleção da cultura e é

um campo conflituoso de produção de cultura, de embate entre sujeitos,

Page 18: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

17

concepções de conhecimento, formas de entender e construir o mundo

(LOPES, 2004, p. 111).

Nesse sentido, analisar o currículo da Educação Escolar Quilombola que objetiva

atender à uma demanda específica do conhecimento educacional, se faz necessário,

principalmente, se for considerado que a Bahia possui o segundo maior número de comunidades

quilombolas certificadas e reconhecidas do país (811), segundo dados da Fundação Cultural

Palmares (2019).

Lopes (2004, p. 112) pontua que políticas curriculares “são processos de negociação nos

quais ‘momentos’ como a produção de dispositivos legais, a produção de documentos

curriculares e o trabalho de professores devem ser entendidos como associados.” Nessa

perspectiva, nosso interesse é verificar como se efetiva a recontextualização curricular, por

meio da análise da prática pedagógica de uma professora do 1º e 2º do ano, na Comunidade

Quilombola do Baixão, em Vitória da Conquista - Ba.

Compreender o processo de recontextualização demanda, em nosso caso, a análise dos

níveis macro (produção), meso (recontextualização) e micro (reprodução do discurso

pedagógico). Ressaltamos que situamos o nível macro para compreendermos o contexto micro,

focando no contexto instrucional.

O nível macro é o local onde as políticas são feitas e produzidas via textos oficiais.

Assim, compreendemos que as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Quilombola

é uma política a ser recontextualizada do nível macro e meso para o nível micro.

Sobre o nível meso, Mainardes (2018, p. 423) conceitua que “é o nível de

recontextualização, onde um texto (no caso, o texto da política) atravessa a sua primeira

transformação [...]”. A recontextualização do conhecimento, como afirma o autor, “é realizada

no âmbito do Estado (como, por exemplo, em secretarias de educação) ou pelas autoridades

educacionais, periódicos especializados de educação, instituições de formação de professores,

entre outros”. Há nesse processo, portanto, o deslocamento da política curricular.

O nível micro se articula com os outros dois níveis, no qual:

Os processos de recontextualização e reprodução que ocorrerem nas salas de

aula, por meio da atuação pedagógica das professoras. No contexto de

recontextualização, as ideias criadas no campo da produção do discurso (que

é produzido fora do contexto de recontextualização) não são simplesmente

colocadas em prática ou reproduzidas, mas são repensadas, modificadas e até

mesmo alteradas. [...] O contexto da prática é onde os sujeitos interpretam a

política e a colocam em ação. No contexto da prática, a política está sujeita a

processos de recontextualização, pois [...] a política precisa ser reconstruída e

Page 19: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

18

recriada em relação ao contexto, (ALFERES; MAINARDES, 2018, p. 423 e

427).

Em nossa pesquisa focamos esses níveis articulados com o método do ciclo de políticas,

particularmente o contexto de produção de texto e o contexto da prática. Mainardes (2006, p.

59) traz uma contribuição para a análise da política educacional e sobre esses dois contextos o

autor afirma que:

A análise de produção de texto pode envolver a análise de textos e

documentos, entrevistas, com autores de textos e documentos, entrevistas,

com os quais textos foram escritos, e distribuídos. O contexto da prática

envolve uma inserção nas instituições e em espaços onde a política é

desenvolvida por meio de observações ou pesquisa etnográfica, e ainda

entrevista com profissionais da educação, pais, alunos, etc. O contexto da

prática pode ser considerado um micro-processo político. Nesse contexto,

pode-se identificar a existência de um contexto de influência, de um contexto

de produção de texto (escrito ou não) e de um contexto da prática.

Esses dois contextos nos permitiram analisar a recontextualização do currículo nas

disciplinas de Língua Portuguesa e Ciências, na Escola quilombola da Comunidade do Baixão,

em Vitória da Conquista - Ba.

Utilizamos como metodologia a pesquisa etnográfica. Este tipo de pesquisa “visa

compreender, na sua cotidianidade, os processos do dia-a-dia em suas diversas modalidades.

Trata-se de um mergulho no micro social, olhando com uma lente de aumento. Aplica métodos

e técnicas compatíveis com a abordagem qualitativa” (SEVERINO, 2007, p. 119). E os

procedimentos para a produção de dados foram a observação, entrevistas e análise documental.

Durante a pesquisa, mantivemos a conduta ética. Fizemos uma visita à escola para

informar o objetivo da pesquisa à professora, bem como à diretora, à qual solicitamos a

assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE, a fim de que pudéssemos

observar as aulas e realizar as entrevistas, além de tirar fotos da escola em momentos oportunos.

Sabe-se que a pesquisa de cientistas sociais apresenta menos riscos do que a etnografia

aplicada, entretanto as pessoas devem ser informadas sobre a presença de um “estranho” no

meio delas e o que desejam por ali (ANGROSINO, 2009). Assim, obedecendo a esses

preceitos, conversarmos antecipadamente com a diretora e com a professora, a fim de esclarecer

a proposta do nosso trabalho, o qual foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa- CEP da

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, sob o número 3.425.407.

Page 20: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

19

A estrutura da dissertação

A dissertação está organizada em formato multipapper, isto é, com uma introdução, um

capítulo teórico e outro metodológico e um conjunto de artigos que contêm a discussão e os

resultados da pesquisa. Os dois objetivos específicos, articulados com a questão da pesquisa,

nos levou à produção de dois artigos: um sobre a recontextualização da disciplina de Língua

Portuguesa e outro sobre Ciências.

De acordo com Barbosa (2015, p. 351), cada um desses artigos deve ter todas as

características necessárias para viabilizar suas publicações. Para ele, o autor pode agregar

capítulos introdutórios, no qual circunstancia a dissertação ou tese e capítulos finais, para

retomar e globalizar os resultados relatados nos artigos.

Bezerra (2018, p.22) pontua as vantagens de organizar o trabalho nesse formato como a

acessibilidade, produtividade e publicação, colocando o pesquisador em contato com a

comunidade científica. Assim, cada artigo já é elaborado para ser submetido para publicação

em periódicos da área de Ensino (Área 46 da Capes).

Estruturamos, então, a dissertação da seguinte forma:

No primeiro capítulo, abordarmos os fundamentos da teoria sociológica de Basil

Bernstein, que orientam a pesquisa, e discutimos sobre o conceito de currículo.

No segundo capítulo, apresentamos os procedimentos metodológicos para a produção

dos dados em torno da etnografia e discorremos sobre a gênese do debate e do conceito de

quilombo.

Os resultados estão organizados em dois artigos: o primeiro analisa a recontextualização

do currículo de Língua Portuguesa na sala de aula e o segundo a recontextualização da

disciplina de Ciências no currículo de uma escola quilombola.

Nos dois artigos, analisamos o processo de recontextualização do nível macro para o

nível micro e, para a construção dos dados, utilizamos um protocolo que nos permitiu visualizar

as sete categorias da prática pedagógica, quais sejam: a) fronteiras de espaços entre alunos e

professores; b) relações de comunicação; c) critérios de avaliação; d) ritmos de aprendizagem;

e) relações intradisciplinares; f) nível de exigência conceitual; e g) nível de proficiência

investigativa. Nesses termos, esta pesquisa se torna importante pelo fato de analisar o processo

de recontextualização curricular numa escola situada no contexto quilombola, no território de

Vitória da Conquista - BA.

Page 21: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

20

1 CURRÍCULO E A TEORIA SOCIOLÓGICA DE BERNSTEIN

Neste capítulo apresentamos as discussões teóricas empregadas para a análise da

recontextualização do currículo, em uma escola quilombola dos anos iniciais do ensino

fundamental, localizada no município de Vitória da Conquista - Ba.

1.1 A teoria sociológica de Bernstein e o currículo

Neste item abordamos acerca do conceito de currículo. Em seguida, situamos a teoria de

Bernstein e em qual contexto ele escreveu, tratamos dos principais conceitos na pesquisa por nós

desenvolvidos.

A etimologia da palavra currículo vem do termo latino currere, correr, e se refere a curso

(ou carro de corrida). Nesses termos, o currículo é definido como “um curso a ser seguido ou, mais

especificamente, apresentado” (GOODSON, 2011, p. 31).

Já no século XIX, é nítido o elo comum entre as pedagogias de “classe” e um currículo

baseado na sequência e prescrição. Nesse momento, na Europa, se dá a transição do sistema de

classe para o de sala de aula, e o poder de diferenciação do currículo passa a ser institucionalizado

na medida em que se classificava a escolarização em três graus, nos quais os alunos teriam de

aprender a ler, escrever e a contar.

No século XX, o currículo emerge como campo de estudos sob a diferenciação social

(dando continuidade às características do século passado) com a seguinte trilogia: pedagogia,

avaliação e currículo, o qual é tratado como matéria escolar (GOODSON, 2011).

Macedo (2012) esclarece que o currículo, como campo de estudos, surge nos Estados

Unidos no início do século XX e afirma que o “lexema currículo, proveniente do étimo latino

currere, significa caminho, jornada, trajetória, percurso” (MACEDO, 2012, p. 22).

O autor ainda declara que:

O currículo como uma ‘tradição inventada’ (GOODSON, 1998), como um

artefato socioeducacional que se configura nas ações de conceber/ selecionar/

produzir, organizar, institucionalizar, implementar/ dinamizar saberes,

conhecimentos, atividades, competências e valores visando uma ‘dada’ formação,

configurada por processos e construções constituídos na relação com

conhecimento eleito como educativo.

Page 22: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

21

Partindo de uma perspectiva crítica do currículo, Eugenio (2017, p. 58) o define como “uma

das expressões do projeto cultural e educacional que determinada sociedade pretende desenvolver

nos sujeitos, com tudo que isso implica: relações de poder, jogos de interesses, ideologias,

identidades do outro, etc.”. Nesses termos, compreender o desenvolvimento de um currículo requer

que se analise o que se ensina, como se ensina e as realidades de quem ensina e a quem se deseja

ensinar.

Diferentemente de Goodson, Silva (2011) não busca uma definição etimológica do que é o

currículo, mas sim o que determinada teoria pensa sobre este conceito. Assim, para ele, o currículo

pode ser compreendido pelas teorias tradicionais, críticas e pós-críticas. A preocupação dele é saber

a quais questões tais teorias buscam responder e quais questões as especificam e as caracterizam.

De acordo com Silva (2011, p.17), uma teoria se define pelos conceitos que utiliza para

conceber a “realidade”. Para o autor, os conceitos de uma teoria dirigem nossa atenção para certas

coisas que sem eles não “veríamos”, isto é, os conceitos de uma teoria organizam e estruturam

nossa forma de ver a “realidade”.

Analisando as teorias tradicionais, fica claro que elas são demarcadas pelo início dos

estudos sobre currículo, com a publicação do livro de Bobbit, em 1918. Nesse período, os Estados

Unidos passavam por um processo de urbanização e industrialização, o que influenciou Bobbit a

propor que a escola funcionasse da mesma forma que qualquer outra empresa ou indústria. Com

isso, buscou-se uma educação científica, pautada, portanto, em um ensino mecânico e técnico e

organizado aos moldes da administração científica de Taylor.

Em 1949 esse modelo ganha força com o livro de Ralph Tyler, enfatizando a organização

e o desenvolvimento do currículo, o qual deveria responder a quais “objetivos educacionais deve a

escola procurar atingir?”. Nessa perspectiva, conforme Silva (2011, p. 25), Tyler identifica três

fontes nas quais esses objetivos são respondidos, quais sejam: “1. estudos sobre os próprios

aprendizes; 2. estudos sobre a vida contemporânea fora da educação; 3. Sugestão de especialistas

das diferentes disciplinas”.

Essa teoria é contestada, entretanto, por meio de questionamentos e reflexões pela teoria

crítica. Há que se ressaltar que a década de 1960 foi marcada por importantes movimentos sociais

e culturais. De fato, essa década foi de muita efervescência e, não por menos, nessa mesma época

a teoria tradicional foi posta em xeque. Assim, Silva (2011, p. 29) afirma que:

Page 23: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

22

Para a literatura educacional estadunidense, a renovação da teorização sobre

currículo parece ter sido exclusividade do chamado “movimento de

reconceptualização”. Da mesma forma, a literatura inglesa reivindica prioridade

para a chamada “nova sociologia da educação”, um movimento identificado com

o sociólogo inglês Michel Young. Uma revisão brasileira não deixaria de assinalar

o importante papel da obra de Paulo Freire, enquanto os franceses certamente não

deixariam de destacar o papel dos ensaios de Althusser, Bourdieu e Passeron,

Baudelot e Establet.

Conforme Macedo (2012, p. 38), “ao desconfiar do status quo, as teorias críticas vão

direcionar seus olhares críticos sobre as iniquidades sociais e as injustiças que excluem através dos

atos de currículos”. Essas teorias “trazem consigo ideologias e formas instituintes de poder

pautadas na opção de formar para legitimar e perpetuar relações de classe estabelecidas pelas

sociedades capitalistas, sem que isso, muitas vezes esteja explicitado” (MACEDO, 2012, p. 57).

Desse modo, portanto, elas buscam indagar sobre o que o currículo faz com as pessoas, visto que

ele não é neutro.

De acordo com Lopes e Macedo (2011, p. 27), essa perspectiva de currículo ancora

trabalhos variados da sociologia da educação, a exemplo de:

Louis Althuesser no livro Aparelhos ideológicos do Estado, em 1971, Boudelot e

Establet e Bowles e Gentis, analisam a atuação do sistema educativo na

preparação dos sujeitos de cada classe social para assumir os papéis que lhes são

destinados pelo sistema capitalista.

Moreira e Silva (2002) analisam a teoria crítica do currículo considerando-o como artefato

social e cultural, preocupado, sobretudo, com o “como” e o “porque” das formas da organização

do conhecimento escolar. Nesses termos, eles afirmam que:

O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada

do conhecimento social. O currículo transmite visões sociais particulares e

interessadas, o currículo produz identidades individuais e sociais particulares. O

currículo não é um elemento transcendente e atemporal-ele tem uma história

vinculada a formas específicas e contingentes de organização da sociedade e da

educação (MOREIRA; SILVA, 2002, p. 8).

Assim, em consonância com a teoria crítica e com a sociologia do currículo, Moreira e Silva

(2002) mapeiam questões centrais em torno de três eixos: ideologia, cultura e poder.

Page 24: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

23

Semelhante às teorias críticas, as pós-críticas questionam o “porque” do currículo. Elas se

preocupam, sobretudo, com as conexões entre saber, identidade e poder. Segundo Silva (2011, p.

146), as teorias pós-críticas questionam “os feitos aos impulsos emancipatórios de certas

pedagogias críticas, na medida em que se fundamentam nos pressupostos da subjetividade.” O

autor complementa, ainda, que a concepção de identidade cultural e social, dessa perspectiva,

permite analisar de forma complexa a dinâmica, a política e o poder nas relações de gênero, etnia,

raça e sexualidade.

Conforme Lopes e Macedo (2011), os sentidos do que seja o currículo e as teorias

curriculares são sempre parciais e localizados historicamente, e o pensamento curricular no Brasil

acompanha essa discussão internacional. De acordo com Lopes e Macedo (2002, p. 13), as

teorizações no Brasil se iniciam nos anos de 1920, com a produção sobre currículo, do movimento

da Escola Nova. Essa teorização da produção curricular brasileira está descrita e analisada em

Moreira (1990), Silva (1999) e Eugenio (2010), dentre outros.

A partir dos anos 1980, o campo do currículo no Brasil passa a incorporar elementos das

vertentes marxistas e fenomenológicas, inspiradas principalmente nos trabalhos de Dermeval

Saviani, Paulo Freire e Joel Martins. Essas abordagens convivem com outras perspectivas presentes

nos estudos curriculares, dentre elas, a multirreferencialidade, os estudos do cotidiano, a história

das disciplinas escolares, os estudos culturais, os estudos pós-modernos e pós-estruturais.

Apoiado nas teorias críticas, este trabalho se firmou mais precisamente na teoria do discurso

pedagógico do sociólogo Basil Bernstein (1996,1998), o qual desenvolveu sua teoria ao longo de

cerca de 50 anos, iniciando sua construção ainda nos anos de 1950, quando era professor do ensino

secundário. Nos anos de 1970, com o movimento da Nova Sociologia da Educação (NSE), ele

publica, em 1971, o texto On the Classificacion and Framing of knowledge schooling, no qual fez

uma distinção entre poder e controle, mostrando as variadas possibilidades de modalidades do

código elaborado. Dez anos mais tarde, no artigo Codes, modalities and the process of cultural

reproducion: A model, teorizou sobre os códigos, aperfeiçoando a discussão sobre o processo de

transmissão e aquisição.

De 1986 a 1990, ele se dedicou aos estudos do discurso pedagógico, o que lhe permitiu, no

artigo On pedagógico Discourse, distinguir frações de classe e colocar a hipótese de que a

orientação ideológica, os interesses e os modos de reprodução estariam relacionados com as

Page 25: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

24

funções dos agentes (controle simbólico ou economia), com o seu campo de localização e sua

posição hierárquica (MORAIS; NEVES, 2007).

Por último, em 1999, ele publicou o artigo Vertical and Horizontal Discurses: an essay,

abordando “as formas do discurso, isto é, os princípios internos da sua construção e da sua base

social” (MORAIS; NEVES, 2007, p. 116).

Conforme aponta Stefenon (2017), Bernstein faz parte de um movimento de renovação do

pensamento sociológico britânico denominado Nova Sociologia da Educação, a qual rompe com a

teoria tradicional e se insere na perspectiva crítica, preocupando-se, dessa maneira, com o currículo

(conhecimento válido), a pedagogia (transmissão válida) e a avaliação ( realização válida) (

STREMEL; MAINARDES, 2010).

Nesses termos, os autores da NSE se incluem no que se pode chamar de “sociologia da

suspeita”, a partir da qual o conhecimento escolar e as próprias condições sociais sobre as quais

essa perspectiva opera não são vistos como algo dado e natural (STEFENON, 2017). Ressalta-se

que esse movimento dentro do currículo discute “as questões de gênero, da relação entre cultura

local e conhecimento universal, sobre desigualdades educativas, sobre currículos flexíveis e

currículo comum” (STEFENON, 2017, p. 43).

Desse modo, a realidade é problematizada e, com base no currículo, questiona-se a respeito

do conhecimento escolar, ou seja, pergunta-se para qual finalidade o conhecimento deve ser

transmitido? Sendo assim, “esse movimento desmitifica o papel do conhecimento, postulando que

a sua construção envolve relações de poder, favorecendo a manutenção de grupos dominantes”

(MAINARDES; STREMEL, 2010, p.3). Há, nesse sentido, uma conexão entre currículo e poder,

organização do conhecimento e distribuição do poder.

Percebe-se, então, que há um pressuposto de classe muito forte, isto é, “as estruturas sociais

influenciam o comportamento linguístico dos grupos” (STEFENON, 2007, p.43). É justamente

nisso que Bernstein se debruça, tendo como objetivo demonstrar as diferenças de aprendizagem da

classe média e da classe trabalhadora. Para ele, os alunos advindos da classe média tinham mais

facilidade de se sobressair na escola, pois o código reproduzido nessa agência continua sendo

produzido na família. Contrariamente, o código produzido nas famílias das classes trabalhadoras

não é reproduzido na escola, e nisso reside a grande dificuldade dos alunos em obter sucesso. Isso

foi percebido por Bernstein ainda na década de 1950, quando ele lecionava nas escolas de ensino

fundamental e secundário da Inglaterra.

Page 26: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

25

Outro fator decisivo para o autor interrogar essas diferenças produzidas na escola foi o

contato que ele teve com o trabalho dos estadunidenses Straus e Scchtzman, os quais desenvolvem

trabalhos sobre linguagem. Ademais, ele assume “a ideia de linguagem enquanto um sistema

regulador e orientador da consciência” (STEFENON, 2017, p. 44), demonstrando que não se

preocupa com a linguagem em si, tal como a Linguística.

A teoria de Bernstein é utilizada em pesquisas de diversas áreas do conhecimento, assim

como a linguística, a sociologia e a educação, o que evidencia seu potencial analítico. Conforme

apontam Bezerra e Eugenio (2018), seu empreendimento analítico e explicativo permite a

investigação da teoria e empiria em diversos contextos, na medida em que se preocupa como o

conhecimento que, de maneira geral, é produzido e reproduzido.

Pesquisadores têm se apropriado dessa teoria para analisar o currículo em diferentes

disciplinas, a exemplo de Bezerra (2018), que pesquisou as regras da prática pedagógica no

currículo de Ciências e Língua Portuguesa, na educação de jovens e adultos; Stefenon (2017), que

objetivou compreender as diferentes formas pelas quais o conhecimento geográfico é

recontextualizado em diversas situações educativas; Gallian (2009), que teve como preocupação

central as recontextualizações ocorridas no discurso pedagógico oficial, no processo de produção

de livros didáticos e na prática docente, no que se refere ao nível conceitual do conhecimento

escolar de Ciências. No Estado da Bahia, três pesquisadores têm se dedicado a trabalhar e orientar

trabalhos que utilizam a teoria sociológica bernsteiniana: Jonei Cerqueira (UFBA), Bruno Santos

(UESB) e Benedito Eugenio (UESB).

No que se refere às bases dessa teoria, de acordo com Stefenon (2017, p. 44):

Em Marx e Durkheim, Bernstein encontra as bases para pensar as macroestruturas

sociais e as tensões que o conformam o mundo, enquanto o interacionismo

simbólico presente na psicologia social de George Herbert e Mead lhe fornece os

referenciais para a compreensão das microestruturas psicológicas e as conexões

entre o sujeito e sociedade. Tudo isso o torna um intelectual de origens plurais,

preocupado com a dialética entre sujeito e estrutura na determinação dos

mecanismos de linguagem e, por conseguinte, na relação entre os processos de

reprodução cultural e de resistência.

Com isso, a contribuição do autor se torna significativa ao tratar da transmissão e aquisição

do conhecimento, investigando os níveis macro e micro da escola, ou de qualquer outra agência

comunicativa.

Page 27: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

26

No caso desse trabalho, entendendo o currículo como um conhecimento a ser produzido e

reproduzido, sua teoria auxilia na compreensão de como ele é recontextualizado nas disciplinas de

Língua Portuguesa e Ciências, em uma escola quilombola. Para isso, o desdobramento dessa

pesquisa é realizado sob os conceitos de código, classificação, enquadramento, código elaborado e

restrito, do dispositivo pedagógico e da regra recontextualizadora.

1.2 O conceito de código e os princípios de classificação e enquadramento

Neste tópico é discutido sobre o conceito de código, que é constituído pelos princípios de

enquadramento e classificação.

Ao estudar a teoria bernsteiniana, se torna fundamental entender o conceito de código,

construto central para compreender o processo de transmissão e aquisição do conhecimento no

currículo. Para Bernstein (1996, p. 143), o código é “um princípio regulativo, tacitamente

adquirido, que seleciona e integra significados relevantes, formas de realização e contextos

evocadores”.

Bernstein (1996, p. 30) aponta que “o código deve gerar princípios que permitam distinguir

entre, de um lado, contextos, e de outro, princípios para a criação e produção de realizações

especializadas no interior de um contexto”. Com isso, geram-se duas regras, as regras de

reconhecimento e as regras de realização. As regras de reconhecimento “criam meios que

possibilitam efetuar distinções entre os contextos e, assim, reconhecer a peculiaridade daquele

contexto”. Já as regras de realização regulam a criação e produção de relações especializadas

internas àquele contexto. Desse modo, “os princípios classificatórios estabelecem as regras de

reconhecimento e os princípios de enquadramento estabelecem as regras de realização”

(BERNSTEIN, 1996, p. 58), formando, assim, o discurso pedagógico que, nesta pesquisa, se

configura como currículo de Língua Portuguesa e Ciências.

Essas duas regras constituem o contexto comunicativo caracterizado por dois contextos, o

interativo e o localizacional. O contexto interativo, correspondente ao enquadramento, “regula a

seleção, o sequenciamento organizacional, os critérios e o compassamento da comunicação

(oral/escrita/visual) como a posição, a postura e a vestimenta dos comunicantes” (BERNSTEIN,

1996, p. 56). Já o contexto localizacional, correspondente ao princípio classificatório, “regula a

localização física e a forma de sua realização (isto é, a gama de objetos, seus atributos, sua relação

Page 28: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

27

mútua, e o espaço no qual eles são constituídos)” (BERNSTEIN, 1996, p. 56). Assim sendo,

compreende-se que o código é um contexto comunicativo, ligado aos princípios de classificação e

enquadramento, que pode ser restrito ou elaborado, e desenvolvido de acordo com os pressupostos

de classe.

Os princípios de classificação e enquadramento se tornam fundamentais para explicar as

micro-interações da sala de aula em relacionar esses níveis micro de interações com os níveis macro

(BERNSTEIN, 1996). Por isso, a importância de se compreender esses conceitos para o

desenvolvimento desse trabalho, haja vista que serão analisados como os conteúdos no contexto de

uma escola quilombola são ensinados.

Sabe-se que a condução do discurso pedagógico perante a estrutura social, compreendida

também com vários contextos específicos ou comunicativos se dá por meio dos princípios de

classificação e enquadramento.

Bernstein (1996, p. 140) utiliza o conceito de classificação para definir o princípio de uma

divisão social do trabalho. Essa classificação pode ser fraca ou forte.

Uma forte classificação (+C) designa posições/categorias (de uma divisão social

do trabalho) fortemente isolada entre si, enquanto uma classificação fraca (-C)

designa posições/categorias com um isolamento muito reduzido e, como

consequência, cada posição/categoria é menos especializada.

Por outro lado, o autor utiliza o conceito de enquadramento para designar a localização do

controle sobre as regras de comunicação (BERNSTEIN, 1996, p. 141). Ainda em suas palavras, o

enquadramento “se refere ao princípio que regula as práticas comunicativas das relações sociais no

interior da reprodução de recursos discursivos, isto é, entre transmissores e adquirentes”

(BERNSTEIN, 1996, p.59). Assim como a classificação, o enquadramento também se apresenta

com valores fortes (+E) e fracos (-E).

Nesses termos:

Enquadramento forte: o transmissor controla a seleção, a organização, o

compassamento, os critérios de comunicação e da posição, a postura, e a

vestimenta dos comunicantes, juntamente com o arranjo da localização física.

Enquadramento fraco: o adquirente tem mais controle sobre a seleção, a

organização, o compassamento e os critérios da comunicação e sobre a posição, a

postura e a vestimenta, juntamente com a o arranjo da localização física.

(BERNSTEIN, 1996, p. 60).

Page 29: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

28

Nesse contexto, de acordo com sua teorização, é possível visualizar dois tipos de currículos:

o de integração e o de coleção. Eugenio (2009, p. 50) pontua que o currículo de coleção:

Mantém uma relação fechada entre conteúdos, com limites bem definidos, ou seja,

um forte enquadramento e uma forte classificação. Não há permeabilidade entre

áreas de conhecimento, o conhecimento é abordado como uma mercadoria que

possui um valor de troca na sociedade. Dentro do limite de cada disciplina, os

docentes possuem uma maior autonomia nesse tipo de currículo, pois ele é quem

seleciona o conteúdo e a forma didática de sua transmissão. Com relação ao aluno,

este não tem nenhum tipo de controle nesse processo; a lógica predominantemente

é a da transmissão/aquisição. A avaliação ocorre segundo os critérios definidos

pelos docentes individualmente a partir do está previsto nos documentos

prescritivos.

Já o currículo integrado há um isolamento fraco entre conteúdos e as áreas de

conhecimento, visto que elas são submetidas a uma ideia motriz que aproxima as

suas fronteiras. Os professores perdem a autonomia, pois passam a participar de

tarefas pedagógicas partilhadas. A avaliação passa a ter critérios comuns.

O currículo de integração é característico dentro da pedagogia invisível e o de coleção, da

pedagogia visível, como será visto mais adiante.

Segundo Morais e Neves (2007, p. 117) a classificação se refere “ao grau de manutenção

de fronteiras entre categorias (professores, alunos, espaços, conteúdos, de aprendizagem, escola,

família, etc.)”, enquanto o enquadramento se refere às relações sociais entre as categorias, isto é, a

comunicação entre elas.

De acordo com Morais e Neves (2007, p. 118), “os valores da classificação e

enquadramento que vão definir o modo de transmissão-aquisição ou prática nos contextos básicos

de comunicação”. Desse modo, referindo-se ao currículo, na “classificação forte (+C) os conteúdos

são separados por limites fortes” e, por outro lado, “a classificação fraca (-C) se refere a uma

reduzida separação entre conhecimentos e conteúdos” (MAINARDES; STREMEL 2010, p. 8), ou

seja, há uma união entre categorias (MORAIS; NEVES, 2007).

Ainda no que diz respeito ao currículo, o enquadramento é forte (+E) quando regula de

forma intensa o conteúdo que constitui o contexto de aprendizagem (MAINARDES; STREMEL,

2010, p. 8) e fraco (-E) “quando há um menor controlo sobre as práticas” (MAINARDES;

STREMEL, 2010, p. 8).

Conforme Morais e Neves (2007, p. 118), “os valores de classificação criam regras de

reconhecimento específicas que permitem ao aluno reconhecer a especificidade de um contexto

particular”, enquanto os valores de enquadramento “produzem e pressupõem diferentes regras de

Page 30: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

29

realização”. Logo, nessa relação, as regras de reconhecimento (poder) regulam as regras de

realização (controle).

Vale salientar que códigos possibilitam aos sujeitos adquirirem uma determinada voz e uma

determinada mensagem. A voz está relacionada com a classificação, “gerada, assim, pela natureza

das categorias criadas pelos princípios de divisão social do trabalho” (distribuição de poder)

(MORAIS; NEVES, 2007, p. 118). A mensagem, relacionada ao enquadramento, diz respeito às

relações pedagógicas (MORAIS; NEVES, 2007).

Sobre o conceito de enquadramento, vê-se que ele é caracterizado por duas regras: as

discursivas, “que dizem respeito ao controle que os transmissores e aquisidores podem ter no

processo de transmissão - aquisição”; e as regras hierárquicas, que “regulam a forma de

comunicação entre sujeitos com posições hierárquicas distintas” num determinado contexto, em

que cada sujeito desempenha um papel. (MAINARDES; STREMEL, 2010, p. 8).

Nessa segunda regra, podem se manifestar três formas de controle: o controlo pessoal, que

corresponde a um enquadramento fraco, sendo, nesse caso, a prática pedagógica estabelecida pelo

aluno; o controlo posicional, o qual corresponde a um enquadramento forte, em que o professor é

quem estabelece as devidas regras; e o controlo imperativo, o qual se manifesta como um controle

muito forte em que o professor se utiliza da coação física.

1.3 As modalidades do código pedagógico: restrito e elaborado

Aqui, discutimos sobre as duas modalidades do código pedagógico: a restrita e a elaborada.

Vê-se que há um pressuposto de classe presente nessas modalidades: a primeira modalidade é

predominantemente utilizada pela classe trabalhadora, enquanto a segunda, pela classe média.

Conforme afirma Bernstein (1996, p. 67), “a modalidade de um código ou sua mudança é

dada pelos valores de classificação e enquadramento”. Esses valores podem ser fracos ou fortes,

correspondendo respectivamente a um código elaborado ou restrito.

Ao investigar as diferentes classes sociais, Bernstein analisou as diferenças nas suas formas

de comunicação, estabelecendo, nesse sentido, uma relação entre língua e classes sociais. O que o

autor buscou evidenciar é que existem dois tipos de códigos – o código elaborado, de maneira geral,

utilizado pela classe dominante, e o código restrito, utilizado pela classe dominada.

Page 31: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

30

No primeiro capítulo do livro “A estruturação do discurso pedagógico”, o autor traz alguns

exemplos e mostra que a classe média tem um discurso mais generalizante e abstrato, sendo,

portanto, um código elaborado; enquanto a classe baixa tem o discurso mais simples e particular,

isto é, um código restrito. Nas palavras de Bernstein (1996, p. 136), “no caso dos códigos restritos,

em termos de significados particularistas, locais, dependentes do contexto e, no caso dos códigos

elaborados, em termos de significados universalistas, menos locais, mais independente do

contexto”.

Sinteticamente, Morais e Neves (2007, p. 116) definem que:

Na orientação restrita, os significados são particularistas, dependentes do contexto

e tem uma relação direta com uma base material específica. Na orientação

elaborada, os significados são universalistas, relativamente independentes do

contexto e têm uma base material específica.

Stefenon (2017, p. 55) exemplifica a comunicação que se desenvolve em cada código.

Assim, no código elaborado:

A comunicação em ambientes profissionais e /ou intelectuais fortemente

marcados por especialização científico-disciplinar, por exemplo, fundamenta se a

partir da modalidade de código elaborado, pois a mesma dá origem a textos que,

em geral, possuem significados universais, sendo que sua validade independe de

contextos vividos pelos adquirentes.

Contrariamente, o processo de comunicação que ocorre em comunidades locais e/ou

tradicionais tende a se estruturar a partir de um código restrito, caracterizado por uma gramática

em que os significados dos textos possuem uma relação direta com os seus contextos evocadores,

ou seja, com a base material da qual emanam.

Dito isso, é perceptível que no código elaborado tende a se desenvolver a divisão complexa

de trabalho e no código restrito a divisão simples de trabalho. Segundo Bernstein (1996), os agentes

da primeira divisão prioritariamente desenvolvem trabalhos abstratos e intelectuais, enquanto a

segunda, com práticas simples, desenvolve os trabalhos manuais. Nesse sentido, “a posição dos

sujeitos e de sua família na divisão social do trabalho interfere diretamente na orientação do código

que compartilham” (STEFENON, 2017, p. 55).

Vale salientar que tais pressupostos de classe induzem ao controle simbólico, conceito

muito caro para o referido teórico, pois é ele quem determina a consciência mediante o discurso

Page 32: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

31

pedagógico. De acordo com Bernstein (1996, p. 190), o controle simbólico “é o meio pelo qual a

consciência recebe uma forma especializada e é distribuída através de formas de comunicação, as

quais conduzem, transportam, uma determinada distribuição de poder e de categorias culturais

dominantes”.

Nesses pressupostos de classe, encontram-se dois tipos de famílias: as posicionais e a

pessoal. As famílias posicionais apresentam “papéis segregados e fronteiras bem marcadas a

regular as características temporais da socialização familiar”. Já a família pessoal apresenta “papéis

pouco nítidos e o controle social é obtido essencialmente através de complexas formas de

comunicação interpessoal” (BERNSTEIN, 1996, p. 136). Nessa diferenciação, compreende-se que

a primeira família diz respeito às classes mais favorecidas, enquanto a segunda se relaciona às mais

desfavorecidas.

1.4 O dispositivo pedagógico e suas regras

Neste tópico, é discutido sobre o dispositivo pedagógico que constitui as regras

distributivas, recontextualizadoras e avaliativas. Essas regras nos auxiliam a visualizar como a

prática da professora da escola quilombola é efetivada.

Bernstein elabora a teoria do dispositivo pedagógico no âmbito da Nova Sociologia da

Educação e critica as teorias reprodutivistas, dando voz e vez ao discurso pedagógico com enfoque

na comunicação das classes sociais. Nessa perspectiva, o teórico não vê os sujeitos como passivos,

mas sim como proativos.

O dispositivo pedagógico “fornece a gramática intrínseca do discurso pedagógico, através

de três regras, que estão hierarquicamente relacionadas, de modo que uma regula a outra”. Assim

sendo, “as regras distributivas regulam as regras recontextualizadoras, as quais por sua vez,

regulam as regras de avaliação” (BERNSTEIN, 1996, p. 254).

Esse aparelho pedagógico, numa dada sociedade, cria condições para a produção,

reprodução e transformação da cultura, possibilitando a realização do discurso e da prática

pedagógica, assim como geração da consciência, por meio do controle simbólico.

Há que demonstrar ainda que os conceitos como poder, conhecimento e consciência são

fundamentais para a teoria do dispositivo pedagógico, pois as regras de distribuição dispõem e

regulam o poder; as regras recontextualizadoras selecionam o conhecimento; e as regras avaliativas

Page 33: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

32

se relacionam com a consciência que diz respeito às competências especializadas, isto é, ao

cognitivo que está situado no contexto instrucional.

Nessa lógica, as regras distributivas, como mencionado, se relacionam com o poder, ou

seja, com o princípio de classificação. Essas regras “compõem um conjunto de normas

fundamentais que delimitam formas de conhecimento, e sua distribuição entre os sujeitos que

poderão se apropriar delas ou não” (STEFENON, 2017, p. 60).

Bernstein (1996, p. 255) pontua que as regras distributivas produzem nas sociedades dois

tipos de conhecimentos: no sistema educacional é produzido o conhecimento “impensável” “que

recaem sobre os níveis superiores do sistema educacional, sobre a parte mais preocupada com a

produção do que com a reprodução”; já o conhecimento “pensável” “está situado nos níveis

inferiores dos sistemas educacionais, isto é, em seus níveis reprodutivos”. Diante disso, é

entendível que o conhecimento impensável se trata do código elaborado e o conhecimento pensável

se trata dos códigos restritos.

Partindo para as regras recontextualizadoras, vê-se que elas são reguladas pelas regras de

distribuição. As regras em debate “regulam a constituição dos discursos pedagógicos específicos,

isto é, regulam o que (discursos a serem transmitidos-adquiridos) e o como da transmissão-

aquisição (discursos que regulam os princípios da transmissão-aquisição)” (MORAIS; NEVES,

2007, p. 121). Os termos o que e como estão relacionados respectivamente aos princípios de

classificação e enquadramento.

Nesse contexto, percebe-se que o discurso pedagógico é definido por dois discursos: o

instrucional e o regulativo. O discurso regulativo trata da classificação, ou seja, do o que do

discurso. Ele “cria a ordem, a relação e a identidade especializada” (BERNSTEIN, 1996, p. 258).

Já o discurso instrucional trata do enquadramento; do como do discurso, que, por sua vez,

“transmite as competências especializadas e sua mútua relação” (BERNSTEIN, 1996, p. 258). Essa

distinção entre os discursos mostra que o instrucional está embutido no regulativo, o qual é

representado pela seguinte fórmula: DI/DR.

Bernstein (1996) diferencia dois campos recontextualizadores em que atuam nas regras de

recontextualização, são eles: o Campo Recontextualizador Oficial (CRO) e o Campo

Recontextualizador Pedagógico (CRP). Assim, o autor descreve que o CRO é “regulado

diretamente pelo Estado, politicamente através da administração pública” e os CRPs “estão

preocupados com os princípios e práticas que regulam a circulação de teorias e textos: do contexto

Page 34: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

33

de sua produção ou existência para os contextos de sua reprodução” (BERNSTEIN, 1996, p. 276-

7).

No âmbito desta pesquisa, fazem parte do CRO as Diretrizes Nacionais Curriculares para

Educação Escolar Quilombola, a Base Nacional Comum Curricular do Ensino Fundamental, o

Pacto Nacional de Alfabetização na idade certa e os livros didáticos. Ao passo que esses

documentos são recontextualizados, fazem parte do CRP a prática pedagógica da professora e seus

planos de aula.

Já as regras de avaliação, como bem pontuadas, são reguladas pelas regras

recontextualizadoras. As regras em voga podem ser apresentadas como a própria prática

pedagógica, sendo, portanto, “o conjunto de procedimentos, sequenciamentos, ritmos de

aprendizagem, critérios de avaliação, dentre outros, que permitem estabelecer o poder e o controle”

(STEFENON, 2017, p. 62).

Stefenon (2017) sinaliza que tais regras podem possuir uma característica mais explícita,

em que as regras são claras; ou implícitas, quando elas não são claramente estabelecidas. Tais

termos podem, respectivamente, ser substituídos pelos conceitos de pedagogia visível e pedagogia

invisível, os quais serão discutidos no próximo tópico.

1.5 Pedagogia visível e invisível

Neste tópico é discutido sobre a pedagogia visível e invisível, que diz respeito à prática

pedagógica com suas regras hierárquicas, sequenciais e criteriais. Ainda existe uma quarta regra, a

de recontextualização, que será abordada no tópico sobre currículo.

Ao investigar a prática pedagógica, Bernstein esclarece como o conteúdo da comunicação

é transmitido, adquirido e controlado (STEFENON, 2017). Para tanto, ele destaca três regras

fundamentais que constituem a prática pedagógica, a saber: as regras hierárquicas, as regras de

sequenciamento e as regras criteriais.

As regras hierárquicas “estabelecem as condições para a ordem, o caráter, e os modos de

comportamento” (BERNSTEIN, 1996, p. 97) e os papéis de transmissor e adquirente são nelas

determinados. Segundo o autor, essas regras podem ser explícitas ou implícitas, de modo que

quando as regras são explícitas, a base de poder da relação social é visível e sem disfarces.

Page 35: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

34

Contrariamente, quando são implícitas, a base de poder da relação social é mascarada, ocultada e

obscurecida por estratégias de comunicação.

As regras de sequenciamento é a transmissão do que vem antes e depois, havendo, nesse

sentido, uma progressão. Dentro delas, estão contidas as regras de compassamento, que “é o tempo,

permitido para se cumprir as regras de sequenciamento” (BERNSTEIN, p. 97), ou seja, é a

ritmagem da aquisição.

Assim como as regras anteriores, as de sequenciamento também se apresentam de forma

explícita e implícita, de maneira que quando essas regras são explícitas, os princípios e os sinais de

transmissão são esclarecidos e tornados públicos. Em contrapartida, quando elas são implícitas, os

princípios e sinais da progressão são conhecidos apenas pelo transmissor. Essas duas regras

determinam, respectivamente, o que o educando pode ou não ter conhecimento em relação ao que

está sendo transmitido (BERNSTEIN, 1996).

Por último, as regras criteriais, como aponta o teórico, são aquelas das quais se espera que

o adquirente aprenda para que, posteriormente, ele possa aplicá-las, ou não, diante de uma dada

situação. Nessa perspectiva, a competência do adquirente é avaliada e “essa avaliação baseia-se

nas condutas, caráter, modos de comportamento (critérios regulativos) ou resolução de um

problema ou produção de um segmento de escrita/fala (critérios instrucional/discursivo)”

(EUGÊNIO, 2009, p. 48).

Tal como as outras regras, as aludidas também se manifestam explicitamente ou

implicitamente. Quando elas são explícitas, os critérios a serem transmitidos são explícitos e

específicos. Por outro lado, quando elas são implícitas, os critérios a serem transmitidos são

implícitos, múltiplos e difusos (BERNSTEIN, 1996).

Definidas essas regras, fica possível visualizar dois tipos de pedagogia que caracterizam a

prática pedagógica e que afetarão tanto a seleção quanto a organização do conhecimento que deve

ser transmitido e adquirido.

Como foi sinalizado, Bernstein (1996) distingue dois tipos de prática pedagógica que se

realizam explicitamente ou implicitamente, denominadas de pedagogia visível e invisível. Tais

pedagogias apresentam regras de ordem regulativa e discursiva, isto é, a ideologia e o

conhecimento. A primeira regra corresponde aos conteúdos que são conduzidos, ou seja, o o que.

Já a segunda, como os conteúdos são conduzidos, ou seja, o como. Nas palavras do autor, “as regras

de ordem regulativa e discursiva são critérios explícitos de hierarquia/sequência/ compassamento/

Page 36: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

35

chamarei esse tipo de prática pedagógica visível (PV) e se as regras de ordem regulativa e discursiva

são implícitas, chamarei de pedagogia invisível. (BERNSTEIN, 1996, p.103)”.

Segundo Eugênio (2009, p. 46):

A pedagogia visível põe a ênfase no desempenho da criança a partir de um padrão

externo, atuando para produzir diferenças entre as crianças, pois são

necessariamente práticas estratificadoras de transmissão. Esta pedagogia também

apresenta pressupostos de classe e eles são mais tendentes a serem satisfeitos por

aquela fração de classe média cujo trabalho tem uma relação direta com o campo

econômico. A ênfase deste tipo de prática é na transmissão-desempenho e as

regras de ordem reguladora e instrucional são explicitas; o compassamento e a

classificação são fortes e por isso o controle opera para clarificar, manter e reparar

as fronteiras.

Sobre as pedagogias invisíveis, o mesmo autor aponta que estas:

Caracterizam-se por suas regras serem de conhecimento apenas do transmissor.

Seu foco não está num desempenho ‘avaliável’ do adquirente, mas em

procedimentos internos ao adquirente (cognitivos, linguísticos, afetivos,

motivacionais) em consequência dos quais o texto é criado e vivido. Devido a isso

essas pedagogias estão preocupadas com os procedimentos ou competências que

os adquirentes devem trazer para o contexto pedagógico, recaindo a sua ênfase na

aquisição-competência. Nas pedagogias invisíveis a classificação entre conteúdos

é fraca, assim como enquadramento e o compassamento (EUGÊNIO, 2009, p.

46).

Espera-se, então, que na Educação Escolar Quilombola predomine uma pedagogia

invisível, uma vez que ela enfatiza a aquisição-competência, ou seja, que “coloca o foco nos

procedimentos ou competências que todos os adquirentes devem trazer para o contexto

pedagógico” (BERNSTEIN, 1996, p. 104) e que, em virtude dessa educação ser uma modalidade

diferenciada, ela valoriza o contexto sociocultural dos alunos.

De acordo com Bernstein (1996, p. 105), “a ênfase entre as pedagogias visíveis e invisíveis

afetarão claramente tanto a seleção quanto organização daquilo que deve ser adquirido”. No

currículo da educação escolar quilombola, por exemplo, espera-se que sejam trabalhadas atividades

específicas e diferenciadas, com temáticas que envolvam a arte, estética, religiosidade,

corporeidade, cultura, história e tantas outras nuances de seu modo de viver, previsto nas diretrizes

curriculares dessa modalidade. Assim, é compreensível que há um predomínio do discurso

horizontal, compreendido também como código restrito ou ainda como pedagogia invisível.

Page 37: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

36

1.6 O conceito de recontextualização do currículo

Para Bernstein (1996, p. 89-90), o campo recontextualizador é importante para “a seleção

de textos que vai do campo intelectual criado pelo sistema educacional para os campos de

reprodução daquele sistema”. Ainda conforme Bernstein (1996, p. 259), nesse processo de

deslocação e relocação, “o discurso original passa por uma transformação de uma prática real para

uma prática imaginária”, em que o discurso é sempre transformado ou modificado.

Nesse movimento, fazem-se importantes três contextos, quais sejam: o contexto primário

(produção do discurso), o contexto secundário (reprodução do discurso) e o contexto

recontextualizador (reprodução do discurso).

O contexto primário se refere ao processo pelo qual novas ideias são produzidas, o que pode

ser compreendido como campo recontextualizador oficial - CRO; o contexto secundário refere-se

à reprodução seletiva do discurso educacional; e o campo recontextualizador regula a circulação

de textos entre os contextos primário e secundário, podendo, nessa estreita, ser compreendido como

campo recontextualizador pedagógico - CRP. (BERNSTEIN, 1996).

Assim, no contexto dessa pesquisa, faz parte do nível primário, compreendido também

como nível macro, documentos oficiais como: as Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação Quilombola, o Plano Nacional de Implementação das Relações Etnicorraciais, dentre

outros documentos produzidos pela antiga Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,

Diversidade e Inclusão- SECADI. No nível secundário ou meso, os documentos são produzidos

pelo Estado, sendo, portanto, o Plano Estadual de Educação Escolar Quilombola, a Lei 13.559/16.

No contexto recontextualizador ou nível micro encontram-se a Secretaria Municipal de Educação,

o projeto político-pedagógico e a prática da professora. É nesse movimento que é analisada a

recontextualização do currículo de Língua Portuguesa e Ciências, em uma escola quilombola no

município de Vitória da Conquista - BA.

O conceito de recontextualização é fulcral para a teoria de Bernstein. Mainardes e Stremel

(2010) exploram as contribuições da teoria desse autor para a pesquisa no campo das políticas

curriculares e, para isso, os teóricos utilizam alguns conceitos da teoria, em especial o conceito de

recontextualização, o qual é bastante empregado nas análises de políticas educacionais e

curriculares, mostrando “como a distribuição do poder na sociedade e seus princípios de controle

social podem afetar ‘o que’ e o ‘como’ do texto político produzido e a sua reprodução”

Page 38: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

37

(MAINARDES; STREMEL, 2010, p. 15). Nessa perspectiva, esta pesquisa se aproxima desse

conceito, a fim de entender como o currículo para a educação escolar quilombola é

recontextualizado, ou seja, como um discurso é deslocado do contexto macro e relocado para o

contexto micro.

A recontextualização é compreendida também como discurso pedagógico dentro da teoria

bernsteiniana, sendo interpretada por Mainardes e Stremel (2010, p. 13) como:

Um princípio que tira um discurso de sua prática e contexto de origem e reloca

aquele discurso de acordo com seu próprio princípio de focalização e

reordenamentos seletivos. Nesse processo, o discurso real (original) passa por

uma transformação, criando um discurso imaginário ou virtual (discurso

recontextualizado).

Conforme Bernstein (1996, p. 259):

O discurso pedagógico é um princípio para apropriar outros discursos e coloca-

los numa relação mútua especial, com vistas à sua transmissão e aquisição

seletivas. O discurso pedagógico é, pois, um processo que tira (desloca) um

discurso de sua prática e contextos substantivos e recola aquele discurso de com

seu próprio princípio de focalização e reordenamentos seletivos. Nesse processo

de deslocação e relocação do discurso original, a base social de sua prática

(incluindo suas relações de poder) é eliminada. Nesse processo de deslocação e

relocação, o discurso original passa por uma transformação: de uma prática real

para uma prática virtual ou imaginária. O discurso pedagógico cria sujeitos

politmaginários. É preciso refinar esse conceito sobre o princípio que constitui o

discurso pedagógico. Trata se de um princípio recontextualizador que,

seletivamente, apropria, refocaliza e relaciona outros discursos, para constituir sua

própria ordem e seus próprios ordenamentos.

Mainardes e Stremel (2010, p. 19) afirmam que o conceito de recontextualização “tem se

evidenciado como produtivo para o entendimento das reinterpretações que sofrem diferentes textos

na sua circulação pelo meio educacional”. Assim sendo, esses textos sofrem processos de

reprodução, reinterpretação, resistência e mudança.

Nessa mesma perspectiva, Eugenio (2017, p. 61) salienta que o conceito de

recontextualização apresenta um potencial analítico para o estudo das políticas curriculares. Ele

analisou como ocorre esse processo nas práticas curriculares em uma escola de ensino médio no

Estado da Bahia e, para isso, observou as aulas de Biologia, Química e Educação Física. Após esse

período, o autor afirma que “a cena de aula de Biologia nos permite inferir características de uma

Page 39: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

38

pedagogia visível, essa aula produz estratificação entre os alunos” (EUGENIO, 2017, p. 65) e,

assim, foi possível visualizar que nem todos alunos participavam das aulas de biologia.

Na aula de Química, o autor percebe que perguntas e respostas ditam o ritmo da aula e dão

um indicativo da relação que os estudantes estabelecem com o conhecimento/saber transmitido. Já

nas aulas de Educação Física, ele observa que há o enfraquecimento da classificação interna na

organização espacial, ou seja, nos espaços eram demarcados pelos alunos (EUGENIO, 2017).

De maneira geral, visualizamos em sua pesquisa que:

Dependendo da turma, a comunicação alternava-se [...] em todos os docentes a

preocupação em cumprir o conteúdo daquela série era o elemento demarcador das

regras de sequenciamento [...] o didático era definidor das regras [...] a

classificação entre as disciplinas era forte porque mesmo com momentos de

interação afetiva, os textos curriculares empregados pelos/as docentes também

eram fortemente classificadas (EUGENIO, 2017, p. 67-8).

É importante citar, ademais, a pesquisa de Pereira (2017), a qual objetivou compreender

como a política de redesenho curricular do ProEMI em uma escola Estadual de Santa Catarina é

recontextualizada do macro ao microcontexto. Ao desenvolver a pesquisa, tendo como foco a

recontextualização da política do Ensino Médio Inovador, o autor utiliza a abordagem do Ciclo de

Políticas e políticas de atuação proposta por Stephen Ball e seus colaboradores. Ele também faz

uso do conceito de recontextualização por hibridismo, proposto por Alice Lopes e Elizabeth

Macedo.

O pesquisador entende que:

É por meio da recontextualização que o discurso pedagógico “se desloca do seu

contexto original de produção para outro contexto onde é modificado (por

intermédio de seleção, simplificação, condensação e reelaboração) e relacionado

com outros discursos e depois é relocado”. São, portanto, as regras de

recontextualização que fixam “os limites externos e internos do discurso legítimo”

(PEREIRA, 2017, p. 45).

Ele observa, por meio de entrevistas e análise de documentos, que a nova política, ao ser

deslocada do contexto oficial e relocada para a sala de aula, promove uma recontextualização de

forma tímida, haja vista que as políticas não são simplesmente implementadas, mas sim produzidas

por todos os sujeitos, desde o nível macro ao nível micro.

Page 40: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

39

2 OS CAMINHOS DA PESQUISA

Neste capítulo será discutido acerca do conceito de quilombo e apresentamos os

procedimentos metodológicos utilizados para a construção dos dados.

2.1 Considerações sobre quilombos e comunidades quilombolas

Conforme a literatura historiográfica e antropológica, os quilombos atravessaram gerações

em toda a história do Brasil, indicando a participação ativa da população negra na formação

histórica e cultural do país, dando destaque às identidades construídas a partir de mobilizações

políticas, econômicas e sociais (LARCHET; OLIVEIRA, 2013).

Etimologicamente, a palavra Kilombo é originaria da língua banto umbundu, falada pelo

povo ovimbundo, que designa um tipo de instituição sociopolítica militar conhecida na África

central (MUNANGA; GOMES, 2006). É nessa perspectiva que os primeiros quilombos brasileiros

se inspiram nos africanos, carregando os laços de solidariedade e de resgate de sua liberdade e

dignidade, no esforço de lutar contra o regime escravista. (LARCHERT; OLIVEIRA, 2013).

Por outro lado, esse significado vem se reatualizando ao longo da história. Desse modo,

para compreender o campo semântico desse termo, que vai da ideia de refúgio até a ideia de

resistência e luta por direitos civis nos dias atuais, é preciso traçar o seu perfil histórico conceitual

(LARCHERT; OLIVEIRA, 2013).

A primeira definição de quilombo dá-se no corpo das legislações colonial e imperial

(ARRUTI, 2019), mais precisamente em 1740, com aparato jurídico configurada nos autos do

Conselho Ultramarino (MIRANDA, 2016). Conforme Arruti (2017, p. 109):

Na colônia bastava que cinco escravos fugidos se reunissem, ocupassem ranchos

permanentes e possuíssem um pilão para caracterizar a formação de um quilombo.

No império, esses critérios ficaram ainda mais largos, de forma que a reunião de

três escravos fugidos, mesmo que não formasse ranchos permanentes, poderia ser

considerado um quilombo.

Segundo Lima (2018, p. 29), tal conceituação define seis elementos marcadores de

quilombos daquela época, a saber: fuga, isolamento geográfico, uma quantidade mínima de

fugidos, o estabelecimento de uma moradia, autoconsumo e produção.

Page 41: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

40

Apesar do deslocamento semântico ao longo de mais de dois séculos, Miranda (2016)

afirma que é notável a persistência da acepção criminal e subalterna atribuída aos quilombos no

Brasil, sendo esses locais vistos pelas práticas discursivas que vão desde livros didáticos e de

literatura infantil até o aparato midiático como “habitação de escravos fugidos, geograficamente

isolados e situados em uma natureza selvagem, com padrões precários de moradia e produção

exclusivamente agrícola para o autoconsumo” (MIRANDA, 2016, p. 71). Sabe-se, entretanto, que

essa é uma visão equivocada, uma vez que esses locais estabelecem relações sociais com a

sociedade (BARTH, 2000).

De acordo com Arruti (2017, p. 110), com a instituição da República, o conceito em debate

não desapareceu, mas sofreu uma radical ressemantização, “ao deixar de ser um termo acusatório

e criminalizante (na legislação colonial e imperial), ele assume, ao longo da República, conotações

positivas principalmente no plano das metáforas políticas” contra a exclusão social, no que se refere

ao direito à terra e a todos os direitos civis.

Miranda (2016) pontua que, durante o século XX, houve três sistematizações sobre os

deslocamentos semânticos do termo quilombo, de modo que no início do século havia uma

associação entre quilombos e a presença de uma cultura africana no Brasil. Nesse momento,

destacam-se os cientistas raciológicos - o médico eugenista Nina Rodrigues e seu opositor Arthur

Ramos. Outra acepção ocorrerá na segunda metade do século XX, numa associação à resistência

política empreendida pelas lutas contra a escravidão. Destaca-se, nessa visão, representantes como

Clovis Moura, Décio Freitas, entre outros. Uma terceira fase associa quilombo e resistência negra

e é tributária das formulações do movimento negro ao longo dos anos 1970. Nessa formulação, é

pertinente evidenciar intelectuais negros como Abdias Nascimento, Edson Carneiro e Beatriz

Nascimento.

Nessa estreita, produz-se duas visões de quilombo, a culturalista e a materialista. Conforme

Matos e Eugenio (2019, p. 25), “enquanto a visão culturalista pensava os quilombos apenas como

resistência cultural, a visão materialista concebia as comunidades como principal característica da

resistência escrava aos maus tratos e opressão senhoril”.

Silva (2008) também analisa a gênese do debate e do conceito de quilombo durante o século

XX, a partir de alguns marcos temporais: nos anos 30 e 60, ressalta a perspectiva histórica do

quilombo em oposição ao regime escravocrata do século XIX; nos anos 70, o quilombo emerge

como resistência cultural e potencial de ação política contra a ordem vigente no país; e nas últimas

Page 42: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

41

décadas do século XX, o quilombo se redefine via processos identitários e pleitos reivindicativos

de direitos sociais.

Larchert e Oliveira (2013, p. 47) mostram que o debate em torno da garantia desses direitos

civis e sociais ganhou impulso nas últimas décadas do século XX, constituindo-se em ação coletiva

reivindicatória diretamente ligada à exclusão social, econômica e política do povo negro na

sociedade brasileira e em especial o negro brasileiro.

É nesse mesmo período que o termo quilombo volta a constar nas normas legais, de modo

que, assim, aparece na Constituição Federal de 1988:

Art. 215. 216. Inciso V. 5º - ficam tombados todos os documentos e sítios

detentores de reminiscência históricas dos antigos quilombos [...].

Disposições Transitórias- Art. 68 – aos remanescentes das comunidades de

quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade

definitiva, devendo o Estado emitir os títulos respectivos (BRASIL, 1988).

No entanto, essa definição tornou-se objeto de uma longa controvérsia, ainda inconclusa

(ARRUTI, 2017), pois, em sua maioria, os remanescentes das comunidades quilombolas não têm

mecanismos ou meios para comprovar suas terras ocupadas (MATOS; EUGENIO, 2019).

Ainda conforme Matos e Eugenio (2019, p. 26), o Artigo 68 da Constituição Federal

apresenta ambiguidade semântica em sua redação, abrindo precedentes para os grandes

latifundiários alegarem que por serem “remanescentes de comunidades quilombolas” o direito seria

individual e não coletivo. Contrapondo a essa interpretação, os antropólogos, historiadores e

estudiosos da área propõem o trocadilho e ressemantização da sentença para “comunidades de

remanescentes quilombolas”.

Com a ressemantização do artigo 68, abandonou-se a dicionarização do termo e a

interpretação essencializada de visão interpretativa do dispositivo constitucional, que reduzia o

direito e a identidade quilombola à esfera fundiária. Isso é importante, uma vez que ser quilombola

envolve não só a titulação coletiva do território, como, também, estar inserido nas redes de relações

próprias das comunidades, além de ter um modo considerado distinto (MATOS; EUGENIO 2019),

como é o caso da comunidade do Baixão, que será caracterizada no próximo tópico.

Concorda-se com Lima (2018, p.31) quando ela afirma que pensar nos quilombos

contemporâneos é recorrer à memória e à história desses grupos, relacionados a um passado de

resistência à escravidão e à opressão e, ainda, à influência do legado étnico. No entanto, é

Page 43: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

42

necessário superar definições fossilizadas e arcaicas, sem problematizá-los como grupos isolados,

com resquícios antropológicos e que têm origem em movimentos de insurreição e rebeldia, pois,

como já foi visto, esse entendimento é equivocado para os dias atuais.

Segundo informações da Fundação Cultural Palmares no quadro geral de Comunidades

Remanescentes de Quilombo, até 02/08/2019 havia um total de 3386 comunidades2 quilombolas

certificadas no país. Os Estados que possuem maior número de comunidades são: Maranhão (816),

Bahia (811), Minas Gerais (388), Pará (261), Pernambuco (195) e Rio Grande do Sul (137).

Esses números justificam a importância de se fazer pesquisa sobre as essas comunidades,

indagando suas práticas cotidianas, as relações sociais, a identidade e, sobretudo, a educação

escolar quilombola, que é o caso deste trabalho.

O município de Vitória da Conquista possui um número significativo de comunidades

quilombolas. Após consultas às certidões expedidas às comunidades remanescentes de quilombos

(CRQ), atualizada até a Portaria nº 138/2019, no site da Fundação Cultural Palmares, foram

encontradas 23 comunidades3 nesse município, conforme elencadas na tabela abaixo:

Tabela 1- Comunidades quilombolas de Vitória da Conquista

Comunidade Data de Certificação

Boqueirão 08/06/2005

Corta Lote 08/06/2005

Baixa Seca e Lagoa de Melquíades 08/06/2005

Quatis dos Fernandes 08/06/2005

Lagoa dos Patos 28/07/2006

São Joaquim de Paulo 28/07/2006

Furadinho 28/07/2006

Alto da Cabeceira 28/07/2006

Lagoa de Maria Clemência (Baixão) 13/12/2006

Batalha e Lagoa do Arroz e Ribeirão do Paneleiro 28/07/2006

Lagoa de Vitorino 13/12/2006

2Dados disponíveis no site da Fundação Cultural dos Palmares: <http://www.palmares.gov.br/wp-

content/uploads/2015/07/quadro-geral-13-05-2019.pdf>. Acesso em: 21/07/2019. 3Certificação publicada no Diário oficial da união em 02 de agosto de 2019, portaria Nº 138/2019.

Page 44: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

43

Cachoeira do Rio Pardo 13/12/2006

Sinzoca 02/03/2007

Laranjeiras 17/06/2011

Barreiro do Rio Pardo 31/12/2012

São Joaquim do Sertão 25/10/2013

Barrocas 21/05/2014

Cachoeira das Araras 21/05/2014

Lamarão 21/05/2014

Cachoeira dos Porcos 21/05/2014

Fonte: Fundação Cultural Palmares

A pesquisa foi realizada na comunidade do Baixão, que tem a sua carta de certificação com

o nome Lagoa de Maria Clemência e que será tema de mais discussão sobre essa comunidade no

próximo tópico.

2.2 A comunidade quilombola do Baixão

A comunidade quilombola do Baixão se localiza no município de Vitória da Conquista -

Ba, situada a oeste da cidade, a aproximadamente 13 Km, fazendo fronteira com o distrito do

Pradoso e divididos apenas pela BA-262. Pode-se considerar, então, que a comunidade é de fácil

acesso, com ônibus circulares e vans que vão pela estrada principal e, logo após o aterro sanitário,

bem antes do posto da Polícia Rodoviária, há uma entrada pelo lado direito que dá acesso à

localidade pelas estradas vicinais.

A comunidade faz parte do território de Lagoa de Maria Clemência e compreende outras

regiões em seu entorno, tais como: Saguim I, Saguim II, Retiro, Imburana e Malhada (LIMA,

2018).No que diz respeito ao município de Vitória da Conquista, este fica localizado na Região

Sudoeste do estado, a 509 km de distância da capital, Salvador e possui uma área territorial de

3.705,838 km² de distância, com população estimada de 338.885 pessoas4.

4 Dados do IBGE: Disponível em: <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ba/vitoria-da-conquista/panorama>. Acesso em:

12 jul. 2019.

Page 45: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

44

Esse território, conhecido como Sertão da Ressaca, iniciou o seu processo de povoamento

no século XVIII, habitado por povos indígenas, negros e brancos. Nessa mesma direção, a

comunidade quilombola do Baixão se forma. Segundo Lima (2018, p.34), “no imaginário local,

essa comunidade passa a existir a partir de João Machado dos Santos, nos dando uma referência de

150 anos”. Seus antepassados têm suas histórias relacionadas à escravidão e à herança étnica,

também de povos indígenas. Lima (2018) afirma que a comunidade tem sua carta de certificação

com o nome Lagoa de Maria Clemência, registrada em 11 de julho de 2006.

A família Machado é o principal sobrenome da comunidade, sendo João Machado dos

Santos o patriarca. Esse fato é abordado na pesquisa de Lima e, certa vez, durante as observações

em sala de aula, a professora Ivani5 também fez o mesmo comentário. Podemos ver na escola que

muitos dos alunos têm essa assinatura. Os sobrenomes “de Deus” também têm muita ressonância

entre os moradores, bem como nos nomes dos alunos. Segundo Lima (2018, p. 32), isso se deve à

linhagem pela região Imburana, próxima ao Baixão.

A comunidade também se destaca pela presença dos descendentes indígenas que, de acodo

com Lima (2018, p. 52), essa ancestralidade vem de um morador que vivia no município de Itambé,

chamado Selvino Ribeiro Queiroz. Assim, a pesquisadora certifica que “quando ele vivia em

Itambé, conheceu uma jovem neta de Malaquias, Marcolina Rosa de Jesus, que estava de passagem

pela cidade com seu pai. Dessa união veio morar no Baixão constituindo família”.

É no processo de união entre quatro famílias – Machado, de Deus, de Jesus e ainda a de

descendência indígena – que a comunidade se constituiu. Atualmente, são mais de 300 famílias, o

que torna o lugar densamente povoado, com casas muradas ao longo das estradas proeminentes e

declinadas e outras no centro da baixada.

A região do Baixão possui energia elétrica e é abastecida pela Embasa; possui um posto de

saúde construído pela própria comunidade, onde um médico faz uma visita semanal e atende a

apenas 12 famílias, conforme relatos de algumas moradoras. A igreja católica que a população

frequenta fica em Imburana, povoado vizinho, e os evangélicos vão para o Pradoso (LIMA, 2018).

Uma das lutas que uma moradora pontua é a reivindicação da retirada do aterro sanitário

que fica próximo à comunidade, assolando toda a região com mau cheiro. A professora expôs que

as pessoas desse lugar apresentam muitas doenças relacionadas à verminose e diarreia, e que há

alguns anos ela viu crianças morrendo expelindo vermes pela boca.

5 O nome atribuído à docente nesta dissertação é fictício.

Page 46: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

45

Foi possível visualizar que a reminiscência consiste na preservação da memória,

religiosidade e práticas culturais e, conforme Miranda (2016), Matos e Eugenio (2019), trata-se

daquilo que não foi apagado nem silenciado na coletividade como cantos, costumes, formas de

fazer o cotidiano, formas de transmitir e atualizar o que é ser quilombola. Nesse aspecto, a

comunidade do Baixão faz isso paulatinamente.

2.3 Algumas considerações sobre a etnografia

Conforme Minayo (2013, p. 14):

Entendemos por metodologia o caminho do pensamento e a prática exercida na

abordagem da realidade. Ou seja, a metodologia inclui simultaneamente a teoria

da abordagem (o método), os instrumentos de operacionalização do conhecimento

(as técnicas) e a criatividade do pesquisador (sua experiência, sua capacidade

pessoal e sua sensibilidade). A metodologia ocupa lugar central no interior das

teorias e está referida a elas.

Para o estudo do objeto desta dissertação, que é a recontextualização do currículo de Língua

Portuguesa e Ciências, em uma escola quilombola foi utilizado como metodologia a pesquisa

etnográfica. Este tipo de pesquisa “visa compreender, na sua cotidianidade, os processos do dia-a-

dia em suas diversas modalidades. Trata-se de um mergulho no micro social, olhando com uma

lente de aumento. Aplica métodos e técnicas compatíveis com a abordagem qualitativa”

(SEVERINO, 2007, p. 119).

De acordo com Angrosino (2009, p. 16):

Etnografia significa literalmente a descrição de um povo. É importante entender

que a etnografia lida com a gente no sentido coletivo da palavra, e não com

indivíduos. Assim sendo é uma maneira de estudar pessoas em grupos

organizados, duradouros, que podem ser chamados de comunidades ou

sociedades. O modo de vida peculiar que caracteriza um grupo é entendido como

sua cultura. Estudar a cultura envolve um exame dos comportamentos, costumes

e crenças aprendidos e compartilhados do grupo.

Este tipo de pesquisa pode ser associado a uma variedade de orientações teóricas, desde o

funcionalismo até o pós-modernismo (ANGROSINO, 2009). No caso desta pesquisa, ela se associa

ao estruturalismo numa perspectiva crítica, em que “a escola é vista como local de perpetuação e

Page 47: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

46

legitimação de hierarquias, divisões sociais e estruturas de poder entre os diferentes grupos sociais”

(EUGENIO, 2018, p. 8).

Angrosino (2009, p. 36) aponta que etnografia é muito útil para estudar questões ou

comportamentos sociais que ainda não são claramente compreendidos. Ele afirma, também, que

esse método permite ao pesquisador conhecer a perspectiva das próprias pessoas sobre uma

determinada questão.

Nesse sentido, o método etnográfico contribuiu para definir nossa problemática sobre o

processo de recontextualização das práticas curriculares nas aulas das disciplinas de Língua

Portuguesa e Ciências, em uma turma dos anos iniciais do ensino fundamental, em uma escola

quilombola no território de Vitória da Conquista - Ba.

A escola é um espaço multifacetado; ao mesmo tempo em que acontecem coisas

corriqueiras, ocorrem também novas situações. Por isso, a importância de o pesquisador social

atentar-se a todos os detalhes quando se propõe a desvelar o cotidiano escolar.

Para Gertz (1989, p. 15):

Praticar a etnografia é estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever

textos, levantar genealogias, mapear campos, manter um diário, e assim por

diante. Mas não são essas coisas, as técnicas e os processos determinados, que

definem o empreendimento. O que define é o tipo de esforço intelectual que ele

representa: um risco elaborado para uma “descrição densa”. (...) Fazer etnografia

é como tentar ler (no sentido de “construir uma leitura de”) um manuscrito

estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e

comentários tendenciosos, escrito com os sinais convencionais do som, mas com

exemplos transitórios de comportamento modelado.

Para Eugenio (2018, p. 7), os estudos etnográficos em educação devem preocupar-se em

compreender/apreender a realidade dos sujeitos estudados, o que requer:

Permanência prolongada do investigador no contexto estudado, interesse por

todos os traços e pormenores que fazem o cotidiano, interesse dirigido para

comportamentos e atitudes dos sujeitos sociais e as interpretações que fazem desse

comportamento; esforço em produzir um relato que recrie de forma viva os

fenômenos estudados; esforço em estruturar progressivamente o conhecimento

obtido, de modo que o processo hermenêutico resulte da construção dialógica e

continuamente compreensiva das interpretações e ações dos indivíduos no

contexto estudado.

Page 48: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

47

Oliveira, Boin e Búrigio (2018) trazem uma contribuição importante para a utilização da

pesquisa etnográfica em educação, problematizando seus desafios, limites e possibilidades. A

relação entre antropologia e educação se inicia a partir dos anos de 1960, momento em que os

antropólogos começam a inserir suas pesquisas nos espaços educativos. Dentre alguns enfoques,

destacam-se os estudos de comunidades, o advento das políticas educacionais voltadas para a

diversidade cultural, a ampliação do acesso à escolarização das populações indígenas e

quilombolas, bem como o direito à educação diferenciada desses grupos e, mais recentemente, as

ações afirmativas (OLIVEIRA; BOIN; BÚRIGIO, 2018, p. 14).

Assim, é perceptível que cada vez mais os antropólogos têm-se inserido nas discussões que

envolvem, de forma direta ou indireta, a realidade educacional, pois, como afirma Oliveira, Boin e

Búrigio (2018), o objetivo é descobrir o que há dentro da “caixa-preta” que é a escola.

Tosta et al. (2007) apresentam os resultados de uma pesquisa realizada entre 2006 e 2007,

na qual analisaram três programas de pós-graduação em Educação no país, UFMG, UFRJ e USP,

demonstrando que entre os anos de 1990 e 2005 foram encontradas 59 dissertações e 26 teses que

declararam ter feito “pesquisa etnográfica”. As autoras constataram que a área educacional ainda

apresenta bastante problemática quanto à realização de pesquisas etnográficas, pois do total de

trabalhos apresentados, apenas três, segundo as autoras, atenderam aos critérios necessários para

uma etnografia.

Diante disso, Tosta et al. (2007, p. 13) evidenciam a falta de entendimento dos autores ao

utilizar a metodologia em questão ao afirmarem que:

Em vários trabalhos sequer foi identificado à problemática central e fundamental

numa pesquisa Etnográfica: a discussão da cultura. Do mesmo modo, o cotidiano

como tempo e espaço imprescindível à realização da Etnografia, é apresentado

meramente como uma descrição de acontecimentos e falas. Outro aspecto

identificado foi o “egocentrismo científico”, ou a autossuficiência da maioria dos

pesquisadores, uma vez que não recorreram às fontes antropológicas clássicas e

contemporâneas para fundamentarem suas defesas.

Pensando a educação e a escola nos dias atuais como espaço de tensão e conflito, de cultura

e alteridade, Gusmão (2011) defende a emergência de uma Antropologia da Educação. Ela busca

responder questões deste século, no que tange à diversidade social e cultural de diferentes grupos

em que estejam no processo de ensino e aprendizagem.

Page 49: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

48

Tosta et al. (2007), defendem a literatura antropológica para que se faça a discussão sobre

etnografia em educação com aprofundamento teórico. Coaduna-se com essa ideia, ao passo que se

recorre a Geertz (2008) para o entendimento da prática etnográfica como uma descrição densa, o

que está além de procedimentos e técnicas.

Nesse sentido, para Geertz (2008, p. 7), o etnógrafo tem que apreender a cultura ou a

realidade de forma inteligível para depois apresentá-la, de modo que o pesquisador observe,

registre e analise o seu objeto de estudo.

Para Eugenio (2018, p. 7), essa descrição “deve ser semanticamente densa, isto é, a

densidade de uma descrição está na capacidade do investigador conseguir ‘ler’ o conteúdo

simbólico de ação, interpretando-a em busca dos significados”. No caso dessa pesquisa, foi possível

descrever as práticas curriculares da professora, o que possibilitou, então, visualizar a

recontextualização do currículo de Língua Portuguesa e Ciências.

Geertz (2008, p. 15) pontua que há três características da descrição etnográfica: “ela é

interpretativa; o que ela interpreta é o fluxo do discurso social e a interpretação envolvida consiste

em tentar salvar o ‘dito’ num tal discurso da sua possibilidade de extinguir e fixá-lo em formas

pesquisáveis”. Ele apresenta, ainda, uma quarta característica da descrição, ao afirmar que ela é,

também, microscópica.

No que tange ao uso da etnografia em educação, essa discussão tem sido acompanhada pela

contínua reflexão crítica acerca dos limites e possibilidades. Oliveira, Boin e Búrigio (2018, p.16)

afirmam que:

Quando realizamos pesquisa em espaços escolares, geralmente causamos certa

dubiedade em nossa recepção, pois a alcunha de pesquisadores da área causa a

impressão inicial de que somos especialistas em determinado ramo do saber, nesse

caso, o escolar. Mas, por outro lado, nossas incessantes perguntas parecem

contradizer essa primeira impressão, pois poderiam indicar que sabemos muito

pouco sobre a escola.

E isso ficou perceptível durante a entrevista com a professora na escola, pois, por várias

vezes, ela fazia afirmações e questionamentos, esperando que houvesse concordância com o que

ela estava a dizer.

A pesquisa etnográfica também impõe determinadas dificuldades ao pesquisador. No caso

deste trabalho, por ser a primeira incursão em campo com esse tipo de pesquisa, houve apreensão

Page 50: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

49

em vários momentos. Assim, a leitura de pesquisas etnográficas na educação auxiliou sobremaneira

nesse percurso.

Situações semelhantes, ademais, foram relatadas por Eugenio (2009, 2018) e Oliveira, Boin

e Búrigio (2018). Eugenio (2009) dedica um item da discussão metodológica de sua tese para

abordar as dificuldades encontradas para ser aceito em uma escola pública de ensino médio, em

Vitória da Conquista – Ba, e realizar sua etnografia. Oliveira, Boin e Búrigio (2018),

semelhantemente, ao realizarem uma pesquisa etnográfica, empregando entrevistas e observações

em uma escola pública em Florianópolis, pontuam as dificuldades para fazer o primeiro contato

com a escola, bem como a burocracia para sua liberação para estarem no espaço escolar.

Oliveira, Boin e Búrigio (2018, p. 23) inferem que as instituições que apresentam maiores

resistências à realização de etnografia são aquelas que têm menor contato com a universidade. Eles

ainda apresentam outros gargalos no desenvolvimento desse tipo de investigação e declaram que:

É possível ainda perceber que, diante de uma crescente cultura de avaliação nas

escolas, o trabalho do etnógrafo possa ser confundido, por mais que haja

explicação acerca das finalidades da pesquisa desde o início. Também é

interessante perceber que, mesmo nas escolas em que é permitida a realização da

etnografia, nem todos os espaços são disponibilizados para o pesquisador (...).

Reconhece se aqui que há o risco de não sermos aceitos em campo. Mesmo que o

“aceite” seja dado, as pessoas podem simplesmente nos ignorar (OLIVEIRA,

2018, p. 23 e 24).

Nesses meandros, “fazer etnografia implica sempre em corrermos os riscos em assumirmos,

inclusive, a possibilidade de não termos êxitos na inserção em determinado campo” (OLIVEIRA,

et al, 2018, p. 24). Para a realização desta pesquisa, um dos receios era não encontrar escolas com

fácil acesso e que não permitissem a presença do pesquisador.

Silva (2009) alude que fazer etnografia é fazer o livro, cujo processo exige andar e ver, e

mais do que isso, é escrever tudo o que se observa. Sendo assim, fazer etnografia requer três fases:

andar, ver e escrever.

No percurso dos três fluxos interdependentes – andar, ver e escrever –, vale ressaltar que

quando se refere ao andar é entendível que “nenhum etnógrafo vai ao campo senão movido de

incertezas, duvidas e perguntas” (SILVA, 2009, p. 176). No percurso inicial desta pesquisa,

surgiram algumas incertezas e dúvidas como, por exemplo, saber o dia e horário certos para ficar

na sala de aula e fazer a observação das disciplinas em foco. Isso aconteceu pelo fato de a professora

Page 51: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

50

ainda não ter um horário definido, tanto que a primeira aula observada foi de Ciências, numa

segunda-feira. Nas semanas seguintes, o horário foi reorganizado e essa disciplina passou para

quinta-feira.

Uma vez delimitada a paisagem desenhada, o etnógrafo se inclui nela. Assim, além de ver,

ele deve escrever o que viu. Com isso, a escrita requer uma organização que ora o etnógrafo as vê

como banais, ora como preciosas. Para Silva (2009, p. 182), isso implica uma organização, pois a

escrita “modela a matéria da visão, da audição, do tato, mas sobretudo as sensações”.

Oliveira (1996) destaca outros três momentos estratégicos e eficazes para o antropólogo

fazer a etnografia: o olhar, o ouvir e o escrever. Ele considera essas faculdades como atos

cognitivos na medida em que o olhar e ouvir permite a percepção e o escrever a produção textual

e criativa do discurso.

A primeira experiência do pesquisador de campo (ou no campo) está na domesticação

teórica de seu olhar. Geertz (2008, p. 19) também afirma que a descrição densa leva à utilização de

uma teoria, haja vista que o dever dela é “fornecer um vocabulário no qual possa ser expresso o

que o ato simbólico tem a dizer sobre ele mesmo”.

Nesta pesquisa, quando foi necessário ir a campo, foi empregado um protocolo utilizado

por Steffenon (2017) para observar a prática pedagógica. Desse modo, a ida a campo não ocorreu

com um olhar ingênuo, nem com uma mera curiosidade ao exótico, pois foi dado um

direcionamento ao olhar, ou seja, o “olhar etnográfico” estava devidamente sensibilizado com a

teoria bernsteiniana.

Oliveira (1996) é categórico ao dizer que não é só o olhar que permite visualizar a realidade

pesquisada. Ele afirma que há outros atos cognitivos, mas que é certamente no olhar que essa

realidade pode ser mais bem compreendida. Ao exemplificar uma investigação numa aldeia,

Oliveira (1996, p. 17-8) diz que somente o olhar não seria suficiente para alcançar o significado de

suas relações sociais e declara que para o etnólogo chegar à estrutura dessas relações sociais, ele

deverá se valer, preliminarmente, de um outro recurso de obtenção dos dados, que seria o ouvir.

Nesse sentido, esses recursos no exercício da investigação não são independentes, mas

complementares. Durante a estadia na escola, a audição foi aguçada a fim de efetuar os registros

no diário de campo, bem como para a realização das entrevistas.

Outro recurso complementar a essa primeira etapa é o escrever, o que demanda um

exercício complexo de reflexão e textualização sobre tudo que o viu e ouviu no campo. Nessa linha

Page 52: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

51

de raciocínio, Oliveira (1996, p. 22) pontua que Geertz separa e avalia duas etapas bem distintas

na investigação empírica:

A primeira, que ele procura qualificar como a do antropólogo "estando lá "(being

there), isto é, vivendo a situação de estar no campo; e a segunda, que se seguiria

àquela, corresponderia à experiência de viver, melhor dizendo, trabalhar "estando

aqui" (being here), a saber, bem instalado em seu gabinete urbano, gozando o

convívio com seus colegas e usufruindo tudo o que as instituições universitárias e

de pesquisa podem oferecer.

Nesses termos, “o Olhar e o Ouvir seriam parte da primeira etapa, enquanto o Escrever seria

parte inerente da segunda” (OLIVEIRA, 1996, p. 22).

Para partir a campo, foi construído e estruturado um esquema com pontos importantes do

que seria observado, o que foi deveras importante para a análise dos dados. Ressalta-se que o

enfoque desta pesquisa no cotidiano escolar é colocado como fundamental ao se analisar como o

currículo nas disciplinas de Língua Portuguesa e Ciências é recontextualizado. A preocupação não

é saber o que se transmite, mas como se transmite.

André (2006, p. 40) pontua três dimensões importantes para o estudo do cotidiano escolar:

A primeira refere-se ao clima institucional, que age como mediação entre práxis

social e o que acontece no interior da escola. A segunda dimensão diz respeito ao

processo de interação de sala de aula que envolve mais diretamente professores e

alunos, mas que incorpora a dinâmica escolar em toda a sua totalidade e dimensão

social. A terceira dimensão abrange a história de cada sujeito manifesta no

cotidiano escolar, pelas suas formas concretas de representação social através das

quais ele age, se posiciona, se aliena ao longo do processo educacional.

No contexto deste trabalho, a primeira e a segunda dimensões foram percebidas à medida

em que foram analisadas como as políticas curriculares são recontextualizadas e como se realizam

as regras da prática pedagógica. A terceira dimensão, ademais, se apresenta quando são situadas a

professora, a turma e as famílias da comunidade.

2.3.1 Os procedimentos e instrumentos: observação e entrevistas

Para a construção dos dados, foram utilizadas a observação participante, a entrevista e a

análise de documentos, pois, como afirma Angrosino (2009, p. 54), “uma boa etnografia

Page 53: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

52

geralmente resulta da triangulação – o uso de técnicas múltiplas de coleta de dados para reforçar

as conclusões”. Essas técnicas e procedimentos permitiram visualizar como o currículo para a

Educação Escolar Quilombola é recontextualizado no contexto da prática de uma escola na

comunidade do Baixão, localizada em Vitória da Conquista-Ba.

É importante salientar que as conclusões a que o etnógrafo chega sobre os “fatos e a

realidade” é sempre condicionada, ou seja, cada observador tem um olhar diferente sobre a

realidade. Por outro lado, esses “fatos” e “realidade”, podem ser manipulados pelos informantes,

por isso é importante o uso de várias técnicas. A seguir, passa-se a abordar especificamente sobre

cada técnica e como elas foram utilizadas.

A permanência na escola foi de 45 dias, fazendo observações em sala de aula, as quais

permitiram elaborar uma descrição densa sobre a prática da professora, na medida em que iam

sendo demonstradas, à luz da teoria sociológica de Bernstein, como se efetivam suas práticas

curriculares.

A consistência do trabalho se concretiza com a triangulação de diferentes procedimentos e

instrumentos de pesquisa, ao passo em que foram utilizadas entrevistas, observações e análise de

documentos. Assim, concorda-se com Angrosino e André (2006) quando eles defendem essa

triangulação, haja vista que foi isso que permitiu uma “descrição densa” da realidade estudada.

Dito isso, serão abordados a seguir os procedimentos e instrumentos empregados nessa

pesquisa.

Observação

Como já mencionado, um dos procedimentos foi a observação participante, cujo conceito,

de acordo com Angrosino (2009, p. 56), “é ato de perceber as atividades e os inter-relacionamentos

das pessoas no cenário de campo através dos cinco sentidos do observador”. Para o

desenvolvimento desta pesquisa, foram observadas, do dia 22 de abril até 06 de junho de 2019, as

aulas de uma professora do 1º e 2º anos de uma escola quilombola, no território de Vitória de

Conquista-Ba, priorizando as aulas das disciplinas de Português e Ciências.

Para Eugenio (2009), a entrada nas salas de aula é geralmente um momento de tensão, no

caso da pesquisa em educação que adentra esse ambiente, pois aparenta a invasão ao espaço

“sagrado” do professor.

Page 54: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

53

Angrosino (2009, p. 59) afirma que “quanto mais os registros de informação nos locais

escolhidos contiverem a mesma informação, mais consistente será o processo de recuperar e

comparar os dados”. Nesse aspecto, é preciso observar a demanda do etnógrafo, deixar de lado

todas as pré-noções para uma melhor apreensão e registro do que se pretende analisar, focando nas

questões mais importantes para que ele consiga captar e descrever de forma objetiva, sem fazer

interpretação, ou seja, sem juízo de valor.

Como sugere Angrosino (2009), as identidades dos participantes desta pesquisa não foram

reveladas. Para isso, eles foram nomeados com letras do alfabeto, os quais foram anotados em um

caderno e, posteriormente, sistematizados e organizados em um computador.

Ao fazer o diário de campo, Angrosino (2009, p. 60) pontua a importância de se fazer uma

redação bem estruturada:

Cuide para que cada ficha de notas (ou qualquer outro formato de registro mais

conveniente) tenha cabeçalho com data, lugar, e hora de observação; procure

registrar o máximo possível as próprias palavras dos informantes; use

pseudônimos ou outros códigos para identificar informantes afim de preservar o

anonimato e o sigilo; cuide para registrar os eventos em sequência: alguns

pesquisadores gostam de dividir seu bloco de notas (o mesmo conselho vai para

quem gosta de tomar notas diretamente em computadores) em horas ou até

minutos para poderem assim colocar as ações exatamente em ordem; mantenha

todas as descrições de pessoas e objetos materiais em nível objetivo; tente evitar

fazer inferências baseadas apenas em aparências.

Seguindo essas diretrizes, as anotações das observações foram registradas no diário de

campo, as quais foram sistematizadas e organizadas. Conforme Weber (2009, p. 157), o diário “é

um instrumento que o pesquisador se dedica a produzir dia após dia ao longo de toda a experiência

etnográfica. É uma técnica que tem por base o exercício da observação direta dos comportamentos

culturais de um grupo social”, o qual possibilitou a compreensão do processo de recontextualização

do currículo das disciplinas de Língua Portuguesa e Ciências, na escola quilombola onde a pesquisa

foi desenvolvida.

Ainda sobre a escrita do diário para a pesquisa etnográfica, Weber (2009, p. 158) afirma

que:

É no diário de campo que se exerce plenamente “disciplina” etnográfica: deve-se

ai relacionar os eventos observados ou compartilhados e acumular assim os

materiais para analisar as práticas, os discursos e as posições dos entrevistados, e

Page 55: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

54

também para colocar em dia as relações que foram nutridas entre o etnógrafo e os

pesquisados e para objetivar a posição do observador.

Assim, a autora (2009, p. 168) enfatiza o papel do etnógrafo “como um compilador, que

recopia ou transcreve os dados anunciados por Outros. [...] é um observador profissional que coloca

em obra uma técnica particular de observação e autoanálise”. Nesse sentido, ela afirma que o

etnógrafo se vale do diário de campo para fazer a observação e analisar a temática a que se propõe.

Nesta pesquisa, pretendeu-se apreender a recontextualização do currículo de Língua

Portuguesa e Ciências, em uma escola quilombola, analisando, especificamente, a prática

pedagógica de uma professora. Para tanto, o foco foi nos seguintes elementos: fronteiras de espaços

entre alunos e professores; relações de comunicação; critérios de avaliação; ritmos de

aprendizagem; relações intradisciplinares; nível de exigência conceitual; e nível de proficiência

investigativa.

Weber (2009, p. 158) distingue, ainda, três tipos de diário: “um diário de campo específico

da etnografia; um diário de pesquisa; e um diário íntimo”. Num primeiro momento, foi feito o

diário de campo como incumbência enquanto etnógrafo, anunciando os dados. E no segundo

momento, foi utilizado do diário de pesquisa, o qual permitiu tomar nota de observações de forma

“fiel” e “realista”, refletindo, nessa perspectiva, sobre o objeto em estudo.

Entrevista

A entrevista é mais uma técnica que subsidiou a observação e análise do objeto de estudo

desta pesquisa. Angrosino (2009, p. 62-64) esboça algumas técnicas úteis de como se deve conduzir

uma entrevista etnográfica, tais como “usar assentimentos neutros; repetir o que a pessoa disse para

ter certeza se entendeu corretamente; pedir mais informação, esclarecimentos, opinião, elucidação

de um termo; pedir narrativas”.

Nestes termos, o autor continua a enfatizar:

Tente evitar interferir demais na narrativa; olhe as pessoas nos olhos de vez em

quando; tente controlar e evitar sinais não verbais indesejáveis; dê tempo para um

bate-papo quebrar o gelo; aceite hospitalidade quando oferecida; esteja atento às

condições de saúde do entrevistado, não sobrecarregue quem estiver com a saúde

fragilizada ou abatido por outras razões; ao começar a entrevista você deve ter

pelos menos uma ideia geral de quem é quem na comunidade e como essas

Page 56: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

55

pessoas se relacionam umas com as outras; personalize a entrevista pedindo a

pessoa com quem está falando compartilhe fotos, álbuns de recorte; e outras

lembranças, as quais emprestam um toque pessoal nos comentários

(ANGROSINO, 2009, p. 64).

Quanto ao tipo de entrevista, Angrosino (2009, p. 67) aponta que “a entrevista

semiestruturada segue de perto o tópico escolhido de antemão e apresenta questões destinadas a

extrair informação específica sobre aquele tópico”. Desse modo, foi realizada a entrevista

semiestruturada com a professora da turma observada, a qual foi registrada em gravador de áudio

e transcrita posteriormente, a fim de que as informações pudessem ser eficientemente recuperadas

e trianguladas com os outros dados.

Para Oliveira (1996, p. 20), a entrevista consiste num ouvir todo especial, pois é a

explicação do informante/nativo sobre a realidade a ser compreendida. Para esse autor, o cientista

social tem que saber ouvir, criando uma “relação dialógica sem receio de estar, assim,

contaminando o discurso do nativo com elementos de seu próprio discurso”.

Dessa maneira, ele considera que “essa relação dialógica faz com que os horizontes

semânticos em confronto - o do pesquisador e o do nativo/informante - se abram um ao outro, de

maneira a transformar um tal ‘confronto’ num verdadeiro ‘encontro etnográfico’” (OLIVEIRA,

1996, p. 20-1).

Análise documental

Outro procedimento importante é o mapeamento dos documentos oficiais para serem

analisados. Nesta dissertação, constituem documentos para análise: as Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação Escolar Quilombola, o Pacto Nacional de Alfabetização na idade certa,

o documento orientador da BNCC, o Plano Estadual de Educação, o Plano Municipal de Educação.

Foram analisados, também, documentos construídos pela própria escola, tais como os

planejamentos de aulas. Nesse sentido, como pontua Ludke e André (1986, p. 39), estes documentos

“constituem-se como uma fonte poderosa de onde podem ser retiradas evidências que fundamentem

afirmações e declarações do pesquisador. Representam ainda uma fonte ‘natural’ de informação”.

Assim, para a produção dos dados, foram selecionados os documentos do campo

recontextualizador oficial (CRO) em nível nacional, estadual e municipal, conforme elencados no

Quadro 1:

Page 57: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

56

Quadro 1- Documentos do Campo Recontextualizador Oficial (CRO)

Documentos Nacionais Documentos Estaduais Documentos Municipais

Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação

Escolar Quilombola

(RESOLUÇÃO Nº 8, DE

20DENOVEMBRODE

2012)

Plano Estadual de

Educação (Lei 13.559/16)

Plano Municipal de

Educação (2015)

Pacto Nacional pela

Alfabetização na Idade

Certa- PNAIC (2012)

Diretrizes Curriculares

Estudais para a Educação

Escolar Quilombola.

(RESOLUÇÃO Nº 68 de 30

de julho de 2013)

Plano Anual de curso

(2019)

Base Nacional Curricular

Comum

Plano Nacional de

Implementação da Relações

Étnicoraciais

Fonte: Elaboração própria, 2020.

Veja o que define cada documento:

Quadro 2- Documentos do campo recontextualizador oficial

Documento Definição

Diretrizes Curriculares Nacionais

para a Educação Escolar

Quilombola (RESOLUÇÃO Nº 8,

DE 20DENOVEMBRODE 2012)

A Educação Escolar Quilombola é assumida como

modalidade da educação básica.

Pacto Nacional pela Alfabetização

na idade Certa- PNAIC (2012)

Compromisso formal assumido entre Governo

Federal, Distrito Federal, Estados, Municípios e

sociedade de assegurar que todas as crianças

Page 58: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

57

estejam alfabetizadas até os oito (8) anos de idade,

ao final do 3º ano do Ensino Fundamental.

Base Nacional Curricular Comum

(2018)

Documento de caráter normativo que define o

conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens

essenciais que todos os alunos devem desenvolver

ao longo das etapas e modalidades da Educação

Básica, de modo a que tenham assegurados seus

direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em

conformidade com o que preceitua o Plano

Nacional de Educação (PNE) (BRASIL, 2018)

Plano Nacional de Implementação

da Relações étnico-raciais

Documento pedagógico que orienta e baliza os

sistemas de ensino e as instituições educacionais na

implementação das Leis 10639/2003 e 11645/2008.

Plano Estadual de Educação (LEI

Nº 13.559 DE 11 DE MAIO DE

2016)

Estabelece diretrizes, metas e estratégias para a

política educacional Bahia no período decenal

2014-2024.

Diretrizes Curriculares Estaduais

para a Educação Escolar

Quilombola. (RESOLUÇÃO Nº

68 de 30 de julho de 2013)

Estabelece normas complementares para

implantação e funcionamento das Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação Escolar

Quilombola na Educação Básica, no Sistema

Estadual de Ensino da Bahia.

Plano Municipal de Educação

(2015)

Estabelece diretrizes, metas e estratégias para a

política municipal em Vitória da Conquista-BA

com vigência de 10 (dez) anos, a contar a partir de

2015.

Plano anual de Curso (2019) Estabelece de acordo com a BNCC os objetos de

conhecimento, as habilidades e as expectativas de

aprendizagem (objetivos).

Fonte: Elaboração própria, 2020.

Page 59: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

58

2.4 Em busca da escola

Em meados do mês de novembro de 2018, a diretora da escola do Pradoso assinou o termo

de aceite para a realização da pesquisa, momento em que foi esclarecida a proposta do trabalho e

definidas as turmas nas quais eu e minha colega Andrea6 faríamos as observações.

Pegamos um ônibus no centro da cidade e falamos para o cobrador que queríamos descer

na escola do Baixão. Não conhecíamos esse local e isso nos deixou mais apreensivos. Depois que

o ônibus saiu da cidade, ele entrou à direita numa estrada de chão, deu uma volta pela região e

retornou para o asfalto, seguindo no sentido oeste. Mais adiante ele entra novamente em outra

estrada de chão e, depois de um tempo, retornou para o asfalto.

Chegando à escola, batemos na porta e fomos atendidos pelo porteiro, que nos mandou

entrar. A diretora estava cheia de demanda, mas mesmo assim tirou um tempinho e nos atendeu.

Ela ainda nos informou que as escolas do campo funcionam por meio da nucleação e há uma escola

que centraliza a gestão e a coordenação pedagógica das demais. Vinculada à essa escola, localizada

no Pradoso, há duas escolas quilombolas, situadas respectivamente na Comunidade do Baixão e na

Lagoa de Maria Clemência.

A diretora foi muito solícita, afirmando que entraria em contato com a outra escola para

avisar sobre a nossa ida. Na oportunidade, ela ainda nos informou que as turmas nas escolas

quilombolas são multisseriadas, sendo 1º e 2º anos numa turma e 4º e 5º em outra. Combinamos de

iniciar a pesquisa de campo no início do ano letivo de 2019. No dia 10 de abril tentamos ir à escola

do Pradoso no período da tarde, mas não conseguimos por falta de transporte. Assim, o orientador

marcou de irmos na sexta, dia 12 de abril de 2019, para vermos em qual escola seria mais viável a

pesquisa.

Quando chegamos na sede do Pradoso, a diretora nos informou da realidade das duas

escolas da comunidade do Baixão e de Lagoa de Maria Clemência. Logo, em virtude de a escola

do Baixão ser mais próxima, contar com ônibus direto e ter uma turma do 1º e 2º anos e outra de

4º e 5º, optamos por essa.

A diretora e a vice-diretora foram bem receptivas, nos apresentou a escola e afirmou que

sua preocupação maior era o aprendizado dos alunos e não apenas o resultado pelo resultado.

6 Santos (2020) pesquisou sobre as regras da prática pedagógica no currículo de língua portuguesa.

Page 60: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

59

Marcamos para irmos à escola do Baixão, porque até então só tínhamos ido até à sede do

Pradoso. Assim, no dia 15 de abril de 2019 fomos conversar com a professora. Ao chegar na escola,

por volta de 13h10, as crianças ainda se concentravam em frente ao portão. Encontramos com a

professora Ivani e ela nos disse que trabalhava durante a tarde com as turmas de 1º e 2º anos e de

manhã com as turmas do infantil e 1º ano, ambas multisseriadas, e que sua colega trabalhava com

a turma do 3º, 4º e 5º durante a manhã e 4º e 5º durante a tarde.

Explicamos para Ivani a proposta de nossa pesquisa e conversamos acerca de algumas

questões sobre a comunidade como, por exemplo, os direitos sociais, e, por último, lhe

agradecemos pela receptividade, avisando que voltaríamos na próxima semana para o início da

pesquisa.

2.4 Situando a escola pesquisada

A Escola Quilombola Jorge Amado, doravante EQJA, funciona nos turnos matutino e

vespertino, atendendo a quatro turmas multisseriadas de 89 alunos nos segmentos de Educação

Infantil e Ensino Fundamental, nos anos iniciais. A instituição está assim organizada: duas turmas

pela manhã – uma com 21 alunos da Pré-escola e outra com 23 estudantes de 3º e 4º anos – e mais

duas turmas à tarde – uma com 22 crianças de 1º e 2º anos e outra com 23 discentes de 3º e 4º anos.

Sobre o quadro de funcionários, há duas professoras com carga horária de 40 horas, uma

auxiliar de classe, que fica na sala onde uma das pesquisas foi desenvolvida, por conta de uma

criança de nove anos, portadora de necessidades educativas especiais, e uma servidora de serviços

gerais que faz a merenda e a limpeza.

Um fator curioso é que a escola atende a um total de 05 crianças com necessidades

especiais: síndrome de Down, déficit motor e visual e déficit cognitivo severo e moderado. Diante

disso, percebeu-se a importância em desenvolver pesquisas com essa temática, uma vez que são

incipientes os estudos que fazem a articulação entre educação especial e educação escolar

quilombola.

No que diz respeito à escola, essa é de pequeno porte: apresenta duas salas de aulas

climatizadas; uma sala pequena que serve para guardar livros, cadeiras e alguns materiais e

equipamentos; uma cozinha; dois banheiros: um utilizado pelos alunos e alunas e o outro pelas

funcionárias; um outro banheiro que foi desativado e é utilizado para guardar os materiais de

Page 61: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

60

limpeza. Além desses, a escola possui, também, uma área coberta, onde foi desenhada uma

amarelinha e, por isso, os alunos são proibidos de jogar futebol, entretanto eles brincam de pular

corda e de “lançar bois”. A fim de manter a segurança, o estabelecimento é todo murado e, segundo

a professora Ivani, esta construção foi feita no ano de 2016.

As duas salas de aula são afastadas uma da outra, pois, inicialmente, foi construída apenas

uma sala, e, segundo a professora Ivani, somente anos mais tarde a segunda sala foi edificada.

Ademais, os banheiros também são afastados das duas salas.

A EQJA foi construída no início dos anos de 1980, em um terreno doado por José Machado

dos Santos, filho do patriarca João Machado dos Santos. Segundo Lima (2018), há uma

reivindicação da comunidade com propósito de mudar o nome da escola para o nome do doador do

terreno. Na entrevista feita com a professora Ivani e com uma moradora da comunidade, elas de

fato demonstraram insatisfação, pois trata-se do nome de uma pessoa que não representa a história

da comunidade.

A escola é considerada quilombola para fazer jus ao seu território. Ela faz parte do Centro

Integrado de Educação Municipal – CEMEI, cuja sede é a escola do Pradoso. Segundo a professora,

havia 5 (cinco) escolas anexadas a esse CEMEI, das quais duas foram fechadas. Ultimamente, em

prol do capital, tem-se fechado muitas escolas em Vitória da Conquista, principalmente as do

campo, concretizando, assim, o desrespeito para com essa população.

De modo geral, o “Estado brasileiro, historicamente veio implementando políticas

educacionais com uma visão economicista, neoliberal, de Estado mínimo para os serviços sociais,

entre eles a educação escolar” (SANTOS, 2019, p. 164), e quem mais sofre com isso são os povos

do campo. E, ainda corroborando com Santos (2018), o município de Vitória da Conquista não

foge dessa lógica perversa.

Desde 2010, o número de escolas fechadas no campo, em Vitória da Conquista, só aumenta.

Santos (2019, p. 165-6) pontua que:

As ações administrativas do município de Vitória da Conquista ao longo do tempo

vêm ampliando o fechamento de escolas do campo com uma política de

consolidação do ideário neoliberal, que desestruturam e excluem os jovens e

crianças de seus direitos de estudarem nas comunidades rurais. Esse processo em

VDC é evidenciado nas pesquisas científicas, a exemplo do estudo de Ramal

(2010) Garcia (2015) e Silva (2017), que revelaram o problema do fechamento de

escolas do campo no município. Ramal (2010) em sua pesquisa afirma que no ano

de 2007, VDC tinha 152 escolas no meio rural, Garcia (2015), ao fazer uma

atualização, evidencia que entre 2010 a 2015 foram 51 escolas do campo fechadas,

Page 62: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

61

passando de 152 para 101 escolas. E em uma pesquisa mais recente, como citado

na introdução do presente trabalho, Silva (2017) constata que no período de 2010

a 2016, foram 53 escolas do campo foram fechadas em VDC ou ―paralisadas e

37 estariam ameaçadas de fechamento até o ano de 2018.

Diante desses dados, é visível que há, por parte do poder público, um processo de

desvalorização da educação pública em escolas do campo, quilombolas e da educação de jovens e

adultos. Essa situação é evidenciada tanto em governos de direita quanto de esquerda. De acordo

com Santos (2019), no ano de 2003 havia 171 escolas no/do campo e em 2019, havia somente 101.

O que tem levado a essa drástica redução é o propósito de privilegiar a economia e as leis

de mercado com a falsa promessa de melhoria da qualidade da educação. É notório, portanto, que

esse processo representa a legitimidade da exclusão social.

Retomando a descrição da EQJA, os policiais militares desenvolvem um projeto com as

crianças, por meio do Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd). A

professora informou que os policiais realizam as atividades uma vez na semana, geralmente na

quarta-feira e, segundo o site7 da Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista (PMVC), o

programa, de autoria da Polícia Militar (PM) e com apoio da Secretaria Municipal de Educação

(Smed), tem o objetivo prevenir o uso e abuso de drogas, bem como o combate à violência. Atuando

no município desde o ano de 2004, o Proerd é destinado a crianças e jovens em idade escolar.

2.4.1 A turma pesquisada

Foi pesquisada uma turma multisseriada de 1° e 2º ano do Ensino Fundamental I, no período

vespertino, com um total de vinte e dois estudantes, dos quais treze cursavam o 1º ano e nove o 2º

ano.

Dois desses alunos apresentam necessidades educativas especiais: um discente de nove

anos de idade, do 1º ano, tem deficiência mental e uma discente de onze anos, do 2º ano, tem

síndrome de down. O estudante, acompanhado por uma auxiliar, não escreve; faz apenas rabiscos.

Sua fala é entendível e apresenta um comportamento mais desinibido, o que o torna participativo

nas aulas, mas, algumas vezes, ele se mostra nervoso e agressivo. Já a menina, segundo a

professora, “faz a atividade do jeito dela, avançando apenas de um traço para uma bola. Ela não

7 Dados disponíveis no site: <http://www.pmvc.ba.gov.br/programa-educacional-de-resistencia-as-drogas-e-a-

violencia-realiza-formatura-para-alunos-da-rede-municipal/>. Acesso em: 27 jul. 2019.

Page 63: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

62

fala as palavras completas. Não era todos os dias que ela ia para a escola”, mas durante as aulas

sempre fica quieta e tem pouquíssima participação. Ainda conforme a professora, essa estudante é

acompanhada por um neurologista, na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE),

duas vezes por semana.

Não são todos os estudantes do 2º ano que leem. Segundo a professora, há três meninos que

apresentam dificuldades na leitura. Em se tratando dos alunos do 1º ano, alguns leem palavras com

a ajuda da professora e outros ainda estão em processo de reconhecimento das sílabas.

Todos os dias esses alunos são acompanhados por seus familiares, tanto na ida quanto na

volta da escola. Conforme a professora, a maioria deles mora ali mesmo pelas proximidades e

apenas uma discente reside mais distante.

Ao questionar Ivani se ela considera que seus alunos são participativos, ela responde que

sim, “que são participativos até demais” e que, ocasionalmente, é preciso dar uma “cortadinha”

para prosseguir com a aula. Mas quando questionada sobre o interesse dos alunos em aprender,

foram obtidas várias respostas:

Existem um grupo de alunos que se mostra interessados, existem um grupinho que

não, mas o grupo que se mostra desinteressado, é principalmente os do 1º ano, eu

acho que é porque também o que está sendo feito ali não está sendo tão atrativo

para eles, entendeu?! Porque assim, eu acho que a escola da forma ela é posta para

os alunos, as vezes ela não está... ela não está adequada para aquela faixa etária.

1º ano mesmo, eu acho, eu acho os conteúdos de língua muito pesado para as

crianças do 1º ano, muito, muito (informação verbal)8.

De fato, percebeu-se uma sala de aula muito heterogênea. Ademais, era uma turma

multisseriada, cuja organização era feita de forma circular, onde, de um lado sentavam os alunos

do 2º ano e do outro os do 1º. Apesar de apresentarem algumas dificuldades de leitura e escrita, os

estudantes eram muito participativos e respondiam às perguntas feitas pela professora e às

atividades xerocopiadas propostas.

8 Entrevista concedida por TAL, Ivani de. Entrevista I. [jun. 2019]. Entrevistador: Elenilson Evangelista da Silva.

Vitória da Conquista, 2019. 1 arquivo .mp3 (53 min).

Page 64: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

63

2.4.2 A professora e suas aulas

A professora Ivani tem 60 anos de idade, é natural de Itambé e mora em Vitória da

Conquista há muitos anos. Ela possui graduação em Pedagogia pela Claretiano (2012) e Psicologia

pela Faculdade de Tecnologia e Ciências – FTC (2007). É especialista em Educação e

Neuropsicologia pelo Centro Universitário Internacional – UNINTER (2007).

Ela fez o concurso e é efetivada há trinta e dois anos; mesmo período em que trabalha na

EQJA. Cumpre uma carga horária de quarenta horas semanais: pela manhã ensina em uma turma

de pré-escola e à tarde, na turma multisseriada do 1º e 2º ano. Para ir e voltar da escola nos dois

turnos, a professora utiliza o transporte escolar disponibilizado pela Secretaria de Educação.

O dia do seu planejamento está definido às segundas-feiras à tarde, mas ela afirma que o

planejamento “forte” é feito em casa. A professora declara que nesses dias organiza algumas

atividades na escola, contudo reclama que no horário do planejamento ela não consegue elaborá-

lo, uma vez que a escola não possui internet, um dos recursos mais utilizados por ela para o

desenvolvimento dos planos.

Questionada sobre quais materiais considera importante no planejamento e como o organiza

e o executa, obteve-se a seguinte resposta:

Bem, antes, eu... Eu, costumo fazer muitas leituras, eu consulto os livros, os livros,

os livros didáticos que nos são disponibilizados, e também gosto muito de

consultar a internet, porque hoje as crianças elas estão muito... elas estão cheias

de atrativos. Então a gente percebe que os livros por si só, eles não dão conta para

a gente fazer o planejamento. Então a gente sempre tem que está buscando

novidades, buscando o que estão fazendo por ai, nas escolas afora, porque tem

muitos professores que são colegas da gente, que trabalha em outras cidades, tem

assim um trabalho excelente, e eles servem também de subsídio, o trabalho deles

serve muito de subsídio para que a gente possa é... estar organizando o nosso

trabalho. E o planejamento em si, ele realmente ele requer muita pesquisa, porque

para você tornar sua aula atrativa, você tem que buscar mesmo, você tem que

trazer muitas novidades para sala, se não os alunos não conseguem... ainda que

você traga novidade é difícil você atrair a atenção de seu aluno, é difícil você fazer

com que seu aluno aprenda da forma esperada (informação verbal)9.

Pode-se observar em suas aulas que ela pouco utilizou o livro didático. No início da

pesquisa os alunos ainda não tinham recebido os livros didáticos e a professora sempre trabalhava

9 Entrevista concedida por TAL, Ivani de. Entrevista I. [jun. 2019]. Entrevistador: Elenilson Evangelista da Silva.

Vitória da Conquista, 2019. 1 arquivo .mp3 (53 min).

Page 65: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

64

com atividades xerocopiadas. Nas semanas seguintes, entretanto, após os alunos já terem recebido

os livros, a professora trabalhava com ele esporadicamente, mas continuou a utilizar com mais

frequência as cópias de atividades e, na entrevista, ela afirma que acaba “fugindo” do livro porque

ele está acima do nível das crianças, uma vez que elas ainda estão no processo de letramento. A

professora acredita que as crianças sentem muita dificuldade quando trabalha com o livro didático

e, por isso, ela informa que tenta facilitar o conteúdo:

Eu pego os livro aí, que mandaram para aqui pra escola, aí antes de organizar

minha aula, primeiro eu vou lá olhar o livro, pra ver o que tem nele; o que eu

posso puxar pra minha aula, aí quando eu vejo que tá assim tão difícil, aí falo:

bem, eu vou ter que procurar uma outra forma de facilitar um pouco mais esse

conteúdo, de trazer mais esse conteúdo para perto do meu aluno, né (informação

verbal)10.

Um recurso didático muito utilizado também em suas aulas é o retroprojetor ou a televisão,

pois quase sempre ela introduzia um novo conteúdo passando vídeos ou imagens. Dentre outros

materiais, destacam-se ainda os painéis, cartazes, cola, tesoura, lápis de core, livros para recortes e

o quadro branco, que funciona como suporte para o ensino de leitura.

A aula era sempre iniciada com uma oração e uma música. Quando trabalhava um conteúdo,

a professora primeiramente instigava os alunos acerca da temática, de modo que eles participavam

à medida em que ela perguntava. Após esse momento ela pedia silêncio e a atenção de todos para

a explicação, e sempre deixava claro que se eles não se atentassem, não saberiam responder as

atividades que seriam passadas posteriormente. As tarefas de fixação entre os alunos do 1º e 2º

ano eram diferenciadas, dando a entender que, de fato, era uma turma multisseriada.

Ao ser questionada sobre como é desenvolver um trabalho nesse tipo de classe, a professora

adjetivou como complicado e, insistindo em saber quais são os desafios, Ivani desabafa:

É muito complicado, o desafio é que... Por você trabalhar com indivíduos, você

sabe que cada indivíduo tem um mundo na cabeça, né? E, por exemplo, numa

turma de treze alunos, treze alunos de 1º ano, você tem quatro primeiros anos

dentro daquele 1º ano. São quatro categorias de alunos. Então quando você planeja

pros 13, às vezes, se frustra, porque você vê que quatro daqueles treze não chegou

a lugar nenhum, mas quatro conseguiu chegar, ficar assim na aprendizagem na

média. E só uns três ou quatro conseguiu o que você esperava. E, quando você

trabalha com outra série juntos, fica complicado porque você obriga o aluno a

assistir uma aula que ainda não está no nível dele e eu acho que isso acaba

10 Id., 2019.

Page 66: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

65

atrapalhando, eu acho que isso mexe muito com a cabecinha dos alunos. Porque

o conteúdo, o planejamento, o currículo, ele não é feito para uma série

multisseriada, ele é feito para a série seriada. Tudo o que é pensado na educação

é feito para a classe seriada, quando você se vê obrigada a estar numa sala

multisseriada, você tem que dar seus pulos, como aí mesmo oh, esse material foi

planejado pra uma sala seriada. Quando eu disse para a moça: oh, eu tenho duas

séries na mesma sala, ela disse assim: oh, pro, sinto muito, mas você tem que se

virar, mas você vai ter que trabalhar os dois módulos. (nesse momento houve uma

pequena interrupção de umas pessoas que chegaram à procura da professora, mas

ela mandou aguardar ou ir falar com a outra professora). Aí assim é... Então, para

mim, o maior desafio multisseriada ou bimodular, no caso é que você... Não é

porque você tem que preparar a aula pras duas séries, mas é porque você obriga o

aluno, por exemplo, o aluno do 1º ano, ele vai ter acesso a um conteúdo que ainda

não está, que ainda não deveria tá ao acesso dele naquele momento, como o

pessoal do 2º ano vai receber o que eles já viu, né? Porque você tem que trabalhar

com a outra série. Pra mim, o complicador é esse (informação verbal)11.

Ao perguntar sobre de que forma ela trabalha com os alunos que apresentam maiores

dificuldades, ela disse que a estratégia correta seria “trabalhar corpo a corpo, sentar

individualizado, ou no máximo com dois alunos, trabalhando as hipóteses de leitura”. Ela informa

que tem utilizado essa estratégia com o alfabeto móvel e que tem dado certo. Nas aulas observadas,

foi possível verificar que ela realmente trabalha com a montagem de palavras, tomando a leitura

individual ou em pequenos grupos.

No caso do discurso regulador em sala de aula, a professora sempre se mostrava preocupada

com a alfabetização das crianças e pedia-lhes para serem mais responsáveis com os estudos e mais

esforçados. Ela disse que não iria desistir de ensiná-los e exigia que falassem de acordo com a

norma padrão. Quando algum aluno estava disperso ou conversando muito durante a aula, ela

chamava-o a atenção ou pedia-o para trocar de cadeira. Ela se mostrava chateada quando alguns

deles faltavam na escola, a ponto de dizer que não aceitaria isso e que registraria as faltas. Certo

dia ela disse que pegaria o contato de todos os pais para saber o motivo da ausência das crianças,

para quando isso viesse a ocorrer.

A professora fala com muito entusiasmo sobre o seu processo da escolha em ser docente,

pontuando as dificuldades em dar continuidade em seus estudos, bem como as inspirações que teve

ao longo do caminho. Sobre isso, ela expressa que:

11 Entrevista concedida por TAL, Ivani de. Entrevista I. [jun. 2019]. Entrevistador: Elenilson Evangelista da Silva.

Vitória da Conquista, 2019. 1 arquivo .mp3 (53 min).

Page 67: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

66

Bem, desde cedo, é..., eu tive muita dificuldade de... dar continuidade ao meu

processo de estudo, porque estudava numa cidadezinha bem pequena e lá tinha

poucas escolas, né? E aí, eu sempre falava: um dia eu vou ser professora porque

eu quero voltar para aqui e quero que essa cidade tenha muitas escolas. E aí eu

mudei dessa cidade, que era Itambé, e mudei para Vitória da Conquista. E quando

eu cheguei aqui, eu encontrei dois professores nos quais eu me espelhei MUITO,

porque eram professores muito dedicados e a gente percebia que o trabalho deles

era de tanta dedicação, que era uma questão de amor mesmo à profissão, e aí, é...

eu me espelhei no professor Durval Menezes e na professora Eleni e disse: quando

eu terminar o meu ensino fundamental, eu vou querer ser professora, e aí, quando

eu fui fazer magistério, quem foi que encontrei na minha frente? Professora Eleni,

professor Durval Menezes. E foi muito bom. Eles foram, assim, duas pessoas

fundamentais para que eu escolhesse, assim, essa profissão que eu tenho hoje. E

eu trabalho sem... sem cansaço, eu gosto muito do que eu faço e eu escolhi não

foi por questão financeira ou por questão da imposição da família, eu mesma quis

ser, eu mesma escolhi (informação verbal)12.

Ivani ainda esclarece que trabalha sem cansaço. Essa afirmativa pode ser constatada nas

observações. Na maioria de suas aulas, ela passava quase todo o tempo em pé e, quando fazia a

rodinha, ficava um bom tempo sentada no chão, o que poderia lhe causar desconforto no corpo.

Além disso, ela raramente liberava os alunos antes do horário para o recreio ou para irem embora.

Todos os dias, nos finais da tarde, quando o transporte escolar chegava para pegar as

professoras, Ivani ainda estava arrumando seu material. As outras professoras ficavam agoniadas

e pediam para que ela se apressasse. A demora de Ivani é devido ao fato de ela ensinar até o último

minuto da aula, diferente da outra professora ou de sua substituta, que sempre liberava seus alunos

minutos antes.

A escolha por trabalhar com observações em Língua Portuguesa foi tomada levando em

consideração alguns elementos: a) boa parte das análises empregando a teoria de Bernstein é

realizada em aulas de Ciências e Matemática; b) a utilização da teoria do discurso pedagógico em

aulas dessa disciplina tem sido uma preocupação das pesquisas do grupo Currículo, gênero e

relações étnico-raciais, conforme demonstram as pesquisas de Bezerra (2018), Carneiro (2019),

Oliveira (2020); c) a possibilidade de comparar os processos de recontextualização de Língua

Portuguesa e Ciência, levando em consideração o quantitativo de aulas de cada disciplina e sua

relevância na formação dos discentes evidenciados na prática da professora. Ademais, esta pesquisa

12 Entrevista concedida por TAL, Ivani de. Entrevista I. [jun. 2019]. Entrevistador: Elenilson Evangelista da Silva.

Vitória da Conquista, 2019. 1 arquivo .mp3 (53 min).

Page 68: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

67

ainda se torna importante, pois analisa o processo de recontextualização curricular numa escola

quilombola.

Nos próximos capítulos serão apresentados os resultados da pesquisa, os quais foram

organizados em artigos com formato multipaper.

Page 69: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

68

3 A RECONTEXTUALIZAÇÃO DO CURRÍCULO DE LÍNGUA PORTUGUESA NA

SALA DE AULA DE UMA ESCOLA QUILOMBOLA

Elenilson Evangelista da Silva13

Benedito Gonçalves Eugenio14

Resumo

Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa etnográfica, desenvolvida por meio de

observações, entrevistas e análise documental, cujo objetivo foi analisar o processo de

recontextualização na disciplina de Língua Portuguesa em uma turma multisseriada de 1º e 2º anos

do ensino fundamental, de uma escola quilombola situada na comunidade de Baixão, localizada no

município de Vitória da Conquista. Para a análise dos dados, foi utilizada a teoria sociológica de

Bernstein (1996), atentando particularmente sobre os campos recontextualizadores oficial e

pedagógico. Nessa conjuntura, a prática curricular da professora apresenta indícios que permitem

considerá-la como pedagogia visível.

Palavras-chaves: Recontexualização. Ensino de Língua Portuguesa. Educação Escolar

Quilombola. Currículo.

Introdução

Neste artigo é apresentado parte dos resultados de uma pesquisa sobre a recontextualização

do currículo na disciplina de Língua Portuguesa em uma escola quilombola, localizada na

comunidade do Baixão, em Vitória da Conquista-Ba.

Muitos pesquisadores têm realizado estudos sobre a recontextualização do conhecimento

em diferentes disciplinas e/ou conteúdos/propostas curriculares, a exemplo de Eugenio (2009,

2017), Stefenon (2017), Pereira (2017), Bezerra (2018), Alferes e Mainardes (2018), Galian (2009),

Souza (2015).

A recontextualização é interpretada por Mainardes e Stremel (2010, p. 13) como:

Um princípio que tira um discurso de sua prática e contexto de origem e reloca

aquele discurso de acordo com seu próprio princípio de focalização e

reordenamentos seletivos. Nesse processo, o discurso real (original) passa por

13Licenciado em Pedagogia (UESB). Mestrando pelo Programa de Pós-graduação em Ensino (PPGEn/UESB). Bolsista

da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia-FAPESB. 14Professor titular da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e do Programa de Pós-graduação em Ensino

(PPGEn/UESB).

Page 70: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

69

uma transformação, criando um discurso imaginário ou virtual (discurso

recontextualizado).

Conforme Bernstein (1996, p. 254), o dispositivo pedagógico “fornece a gramática

intrínseca do discurso pedagógico, por meio de três regras, que estão hierarquicamente

relacionadas, de modo que uma regula a outra”. Assim sendo, “as regras distributivas regulam as

regras recontextualizadoras, as quais, por sua vez, regulam as regras de avaliação”. Esse aparelho

pedagógico, numa dada sociedade, cria condições para a produção, reprodução e transformação da

cultura, possibilitando a realização do discurso pedagógico e da prática pedagógica.

É com base nessa abordagem que se caracteriza, aqui, a prática de uma professora na

disciplina de Língua Portuguesa. Para isso, foi utilizado um protocolo estruturado com 7 (sete)

categorias presentes na teoria de Bernstein (1996), quais sejam: a) fronteiras de espaços entre

alunos e professores; b) relações de comunicação; c) critérios de avaliação; d) ritmos de

aprendizagem; e) relações intradisciplinares; f) nível de exigência conceitual; e g) nível de

proficiência investigativa.

O artigo está assim organizado: inicialmente foram situadas a metodologia e o local da

pesquisa; na sequência, algumas considerações sobre o currículo e sobre o campo

recontextualizador oficial para o ensino de Língua Portuguesa nos anos iniciais; depois foi

analisada a recontextualização no campo recontextualizador pedagógico, o qual é o objetivo nesse

estudo.

Situando a metodologia e o local da investigação

Os dados deste artigo foram construídos por meio de uma pesquisa etnográfica realizada

em uma turma multisseriada de 1º e 2º anos dos anos iniciais do ensino fundamental em uma escola

quilombola, na comunidade do Baixão, no município de Vitória da Conquista-BA. Este tipo de

pesquisa “visa compreender, na sua cotidianidade, os processos do dia-a-dia em suas diversas

modalidades. Trata-se de um mergulho no micro social, olhando com uma lente de aumento. Aplica

métodos e técnicas compatíveis com a abordagem qualitativa” (SEVERINO, 2007, p. 119).

De acordo com Angrosino (2009, p. 16), etnografia significa literalmente a descrição de um

povo, o que é muito útil para estudar questões ou comportamentos sociais que ainda não foram

compreendidos.

Page 71: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

70

A permanência na escola foi por 45 dias, fazendo observações na sala de aula, as quais

permitiram a elaboração de uma descrição densa sobre a prática da professora, à medida em que

iam sendo demonstradas, à luz da teoria sociológica de Bernstein, como se efetivavam suas práticas

curriculares.

Entendendo a etnografia como uma descrição densa e como um processo de construção,

Geertz (1989, p. 15) aponta que:

Praticar a etnografia é estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever

textos, levantar genealogias, mapear campos, manter um diário, e assim por

diante. Mas não são essas coisas, as técnicas e os processos determinados, que

definem o empreendimento. O que define é o tipo de esforço intelectual que ele

representa: um risco elaborado para uma “descrição densa”. (...) Fazer etnografia

é como tentar ler (no sentido de “construir uma leitura de”) um manuscrito

estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e

comentários tendenciosos, escrito com os sinais convencionais do som, mas com

exemplos transitórios de comportamento modelado.

Para Eugenio (2018, p. 7), os estudos etnográficos preocupam-se em

compreender/apreender a realidade dos sujeitos estudados, o que requer:

Permanência prolongada do investigador no contexto estudado, interesse por

todos os traços e pormenores que fazem o cotidiano, interesse dirigido para

comportamentos e atitudes dos sujeitos sociais e as interpretações que fazem desse

comportamento; esforço em produzir um relato que recrie de forma viva os

fenômenos estudados; esforço em estruturar progressivamente o conhecimento

obtido, de modo que o processo hermenêutico resulte da construção dialógica e

continuamente compreensiva das interpretações e ações dos indivíduos no

contexto estudado.

Nesse âmbito, a escola é considerada um espaço multifacetado, pois ao mesmo tempo em

que acontecem coisas corriqueiras, ocorrem também novas situações. Por isso, a importância de o

pesquisador social atentar-se a todos os detalhes quando se propõe a desvelar o cotidiano escolar

por meio da etnografia.

Oliveira, Boin e Búrigio (2018) trazem uma contribuição importante para o emprego da

pesquisa etnográfica em educação, problematizando seus desafios, limites e possibilidades. Dentre

alguns enfoques, destacam-se os estudos de comunidades, o advento das políticas educacionais

voltadas para a diversidade cultural, a ampliação do acesso à escolarização das populações

Page 72: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

71

indígenas e quilombolas, bem como o direito à educação diferenciada desses grupos e, mais

recentemente, às ações afirmativas.

Nessa estreita, para Geertz (2008, p. 7), o etnógrafo tem de apreender a cultura ou a

realidade de forma inteligível, ou seja, o pesquisador observa, registra e analisa. Assim, esta

etnografia foi realizada nessa perspectiva, buscando compreender, por meio de análises do contexto

micro, como o currículo é recontextualizado em uma escola quilombola.

Para a construção dos dados, foram utilizadas a observação participante, a entrevista e a

análise de documentos, pois, como afirma Angrosino (2009), uma boa etnografia geralmente

resulta dessa triangulação. Essas técnicas e procedimentos permitiram visualizar o processo de

recontextualização das práticas curriculares nas aulas da disciplina de Língua Portuguesa, em uma

turma multisseriada do 1º e 2º ano do ensino fundamental em uma escola quilombola, no município

de Vitória da Conquista-Ba. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, sob o número 3.425.407.

A comunidade quilombola do Baixão localiza-se no município de Vitória da Conquista-Ba,

situada no sentido oeste da cidade, a aproximadamente 13 Km do centro, fronteira com o distrito

do Pradoso. A comunidade é de fácil acesso, com ônibus circulares e vans que vão pela estrada

principal e logo após o aterro sanitário, bem antes do posto da Polícia Rodoviária Federal, há uma

entrada pelo lado direito que dá acesso à localidade pelas estradas vicinais.

A Escola Quilombola Jorge Amado, doravante EQJA, funciona nos turnos matutino e

vespertino, que atende a quatro turmas multisseriadas, em um quantitativo de 89 alunos nos

segmentos de Educação infantil e Ensino Fundamental nos anos iniciais. Está assim organizada:

duas turmas pela manhã - uma da Pré-escola com 21 alunos e outra do 3º ao 4º ano com 23 alunos;

e duas turmas à tarde, uma de 1º e 2º ano, com 22 crianças e outra do 3º e 4º, com 23 discentes.

A EQJA é considerada de pequeno porte e foi construída no início dos anos de 1980, em

um terreno doado por José Machado dos Santos, filho do patriarca João Machado dos Santos.

Segundo Lima (2018), há uma reivindicação da comunidade para mudar o nome da escola para o

nome do doador do terreno e, nas entrevistas concedidas pela professora Ivani e por uma moradora

da comunidade, ambas demonstraram insatisfação com o nome de uma pessoa que não condiz com

a história da comunidade.

Page 73: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

72

Algumas considerações sobre o currículo na teoria de Bernstein

Este trabalho apoia-se nas teorias críticas, mais precisamente na teoria do discurso

pedagógico de Basil Bernstein (1996), sociólogo da Nova Sociologia da Educação (NSE).

De acordo com a teorização de Bernstein, é possível visualizar dois tipos de currículos: o

de integração e o de coleção. Sobre o currículo de coleção, Eugenio (2009, p. 50) pontua que:

Mantém uma relação fechada entre conteúdos, com limites bem definidos, ou seja,

um forte enquadramento e uma forte classificação. Não há permeabilidade entre

áreas de conhecimento, o conhecimento é abordado como uma mercadoria que

possui um valor de troca na sociedade. Dentro do limite de cada disciplina, os

docentes possuem uma maior autonomia nesse tipo de currículo, pois ele é quem

seleciona o conteúdo e a forma didática de sua transmissão. Com relação ao aluno,

este não tem nenhum tipo de controle nesse processo; a lógica predominantemente

é a da transmissão/aquisição. A avaliação ocorre segundo os critérios definidos

pelos docentes individualmente a partir do que está previsto nos documentos

prescritivos.

Já no currículo integrado há um isolamento fraco entre conteúdos e as áreas de

conhecimento, visto que elas são submetidas a uma ideia motriz que aproxima as

suas fronteiras. Os professores perdem a autonomia, pois passam a participar de

tarefas pedagógicas partilhadas. A avaliação passa a ter critérios comuns.

O currículo de integração é característico dentro da pedagogia invisível e o de coleção da

pedagogia visível, definindo assim dois tipos de prática pedagógica que se realizam explicita ou

implicitamente.

Segundo Bernstein (1996, p. 103), na prática pedagógica visível (PV), as regras de ordem

regulativa e discursiva são critérios explícitos de hierarquia/sequência/compassamento, cuja

transmissão sempre colocará a ênfase no desempenho da criança, produzindo diferenças entre elas.

Contrariamente, na pedagogia invisível (PI), as regras de ordem regulativa e discursiva são

implícitas, conhecidas apenas pelo transmissor.

De acordo com Bernstein (1996, p. 105), “a ênfase entre as pedagogias visíveis e invisíveis

afetarão claramente tanto a seleção quanto organização daquilo que deve ser adquirido”. Esse

conhecimento transmitido e adquirido, visível ou invisivelmente, se dá por meio da

recontextualização, conceito fulcral na teoria bernsteiniana, compreendido como discurso

pedagógico, ou seja, o conhecimento curricular reinterpretado.

Conforme Bernstein (1996, p. 259):

Page 74: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

73

O discurso pedagógico é um princípio para apropriar outros discursos e coloca-

los numa relação mútua especial, com vistas à sua transmissão e aquisição

seletivas. O discurso pedagógico é, pois, um processo que tira (desloca) um

discurso de sua prática e contextos substantivos e recola aquele discurso de com

seu próprio princípio de focalização e reordenamentos seletivos. Nesse processo

de deslocação e relocação do discurso original, a base social de sua prática

(incluindo suas relações de poder) é eliminada. Nesse processo de deslocação e

relocação, o discurso original passa por uma transformação: de uma prática real

para uma prática virtual ou imaginária. O discurso pedagógico cria sujeitos

imaginários. É preciso refinar esse conceito sobre o princípio que constitui o

discurso pedagógico. Trata se de um princípio recontextualizador que,

seletivamente, apropria, refocaliza e relaciona outros discursos, para constituir sua

própria ordem e seus próprios ordenamentos.

Nesse processo, Bernstein destaca dois campos recontextualizadores: o Campo

Recontextualizador Oficial (CRO) e o Campo Recontextualizador Pedagógico (CRP). O autor

descreve que o Campo Recontextualizador Oficial (CRO) é “regulado diretamente pelo Estado,

politicamente através da administração pública” e nos Campos Recontextualizadores Pedagógicos

(CRP) “estão preocupados com os princípios e práticas que regulam a circulação de teorias e textos:

do contexto de sua produção ou existência para os contextos de sua reprodução” (BERNSTEIN,

1996, p. 277).

Na discussão deste artigo, fazem parte do CRO: a Base Nacional Curricular Comum-

BNCC, o Plano Nacional de Alfabetização na Idade Certa- PNAIC, o Plano Municipal de Educação

e o Plano anual para a disciplina de Língua Portuguesa. Ao passo que esses documentos são

recontextualizados, fazem parte do CRP a prática pedagógica da professora, como será visto nos

próximos tópicos.

O campo recontextualizador oficial para o ensino de Língua Portuguesa nos anos iniciais

De acordo com Bernstein (1996, p. 272), “o campo recontextualizador oficial são regras

oficiais que regulam a produção, distribuição, reprodução, inter-relação e mudanças dos textos

pedagógicos legítimos” (discursos). Desse modo, esse campo é criado e dominado pelo Estado.

No discurso pedagógico oficial para o ensino de Língua Portuguesa foram analisados o que

informam a Base Nacional Comum Curricular- BNCC, o Plano Nacional de Implementação de

Relações Étnico-raciais, as Diretrizes Curriculares Estaduais para a Educação Escolar Quilombola,

o Plano Municipal de Educação, bem como o Plano anual de curso. Estes documentos se encontram

Page 75: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

74

em nível nacional e municipal, entendidos respectivamente, também, como nível macro e nível

meso.

No âmbito nacional, no nível macro em atendimento à Portaria nº 867, de 4 de julho de

2012, o Ministério da Educação implementou o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa

(PNAIC), em 8 de novembro de 2012, pela Presidente Dilma Rousseff.

Esse pacto é um compromisso formal assumido entre Governo Federal, Distrito Federal,

Estados, Municípios e sociedade, a fim de assegurar que todas as crianças estejam alfabetizadas

até os oito (8) anos de idade, ao final do 3º ano do Ensino Fundamental. Vale ressaltar que esse

aspecto de “alfabetizar todas as crianças até no máximo os oito anos de idade” está articulado com

a Meta 5 do Plano Nacional de Educação, Lei nº 13.005/2014 (BRASIL, 2015).

Assim, a referida proposta se constitui por um conjunto integrado de ações, materiais e

referências curriculares e pedagógicas, disponibilizados pelo MEC, dos quais se destacam quatro

eixos de atuação:

1)formação continuada presencial para professores alfabetizadores e seus

orientadores de estudo, 2) materiais didáticos, obras literárias, obras de apoio

pedagógico, jogos e tecnologias educacionais, 3) avaliações sistemáticas que

contemplam as avaliações processuais, debatidas durante o curso de formação

e 4) gestão, o controle social e a mobilização (BRASIL, 2015, p. 22).

Conforme o PNAIC, a alfabetização deve ocorrer na perspectiva do letramento, que é o uso

da leitura e da escrita em diversas situações sociais, tendo em vista que é objetivo da educação

formar sujeitos críticos e autônomos. Outra tônica importante do programa é o desenvolvimento

do trabalho pedagógico numa perspectiva interdisciplinar, “sem com isso, esquecer as

especificidades das áreas do conhecimento e das disciplinas de tradição curricular” (BRASIL, 2015

p. 9).

Ainda conforme o PNAIC, o currículo na alfabetização deve ser desenvolvido em ciclos,

nos quais “espera-se que, no 1º ano, as práticas de ensino da leitura e da escrita possibilitem à

criança a construção da base alfabética e que os 2º e 3º anos sejam destinados à consolidação das

correspondências som-grafia por meio de diversas situações significativas” (BRASIL, 2012, p. 16).

Com isso, o programa define os direitos de aprendizagem para a disciplina de Língua

Portuguesa, organizados por eixos, a saber: Leitura, Produção de textos Escritos, Oralidade, e

Análise Linguística (BRASIL, 2012).

Page 76: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

75

Para que essa proposta de fato fosse efetivada, a formação continuada de professores se

tornou um ponto nodal. Assim, o programa desenvolveu o curso para os professores

alfabetizadores com cinco princípios centrais que orientam a concepção dos dez (10) Cadernos de

Formação. São esses princípios:

• Perspectiva de um currículo inclusivo, que defende os Direitos de Aprendizagem

de todas as crianças, fortalecendo as identidades sociais e individuais;

• Integração entre os componentes curriculares;

• Foco central na organização do trabalho pedagógico;

• Seleção e discussão de temáticas fundantes em cada área de conhecimento;

• Ênfase na alfabetização e letramento das crianças (BRASIL, 2015, p. 33).

Enquanto a Base Nacional Comum Curricular - BNCC é documento de caráter normativo,

contendo 600 páginas, a base define, por meio de um conjunto de habilidades e 10 competências

de aprendizagens consideradas essenciais, que todos os alunos devem se desenvolver ao longo das

etapas e modalidades da Educação Básica, de modo que tenham assegurados seus direitos de

aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de

Educação (BRASIL, 2018). Será feita aqui uma análise crítica da BNCC. Tal perspectiva pode ser

identificada nos trabalhos de Macedo (2015; 2014), Uchoa e Sena (2019), Aguiar e Dourado

(2018).

Desde 1988, com Constituição Federal, perpassando pela implementação da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) e pela difusão dos Parâmetros Curriculares

Nacionais (1997), que o Sistema Nacional de Educação discute sobre uma Base. Contudo, foi em

2014, com a Lei 13.005/14, após a promulgação do PNE 2014-2024, o qual estabelece diretrizes,

metas e estratégias, que o desejo de tal base se tornou possível.

Todos os autores críticos à BNCC acreditam que a partir do Golpe de 2016, com o

impeachment da Presidente Dilma Rousseff, o setor privado ganhou mais forças nas definições das

políticas educacionais.

Conforme Dourado e Sena (2019), é preocupante o viés de educação empresarial pautada

nos princípios das competências e habilidades, eficácia e eficiência e dos indicadores e da avaliação

como controle, haja vista que há nesse processo a homogeneização do currículo, o fortalecimento

das avaliações padronizadas e controle do financiamento. Diante disso, para esses autores, há

armadilhas contidas no mote “direitos de aprendizagens”.

Page 77: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

76

Segundo Sampaio de Souza e Baptista (2017, p. 6), o termo “aprendizagens essenciais” na

BNCC cria um padrão no qual o aluno deverá atingir habilidades e competências de uma educação

de escola etapista, que mais se preocupa com avaliações de larga escala e que está longe de um

projeto cidadão e emancipatório. De fato, isso é no mínimo questionável, pois, além de engessar o

currículo, esse padrão torna-o apolítico e neutro. Uma educação nessa perspectiva é desrespeitosa

e alienante por não considerar a realidade sociocultural do sujeito.

De acordo com Sampaio de Souza e Baptista (2017), a perspectiva de linguagem assumida

pela BNCC é a do filósofo Mikhail Baktin, na qual a linguagem é entendida como interação, ou

seja, a língua é viva e não pode ser desassociada do seu contexto ideológico. No entanto, “é

necessário garantir que na prática escolar e no trabalho diário, essa concepção seja de fato aplicada

ao ensino” (SAMPAIO DE SOUZA; BAPTISTA, p. 8).

Nesse documento, o ensino fundamental está dividido em cinco áreas do conhecimento, de

modo que o componente curricular de Língua Portuguesa está presente na área de Linguagens. O

componente Língua Portuguesa da BNCC dialoga com documentos e orientações curriculares

produzidos nas últimas décadas como, por exemplo, os Parâmetros Curriculares Nacionais-PCNs

e as Diretrizes Curriculares Nacionais- DCNs.

Esse componente curricular proposto pela BNCC proporciona “aos estudantes experiências

que contribuem para a ampliação dos letramentos, de forma a possibilitar a participação

significativa e crítica nas diversas práticas sociais permeadas/constituídas pela oralidade, pela

escrita e leitura e por outras linguagens” (BRASIL, 2018, p. 67-8).

As práticas de linguagens, objetos de conhecimentos e habilidades nos anos iniciais são

definidas por quatro eixos. Assim diz o documento:

No eixo Oralidade, aprofundam-se o conhecimento e o uso da língua oral, as

características de interações discursivas e as estratégias de fala e escuta em

intercâmbios orais; no eixo Análise Linguística/Semiótica, sistematiza-se a

alfabetização, particularmente nos dois primeiros anos, e desenvolvem-se, ao

longo dos três anos seguintes, a observação das regularidades e a análise do

funcionamento da língua e de outras linguagens e seus efeitos nos discursos; no

eixo Leitura/Escuta, amplia-se o letramento, por meio da progressiva

incorporação de estratégias de leitura em textos de nível de complexidade

crescente, assim como no eixo Produção de Textos, pela progressiva incorporação

de estratégias de produção de textos de diferentes gêneros textuais (BRASIL,

2018, p. 89).

Page 78: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

77

Este documento ainda deixa claro que a alfabetização nos anos inicias (1º e 2º anos) deve

ser o foco da ação pedagógica, pois se espera que os estudantes conheçam o alfabeto e a mecânica

da leitura/escrita.

No âmbito municipal, no nível meso, por meio da Secretaria Municipal de Educação, há

uma recontextualização dos documentos nacionais por meio do Plano Municipal de Educação

(PME). No artigo 2º, inciso I, do Plano Municipal de Educação a proposta é a erradicação do

analfabetismo. Esse documento ainda recontextualiza as Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação Escolar quilombola ao passo que define no artigo 2º, inciso III, a superação das

desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as

formas de discriminação.

Considerando as modalidades de educação diferenciada, o artigo 7º, no parágrafo 4º,

contempla que:

Haverá regime de colaboração específico para a implementação de modalidades

de educação escolar que necessitem considerar territórios étnico educacionais e a

utilização de estratégias que levem em conta as identidades e especificidades

socioculturais e linguísticas de cada comunidade envolvida, assegurada consulta

prévia e informada a essa comunidade (PME, 2015, p. 17).

Ainda sobre as relações étnicas, o Plano Nacional de Implementação das Relações

Etnicorraciais orienta os sistemas de ensino e as instituições educacionais na implementação das

Leis 10639/2003 e 11645/2008 (BRASIL, 2003; 2008) e as Diretrizes Curriculares Estaduais para

a Educação Escolar Quilombola (RESOLUÇÃO Nº 68 de 30 de julho de 2013), as quais

estabelecem normas complementares para implantação e funcionamento das Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica (BAHIA, 2013).

Sobre a política de alfabetização, o Plano Municipal de Educação de Vitória da Conquista

propõe, na meta 5, alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o 3º (terceiro) ano do ensino

fundamental. Dentre várias estratégias dessa meta, uma se destaca por mencionar a Educação

Escolar Quilombola:

Assegurar a alfabetização de crianças do campo, indígenas, quilombolas e de

populações itinerantes, com a produção de materiais didáticos específicos, e

desenvolver instrumentos de acompanhamento, que considerem o uso da língua

natural usada pelas comunidades indígenas e a identidade cultural das

comunidades quilombolas (PME, 2015, p. 17).

Page 79: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

78

Foi visualizado em quase todas as metas, desde a meta 2, que diz sobre o ensino

fundamental; a meta 4 sobre a educação especial; a meta 5, como já foi citada, sobre a política de

alfabetização; a meta 7 sobre a qualidade de educação; até a meta 15-18 sobre a valorização dos

profissionais da educação, definições de estratégias para a Educação Escolar quilombola, embora

elas não tenham sido identificadas nas práticas da professora durante o tempo de permanência na

EQJA.

O plano anual de curso do município de Vitória da Conquista está de acordo com o que

propõe a BNCC, estabelecendo, portanto, os objetos de conhecimento, as habilidades e as

expectativas de aprendizagem (objetivos). Na disciplina de Língua Portuguesa, para o primeiro

trimestre (15/ 03 a 14/06), foi proposto que se trabalhasse com os eixos de oralidade, escrita,

conhecimentos linguísticos e gramaticais, leitura e educação literária.

Com isso, percebeu-se que há uma recontextualização dos documentos oficiais nacionais

(contexto macro) para os documentos municipais (contexto meso). Nesse sentido, o campo

recontextualizador é importante para “a seleção de textos que vai do campo intelectual criado pelo

sistema educacional para os campos de reprodução daquele sistema” (BERNSTEIN, 1996, p. 89-

90). Nesse processo de deslocação e relocação, o discurso original passa por uma transformação:

de uma prática real para uma prática imaginária, em que o discurso é sempre transformado ou

modificado, o que poderá ser visualizado no próximo tópico, no contexto micro, reconhecido,

também, como campo recontextualizador pedagógico.

O campo recontextualizador pedagógico

Neste item será demonstrado como os conteúdos de Língua Portuguesa são deslocados do

nível macro para o nível micro, ou seja, como se efetiva a sua recontextualização. Para a

caracterização da prática pedagógica, foi utilizado um protocolo estruturado com 7 (sete)

categorias: a) fronteiras de espaços entre alunos e professores; b) relações de comunicação; c)

critérios de avaliação; d) ritmos de aprendizagem; e) relações intradisciplinares; f) nível de

exigência conceitual; e g) nível de proficiência investigativa.

Ao falar das fronteiras de espaços entre alunos e professores, destacam-se os limites das

vozes desses sujeitos, ou seja, a delimitação dos papéis desempenhados por eles dentro do processo

de comunicação intraescolar, a participação dos agentes nas escolhas e no encaminhamento das

Page 80: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

79

atividades ao longo da aula, bem como situações de indisciplina. Essa categoria tem a ver com o

que Bernstein (1996) chamou de voz.

Na relação de comunicação são analisados aspectos que dizem respeito à efetividade da

interação ente professores e alunos durante a aula, a natureza dos diálogos, frequência de realização

de perguntas e suas respectivas respostas e as diferentes linguagens pedagógicas que são utilizadas

pelo professor durante a aula. Quanto a essa categoria, Bernstein (1996) chamou de mensagem.

Na categoria critérios de avaliação foi considerada a maneira como a professora expõe aos

alunos os critérios de validação dos textos, sua forma de realizar correções durante aula e a

legitimidade dada (ou não) aos saberes consensuais, os quais são partilhados pelos estudantes e

trazidos para o contexto da sala de aula.

Dentro da categoria ritmos de aprendizagem será analisada a frequência com que ocorrem

interrupções durante a aula, para que algum conceito ou atividade seja retomado, a maneira como

são oferecidas (ou não) atividades paralelas de fixação e o aprofundamento para os alunos que

apresentam mais dificuldades.

Dentro da categoria relações intradisciplinares serão analisadas o grau de relação entre

diferentes conteúdos bem como a exploração de diferentes pontos de vista sobre as questões

trabalhadas pela professora e a problematização gerada pelo processo.

No âmbito da categoria nível de exigência conceitual são destacados aspectos referentes à

exploração de modelos científicos, conceitos e generalizações, níveis de interesse e disposição dos

estudantes para o debate e a elaboração do conhecimento.

Sobre a categoria nível de proficiência investigativa, nesse serão verificados mecanismos

de estímulo para o aluno buscar informações por conta própria (ou não), o grau de problematização

das atividades oferecidas e se ocorrem exercícios de construção de explicação a partir de diferentes

métodos investigativos.

Todas essas categorias têm valores mais explícitos ou menos explícitos, desencadeando

numa pedagogia visível ou invisível (BERNSTEIN, 1966). Essas definições podem ser

compreendidas também como currículo de coleção ou currículo de integração.

Dito isso, passa-se para a análise dos dados produzidos.

Page 81: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

80

Sobre as fronteiras de espaços entre alunos e professores

Esta categoria reúne elementos específicos de regulação da comunicação no interior da

aula, em que se evidenciam os papéis (ou vozes) de professores e alunos, correspondendo, portanto,

aos princípios de classificação, ou seja, os conteúdos são determinados pela professora.

As regras hierárquicas, por sua vez, “estabelecem as condições para a ordem, o caráter, e

os modos de comportamento”, (BERNSTEIN, 1996, p. 97), assim como os papéis de transmissor

e adquirente que nelas são determinados.

Segundo Bernstein (1996, p. 80), essas regras podem ser explícitas ou implícitas, ao passo

que quando elas são explícitas, a base de poder da relação social é visível e sem disfarces.

Contrariamente, quando essas regras são implícitas, a base de poder da relação social é mascarada,

ocultada e obscurecida por estratégias de comunicação.

As observações demostraram que essa categoria tende a ser fortemente delimitada, uma vez

que os encaminhamentos das aulas eram conduzidos pela professora, porém com diálogos e com

tolerância baixa a casos de indisciplina, como pode ser visto no trecho a seguir:

O conteúdo que a professora anuncia que irá trabalhar é o dezenove de abril, dia

do índio. Ela liga a televisão e passa um vídeo sobre os índios, dizendo para as

crianças que elas precisam prestar atenção. Todos assistem atenciosamente.

Quando alguém tenta conversar a professora fala: “vamos escutar!” e as crianças

obedecem (Caderno de campo, aula 26 de abril de 2019).

Em outro momento, no mesmo dia, registramos no diário de campo:

[Os alunos começam a conversar e professora lhes chama atenção para voltar a

participar da aula].

Prof: quais os instrumentos musicais que os índios usavam?

Alunos: tambor, gaita, guitarra...

Prof: guitarra não! [E parabeniza o aluno que falou gaita].

[Pergunta quais os instrumentos que os índios utilizavam para caçar, os alunos

respondem: “arco e flecha”].

Pergunta o que os índios utilizavam para ficarem bonitos. Os alunos não sabem

responder. começa uma discussão sobre a utilização do barro.

Page 82: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

81

Pires, Morais e Neves (2004), pesquisadoras portuguesas do grupo ESSA (Estudos

Sociológicos da Sala de Aula)15, afirmam que, para promover um elevado nível de

desenvolvimento científico, essa categoria deve ter classificação fraca entre os espaços, de modo

que os alunos tenham autonomia para definir temáticas do seu interesse e relacionadas às suas

realidades socioculturais. No contexto desta pesquisa, os conteúdos eram determinados pela

professora e ela levava em consideração as datas comemorativas e o que está previsto no

documento da BNCC, indicando nesse sentido, um currículo de coleção.

Sobre as relações de comunicação

As relações de comunicação reúnem elementos específicos de regulação da prática

curricular no interior da sala de aula, o que corresponde à mensagem, considerada por Bernstein

(1996) como enquadramento, e que pode ser mais explícito ou menos explícito.

No contexto desta pesquisa, percebeu-se que as relações de comunicação tendiam a ser

abertas, pois os alunos participavam das aulas sob a indução da professora, visto que à medida em

que ela perguntava, eles iam respondendo, conforme pode visto no trecho a seguir:

Prof: vamos ler – [e ler pausadamente a palavra inferno. Depois ela escreve no

quadro e as crianças vão falando letra por letra].

Prof: quantas sílabas gente?

Alunos: 3

Prof: quantas letra gente? [eles contam]

Alunos: 7

[Nesse momento a professora fala da importância dos números. Escreve a palavra

céu falando “apenas” que tem que ter o acento].

Prof: quantas sílabas?

Alunos: uma

Prof: quantas letra?

Alunos :3

[A professora escreve o nome “amarelinha” no quadro contando as letras “10” e

as sílabas “5”. Se direciona para uma criança (M), e pergunta quantas sílabas: “eu

vou falando (e batendo palmas) e você vai contando” assim ele faz e responde]

(Caderno de campo, aula 24 de abril de 2019).

15 Constitui um grupo de investigação integrado na UIDEF (Unidade de Investigação, Desenvolvimento e Formação)

do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa e que pretende valorizar a perspectiva sociológica na análise da

educação pesquisando particularmente nas áreas das ciências.

Page 83: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

82

Pires, Morais e Neves (2004, p. 20) sinalizam que para haver a aprendizagem “a relação

deve ser aberta entre professor e seus alunos e entre aluno-aluno, neste caso o enquadramento

fraco”. Conforme Stefenon (2017, p. 136), o professor assume um papel central na determinação

da flexibilização dessas fronteiras e no estabelecimento de uma postura aberta no processo

comunicativo, de modo que os estudantes tenham uma maior participação.

Os alunos sempre recorriam à professora para tirar dúvidas sobre as atividades,

principalmente os do 2º ano; ela os auxiliava conforme podia, pois sempre estava ocupada

ensinando algum discente do 1º ano.

Durante as aulas, observou-se que foram exploradas diferentes linguagens didáticas,

principalmente a oralidade, escrita e leitura. Dessa forma, a professora segue ao que está proposto

na meta 5, no que se refere à política de alfabetização do Plano Municipal de Educação de Vitória

da Conquista, bem como o Plano anual, quando o foco do seu trabalho é a alfabetização, o que o

caracteriza como pedagogia visível.

Em conversas informais, ela sempre se mostrava preocupada em alfabetizar as crianças até

o final do ano. Entretanto, no que diz respeito à produção de materiais específicos para a educação

escolar quilombola, previsto na estratégia 5.7 do plano municipal de educação, percebeu-se que

isso não ocorre na prática da professora. Ademais, o livro didático que a escola tem é trabalhado

por toda a rede de educação pública e as atividades que ela retirava da internet não considerava

essa temática quilombola.

Sobre os critérios de avaliação

As regras de avaliação são os critérios pelos quais se espera que o adquirente aprenda para

que, posteriormente, possa aplicar (ou não) diante de uma dada situação. “Essa avaliação baseia-

se nas condutas, caráter, modos de comportamento (critérios regulativos) ou resolução de um

problema ou produção de um segmento de escrita/fala (critérios instrucional/discursivo)”

(EUGÊNIO, 2009, p. 48). Nessa perspectiva, então, a competência do adquirente é avaliada.

Tais regras se manifestam explicitamente ou implicitamente. Quando as regras são

explícitas, os critérios a serem transmitidos são explícitos e específicos e, por outro lado, quando

elas são implícitas, os critérios a serem transmitidos são implícitos, múltiplos e difusos

(BERNSTEIN, 1996, p. 81).

Page 84: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

83

Considera-se necessário que, no âmbito da escola, os critérios sejam explicitamente

informados no processo da comunicação pedagógica, a fim de oferecer ao aluno maior clareza

sobre aquilo que se espera quanto ao seu desempenho durante as ações desenvolvidas.

Percebeu-se na escola pesquisada que esses critérios se apresentam de maneira explícita,

visto que a professora deixa claro que quer que os alunos aprendam a ler e escrever cobrando-os

mais atenção, para que assim consigam resolver essas as atividades.

Volta para o primeiro grupo do 1º ano e pergunta: se a sereia fosse mãe, seria mãe

de quem?

Alunos: peixe

Prof: com que letra começa

Aluno: P-A

Prof: é paixe?! [E fala que é a letra E que se coloca, e vai colocando as outras

letras com os alunos sempre participando, mesmo que de forma errada, o que leva

a professora a corrigi-los. Vai para o segundo grupo]

Prof: todos concordam que a sereia poderia ser a mãe dos peixes?

Alunos: sim

Prof: como se escreve?

Aluno: P

Prof: mais o que?

Aluno: A

Prof: ah é paixe

Outro aluno: I

Prof: ah é piixe

[A professora vai instigando os alunos e eles vão participando. No lugar do x um

aluno pede para colocar o R. A professora lhe questiona: ah seria peire? A

professora o corrige e lê silabicamente] (Caderno de campo, aula 08 de maio de

2019).

Na situação acima, a professora corrige os alunos e os auxilia, esclarecendo que,

dependendo da letra que é colocada na palavra, o seu sentido é alterado. Desse modo, para que

ocorra um processo de aprendizagem efetiva, os critérios de avaliação devem ser explícitos, ou

seja, com enquadramento forte, caracterizando, assim, segundo Pires, Morais e Neves (2004), o

modo pelo qual ocorre a especificação do que é cobrado e esperado que os estudantes realizem ao

longo da aula.

Page 85: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

84

Sobre relações intradisciplinares

Esta categoria, juntamente com a exigência conceitual e proficiência investigativa, faz

referência direta ao conteúdo das mensagens comunicadas durante a prática pedagógica. A

intradisciplinaridade é a interação de uma atividade ou conteúdos entre diferentes saberes da

mesma área.

Na prática da professora Ivani, durante as aulas, ao efetivar o currículo de Língua

Portuguesa, foi visto que o trabalho desenvolvido com a oralidade, a escrita e a leitura se davam

de forma inter e intradisciplinar, Isso porque ela buscava efetivar relações entre diferentes

conteúdos e disciplinas, explorando, um pouco, diferentes pontos de vista sobre determinados

assuntos (intradisciplinaridade), ao falar de vários gêneros textuais, conforme evidenciado a seguir:

[Fala que quarta feira será a comemoração do dia das mães e que ela mandará um

recado para os seus pais, que é outro tipo de gênero textual além do bilhete

(conteúdo da aula)]

Prof: oh gente, quando eu vou fazer uma festa eu mando o que?

Alunos: convite

Prof: oh eu tenho outro tipo de comunicação. – [e mostra um trecho de um poema

de Mario Quintana, falando que é um cartão. E indaga:]

Prof: “estamos trabalhando o que?”

Alunos: bilhete (Caderno de campo, 09 de maio de 2019).

Nesta aula, trabalhando sobre a comemoração do dia das mães, a professora explorou os

gêneros textuais, explicou o que é bilhete e falou da sua diferença em relação ao poema,

evidenciado “que este ler cantando”.

Para que se efetive a aprendizagem, é imprescindível que ocorram fortes relações

intradisciplinares (classificação fraca entre os vários conteúdos das disciplinas), conforme apontam

os estudos desenvolvidos pelo Grupo Estudos Sociológicos da Sala de Aula, a exemplo de Pires,

Morais e Neves (2004). Segundo Stefenon (2017), nesse caso há maior flexibilidade entre os

conteúdos e conexões mais amplas entre as diferentes temáticas. Na prática da professora Ivani,

essas relações tendiam a fracas, uma vez as que as disciplinas do seu planejamento dialogavam

com o que se entende por interdisciplinaridade. Essa relação se mostrou muito forte com a

disciplina de Ciências, como pode ser visto no excerto abaixo:

Page 86: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

85

[Escreve a palavra CAVALO no quadro e vai lendo silabicamente. Depois ela fala

para não lê uma sílaba Só, “para falar a palavra completa” e volta a ler as sílabas

e pergunta que palavra é].

Aluno: Lorena.

[A professora sorri e volta retomando cada sílaba da palavra, tentando fazer com

que os alunos recuperem o sentido da palavra cavalo. Pede para falar rápido” CA-

VA-LO”. Algumas crianças recuperam o significado. Um aluno não recupera o

significado e pergunta a professora que palavra é, ela responde].

[Na palavra MULHER a professora fala que essa é mais difícil e mostra falando

e escrevendo no quadro a sílaba LHER. E retoma a palavra]:

Prof: “MU com LHER” [e as crianças respondem: “mulher”] (Caderno de campo,

23 maio de 2019).

Como se vê, nesse episódio da aula de Ciências sobre os seres vivos, a professora explora

o conteúdo de consciência fonológica, escrevendo os nomes no quadro. Nessa relação, viu-se que

a professora trabalha na perspectiva de letramento, o que torna possível fazer tal

interdisciplinaridade. Essas características se aproximam da pedagogia invisível.

Sobre os níveis de exigência conceitual

O nível de exigência conceitual diz respeito à exploração da linguagem e modelos

científicos, bem como a realização de generalizações e de reflexões em torno de conceitos.

Nesta pesquisa, verificou-se que o nível de exigência conceitual tendia a ser baixo, pois as

aulas apresentam, na maior parte do seu tempo, encaminhamentos e posturas que se relacionam

com atividades descritivas e mecânicas. Observe o excerto a seguir:

A professora chama os alunos do 1º ano para ler. A maioria dos alunos não

conseguem ler. Quando chama uma aluna que sempre está dispersa para ler, em

poucos instantes manda a menina sentar e fala irritada que todos ficarão sem

recreio, estudando e fala para a menina: “olha, estou olhando para você!” e que só

três alunos conseguiram ler algumas palavras. A professora lê novamente o texto,

os alunos começam a repetir e ela fala “que não é assim que se aprende a ler, tem

que ver e ouvir”.

Outra aluna fala que ela já sabe ler. A professora pede para que ela leia e a menina

faz uma pseudoleitura. A professora sorri e fala que a imaginação saiu; eu dou

risada e falo que fluiu. A professora manda outros alunos lerem e passa a aceitar

a pseudoleitura. Quando manda a outra menina ler novamente, esta se mostra

resistente e permanece calada (Caderno de campo, aula 09 de maio de 2019).

Em algumas vezes a professora solicitava aos alunos do 1º ano que lessem, esperando que

eles conseguissem e quando eles demonstravam ainda não terem adquirido o processo da leitura,

Page 87: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

86

ela parecia frustrada. A docente sempre comentava que tem aluno do pré-escolar melhor do que

alguns meninos dessa turma da tarde.

De acordo com Pires, Moraes e Neves (2004), para que haja uma melhor aprendizagem é

necessário um elevado nível conceitual, ou seja, uma maior exploração da linguagem, elaboração

de generalizações e conceitos, além de interesse pelas atividades.

Apesar de os alunos apresentarem muitas dificuldades na aquisição da leitura e escrita, eles

eram muito participativos, como pode ser observado no excerto abaixo:

[Um aluno do segundo ano pergunta o que é para desenhar e a profa fala que é

para desenhar as brincadeiras que ele mais gosta. Ela vai até sua cadeira e

pergunta se ele vai fazer só um desenho, a criança responde que não e a professora

replica: “então ande logo porque o tempo está passando”. O aluno chama a

professora, pois está com dúvidas].

Prof: as brincadeiras parecem com as de sua escola?

Aluno: não

Prof: então escreva não

Aluno: eu não sei escrever

Prof: não acredito que você não sabe escrever a palavra não?! Escreva a letra N.

[a professora vai mandando-o escrever letra por letra] (Caderno de campo, aula

24 de maio de 2019).

Na entrevista, ao questionar a professora sobre de que forma ela trabalha com aqueles

alunos que apresentam mais dificuldades, e ela responde que:

O correto é você trabalhar corpo a corpo com o aluno, sentar junto com o aluno

mesmo, oh, e... e, e estar ali trabalhando junto com ele, tentando, mostrando para

ele, por exemplo. Eu descobri uma estratégia maravilhosa, que é você trabalhar

com o alfabeto móvel, para aquela criança que ainda não sabe ler, só que você tem

que trabalhar com um ou dois no máximo, porque, senão, você não consegue,

porque você tem que trabalhar com ele construindo as hipóteses da escrita e da

leitura, entendeu? Como é que você vai fazer essa construção junto com essas

hipóteses com a sala cheia? Você não consegue porque uns prestam atenção,

outros não. Se você deixar o alfabeto lá com uma dupla e você for trabalhar com

outro, você pode ver, ele para. Então tinha que ser... assim, por exemplo, é... hoje

a aula iniciou sobre meio ambiente, né? Então poderíamos destacar a palavra

natureza, por exemplo. Eles não vão saber escrever a palavra NATUREZA de

forma livre, então você coloca o alfabeto móvel, e ai você tem que ficar lá

sentado, olhando ele fazer a montagem das letras, quais as hipóteses que ele

consegue já realizar, ai se ele não consegui, ai você tem que questionar. Você não

pode falar: não tira esse aqui e põe esse aqui não. Você tem que questionar: oh

você não acha que essa letra não ficaria melhor em outro lugar? Vamos trocar aí

de lugar para ver? Vamos ler? Como é que lê essa palavra aqui do jeito que você

colocou aí, né? Aí lê, aí descobre que o som é diferente da palavra que se quer,

vamos trocar aí de lugar para ver. É isso que tem que ser feito no processo com o

Page 88: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

87

menino na alfabetização. É você construir as hipóteses junto com ele; ele está

construindo e você observando porque se você deixar ele sozinho, ele não faz o

trabalho sozinho, nenhum faz (grifo nosso) (informação verbal)16.

A professora acredita que trabalhar individualmente ou com pequenos grupos torna a

aprendizagem mais eficiente. Nas aplicações das atividades, a professora tenta desenvolver um

trabalho mais individualizado, formando pequenos grupos para ir orientando as crianças. Isso pode

ser constatado no trecho abaixo.

[A professora vem auxiliar uma, pergunta a menina como ela escreveu a palavra

“estrela”, e que não era para ela copiar, porque é para ela aprender]. A professora

fala: ah você copiou pela atividade da colega, ela esqueceu de copiar o “E” e você

fez do mesmo jeito. [Assim ela apaga onde a menina errou e escreve as letras que

faltavam].

Alguns alunos do 2º vão até a professora pedir orientação e ela ajuda quando pode.

Ela chama um aluno atenção, para ele se esforçar que ele quer que ela escreve

para ele e que isso ela não irá fazer.

A professora volta a fazer outra pergunta para o primeiro grupo do 1º ano:

Prof: se a mesa fosse mãe seria mãe das?

Alunos: cadeira

A professora pega as letras caixa e forma o nome cadeira. Pergunta a primeira e a

última letra e a quantidade de sílabas e os alunos respondem.

Ela volta a orientar o segundo grupo do 1º ano, faz a pergunta voltada para uma

aluna. A menina responde “mesa”, a professora pergunta novamente e ela

responde “cadeira”. A professora começa a montar a palavra.

Prof: cadeira começa com que letra?

Alunos: C

A professora vai falando silabicamente e perguntando as letras. Os alunos vão

falando. A professora pergunta quantas sílabas e quantas vogais há nas palavras

exploradas. Manda-os escreverem a palavra e passa para o terceiro grupo.

Prof: o CA é formado por quais letras?

Alunos: C e A.

A professora continua trabalhando fonético e fonologicamente as palavras.

A turma faz um pouco de barulho e professora sempre pede silêncio (Caderno de

campo, aula 24 de maio de 2019).

No trecho acima, sobre a semana do “dia das mães”, a professora trabalha com suposições

e metáforas, levando as crianças a imaginarem se os “objetos e coisas fossem mãe, de quem eles

seriam”. Naquele momento os alunos receberam o alfabeto móvel e tentavam montar a palavra. No

entanto, eles não conseguiam fazer a atividade sozinhos, o que exigiu da professora a montagem

16 Entrevista concedida por TAL, Ivani de. Entrevista I. [jun. 2019]. Entrevistador: Elenilson Evangelista da Silva.

Vitória da Conquista, 2019. 1 arquivo .mp3 (53 min).

Page 89: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

88

de pequenos grupos para, assim, ela ir montando as palavras juntamente com eles. Dessa forma, é

possível visualizar o processo de recontextualização presente na prática da professora na disciplina

de língua portuguesa, uma vez que o foco dos anos inicias, de acordo com os documentos oficiais,

é alfabetizar e letrar17 as crianças.

Sobre proficiência investigativa

O nível de proficiência investigativa refere-se à problematização, reflexidade e autonomia

dos estudantes diante da prática pedagógica promovida pela professora.

Verificou-se, no contexto desta pesquisa, que os alunos, geralmente, por meio de perguntas

e respostas nas aulas, elaboravam tímidos movimentos para a formulação de hipóteses,

principalmente na construção de palavras, apresentando, nesse sentido, um nível de proficiência

baixo, conforme os relatos abaixo.

[A docente escreve a palavra CAVALO e vai lendo silabicamente. Depois ela fala

que não ler uma sílaba uma sílaba Só, “para falar a palavra completa” e volta a ler

as sílabas e pergunta que palavra é].

Aluno: Lorena

[A professora sorri e volta retomando cada sílaba da palavra, tentando fazer com

que os alunos recuperem o sentido da palavra cavalo. Pede para falar rápido CA-

VA-LO. Algumas crianças recuperam o significado. Um aluno não recupera e

pergunta à professora que palavra é, ela responde] (aula 23 de maio).

Os alunos do 1º ano não conseguem ler sozinhos e também nem todos do 2º ano conseguem

recuperar o significado das palavras lidas silabicamente.

Para se realizar uma aprendizagem significativa, Pires, Morais e Neves (2004) sinalizam a

promoção de um elevado nível de competência investigativa, de modo que os alunos mantenham

uma postura crítica, reflexiva e autônoma.

Sobre os ritmos de aprendizagem

Conforme Bernstein (1996), os ritmos de aprendizagem dizem respeito ao tempo em que a

prática pedagógica é efetivada. Assim, os ritos se estruturam determinando o compassamento da

17Uso social de práticas reais do sistema de escrita.

Page 90: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

89

prática pedagógica à medida em que a professora interrompe a aula para explicar melhor

determinado assunto quando alguém não entendeu, quando são oferecidas atividades paralelas ou

quando inicia e termina a aula.

Com isso, buscou-se visualizar as regras de sequenciamento, entendidas como a

transmissão do que vem antes e depois da aula, havendo, nesse sentido, uma progressão. Dentro

dessas regras de sequenciamento, tem as regras de compassamento que “é o tempo, permitido para

se cumprir as regras de sequenciamento” (BERNSTEIN, p. 97), ou seja, é a ritmagem da aquisição.

Quando essas regras são explícitas, os princípios e os sinais de transmissão são esclarecidos

e tornados públicos. Em contrapartida, quando essas regras são implícitas, os princípios e sinais da

progressão são conhecidos apenas pelo transmissor. Essas duas regras determinam respectivamente

o que o educando pode ou não ter conhecimento do que se está transmitindo (BERNSTEIN, 1996,

p.81).

No contexto deste trabalho, embora não existam atividades paralelas, viu-se que os ritmos

de aprendizagem tendem a ser fracos, uma vez que as aulas eram brevemente interrompidas e as

atividades retomadas ou apresentadas de outra maneira, para que fossem refeitas por aqueles que

apresentavam alguma dificuldade de aprendizagem, considerando, assim, os múltiplos ritmos de

aprendizagem de cada aluno, conforme o relato abaixo:

L chama a prof.: Prof. você me deu a tarefa errada”

Prof: a tarefa é essa mesmo.

Outro aluno: a tarefa de L é do 1º ano. (L está no 2º ano)

Prof: L não consegue acompanhar a tarefa do 2º ano, por isso vai fazer a tarefa do

1º ano. (aula 26 de maio)

[A professora volta a perguntar por que o texto é um poema. As crianças não

sabem responder e explica]:

Prof: é um poema porque a gente lê diferente, lê cantando os versinhos.

Aluna: o que é um versinho?

Prof: verso é esse versinho. (vai até a cadeira da menina e mostra) (aula 26 de

maio)

A professora organiza o material e fala: oh D, você perguntou se vamos terminar

a tarefa de ontem, vamos terminar agora. (Caderno de campo, aula 08 de maio de

2019).

Contudo, não eram apresentadas atividades paralelas, a não ser as atividades para casa que

eram passadas quase todos os dias. De acordo com Pires, Morais e Neves (2004), para que haja a

promoção do conhecimento deve haver uma fraca ritmagem de aprendizagem (enquadramento

Page 91: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

90

fraco), ou seja, uma maior flexibilização do tempo, bem como a frequência com que o professor

retoma o conteúdo e a aula para melhor explicação.

De acordo com os trechos das aulas acima, é possível afirmar que há uma flexibilização do

tempo com espaço para a participação doa alunos, retomada frequentemente dos conteúdos e, por

algumas vezes, passando atividades do 1º ano para aqueles alunos do 2º ano, com o intuito de que

aqueles que têm mais dificuldades tentem responder. Como já mencionado, essas são

características de aprendizagem fraco, cujo ritmo contribui para a aprendizagem. Como essas

regras estão claras, a pedagogia é visível.

Considerações finais

As contribuições da teoria do dispositivo pedagógico mostraram-se fundamentais para

desvelar como o currículo na disciplina de Língua Portuguesa é recontextualizado na prática

pedagógica de uma professora em uma turma multisseriada de 1º e 2º ano do ensino fundamental

de uma escola quilombola.

Nas observações em sala de aula, a docente apontou que é muito desafiador trabalhar com

uma turma multisseriada. Ela relatou também que a turma tem muitas dificuldades, levando-a a

não priorizar o livro didático, pois, para ela, o manual, muitas vezes, não contempla a turma.

As categorias adaptadas de Stefenon (2017) possibilitaram a caracterização da transmissão-

aquisição do conhecimento proposto do nível macro para o nível micro. Para isso, visualizou-se

que no nível macro, no âmbito nacional, o Pnaic e a BNCC propõem a alfabetização e o letramento;

no nível meso, no âmbito municipal, essa proposta não destoa, e a professora, no contexto micro,

busca alfabetizar e letrar seus alunos.

Detendo o conhecimento sobre as práticas curriculares, viu-se que na categoria fronteiras

entre espaços de alunos e professores, as regras são explícitas, caracterizando-a assim como

pedagogia visível. Na categoria de comunicação, embora seja aberta, o controle está com a

professora e os alunos sabem dessa determinação, o que caracteriza uma pedagogia visível.

Nas categorias critérios de avaliação e ritmos de aprendizagem, há indícios de uma

pedagogia visível, uma vez que a comunicação está clara tanto para o aluno, como para a

professora. Por outro lado, as relações intradisciplinares despontaram tendendo a fraca, o que

significa que os conteúdos não estão isolados, apresentado, nesse viés, elementos que se

Page 92: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

91

aproximam da pedagogia invisível. Esse contexto, segundo Pires, Morais e Neves (2004), é

favorável para aprendizagem.

Ainda como pedagogia invisível, destacaram-se as categorias de nível de exigência

conceitual e de nível de proficiência investigativa, pois as crianças sentiam muitas dificuldades

para realizar as atividades, principalmente os alunos do 1º ano. Eles não apresentavam nenhuma

autonomia para realizar as tarefas sozinhos visto que, caso a professora não os acompanhasse, eles

não faziam as atividades propostas.

Sobre a escola estar situada numa comunidade quilombola, percebeu-se uma prática

distante do que está proposto nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar

Quilombola, uma vez que a docente não trabalha com materiais específicos e, além disso, aborda

a realidade sociocultural das crianças de forma incipiente. Desse modo, verificou-se o predomínio

de uma pedagogia visível, isto é, aquela que se relaciona com o código elaborado, compreendido

também como currículo de coleção. Há indícios, entretanto, de uma pedagogia invisível, visto que

a disciplina de Língua Portuguesa apresenta currículo de integração, na medida em que ocorre

diálogo no trabalho com as demais disciplinas, ou seja, há permeabilidade entre as áreas do

conhecimento, como tangencia Bernstein (1996).

Referências

ALFERES, Marcia Aparecida; MAINARDES Jefferson. A recontextualização do Pacto Nacional

pela Alfabetização na Idade Certa - PNAIC: uma análise dos contextos macro, meso e micro.

Currículo sem Fronteiras, v. 18, n. 2, p. 420-444, maio/ago. 2018.

AGUIAR, Márcia Ângela da S; DOURADO, Luiz Fernandes. A BNCC na contramão do PNE

2014-2024: avaliação e perspectivas. Recife: ANPAE, 2018.

ANGROSINO, Michel. Etnografia e observação participante. Porto Alegre: Artmed, 2009.

BERNSTEIN, Basil. A estruturação do discurso pedagógico: classe, códigos e controle.

Vozes: Petrópolis, 1996.

BEZERRA, Debora Silveira Barros. As regras da prática pedagógica no currículo de ciências

e língua portuguesa na educação de jovens e adultos. 180f. 2018. Dissertação (Mestrado em

Ensino). Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia,Vitória da Conquista, 2018.

Page 93: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

92

BRASIL. Resolução N° 8, de 20 de novembro de 2012. Brasília: CNE/CEB, 2012. Disponível

em: http://www.seppir.gov.br/portal-antigo/arquivos-pdf/diretrizes-curriculares. Acesso em 07 de

agosto de 2018.

______. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa. Secretaria de Educação

Fundamental. Brasília, 1997. 144p.

______. Portaria Nº 867, de 4 julho de 2012. Ministério da Educação. Diário Oficial da União

seção 1. Brasília, 2012.

EUGENIO, Benedito. Políticas curriculares para o ensino médio no Estado da Bahia:

permeabilidades entre contextos e a cultura da escola. 200f. Tese (Doutorado em Educação).

Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009.

______. Práticas curriculares em uma escola de ensino médio no estado da Bahia. Educação,

Santa Maria, v. 42, n. 1, p. 57-72, jan./abr. 2017.

ESSA, Estudos sociológicos da Sala de Aula. O que é. Resumo (Site oficial). Lisboa. Disponível

em: http://essa.ie.ulisboa.pt/oquee_resumo_texto.htm. Lisboa: 2019.

GALLIAN, Claudia Valentina Assumpção. A recontextualização do conhecimento científico: o

desafio constitucional do conhecimento científico. 2009. Tese (Doutorado em Educação).

Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. 1. ed., 13 reimpr. - Rio de Janeiro: LTC,

2008.

LIMA, Vivian Ingridy de Carvalho. Raízes, frutos e tramas: Pertencimentos, relações étnicas e

saberes na comunidade do Baixão. 124f. Dissertação (Mestrado em Relações Étnicas e

contemporaneidade). Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Jequié, 2018.

MACEDO, Elizabeth. Base Nacional Curricular Comum: novas formas de sociabilidade

produzindo sentidos para educação. Revista e-Curriculum, São Paulo, v. 12, n. 03 p.1530 - 1555

out./dez. 2014.

______. Base Nacional Comum para currículos: direitos de aprendizagem e desenvolvimento

para quem? Educ. Soc., Campinas, v. 36, nº. 133, p. 891-908, out./dez. 2015

MAINARDES, Jefferson; STREMEL Silvana. A teoria de Basil Bernstein e algumas de suas

contribuições para as pesquisas sobre políticas educacionais e curriculares. Revista Teias, v. 11,

n. 22, p. 31-54, maio/agosto 2010.

OLIVEIRA, Amurabi; BOIN, Felipe; BÚRIGIO, Beatriz. Quem tem medo de etnografia?

Revista Contemporânea de Educação, v. 13, n. 26, jan/abr 2018.

Page 94: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

93

PEREIRA, Inocêncio Ricardo. Redesenho Curricular no Programa Ensino Médio Inovador:

recontextualizações da política. 2017. 145f. Dissertação (Mestrado em Educação). Blumenau,

2017.

PIRES, D.; MORAIS, A. M..; NEVES, I. P. Desenvolvimento científico nos primeiros anos de

escolaridade Estudo de características sociológicas específicas da prática pedagógica. Revista

Portuguesa de educação, v. XII, nº. 2, p. 129-132, 2004

SAMPAIO DE SOUZA, Danilo Fernandes; BAPTISTA Felipe Barreto. O ensino de Língua

Portuguesa e Base Nacional Comum Curricular. Saberes, Natal RN, v. 1, n. 17, Dezembro, 2017,

177-186.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23. ed. rev. e atual. São

Paulo: Cortez, 2007.

SOUZA, Janyne Barbosa de. Entre o discurso oficial e o discurso pedagógico: desafios e

caminhos construídos, no contexto da rede municipal de ensino de Jequié, no processo de

implantação da Lei 10.639/03. 146f. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade

Estadual do Sudoeste da Bahia, Vitória da Conquista, 2015.

STEFENON, Daniel Luiz. Desigualdades educacionais e esvaziamento curricular: um estudo

a partir do caso de recontextualização dos saberes geográficos na escola. 216 f. Tese (Doutorado

em Educação). Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.

TAL, Ivani de. Entrevista I. [jun. 2019]. Entrevistador: Elenilson Evangelista da Silva.

Vitória da Conquista, 2019. 1 arquivo .mp3 (53 min).

UCHOA, Antonio Marcos da Conceição; SENA, Ivânia Paula Freitas de Souza (Orgs.). Diálogos

Críticos: BNCC, educação, crise e luta de classes em pauta. Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2019.

VITÓRIA DA CONQUISTA. Plano Municipal de Educação. Secretaria Municipal de

Educação, Vitória da Conquista, 2019.

______. Plano Trimestral de Curso: Língua Portuguesa. Vitória da Conquista, 2019.

Page 95: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

94

4 A RECONTEXTUALIZAÇÃO DO CURRÍCULO DE CIÊNCIAS NOS ANOS

INICIAIS EM UMA ESCOLA QUILOMBOLA

Elenilson Evangelista da Silva18

Benedito Gonçalves Eugenio19

Resumo

Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa etnográfica, por meio de observações,

entrevistas e análise documental, sobre o processo de recontextualização na disciplina de Ciências

em uma turma multisseriada de 1º e 2º anos de uma escola quilombola, situada na comunidade do

Baixão, no município de Vitória da Conquista - Ba. Para a análise dos dados, baseou-se na teoria

sociológica de Bernstein (1996), particularmente com os conceitos de campo recontextualizador.

A prática pedagógica da professora foi caracterizada utilizando um protocolo fundamentado no

trabalho de Bernstein. Por fim, as análises permitiram visualizar uma prática pedagógica mista,

uma vez que as aulas de Ciências estavam integradas com as de Língua de Portuguesa.

Palavras-chaves: Recontextualização. Ciências. Educação Escolar Quilombola. Discurso

Instrucional

INTRODUÇÃO

Neste artigo, são apresentados os resultados de uma pesquisa sobre o processo de

recontextualização do currículo na disciplina de Ciências em uma escola quilombola, localizada na

comunidade do Baixão, em Vitória da Conquista - BA.

Segundo Bernstein (1996), o dispositivo pedagógico fornece a gramática intrínseca do

discurso pedagógico por meio de três regras: as distributivas, as recontextualizadoras e as regras

de avaliação.

Estas regras estão hierarquicamente articuladas de modo que uma regula a outra. Nessa

estreita, as regras distributivas “compõem um conjunto de normas fundamentais que delimitam

formas de conhecimento (pensável e impensável), e sua distribuição entre os sujeitos que poderão

se apropriar delas ou não” (STEFENON, 2017, p. 60).

18Licenciado em Pedagogia (UESB), Mestrando pelo Programa de Pós-graduação em Ensino (PPGEn/UESB) e

bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia-FAPESB 19Professor titular da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e coordenador do Programa de Pós-graduação em

Ensino (PPGEn/Uesb).

Page 96: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

95

No que diz respeito às regras recontextualizadoras, elas são reguladas pelas regras de

distribuição. Essas regras regulam a constituição dos discursos pedagógicos específicos

(instrucional e regulativo), isto é, regulam o que (discursos a serem transmitidos-adquiridos) e o

como da transmissão-aquisição (discursos que regulam os princípios da transmissão-aquisição).

Os termos o que e como estão relacionados aos princípios de classificação e enquadramento

que respectivamente são representados pelos discursos pedagógicos específicos regulativo e

instrucional, mostrando que o discurso instrucional está embutido no regulativo, representado pela

fórmula: DI/DR.

Já as regras de avaliação, reguladas pelas regras recontextualizadoras, podem ser

apresentadas como a própria prática pedagógica, ou seja, “é a relação entre a transmissão e

aquisição dos discursos pedagógicos específicos” (MORAIS;NEVES,2007, p. 121), sendo,

portanto, o conjunto de procedimentos, sequenciamentos, ritmos de aprendizagem, critérios de

avaliação, dentre outros, que permitem estabelecer o poder e o controle, de maneira visível ou

invisível (STEFENON, 2017).

Com o intuito de visualizar como a prática curricular da professora Ivani predomina quando

ela desloca o conhecimento de ciência do contexto oficial para o contexto pedagógico, faz-se

necessária uma aproximação dos conceitos de pedagogia visível e invisível

Nessa perspectiva, fazem parte do Campo Recontextualizador Oficial (CRO) a Base

Nacional Curricular Comum- BNCC, o livro didático e o Plano anual de curso para a disciplina de

Ciências. Ao passo que esses documentos são recontextualizados, fazem parte do Campo

Recontextualizador Pedagógico (CRP) a prática pedagógica da professora.

METODOLOGIA DA PESQUISA

A etnografia foi a metodologia escolhida para a construção dos dados, visando compreender

como se dá o processo de recontextualização da disciplina de Ciências numa turma multisseriada

de 1º e 2º ano das séries iniciais do ensino fundamental em uma escola quilombola, na comunidade

do Baixão, no município de Vitória da Conquista - BA.

A escola é um espaço multifacetado. Ao mesmo tempo em que acontecem coisas

corriqueiras, ocorrem, também, novas situações. Por isso, a importância de o pesquisador social se

atentar aos variados detalhes quando se propõe a desvelar o cotidiano escolar (EUGENIO, 2009).

Page 97: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

96

Para Gertz (2008, p. 15):

Praticar a etnografia é estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever

textos, levantar genealogias, mapear campos, manter um diário, e assim por

diante. Mas não são essas coisas, as técnicas e os processos determinados, que

definem o empreendimento. O que define é o tipo de esforço intelectual que ele

representa: um risco elaborado para uma “descrição densa”. (...) Fazer etnografia

é como tentar ler (no sentido de “construir uma leitura de”) um manuscrito

estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e

comentários tendenciosos, escrito com os sinais convencionais do som, mas com

exemplos transitórios de comportamento modelado.

Aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Sudoeste da

Bahia, sob o número 3.425.407, a pesquisa se baseou em observação participante, entrevista e a

análise de documentos para a produção dos dados. Angrosino (2009, p. 54) salienta que “uma boa

etnografia geralmente resulta dessa triangulação, pois reforça as conclusões”. A permanência na

escola durou 45 dias, incluindo as observações em sala de aula, tempo que permitiu a produção de

uma descrição densa sobre a prática da professora.

A escola em tela, aqui denominada como Escola Quilombola Jorge Amado- EQJA,

funciona nos turnos matutino e vespertino, atendendo a quatro turmas multisseriadas, em um

quantitativo de 89 alunos nos anos iniciais, nos segmentos de Educação Infantil e Ensino

Fundamental. A instituição está assim organizada: duas turmas pela manhã – uma com 21 alunos

da Pré-escola e outra com 23 estudantes de 3º e 4º anos – e mais duas turmas à tarde – uma com 22

crianças de 1º e 2º anos e outra com 23 discentes de 3º e 4º anos.

A escola é considerada quilombola por fazer parte do território de Lagoa de Maria

Clemência (Baixão). Esta comunidade localiza-se no município de Vitória da Conquista – BA,

situada no sentido oeste da cidade, a aproximadamente 13 Km, fazendo fronteira com o distrito do

Pradoso, de modo que são divididas apenas rodovia BA-262. Pode-se considerar, então, que a

comunidade é de fácil acesso, com ônibus circulares e vans que vão pela estrada principal e, logo

após o aterro sanitário, bem antes do posto da Polícia Rodoviária, há uma entrada pelo lado direito

que dá acesso à localidade pelas estradas vicinais.

A professora Ivani20 atua como efetiva nessa escola há mais de trinta e dois anos e estava

com 60 anos de idade quando a pesquisa foi realizada. Ela possui graduação em Pedagogia pela

20 Nome fictício

Page 98: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

97

Faculdade Claretiano (2012) e em Psicologia pela Faculdade de Tecnologia e Ciências- FTC

(2007), além de ser especialista em Educação e Neuropsicologia pelo Centro Universitário

Internacional- UNINTER (2007).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A teoria de Bernstein e as regras recontextualizadoras

Este trabalho apoia-se nas teorias críticas de currículo, mais precisamente na teoria do

discurso pedagógico de Basil Bernstein (1996). De acordo com a sua teorização, é possível

visualizar como se efetiva o processo de rencontextualização do conhecimento, compreendido,

também, como currículo ou ainda como discurso pedagógico.

Conforme Bernstein (1996, p. 259):

O discurso pedagógico é um princípio para apropriar outros discursos e coloca-

los numa relação mútua especial, com vistas à sua transmissão e aquisição

seletivas. O discurso pedagógico é, pois, um processo que tira (desloca) um

discurso de sua prática e contextos substantivos e recola aquele discurso de com

seu próprio princípio de focalização e reordenamentos seletivos. Nesse processo

de deslocação e relocação do discurso original, a base social de sua prática

(incluindo suas relações de poder) é eliminada. Nesse processo de deslocação e

relocação, o discurso original passa por uma transformação: de uma prática real

para uma prática virtual ou imaginária. O discurso pedagógico cria sujeitos

imaginários. É preciso refinar esse conceito sobre o princípio que constitui o

discurso pedagógico. Trata-se de um princípio recontextualizador que,

seletivamente, apropria, refocaliza e relaciona outros discursos, para constituir sua

própria ordem e seus próprios ordenamentos.

Nesse processo, Bernstein destaca dois campos recontextualizadores: o Campo

Recontextualizador Oficial (CRO) e o Campo Recontextualizador Pedagógico (CRP). O autor

descreve que o campo recontextualizador oficial (CRO) é “regulado diretamente pelo Estado,

politicamente através da administração pública” e nos campos recontextualizadores pedagógicos

(CRP) “estão preocupados com os princípios e práticas que regulam a circulação de teorias e textos:

do contexto de sua produção ou existência para os contextos de sua reprodução” (BERNSTEIN,

1996, p. 277).

Page 99: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

98

De acordo com a teoria apresentada, no contexto da prática é possível visualizar dois tipos

de currículos: o de integração e o de coleção. Eugenio (2009, p. 50) pontua que o currículo de

coleção “mantém uma relação fechada entre conteúdos, com limites bem definidos, ou seja, um

forte enquadramento e uma forte classificação”; já no currículo integrado “há um isolamento fraco

entre conteúdos e as áreas de conhecimento, visto que elas são submetidas a uma ideia motriz que

aproxima as suas fronteiras”.

O currículo de integração é caracterizado dentro da pedagogia invisível e o de coleção da

pedagogia visível, definindo, assim, dois tipos de prática pedagógica que podem ser realizadas

explícita ou implicitamente (BERNSTEIN, 1996).

Segundo Bernstein (1996, p. 103), na prática pedagógica visível (PV) as regras de ordem

regulativa e discursiva são critérios explícitos de hierarquia/sequência/compassamento, cuja

transmissão sempre colocará a ênfase no desempenho da criança, produzindo diferenças entre elas.

Contrariamente, na pedagogia invisível (PI) as regras de ordem regulativa e discursiva são

implícitas, conhecidas apenas pelo transmissor e a ênfase estará na competência do aluno.

Esse conhecimento transmitido e adquirido visível ou invisivelmente se dá por meio da

recontextualização, conceito fulcral na teoria bernsteiniana, compreendido como discurso

pedagógico, ou seja, como reinterpretação do conhecimento curricular.

O currículo de Ciências para os anos iniciais: a proposta do CRO

No discurso pedagógico oficial para o ensino de Ciências nos anos iniciais, foi analisado,

em âmbito nacional, o que diz a Base Nacional Comum Curricular- BNCC e, em âmbito municipal,

o Plano anual de cursos.

A partir de 2018, o Ministério da Educação implementou a Base Nacional Comum

Curricular, definindo, nessa perspectiva, o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens

essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação

Básica (BRASIL, 2018).

A Base é parte da mobilização e atuação do empresariado na definição da educação

brasileira, corporificado no Movimento Todos pela Educação. Essa organização empresarial

protagonizou as diferentes etapas na elaboração da política curricular, propondo seminários,

Page 100: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

99

consultas públicas, formação continuada para as secretarias de educação e produção de material

didático.

A Base começou a ser organizada em 2012, durante o governo Dilma Rousseff e sua

primeira versão veio a público em 2015. Após consulta pública e muitas discussões, a segunda

versão do documento curricular para a educação infantil e o ensino fundamental foi divulgada em

maio de 2016 e, em dezembro de 2017, sua quarta versão foi aprovada pelo Conselho Nacional de

Educação, já sob direção do governo Temer.

Há uma série de críticas à BNCC do ensino fundamental, das quais pode-se destacar a

imposição de um currículo nacional, a redução do direito à educação a objetivos de aprendizagem,

a reedição das competências e habilidades como princípios de organização curricular, bem como a

fragilidade da discussão sobre educação e diversidades.

Compreende-se, aqui, a Base como uma política educacional que interfere diretamente nas

Diretrizes Curriculares para a Educação Básica e que, por conseguinte, provoca uma reformulação

curricular nas escolas, na formação inicial e continuada de professores e nos materiais

didáticos/curriculares. Contudo, a Base não é o currículo.

No que se refere à disciplina de Ciências Naturais, as quatro versões da BNCC trouxeram

uma série de alterações na compreensão e proposição do que deve ser ensinado/aprendido. É na

última versão, porém, que se identifica uma verdadeira ofensiva conservadora no documento, com

a retirada das questões relacionadas a gênero e a sexualidade dos Temas contemporâneos propostos

para serem trabalhados.

As competências específicas para o ensino de Ciências são:

1.Compreender as Ciências da Natureza como empreendimento humano, e o

conhecimento científico como provisório, cultural e histórico. 2. Compreender

conceitos fundamentais e estruturas explicativas das Ciências da Natureza, bem

como dominar processos, práticas e procedimentos da investigação científica, de

modo a sentir segurança no debate de questões científicas, tecnológicas,

socioambientais e do mundo do trabalho, continuar aprendendo e colaborar para

a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. 3. Analisar,

compreender e explicar características, fenômenos e processos relativos ao mundo

natural, social e tecnológico (incluindo o digital), como também as relações que

se estabelecem entre eles, exercitando a curiosidade para fazer perguntas, buscar

respostas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos

das Ciências da Natureza. 4. Avaliar aplicações e implicações políticas,

socioambientais e culturais da ciência e de suas tecnologias para propor

alternativas aos desafios do mundo contemporâneo, incluindo aqueles relativos ao

mundo do trabalho. 5. Construir argumentos com base em dados, evidências e

Page 101: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

100

informações confiáveis e negociar e defender ideias e pontos de vista que

promovam a consciência socioambiental e o respeito a si próprio e ao outro,

acolhendo e valorizando a diversidade de indivíduos e de grupos sociais, sem

preconceitos de qualquer natureza. 6. Utilizar diferentes linguagens e tecnologias

digitais de informação e comunicação para se comunicar, acessar e disseminar

informações, produzir conhecimentos e resolver problemas das Ciências da

Natureza de forma crítica, significativa, reflexiva e ética. 7. Conhecer, apreciar e

cuidar de si, do seu corpo e bem-estar, compreendendo- se na diversidade humana,

fazendo-se respeitar e respeitando o outro, recorrendo aos conhecimentos das

Ciências da Natureza e às suas tecnologias. 8. Agir pessoal e coletivamente com

respeito, autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação,

recorrendo aos conhecimentos das Ciências da Natureza para tomar decisões

frente a questões científico-tecnológicas e socioambientais e a respeito da saúde

individual e coletiva, com base em princípios éticos, democráticos, sustentáveis e

solidários (BRASIL, 2018, p. 326).

Assim, para garantir o desenvolvimento dessas competências, o componente curricular de

Ciências apresenta um conjunto de habilidades, as quais estão relacionadas a diferentes objetos de

conhecimento – entendidos como conteúdos, conceitos e processos – que, por sua vez, são

organizados em unidades temáticas (BRASIL, 2018).

O componente curricular de Ciências para o ensino fundamental está organizado em três

unidades temáticas: matéria e energia; vida e evolução e terra e universo. Dentro de cada uma

dessas unidades temáticas desenvolvem-se habilidades e objetos de conhecimentos, conforme pode

ser visualizado no Quadro 3 abaixo. Eis o que está proposto para o 1º ano:

Quadro 3 - Unidades temáticas, objetos de conhecimentos e habilidades - Ciências 1º ano

Unidades temáticas objetos de conhecimentos

Matéria e energia Características dos materiais

Vida e evolução Corpo humano

Respeito à diversidade

Terra e universo Escalas de tempo

Habilidades

(EF01CI01) Comparar características de diferentes materiais presentes em objetos de

uso cotidiano, discutindo sua origem, os modos como são descartados e como podem

ser usados de forma mais consciente.

Page 102: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

101

(EF01CI02) Localizar, nomear e representar graficamente (por meio de desenhos) partes

do corpo humano e explicar suas funções.

(EF01CI03) Discutir as razões pelas quais os hábitos de higiene do corpo (lavar as mãos

antes de comer, escovar os dentes, limpar os olhos, o nariz e as orelhas etc.) são

necessários para a manutenção da saúde.

(EF01CI04) Comparar características físicas entre os colegas, reconhecendo a

diversidade e a importância da valorização, do acolhimento e do respeito às diferenças.

(EF01CI05) Identificar e nomear diferentes escalas de tempo: os períodos diários

(manhã, tarde, noite) e a sucessão de dias, semanas, meses e anos.

(EF01CI06) Selecionar exemplos de como a sucessão de dias e noites orienta o ritmo de

atividades diárias de seres humanos e de outros seres vivos. Fonte: Organizado de acordo com a BNCC (BRASIL, 2018, p.332-3)

Para o 2º ano, as unidades temáticas continuam as mesmas, as quais perpassam todo o

ensino fundamental, porém com mudanças nos objetos de conhecimento e habilidades, como pode

ser verificado no Quadro 4 abaixo:

Quadro 4- Unidades temáticas, objetos de conhecimentos e habilidades- Ciências 2º ano

Unidades temáticas Objetos de conhecimentos

Matéria e energia Propriedades e usos dos materiais

Prevenção de acidentes domésticos

Vida e evolução Seres vivos no ambiente

Plantas

Terra e evolução Movimento aparente do Sol no céu

O Sol como fonte de luz e calor

Habilidades

(EF02CI01) Identificar de que materiais (metais, madeira, vidro etc.) são feitos os objetos que

fazem parte da vida cotidiana, como esses objetos são utilizados e com quais materiais eram

produzidos no passado.

(EF02CI02) Propor o uso de diferentes materiais para a construção de objetos de uso cotidiano,

tendo em vista algumas propriedades desses materiais (flexibilidade, dureza, transparência

etc.).

(EF02CI03) Discutir os cuidados necessários à prevenção de acidentes domésticos (objetos

cortantes e inflamáveis, eletricidade, produtos de limpeza, medicamentos etc.).

(EF02CI04) Descrever características de plantas e animais (tamanho, forma, cor, fase da vida,

local onde se desenvolvem etc.) que fazem parte de seu cotidiano e relacioná-las ao ambiente

em que eles vivem.

(EF02CI05) Investigar a importância da água e da luz para a manutenção da vida de plantas

em geral.

Page 103: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

102

(EF02CI06) Identificar as principais partes de uma planta (raiz, caule, folhas, flores e frutos)

e a função desempenhada por cada uma delas, e analisar as relações entre as plantas, o ambiente

e os demais seres vivos.

(EF02CI07) Descrever as posições do Sol em diversos horários do dia e associá-las ao

tamanho da sombra projetada.

(EF02CI08) Comparar o efeito da radiação solar (aquecimento e reflexão) em diferentes tipos

de superfície (água, areia, solo, superfícies escura, clara e metálica etc.). Fonte: Organizado de acordo com a BNCC (BRASIL, 2018, p.334-).

Nesses dois primeiros anos da educação básica em que o foco é a alfabetização, o

documento supracitado pontua a necessidade de investir em habilidades que levem em

consideração as diversas formas de letramento e, sobretudo, o letramento cientifico.

Por conseguinte, a União espera que os municípios façam a adesão à Base no nível meso,

o que demanda a recontextualização do documento curricular no contexto da prática. Assim, no

âmbito municipal de Vitória da Conquista - BA, teve-se acesso ao plano anual de curso de Ciências

do primeiro trimestre de 2019, para o qual são determinadas duas aulas semanais.

No que se diz respeito ao livro didático utilizado pela docente para o ensino de conteúdos

nos dois primeiros anos iniciais, as unidades propostas são: 1º ano: quem eu sou; cuidar de mim;

o tempo passa; os materiais em meu redor. Já para o 2º ano, as unidades são: cuidar da saúde;

ambiente; as plantas; os materiais. O livro empregado é da Editora Moderna, o qual faz parte do

Projeto Buriti para o período de 2019 a 2022.

No âmbito municipal, o plano anual de curso está estruturado de acordo com o que propõem

a BNCC e o livro didático. Semelhante à BNCC, o plano define as unidades, os objetos de

conhecimento, as habilidades e as expectativas de aprendizagem (objetivos da unidade). Por

algumas vezes, na sala, a professora enfatizou essa informação e dizia que ela segue esse

planejamento.

Sobre os objetos de conhecimento para o 1º ano, está previsto nesse plano que se trabalhe

dentro da unidade “como você é?/ Eu percebo o ambiente”: corpo humano e respeito à diversidade;

na unidade “fases da vida” (livro didático), correlacionado com unidade temática da BNCC “vida

e evolução”, está prevista a continuidade dos mesmos objetos de conhecimento das primeiras

semanas; na unidade “Cuido do meu corpo/cuido do meu bem estar” (livro didático), ainda

correlacionando com a unidade temática da BNCC “vida e evolução”, os objetos de conhecimento

são: características dos materiais e corpo humano; na unidade “ambiente”, correlacionado com a

Page 104: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

103

unidade temática da BNCC “Terra e Universo”, são previstos os conteúdos movimentos do sol no

céu e o sol como fonte de luz e calor.

Já para o 2º ano, na unidade “cuidar da saúde” está previsto que se trabalhe com as três

unidades temáticas da BNCC, com os seguintes objetos de conhecimento: propriedades e usos dos

materiais; prevenção de acidentes domésticos; seres vivos no ambiente; o sol como fonte de luz e

calor; seres vivos no ambiente e movimentos do sol no céu.

Nesse sentido, é possível perceber que há uma recontextualização dos documentos oficiais

nacionais (contexto macro) para os documentos municipais (contexto meso). O nível macro é o

nível no qual as políticas são feitas e produzidas via textos oficiais e o meso “é o nível de

recontextualização, onde um texto (no caso, o texto da política) atravessa a sua primeira

transformação” Alferes e Mainardes (2018, p. 423). Para Bernstein (1996, p. 90), o campo

recontextualizador é importante para “a seleção de textos que vai do campo intelectual criado pelo

sistema educacional para os campos de reprodução daquele sistema”.

Nesse processo de deslocação e relocação, o discurso original passa por uma transformação:

de uma prática real para uma prática imaginária, em que o discurso é sempre transformado ou

modificado. É com esse entendimento que é analisado, no próximo tópico, como o currículo de

Ciências é recontextualizado no contexto da sala de aula.

A recontextualização do currículo de Ciências na sala de aula

É demonstrado, neste item, como os conteúdos de Ciências são deslocados do nível macro

para o nível micro, ou seja, como se efetiva a sua recontextualização do que está previsto nos

documentos oficiais para o contexto da prática. Para que seja demonstrado como essa

recontextualização se efetiva, bem como para ser fiel à etnografia, foram utilizadas cinco categorias

adaptadas por Stefenon (2017), quais sejam: fronteiras entre espaços de alunos e professores,

relações de comunicação, relações intradisciplinares, nível de exigência conceitual e nível de

proficiência investigativa.

Ao falar das fronteiras de espaços entre alunos e professores são destacados os limites das

vozes desses sujeitos, isto é, é feita a delimitação dos papéis desempenhados por eles dentro do

processo de comunicação intraescolar, a participação dos agentes nas escolhas e no

Page 105: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

104

encaminhamento das atividades ao longo da aula e situações de indisciplina. Essa categoria tem a

ver com o que Bernstein (1996) chamou de voz.

Na relação de comunicação são analisados aspectos que dizem respeito à efetividade da

interação entre professores e alunos durante a aula, a natureza dos diálogos, frequência de

realização de perguntas e suas respectivas respostas e as diferentes linguagens pedagógicas que são

utilizadas pelo professor durante a aula. Essa categoria condiz com o que Bernstein (1996) chamou

de mensagem.

Dentro da categoria relações intradisciplinares é analisado o grau de relação entre

diferentes conteúdos, além da exploração de diferentes pontos de vista sobre as questões

trabalhadas pela professora e a problematização gerada pelo processo.

No âmbito da categoria nível de exigência conceitual são destacados aspectos referentes à

exploração de modelos científicos, conceitos e generalizações, níveis de interesse e disposição dos

estudantes para o debate e a elaboração do conhecimento.

Sobre a categoria nível de proficiência investigativa, destacam-se os mecanismos de

estímulo para o aluno buscar informações por conta própria, o grau de problematização das

atividades oferecidas e a ocorrência de exercícios de construção de explicação a partir de diferentes

métodos investigativos.

Todas essas categorias têm valores mais explícitos ou menos explícitos nas regras de

reconhecimento e realização e a descrição desses elementos possibilitam a caracterização da prática

pedagógica e do currículo.

Sobre as fronteiras de espaços entre alunos e professores e as relações de comunicação

Essas duas categorias foram analisadas juntas, pois elas reúnem elementos específicos de

regulação da comunicação pedagógica, ao passo que as categorias de fronteiras de espaços entre

alunos e professores evidenciam os papéis (ou vozes) de professores e alunos, o que corresponde

aos princípios de classificação, ou seja, o “o que” do discurso; ao passo que as relações de

comunicação evidenciam a mensagem, ou seja, o “como” do discurso.

Segundo Bernstein (1996, p. 80), essas regras podem ser explícitas ou implícitas. Quando

elas regras são explícitas, a base de poder e controle da relação social são visíveis e sem disfarces.

Page 106: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

105

Contrariamente, quando são implícitas, a base de poder e controle da relação social são mascaradas,

ocultadas e obscurecidas, por estratégias de comunicação.

As observações na EQJA demostraram que as fronteiras de espaços entre alunos e

professores tendem a ser fortemente delimitadas, uma vez que os encaminhamentos das aulas eram

conduzidos pela professora, porém com diálogos e com tolerância baixa a casos de indisciplina,

como visto nos trechos a seguir:

A professora começa a aula indagando sobre o que eles trabalharam na última

aula. Os alunos respondem que foi sobre a páscoa. A professora fala que a semana

que se passou falou mesmo sobre a páscoa, mas que ela se refere à última aula de

ciências que trabalhou sobre o corpo humano. Questiona aos alunos quais são os

órgãos que ficam na cabeça, um aluno responde: “olhos, nariz, boca, ouvidos” e

professora o parabeniza dizendo que por meio desses órgãos a gente consegue

perceber o mundo.

A professora afirma que hoje só vai falar sobre o paladar, chama atenção de um

aluno que está disperso e convida todos para a rodinha para contar a história. Os

alunos sentam desorganizados, ela fala para eles se organizarem, para sentar com

perninhas de índio e só começará a história depois que eles sentarem direito, e

sempre pede silêncio (Caderno de campo, aula 22 de abril).

Alguns alunos pedem para colocar o vídeo de novo: “coloca de novo, prof”. Entra

um outro vídeo de uma criança comendo maça e falando sobre uma boa

alimentação. Quando algum aluno conversa a professora fala “xiu” e eles se

silenciam (Caderno de campo, aula 02 de maio).

Quando algum aluno tenta conversar a professora chama atenção que ela está

falando. Alguns alunos pedem para falar e ela deixa. Depois ela fala: “oh vamos

combinar para eu mostrar e só alguns falam porque vocês estão repetindo as

mesmas histórias e assim vamos ficar até 5 horas da tarde aqui”. A professora fala

que só vai comentar o relato de Robson sobre cerol, que é perigoso ao brincar com

pipa. (Caderno de campo, aula 16 de maio)

Os relatos evidenciam que a condução e o ritmo da aula eram determinados pelas escolhas

da professora. Durante a explicação dos conteúdos, ela exigia silêncio e induzia aos alunos a

participarem da aula, no entanto demonstra uma relação de comunicação mais aberta para a

discussão sobre os conteúdos, como pode ser observado nos trechos a seguir:

Uma aluna pergunta se o sanduíche é amigo ou inimigo do dente e a professora

fala que “essas coisas são inimigas porque tem conservantes” (Caderno de campo,

aula 22 de abril)

Page 107: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

106

A professora pergunta: oh gente, o que é saúde?!

Aluno: bem-estar

Prof: o que? [ela não ouviu bem]

Outro aluno: ele falou bem-estar.

Prof: é isso mesmo, muito bem!

Prof: e o que é doença?

[Nessa hora a pergunta é interrompida, pois uma aluna machucou a unha e

começou a chorar. A professora colocou o álcool em gel, dizendo que é para matar

as bactérias e reclama: “quem manda você não ficar quieta!”] (Caderno de campo,

aula 02 de maio).

Prof: gente o que é isso? [mostra uma imagem]

Alunos: é uma mulher escorregando no tapete.

Prof: isso pode acontecer com criança?

Aluno: não

Prof: não?! pode!! (Caderno de campo, aula 16 de maio)

Pode-se constatar que durante a exposição dos conteúdos pela professora, os alunos

participavam respondendo aos questionamentos ou mesmo tirando dúvidas. Foram exploradas

diferentes linguagens pedagógicas, tais como a oral, escrita, leitura e visual. As linguagens oral e

visual eram exploradas mais no início das aulas, quando a professora levava vídeos ou imagens e

abria o espaço para a discussão; já a linguagem escrita e de leitura eram aplicadas depois da

contextualização do início da aula e nesse momento a professora aplicava atividades retiradas da

internet ou do livro didático.

No documento da BNCC há a informação de que é necessário buscar a ampliação dos

contextos de letramento nessa etapa dos dois primeiros anos da educação básica em que o foco é a

alfabetização. O município também propõe essa perspectiva e, para isso, desenvolve projetos de

sequência didática para que haja interdisciplinaridade do conhecimento.

Na aula de Ciências, a professora Ivani trabalhava nessa perspectiva. Ela fazia a exposição

dos conteúdos e a partir deles aplicava atividades de leitura e escrita e, além disso, ela esperava

mudar a consciência dos alunos sobre as temáticas expostas em sala de aula. Nessa perspectiva,

percebeu-se a efetivação do processo recontextualizador oficial para o pedagógico.

Os conteúdos de Ciências tralhados por Ivani durante a pesquisa em campo foram: hábitos

de higiene, saúde, seres vivos e não vivos, animais causadores de doenças, acidentes domésticos,

e poluição do meio ambiente. Pode-se visualizar que são conteúdos previstos na BNCC por meio

das unidades temáticas “matéria e energia” e “vida e evolução”. Alguns desses conteúdos também

Page 108: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

107

se encontram nos livros didáticos do 1º e do 2º ano. Sendo assim, foi visualizada uma prática

pedagógica visível.

Sobre a escola estar situada numa comunidade quilombola, ficou evidente que há uma

negação do poder público municipal com essa modalidade. Embora no Plano Municipal de

Educação (2015) esteja prevista a implementação de modalidades de educação escolar que

necessitem considerar territórios étnico educacionais e suas identidades, a escola não recebe

materiais específicos, tampouco teve formação de professores voltada para essa temática, pelo

menos até o último momento da pesquisa na escola. Em consequência disso, a professora realiza

um trabalho que faria em qualquer outra escola que não fosse quilombola. Ela é consciente disso,

pois afirmou em vários momentos que o livro didático não condiz com a realidade dos alunos.

No próximo item serão abordadas mais três categorias que fazem referência direta ao

conteúdo das mensagens comunicadas durante as práticas curriculares, ou seja, será analisada uma

aula e as respectivas atividades sugeridas pela professora, demonstrando como ela se apropria dos

recursos didáticos e como o discurso pedagógico no contexto da disciplina de Ciências é

legitimado.

Sobre relações intradisciplinares, níveis de exigência conceitual e proficiência investigativa

Foram agrupadas as análises dessas três categorias por considerar, de acordo com Stefenon

(2017), que elas são o núcleo duro da estruturação do discurso pedagógico de reprodução que é

gerado no campo recontextualizador pedagógico, ou seja, a efetivação da prática curricular no

âmbito escolar. Para isso, será relatado a seguir a aula do dia 22 de abril sobre higiene bucal.

A professora inicia indagando aos alunos o que eles trabalharam na última aula e eles

respondem que foi a páscoa. Ela fala que a semana que se passou falou mesmo sobre a pascoa, mas

que ela se refere à última aula de Ciências, esclarecendo que foi sobre o corpo humano. Questiona

aos alunos sobre quais órgãos ficam na cabeça e eles respondem corretamente.

A professora solicita para que as crianças façam uma rodinha no chão para que ela possa

contar a história do jacaré Joca. Ao ler a história ela conta que o jacaré chora quando está com dor

de dente e pergunta às crianças se o jacaré chora e eles respondem que “não”. A professora replica

que “chora” (se referindo à história). No início da história ela mostra a imagem do dente e a do

jacaré.

Page 109: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

108

Os alunos falam sobre seus dentes, a professora pausa para ouvi-los e logo retorna para a

história, indagando outra vez se elas sabem o que é cárie. Ela explica que cárie é uma cavidade que

se abre no dente e que dói; diz que é formada por bactérias que só podem ser vistas com a ajuda de

um microscópio (que tem na escola e que eles verão nas próximas aulas). Continuando com a

história, a professora diz que os dentes têm cinco super amigos e pergunta aos alunos de eles sabem

quais são e eles respondem: escova, pasta, fio dental, água e enxaguante. Prosseguindo a história:

“além dessa galerinha do bem, tem outros amigos. Quais são?”, indaga a professora. Os alunos não

conseguem responder e uma aluna olha nas imagens e responde “dois meninos”, a professora

retruca dizendo que ela pescou e fala, em seguida, que eles são os profissionais amigos que cuidam

da saúde dos dentes.

Em um momento durante a aula, alguns alunos vão para o filtro e a professora fala para

irem um de cada vez, pois não quer ver fila. Dois alunos sentados juntos brincam e ela separa-lhes

de lugar.

A professora explica como deve ser a escovação dos dentes, demonstrando todos os

movimentos possíveis e enfatizando a importância dessa ação em movimentos circulares. Ela ainda

pontua a importância de escovar a língua para não criar bactérias.

As crianças são indagadas sobre quantas vezes devem escovar os dentes e elas respondem

corretamente: “três vezes”.

A docente pega um desenho grande de dois dentes numa folha de ofício perguntando: “o

que os dentes têm?” e informa que os dentes têm amigos e inimigos. Em seguida ela fala que eles

farão um painel demonstrando esses amigos e inimigos e, para isso, ela entrega uma folha com

algumas figuras para os alunos, na qual eles terão de fazer a classificação de quais itens fazem bem

aos dentes (amigos) e quais fazem mal (inimigos).

Em um momento a professora passa pelas carteiras, fiscalizando a atividade de cada criança.

Ela comenta que eles são inteligentes e que só três não responderam a atividade corretamente: uma

discente com síndrome de Down e dois discentes que poderiam ter realizado, mas que não

participam das aulas. Terminada a classificação, a professora convida cada aluno para colar a

atividade no painel.

Posteriormente, a professora entrega outra atividade de leitura e escrita. Ela entrega para o

2º ano um texto em forma de poema que aborda a higiene bucal, lê duas vezes para as crianças e

Page 110: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

109

pede para que elas leiam em casa também, mostrando que tem algumas palavras soltas, as quais

ele devem ler e utilizar para tentar montar frases.

Para os alunos do primeiro ano, ela lê algumas palavras silabicamente, batendo palmas para

cada sílaba, “DEN-TE, LÍN-GUA”. Todos os alunos participam, dizendo a quantidade de sílabas,

vogais, letras iniciais e finais.

Diante dessa descrição, percebe-se uma característica de pedagogia invisível, em que as

relações intradisciplinares tendem a ser mais fracas na medida em que a professora trabalha com

os conteúdos de Ciências com o foco na alfabetização. Todos os conteúdos eram trabalhados nessa

perspectiva. Ainda sobre a higiene bucal, além de esclarecer que é resultado do cuidado, a docente

pontuou também que isso é resultado de uma boa alimentação, levando os alunos a fazerem uma

classificação desses alimentos como amigos e inimigos.

Apesar de em algumas situações a professora utilizar metáforas para transmitir os

conteúdos, bem como situações vivenciadas pelos alunos, evidencia-se um nível de exigência

conceitual que tende a ser forte, ao passo que se realizava alguma aproximação com os conceitos

dos conteúdos trabalhados, de modo que as crianças soubessem responder depois. Isso foi

recorrente em todas as aulas.

A relação de comunicação pedagógica em todas as aulas era determinada pela professora

no esquema pergunta-resposta. Nesse momento, os discentes elaboravam tímidos movimentos para

a formulação de hipóteses e é justamente nessa perspectiva que a proficiência investigativa se

manifestava.

Sobre o uso do livro didático, a professora o utilizou poucas vezes. Na entrevista, ela

justifica afirmando que “quando o livro é projetado, ele é projetado para o geral que esteja dentro

do esperado para aquela aprendizagem e quando você tem uma clientela que tem muita dificuldade,

então aquele livro fica muito difícil para ele”.

Apesar de negar o manual, a professora salienta que o consulta e que tenta levar os assuntos

de uma forma mais fácil para os alunos:

Eu pego os livro que mandaram para aqui pra escola, antes de organizar minha

aula primeiro eu vou lá olhar o livro pra ver o que tem nele, o que eu posso puxar

pra minha aula, quando eu vejo difícil, falo bem eu vou ter que procurar uma outra

Page 111: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

110

forma de facilitar um pouco mais esse conteúdo, de trazer mais esse conteúdo para

perto do meu (informação verbal)21.

A professora selecionava as atividades, na maioria das vezes extraídas da internet, buscando

aproximações com os conteúdos do livro didático, no qual é possível visualizar um processo de

recontextualização, fato verificado nas observações e na entrevista. A docente sempre dispunha de

muitas atividades xerocopiadas, vídeos e imagens.

Geralmente a aula era iniciada com um vídeo sobre o conteúdo. Logo em seguida era

realizada a explicação do conteúdo. Por muitas vezes a exposição dos conteúdos era acompanhada

de imagens em que ela instigava e problematizava junto com a turma, e por último aplicava um

exercício fazendo interdisciplinaridade com a Língua Portuguesa. As regras de reconhecimento e

realização eram sempre determinadas por ela.

Observando o documento da BNCC, vê-se que há uma recontextualização para o contexto

da prática, na medida em que o ensino de Ciências promoveu algumas situações de investigação e

problematização quando, por exemplo, a professora buscou definir problemas por meio de

observação do mundo em sua volta, como foi feito na aula sobre seres vivos e não vivos, quando

as crianças foram convidas a sair da sala para vê-los; sobre aula de meio ambiente analisou a

problemática do aterro sanitário que fica ao lado da comunidade, cujos moradores, em decorrência

disso, apresentam várias doenças.

A regente Ivani foi questionada acerca do que ela considera importante que os alunos

aprendam em Ciências e ela respondeu que:

O que eu mais interesso que os alunos aprendam em Ciências é alimentação e

cuidados em saúde, porque eu acho que é a base de tudo, saúde e hábitos de

higiene é tudo. Eu gosto que eles aprendam coisas também da natureza, que eles

aprendam por exemplo, quem... o que faz parte da natureza, por que eu tenho que

cuidar do meio ambiente, porque eu tenho que cuidar do lugar de onde eu vivo,

ne? Mas para mim, a questão mais crucial em Ciências é higiene e saúde

(informação verbal)22.

21 Entrevista concedida por TAL, Ivani de. Entrevista I. [jun. 2019]. Entrevistador: Elenilson Evangelista da Silva.

Vitória da Conquista, 2019. 1 arquivo .mp3 (53 min). 22 Id., 2019.

Page 112: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

111

Durante a observação em campo, foi constatado que Ivani trabalhou justamente com esses

conteúdos. Ela sempre deixava claro que depois de suas aulas, esperava uma nova consciência dos

alunos como, por exemplo, manter os hábitos de higiene, ter cuidado com acidentes domésticos,

não poluir o ambiente e ter cuidado com os animais nocivos. É nesse sentido que Bernstein (1996,

261) afirma que o discurso pedagógico “é um princípio/ discurso recontextualizador que embute a

competência na ordem e ordem na competência ou, mais geralmente, o cognitivo no moral e o

moral no cognitivo”. Trata-se, portanto, da relação entre o discurso instrucional (como) e

regulativo (o que) que forma o discurso pedagógico, isto é, o currículo de ciências

Considerações finais

As contribuições da teoria do dispositivo pedagógico mostraram-se fundamentais para

desvelar como se efetiva a recontextualização dos conteúdos na disciplina de Ciências na prática

da professora Ivani em uma turma multisseriada do 1º e 2º ano do ensino fundamental, na Escola

Quilombola Jorge Amado, situada na comunidade do Baixão.

Foram empregadas cinco categorias adaptadas de um protocolo utilizado por Steffenon

(2017), por meio do qual foi possível caracterizar a comunicação pedagógica, bem como

demonstrar a sua recontextualização.

Foi visto que na categoria fronteiras entre espaços de alunos e professores as regras são

explícitas, caracterizando o trabalho da docente como pedagogia visível. Na categoria de

comunicação, embora seja aberta, o controle está com a professora, e os alunos sabem dessa

determinação, o que caracteriza como uma pedagogia visível. Ficou claro que houve uma

recontextualização dos conteúdos, visto que a professora trabalha consoante com o que está

proposto na BNCC, no livro didático e no Plano anual.

Percebeu-se que as relações intradisciplinares tendem a ser mais fracas, pois a professora

trabalha com os conteúdos de Ciências com o foco na alfabetização, corroborando com Bernstein

(1996), Steffenon (2017), Pires, Morais e Neves (2004) que afirmam que esta perspectiva propicia

maiores aprendizagens.

O nível de exigência conceitual tende a ser forte, ao passo que se realizava alguma

aproximação com os conceitos. Esse é um elemento importante para a existência de um currículo

Page 113: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

112

que se baseia no modelo de competência e pode propiciar a existência de situações favoráveis ao

aprendizado.

Há ainda uma tímida manifestação de proficiência investigativa, haja vista a relação em que

a comunicação era determinada pela professora. Isso, no entanto, não prejudicou a aprendizagem

dos alunos, pois em vários momentos o enquadramento era afrouxado no trabalho com os

conteúdos curriculares. Por outro lado, ela buscava trabalhar com conteúdos relacionados ao

contexto cotidiano dos alunos, a exemplo de higiene bucal, alimentação e meio ambiente.

Diante disso, é possível afirmar que a prática da professora pode ser caracterizada como

pedagogia invisível pela ênfase na transmissão-desempenho dos alunos. Há, contudo, indícios de

uma pedagogia mista e de possibilidades de um currículo de integração, tendo em vista a

articulação de seu planejamento e execução das aulas de Ciências com as aulas de Língua

Portuguesa, observada em vários momentos ao longo da pesquisa.

Sobre a escola estar situada numa comunidade quilombola, ficou evidente que na prática

pedagógica da docente esse é um elemento que não interfere na recontextualização do currículo.

Em consequência disso, a professora realiza um trabalho que faria em qualquer outra escola que

não fosse quilombola.

Os resultados apontam que o desenvolvimento de atividades de intervenção com os

estudantes e a formação continuada para a docente propiciariam a melhora do nível de proficiência

investigativa e da realização de um currículo baseado no modelo de competência, aproximando-se

do modelo da pedagogia mista, o que contribuiria, portanto, para a aprendizagem dos estudantes.

Referências

ALFERES, Marcia Aparecida; MAINARDES, Jefferson. A recontextualização do Pacto

Nacional pela Alfabetização na Idade Certa - PNAIC: uma análise dos contextos macro, meso e

micro. Currículo sem Fronteiras, v. 18, n. 2, p. 420-444, maio/ago. 2018.

ANGROSINO, Michel. Etnografia e observação participante. Porto Alegre: Artmed, 2009.

BERNSTEIN, Basil. A estruturação do discurso pedagógico: classe, códigos e controle.

Vozes: Petrópolis, 1996.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular: Educação Infantil e Ensino Fundamental.

Brasília: MEC/Secretaria de Educação Básica, 2018.

Page 114: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

113

EUGÊNIO, Benedito Gonçalves. Políticas curriculares para o ensino médio no Estado da

Bahia: permeabilidades entre contextos e a cultura da escola. 200f. Tese (Doutorado em

Educação). Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. 1. ed., 13 reimpr. - Rio de Janeiro: LTC,

2008.

MORAIS, A. M.; NEVES, I. P. A teoria de Basil Bernstein: alguns aspectos fundamentais.

Práxis Educativa, Ponta Grossa, v.2, n.2, p.115-130, jul./dez. 2007.

PIRES, D.; MORAIS, A. M..; NEVES, I. P. Desenvolvimento científico nos primeiros anos de

escolaridade Estudo de características sociológicas específicas da prática pedagógica. Revista

Portuguesa de educação, v. XII, nº. 2, p. 129-132, 2004.

TAL, Ivani de. Entrevista I. [jun. 2019]. Entrevistador: Elenilson Evangelista da Silva.

Vitória da Conquista, 2019. 1 arquivo .mp3 (53 min).

VITÓRIA DA CONQUISTA. Plano Trimestral de Curso: Ciências. Vitória da Conquista,

2019.

______. Plano Municipal de Educação. Secretaria Municipal de Educação, Vitória da

Conquista, 2015.

YAMAMOTO, Ana Carolina de Almeida. Buriti: mais ciências. São Paulo: Moderna, 2017.

Page 115: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

114

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base na leitura geral dos resultados mostrados nesta dissertação, foram identificadas

possíveis relações e/ou contradições presentes nas aulas de Língua Portuguesa e de Ciências. À luz

da teoria sociológica do discurso pedagógico de Bernstein, o objetivo desta pesquisa foi analisar o

processo de recontextualização do currículo de Língua Portuguesa e Ciências proposto para o 1º e

2º ano das séries iniciais do ensino fundamental na prática pedagógica de uma professora no interior

de uma escola quilombola, no território de Vitória da Conquista - Ba.

Para o intento, compreende-se as disciplinas em foco como discursos pedagógicos sujeitos

à pedagogização. Diante dessa compreensão, os dados foram construídos por meio da etnografia e,

para isso, foi utilizada a observação participante ancorada em um protocolo baseado na teoria de

Bernstein, somados, ainda, à entrevista e análise de documentos. Com essa triangulação foi

possível analisar as reinterpretações construídas pela docente no contexto da prática, bem como

caracterizar o currículo por meio da descrição de sua prática pedagógica.

A primeira análise dos dados, exposta no capítulo 3 desta dissertação, teve como objetivo

examinar a recontextualização do currículo em Língua Portuguesa. Com isso, as categorias

adaptadas de Stefenon (2017) possibilitaram caracterizar a prática pedagógica como visível, visto

que a professora detinha o poder e o controle na sala de aula e apresentando, ademais, indícios de

pedagogia invisível, visto que o currículo de Língua Portuguesa se apresentava como de integração,

diante de conteúdos que dialogavam com outras disciplinas.

No nível macro, no âmbito nacional, o PNAIC e a BNCC propõem a alfabetização e o

letramento como objetivo do ensino de Língua Portuguesa; no nível meso, no âmbito municipal,

essa proposta segue o mesmo objetivo, e a professora, no nível micro, em contexto da sala de aula,

busca alfabetizar e letrar seus alunos.

A recontextualização assim se efetiva: primeiramente ela faz a exposição do conteúdo,

depois aplica atividades nas quais explora a leitura e a escrita dos alunos, focando na consciência

fonológica (sons iniciais e finais das palavras) por meio de atividades xerocopiadas, escrevendo as

palavras no quadro ou ainda mediante a distribuição do alfabeto móvel. Ela sempre auxilia as

crianças em grupo, isso porque elas sentem dificuldades para realizar os trabalhos sozinhas.

No segundo estudo, dedicado à recontextualização do currículo de Ciências, percebe-se que

há uma recontextualização dos documentos oficiais nacionais (contexto macro) para os

Page 116: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

115

documentos municipais (contexto meso) e, consequentemente, a professora, ao seu modo, por meio

de vídeos, exposição e aplicação de atividades retiradas da internet, recontextualiza em sua prática

o discurso instrucional e o currículo baseado tanto no modelo de competência como no modelo de

aquisição. Assim, encontramos uma prática pedagógica mista. Portanto, há na sala de aula

observada, elementos favoráveis ao aprendizado dos estudantes.

No que se refere às diferenças, nas aulas de Ciências, o trabalho da professora era mais

direcionado para a apresentação e discussão dos conteúdos, o que permitiu um nível de exigência

conceitual que tende a ser forte, na medida em que se realizava alguma aproximação com os

conceitos. Por outro lado, em Língua Portuguesa, a exigência conceitual tendia a ser baixa, uma

vez que a maioria dos alunos não tinha o domínio da leitura e escrita, demonstrando assim

dificuldades na realização das atividades.

Nos dois estudos foi visto que há uma negação da educação escolar quilombola. Apesar

dessa modalidade estar prevista no Plano Municipal de Educação, o poder público demonstra

descaso para a devida efetivação nas práticas dos professores, pois, no contexto pesquisado, não

há produção de materiais específicos, muito menos formação de professores com essa temática.

Por essas questões este trabalho demonstra ser relevante a continuidade de pesquisas sobre

currículo nas escolas quilombolas, tendo em vista a reduzida quantidade de estudos nesses espaços

no Estado da Bahia.

Page 117: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

116

REFERÊNCIAS

AGUIAR, Márcia Angela da S; DOURADO, Luiz Fernandes. A BNCC na contramão do PNE

2014-2024: avaliação e perspectivas. Recife: ANPAE, 2018.

ALFERES, Marcia Aparecida; MAINARDES Jefferson. A recontextualização do Pacto Nacional

pela Alfabetização na Idade Certa - PNAIC: uma análise dos contextos macro, meso e micro.

Currículo sem Fronteiras, v. 18, n. 2, p. 420-444, maio/ago. 2018.

ANDRÉ. Marli E.D.A. A pesquisa no cotidiano escolar. In: FAZENDA, Ivani (org).

Metodologia da pesquisa educacional. 10 ed. São Paulo: Cortez, 2006.

ANGROSINO, Michel. Etnografia e observação participante. Porto Alegre: Artmed, 2009.

ARRUTI, José Maurício. Conceitos, normas e números: uma introdução à educação escolar

quilombola. Revista Contemporânea de Educação, vol. 12, n. 23, jan/abr de 2017.

BARBOSA, J. C. Formatos insubordinados de dissertações e teses na Educação Matemática. In:

D’AMBROSIO, Beatriz S.; LOPES, Celi E. (Orgs.). Vertentes da subversão na produção

científica em Educação Matemática. Campinas: Mercado de Letras, 2015. p. 347-367.

BARTH, Frerik. O Guru, o Iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro:Contra

Capa, 2000.

BERNSTEIN, Basil. A estruturação do discurso pedagógico: classe, códigos e controle.

Vozes: Petrópolis, 1996.

BEZERRA, Debora Silveira Barros. As regras da prática pedagógica no currículo de ciências

e língua portuguesa na educação de jovens e adultos. 180f. 2018. Dissertação (Mestrado em

Ensino). Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Vitória da Conquista, 2018.

BRASIL. Constituição Federal (1988). Ato das disposições constitucionais e transitórias. São

Paulo: Impressora Oficial, 1999.

______. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Raciais e para o

Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Brasília- DF. Disponível em:

http://www.ceert.org.br/programas/educacao/lei10639/DCN-s-Educacao-das-Relacoes-Etnico-

Raciais.pdf. Acesso em 05 jun.2016.

______. Lei 10639/03. Disponível em: http://www.ceert.org.br/programas/educacao/LDB-

lei10639.pdf. Acesso em 04 jun.2016

______. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa. Secretaria de Educação

Fundamental. Brasília, 1997. 144p.

Page 118: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

117

______. Portaria Nº 867, de 4 julho de 2012. Ministério da Educação. Diário Oficial da União

seção 1. Brasília, 2012.

______. Plano Nacional de implementação das Diretrizes Curriculares para a educação das

relações etnicorraciais e para o ensino de História afro-brasileira e africana. Brasília: CNE,

2004.

______. Resolução N° 8, de 20 de novembro de 2012. Brasília: CNE/CEB, 2012. Disponível

em: http://www.seppir.gov.br/portal-antigo/arquivos-pdf/diretrizes-curriculares. Acesso em 07 de

agosto de 2018.

CARNEIRO, Eudite F. A recontextualização do currículo no ensino médio: estudo de caso do

ensino médio com intermediação tecnológica. Dissertação (Mestrado em Ensino). 140f.

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Vitória da Conquista, 2019.

EUGÊNIO, Benedito Gonçalves. Políticas curriculares para o ensino médio no Estado da

Bahia: permeabilidades entre contextos e a cultura da escola. 200f. Tese (Doutorado em

Educação). Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009.

______. Práticas curriculares na educação de jovens e adultos. São Paulo: Publish, 2010.

______. A etnografia e o estudo da cultura da escola. Tear: Revista de Educação Ciência e

Tecnologia, Canoas, v.7, n.2, pp.1-17, 2018.

______. Práticas curriculares em uma escola de ensino médio no estado da Bahia. Educação,

Santa Maria, v. 42, n. 1, p. 57-72, jan./abr. 2017.

GALLIAN, Claudia Valentina Assumpção. A recontextualização do conhecimento científico: o

desafio constitucional do conhecimento científico. 2009. Tese (Doutorado em Educação).

Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. 1. ed., 13 reimpr. - Rio de Janeiro: LTC,

2008.

GUSMÃO, Neusa M. M. de. Antropologia diversidade e educação: um campo de possibilidades.

; ponto-e-vírgula, n 10.p. 32-42, 2011.

LIMA, Vivian Ingridy de Carvalho. Raízes, frutos e tramas: Pertencimentos, relações étnicas e

saberes na comunidade do Baixão. 124f. Dissertação (Mestrado em Relações Étnicas e

contemporaneidade). Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Jequié, 2018.

LOPES, Alice Casimiro. Políticas curriculares: continuidade ou mudança de rumos? Revista

Brasileira de Educação, n.26, Maio /Jun /Jul /Ago, 2004.

LOPES, Alice C.; MACEDO Elizabeth. Currículo: debates contemporâneos. São Paulo: Cortez,

2002.

Page 119: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

118

LOPES, Casimiro Alice; MACEDO Elizabeth. Teorias do currículo. São Paulo: Cortez, 2011.

Apoio: Faperj.

LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo:

EPU, 1986.

LUDWIG, Antônio Carlos. Métodos de Pesquisa em Educação. Revista Temas em Educação,

João Pessoa, v.23, n.2, p. 204-233, jul/Dez. 2014.

MACEDO, Elizabeth. Base Nacional Curricular Comum: novas formas de sociabilidade

produzindo sentidos para educação. Revista e-Curriculum, São Paulo, v. 12, n. 03 p.1530 - 1555

out./dez. 2014.

______. Base Nacional Comum para currículos: direitos de aprendizagem e desenvolvimento

para quem? Educ. Soc., Campinas, v. 36, nº. 133, p. 891-908, out./dez. 2015.

MACEDO, Roberto Sidnei. Currículo: campo, conceito e pesquisa. 5 ed. Revista e atualizada.

Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

MAINARDES, Jefferson. Abordagem do ciclo de políticas: uma contribuição para a análise de

políticas educacionais. Educ. Soc., Campinas, vol. 27, n. 94, p. 47-69, jan./abr. 2006. Disponível

em http://www.cedes.unicamp.br.

MAINARDES, Jefferson; STREMEL Silvana. A teoria de Basil Bernstein e algumas de suas

contribuições para as pesquisas sobre políticas educacionais e curriculares. Revista Teias, v. 11,

n. 22, p. 31-54 • maio/agosto 2010.

MATOS, Wesley Santos de; EUGENIO Benedito. Etnicidades e infâncias quilombolas.

Curitiba: CRV, 2019.

MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 33. ed.

São Paulo: Editora Vozes, 2013.

MORAIS, A. M.; NEVES, I. P. A teoria de Basil Bernstein: alguns aspectos fundamentais.

Práxis Educativa, Ponta Grossa, v.2, n.2, p.115-130, jul./dez. 2007.

MOREIRA, Antonio F.B. Currículo, cultura e sociedade. 7. ed. São Paulo, Cortez, 2002.

______. Currículos e programas no Brasil. São Paulo: Papirus, 1990.

MUNANGA, Kabengele; GOMES Nilma Lino. O negro no Brasil de hoje. São Paulo: Global,

2006.

OLIVEIRA, Amurabi; BOIN Felipe; BÚRIGIO D. Beatriz. Quem tem medo de etnografia?

Revista Contemporânea de Educação, v. 13, n. 26, jan/abr 2018.

Page 120: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

119

OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. O Trabalho do Antropólogo: Olhar, Ouvir, Escrever. Revista

de Antropologia, Vol. 39, n. 1 p. 13-37, 1996.

OLIVEIRA, Suely Noronha de. Diretrizes curriculares para a educação escolar quilombola: o

caso da Bahia e o contexto nacional. 2013. 232 f. Dissertação (Mestrado em Educação).

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.

PEREIRA, Inocêncio Ricardo. Redesenho Curricular no Programa Ensino Médio Inovador:

recontextualizações da política. 145f. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade

Regional de Blumenau, Blumenau, 2017.

PIRES, D.; MORAIS, A. M..; NEVES, I. P. Desenvolvimento científico nos primeiros anos de

escolaridade Estudo de características sociológicas específicas da prática pedagógica. Revista

Portuguesa de educação, v. XII, nº. 2, p. 129-132, 2004.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23. ed. rev. e atual. São

Paulo: Cortez, 2007.

SILVA, Maristela Mendes da. Educação Escolar Quilombola comunidades quilombolas do

território Quilombola de Vão Grande, Barra do Bugres-MT: percepções e significados sobre

a E. E. José Mariano Bento. 2014. 121 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do

Estado de Mato Grosso, Cáceres, 2014.

SILVA, R. S. Hélio. A situação etnográfica. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 15,

n. 32, p. 171-188, jul./dez. 2009.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo.

3.ed. 3.reimp- Belo Horizonte: Autêntica, 2011.

SOUSA, Narayana Fernandes de. O ciclo de políticas de Stephen Ball e a análise de políticas

curriculares: contextualizando a geografia. Revista de Ensino de Geografia, Uberlândia, v. 5, n.

8, p. 43-57, jan./jun. 2014.

SOUZA, Janyne Barbosa de. Entre o discurso oficial e o discurso pedagógico: desafios e

caminhos construídos, no contexto da rede municipal de ensino de Jequié, no processo de

implantação da Lei 10.639/03. 146f. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade

Estadual do Sudoeste da Bahia, Vitória da Conquista, 2015.

SOUZA, Shirley Pimentel de. Educação escolar quilombola: as pedagogias quilombolas na

construção curricular. 111 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de Educação,

Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.

STEFENON, Daniel Luiz. Desigualdades educacionais e esvaziamento curricular: um estudo

a partir do caso de recontextualização dos saberes geográficos na escola. 216 f. Tese (Doutorado

em Educação). Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.

Page 121: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

120

TAL, Ivani de. Entrevista I. [jan. 2019]. Entrevistador: Elenilson Evangelista da Silva. Vitória

da Conquista, 2019. 1 arquivo mp3 (53 min).

TOSTA, Sandra Pereira et al. Os usos da etnografia na pesquisa educacional. Anais 26ª Reunião

Brasileira de Antropologia, Porto Seguro, 2007.

UCHOA, Antonio Marcos da Conceição; SENA, Ivânia Paula Freitas de Souza (Orgs.). Diálogos

Críticos: BNCC, educação, crise e luta de classes em pauta. Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2019.

VITÓRIA DA CONQUISTA. Plano Municipal de Educação. Secretaria Municipal de

Educação, Vitória da Conquista, 2019.

______. Plano Trimestral de Curso: Língua Portuguesa. Vitória da Conquista, 2019.

WEBER, Florence. A entrevista, a pesquisa e o íntimo, ou: por que censurar seu diário de

campo? Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 15, n. 32, p. 157-170, jul./dez. 2009.

Page 122: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

121

ANEXOS

Page 123: ELENILSON EVANGELISTA DA SILVA · 2020. 8. 10. · Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 UESB – Campus Vitória da Conquista – BA S58r Silva, Elenilson

122

Fonte: Stefenon (2017)