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Elementos de gestão dos empreendimentos culturais Romulo Avelar
Novos tempos na gestão de empreendimentos culturais
Nos últimos tempos, o setor cultural brasileiro vem experimentando um processo acelerado de expansão, beneficiado por um afluxo crescente de recursos. Apesar das turbulências provocadas pela crise mundial, são nítidos os avanços e a multiplicação de oportunidades na área.
Seguindo uma tendência global, o setor se ampliou de maneira surpreendente, gerando postos de trabalho num ritmo cada vez mais acelerado. O êxodo compulsório de profissionais da cultura diminuiu consideravelmente em várias capitais e mesmo algumas cidades do interior experimentam novos tempos, em que se torna possível a um artista, produtor ou gestor desenvolver seu trabalho sem a necessidade de afirmação prévia em um grande centro.
Entretanto, se o momento é positivo e favorável ao surgimento de experiências bem-‐sucedidas pelos quatro cantos do país, a manutenção de grupos e entidades culturais e a continuidade de suas iniciativas continuam sendo enormes desafios para seus produtores e gestores. Os editais de financiamento se multiplicam, os recursos começam a irrigar a área e os resultados se tornam aos poucos mais visíveis, mas a profissionalização efetiva ainda é uma realidade distante da grande maioria daqueles que se aventuram por esse caminho. Os empreendedores culturais brasileiros seguem aos sobressaltos, obrigados a conviver com o fantasma da descontinuidade e com a incômoda sensação de “fim de linha” a cada resultado negativo de edital, a cada reunião de negociação de patrocínio frustrada. Quanto mais se afasta dos grandes centros urbanos, maior a dificuldade daqueles que atuam na área em identificar um fio de meada para a costura de um trabalho mais profissional. A criação acontece com espontaneidade e, em muitos casos, com bastante originalidade, mas perde em força, com frequência, pela carência de referências técnicas e estéticas. Artistas, grupos e instituições culturais, alheios também a uma série de parâmetros básicos do campo da gestão, empreendem grandes esforços de criação e produção, mas com resultados muitas vezes frustrantes.
É claro que não se pode desconsiderar os avanços significativos que vêm ocorrendo, tanto na esfera das políticas quanto na própria organização dos profissionais da cultura. Os últimos anos foram de grandes articulações pela construção de um modelo mais justo e eficaz para o setor, num processo de amadurecimento que, embora não tenha a velocidade que todos desejariam, é claramente perceptível.
Entretanto, a cultura ainda tropeça no amadorismo e na falta de informação, seja nas capitais ou no interior. Além disso, ressente-‐se pela fragilidade de alguns elos de sua cadeia produtiva. Definitivamente, não há como pensar em sustentabilidade para um setor obrigado a conviver com pontos vulneráveis e sempre prestes a se romper quando submetidos ao menor esforço. O pior é que boa parte daqueles que trabalham na área tem
baixa percepção da urgência de se fortalecer tais pontos, com a criação de cursos de produção e gestão cultural. No âmbito da cultura, persiste certa tendência a visualizar apenas a área finalística, ou seja, os produtos finais e os responsáveis diretos por sua concepção. Essa ênfase excessiva naquilo que é levado aos olhos e ouvidos do público é até compreensível, na medida em que o trabalho de criação representa a própria essência do setor. No entanto, é imprescindível identificar e conferir o devido valor a outros elos menos visíveis, mas essenciais para a viabilização de carreiras sustentáveis e, em última instância, para a construção de um cenário cultural mais vigoroso no país.
O cerco burocrático
O fazer artístico e cultural no Brasil sempre foi marcado por boas doses de informalidade. Naturalmente, este fato se deve à própria natureza do povo brasileiro e, claro, ao caráter fluido e subjetivo da criação. Não é novidade a grande rejeição de muitos artistas e mesmo de outros profissionais da área por quaisquer caminhos que busquem conferir mais objetividade aos processos de trabalho.
Entretanto, é preciso observar que, cada vez mais, o excessivo apego à informalidade se torna uma barreira à profissionalização no campo da cultura. Nesses novos tempos, há um forte cerco burocrático que gradativamente se fecha em torno dos empreendedores da área. A cultura brasileira vive a era dos editais, que, por um lado, torna mais democrático o acesso aos recursos, mas que, por outro, cria novos desafios para artistas, produtores e gestores. Cada vez que um empreendedor busca recursos públicos para a realização de um projeto, traz no “pacote” pesadas obrigações, materializadas na forma de prestações de contas repletas de armadilhas.
Produzir cultura hoje é, pois, algo completamente diferente do que era há dez anos. No passado, de um jeito ou de outro, o próprio artista era capaz de conduzir sua carreira, sozinho ou amparado apenas por um produtor. No entanto, não há como fechar os olhos para a nova realidade que se desenha: a gestão de um empreendimento cultural, por menor que seja seu porte, vem ganhando contornos cada vez mais complexos. Não há mais espaço para improvisos e, sobretudo, para aventuras solitárias. O êxito de um projeto cultural exige diferentes competências, que dificilmente serão encontradas em uma única pessoa. A chave para pensar uma carreira sólida e sustentável está no trabalho coletivo, em que se mesclam habilidades criativas e técnicas, mas também capacidade de planejamento, gestão, produção, elaboração de projetos e comunicação, além de determinados conhecimentos jurídicos. Não basta a um músico ser um grande criador ou um virtuose em seu instrumento, se outras tantas competências não estiverem a serviço de sua carreira, se não tiver ao seu lado uma equipe apta a buscar e gerir recursos, a responder às demandas de comunicação e a lidar de maneira profissional com as engrenagens da burocracia pública.
Para que se tenha ideia do volume de atividades envolvidas no cotidiano de uma carreira musical, a título de exemplo são apresentadas, no Quadro 1.1, demandas de trabalho não artístico cujo cumprimento é imprescindível nos dias atuais, mas que, aos olhos de um leigo, quase sempre são “invisíveis”.
Quadro 1.1 – Exemplos de atividades cotidianas de uma carreira musical
Planejamento Elaboração de projetos para leis
de incentivo Pesquisa de editais de
financiamento
Elaboração de documentos para captação de recursos
Elaboração de portfólios e materiais para venda de shows
Busca de recursos
Venda de shows Atendimento aos patrocinadores Controle de logomarcas de patrocinadores e parceiros
Elaboração de relatórios e prestações de contas
Administração da agenda de shows
Montagem de checklists
Realização de acertos de produção
Realização de compras Administração de recursos
financeiros
Contatos com o escritório de contabilidade
Administração de pessoal Realização de pagamentos
Controle de equipamentos e materiais
Coordenação de montagens e desmontagens
Comercialização de produtos dos artistas
Produção de gravações Controle da logística das viagens Controle da comunicação interna
Divulgação Organização do clipping Organização da memória da
carreira
Manutenção de site e blog Atendimento direto ao público Programação visual
Condução de assuntos jurídicos Organização de arquivos Representação do artista ou
grupo
O exemplo apresentado acima apenas reforça a necessidade de se tratar com a devida atenção o processo de montagem de uma equipe de trabalho. É evidente que o talento e a capacidade de criação continuam sendo os elementos primordiais para o êxito de uma carreira, mas é importante que os artistas compreendam que a tão desejada sustentabilidade virá não apenas por sua excelência no plano artístico, mas também pelo estabelecimento de parcerias com bons profissionais de áreas como a comunicação, a administração, o direito e o design gráfico.
Naturalmente, essa tendência não se aplica somente ao universo da cultura. Segundo Lacombe e Heilborn (2006, p. 521), as organizações buscam cada vez mais o trabalho coletivo, com a formação de equipes multidisciplinares.
A razão disso é simples: o aumento do conhecimento obriga a especializações maiores. Por outro lado, aumenta a complexidade dos problemas e das oportunidades, abrangendo, cada vez mais, aspectos e especialidades diferentes. Em consequência, somente equipes multidisciplinares têm condições de atuar com eficiência e eficácia na solução dessas situações complexas: a realidade é multidisciplinar. (Grifo dos autores.)
O recrutamento de pessoas para a equipe de trabalho deve partir, portanto, de uma reflexão aprofundada sobre as competências necessárias ao sucesso do empreendimento. A bagagem técnica dos profissionais deve ser tomada como requisito fundamental e, no processo seletivo, priorizada em relação aos critérios pessoais e afetivos usualmente adotados pelos artistas. O importante é que, assim como no trabalho criativo, também seja buscada excelência nas demais atividades envolvidas no fazer artístico-‐cultural.
Nesse sentido, uma carreira artística precisa ser tratada em bases empresariais. As funções e responsabilidades devem ser bem definidas e entregues a profissionais que realmente possam contribuir para a obtenção de bons resultados em seus respectivos campos de atuação. Quando a “cozinha” da produção, da gestão e da comunicação está bem resolvida, o artista tem muito mais tempo para mergulhar de corpo e alma numa sala de ensaios, na certeza de que, lá fora, alguém continua em contato com o mundo real.
Cabe alertar, no entanto, que nessa busca pela profissionalização da gestão, é preciso evitar, a todo custo, que a burocracia se sobreponha ao artístico. A arte e a cultura devem sempre ser tratadas como protagonistas e a produção e a gestão, como áreas de suporte. Ambos os lados precisam estar atentos para que jamais se perca o “frescor” criativo que move a carreira.
O trabalho de produção e gestão
A produção e a gestão sempre foram pontos cruciais na vida de todo artista, embora este fato nem sempre seja percebido ou devidamente reconhecido. Desde os tempos das grandes gravadoras e companhias teatrais e cinematográficas, elas estavam lá, ocultas e distantes da luz dos refletores, mas sempre criando o suporte para o momento mágico do encontro com o público.
Mudaram-‐se os tempos e o próprio modelo de produção, que saltou de um formato altamente excludente, em que algumas poucas estrelas tinham direito ao apoio e aos afagos de um grande staff de profissionais, para outro, mais acessível, em que os artistas se tornam os responsáveis pela condução de sua carreira e pela composição de equipes capazes de empreendê-‐la.
Além disso, o próprio conceito de sucesso sofreu mudanças consideráveis nos últimos tempos. A velha indústria de ídolos impostos pela mídia de forma massificada vem gradativamente cedendo espaço para o surgimento de uma oferta incrivelmente diversificada de bens culturais. Torna-‐se cada vez mais nítido o fenômeno da pulverização das grandes estruturas em microindústrias de cultura e entretenimento. Desde o surgimento da Web 2.0, as pessoas não mais precisam dominar tecnologias complexas para colocar conteúdo no ar, o que facilita a interação de um artista com seu público, mesmo que isso se dê num círculo mais restrito.
Segundo Anderson (2006, p. 6), os inúmeros mercados de nicho, somados, ganham volume suficiente para fazer frente aos grandes hits. O público exige cada vez mais opções e abraça a diversidade, abrindo espaço para o surgimento de um grande mosaico de “minimercados e microestrelas”.
Embora naturalmente ainda exista demanda para a cultura de massa, é preciso compreender que os novos tempos exigem novos arranjos e novas posturas. É preocupante perceber que grande parte dos artistas brasileiros ainda se guia por uma cartilha ultrapassada e espera, com total credulidade, que um dia seu talento será, enfim, “descoberto”. Acalentam a visão romântica de que um produtor experiente e bem sucedido irá aparecer do nada, reconhecer seu imenso valor artístico e alçá-‐los à condição de estrelas. Passam uma vida inteira aguardando esse momento que dificilmente virá. Casos raros como o de Marisa Monte, que teve ascensão meteórica ao ser lançada pelo produtor Nelson Motta, contribuem decisivamente para a alimentação dessa fantasia coletiva.
Na vida real, entretanto, não se pode esperar por milagres. A maioria dos artistas que alcançam o sucesso estrutura sua carreira de forma lenta e gradual, conquistando aos poucos novos espaços, amparados por um trabalho ordenado e eficiente de produção e distribuição. Algumas vezes, esse processo chega a se estender por décadas, notadamente nos casos em que os artistas vivem distantes da mídia dos grandes centros.
É preciso, portanto, que os artistas abracem o desafio de construir sua carreira, passo a passo. Nesse sentido, a composição da equipe talvez seja o primeiro deles, começando pelos produtores e gestores. Sem um trabalho consistente nesse campo, dificilmente uma carreira se sustenta, num tempo que ganha contornos cada vez complexos e turbulentos.
Produtor x gestor: definindo papéis
Inicialmente, é importante buscar entendimento claro sobre o perfil dos produtores e gestores culturais e sobre suas atribuições. Quem são esses profissionais? Qual é sua esfera de atuação? Qual é o seu papel? Obter respostas a essas perguntas é fundamental não somente para as pessoas que se dedicam a essas profissões ou pretendem abraçá-‐las, mas também para todos aqueles que se envolvem com o fazer cultural, sejam eles artistas, pesquisadores, administradores, empresários ou agentes públicos. Até hoje as funções dos produtores e gestores são cercadas de dúvidas, mesmo para aqueles que vivem o cotidiano da área.
Os diagramas apresentados nas figuras 2.1 e 2.2 buscam lançar um pouco de luz sobre essas questões. Neles estão representados os diversos agentes envolvidos no processo: os artistas e demais profissionais da cultura, responsáveis pela criação e pela execução de ações culturais; as empresas patrocinadoras, que incentivam projetos; o Poder Público, a quem cabe a formulação e a implementação de políticas para o fomento e o financiamento do setor; a mídia, que promove a difusão das realizações; os espaços culturais, que abrigam o que é produzido; e o próprio público, beneficiário das ações empreendidas. Vale observar que são universos diferentes entre si, com particularidades divergentes e realidades frequentemente conflitantes. Cada um desses setores tem sua linguagem própria, muitas vezes incompreensível para pessoas que pertençam ao outro universo. Como exemplo, é possível citar as enormes dificuldades que os artistas têm para compreensão da lógica empresarial e vice-‐e-‐versa.
Figura 2.1 – O “lugar” do produtor cultural
O produtor cultural é um agente que deve ocupar a posição central nesse processo, desempenhando o papel de interface entre os profissionais da cultura e os demais segmentos. Nessa perspectiva, precisa atuar como “tradutor” das diferentes linguagens, contribuindo para que o sistema funcione harmoniosamente. Sua primeira função é a de cuidar para que a comunicação e a troca entre os agentes ocorram de modo eficiente.
Figura 2.2 – Os “lugares” do gestor cultural
Assim como ocorre com o produtor, ao gestor cultural também cabe, com frequência, o papel de interface. Isso acontece quando ele se propõe a desenvolver projetos ou administrar grupos, instituições ou empresas culturais que tenham que lidar, em seu dia-‐a-‐dia, com artistas, outros profissionais da cultura e patrocinadores públicos ou privados. No entanto, o gestor cultural pode estar presente também em outros contextos, como contratado de uma empresa para o trato das questões relativas ao patrocínio à cultura, como agente vinculado a órgão público ou como administrador de um espaço cultural privado, público ou pertencente a organização não-‐governamental.
Se, por um lado, essa função de “tradução” de linguagens está bastante presente nas rotinas de trabalho dos produtores e gestores, por outro, também se destacam as atribuições cotidianas inerentes ao campo da administração. É preciso observar que produção e gestão cultural são atividades essencialmente administrativas. A consciência desse fato é ponto primordial para o sucesso de qualquer empreendimento na área. Infelizmente, ainda hoje existe certo pudor, notadamente entre os artistas, de reconhecer a importância de utilizar técnicas e princípios da administração em benefício de seu trabalho. Persiste o preconceito de que a estruturação das atividades de produção e gestão em bases profissionais provoca, necessariamente, conflitos com o processo de criação. Na verdade, a experiência tem mostrado que, ao contrário, a correta utilização de tais técnicas abre novas perspectivas para os criadores, na medida em que os liberta de uma série de amarras de ordem operacional e burocrática. A equipe de criação do Grupo Corpo, por exemplo, pode se
dedicar integralmente às suas funções diretamente relacionadas com a dança, porque dispõe de uma sólida base administrativa. A profissionalização da produção e da gestão da Companhia, desde os seus primeiros tempos, na década de 1970, foi certamente um dos aspectos que tornaram possível o sucesso de sua trajetória. (Avelar, p. 50)
Feitas essas considerações preliminares sobre os papéis desempenhados pelos produtores e gestores, é possível buscar uma síntese de suas funções com as definições apresentadas no Quadro 2.1.
Quadro 2.1 – Definições
Produtor cultural Gestor cultural
Profissional que cria e administra diretamente eventos e projetos culturais, intermediando as relações dos artistas e demais profissionais da área com o Poder Público, as empresas patrocinadoras, os espaços culturais e o público consumidor de cultura.
Profissional que administra grupos e instituições culturais, intermediando as relações dos artistas e dos demais profissionais da área com o Poder Público, as empresas patrocinadoras, os espaços culturais e o público consumidor de cultura; ou que desenvolve e administra atividades voltadas para a cultura em empresas privadas, órgãos públicos, organizações não-governamentais e espaços culturais.
É importante observar que as fronteiras entre as atividades de produção e gestão são bastante tênues. Em diversas situações, um mesmo profissional pode atuar simultaneamente como produtor e gestor, acumulando as duas funções. Assim, a divisão do campo de trabalho dos empreendedores culturais entre produtores e gestores é algo que acaba por suscitar muitas dúvidas e algumas discussões polêmicas. Seria esta separação apenas uma questão irrelevante de nomenclatura, ou existem diferenças reais nos perfis e nas funções desses profissionais? (Avelar, p. 50-‐52)
Etapas de uma produção
Produzir é administrar recursos e potencialidades, visando à obtenção de bens ou serviços. É cuidar de todos os detalhes da organização para que o resultado final seja atingido com a máxima eficiência, ao menor custo possível.
Nesse sentido, o êxito de qualquer atividade de produção condiciona-‐se à existência de perfeito encadeamento de todas as ações programadas. Sob esse aspecto, a elaboração de um produto ou evento cultural não difere da produção de um bem de consumo ou de um serviço qualquer. Produzir arte e cultura também demanda a execução de atividades em sequência lógica e racional. A despeito de toda a informalidade que caracteriza o setor, é preciso perceber que, quando se trata desse campo, nada pode ser conduzido casualmente. A organização do trabalho é fator de sucesso também no universo cultural. Compreender a existência de etapas em uma produção é, portanto, o ponto de partida para uma atuação eficiente dos profissionais da área.
O processo de produção pode ser dividido em três fases distintas: pré-‐produção, produção e pós-‐produção, conforme descrito no Quadro 3.1.
Quadro 3.1 – Etapas de uma produção
Pré-produção
Etapa de planejamento, na qual se desenvolvem atividades como análise do contexto, definição das diretrizes do trabalho a ser executado e elaboração do projeto. É o momento em que se definem pontos fundamentais como equipe, atribuições, orçamento, cronograma e estratégias de captação de recursos, entre outros.
Produção Fase de execução, na qual são implementadas as atividades planejadas para a materialização do projeto.
Pós-produção Etapa conclusiva do trabalho, dedicada à desmobilização dos recursos empregados, aos acertos de contas e à elaboração de relatórios finais.
Para efeito didático, é possível estabelecer marcos divisórios dessas etapas. Esses limites correspondem a ações que, uma vez empreendidas, conduzem imediatamente à fase seguinte, conforme demonstrado no diagrama apresentado na Figura 3.1.
Figura 3.1 -‐ Etapas de uma produção
A etapa de pré-‐produção vai desde a concepção da ideia até o momento em que o empreendedor firma algum compromisso que torna o projeto irreversível. A assinatura de contratos, que caracteriza o primeiro marco divisório do projeto (Figura 3.1), pode selar compromissos de diferentes naturezas, como o fechamento de um patrocínio, o acerto de datas em um espaço cultural ou a contratação de um fornecedor ou artista. No momento em que uma dessas obrigações é assumida, o trabalho entra automaticamente na fase de produção.
A partir daí está em jogo a capacidade do profissional de honrar o compromisso firmado. Mesmo que se trate de um acordo verbal, procedimento ainda comum na área da cultura, é necessário que o responsável pela iniciativa se esforce pelo cumprimento daquilo que foi acertado. Afinal, sua credibilidade depende fundamentalmente de suas atitudes e de sua conduta em relação aos parceiros.
Aqui reside um dos grandes problemas da produção cultural brasileira. É comum artistas, produtores ou gestores assumirem compromissos irreversíveis, sem que a fase de pré-‐produção tenha sido cumprida em sua totalidade. Partem para a execução do projeto como um avião que decola sem plano de voo, numa viagem às cegas. Quase sempre essa ação impulsiva acaba custando caro aos envolvidos e resultando em perdas na qualidade do empreendimento ou mesmo em prejuízos financeiros. São frequentes os relatos de eventos não realizados ou ações malsucedidas cujo fracasso pode ser creditado a atitudes precipitadas. A decisão de assumir compromissos somente deve ser tomada, portanto, após o cumprimento de uma série de procedimentos que compõem a fase de pré-‐produção. (Avelar, p. 173)
Pré-‐produção: um momento crucial para o êxito do projeto
A pré-‐produção é o momento de definir estratégias para a transformação da ideia em algo exequível. Dedicar atenção especial a essa etapa é fator essencial para que o empreendimento tenha sucesso.
Muitas pessoas – os artistas, em particular – têm dificuldade de trazer para o plano real seus desejos e divagações. Frequentemente se lançam em buscas desordenadas, desconsiderando a necessidade de estabelecer métodos racionais de trabalho e de analisar previamente o contexto. São muitas as boas ideias e até carreiras que se perdem exatamente por falta de habilidade em planejar e traçar diretrizes.
A pré-‐produção é exatamente o momento do planejamento. Na prática, o produtor ou gestor deve tentar antever seu projeto concluído, com a máxima riqueza de detalhes. Precisa buscar respostas para algumas perguntas relativas ao produto final: o que, como, quando, onde, quem, por que e para que. Ao refletir sobre tais questões, poderá tornar mais explícitos seu próprio objetivo e as estratégias a serem adotadas para atingi-‐lo. Mais do que simples exercício de futurologia, esse procedimento o levará à tomada das primeiras decisões e à definição de contornos reais para o empreendimento. A antecipação deve ser minuciosa, para que a projeção se aproxime o máximo possível do resultado final.
Obviamente, o imponderável precisa ser levado em conta. É natural que ocorram alterações ao longo da execução do trabalho, e que ele tenha, quando concluído, configurações bem distintas da ideia original. A realidade é dinâmica e exige dos empreendedores posturas maleáveis. As linhas de um projeto têm que ser revistas sempre que ocorrer alguma mudança significativa no ambiente. Um dos grandes benefícios do planejamento é exatamente o de proporcionar ao gestor maior agilidade e segurança para a tomada de decisões e para a efetivação das alterações necessárias, diante de fatos inesperados. Quem planeja reduz o impacto de eventuais turbulências. (Avelar, p.175)
A pré-‐produção de um projeto cultural envolve, naturalmente, uma série de procedimentos, entre os quais se destacam:
• realização de estudos preliminares; • verificação dos direitos autorais envolvidos; • montagem da equipe de trabalho; • criação de instrumentos burocráticos de controle; • elaboração do plano de comunicação; • montagem do cronograma; • montagem do orçamento; • elaboração de projetos para a busca de recursos e parcerias; e • captação de recursos.
De todos esses procedimentos, cabe aqui destacar a criação de instrumentos burocráticos de controle ou, simplesmente, checklists, por seu forte poder estruturante.
O emprego de checklists
A produção cultural tem como particularidade certo desequilíbrio no que tange à distribuição do volume de trabalho ao longo do tempo. Devido à própria natureza da área, não existe um fluxo regular de atividades. Produzir significa alternar fases de relativa tranquilidade com outras de intensa movimentação. Uma vez deflagrada a etapa de produção propriamente dita, as demandas por ações específicas se intensificam num crescendo para, às vésperas do lançamento, abertura ou estreia, atingir picos de trabalho bastante estressantes. É nesses momentos de grande tensão que costumam ocorrer os problemas mais graves. Nessas ocasiões, pequenos enganos ou esquecimentos podem assumir grandes proporções e até mesmo gerar desgastes irreversíveis. Confiar apenas na memória pode não ser uma prática adequada em circunstâncias tão adversas. É recomendável, portanto, a criação de mecanismos de verificação e acompanhamento de todas as atividades: os checklists.
Um checklist bem elaborado é um precioso instrumento de mapeamento dos caminhos a serem trilhados e, principalmente, de controle. É construído para dar confiabilidade ao processo de produção e, consequentemente, maior qualidade ao resultado final. Outro efeito positivo do emprego da ferramenta é a difusão das informações entre as pessoas diretamente envolvidas. O registro do andamento de todas as ações possibilita à equipe identificar as providências pendentes e favorece a tomada de decisões, principalmente em momentos críticos, reduzindo os riscos da centralização excessiva.
Boa parte das falhas na condução de projetos culturais se deve ao pouco cuidado com detalhes. Ainda são muitas as produções em que os imprevistos se colocam como regra, por simples descuido, despreparo ou, na pior das hipóteses, por negligência. Um produtor precisa ter boa percepção sobre fatores críticos e antever aquilo que possa vir a ser problema, acrescentando cada um desses pontos ao checklist. (Avelar, p.180)
Tome-‐se como exemplo o caso da produção de um evento ao ar livre que, em determinada edição, enfrente problemas com uma chuva inesperada. É possível que os realizadores tenham que se desdobrar, com urgência, para conseguir algumas lonas plásticas para proteção dos equipamentos. Desse modo, é recomendável acrescentar no checklist a inclusão de tais lonas no material a ser levado para as próximas edições, a fim de que a situação de risco não volte a se repetir.
O ponto de partida para a montagem de um instrumento dessa natureza, na fase de pré-‐produção, é a identificação das rotinas específicas do trabalho a ser realizado. É preciso levantar cuidadosamente todos os procedimentos fundamentais para a concretização do projeto, a fim de que o roteiro se torne realmente confiável. O passo seguinte é organizar as informações em formulários, facilitando o lançamento dos dados e a consulta pelos integrantes da equipe. O instrumento deve ser aperfeiçoado ou adaptado a cada produção,
com a ampliação e a supressão de itens, tendo em vista o caráter particular da nova proposta.
À medida que avança a carreira do empreendedor, os checklists vão se tornando mais extensos e ganhando detalhes cada vez mais refinados. Há que se ressaltar, no entanto, que tais instrumentos, por si, não garantem eficácia no controle dos empreendimentos. É essencial que seja instituído o hábito de consultá-‐los e atualizá-‐los cotidianamente, para que produzam efeito.
Produção: o momento da materialização do projeto
A produção propriamente dita é o momento de concretizar aquilo que foi projetado durante a pré-‐produção. É uma fase em que as tensões e os prazeres naturais do processo criativo se mesclam com a premência do tempo e com os obstáculos comuns a qualquer empreendimento. A atmosfera é de grande expectativa em torno dos resultados.
Uma imagem que traduz com fidelidade o que se passa durante a fase de produção é a de um furacão. No início, a brisa é leve e tudo está tranquilo. À medida que a equipe envolvida começa a atuar, a demanda por providências vai crescendo. Os ventos ganham força quando a montagem caminha para sua etapa final e, às vésperas da estreia ou lançamento, a tempestade já se formou, atingindo seu grau máximo. Tudo gira com grande velocidade, e o produtor está lá: no “olho do furacão”. É preciso manter o perfeito entrosamento da equipe e controlar todas as atividades e demandas para que, passada a tormenta, o trabalho chegue ao público conforme o planejado.
Todos aqueles que já estiveram no olho desse furacão sabem da importância de se realizar uma pré-‐produção bem feita. Chegar ao momento crítico das vésperas da estreia com as questões estruturais resolvidas é essencial para que se possa atender com eficiência e serenidade ao excesso de demandas da reta final. (Avelar, p.219)
A produção de um projeto cultural envolve uma série de procedimentos, entre os quais se destacam:
• busca de apoios e permutas; • controle de cronograma; • gestão orçamentária; • organização de documentos para futuras prestações de contas; • divulgação; • realização propriamente dita do projeto; • distribuição.
Pós-‐produção: investimento no futuro
A pós-‐produção, etapa final de um projeto cultural, tem início quando se encerra o trabalho artístico. O produtor tem agora algumas tarefas não muito prazerosas a cumprir. É preciso reunir as energias que sobraram e promover uma verdadeira “limpeza da casa”. Além da desmontagem da estrutura física utilizada para a produção, é hora de fazer uma série de acertos, organizar a documentação do projeto, promover reflexões sobre a produção e elaborar relatórios, tarefas que exigem atenção, empenho e paciência.
Uma primeira ação importante da etapa de pós-‐produção é a eliminação de eventuais pendências. Tudo aquilo que foi emprestado ou alugado deve ser devolvido, naturalmente em bom estado de conservação. Chamar a atenção para a importância desse tipo de cuidado pode parecer um tanto óbvio. Entretanto, na prática, são frequentes as falhas dessa natureza cometidas pelas equipes de produção, seja por cansaço e saturação nessa fase final ou, simplesmente, por negligência.
Da mesma forma, é preciso efetuar com cautela os acertos de contas, para que nenhum compromisso financeiro deixe de ser cumprido. Na perspectiva do credor, a menor dívida não saldada assume grandes proporções. Qualquer pequeno deslize nesse terreno pode abalar a credibilidade do produtor, pelo menos no universo imediato daquele que se sentiu lesado.
A apresentação de relatórios para os parceiros, sejam eles privados, públicos ou do terceiro setor, é outro procedimento imprescindível na pós-‐produção. Do ponto de vista daqueles que gerenciam patrocínios dentro das empresas ou instituições, trata-‐se de um instrumento essencial para a própria realimentação do financiamento e para a preservação das fontes. Um relatório bem estruturado é fundamental para a comprovação de que os recursos foram bem empregados e renderam bons frutos. Contribui também para que os dirigentes das instituições financiadoras se convençam de que vale a pena continuar investindo nas iniciativas dos responsáveis pelo empreendimento.
A pós-‐produção é também o momento de conclusão das prestações de contas relativas aos recursos públicos obtidos para o projeto por intermédio de leis de incentivo ou de mecanismos como fundos, editais e prêmios culturais. Na verdade, trata-‐se aqui apenas do fechamento do processo para envio aos órgãos públicos, uma vez que o trabalho de organização dos documentos deve ter sido iniciado no momento do primeiro depósito na conta do projeto, ainda no início da etapa da produção.
Nesses casos, o empreendedor deve seguir rigorosamente as instruções fornecidas pela entidade responsável pelo financiamento e apresentar a documentação exigida, num curto espaço de tempo após o encerramento do prazo de realização estipulado. O grau de complexidade da prestação de contas varia de acordo com a instituição financiadora, o que exige atenção às instruções normativas publicadas e às orientações contidas nos formulários específicos disponibilizados para esse fim.
Por fim, uma iniciativa simples, mas que pode trazer resultados surpreendentes, é o envio, após o encerramento do projeto, de uma carta ou cartão a todas as pessoas incluídas na lista de agradecimentos. Essa atitude simpática, embora pouco usual, costuma ser muito bem recebida e abrir novas perspectivas de parcerias futuras. (Avelar, p.263)
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