Elementos)degestão)dos)empreendimentos)culturais) ·...

17
Elementos de gestão dos empreendimentos culturais Romulo Avelar

Transcript of Elementos)degestão)dos)empreendimentos)culturais) ·...

Page 1: Elementos)degestão)dos)empreendimentos)culturais) · Quadro!1.1!–!Exemplos!de!atividades!cotidianas!de!umacarreiramusical! Planejamento Elaboração de projetos para leis de incentivo

 

Elementos  de  gestão  dos  empreendimentos  culturais      Romulo  Avelar  

Page 2: Elementos)degestão)dos)empreendimentos)culturais) · Quadro!1.1!–!Exemplos!de!atividades!cotidianas!de!umacarreiramusical! Planejamento Elaboração de projetos para leis de incentivo

   

   Novos  tempos  na  gestão  de  empreendimentos  culturais    

Nos  últimos  tempos,  o  setor  cultural  brasileiro  vem  experimentando  um  processo  acelerado  de   expansão,   beneficiado   por   um   afluxo   crescente   de   recursos.   Apesar   das   turbulências  provocadas  pela  crise  mundial,  são  nítidos  os  avanços  e  a  multiplicação  de  oportunidades  na  área.  

Seguindo   uma   tendência   global,   o   setor   se   ampliou   de   maneira   surpreendente,   gerando  postos   de   trabalho   num   ritmo   cada   vez   mais   acelerado.   O   êxodo   compulsório   de  profissionais   da   cultura   diminuiu   consideravelmente   em   várias   capitais   e  mesmo   algumas  cidades   do   interior   experimentam   novos   tempos,   em   que   se   torna   possível   a   um   artista,  produtor  ou  gestor  desenvolver  seu  trabalho  sem  a  necessidade  de  afirmação  prévia  em  um  grande  centro.  

Entretanto,   se   o   momento   é   positivo   e   favorável   ao   surgimento   de   experiências   bem-­‐sucedidas  pelos  quatro   cantos  do  país,   a  manutenção  de   grupos   e   entidades   culturais   e   a  continuidade  de  suas  iniciativas  continuam  sendo  enormes  desafios  para  seus  produtores  e  gestores.  Os  editais  de  financiamento  se  multiplicam,  os  recursos  começam  a  irrigar  a  área  e  os   resultados   se   tornam  aos  poucos  mais   visíveis,  mas  a  profissionalização  efetiva  ainda  é  uma  realidade  distante  da  grande  maioria  daqueles  que  se  aventuram  por  esse  caminho.  Os  empreendedores  culturais  brasileiros  seguem  aos  sobressaltos,  obrigados  a  conviver  com  o  fantasma  da  descontinuidade  e  com  a  incômoda  sensação  de  “fim  de  linha”  a  cada  resultado  negativo  de  edital,   a   cada   reunião  de  negociação  de  patrocínio   frustrada.  Quanto  mais   se  afasta   dos   grandes   centros   urbanos,  maior   a   dificuldade   daqueles   que   atuam  na   área   em  identificar   um   fio   de   meada   para   a   costura   de   um   trabalho   mais   profissional.   A   criação  acontece  com  espontaneidade  e,  em  muitos  casos,  com  bastante  originalidade,  mas  perde  em  força,  com  frequência,  pela  carência  de  referências  técnicas  e  estéticas.  Artistas,  grupos  e   instituições   culturais,   alheios   também   a   uma   série   de   parâmetros   básicos   do   campo   da  gestão,  empreendem  grandes  esforços  de  criação  e  produção,  mas  com  resultados  muitas  vezes  frustrantes.  

É  claro  que  não  se  pode  desconsiderar  os  avanços  significativos  que  vêm  ocorrendo,  tanto  na  esfera  das  políticas  quanto  na  própria  organização  dos  profissionais  da  cultura.  Os  últimos  anos  foram  de  grandes  articulações  pela  construção  de  um  modelo  mais  justo  e  eficaz  para  o  setor,   num  processo   de   amadurecimento   que,   embora   não   tenha   a   velocidade   que   todos  desejariam,  é  claramente  perceptível.  

Entretanto,   a   cultura   ainda   tropeça   no   amadorismo   e   na   falta   de   informação,   seja   nas  capitais  ou  no  interior.  Além  disso,  ressente-­‐se  pela  fragilidade  de  alguns  elos  de  sua  cadeia  produtiva.   Definitivamente,   não   há   como   pensar   em   sustentabilidade   para   um   setor  obrigado   a   conviver   com   pontos   vulneráveis   e   sempre   prestes   a   se   romper   quando  submetidos  ao  menor  esforço.  O  pior  é  que  boa  parte  daqueles  que  trabalham  na  área  tem  

Page 3: Elementos)degestão)dos)empreendimentos)culturais) · Quadro!1.1!–!Exemplos!de!atividades!cotidianas!de!umacarreiramusical! Planejamento Elaboração de projetos para leis de incentivo

   

baixa   percepção   da   urgência   de   se   fortalecer   tais   pontos,   com   a   criação   de   cursos   de  produção   e   gestão   cultural.   No   âmbito   da   cultura,   persiste   certa   tendência   a   visualizar  apenas   a   área   finalística,   ou   seja,   os   produtos   finais   e   os   responsáveis   diretos   por   sua  concepção.  Essa  ênfase  excessiva  naquilo  que  é  levado  aos  olhos  e  ouvidos  do  público  é  até  compreensível,  na  medida  em  que  o   trabalho  de  criação   representa  a  própria  essência  do  setor.  No  entanto,  é  imprescindível  identificar  e  conferir  o  devido  valor  a  outros  elos  menos  visíveis,  mas  essenciais  para  a  viabilização  de  carreiras  sustentáveis  e,  em  última   instância,  para  a  construção  de  um  cenário  cultural  mais  vigoroso  no  país.  

 

O  cerco  burocrático  

O   fazer  artístico  e  cultural  no  Brasil   sempre   foi  marcado  por  boas  doses  de   informalidade.  Naturalmente,  este   fato   se  deve  à  própria  natureza  do  povo  brasileiro  e,   claro,  ao  caráter  fluido  e  subjetivo  da  criação.  Não  é  novidade  a  grande  rejeição  de  muitos  artistas  e  mesmo  de   outros   profissionais   da   área   por   quaisquer   caminhos   que   busquem   conferir   mais  objetividade  aos  processos  de  trabalho.  

Entretanto,   é   preciso   observar   que,   cada   vez  mais,   o   excessivo   apego   à   informalidade   se  torna  uma  barreira  à  profissionalização  no  campo  da  cultura.  Nesses  novos  tempos,  há  um  forte   cerco   burocrático   que   gradativamente   se   fecha   em   torno   dos   empreendedores   da  área.  A  cultura  brasileira  vive  a  era  dos  editais,  que,  por  um  lado,  torna  mais  democrático  o  acesso   aos   recursos,   mas   que,   por   outro,   cria   novos   desafios   para   artistas,   produtores   e  gestores.  Cada  vez  que  um  empreendedor  busca  recursos  públicos  para  a  realização  de  um  projeto,   traz   no   “pacote”   pesadas   obrigações,   materializadas   na   forma   de   prestações   de  contas  repletas  de  armadilhas.  

Produzir   cultura   hoje   é,   pois,   algo   completamente   diferente   do   que   era   há   dez   anos.   No  passado,   de   um   jeito   ou   de   outro,   o   próprio   artista   era   capaz   de   conduzir   sua   carreira,  sozinho  ou  amparado  apenas  por  um  produtor.  No  entanto,  não  há  como   fechar  os  olhos  para  a  nova  realidade  que  se  desenha:  a  gestão  de  um  empreendimento  cultural,  por  menor  que  seja  seu  porte,  vem  ganhando  contornos  cada  vez  mais  complexos.  Não  há  mais  espaço  para  improvisos  e,  sobretudo,  para  aventuras  solitárias.  O  êxito  de  um  projeto  cultural  exige  diferentes  competências,  que  dificilmente  serão  encontradas  em  uma  única  pessoa.  A  chave  para  pensar  uma  carreira  sólida  e  sustentável  está  no  trabalho  coletivo,  em  que  se  mesclam  habilidades   criativas   e   técnicas,   mas   também   capacidade   de   planejamento,   gestão,  produção,   elaboração   de   projetos   e   comunicação,   além   de   determinados   conhecimentos  jurídicos.  Não  basta  a  um  músico  ser  um  grande  criador  ou  um  virtuose  em  seu  instrumento,  se  outras  tantas  competências  não  estiverem  a  serviço  de  sua  carreira,  se  não  tiver  ao  seu  lado  uma  equipe  apta  a  buscar  e  gerir  recursos,  a  responder  às  demandas  de  comunicação  e  a  lidar  de  maneira  profissional  com  as  engrenagens  da  burocracia  pública.  

Para  que   se   tenha   ideia  do  volume  de  atividades  envolvidas  no   cotidiano  de  uma  carreira  musical,  a   título  de  exemplo  são  apresentadas,  no  Quadro  1.1,  demandas  de   trabalho  não  artístico  cujo  cumprimento  é  imprescindível  nos  dias  atuais,  mas  que,  aos  olhos  de  um  leigo,  quase  sempre  são  “invisíveis”.  

Page 4: Elementos)degestão)dos)empreendimentos)culturais) · Quadro!1.1!–!Exemplos!de!atividades!cotidianas!de!umacarreiramusical! Planejamento Elaboração de projetos para leis de incentivo

   

 

Quadro  1.1  –  Exemplos  de  atividades  cotidianas  de  uma  carreira  musical  

Planejamento Elaboração de projetos para leis

de incentivo Pesquisa de editais de

financiamento

Elaboração de documentos para captação de recursos

Elaboração de portfólios e materiais para venda de shows

Busca de recursos

Venda de shows Atendimento aos patrocinadores Controle de logomarcas de patrocinadores e parceiros

Elaboração de relatórios e prestações de contas

Administração da agenda de shows

Montagem de checklists

Realização de acertos de produção

Realização de compras Administração de recursos

financeiros

Contatos com o escritório de contabilidade

Administração de pessoal Realização de pagamentos

Controle de equipamentos e materiais

Coordenação de montagens e desmontagens

Comercialização de produtos dos artistas

Produção de gravações Controle da logística das viagens Controle da comunicação interna

Divulgação Organização do clipping Organização da memória da

carreira

Manutenção de site e blog Atendimento direto ao público Programação visual

Condução de assuntos jurídicos Organização de arquivos Representação do artista ou

grupo

 O   exemplo   apresentado   acima   apenas   reforça   a   necessidade   de   se   tratar   com   a   devida  atenção  o  processo  de  montagem  de  uma  equipe  de  trabalho.  É  evidente  que  o  talento  e  a  capacidade   de   criação   continuam   sendo   os   elementos   primordiais   para   o   êxito   de   uma  carreira,   mas   é   importante   que   os   artistas   compreendam   que   a   tão   desejada  sustentabilidade   virá   não   apenas   por   sua   excelência   no   plano   artístico,  mas   também  pelo  estabelecimento   de   parcerias   com   bons   profissionais   de   áreas   como   a   comunicação,   a  administração,  o  direito  e  o  design  gráfico.  

 

Page 5: Elementos)degestão)dos)empreendimentos)culturais) · Quadro!1.1!–!Exemplos!de!atividades!cotidianas!de!umacarreiramusical! Planejamento Elaboração de projetos para leis de incentivo

   

Naturalmente,   essa   tendência   não   se   aplica   somente   ao   universo   da   cultura.   Segundo  Lacombe   e   Heilborn   (2006,   p.   521),   as   organizações   buscam   cada   vez   mais   o   trabalho  coletivo,  com  a  formação  de  equipes  multidisciplinares.  

A  razão  disso  é  simples:  o  aumento  do  conhecimento  obriga  a  especializações  maiores.   Por   outro   lado,   aumenta   a   complexidade   dos   problemas   e   das  oportunidades,   abrangendo,   cada   vez   mais,   aspectos   e   especialidades  diferentes.   Em   consequência,   somente   equipes   multidisciplinares   têm  condições   de   atuar   com   eficiência   e   eficácia   na   solução   dessas   situações  complexas:  a  realidade  é  multidisciplinar.  (Grifo  dos  autores.)  

 O  recrutamento  de  pessoas  para  a  equipe  de  trabalho  deve  partir,  portanto,  de  uma  reflexão  aprofundada   sobre   as   competências   necessárias   ao   sucesso   do   empreendimento.   A  bagagem   técnica   dos   profissionais   deve   ser   tomada   como   requisito   fundamental   e,   no  processo   seletivo,   priorizada   em   relação   aos   critérios   pessoais   e   afetivos   usualmente  adotados  pelos  artistas.  O  importante  é  que,  assim  como  no  trabalho  criativo,  também  seja  buscada  excelência  nas  demais  atividades  envolvidas  no  fazer  artístico-­‐cultural.  

Nesse  sentido,  uma  carreira  artística  precisa  ser  tratada  em  bases  empresariais.  As  funções  e  responsabilidades   devem   ser   bem   definidas   e   entregues   a   profissionais   que   realmente  possam   contribuir   para   a   obtenção   de   bons   resultados   em   seus   respectivos   campos   de  atuação.  Quando  a  “cozinha”  da  produção,  da  gestão  e  da  comunicação  está  bem  resolvida,  o  artista  tem  muito  mais  tempo  para  mergulhar  de  corpo  e  alma  numa  sala  de  ensaios,  na  certeza  de  que,  lá  fora,  alguém  continua  em  contato  com  o  mundo  real.  

Cabe  alertar,  no  entanto,  que  nessa  busca  pela  profissionalização  da  gestão,  é  preciso  evitar,  a  todo  custo,  que  a  burocracia  se  sobreponha  ao  artístico.  A  arte  e  a  cultura  devem  sempre  ser  tratadas  como  protagonistas  e  a  produção  e  a  gestão,  como  áreas  de  suporte.  Ambos  os  lados   precisam   estar   atentos   para   que   jamais   se   perca   o   “frescor”   criativo   que   move   a  carreira.  

Page 6: Elementos)degestão)dos)empreendimentos)culturais) · Quadro!1.1!–!Exemplos!de!atividades!cotidianas!de!umacarreiramusical! Planejamento Elaboração de projetos para leis de incentivo

   

 

O  trabalho  de  produção  e  gestão    

A  produção  e  a  gestão  sempre  foram  pontos  cruciais  na  vida  de  todo  artista,  embora  este  fato  nem  sempre   seja   percebido   ou   devidamente   reconhecido.   Desde   os   tempos   das   grandes  gravadoras  e  companhias  teatrais  e  cinematográficas,  elas  estavam  lá,  ocultas  e  distantes  da  luz  dos  refletores,  mas  sempre  criando  o  suporte  para  o  momento  mágico  do  encontro  com  o  público.  

Mudaram-­‐se   os   tempos   e   o   próprio   modelo   de   produção,   que   saltou   de   um   formato  altamente  excludente,  em  que  algumas  poucas  estrelas  tinham  direito  ao  apoio  e  aos  afagos  de  um  grande  staff  de  profissionais,  para  outro,  mais  acessível,  em  que  os  artistas  se  tornam  os   responsáveis   pela   condução   de   sua   carreira   e   pela   composição   de   equipes   capazes   de  empreendê-­‐la.  

Além   disso,   o   próprio   conceito   de   sucesso   sofreu   mudanças   consideráveis   nos   últimos  tempos.   A   velha   indústria   de   ídolos   impostos   pela   mídia   de   forma   massificada   vem  gradativamente   cedendo   espaço   para   o   surgimento   de   uma   oferta   incrivelmente  diversificada  de  bens  culturais.  Torna-­‐se  cada  vez  mais  nítido  o   fenômeno  da  pulverização  das  grandes  estruturas  em  microindústrias  de  cultura  e  entretenimento.  Desde  o  surgimento  da   Web   2.0,   as   pessoas   não   mais   precisam   dominar   tecnologias   complexas   para   colocar  conteúdo  no  ar,  o  que  facilita  a  interação  de  um  artista  com  seu  público,  mesmo  que  isso  se  dê  num  círculo  mais  restrito.  

Segundo  Anderson  (2006,  p.  6),  os  inúmeros  mercados  de  nicho,  somados,  ganham  volume  suficiente  para  fazer  frente  aos  grandes  hits.  O  público  exige  cada  vez  mais  opções  e  abraça  a  diversidade,  abrindo  espaço  para  o  surgimento  de  um  grande  mosaico  de  “minimercados  e  microestrelas”.  

Embora   naturalmente   ainda   exista   demanda   para   a   cultura   de   massa,   é   preciso  compreender  que  os  novos  tempos  exigem  novos  arranjos  e  novas  posturas.  É  preocupante  perceber   que   grande   parte   dos   artistas   brasileiros   ainda   se   guia   por   uma   cartilha  ultrapassada   e   espera,   com   total   credulidade,   que   um   dia   seu   talento   será,   enfim,  “descoberto”.  Acalentam  a  visão  romântica  de  que  um  produtor  experiente  e  bem  sucedido  irá  aparecer  do  nada,  reconhecer  seu  imenso  valor  artístico  e  alçá-­‐los  à  condição  de  estrelas.  Passam  uma  vida  inteira  aguardando  esse  momento  que  dificilmente  virá.  Casos  raros  como  o   de   Marisa   Monte,   que   teve   ascensão   meteórica   ao   ser   lançada   pelo   produtor   Nelson  Motta,  contribuem  decisivamente  para  a  alimentação  dessa  fantasia  coletiva.  

Na   vida   real,   entretanto,   não   se   pode   esperar   por   milagres.   A   maioria   dos   artistas   que  alcançam   o   sucesso   estrutura   sua   carreira   de   forma   lenta   e   gradual,   conquistando   aos  poucos   novos   espaços,   amparados   por   um   trabalho   ordenado   e   eficiente   de   produção   e  distribuição.  Algumas  vezes,  esse  processo  chega  a  se  estender  por  décadas,  notadamente  nos  casos  em  que  os  artistas  vivem  distantes  da  mídia  dos  grandes  centros.  

Page 7: Elementos)degestão)dos)empreendimentos)culturais) · Quadro!1.1!–!Exemplos!de!atividades!cotidianas!de!umacarreiramusical! Planejamento Elaboração de projetos para leis de incentivo

   

 

É   preciso,   portanto,   que   os   artistas   abracem   o   desafio   de   construir   sua   carreira,   passo   a  passo.  Nesse  sentido,  a  composição  da  equipe  talvez  seja  o  primeiro  deles,  começando  pelos  produtores  e  gestores.  Sem  um  trabalho  consistente  nesse  campo,  dificilmente  uma  carreira  se  sustenta,  num  tempo  que  ganha  contornos  cada  vez  complexos  e  turbulentos.    

 

Produtor  x  gestor:  definindo  papéis  

Inicialmente,   é   importante   buscar   entendimento   claro   sobre   o   perfil   dos   produtores   e  gestores  culturais  e  sobre  suas  atribuições.  Quem  são  esses  profissionais?  Qual  é  sua  esfera  de   atuação?   Qual   é   o   seu   papel?   Obter   respostas   a   essas   perguntas   é   fundamental   não  somente  para  as  pessoas  que  se  dedicam  a  essas  profissões  ou  pretendem  abraçá-­‐las,  mas  também   para   todos   aqueles   que   se   envolvem   com   o   fazer   cultural,   sejam   eles   artistas,  pesquisadores,  administradores,  empresários  ou  agentes  públicos.  Até  hoje  as   funções  dos  produtores  e  gestores  são  cercadas  de  dúvidas,  mesmo  para  aqueles  que  vivem  o  cotidiano  da  área.  

Os  diagramas  apresentados  nas  figuras  2.1  e  2.2  buscam  lançar  um  pouco  de  luz  sobre  essas  questões.  Neles  estão  representados  os  diversos  agentes  envolvidos  no  processo:  os  artistas  e   demais   profissionais   da   cultura,   responsáveis   pela   criação   e   pela   execução   de   ações  culturais;   as   empresas   patrocinadoras,   que   incentivam   projetos;   o   Poder   Público,   a   quem  cabe   a   formulação   e   a   implementação   de   políticas   para   o   fomento   e   o   financiamento   do  setor;  a  mídia,  que  promove  a  difusão  das  realizações;  os  espaços  culturais,  que  abrigam  o  que  é  produzido;  e  o  próprio  público,  beneficiário  das  ações  empreendidas.  Vale  observar  que   são   universos   diferentes   entre   si,   com   particularidades   divergentes   e   realidades  frequentemente   conflitantes.   Cada   um   desses   setores   tem   sua   linguagem   própria,  muitas  vezes   incompreensível   para   pessoas   que   pertençam   ao   outro   universo.   Como   exemplo,   é  possível   citar   as   enormes   dificuldades   que   os   artistas   têm   para   compreensão   da   lógica  empresarial  e  vice-­‐e-­‐versa.  

 

 

 

 

 

 

 

Figura  2.1  –  O  “lugar”  do  produtor  cultural  

Page 8: Elementos)degestão)dos)empreendimentos)culturais) · Quadro!1.1!–!Exemplos!de!atividades!cotidianas!de!umacarreiramusical! Planejamento Elaboração de projetos para leis de incentivo

   

 

O   produtor   cultural   é   um   agente   que   deve   ocupar   a   posição   central   nesse   processo,  desempenhando   o   papel   de   interface   entre   os   profissionais   da   cultura   e   os   demais  segmentos.   Nessa   perspectiva,   precisa   atuar   como   “tradutor”   das   diferentes   linguagens,  contribuindo   para   que   o   sistema   funcione   harmoniosamente.   Sua   primeira   função   é   a   de  cuidar  para  que  a  comunicação  e  a  troca  entre  os  agentes  ocorram  de  modo  eficiente.  

 

 

 

 

 

 

 

   

Figura  2.2  –  Os  “lugares”  do  gestor  cultural  

 

Assim   como   ocorre   com   o   produtor,   ao   gestor   cultural   também   cabe,   com   frequência,   o  papel   de   interface.   Isso   acontece   quando   ele   se   propõe   a   desenvolver   projetos   ou  administrar  grupos,  instituições  ou  empresas  culturais  que  tenham  que  lidar,  em  seu  dia-­‐a-­‐dia,  com  artistas,  outros  profissionais  da  cultura  e  patrocinadores  públicos  ou  privados.  No  entanto,   o   gestor   cultural   pode   estar   presente   também   em   outros   contextos,   como  contratado   de   uma   empresa   para   o   trato   das   questões   relativas   ao   patrocínio   à   cultura,  como   agente   vinculado   a   órgão   público   ou   como   administrador   de   um   espaço   cultural  privado,  público  ou  pertencente  a  organização  não-­‐governamental.  

Se,  por  um  lado,  essa  função  de  “tradução”  de  linguagens  está  bastante  presente  nas  rotinas  de   trabalho   dos   produtores   e   gestores,   por   outro,   também   se   destacam   as   atribuições  cotidianas  inerentes  ao  campo  da  administração.  É  preciso  observar  que  produção  e  gestão  cultural   são   atividades   essencialmente   administrativas.   A   consciência   desse   fato   é   ponto  primordial   para  o   sucesso  de  qualquer  empreendimento  na  área.   Infelizmente,   ainda  hoje  existe  certo  pudor,  notadamente  entre  os  artistas,  de  reconhecer  a   importância  de  utilizar  técnicas  e  princípios  da  administração  em  benefício  de  seu  trabalho.  Persiste  o  preconceito  de  que  a  estruturação  das  atividades  de  produção  e  gestão  em  bases  profissionais  provoca,  necessariamente,   conflitos   com   o   processo   de   criação.   Na   verdade,   a   experiência   tem  mostrado   que,   ao   contrário,   a   correta   utilização   de   tais   técnicas   abre   novas   perspectivas  para   os   criadores,   na   medida   em   que   os   liberta   de   uma   série   de   amarras   de   ordem  operacional   e   burocrática.   A   equipe   de   criação   do   Grupo   Corpo,   por   exemplo,   pode   se  

Page 9: Elementos)degestão)dos)empreendimentos)culturais) · Quadro!1.1!–!Exemplos!de!atividades!cotidianas!de!umacarreiramusical! Planejamento Elaboração de projetos para leis de incentivo

   

dedicar   integralmente   às   suas   funções   diretamente   relacionadas   com   a   dança,   porque  dispõe  de  uma  sólida  base  administrativa.  A  profissionalização  da  produção  e  da  gestão  da  Companhia,   desde   os   seus   primeiros   tempos,   na   década   de   1970,   foi   certamente   um  dos  aspectos  que  tornaram  possível  o  sucesso  de  sua  trajetória.  (Avelar,  p.  50)  

Feitas  essas  considerações  preliminares  sobre  os  papéis  desempenhados  pelos  produtores  e  gestores,  é  possível  buscar  uma  síntese  de  suas  funções  com  as  definições  apresentadas  no  Quadro  2.1.  

 

Quadro  2.1  –  Definições  

Produtor cultural Gestor cultural

Profissional que cria e administra diretamente eventos e projetos culturais, intermediando as relações dos artistas e demais profissionais da área com o Poder Público, as empresas patrocinadoras, os espaços culturais e o público consumidor de cultura.

Profissional que administra grupos e instituições culturais, intermediando as relações dos artistas e dos demais profissionais da área com o Poder Público, as empresas patrocinadoras, os espaços culturais e o público consumidor de cultura; ou que desenvolve e administra atividades voltadas para a cultura em empresas privadas, órgãos públicos, organizações não-governamentais e espaços culturais.

 

É   importante   observar   que   as   fronteiras   entre   as   atividades   de   produção   e   gestão   são  bastante   tênues.   Em   diversas   situações,   um   mesmo   profissional   pode   atuar  simultaneamente  como  produtor  e  gestor,  acumulando  as  duas  funções.  Assim,  a  divisão  do  campo  de   trabalho  dos  empreendedores   culturais   entre  produtores  e   gestores  é   algo  que  acaba   por   suscitar   muitas   dúvidas   e   algumas   discussões   polêmicas.   Seria   esta   separação  apenas  uma  questão   irrelevante  de  nomenclatura,  ou  existem  diferenças  reais  nos  perfis  e  nas  funções  desses  profissionais?  (Avelar,  p.  50-­‐52)  

 

Page 10: Elementos)degestão)dos)empreendimentos)culturais) · Quadro!1.1!–!Exemplos!de!atividades!cotidianas!de!umacarreiramusical! Planejamento Elaboração de projetos para leis de incentivo

   

 

Etapas  de  uma  produção    

Produzir  é  administrar  recursos  e  potencialidades,  visando  à  obtenção  de  bens  ou  serviços.  É  cuidar  de   todos  os  detalhes  da  organização  para  que  o   resultado   final   seja  atingido  com  a  máxima  eficiência,  ao  menor  custo  possível.    

Nesse   sentido,   o   êxito   de   qualquer   atividade   de   produção   condiciona-­‐se   à   existência   de  perfeito  encadeamento  de  todas  as  ações  programadas.  Sob  esse  aspecto,  a  elaboração  de  um  produto  ou  evento  cultural  não  difere  da  produção  de  um  bem  de  consumo  ou  de  um  serviço   qualquer.   Produzir   arte   e   cultura   também   demanda   a   execução   de   atividades   em  sequência   lógica  e   racional.  A  despeito  de   toda  a   informalidade  que   caracteriza  o   setor,   é  preciso  perceber  que,  quando  se  trata  desse  campo,  nada  pode  ser  conduzido  casualmente.  A  organização  do  trabalho  é  fator  de  sucesso  também  no  universo  cultural.  Compreender  a  existência  de  etapas  em  uma  produção  é,  portanto,  o  ponto  de  partida  para  uma  atuação  eficiente  dos  profissionais  da  área.  

O  processo  de  produção  pode  ser  dividido  em  três  fases  distintas:  pré-­‐produção,  produção  e  pós-­‐produção,  conforme  descrito  no  Quadro  3.1.  

 

Quadro  3.1  –  Etapas  de  uma  produção  

Pré-produção

Etapa de planejamento, na qual se desenvolvem atividades como análise do contexto, definição das diretrizes do trabalho a ser executado e elaboração do projeto. É o momento em que se definem pontos fundamentais como equipe, atribuições, orçamento, cronograma e estratégias de captação de recursos, entre outros.

Produção Fase de execução, na qual são implementadas as atividades planejadas para a materialização do projeto.

Pós-produção Etapa conclusiva do trabalho, dedicada à desmobilização dos recursos empregados, aos acertos de contas e à elaboração de relatórios finais.

 

Para  efeito  didático,  é  possível  estabelecer  marcos  divisórios  dessas  etapas.  Esses  limites  correspondem  a  ações  que,  uma  vez  empreendidas,  conduzem  imediatamente  à  fase  seguinte,  conforme  demonstrado  no  diagrama  apresentado  na  Figura  3.1.  

 

Page 11: Elementos)degestão)dos)empreendimentos)culturais) · Quadro!1.1!–!Exemplos!de!atividades!cotidianas!de!umacarreiramusical! Planejamento Elaboração de projetos para leis de incentivo

   

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura  3.1  -­‐  Etapas  de  uma  produção  

 

A   etapa   de   pré-­‐produção   vai   desde   a   concepção   da   ideia   até   o   momento   em   que   o  empreendedor   firma  algum  compromisso  que   torna  o  projeto   irreversível.  A  assinatura  de  contratos,   que   caracteriza   o   primeiro   marco   divisório   do   projeto   (Figura   3.1),   pode   selar  compromissos  de  diferentes  naturezas,  como  o   fechamento  de  um  patrocínio,  o  acerto  de  datas  em  um  espaço  cultural  ou  a  contratação  de  um  fornecedor  ou  artista.  No  momento  em  que  uma  dessas  obrigações  é  assumida,  o   trabalho  entra  automaticamente  na   fase  de  produção.  

A  partir   daí   está  em   jogo  a   capacidade  do  profissional  de  honrar  o   compromisso   firmado.  Mesmo  que  se  trate  de  um  acordo  verbal,  procedimento  ainda  comum  na  área  da  cultura,  é  necessário   que   o   responsável   pela   iniciativa   se   esforce   pelo   cumprimento   daquilo   que   foi  acertado.   Afinal,   sua   credibilidade   depende   fundamentalmente   de   suas   atitudes   e   de   sua  conduta  em  relação  aos  parceiros.  

Aqui   reside   um  dos   grandes   problemas   da   produção   cultural   brasileira.   É   comum  artistas,  produtores   ou   gestores   assumirem   compromissos   irreversíveis,   sem   que   a   fase   de   pré-­‐produção  tenha  sido  cumprida  em  sua  totalidade.  Partem  para  a  execução  do  projeto  como  um  avião   que   decola   sem  plano   de   voo,   numa   viagem  às   cegas.  Quase   sempre   essa   ação  impulsiva   acaba   custando   caro   aos   envolvidos   e   resultando   em   perdas   na   qualidade   do  empreendimento  ou  mesmo  em  prejuízos  financeiros.  São  frequentes  os  relatos  de  eventos  não   realizados   ou   ações   malsucedidas   cujo   fracasso   pode   ser   creditado   a   atitudes  precipitadas.  A  decisão  de  assumir  compromissos  somente  deve  ser  tomada,  portanto,  após  o   cumprimento   de   uma   série   de   procedimentos   que   compõem   a   fase   de   pré-­‐produção.  (Avelar,  p.  173)  

 

 

Page 12: Elementos)degestão)dos)empreendimentos)culturais) · Quadro!1.1!–!Exemplos!de!atividades!cotidianas!de!umacarreiramusical! Planejamento Elaboração de projetos para leis de incentivo

   

 

Pré-­‐produção:  um  momento  crucial  para  o  êxito  do  projeto  

A  pré-­‐produção  é  o  momento  de  definir  estratégias  para  a  transformação  da  ideia  em  algo  exequível.   Dedicar   atenção   especial   a   essa   etapa   é   fator   essencial   para   que   o  empreendimento  tenha  sucesso.  

Muitas  pessoas  –  os  artistas,  em  particular  –  têm  dificuldade  de  trazer  para  o  plano  real  seus  desejos   e   divagações.   Frequentemente   se   lançam   em   buscas   desordenadas,  desconsiderando  a  necessidade  de  estabelecer  métodos  racionais  de  trabalho  e  de  analisar  previamente   o   contexto.   São   muitas   as   boas   ideias   e   até   carreiras   que   se   perdem  exatamente  por  falta  de  habilidade  em  planejar  e  traçar  diretrizes.  

A   pré-­‐produção   é   exatamente   o   momento   do   planejamento.   Na   prática,   o   produtor   ou  gestor   deve   tentar   antever   seu   projeto   concluído,   com   a   máxima   riqueza   de   detalhes.  Precisa   buscar   respostas   para   algumas   perguntas   relativas   ao   produto   final:  o   que,   como,  quando,  onde,  quem,  por  que  e  para  que.  Ao  refletir  sobre  tais  questões,  poderá  tornar  mais  explícitos  seu  próprio  objetivo  e  as  estratégias  a  serem  adotadas  para  atingi-­‐lo.  Mais  do  que  simples   exercício   de   futurologia,   esse   procedimento   o   levará   à   tomada   das   primeiras  decisões  e  à  definição  de  contornos  reais  para  o  empreendimento.  A  antecipação  deve  ser  minuciosa,  para  que  a  projeção  se  aproxime  o  máximo  possível  do  resultado  final.  

Obviamente,  o  imponderável  precisa  ser  levado  em  conta.  É  natural  que  ocorram  alterações  ao   longo  da  execução  do  trabalho,  e  que  ele   tenha,  quando  concluído,  configurações  bem  distintas   da   ideia   original.   A   realidade   é   dinâmica   e   exige   dos   empreendedores   posturas  maleáveis.   As   linhas   de   um   projeto   têm   que   ser   revistas   sempre   que   ocorrer   alguma  mudança   significativa   no   ambiente.   Um   dos   grandes   benefícios   do   planejamento   é  exatamente   o   de   proporcionar   ao   gestor   maior   agilidade   e   segurança   para   a   tomada   de  decisões  e  para  a  efetivação  das  alterações  necessárias,  diante  de  fatos  inesperados.  Quem  planeja  reduz  o  impacto  de  eventuais  turbulências.  (Avelar,  p.175)  

A  pré-­‐produção  de  um  projeto  cultural  envolve,  naturalmente,  uma  série  de  procedimentos,  entre  os  quais  se  destacam:  

• realização  de  estudos  preliminares;  • verificação  dos  direitos  autorais  envolvidos;  • montagem  da  equipe  de  trabalho;  • criação  de  instrumentos  burocráticos  de  controle;  • elaboração  do  plano  de  comunicação;  • montagem  do  cronograma;  • montagem  do  orçamento;  • elaboração  de  projetos  para  a  busca  de  recursos  e  parcerias;  e  • captação  de  recursos.  

 

Page 13: Elementos)degestão)dos)empreendimentos)culturais) · Quadro!1.1!–!Exemplos!de!atividades!cotidianas!de!umacarreiramusical! Planejamento Elaboração de projetos para leis de incentivo

   

De   todos  esses  procedimentos,   cabe  aqui  destacar  a   criação  de   instrumentos  burocráticos  de  controle  ou,  simplesmente,  checklists,  por  seu  forte  poder  estruturante.  

 

O  emprego  de  checklists  

A   produção   cultural   tem   como   particularidade   certo   desequilíbrio   no   que   tange   à  distribuição  do  volume  de  trabalho  ao  longo  do  tempo.  Devido  à  própria  natureza  da  área,  não   existe   um   fluxo   regular   de   atividades.   Produzir   significa   alternar   fases   de   relativa  tranquilidade   com   outras   de   intensa   movimentação.   Uma   vez   deflagrada   a   etapa   de  produção   propriamente   dita,   as   demandas   por   ações   específicas   se   intensificam   num  crescendo  para,   às   vésperas  do   lançamento,   abertura  ou  estreia,   atingir   picos  de   trabalho  bastante   estressantes.   É   nesses   momentos   de   grande   tensão   que   costumam   ocorrer   os  problemas   mais   graves.   Nessas   ocasiões,   pequenos   enganos   ou   esquecimentos   podem  assumir   grandes  proporções  e  até  mesmo  gerar  desgastes   irreversíveis.  Confiar   apenas  na  memória   pode   não   ser   uma   prática   adequada   em   circunstâncias   tão   adversas.   É  recomendável,   portanto,   a   criação   de   mecanismos   de   verificação   e   acompanhamento   de  todas  as  atividades:  os  checklists.  

Um   checklist   bem  elaborado   é   um  precioso   instrumento   de  mapeamento   dos   caminhos   a  serem   trilhados   e,   principalmente,   de   controle.   É   construído   para   dar   confiabilidade   ao  processo   de   produção   e,   consequentemente,   maior   qualidade   ao   resultado   final.   Outro  efeito   positivo   do   emprego   da   ferramenta   é   a   difusão   das   informações   entre   as   pessoas  diretamente   envolvidas.   O   registro   do   andamento   de   todas   as   ações   possibilita   à   equipe  identificar  as  providências  pendentes  e  favorece  a  tomada  de  decisões,  principalmente  em  momentos  críticos,  reduzindo  os  riscos  da  centralização  excessiva.  

Boa   parte   das   falhas   na   condução   de   projetos   culturais   se   deve   ao   pouco   cuidado   com  detalhes.  Ainda  são  muitas  as  produções  em  que  os  imprevistos  se  colocam  como  regra,  por  simples   descuido,   despreparo   ou,   na   pior   das   hipóteses,   por   negligência.   Um   produtor  precisa   ter   boa   percepção   sobre   fatores   críticos   e   antever   aquilo   que   possa   vir   a   ser  problema,  acrescentando  cada  um  desses  pontos  ao  checklist.  (Avelar,  p.180)  

Tome-­‐se  como  exemplo  o  caso  da  produção  de  um  evento  ao  ar  livre  que,  em  determinada  edição,   enfrente   problemas   com   uma   chuva   inesperada.   É   possível   que   os   realizadores  tenham   que   se   desdobrar,   com   urgência,   para   conseguir   algumas   lonas   plásticas   para  proteção   dos   equipamentos.   Desse   modo,   é   recomendável   acrescentar   no   checklist   a  inclusão   de   tais   lonas   no  material   a   ser   levado   para   as   próximas   edições,   a   fim   de   que   a  situação  de  risco  não  volte  a  se  repetir.  

O  ponto  de  partida  para  a  montagem  de  um   instrumento  dessa  natureza,  na   fase  de  pré-­‐produção,   é   a   identificação   das   rotinas   específicas   do   trabalho   a   ser   realizado.   É   preciso  levantar   cuidadosamente   todos   os   procedimentos   fundamentais   para   a   concretização   do  projeto,  a  fim  de  que  o  roteiro  se  torne  realmente  confiável.  O  passo  seguinte  é  organizar  as  informações   em   formulários,   facilitando   o   lançamento   dos   dados   e   a   consulta   pelos  integrantes  da  equipe.  O  instrumento  deve  ser  aperfeiçoado  ou  adaptado  a  cada  produção,  

Page 14: Elementos)degestão)dos)empreendimentos)culturais) · Quadro!1.1!–!Exemplos!de!atividades!cotidianas!de!umacarreiramusical! Planejamento Elaboração de projetos para leis de incentivo

   

com   a   ampliação   e   a   supressão   de   itens,   tendo   em   vista   o   caráter   particular   da   nova  proposta.    

À   medida   que   avança   a   carreira   do   empreendedor,   os   checklists   vão   se   tornando   mais  extensos  e  ganhando  detalhes  cada  vez  mais  refinados.  Há  que  se  ressaltar,  no  entanto,  que  tais   instrumentos,   por   si,   não   garantem   eficácia   no   controle   dos   empreendimentos.   É  essencial  que  seja  instituído  o  hábito  de  consultá-­‐los  e  atualizá-­‐los  cotidianamente,  para  que  produzam  efeito.  

 

Produção:  o  momento  da  materialização  do  projeto  

A  produção  propriamente  dita  é  o  momento  de  concretizar  aquilo  que  foi  projetado  durante  a  pré-­‐produção.  É  uma  fase  em  que  as  tensões  e  os  prazeres  naturais  do  processo  criativo  se  mesclam   com   a   premência   do   tempo   e   com   os   obstáculos   comuns   a   qualquer  empreendimento.  A  atmosfera  é  de  grande  expectativa  em  torno  dos  resultados.  

Uma  imagem  que  traduz  com  fidelidade  o  que  se  passa  durante  a  fase  de  produção  é  a  de  um  furacão.  No  início,  a  brisa  é  leve  e  tudo  está  tranquilo.  À  medida  que  a  equipe  envolvida  começa  a  atuar,  a  demanda  por  providências  vai  crescendo.  Os  ventos  ganham  força  quando  a   montagem   caminha   para   sua   etapa   final   e,   às   vésperas   da   estreia   ou   lançamento,   a  tempestade  já  se  formou,  atingindo  seu  grau  máximo.  Tudo  gira  com  grande  velocidade,  e  o  produtor  está  lá:  no  “olho  do  furacão”.  É  preciso  manter  o  perfeito  entrosamento  da  equipe  e  controlar  todas  as  atividades  e  demandas  para  que,  passada  a  tormenta,  o  trabalho  chegue  ao  público  conforme  o  planejado.  

Todos  aqueles  que  já  estiveram  no  olho  desse  furacão  sabem  da  importância  de  se  realizar  uma   pré-­‐produção   bem   feita.   Chegar   ao  momento   crítico   das   vésperas   da   estreia   com   as  questões   estruturais   resolvidas   é   essencial   para   que   se   possa   atender   com   eficiência   e  serenidade  ao  excesso  de  demandas  da  reta  final.  (Avelar,  p.219)  

A  produção  de  um  projeto  cultural  envolve  uma  série  de  procedimentos,  entre  os  quais  se  destacam:  

• busca  de  apoios  e  permutas;  • controle  de  cronograma;  • gestão  orçamentária;  • organização  de  documentos  para  futuras  prestações  de  contas;  • divulgação;  • realização  propriamente  dita  do  projeto;  • distribuição.  

 

 

 

Page 15: Elementos)degestão)dos)empreendimentos)culturais) · Quadro!1.1!–!Exemplos!de!atividades!cotidianas!de!umacarreiramusical! Planejamento Elaboração de projetos para leis de incentivo

   

 

Pós-­‐produção:  investimento  no  futuro  

A  pós-­‐produção,  etapa  final  de  um  projeto  cultural,  tem  início  quando  se  encerra  o  trabalho  artístico.  O  produtor  tem  agora  algumas  tarefas  não  muito  prazerosas  a  cumprir.  É  preciso  reunir   as   energias   que   sobraram  e   promover   uma   verdadeira   “limpeza   da   casa”.   Além  da  desmontagem  da   estrutura   física   utilizada   para   a   produção,   é   hora   de   fazer   uma   série   de  acertos,   organizar   a   documentação   do   projeto,   promover   reflexões   sobre   a   produção   e  elaborar  relatórios,  tarefas  que  exigem  atenção,  empenho  e  paciência.  

Uma   primeira   ação   importante   da   etapa   de   pós-­‐produção   é   a   eliminação   de   eventuais  pendências.  Tudo  aquilo  que  foi  emprestado  ou  alugado  deve  ser  devolvido,  naturalmente  em  bom  estado  de  conservação.  Chamar  a  atenção  para  a  importância  desse  tipo  de  cuidado  pode   parecer   um   tanto   óbvio.   Entretanto,   na   prática,   são   frequentes   as   falhas   dessa  natureza  cometidas  pelas  equipes  de  produção,  seja  por  cansaço  e  saturação  nessa  fase  final  ou,  simplesmente,  por  negligência.  

Da  mesma   forma,   é   preciso   efetuar   com   cautela   os   acertos   de   contas,   para   que   nenhum  compromisso   financeiro  deixe  de   ser   cumprido.  Na  perspectiva  do   credor,   a  menor  dívida  não   saldada   assume   grandes   proporções.   Qualquer   pequeno   deslize   nesse   terreno   pode  abalar  a  credibilidade  do  produtor,  pelo  menos  no  universo  imediato  daquele  que  se  sentiu  lesado.  

A  apresentação  de  relatórios  para  os  parceiros,  sejam  eles  privados,  públicos  ou  do  terceiro  setor,   é   outro   procedimento   imprescindível   na   pós-­‐produção.  Do   ponto   de   vista   daqueles  que  gerenciam  patrocínios  dentro  das  empresas  ou  instituições,  trata-­‐se  de  um  instrumento  essencial  para  a  própria   realimentação  do   financiamento  e  para  a  preservação  das   fontes.  Um  relatório  bem  estruturado  é  fundamental  para  a  comprovação  de  que  os  recursos  foram  bem   empregados   e   renderam   bons   frutos.   Contribui   também   para   que   os   dirigentes   das  instituições   financiadoras   se   convençam   de   que   vale   a   pena   continuar   investindo   nas  iniciativas  dos  responsáveis  pelo  empreendimento.  

A  pós-­‐produção  é  também  o  momento  de  conclusão  das  prestações  de  contas  relativas  aos  recursos   públicos   obtidos   para   o   projeto   por   intermédio   de   leis   de   incentivo   ou   de  mecanismos  como  fundos,  editais  e  prêmios  culturais.  Na  verdade,  trata-­‐se  aqui  apenas  do  fechamento   do   processo   para   envio   aos   órgãos   públicos,   uma   vez   que   o   trabalho   de  organização  dos  documentos  deve   ter   sido   iniciado  no  momento  do  primeiro  depósito  na  conta  do  projeto,  ainda  no  início  da  etapa  da  produção.  

Nesses   casos,   o   empreendedor   deve   seguir   rigorosamente   as   instruções   fornecidas   pela  entidade  responsável  pelo  financiamento  e  apresentar  a  documentação  exigida,  num  curto  espaço   de   tempo   após   o   encerramento   do   prazo   de   realização   estipulado.   O   grau   de  complexidade  da  prestação  de  contas  varia  de  acordo  com  a  instituição  financiadora,  o  que  exige  atenção  às  instruções  normativas  publicadas  e  às  orientações  contidas  nos  formulários  específicos  disponibilizados  para  esse  fim.  

Page 16: Elementos)degestão)dos)empreendimentos)culturais) · Quadro!1.1!–!Exemplos!de!atividades!cotidianas!de!umacarreiramusical! Planejamento Elaboração de projetos para leis de incentivo

   

 

Por  fim,  uma  iniciativa  simples,  mas  que  pode  trazer  resultados  surpreendentes,  é  o  envio,  após  o  encerramento  do  projeto,  de  uma  carta  ou  cartão  a  todas  as  pessoas  incluídas  na  lista  de   agradecimentos.   Essa   atitude   simpática,   embora   pouco   usual,   costuma   ser  muito   bem  recebida  e  abrir  novas  perspectivas  de  parcerias  futuras.  (Avelar,  p.263)  

 

   

Page 17: Elementos)degestão)dos)empreendimentos)culturais) · Quadro!1.1!–!Exemplos!de!atividades!cotidianas!de!umacarreiramusical! Planejamento Elaboração de projetos para leis de incentivo

   

 Bibliografia  

ALLEN,  Johnny  et  al.  Organização  e  gestão  de  eventos.  Tradução  de  Marise  Philbois  Toledo.  Rio  de  Janeiro:  Elsevier,  2003.  

ANDERSON,  Chris.  A  cauda  longa:  do  mercado  de  massa  para  o  mercado  de  nicho.  Rio  de  Janeiro:  Elsevier,  2006.  

AVELAR,  Romulo.  O  avesso  da  cena:  notas  sobre  produção  e  gestão  cultural.  Belo  Horizonte:  Ed.  do  Autor,  2013.  

BARRETO,  Alê.  Aprenda  a  organizar  um  show.  Rio  de  Janeiro:  Imagina,  2007.  Disponível  em:  <http://produtorindependente.blogspot.com.br/2010/01/livro-­‐aprenda-­‐organizar-­‐um-­‐show-­‐lancado.html>.  Acesso  em:  16  de  agosto  de  2013.  

CARVALHO,  Jorginho  de.  Oficina  iluminação  cênica.  Rio  de  Janeiro:  Funarte,  2004.  

CUNHA,  Maria  Helena.  Gestão  cultural:  profissão  em  formação.  Belo  Horizonte:  Duo  Editorial,  2007.  

DRUMMOND,  Alessandra;  NEUMAYR,  Rafael.  Direito  e  cultura:  aspectos  jurídicos  da  gestão  e  produção  cultural.  Belo  Horizonte:  [s.n.],  2011.  

KOSSA,  Pablo.  10  anos  de  Goiânia  Noise:  em  terra  de  cowboy  quem  toca  guitarra  é  doido.  Goiânia:  Contato  Comunicações,  2005.  

LACOMBE,  Francisco  José  Masset;  HEILBORN,  Gilberto  Luiz  José.  Administração:  princípios  e  tendências.  São  Paulo:  Saraiva,  2006.    

LOBO,  Carla.  Diário  de  produção:  relatos,  dicas,  experiências  e  casos  de  quem  aprendeu  a  produção  cultural  na  prática.  Belo  Horizonte:  Ed.  da  autora,  2009.  

MACHADO,  Raul  José  de  Belém.  Oficina  cenotécnica.  Rio  de  Janeiro:  Funarte,  1997.  

NATALE,  Edson;  OLIVIERI,  Critiane.  Guia  brasileiro  de  produção  cultural  2007:  educar  para  a  cultura.  São  Paulo:  Editora  Zé  do  Livro,  2006.  

SALAZAR,  Leonardo  Santos.  Música  Ltda:  o  negócio  da  música  para  empreendedores  (inclui  um  plano  de  negócio  para  uma  banda).  Recife:  Sebrae  2010.  

YEOMAN,  Ian  et  al.  Gestão  de  festivais  e  eventos:  uma  perspectiva  internacional  de  artes  e  cultura.  São  Paulo:  Roca,  2006.