Elementos de Topologia para Sistemas Dinâmicos · 4 Espaços Métricos 67 ... A topologia e a...

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Elementos de Topologia paraSistemas Dinâmicos

Fernando Lucatelli Nunes

Brasília - DF

Sumário

Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3

0 Conjuntos e Relações 50.1 Conjuntos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

0.1.1 Noções básicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50.1.2 Funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

0.2 Relação de Ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60.3 Relações de Equivalência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80.4 Cardinalidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

0.4.1 Teorema de Cantor-Schroeder-Bernstein . . . . . . . . 90.4.2 Conjunto das partes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110.4.3 Conjuntos Enumeráveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

1 Topologia 151.1 Topologias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151.2 Linguagem Básica da Topologia . . . . . . . . . . . . . . . . . 201.3 Continuidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

2 Conexidade e Compacidade 332.1 Espaços Hausdor� . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 332.2 Espaços Conexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

2.2.1 Espaços conexos por caminhos . . . . . . . . . . . . . . 412.2.2 Componentes conexas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

2.3 Espaços Compactos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 452.3.1 Rigidez Hausdor�-Compacto . . . . . . . . . . . . . . . 482.3.2 Caracterização de espaços compactos . . . . . . . . . . 50

1

2 SUMÁRIO

3 Topologias Produto e Quociente 533.1 Topologia Produto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

3.1.1 Produto Finito de Espaços . . . . . . . . . . . . . . . . 533.1.2 Topologia Produto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

3.2 Topologia Quociente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

4 Espaços Métricos 674.1 A Topologia da Métrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68

4.1.1 Conjuntos Limitados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 714.1.2 Espaços Vetoriais Normados . . . . . . . . . . . . . . . 744.1.3 Métrica da convergência uniforme . . . . . . . . . . . . 78

4.2 Funções Contínuas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 784.3 Convergência Uniforme . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 824.4 Espaços Métricos Completos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83

4.4.1 Espaços topologicamente completos . . . . . . . . . . . 864.5 Espaços Métricos Compactos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 904.6 Semicontinuidade Inferior e Superior . . . . . . . . . . . . . . 94

5 Grupos Topológicos 955.1 Teoria Básica dos Grupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95

5.1.1 Homomor�smo de grupos . . . . . . . . . . . . . . . . 965.1.2 Teorema de Lagrange . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 985.1.3 Grupo Quociente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100

5.2 Grupos Topológicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1045.2.1 Sistema de vizinhanças do elemento neutro . . . . . . . 1065.2.2 Axiomas de Separação . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1085.2.3 Subgrupos de grupos topológicos . . . . . . . . . . . . 1095.2.4 Grupos topológicos quocientes . . . . . . . . . . . . . . 112

SUMÁRIO 3

Prefácio

O principal objetivo deste texto é cobrir os pré-requisitos necessários para aleitura da referência [6]. Nessa referência, um sistema dinâmico é de�nidocomo sendo um par (X,G), onde X é um espaço métrico compacto e G é umgrupo topológico agindo em G. A �topologia� e a �análise� necessárias paraentender essa terminologia serão apresentadas neste texto.

O capítulo 0 será dedicado à teoria dos conjuntos. Os capítulos 1, 2 e 3são dedicados à topologia geral. Neles, são tratados os assuntos su�cientespara entender (e ter uma visão mais ampla) sobre a estrutura dos espaçosde fase dos sistemas dinâmicos. O capítulo 4 complementa o trabalho de-senvolvido nos capítulos anteriores falando sobre espaços métricos (principalimportância para a referência [6] ).

Finalmente, no capítulo 5, há uma revisão de aspectos elementares deteoria básica dos grupos seguido de uma introdução a grupos topológicos(com de�nições e resultados mais pertinentes).

A primeira versão deste texto foi parte do meu trabalho de IniciaçãoCientí�ca pela UnB, intitulada �Introdução à Dinâmica Topológica e Apli-cações à Teoria dos Números�, no período de Agosto/2009 - Agosto/2010.Essa Iniciação Cientí�ca recebeu apoio do CNPq e foi orientada pelo pro-fessor Mauro Moraes Alves Patrão. Para mais detalhes sobre a iniciação, orelatório é a referência [7], disponibilizada na página do grupo de Teoria deLie e Aplicações, cujo endereço é

http://teoriadelie.wordpress.com/

4 SUMÁRIO

Capítulo 0

Conjuntos e Relações

0.1 Conjuntos

0.1.1 Noções básicas

Um conjunto é uma coleção de objetos e pode ser denotado ou pela listaexplícita de seus objetos (quando possível), ou por uma uma regra que de-termine quais são seus membros. Um conjunto A é um subconjunto de B,se todo elemento de A pertencer, também, a B. Se A é subconjunto de B,denota-se A ⊂ B. Dois conjuntos, A e B, são iguais, se A ⊂ B e B ⊂ A. Oconjunto vazio é o conjunto que não possui nenhum elemento e é denotadopor ∅.

Dados dois conjuntos A e B, de�ne-se A − B = {x ∈ A : x 6∈ B}. SeA ⊂ B, o complementar do conjunto A relativo ao conjunto B é o conjuntoAC = B − A dos elementos que pertencem a B, mas não pertencem a A.Quando não há ambigüidade sobre qual é o conjunto universo (qual é oconjunto B), dizemos apenas �complementar de A� e denotamos AC , paranos referir a B − A.

Sejam A e B dois conjuntos, a união de A e B é o conjunto A ∪ Bde todos elementos que pertencem ou a A, ou a B e a interseção A ∩ Bé a coleção dos elementos que pertencem a A e a B �simultânemente�. Oproduto cartesiano de A e B é o conjunto A×B dos pares (a, b) tais quea ∈ A e b ∈ B. Analogamente, pode-se de�nir o produto cartesiano de umacoleção �nita ou in�nita de conjuntos.

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6 CAPÍTULO 0. CONJUNTOS E RELAÇÕES

0.1.2 Funções

Sejam A e B conjuntos. Uma relação de A em B é um subconjunto R doA×B. Quando (a, b) ∈ R, diz-se que a se relaciona com b.

Uma função de A em B é uma relação F de A em B tal que (a, b), (a, c) ∈F =⇒ b = c, quando F é uma função e (a, b) ∈ F , denota-se F (a) = b. Umafunção f de A em B é denotada por f : A→ B. A é chamado o domínio e Bé chamado o contradomínio de f . O conjunto Im(f) = {f(x) : x ∈ A} ⊂ Bé a imagem de f . Se Im(f) = B, a função f é chamada sobrejetiva. Sef(x) = f(y) implicar x = y, f é dita injetiva. Caso uma função seja injetivae sobrejetiva, ela é dita bijetiva.

Seja f : A → B uma função. Se X ⊂ B, a imagem inversa de X éo conjunto f−1(X) = {x ∈ A : f(x) ∈ X}. Se x ∈ B, note que o conjuntof−1(x) = {y ∈ A : f(y) = x} pode ser vazio, unitário ou um conjunto commais de um elemento. Caso f seja injetiva, a última possibilidade é excluídae, por sua vez, caso f seja sobrejetiva a primeira possibilidade é excluída.Portanto, se f é bijetiva, necessariamente f−1(x) = {y ∈ A : f(y) = x} éunitário e, nesse caso, então, podemos de�nir a função inversa de f , f−1 :B → A.

0.2 Relação de Ordem

Nesta seção, apresentaremos algumas de�nições básicas sobre �ordem� numconjunto A. Primeiramente, de�ne-se o que é ordem como segue:

De�nição 0.1 (Ordem) Uma ordem num conjunto A é uma relação Ro deA nele mesmo que satisfaz as seguintes propriedades:

1. ∀a ∈ A, (a, a) ∈ Ro (propriedade re�exiva)

2. (a, b) ∈ Ro e (b, a) ∈ Ro =⇒ a = b (anti-simetria)

3. (a, b) ∈ Ro e (b, c) ∈ Ro =⇒ (a, c) ∈ Ro (transitividade)

Se Ro é uma relação de ordem, (a, b) ∈ Ro é denotado por a ≤ b e diz-seque a é menor ou igual a b. Uma ordem num conjunto X é dita total, se∀a, b ∈ X, ou a ≤ b, ou b ≤ a. Caso isso não ocorra, a ordem é dita ordemparcial.

0.2. RELAÇÃO DE ORDEM 7

Quando um conjunto A está munido de uma ordem parcial, ele é deno-minado parcialmente ordenado, e ele é denominado totalmente ordenado seestiver munido de uma ordem total.

Seja A um conjunto parcialmente ordenado. Se B ⊂ A, então a ordemparcial de A induz uma ordem em B fazendo, para a, b ∈ B, a ≤ b se, e so-mente se, a ≤ b em A. Se um subconjunto B de um conjunto A parcialmenteordenado é totalmente ordenado, ele é chamado de cadeia em A.

De�nição 0.2 (Cotas, sup e inf) Seja A um conjunto parcialmente or-denado. Caso B ⊂ A, um elemento a ∈ A é cota superior de B, seb ≤ a,∀b ∈ B. Analogamente, um elemento a ∈ A é cota superior de B,se a ≤ b,∀b ∈ B.

Se existir um número s ∈ A, tal que s é cota superior de B ⊂ A e: a ∈ Aé cota superior de B =⇒ s ≤ a; esse número s ∈ A é chamado o supremodo conjunto B, e denota-se s = supB. Analogamente, se existir um númeroI ∈ A, tal que I é cota inferior de B ⊂ A e: a ∈ A é cota inferior de B =⇒a ≤ I; esse número I ∈ A é chamado o ín�mo do conjunto B, e denota-seI = inf B.

Observação: Note que nem todo subconjunto B não-vazio de A possui cotasuperior ou cota inferior.

Nem todo conjunto B ⊂ A, que possua uma cota superior, possui umsupremo. Analogamente nem todo conjunto B ⊂ A, que possua uma cotainferior, possui um ín�mo. Por exemplo, o subconjunto

{x ∈ Q : x >

√2}⊂

Q possui cota inferior em Q e, no entanto, não possui ín�mo.

De�nição 0.3 (Máximo e mínimo) Seja A um conjunto parcialmente or-denado e B ⊂ A, o elemento m ∈ B é máximo em B, se m 6≤ b para todob ∈ B − {m}. O elemento m′ ∈ B é mínimo em B, se b 6≤ m′ para todob ∈ B − {m′}.

Um axioma importante e muito famoso da teoria dos conjuntos é o axiomada escolha, o qual é enunciado abaixo.

Axioma 0.1 (Axioma da escolha) Se {Ai}i∈L é uma família de conjun-

tos não-vazios, então existe uma função f : L →⋃j∈L

Aj tal que f(j) ∈

Aj,∀j ∈ L.

8 CAPÍTULO 0. CONJUNTOS E RELAÇÕES

Geralmente, fazemos uso do axioma da escolha na forma do lema de Zornque está apresentado na forma de axioma abaixo.

Axioma 0.2 (Lema de Zorn) Se A é parcialmente ordenado e toda cadeiaem A possui uma cota superior, então A possui um elemento máximo.

0.3 Relações de Equivalência

De�nição 0.4 (Relação de equivalência) Uma relação Re é dita ser umarelação de equivalência, quando a relação é de um conjunto A nele mesmo esatisfaz as três propriedades abaixo:

1. ∀a ∈ A, (a, a) ∈ Re (propriedade re�exiva)

2. (a, b) ∈ Re =⇒ (b, a) ∈ Re (simetria)

3. (a, b) ∈ Re e (b, c) ∈ Re =⇒ (a, c) ∈ Re (transitividade)

Se Re é uma relação de equivalência, (a, b) ∈ Re é denotado por a ∼ b ediz-se que a é equivalente a b.

Um relação satisfazendo a propriedade 1 é chamada relação re�exiva,satisfazendo a 2 é chamada relação simétrica e satisfazendo a 3 é dita relaçãotransitiva.

Um exemplo trivial de �relação de equivalência� num conjunto A é aigualdade =. Note que uma ordem difere-se de uma relação de equivalênciaapenas na propriedade 2 (a ordem parcial é anti-simétrica, enquanto a relaçãode equivalência é simétrica).

Se ∼ é uma relação de equivalência em X, o conjunto de todos os elemen-tos de X que são equivalentes a um dado elemento x é chamado a classe deequivalência de x. Com efeito, se x ∈ X, o conjunto x̃ = {y ∈ X : y ≡ x}é a classe de equivalência de x. A família das classes de equivalências édenotado por X/ ∼.

Seja X um conjunto munido de uma relação de equivalência. É bem fácilde veri�car que, se dois elementos de um conjunto X não são relacionados,então eles possuem classes de equivalência disjuntos. E, então, escolhendoum único (elemento) representante para cada classe de equivalência em X,X é particionado pelas classes de equivalência desses representantes.

0.4. CARDINALIDADE 9

Exemplo 0.4.1 Seja f : X → Y uma função. De�ne-se uma relação em Xda seguinte forma: x ∼ y, se f(x) = f(y). Isso é uma relação de equivalên-cia. Podemos de�nir uma função injetiva f̃ : X/ ∼→ Y de maneira natural,colocando f̃(x̃) = f(x).

0.4 Cardinalidade

Aqui, será feita uma breve exposição sobre o tema. O objetivo é apenasmostrar alguns dos pontos importantes que serão necessários para o prosse-guimento da leitura do texto. Caso o leitor identi�que falta de familiaridadecom o assunto, ele deve consultar um livro de Teoria dos Conjuntos, como areferência [1], ou de Análise, como a referência [3].

0.4.1 Teorema de Cantor-Schroeder-Bernstein

O primeiro importante resultado sobre o tema é o teorema de Cantor-Schroeder-Bernstein. Apesar do nome, ele é simples, além de ser muito conhecido ebastante usado. Dois conjuntos A e B são, por de�nição, de mesma car-dinalidade se existe uma bijeção φ : A → B. Quando existe essa bijeção,denota-se card(A) = card(B).

Antes de enunciar o teorema, será provado um lema e uma proposição.

Lema 0.3 Sejam A,B conjuntos não-vazios. Existe uma sobrejeção γ : A→B se, e somente se, existe uma injeção λ : B → A.

Prova: Com efeito, se existe uma sobrejeção γ : A → B, segue que, paracada x ∈ B, podemos escolher um único yx ∈ A tal que γ(yx) = x. Entãode�nimos λ : B → A, λ(x) = yx. Note que isso é, evidentemente, umainjeção.

Reciprocamente, se existe λ : B → A injetivo, �xando a ∈ B qualquer,de�ne-se γ : A → B tal que: γ(x) = λ−1(x) , se x ∈ λ(B); e γ(x) = a, sex 6∈ λ(B). Note que γ é evidentemente sobrejetivo. �

Dizemos que card(A) ≤ card(B) (cardinalidade de A é menor ou igualà cardinalidade de B ) se existe uma injeção λ : A → B. E, portanto, pelolema precedente, isso é equivalente a existir uma sobrejeção γ : B → A.

10 CAPÍTULO 0. CONJUNTOS E RELAÇÕES

Segue uma proposição que servirá de apoio para a demonstração do teoremade Cantor-Schroeder-Bernstein.

Proposição 0.4 Se B ⊂ A e card(A) ≤ card(B), então A e B tem a mesmacardinalidade. Ou seja, se B ⊂ A e existe uma injeção f : A→ B, então Ae B tem a mesma cardinalidade.

Prova: Com efeito, toma-se a injeção f : A → B. Como B ⊂ A, tem-seque f(B) ⊂ f(A). E é fácil de veri�car por indução que, para todo n ∈ N,fn(B) ⊂ fn(A). De�ne-se

K =

x ∈ A : x ∈⋃

n∈N∪{0}

fn(A)− fn(B)

.

E, então, de�ne-se h : A→ B tal que h(x) = f(x), se x ∈ K; e h(x) = x,se x ∈ (A−K).

Evidentemente, h|K e h|(A −K) são injetivas. Logo, para provar que hé injetiva, basta provar que, dados a ∈ K e b ∈ (A−K), h(a) 6= h(b). Bom,supõe-se por absurdo que, nessas condições, h(a) = h(b). Isso implica quef(a) = h(a) = h(b) = b.

Toma-se m ∈ N tal que a ∈ (fm(A) − fm(B)). Tem-se que f(a) = b ∈fm+1(A). E, como b 6∈ K, tem-se que b ∈ fm+1(B). Disse segue que existet ∈ fm(B) tal que f(t) = b. Mas, pela injetividade de f , a = t ∈ fm(B).Portanto a 6∈ (fm(A) − fm(B)). Absurdo. Portanto deve-se ter que h(a) 6=h(b). E isso completa a prova de que h é injetiva.

Resta provar que h é sobrejetiva. Dado q ∈ B, se q ∈ B −K, basta verque h(q) = q. Caso q ∈ K ∩ B, tem-se que q ∈ (f t(A)− f t(B)) para algumt ∈ N (positivo), a�nal q ∈ B. Note que, então, existe z ∈ f t−1(A) tal quef(z) = q. E, també, tem-se que z 6∈ f t−1(B), pois o contrário implicariaf(z) = q ∈ f t(B) e, então, q 6∈ (f t(A)− f t(B)).

Disso segue que z ∈ (f t−1(A) − f t−1(B)) e, portanto, h(z) = f(z) = q.Isso completa a prova da sobrejetividade de h. Portanto h é bijeção, dondesegue que card(A) = card(B).

O Teorema de Cantor-Schroeder-Bernstein é enunciado e provado abaixo.Ele diz que, se card(A) ≤ card(B) e card(B) ≤ card(A), então card(A) =card(B).

0.4. CARDINALIDADE 11

Teorema 0.5 (Teorema de Cantor-Schroeder-Bernstein) Sejam A,Bconjuntos não vazios. Se card(A) ≤ card(B) e card(B) ≤ card(A), segue quecard(A) = card(B). Ou seja, se existem injeções f : A → B e g : B → A,então existe uma bijeção φ : A→ B.

Prova: Com efeito, tomando as injeções f : A → B e g : B → A, tem-seque f ∗ : A → f(A), onde f ∗(x) = f(x), é uma bijeção entre A e f(A) ⊂ B.Logo (f ∗ ◦ g) : B → f(A) é uma injeção. Como f(A) ⊂ B, pela proposição0.4, segue que card(f(A)) = card(B), ou, em outras palavras, existe umabijeção h : f(A)→ B. Note, então, que φ = (h ◦ f ∗) : A→ B é composiçãode bijeções e, portanto, bijeção. �

Segue, como consequência do teorema 0.5, o denominado �princípio dacasa dos pombos� (muito usado em combinatória).

Proposição 0.6 (Princípio da casa dos pombos) Se a cardinalidade deA é (estritamente) maior que a cardinalidade de B, então não existe injeçãof : A→ B.

Prova: Basta ver que se card(B) ≤ card(A) e se houvesse uma injeçãof : A→ B, f : A→ f(A), seguiria que card(A) ≤ card(B). E, pelo teorema0.5, isso implicaria que card(A) = card(B).

Isso provou a proposição. �

0.4.2 Conjunto das partes

Seja X um conjunto, de�ne-se o conjunto das partes de X como sendo oconjunto P (X) = {A : A ⊂ X}. Será provado nesta subseção que a cardina-lidade de P (X) é estritamente maior que X.

Proposição 0.7 O conjunto das partes P (X) de um conjunto X tem cardi-nalidade (estritamente) maior que a cardinalidade de X.

Prova: Com efeito, supõe-se por absurdo que card(X) ≥ card(P (X)). Ouseja, a hipótese de absurdo é de que existe

f : X → P (X)

12 CAPÍTULO 0. CONJUNTOS E RELAÇÕES

sobrejetiva. Toma-se o conjunto U = {x ∈ X : x 6∈ f(x)}.Pela hipótese de absurdo, segue que f−1(U) não é vazio. Toma-se y ∈

f−1(U).Se y ∈ U , segue que y 6∈ f(y) = U . Portanto deveríamos ter que y 6∈ U .

Mas isso também implicaria na contradição de que y ∈ U .Portanto não existe y ∈ X tal que y ∈ f−1(U). Ou seja, f−1(U) = ∅ (isso

provou que f não é sobrejetiva). �

0.4.3 Conjuntos Enumeráveis

Um conjunto X é �nito, se X = ∅, ou se, para algum n ∈ N , houver umabijeção C : {1, . . . , n} → X e, nesse caso, diz-se que X possui n elementos.Quando X possui n elementos, denota-se |X| = n. Se X não é �nito, ele éin�nito.

O conjunto X é enumerável, se é �nito, ou se X possui a mesma cardi-nalidade de N. Se X for in�nito e não possuir a mesma cardinalidade de N,X é dito não-enumerável.

Exemplo 0.4.2 Pela proposição 0.7, tem-se que P (N) não é enumerável.Os racionais, os naturais e os inteiros são enumeráveis; mas o conjunto

dos reais e o conjunto dos números irracionais são não-enumeráveis.

Proposição 0.8 Valem as seguintes propriedades sobre conjuntos:

1. Se X é um conjunto in�nito, então card(X) ≥ card(N);

2. Um subconjunto de um conjunto �nito é necessariamente �nito;

3. Uma reunião �nita de conjuntos �nitos é �nita;

4. Um subconjunto de um conjunto enumerável é necessariamente enume-rável;

5. Uma reunião enumerável de conjuntos enumeráveis é necessariamenteenumerável;

6. Um produto �nito de conjuntos enumeráveis é enumerável.

0.4. CARDINALIDADE 13

Observação: Note que um produto enumerável de conjuntos enumeráveisnão é necessariamente enumerável. Um exemplo são os reais R. Com efeito,se a ∈ R, a é formado por uma quantidade enumerável de algarismos per-tencentes ao conjunto {0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9}, ou seja, podemos formar umainjeção f : R→ {0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9}N × {0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9}N e, comoR é não-enumerável, {0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9}N × {0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9}N énão-enumerável.

Temos, também, a seguinte versão do princípio da casa dos pombos.

Corolário 0.8.1 Se A é um conjunto in�nito e B é �nito, dada uma fun-ção f : A → B, existe pelo menos um x tal que f−1(x) é um conjunto decardinalidade in�nita.

Prova: Com efeito, se B é �nito e existe uma função f : A → B tal quef−1(x) é �nito para todo x ∈ B, seguiria que⋃

x∈B

f−1(x)

é uma reunião �nita de conjuntos �nitos. E, portanto, A seria �nito. �

14 CAPÍTULO 0. CONJUNTOS E RELAÇÕES

Capítulo 1

Topologia

Esse capítulo introduz os conceitos básicos de topologia geral. Ele começade�nindo �espaço topológico� e, depois, segue que a lingugem básica de to-pologia. Para trabalhar esses conceitos, consulte, por exemplo, as referências[5] e [2].

1.1 Topologias

Munir um conjunto X de uma topologia, equivale a muní-lo de uma �estru-tura de abertos�. Essa estrtura deve satisfazer algumas condições que, porexemplo, possibilita a noção de �proximidade� e, principalmente, possibilitade�nir �continuidade� de funções. Segue a de�nição clara.

De�nição 1.1 (Topologia) Uma topologia em um conjunto X é uma fa-mília τ de subconjuntos de X tal que:

1. ∅, X ∈ τ

2. A união dos conjuntos de qualquer subfamília de τ pertence a τ .

3. A interseção dos conjuntos de toda subfamília �nita de τ pertence a τ .

X é chamado o espaço da topologia τ .

Um espaço topológico é um par (X, τ) de um conjunto e uma topologiaespecí�ca nesse conjunto. Um subconjunto U de X é aberto, se U ∈ τ .Quando não há ambigüidade com relação à topologia adotada, diz-se que X

15

16 CAPÍTULO 1. TOPOLOGIA

é um espaço topológico (em vez de (X, τ)). Pela de�nição, sempre X e ∅ sãoabertos.

Quando nos referimos ao espaço topológico (X, τ), dizemos que X estámunido da topologia τ .

Exemplo 1.1.1 (Topologia trivial e a topologia discreta) Seja X é umconjunto qualquer. Uma topologia trivial em X é a topologia que consisteapenas dos conjuntos ∅ e X.Ou seja, quando τ = {X, ∅}. Essa topologiatambém é chamada de topologia caótica.

Outro exemplo é a topologia discreta em um conjunto X, onde se to-mam todas as partes de X como conjuntos abertos.

Exemplo 1.1.2 Dado X = {a, b, c}. Então {X, ∅, {a}} e {X, ∅, {a} , {a, b} , {a, c}}são exemplos de duas topologias em X.

Exemplo 1.1.3 Seja X um conjunto. Consegue-se de�nir uma topologia τem X consistindo de todos os subconjuntos U , tal que X − U é �nito ou é oX todo.

Também é uma topologia em X a coleção de todos U ⊂ X, tal que X−Ué enumerável ou é o X todo.

De�nição 1.2 Sejam τ e τ ′ duas topologias em X. Diz-se que τ é mais �naque τ ′, se τ ′ ⊂ τ . Nesse caso, também se diz que τ ′ é mais grosseira que τ .

Também é usada a terminologia (mais intuitiva) τ ′ menor que τ , quandoτ ′ ⊂ τ .

Tomando um conjunto qualquer X, é fácil notar que a topologia discretaem X é mais �na que qualquer outra topologia nesse conjunto. Da mesmaforma, tem-se que a topologia trivial é a mais grosseira de todas.

De�nição 1.3 (Vizinhança) Seja (X, τ) um espaço topológico. Um con-junto U ⊂ X é uma vizinhança de um ponto x ∈ X, se U contém algumaberto que contenha x.

Lema 1.1 Seja X um espaço topológico. A ⊂ X é aberto, se e somente seA é vizinhança de cada um de seus pontos.

1.1. TOPOLOGIAS 17

Prova: Evidente que, se A é aberto, dado x ∈ A, por A ⊂ A, tem-se queA é vizinhança de x.

Se A ⊂ X é, por hipótese, vizinhança de cada um dos seus pontos, segueque, para cada x ∈ A, existe αx ⊂ A aberto. Portanto

A =⋃x∈A

αx

é uma união de abertos e, portanto, aberto. O que completa a demonstraçãoda recíproca do lema. �

Veremos agora que, dada uma topologia τ num conjunto X, podemosgerá-la apartir de certos abertos dessa topologia, no sentido que será escla-recido no lema 1.2. O fato desses abertos �gerarem� a topologia faz com quea família desses abertos receba o nome de �base da topologia�. Reduzir umatopologia à sua base nos será importante, pois nos facilitará provar proprie-dades da topologia (como, por exemplo, a continuidade de uma função)1.

De�nição 1.4 (Base) Seja (X, τ) um espaço topológico. A base da topo-logia τ é uma família B de abertos, chamados elementos básicos, tal que,∅ ∈ B e, para cada x ∈ X e cada vizinhança U de x, existe um aberto β ∈ Btal que x ∈ β ⊂ U .

Lema 1.2 Sejam (X, τ) um espaço topológico e B uma base para a topologiaτ . Tem-se que τ é a família das uniões dos elementos de B.

Prova: Com efeito, os elementos de B são, também, elementos de τ , logoa união dos elementos de qualquer subfamília de B pertencem a τ . O quemostra que α ⊂ B =⇒

⋃β∈α

β ∈ τ .

Resta provar que γ ∈ τ =⇒ ∃α ⊂ B :⋃β∈α β = γ. Caso γ = ∅, tem-se

que α = {∅} evidentemente. Se γ é não-vazio, basta, ∀t ∈ γ, tomar βt ∈ Btal que βt ⊂ γ e t ∈ βt. Então é evidente que⋃

t∈γ

βt = γ

O que completou a demonstração. �

1Ver lema 1.12

18 CAPÍTULO 1. TOPOLOGIA

Exemplo 1.4.1 Para todo conjunto X, uma base para a topologia discretaé a família de todos os conjuntos unitários pertencentes à topologia τ . Ea única base possível para a topologia trivial é a família que possui X e ∅somente.

Lema 1.3 Seja X um conjunto. Para que B seja uma base para algumatopologia em X é necessário e su�ciente que B seja uma família de subcon-juntos de X, tal que

1. ∀x ∈ X, ∃βx ∈ B : x ∈ βx;

2. ∀β1, β2 ∈ B, se x ∈ β1 ∩ β2, então ∃β3 ∈ B : x ∈ β3 ⊂ β1 ∩ β2;

3. ∅ ∈ B.

Prova: Seja B é a base de alguma topologia em X.Tem-se que, dado x ∈ X e a vizinhança X, existe βx tal que x ∈ βx ⊂ X;

pela de�nição.Dados β1, β2 ∈ B, se x ∈ β1 ∩ β2, segue que β1 ∩ β2 é um aberto (por

ser interseção de abertos) e, portanto, β1 ∩ β2 é uma vizinhança de x. Pelade�nição, segue que existe β3 ∈ B tal que x ∈ β3 ⊂ β1 ∩ β2.

Evidente que ∅ ∈ B. O que completa a prova de que, se B é a base deuma topologia qualquer, B satisfaz as condições do lema.Agora, supomos que B satisfaz as condições acima. Vamos provar que B éuma base de alguma topologia. Toma-se a família τ das uniões dos elementosde cada subfamília de B.

Com efeito, τ é uma topologia de X. Basta ver que a união de todosos elementos de qualquer subfamília pertence à τ evidentemente. Tambémocorre que ∅, X ∈ τ , pois X é a união de todos os elementos de B e ∅ é aunião dos elementos da subfamília {∅} ⊂ B.

Dada uma interseção �nita γ de elementos em B(e x ∈ γ), segue queexiste β ∈ B tal que x ∈ β ⊂ γ.2

Dada uma interseção �nita α de elementos de T , essa interseção vai seruma reunião de interseções �nitas de B. Logo, para cada x ∈ α, x pertencea uma dessas interseções e, portanto, existe βx ∈ B tal que βx ⊂ α. Portanto⋃x∈α

βx = α ∈ τ , o que completa a prova de que τ é uma topologia.

2Basta fazer indução sobre a condição 2 para veri�car.

1.1. TOPOLOGIAS 19

Agora é fácil notar que, dada uma vizinhança U de x ∈ X em relaçãoà topologia τ , basta tomar um aberto K ∈ τ que contenha x contido em Ue, então, teremos que esse aberto é uma reunião de conjuntos em B. Logoexiste βx ∈ B tal que x ∈ βx ⊂ K ⊂ U . O que completa a prova de que B ébase da topologia formada pelas uniões dos elementos das suas subfamílias.

Exemplo 1.4.2 Para todo conjunto X, uma base para a topologia discretaé dada pela família de todos os conjuntos unitários.

Exemplo 1.4.3 Pelo último lema, a família de todos os intervalos (a, b) éuma base de uma topologia em R. Tal topologia é chamada topologia usualda reta (ou padrão da reta).

Da mesma forma, o conjunto de interiores de todos retângulos num �planocartesiano� é uma base para uma topologia τ2 em R2. Outra base para amesma topologia é o conjunto dos interiores de todos os círculos no plano.A topologia τ2 é chamada topologia usual de R2.

De forma análoga, o conjunto de todos interiores das esferas é uma basepara uma topologia τ3 em R3. Tal topologia é a topologia usual de R3. Deforma geral, Rn possui uma topologia análoga, como será explicado no capí-tulo 4.

De�nição 1.5 (Subbase) Seja F uma família qualquer de subconjuntos deX. Existe uma menor topologia τ que contém F . Basta tomar a família Bde todas interseções �nitas de F . B é a base da menor topologia que contémF . F diz-se subbase da topologia τ gerada por B.

Exemplo 1.5.1 (Topologia produto) Sejam (X, τX) e (Y, τY ) dois espa-ços topológicos. Então a família

B = {U × V : U aberto em X e V é aberto em Y }

é a base para a topologia produto de U × V .

Exemplo 1.5.2 Seja (X, τ) um espaço topológico. Se Y ⊂ X, então o su-bespaço topológico Y de (X, τ) é Y munido da topologia τY de�nida por:

τY = {Y ∩ U : U ∈ τ}

20 CAPÍTULO 1. TOPOLOGIA

. Diz-se que (Y, τY ) é subespaço topológico de (X, τX). Podemos omitir,dizendo o subespaço topológico Y de (X, τ) deixando, assim, subentendidoque adotamos em Y a topologia acima de�nida.

Teorema 1.4 Sejam X um espaço topológico e Y ⊂ X um aberto. Temos,então, que A ⊂ Y é aberto no subespaço Y se, e somente se, A é aberto emX.

Prova: Com efeito, seja A ⊂ Y . Se A é aberto em X, então A ∩ Y = Aé aberto em Y . Reciprocamente, se A ⊂ Y é aberto em Y , então existe umaberto K ⊂ X tal que A = K ∩ Y . Mas, como K é aberto (e Y também),temos que K ∩ Y = A é um aberto em X por ser uma interseção �nita deabertos. Isso completa a demonstração da recíproca do teorema. �

1.2 Linguagem Básica da Topologia

Segue alguns conceitos e terminologias básicas de topologia geral.

De�nição 1.6 (Ponto isolado) Seja X um espaço topológico. x ∈ X é umponto isolado em X, se {x} é um aberto em X.

Por exemplo, todos os pontos de um espaço discreto são isolados. Ou,com a topologia usual, o conjunto

{1/n : n ∈ N} ∪ {0}

é tal que 0 é o único ponto não isolado.

De�nição 1.7 (Conjunto fechado) Um subconjunto A de um espaço to-pológico X é fechado, se AC = X − A é aberto.

Exemplo 1.7.1 O intervalo fechado [a, b] ⊂ R é um conjunto fechado emR(quando munido da topologia usual). Basta ver que [a, b] é o complementoda união dos abertos (−∞, a) ∪ (b,+∞). Mas o conjunto Q não é fechado(nem aberto) em R.

Lema 1.5 Seja X um espaço topológico, sobre os conjuntos fechados de Xpode-se a�rmar que:

1.2. LINGUAGEM BÁSICA DA TOPOLOGIA 21

1. A união �nita de conjuntos fechados é um conjunto fechado;

2. A interseção dos elementos de qualquer família de conjuntos fechadosé um conjunto fechado.

Prova: Dados F1, F2, . . . , Fn ⊂ X fechados, o complementar Ai de Fi éaberto evidentemente, tem-se, então, que:

n⋃i=1

Fi =n⋃i=1

(Ai)C = (

n⋂i=1

Ai)C

ou seja,n⋃i=1

Fi é o complementar de uma interseção �nita de abertos (que,

evidentemente, é um aberto), logon⋃i=1

Fi é um fechado. O que completa a

demonstração de 1.Dada uma família Γ de fechados no espaço topológico X, segue que a

família� = {X − F : F ∈ Γ}

é uma família de abertos. Logo

X −⋂F∈Γ

F =⋃A∈�

A

é aberto. E, portanto,⋂F∈Γ

F é fechado. �

Como a interção dos elementos de qualquer família de fechados (numespaço topológico X) é um fechado, segue que, dado um conjunto F ⊂ X,podemos tomar o menor fechado que contém F . Esse menor fechado é, naverdade, a interseção de todos os fechados que contém F . Essa interseção échamada de fecho de F em X.

De forma análoga, a união dos elementos de uma família qualquer deabertos (de um espaço X) é um aberto. Logo, dado A ⊂ X, podemos tomaro maior aberto contido em X, ou seja, a união de todos os abertos contidosem X. Essa reunião é chamada de interior de A em X.

A de�nição desses conceitos seguem abaixo.

22 CAPÍTULO 1. TOPOLOGIA

De�nição 1.8 (Interior de um conjunto) O interior de um subconjuntoA de um espaço topológico (X, τ) é a união de todos os conjuntos abertoscontidos em A. Ou seja,

int(A) =⋃

α⊂A,α∈τ

α =⋃

α⊂A,α∈τ

α

O interior de um conjunto A é denotado por int(A) ou por Ao.

De�nição 1.9 (Fecho e densidade) O fecho de um conjunto A ⊂ X é ainterseção de todos os conjuntos fechados que contém A. O fecho de A édenotado por A. Ou seja,

A =⋂

α⊃A,αC∈τ

α

. Os pontos do fecho de um conjunto A são ditos valores de aderência de A.O conjunto A ⊂ X diz-se denso em B, se A = B.

Exemplo 1.9.1 O conjunto Q dos racionais é denso em R. Mas Z não édenso em R.

Os interiores de Q e de Z são vazios.

Lema 1.6 Seja (X, τ) um espaço topológico. Se A ⊂ X, então A = X −int(X − A) = (int(X − A))C. Ou seja, os pontos de A são os pontos quenão estão em ((X − A)0)

C.

Prova: Basta ver que, como int(X −A) ⊂ X −A, temos que (X −A)C =A ⊂ X − int(X − A) = (int(X − A))C , donde segue, por X − (X − A)0 serfechado, que A ⊂ X − int(X − A). Reciprocamente, como A ⊂ A, tem-seque X − A ⊂ X − A e, por o complementar do fecho de A ser aberto, segueque X − A ⊂ int(X − A). Portanto X − int(X − A) ⊂ A. O que completaa prova de que A = X − int(X − A) = (int(X − A))C . �

Proposição 1.7 (Abertos e Fechados: caracterização) Sejam (X, τ) umespaço topológico e A ⊂ X. Segue que são verdadeiras as a�rmações:

1. A ⊂ X é aberto, se e somente se A = Ao.

2. A ⊂ X é fechado, se e somente se A = A.

1.2. LINGUAGEM BÁSICA DA TOPOLOGIA 23

Prova:(1): Se A é aberto é fácil ver que A = Ao. Reciprocamente, se, por

hipótese, Ao = A, então segue que A é união de abertos, portanto é aberto.(2): Evidente que, se A é fechado, A =

⋂α⊃A

α, ou seja, A = A. Reciproca-

mente, se, por hipótese, A = A, tem-se que A é uma interseção de fechadose, portanto, pelo lema 1.5, A é fechado. �

De�nição 1.10 (Fronteira) A fronteira de um conjunto A ⊂ X é o con-junto ∂A = A− Ao.

Lema 1.8 Sejam (X, τ) um espaço topológico e A um subconjunto de X.x ∈ ∂A se, e somente se, toda vizinhança de x contém elementos de A e deX − A.

Prova: Se x ∈ ∂A = A − A0, então, evidentemente, x 6∈ A0, ou seja,não existe uma vizinhança de x contida em A0. Portanto a interseção detoda vizinhança de x com X − A é não-vazia. Por x ∈ A, segue, pelo lema1.6, que x 6∈ int(X − A) e, portanto, nenhuma vizinhança está contida em(X −A) também. Isso completa a demonstração de que, dado x ∈ ∂A, todavizinhança U de x contém pontos de A e de seu complementar.

Reciprocamente, se x é tal que todas as suas vizinhanças tem interseçõesnão vazias tanto com A quanto com X −A, então x 6∈ A0 e x 6∈ int(X −A).De x 6∈ int(X − A), pelo lema 1.6, temos que x ∈ A e, de x 6∈ A0, segue quex ∈ A− A0 = ∂A. O que completa a prova da recíproca. �

Observação: Note que, se (X, τ) é um espaço topológico, dado A ⊂ Xqualquer, tem-se que X = A0 ∪ ∂A∪ (X −A)0 é uma reunião disjunta. Paraprovar, basta ver que, dado x ∈ X, somente uma das a�rmações é verdadeira:ou existe uma vizinhança de x contida em A, ou existe uma vzinhança dex contida em X − A, ou não ocorre nenhuma das anteriores (e, portanto,toda vzinhança de x possui interseções não-vazias tanto com X quanto comX − A).

Lema 1.9 A fronteira de um conjunto A ⊂ X é vazia, se e somente se A éfechado e aberto ao mesmo tempo.

24 CAPÍTULO 1. TOPOLOGIA

Prova: Sempre ocorre Ao ⊂ A ⊂ A. Se a fronteira é vazia, segue que Ao =A; portanto é fácil provar que A = Ao = A, donde segue, pela proposição1.7, que A é fechado e, também, é aberto.

Reciprocamente, se A é fechado e, também, aberto, então A = A = Ao.Portanto ∂A = A − Ao = A − A = ∅. O que completa a demonstração darecíproca. �

Exemplo 1.10.1 Em um espaço topológico (X, τ), o conjunto X e o ∅ sãoexemplos abertos que também são fechados. Já em um espaço topológicodiscreto, todos subconjuntos são tanto abertos quanto fechados.

De�nição 1.11 (Ponto de acumulação) Se A ⊂ X, diz-se que x é pontode acumulação de A, se toda vizinhança U de x tem interseção com A quecontenha um elemento diferente do x. Ou seja, x é ponto de acumulação deA, se toda vizinhança U de x é tal que ∃a ∈ A ∩ U ; a 6= x. O conjunto dospontos de acumulação de A é chamado conjunto derivado de A.

Lema 1.10 Seja K o conjunto derivado de um subconjunto A de um espaçotopológico (X, τ). Segue que

(A− A

)⊂ K.

Prova: Pelo lema 1.8, segue que todo ponto x ∈ ∂A = A − A0 ⊃ A − Aé tal que toda vizinhança sua possui interseções não vazias com A e X −A.Então, dado x ∈ A − A, segue que a interseção de toda vizinhança U de xcom A é não vazia e, por x 6∈ A, tem-se que ∃a ∈ A ∩ U ; a 6= x, ou seja, xé ponto de acumulação de A (x ∈ K). O que completa a prova da inclusão(A− A

)⊂ K. �

Lema 1.11 Seja X um espaço topológico. A ⊂ X é fechado se, e somentese, todos os pontos de acumulação de A são elementos de A.

Prova: Seja A fechado. Temos que X − A é aberto, logo X − A é vizi-nhança de cada um dos seus pontos3; donde segue que não existe ponto deacumulação de A em X − A, pois, para todo x ∈ (X − A), (X − A) é umavizinhança de x e é tal que (X −A)∩A = ∅ evidentemente. Logo temos quetodo ponto de acumulação de A está em A.

3Pelo lema 1.1.

1.3. CONTINUIDADE 25

Supondo que A contenha todos os seus pontos de acumulação, segue queos pontos de X − A são tais que existe uma vizinhança tal que α tal queα ∩ A = ∅, ou seja, α ⊂ (X − A). Donde tira-se que (X − A) é vizinhançade todos os seus pontos, ou seja, (X −A), pelo lema 1.1, é aberto. PortantoA é fechado.

1.3 Continuidade

Entre dois grupos, é de�nido um tipo de aplicação elementar que, de certaforma, preserva a estrutura de grupo: o homomor�smo. Entre dois espaçosvetoriais, são de�nidas as transformações lineares.

Essas aplicações são os mor�smos entre cada tipo de objetos. No caso datopologia, entre espaços topológicos, os mor�mos são as aplicações contínuas.

Segue a de�nição mais direta de aplicação contínua, partindo da de�niçãode topologia adotada.

De�nição 1.12 (Aplicação contínua) Sejam X e Y espaços topológicos.Uma aplicação f : X → Y é contínua, se, ∀V ⊂ Y aberto, f−1(V ) tambémfor aberto em X, ou seja, f : X → Y é contínua se valer:

V ⊂ Y aberto =⇒ f−1(V ) aberto em X.

A continuidade de uma função depende da coerência de sua de�nição comas topologias em X e em Y . Na verdade, existe uma forma local de de�nircontinuidade (que parece ser a mais natural). Uma função entre dois espaçostopológicos f : X → Y é contínua num ponto x se a imagem inversa de todavizinhança de f(x) é uma vizinhança de x. É bem fácil a veri�cação de queessa de�nição é coerente com a precedente (ou seja, uma aplicação é contínuasegundo a primeira de�nição se, e somente se, é contínua em todos os pontosdo domínio).

Para veri�car a continuidade de uma aplicação é su�ciente checar as ima-gens inversas dos elementos básicos da topologia de Y ; como é estabelecidono lema seguinte:

Lema 1.12 Sejam X, Y espaços topológicos e B uma base de Y . f : X → Y

é contínua se, e somente se, para todo β ∈ B, f−1(β) é aberto em X.

26 CAPÍTULO 1. TOPOLOGIA

Prova: Se, por hipótese, f : X → Y é contínua, evidente que, dada umabase B, ∀β ∈ B a imagem inversa f−1(β) é aberta em X, por β ser umaberto.

Reciprocamente, seja f : X → Y tal que as imagens inversas dos ele-mentos de uma base B da topologia de Y são abertas em X. Dado V ∈Y aberto, pelo lema 1.2, temos que V pode ser escrito da forma: V =⋃α∈L

α, para algum L ⊂ B, ou seja, na forma de união de elementos de B.

Tem-se que

f−1(V ) = f−1

(⋃α∈L

(α)

)=⋃α∈L

(f−1(α))

e, como f−1(β) é aberto ∀β ∈ B, tem-se que a reunião acima (f−1(V )) éuma reunião de abertos, portanto um aberto. �

O lema seguinte simpli�ca ainda mais a veri�cação da continuidade deuma aplicação.

Lema 1.13 Sejam X, Y espaços topológicos e S uma subbase de Y . A apli-cação f : X → Y é contínua se, e somente se, para cada U ∈ S, f−1(U) éaberto em X.

Prova: De fato, se f é contínua, as imagens inversas dos membros de umasubbase de Y necessariamente serão abertas. Reciprocamente, seja F umasubbase da topologia de Y . Se f−1(U) é aberto para todo U ∈ F , segue que,

dado A ⊂ Y pertencente à base B, tem-se que A =n⋂i=1

Ui, onde Ui ∈ F .

Logo

f−1(A) = f−1

(n⋂i=1

Ui

)=

n⋂i=1

(f−1(Ui)

),

ou seja f−1(A) é interseção �nita de abertos e, portanto, é um aberto. �

Exemplo 1.12.1 Seja (X, τ) é um espaço topológico. A aplicação identi-dade id : X → X do espaço topológico (X, τ) no próprio (X, τ) é contínua.

Basta ver que f−1(A) = A, donde segue que, se A é aberto, então f−1(A) =A é aberto.

1.3. CONTINUIDADE 27

Também, se (X, τ) é um espaço topológico discreto, então toda função f :X → X é contínua.

Proposição 1.14 Sejam X e Y espaços topológicos. As seguintes a�rma-ções a respeito de f : X → Y são equivalentes:

1. f é contínua.

2. Para todo subconjunto fechado B de Y , f−1(B) é fechado em X.

3. Para todo subconjunto A de X, f(A) ⊂ f(A).

Prova: (1) =⇒ (2)

Seja f : X → Y contínua. Se B é um subconjunto fechado em Y , se-gue que BC = Y − B é aberto; logo f−1(BC) é aberto em X. Portanto(f−1(BC))C = f−1(B) é fechado em X. O que completa a demonstração de(1) =⇒ (2).

(2) =⇒ (1)

Reciprocamente, seja f : X → Y tal que, para todo subconjunto fechadoB de Y , f−1(B) é fechado em X. Se A é um subconjunto aberto em Y ,segue que AC = Y − A é fechado; logo f−1(AC) é fechado em X. Portanto(f−1(AC))C = f−1(A) é aberto em X. O que completa a prova de que f écontínua.

(2) =⇒ (3)

Se f : X → Y é tal que, para todo subconjunto fechado B de Y , f−1(B)é fechado em X; então, dado A ⊂ X, f−1(f(A)) é fechado. Evidente queA ⊂ f−1(f(A)), donde segue, por f−1(f(A)) ser fechado, que A ⊂ f−1(f(A)).Ou seja, f(A) ⊂ f(A). O que completa a demonstração dessa parte do teo-rema.

(3) =⇒ (2)

Seja f : X → Y tal que, para todo subconjunto A de X, f(A) ⊂ f(A).Seja B ⊂ Y fechado, faz-se A = F−1(B). A inclusão A ⊂ A é óbvia, basta,então, provar que A ⊂ A. Dado x ∈ A, segue que f(x) ∈ f(A) ⊂ f(A) =B = B, ou seja, x ∈ f−1(B) = A. O que completa a prova da inclusão A ⊂ A

28 CAPÍTULO 1. TOPOLOGIA

e, portanto, da igualdade A = A, ou seja, de que A é fechado.

Os próximos teoremas dão formas de se contruir funções contínuas. Oteorema 1.15 trata de funções de espaços topológicos em espaços topológicos.Já o teorema 1.16 lida com o caso restrito de funções com contra-domíniosnos reais.

Teorema 1.15 Sejam X,Y e Z espaços topológicos, então vale:

1. A função constante f : X → Y é contínua;

2. A função identidade id : X → X é contínua;

3. Se f : X → Y e g : Y → Z são contínuas, então a composta g ◦ f :X → Z é contínua;

4. Se A ⊂ X é um subespaço de X, então a aplicação de inclusão j : A→X é contínua;

5. Se A é um subespaço de X e a aplicação f : X → Y é contínua, entãoa restrição de f em A, denotada por f |A e de�nida por f |A : A → Y ,f |A(x) = f(x), também é contínua;

6. As projeções p1 : X × Y → X, p1(x, y) = x, e p2 : X × Y → Y ,p2(x, y) = y são contínuas;

7. Se f : X → Y ×Z é dado por f(a) = (f1(a), f2(a)), então f é contínuase, e somente se, também são contínuas as aplicações f1 : X → Y ef2 : X → Z.

Prova:(1): Seja f(x) = k, ∀x ∈ X. Dado A ⊂ Y aberto, tem-se que, ou k ∈ A,

ou k 6∈ A. Se k ∈ A, f−1(A) = X é aberto. Caso k 6∈ A, f−1(A) = ∅ é abero.Portanto, independente da escolha do aberto A ⊂ Y , f−1(A) é aberto, id est,f é contínua.

1.3. CONTINUIDADE 29

(2): Seja id : X → X a função identidade. Se A ⊂ X é aberto em X,então é evidente que id−1(A) = A é aberto em X. Portanto id é contínua.

(3): Dado A ⊂ Z aberto, segue que g−1(A) ⊂ Y é aberto. Logo tem-se que f−1 (g−1(A)) ⊂ X é aberto, ou seja, f−1 (g−1(A)) = (g ◦ f)−1(A) éaberto.

(4): Seja j : A→ X, j(x) = id(x). Tem-se que, dado um aberto K ⊂ X,j−1(K) = id−1(K)∩A = K∩A. Como A é subespaço de X (e, portanto, tema topologia induzida), os abertos de A são justamente as interseções B ∩ A,sendo B um aberto de X.4 Id est, K ∩ A é aberto em A, o que completa ademonstração de que j é contínua.

(5): Seja j : A → X. De fato, f |A = (f ◦ j) e, como f e j são contínua,tem-se, pelo (3), que f |A = (f ◦ j) é contínua.

(6): Utilizando a topologia de�nida em 1.5.1,dado um aberto A ⊂ X, éevidente que p−1

i (A) = A × Y . Como A é aberto e Y também, segue quep−1i (A) = A × Y é também aberto. O que completa a prova de que pi écontínua. A prova de que pj é contínua é análoga.

(7): Seja f : X → Y ×Z contínua e seja pi : Y ×Z → Y a função projeção.Como f e pi são contínuas, segue que é também contínua a aplicação (pi◦f) =f1 : X → Y . Da mesma forma, seja a projeção pj : Y × Z → Z. Como pje f são contínuas, segue que é contínua a função (pj ◦ f) = f1 : X → Z. Oque completou a demonstração de um sentido da a�rmação.

Reciprocamente, sejam f1 : X → Y e f2 : X → Z contínuas. Temosque, dado A × B ⊂ Y × Z aberto, como A ⊂ Y e B ⊂ Z são abertos,segue que f−1

1 (A) e f−12 (B) são abertos em X e, portanto, f−1(A × B) =

f−11 (A)∩ f−1

1 (B) é uma interseção �nita de abertos, ou seja, é um aberto em

4Conforme foi de�nido no exemplo 1.5.2

30 CAPÍTULO 1. TOPOLOGIA

X. O que completa a demonstração.

Teorema 1.16 Sejam X um espaço topológico e f, g : X → R funções con-tínuas. Segue que f + g, f − g e f · g são contínuas, e, se g(x) 6= 0,∀x ∈ X,então f

gtambém é contínua.

Prova: Note que a adição A : R × R → R é contínua. De�ne-se h : X →R×R, h(x) = (f(x), g(x)), que é, pelo teorema precedente, contínnua. Logof + g = (A ◦ h) é contínua.

As demonstrações para as outras funções são análogas. �

Agora, de�niremos um tipo de aplicação que é o principal tipo estudadona topologia: O homeomor�smo. Se existe um homeomor�smo de um espaçoX num espaço Y , eles são ditos homeomorfos e, do ponto de vista topológico,eles são, de certa forma, �indistinguíveis� 5.

De�nição 1.13 (Homeomor�smo) Sejam X e Y espaços topológicos ef : X → Y uma bijeção tal que ambas funções f e f−1 são contínuas. fé chamada de homeomor�smo, e X e Y são espaços topológicos homeo-morfos. Ou, equivalentemente, f : X → Y é um homeomor�smo, se:

U é aberto em X ⇐⇒ f(U) é aberto em Y .

A relação de homeomor�smo entre espaços é uma relação de equivalência.Com efeito, fácil ver que A sempre é homeomorfo a ele mesmo. Também éfácil ver que, se A é homeomorfo a B, B é homeomorfo a A (pela de�nição).E, fazendo composição dos homeomor�smos, conseguimos chegar à transiti-vidade: se A é homeomorfo a B (existe homeomor�smo J : A → B) e B éhomeomorfo a C (existe homeomor�smo T : B → C); então A é homeomorfoa C (pois T ◦ J : A→ C é homeomor�smo).

Lema 1.17 Todos intervalos abertos da reta são homeomorfos entre si.

5Todas as propriedades oriundas da estrutura da topologia de X são preservadas emY . Essas propriedades são chamadas propriedades topológicas.

1.3. CONTINUIDADE 31

Prova: Basta provar que qualquer intervalo (a, b), com a < b, é home-omorfo ao intervalo (−1, 1). Chamemos R = b−a

2o raio do intervalo e

c = a+b2

o centro dele. Basta, então, ver que a hometetia mR(x) = R · xe, também, a translação t(b−R)(x) = x + (b − R) são homeomor�smos. Éfácil, então, ver que (t(b−R) ◦ mR) : R → R é um homeomor�smo e que(t(b−R) ◦ mR) ((−1, 1)) = (a, b). Logo (t(b−R) ◦ mR) : (−1, 1) → (a, b) é umhomeomor�smo, ou seja, (−1, 1) é homeomorfo a (a, b). �

Proposição 1.18 Todo intervalo aberto da reta é homeomorfo à reta toda.

Prova: Como, pelo lema acima, todos os intervalos abertos são homeomor-fos entre si, basta provar que a reta é homeomorfa a um dessses intervalos.Com efeito, basta ver�car que f : (−1, 1)→ R, f(x) = x

1+|x| é um homeomor-�smo (Veri�que!). Donde segue que (−1, 1) é homeomorfo à reta e, portanto,todo intervalo é homeomorfo à reta (por homeomor�smo ser uma relação deequivalência). �

Sejam (X, τX) e (Y, τY ) espaços topológicos. Um homeomor�smo

f : X → Y

�induz� uma bijeção entre os abertos do espaço X e os abertos de Y daseguinte forma: H : τX → τX , H(U) = f(U).Portanto toda propriedadeque depende apenas dos abertos do espaço (ou seja, que depende apenas datopologia dele) é preservada pelos homeomor�smos. Tais propriedades sãochamadas propriedades topológicas de X.

No próximo capítulo,6 será trabalhado com algumas propriedades topo-lógicas. São elas: conexidade e compacidade.

Esse capítulo será encerrado com um importante resultado sobre funçõescontínuas.

Teorema 1.19 Sejam X, Y espaços topológicos. Se f : X → Y é contínua,segue que X é homeomorfo ao grá�co

G(f) = {(x, f(x)) : x ∈ X}

de f .

6No capítulo 2.

32 CAPÍTULO 1. TOPOLOGIA

Prova: Com efeito, basta veri�car que

H : X → G(f)

x 7→ (x, f(x))

é um homeomor�smo. De fato, é fácil veri�car que é uma bijeção. A conti-nuidade é óbvia (da de�nição de topologia produto). E a inversa é a projeção(portanto contínua). �

Capítulo 2

Conexidade e Compacidade

As propriedades invariantes por homeomor�smo são chamadas propriedadestopológicas. Nste capítulo, estudaremos três tipos de propriedades topológi-cas: conexidade, compacidade e T2.

2.1 Espaços Hausdor�

Intuitivamente, pensamos nos conjuntos �nitos como conjuntos fechados, as-sim como ocorre em R. No entanto, é fácil de�nir uma topologia sem essapropriedade. Por exemplo, se X = {a, b, c} e τ = {∅, X, {b}}, então {b} nãoé fechado, já que seu complemento {a, b} não é aberto.

Para o espaço topológico satisfazer essa intuição geométrica, costuma-seacrescentar uma hipótese extra, chamada condição T1. Aqui, falaremos sobreuma condição um pouco mais forte, denominada, �condição de Hausdor��.

De�nição 2.1 (Espaço Hausdor�) Um espaço topológico X é um espaçode Hausdor�, se, para todo par x, y ∈ X de pontos distintos, existem vizi-nhanças abertas U de x e V de y, tais que U ∩ V = ∅.

A reta, Rn e todos subespaços desses espaço são Hausdor�. Veremos,futuramente, por exemplo, que todos espaços métricos são Hausdor�.

Teorema 2.1 Todo subespaço de um espaço Hausdor� é Hausdor�.

Prova: Seja X um espaço Hausdor�. Se A ⊂ X, tem-se que, dados a 6= bem A, existem abertos Ua e Ub tais que a ∈ Ua, b ∈ Ub e Ua ∩ Ub = ∅.

33

34 CAPÍTULO 2. CONEXIDADE E COMPACIDADE

Evidente, então, que (Ua ∩ A) ∩ (Ub ∩ A) = ∅. E, como (Ua ∩ A) e (Ub ∩ A)são, respectivamente, vizinhanças abertas de a e b em A; isso completa ademonstração. �

A proposição abaixo mostra que todo subconjunto �nito de um espaçoHausdor� é, de fato, um fechado no espaço todo.

Proposição 2.2 Seja X um espaço de Hausdor�. Se A ⊂ X é �nito, entãoA é fechado.

Prova: Considere o conjunto unitário {x} ⊂ X. Para todo y 6= x em X,existem vizinhanças abertas Uy de y e Vy de x, tal que Uy ∩ Vy = ∅. Em

particular, x 6∈ Uy. Toma-se K =⋃y 6=x

Uy. K é uma reunião de abertos, logo

é um aberto. Como X −K = {x}, segue que {x} é fechado.Como todo conjunto �nito é uma reunião �nita de conjuntos unitários,

segue que os conjuntos �nitos são fechados. �

Sejam X um espaço topológico e A ⊂ X um subconjunto. Um pontox ∈ X é ponto de ω- acumulação de A se toda vizinhança de x possuiin�nitos pontos de A. Na reta, um ponto é de acumulação se, e somente se,é de ω-acumulação. Segue, abaixo, a prova de que isso vale para qualquerespaço Hausdor�.

Teorema 2.3 Sejam X um espaço de Hausdor� e A ⊂ X. Segue que x ∈ Xé um ponto de acumulação de A se, e somente se, toda vizinhança aberta dex contém in�nitos pontos de A.

Prova: Seja X um espaço de Hausdor� e A ⊂ X. Se x é ponto deacumulação de A, supõe-se, por absurdo, que uma vizinhança aberta U dex contém �nitos pontos de A − {x}. Seja {x1, x2, . . . , xn} o conjunto detodos esses pontos. Pela proposição anterior, {x1, x2, . . . , xn} é fechado e,então, {x1, x2, . . . , xn}C = X − {x1, x2, . . . , xn} é aberto. Segue que U −{x1, x2, . . . , xn} = U∩(X − {x1, x2, . . . , xn}) é uma interseção de dois abertos(e contém x), ou seja, é um aberto e, por conter x, é uma vizinhança abertade x. Essa vizinhança aberta não contém nenhum ponto de A − {x}, o quecontraria a hipótese de que x é ponto de acumulação.

2.1. ESPAÇOS HAUSDORFF 35

Evidente que a recíproca é verdadeira: se toda vizinhança de um pontox ∈ X contém in�nitos pontos de A, toda vizinhança conterá algum pontode A− {x}.

A �condição Hausdor�� é uma propriedade topológica: a veri�cação dessefato é imediata. Abaixo, será provada uma caracterização de espaços Haus-dor�. Depois, para encerrar a seção, serão provados teoremas importantessobre aplicações contínuas com contradomínio Hausdor�.

SejaX um espaço topológico. O subconjunto ∆ = {(x, y) ∈ X ×X : x = y}é denominado �diagonal de X ×X�. Observe que o espaço X ×X é munidoda topologia produto, de�nida no exemplo 1.5.1. Mais detalhes sobre a to-pologia produto serão encontrados no capítulo 3.

Teorema 2.4 O espaço X é Hausdor� se, e somente se, a diagonal ∆ deX ×X é fechada dem X ×X.

Prova: Com efeito, se X é Hausdor�, dado (x, y) ∈ (X × X − ∆), segueque x 6= y. Logo existem abertos U, V tais que U ∩ V = ∅ e x ∈ U, y ∈ V .Note, então, que U × V ⊂ (X ×X −∆) é uma vizinhança aberta de (x, y)em X ×X. Isso completa a prova de que (X ×X −∆) é fechado em X ×X.

Reciprocamente, se ∆ é fechado em X × X, segue que, dados x, y ∈ Xdistintos, (x, y) ∈ (X × X − ∆). Como (x, y) ∈ (X × X − ∆) é aberto emX×X, pela base da topologia produto, segue que existem abertos U, V ⊂ X

tais que (x, y) ∈ U ×V ⊂ (X ×X −∆). Portanto U, V ⊂ X são abertos taisque x ∈ U , y ∈ V e U ∩ V = ∅. �

Sejam X, Y espaços topológicos e f, g : X → Y aplicações contínuas.Chamamos de núcleo diferença de (f, g), denotado por Ker(f, g), o subes-paço Ker(f, g) = {x ∈ X : f(x) = g(x)} de X. Os teoremas abaixo serãoprincipalmente importantes para a próxima seção.

Teorema 2.5 Sejam X, Y espaços topológicos e f, g : X → Y aplicaçõescontínuas. Se Y é Hausdor�, segue que o Kernel diferença de (f, g) é fechadoem X.

36 CAPÍTULO 2. CONEXIDADE E COMPACIDADE

Prova: De�ne-se a aplicação

h : X → Y × Yx 7→ (f(x), g(x))

Temos que h é contínua. Seja ∆ a diagonal de Y × Y . Se Y é Hausdor�,temos que ∆ é fechado em Y × Y .

Note que, pela continuidade de h, h−1(∆) = Ker(f, g) é fechado. �

Como corolário do teorema precedente, segue um resultado que será usadona seção sobre conexidade.

Corolário 2.5.1 Sejam X, Y espaços topológicos e A ⊂ X. Se Y é Haus-dor� e f, g : A→ Y são aplicações contínuas tais que A ⊂ Ker(f, g), entãof = g (ou seja, Ker(f, g) = A).

Prova: Com efeito, Ker(f, g) é fechado em X. Logo, se A ⊂ Ker(f, g),A ⊂ Ker(f, g). �

2.2 Espaços Conexos

A conexidade é uma forma de generalizar a idéia que temos de �componentes�de um subconjunto de R2. Um conjunto formado por dois círculos disjuntosé certamente não homeomorfo a um subconjunto contendo apenas um cír-culo. Veremos que, com conexidade, podemos entender situações análogasem contextos mais gerais.

De�nição 2.2 (Espaço conexo) Uma cisão do espaço topológico X é umadecomposição X = U ∪ V com U e V abertos tais que U ∩ V = ∅. Qualquerespaço topológico X admite a cisão trivial X = X ∪ ∅. Quando X adimiteuma cisão não trivial X = U ∪ V , X é denominado desconexo. Por outrolado, quando X admite somente a cisão trivial, ele é chamado de conexo.Um subconjunto Z ⊂ X é conexo, quando o subespaço Z é conexo (com atopologia de subespaço induzida).

2.2. ESPAÇOS CONEXOS 37

É facil ver que X é conexo se, e somente se, os únicos conjuntos que sãoabertos e fechados em X são o X e o ∅. Portanto a de�nição de conexidadedepende apenas dos abertos e fechados emX, ou seja, da topologia deX. Issoimplica que, se X é conexo, então também é conexo todo espaço homeomorfoa X, o que signi�ca que conexidade é um propriedade topológica. O fato deconexidade ser uma propriedade topológica vai ser con�rmado no teorema2.7.

Sejam X, Y espaços topológicos, denotamos por Hom(X, Y ) ou C(X, Y )o conjunto das aplicações contínuas X → Y . Seja D o espaço topológicodiscreto de dois elementos. Veri�que que todos espaços topológicos discretosde dois elementos são homeomorfos entre si: em particular, são homeomorfosao espaço discreto {1, 2}. É importante notar que D é Hausdor�.

Trabalharemos com uma caracterização dos espaços conexos que dependeda cardinalidade do conjunto de aplicações contínuas de�nidas no espaço ecom contradomínio em D.

Teorema 2.6 Sejam X um espaço topológico e D um espaço discreto de doispontos. X é conexo se, e somente, C(X,D) tem cardinalidade 2. Ou seja,X é conexo se, e somente se, toda aplicação contínua X → D é aplicaçãoconstante.

Prova: Note que, se X é espaço topológico, de fato, C(X,D) tem cardina-lidade 2 se, e somente se, todas aplicações contínuas X → D são aplicaçõesconstante.

Denotemos D = {1, 2}. Seja X um espaço conexo. Se f : X → D é umaaplicação contínua, segue que f−1(1) é um aberto-fechado, visto que {1} éum aberto-fechado de D.

Pela observação sobre espaços conexos, segue que, ou f−1(1) é vazio, ouf−1(1) = X. Nos dois casos, teremos que f é constante.

Reciprocamente, se X é um espaço desconexo, temos que X = A ∪ Bpara algum par A,B ⊂ X de abertos-fechados disjuntos. De�ne-se a funçãoh : X → D, com h(x) = 1, se x ∈ A, e h(y) = 2, se y ∈ B. Note que h écontínua e não-constante. �

Portanto poderíamos ter de�nido espaço conexo usando essa caracteri-zação. E, portanto, poderíamos dizer que, por de�nição, um espaço X éconexo, se satisfaz

38 CAPÍTULO 2. CONEXIDADE E COMPACIDADE

f : X → {1, 2} é contínua =⇒ f é constante.

Faremos muito uso dessa caracterização, pois ela torna algumas demons-trações bem mais diretas.

De�nição 2.3 (Desconexidade total) Seja X um espaço topológico. Umsubconjunto A ⊂ X é denominado conexo, se o subespaço topológico A forconexo. É fácil ver que todo conjunto unitário é conexo. Um espaço topoló-gico é chamado totalmente desconexo, se os únicos subconjuntos conexos deX forem os conjuntos unitários.

Teorema 2.7 Sejam X e Y espaços topológicos. Se f : X → Y é umaaplicação contínua e A é um subconjunto conexo de X, então f(A) é conexo.Conseqüentemente, se g : X → Y for um homeomor�smo, então: A é conexo⇔ f(A) é conexo.

Prova: Sejam X, Y espaços topológicos, A ⊂ X conexo e f : X → Ycontínua. Considera-se a aplicação

g : A→ f(A)

x 7→ f(x).

Observe que g é contínua. Seja D o espaço discreto de dois pontos.Provemos que toda aplicação contínua f(A)→ D é constante. Se k : f(A)→D é contínua, segue que (k ◦ g) : A → D é contínua. Mas, pela conexidadede A, segue que (k ◦ g) é constante.

Como g é sobrejetiva, isso implica que k é constante. �

Corolário 2.7.1 Se X é conexo, todo espaço homeomorfo a X é conexo.

Prova: É conseqüência imediata do teorema precedente. Com efeito, seY é homeomorfo a X, então existe um homeomor�smo f : X → Y , donde,segue, pelo teorema precedente, que f(X) = Y é conexo. �

Segue do corolário precedente que, se tivermos, teríamos que eles não sãohomeomorfos. Seguem alguns exemplos de espaços conexos, desconexos outotalmente desconexos.

2.2. ESPAÇOS CONEXOS 39

Exemplo 2.3.1 Evidente que o espaço topológico discreto X é totalmentedesconexo. Em contraste, o espaço topológico trivial é conexo.

Exemplo 2.3.2 O espaço dos racionais é totalmente desconexo. Com efeito,qualquer subconjunto não unitário F ⊂ Q é tal que, dados a < b ∈ F , existeum irracional r ∈ (a, b). Logo F = (F ∩ (−∞, r)) ∪ (F ∩ (r,+∞)) é umacisão não trivial de F .

Exemplo 2.3.3 (Reais) O conjunto dos reais R é conexo. Com efeito, porabsurdo, supõe-se que R = A∪B é uma cisão não-trivial de R. Logo, podemostomar a ∈ A e b ∈ B e supor, sem perda de generalidade, que a < b. Temosque o conjunto S = {x ∈ A : x < b} é não-vazio (pois ao menos a ∈ S) epossui uma cota superior (o b); logo possui um sup. Tomemos s = sup(S),donde temos que, ou s ∈ A, ou s ∈ B.

Se s ∈ B, temos que, por B ser aberto, existe ε > 0 tal que (s− ε, s+ ε) ⊂B, id est, teríamos

(s− ε

2

)∈ B, entretanto, pela de�nição de sup, temos

que existe t >(s− ε

2

)em S, o que signi�ca que existe t ∈ (s− ε, s+ ε) ⊂ B

tal que t ∈ A. Mas, como A e B são disjuntos, isso é um absurdo.Supondo, agora, que s ∈ A, analogamente, teríamos que existe ε > 0 tal

que (s− ε, s+ ε) ⊂ A, ou seja, s < ε2∈ A. Logo s ≤ b < ε

2, pois o contrário

implicaria em s < ε2∈ S (o que é um absurdo). Id est, b ∈ (s− ε, s+ ε) ⊂ A.

Absurdo, pois A e B são disjuntos.Portanto não há cisão não-trivial de R, i.e., R é conexo. E, como foi

visto, todo intervalo aberto é homeomorfo à reta, donde infere-se que todointervalo aberto é conexo.

Caminharemos rumo ao teorema que fala que um subconjunto de R éconexo se, e somente se, é um intervalo. Com esse forte teorema, poderemosprovar posteriormente o teorema da análise real conhecido por �teorema dovalor intermediário�. Começaremos provando a proposição 2.8.

Proposição 2.8 Sejam X um espaço topológico e A,B ⊂ X. Se A é conexoe A ⊂ B ⊂ A, então B também é conexo. Em particular, o fecho de umconjunto conexo A é conexo.

Prova: Com efeito, seja D = {1, 2} o espaço topológico discreto de doispontos. Se k : B → D é uma aplicação contínua, de�ne-se f = k|A. Temosque f : A→ D é contínua.

40 CAPÍTULO 2. CONEXIDADE E COMPACIDADE

Pela conexidade de A, f é constante. Dado a ∈ A, f é constante igual af(a). De�ne-se F : B → D com F (x) = f(a) para todo x ∈ B.

Note que o fecho de A em B é B e, também, F, k : A→ D são aplicaçõescontínuas tais que F |A = k|A (ou seja, A ⊂ Ker(F, k)). Portanto, pelo coro-lário 2.5.1, F = k. Ou seja, k é constante. �

Com a proposição precedente, temos a ferramenta necessária para de-monstrar a proposição que nos diz que os únicos subconjuntos conexos de Rsão intervalos.

Proposição 2.9 Um subconjunto X de R é conexo se, e somente se, é umintervalo.

Prova: Se X é um intervalo aberto, temos que ele é conexo. Se X éum intervalo qualquer, basta ver que os intervalos fechados são fecho de umintervalo aberto (que é conexo). E, também, basta ver que os intervalos�semi-fechados� satisfazem a hipótese da proposição 2.8, logo são conexos.

Seja X ⊂ R conexo. Toma-se a, b ∈ X, supondo, sem perda de generali-dade, a < b, dado c ∈ R tal que a < c < b. Se, por absurdo, c 6∈ X, entãoX = ((−∞, c) ∩X)∪((c,+∞) ∩X) é um cisão deX, onde os dois abertos sãonão-vazios, pois ao menos a ∈ ((−∞, c) ∩X) e ao menos b ∈ ((c,+∞) ∩X),ou seja, é uma cisão não-trivial de X. Absurdo, pois X é conexo. Portantodeve-se ter que ∀c tal que a < c < b, c ∈ X; o que completa a demonstraçãode que X é um intervalo. �

Teorema 2.10 Seja M um espaço topológico conexo e f : M → R umafunção real contínua. Segue que f(M) é um intervalo.

Prova: Pelo teorema 2.7, temos que f(M) é conexo e, portanto, pela pro-posição precedente, f(M) é um intervalo. �

De fato, a recíproca do teorema precedente é verdadeira. Ou seja, umespaço topológico X é conexo se, e somente se, a imagem de toda aplicaçãocontínua X → R é um intervalo. De fato, se Y é desconexo, existe umaaplicação contínua não constante f : X → D, onde D = {1, 2}. Logoi ◦ f : X → R, onde i : D → R é inclusão, é uma aplicação contínua comimagem {1, 2}.

2.2. ESPAÇOS CONEXOS 41

Como consequência de alguns resultados provados, segue imediatamenteo Teorema do Valor Intermediário.

Corolário 2.10.1 (Teorema do Valor Intermediário) Seja f : [a, b] →R contínua, com a < b. Se f(a) < d < f(b), segue que existe c ∈ (a, b) talque f(c) = d.

Prova: De fato, pelo teorema anterior, temos que f ([a, b]) é um intervalo;logo, ∀d ∈ (f(a), f(b)), d ∈ f ([a, b]); o que signi�ca que ∃c ∈ (a, b) tal quef(c) = d. �

2.2.1 Espaços conexos por caminhos

Além da conexidade como foi de�nida, outra idéia de conexidade é a deum conjunto no qual se pode passar de um ponto qualquer a outro por ummovimento contínuo. Isso é o que motiva o conceito de conexidade por ca-minhos, conceito mais particular e provido de mais signi�cado intuitivo doque o conceito geral de espaço conexo. Agora, enunciaremos e demonstrare-mos dois resultados sobre conexidade que prepararão o terreno para de�nir�conexidade por caminhos�. Esse conceito não será muito explorado aqui:de�niremos e demonstraremos alguns poucos resultados.

Teorema 2.11 Seja {Xi}i∈L uma família de conjuntos conexos tal que⋂j∈L

Xj 6=

∅. Tem-se que a reunião C =⋃i∈L

Xi é um conjunto conexo.

Prova: Toma-se a ∈⋂j∈L

Xj 6= ∅. Seja D = {1, 2} um espaço topológico

discreto de dois pontos. Se f :⋃j∈L

Xj → D é contínua, provaremos que f é

constante.Dado t ∈ L, f |Xt : Xt → D é contínua. Logo, pela conexidade de Xt,

temos que f é constante igual a f(a). Portanto isso provou que, para todoj ∈ L, f(x) = f(a) para todo x ∈ Xj. Ou seja, f é constante igual a f(a).�

42 CAPÍTULO 2. CONEXIDADE E COMPACIDADE

Corolário 2.11.1 A �m de que um espaço topológico M seja conexo, é ne-cessário e su�ciente que dois pontos quaisquer a, b ∈M estejam contidos emalgum conexo Xab ⊂M .

Prova: Se M é tal que dois pontos quaisquer a, b ∈ M estão contidos emalgum conexo Xab ⊂ M , �xando um a ∈ M , fazemos M =

⋃b∈M

Xab e, pelo

teorema precedente, segue que M é conexo.Reciprocamente, se M é conexo, temos que, dados dois pontos a, b ∈M ,

basta tomar o conexo Xab = M , que, evidentemente, é tal que a, b ∈ Xab. Oque completa a demonstração do teorema. �

Segue a de�nição de conexidade por caminos.

De�nição 2.4 (Conexidade por caminhos) Um caminho num espaço to-pológico X é uma aplicação contínua σ : [0, 1] → M . Os pontos a = σ(0) eb = σ(1) são os extremos do caminho σ. Diz-se, neste caso, que o caminho σliga o ponto a ao ponto b em X. Um espaço topológico X chama-se conexopor caminhos quando dois pontos quaisquer de X podem ser ligados por umcaminho contido em X.

Evidente que todo subconjunto conexo da reta é conexa por caminhos.O mesmo não ocorre em contextos mais gerais. No entanto, é bem fácilprovar que a conexidade por caminhos implica em conexidade. Segue, então,o enunciado desse resultado (e sua demonstração).

Proposição 2.12 Se o espaço topológico X é conexo por caminhos, entãoX é conexo.

Prova: Basta ver que, dados a, b ∈ X, temos σab : [0, 1] → R contínua,logo, por [0, 1] ser conexo, a imagem Xab = σab ([0, 1]) é conexa. Donde, pelocorolário 2.11.1, tem-se que X é conexo. �

Para encerrar a seção, provaremos alguns resultados que mostram que �co-nexidade por caminhos� é uma propriedade topológica, ou seja, é invariantepor homeomor�smos.

Teorema 2.13 Seja M um espaço topológico conexo por caminhos e sejaf : M → N uma função contínua. Tem-se, então, que f(M) é conexo porcaminhos.

2.2. ESPAÇOS CONEXOS 43

Prova: Dados f(a), f(b) ∈ f(M), toma-se o caminho σab : [0, 1]→M . Se-gue que a composição (f ◦ σab) : [0, 1]→ f(M) é uma composição de funçõescontínuas e, portanto, contínua, ou seja é um caminho. Os extremos dessecaminho são f(a) e f(b) evidentemente. O que completou a demonstração. �

Corolário 2.13.1 Seja f : M → N um homeomor�smo. Tem-se que M éconexo por caminhos se, e somente se, N é conexo por caminhos.

Prova: Basta ver que, se M é conexo por caminhos, pelo teorema anteriorf(M) = N é conexo por caminhos. A recíproca é óbvia, pois caímos nomesmo caso considerando a função inversa f−1 : N →M . �

2.2.2 Componentes conexas

O conceito de componentes conexas formaliza a idéia de espaço formado pormais de um pedaço. Quando temos um espaço topológico X, se A ⊂ X éconexo, podemos tomar a união de todos os conexos que contém A: essa uniãoé o maior conexo que contém o subconjunto A: chamado de componenteconexa que contém A.

De�nição 2.5 (Componente conexa) Seja X um espaço topológico. Umsubconjunto C ⊂ X é chamado de componente conexa se ele é conexo maxi-mal, ou seja, nenhum conjunto que o contenha propriamente é conexo.

As componentes conexas são sempre fechadas no espaço.

Teorema 2.14 Toda componente de um espaço X conexa é fechada em X.

Prova: Basta saber que fecho de conexo é conexo. Logo o fecho de umacomponente conexa seria um conexo que contém a componente conexa. Por-tanto o fecho da componente é igual à componente. �

Teorema 2.15 Seja X um espaço topológico com um número �nito de com-ponentes conexas. Segue que cada componente conexa é um aberto-fechadodo espaço X.

44 CAPÍTULO 2. CONEXIDADE E COMPACIDADE

Prova: Como as componentes conexas são fechadas, supondo que o nú-mero de componentes conexas é �nito, o complementar de uma componenteconexa é uma reunião �nita de fechados: portanto o complementar seria fe-chado. Logo a componente donexa é aberta. �

É importante destacar que o teorema 2.15 vale apenas no caso de umnúmero �nito de componentes conexas. Existem vários exemplos de espaçoscom um número in�nito de componentes conexas, em que as componentesnão são abertas: o conjunto dos racionais é um exemplo (as componentesconexas dos racionais são os pontos, os quais não são abertos).

Lema 2.16 Todo ponto de um espaço X pertence a alguma componente co-nexa de X.

Prova: Dado x ∈ X, basta tomar a união de todos os subconjuntos conexosque contém x. Pelo teorema 2.11, essa união seria conexa e note que seria,de fato, maximal (pois qualquer conexo que contivesse essa união, seria umconexo da união). �

Teorema 2.17 As componentes conexas formam uma partição do espaço,ou seja, são duas-a-duas disjuntas e a união das componentes é o espaçotodo.

Prova: Com efeito, se duas componentes conexas distintas tivessem interse-ção não vazia, a união dessas componentes conexas seria, pelo teorema 2.11,conexa. Teríamos um conexo contendo propriamente a componente conexa:absurdo. Por outro lado, pelo lema 2.16, todo ponto do espaço está na reu-nião de todas componentes conexas. �

De forma análoga, de�nimos componentes conexas por caminhos. Po-demos de�nir uma relação de equivalência num espaço topológico X. Doispontos são equivalentes caso exista um caminho (contínuo) que ligue essesdois pontos. As classes de equivalência dessa relação são chamadas compo-nentes conexas por caminhos. Outra de�nição equivalente segue abaixo.

De�nição 2.6 Seja X um espaço topológico. Chamamos um conjunto A ⊂X de componente conexa por caminhos, caso A seja conexo por caminhos

2.3. ESPAÇOS COMPACTOS 45

maximal, ou seja, nenhum conjunto conexo por caminhos contém A propri-amente.

Componentes conexas por caminhos nem sempre são fechadas, mas, comoas componentes conexas, elas formam uma partição do espaço. Isso �caevidenciado pelo fato de serem classes de equivalência da relação de�nidaanteriormente.

2.3 Espaços Compactos

Uma das propriedades topológicas que são mais fortemente utilizadas emDinâmica Topológica é a compacidade. O conceito de compacidade é, real-mente, bem frutífero.

A condição de compacidade diz que, de certa forma, o espaço topológicopossui �poucos abertos�.

De�nição 2.7 (Espaço compacto) Uma família υ de subconjuntos de umespaço topológico X cobre X, se a união de todos os elementos da famíliacontém X. Essa família é chamada de uma cobertura aberta de X, quandoseus elementos são todos conjuntos abertos.

O espaço X é compacto, se toda cobertura aberta de X contiver umasubfamília �nita que cobre X, ou seja, se toda cobertura aberta de X contiveruma subcobertura �nita. Um subconjunto K ⊂ X é compacto, se o subespaçoK é compacto.

Um conjunto X é perfeito, se ele é compacto e não contém nenhum pontoisolado.

Claramente, todo conjunto �nito é compacto, pois a quantidade de sub-conjuntos abertos é necessariamente �nita e, portanto, toda cobertura abertaé �nita. Em geral, é difícil determinar se um conjunto é compacto ou não.Antes de dar algun exemplos de conjuntos compacto e não-compactos, o te-orema 2.18, que nos mostra que compacidade é uma propriedade topológica,será estabelecido.

Teorema 2.18 Seja f : X → Y contínua. Se X é compacto, então f(X) écompacto. Conseqüentemente, se K e M são homeomorfos, K é compactose, e somente se, M é compacto. Ou seja, compacidade é uma propriedadetopológica.

46 CAPÍTULO 2. CONEXIDADE E COMPACIDADE

Prova: Seja f : X → Y contínua, sendo X compacto. Toma-se umacobertura aberta qualquer de f(X), λ = {Ai}i∈L. Segue, então, que λ ={f−1(Ai)}i∈L é uma cobertura aberta de X e, como X é compacto, segueque existe uma subcobertura α ⊂ λ �nita.

Seja α = {f−1(A1), f−1(A2), f−1(A3), . . . , f−1(An)}, então

⋃i∈{1,...,n}

f(f−1(Ai)

)= f

⋃i∈{1,...,n}

f−1(Ai)

= f(X),

ou seja,⋃i∈{1,...,n}

(Ai) = f(X),

id est, {Ai}i∈{1,...,n} é uma subcobertura �nita. O que completa a prova deque f(X) é compacto.

A conseqüência é óbvia. �

Exemplo 2.7.1 A reta R não é compacta. Basta ver que a cobertura aberta{(n, n+ 5) : n ∈ Z} não possui subcobertura �nita. Como vimos no teorema2.18, compacidade é um invariante topológico, donde segue que os intervalosabertos não são compactos (pois esses são homeomorfos a R).

Proposição 2.19 O intervalo fechado [0, 1] ⊂ R é compacto. Conseqüente-mente, todo intervalo fechado é compacto, pois todos são homeomorfos.

Prova: Dada uma cobertura aberta υ = {Uλ}λ∈L de [0, 1], tomamos oconjunto C = {x ∈ [0, 1] : existe uma subcobertura �nita ϑ ⊂ υ de [0, x)}.

Evidente que existe um aberto Ao em υ tal que 0 ∈ Ao e, portanto, existeum intervalo (a, b) aberto que contém 0 contido em Ao, ou seja, isso provaque C 6= ∅ (pois b ∈ C) e que 0 não é cota superior de C, pois 0 < b ∈ C(pois [0, b) possui uma subcobertura �nita). Temos, também, que 1 é cotasuperior de C. Toma-se, então, sup(C) = c e supõe-se, por absurdo, quec ∈ (0, 1).

Ou c ∈ C, ou c 6∈ C. Se c ∈ C, toma-se a subcobertura �nita ϑ ={Uj1 , . . . , Ujk} de [0, c). Tem-se que existe Uλ ∈ υ tal que c ∈ Uλ e, por

2.3. ESPAÇOS COMPACTOS 47

Uλ ser aberto, segue que existe um intervalo aberto (m,n) ⊂ Uλ tal quec ∈ (m,n). Portanto ϑ ∪ {Uλ} = {Uj1 , . . . , Ujk , Uλ} é uma subcobertura�nita de [0, n), o que contraria a hipótese de sup(C) = c.

Caso c 6∈ C, toma-se a subcobertura �nita ϑ = {Vj1 , . . . , Vjk} de [0, c)−Vλ(tal que Vλ é um intervalo aberto que contenha c). Mas, então, segue que ϑ∪{Vλ} = {Vj1 , . . . , Vjk , Vλ} é uma subcobertura �nita de [0, c), o que contrariaa hipótese de que c 6∈ C. O que completa a demonstração por absurdo deque c 6∈ (0, 1), logo c = 1.

E tomando a subcobertura �nita ϑ = {Tj1 , . . . , Tjk} de [0, 1) , basta acres-centar um aberto Tλ 3 1 contido em υ e, então, ϑ ∪ {Tλ} = {Tj1 , . . . , Tjk} éuma subcobertura �nita de [0, 1], o que completa a prova de que, dada umacobertura aberta de [0, 1], conseguimos obter uma subcobertura �nita; ouseja, [0, 1] é compacto.

Conseqüentemente, todo intervalo fechado é compacto, pois todos inter-valos fechados são homeomorfos entre si. �

Segue desse resultado que um intervalo fechado não é homeomorfo a umintervalo aberto, pois o primeiro é compacto e o segundo não. Antes deentender o conceito de compacidade, essa prova poderia ter sido feita usandoconexidade1.

Segue uma forma de caracterizar a compacidade de um subconjunto deum espaço.

Teorema 2.20 Seja X um espaço topológico. Um subespaço Y de X é com-pacto se, e somente se, toda cobertura aberta de Y por conjuntos abertos deX contém uma subcobertura �nita cobrindo Y .

Prova: Supõe-se que Y é compacto. Logo, dada uma cobertura υX ={Uj}j∈L de Y por conjuntos abertos Uj ⊂ X. Então tem-se que υY ={Uj ∩ Y : j ∈ L} é evidentemente uma cobertura aberta de Y . Portantohá uma subcobertura {Uj1 ∩ Y, . . . , Ujn ∩ Y } = ϑ ⊂ υY que cobre Y , dondesegue que {Uj1 , . . . , Ujn} ⊂ υX é uma subcobertura por conjuntos abertos deX que cobre Y .

Reciprocamente, se ocorre que toda cobertura aberta de Y por conjuntosabertos de X contém uma subcobertura �nita cobrindo Y . Então tem-se que,

1Usando conexidade, poderíamos, também, provar que um intervalo �semi-fechado� nãoé homeomorfo a um intervalo aberto.

48 CAPÍTULO 2. CONEXIDADE E COMPACIDADE

se υY = {Vj}j∈L é uma cobertura de Y por conjuntos abertos de Y , temosque podemos tomar conjuntos Uλ ⊂ X abertos tais que Vλ = Uλ ∩ Y . LogoυX = {Uj}j∈L é uma cobertura de Y por conjuntos abertos de X e, então,pela hipótese, existe uma subcobertura {Uj1 , . . . , Ujn} de Y por conjuntosabertos de X, donde segue que {Vj1 , . . . , Vjn} é uma subcobertura de υY porconjuntos abertos de Y . Ou seja, Y é compacto. �

Dado um conjunto compacto K, é falso dizer que subconjuntos de K sãocompactos. É fácil dar exemplos para isso: o intervalo fechado é compacto,mas o intervalo aberto contido nele não é. Mas veremos que todo subconjuntofechado de um compacto K é compacto. Segue esse resultado.

Teorema 2.21 Todo conjunto fechado de um espaço compacto é compacto.

Prova: Seja X um espaço topológico compacto. Se Y ⊂ X é fechado,toma-se uma cobertura aberta υ = {Ui}i∈L de Y por conjuntos abertos deX. Temos, então, que υ∪{X − Y } é uma cobertura aberta de X e, portanto,há uma subcobertura �nita {Uj1 , . . . , Ujn , X − Y } = ϑ ⊂ υ de X, donde se-gue que {Uj1 , . . . , Ujn} ⊂ υ é uma subcobertura �nita de Y usando conjuntosabertos de X. Isso completa a demonstração de que Y é compacto. �

Segue dessa proposição que nenhum subconjunto fechado de um compactoé homeomorfo a um espaço não compacto.

Por exemplo, o conjunto de Cantor, por ser fechado de um compacto,é compacto: logo não é homeomorfo a nenhum conjunto não-compacto (nocaso da reta, isso implica que o conjunto de Cantor não é homeomorfo anenhum conjunto não-limitado).

2.3.1 Rigidez Hausdor�-Compacto

Espaços Hausdor� e espaços compactos têm certa relação entre suas condi-ções impostas aos abertos. A condição Hausdor� diz que, de certa forma, oespaço contém muitos abertos. E, por outro lado, a condição de compaci-dade diz que, de certa forma, o espaço possui poucos abertos. Veremos queessa idéia intuitiva faz sentido, quando veri�carmos que, num conjunto X,não existe uma topologia Hausdor� (estritamente) menor que uma topolo-gia compacta. Mas, antes disso, seguem alguns importantes resultados querelacionam a topologia Hausdor� com compacidade.

2.3. ESPAÇOS COMPACTOS 49

Teorema 2.22 Seja H um espaço Hausdor�. Todo subconjunto compactode H é fechado.

Prova: Com efeito, sejam H um espaço Hausdor� e K ⊂ H compacto.Dado z 6∈ K, segue que, para cada x ∈ K, existem vizinhanças abertas Vx(de x) e Ux (de z) disjuntas. Segue que K ⊂

⋃x∈K

Vx. Logo, pela compacidade

de K, tem-se que existem x1, . . . , xn ∈ K tais que K ⊂n⋃i=1

Vxi .

Portanto⋂ni=1 Uxi é uma vizinhança aberta de z contida no complementar

de K. Como z foi tomado de forma arbitrária, isso provou que KC é aberto,ou seja, K é fechado. �

Como todo fechado de um compacto é compacto, segue o seguinte coro-lário.

Corolário 2.22.1 Seja X um espaço Hausdor� compacto. K ⊂ X é com-pacto se, e somente se, é fechado.

Prova: Note que esse corolário é conseqüência imediata dos dois teore-mas precedentes (teoremas 2.22 e 2.21). De fato, dado um espaço Hausdor�H compacto, tem-se que todo subconjunto fechado de H é compacto, peloteorema 2.21. Reciprocamente, se K ⊂ H é compacto, então, por H serHausdor�, K é fechado (segundo o teorema 2.22). O que completa a de-monstração do corolário. �

Segue dos resultados acima, um importante resultado sobre aplicaçõescontínuas de�nidas em compactos e com contradomínio em espaços Haus-dor�.

Teorema 2.23 Sejam X um espaço compacto e Y um espaço Hausdor�. Sef : X → Y é contínua, segue que f é fechada.

Prova: Com efeito, por X ser compacto, dado F ⊂ X fechado, segue que Fé compacto. Logo f(F ) ⊂ Y é compacto. E, por Y ser Hausdor�, implica-seque f(F ) ⊂ Y é fechado em Y . �

50 CAPÍTULO 2. CONEXIDADE E COMPACIDADE

O corolário abaixo deixa precisa a a�rmação de que, num conjunto X,não existe uma topologia Hausdor� (estritamente) menor que uma topologiacompacta.

Corolário 2.23.1 Sejam X um espaço compacto e Y um espaço de Haus-dor�. f : X → Y é uma função contínua bijetiva se, e somente se, f é umhomeomor�smo (e X é compacto).

Prova: Isso é conseqüência imediata do teorema precedente. �

Desse último corolário, segue um interessante (e útil) resultado.

Proposição 2.24 Sejam X um espaço Hausdor� e Y um espaço topológicoqualquer. O grá�co G(f) = {(x, f(x)) : x ∈ X} de uma função f : X → Y écompacto se, e somente se, f é contínua e X é compacto.

Prova: Com efeito, seja X é compacto. Como f é contínua, tem-se queX é o homeomorfo a G(f). Logo G(f) é compacto. Reciprocamente, sejamX Hausdor� e G(f) compacto. Tem-se que a projeção pX : G(f) → X éuma aplicação bijetiva contínua. Como X é Hausdor� e G(f) é compacto,segue que pX é um homeomor�smo. Disso já segue que X é compacto. SepY : G(f) → Y é a projeção, segue que f = (pY ◦ (pX)−1) : X → Y é umacomposição de aplicações contínuas e, portanto, contínua. �

2.3.2 Caracterização de espaços compactos

Aqui, será apresentada uma forma de se caracterizar espaços compactos.Neste texto, ela será especialmente importante na demonstração do teoremade Tychono�. Essa caracterização é muito importante em argumentos deenvolvendo espaços compactos e, conseqüêntemente, será usada em argu-mentos de Dinâmica Topológica (por exemplo, para provar a existência desubsistemas minimais).

Abaixo, de�ne-se �propriedade da interseção �nita� para que seja enunci-ado o teorema 2.25, principal objetivo desta subseção.

2.3. ESPAÇOS COMPACTOS 51

De�nição 2.8 (Propriedade de interseção �nita) Uma coleção ϑ de sub-conjuntos de X satisfaz a propriedade �nita de interseção, se toda coleção

�nita {A1, . . . , An} ⊂ ϑ possuir interseção não-vazia, ou seja,n⋂i=1

Ai 6= ∅.

Teorema 2.25 (Interseção �nita) Um espaço topológico X é um com-pacto se, e somente se, para toda coleção ϑ de subconjuntos fechados sa-tisfazendo a propriedade de interseção �nita é tal que

⋂A∈ϑ

A 6= ∅.

Prova: Seja υ ={X − A = AC : A ∈ ϑ

}. Essa é uma coleção de subcon-

juntos abertos, já que ϑ é uma família de subconjuntos fechados. Segue que

υ cobre X se, e somente se,⋂A∈ϑ

A = ∅, já que

(⋃A∈ϑ

AC

)=

(⋂A∈ϑ

A

)C

=

(∅)C = X.Seja X tal que para toda coleção ϑ de conjuntos fechados satisfazendo a

propriedade de interseção �nita é tal que⋂A∈ϑ

A 6= ∅. Tomando uma cobertura

aberta υ de X, segue que a família ϑu ={AC = X − A : A ∈ υ

}é tal que⋂

U∈ϑu

U = ∅ e, portanto, ϑu não satisfaz a propridade da interseção �nita, ou

seja, existe uma subfamília �nita {U1, . . . , Un} tal quen⋂i=1

Ui = ∅. Portanto

existe uma subfamília {A1, . . . , An} ={

(U1)C , . . . , (Un)C}⊂ υ tal que

n⋃i=1

Ai =n⋃i=1

(Ui)C =

(n⋂i=1

Ui

)C

= (∅)C = X

, ou seja, {A1, . . . , An} ⊂ υ é uma subfamília aberta de X. Isso completa aprova de que X é compacto.

Seja X compacto. Se a família de fechados, ϑ = {Ui}i∈L, é tal que⋂i∈L

Ui = ∅, então υ ={

(Ui)C}i∈L

é uma cobertura aberta de X, pois:

⋃i∈L

(Ui)C =

(⋃i∈L

(Ui)

)= (∅)C = X.

52 CAPÍTULO 2. CONEXIDADE E COMPACIDADE

E, porX ser compacto, existe uma subcobertura �nita{

(U1)C , . . . , (Un)C}⊂

υ e, portanto,

(n⋂i=1

(Ui)

)=

(n⋃i=1

(Ui)

)C

= XC = ∅. Ou seja, provamos que

a interseção de todos conjuntos de uma família de subconjuntos do compactoX ser não-vazia implica que X não tem a propriedade de interseção �nita.O que completa a demonstração da recíproca do teorema. �

Segue, como corolário, que toda família decrescente de fechados não-vazios F1 ⊃ F2 ⊃ · · · ⊃ Fn ⊃ · · · num espaço compacto K possui interseçãonão-vazia.

Capítulo 3

Topologias Produto e Quociente

Um dos importantes meios de �se obter espaços de outros espaços topológicos�é com os conceitos de topologia produto e topologia quociente. É nestecapítulo, que teoremas importantes, como o teorema de Tychono�, serãoprovados.

A importância para a referência [6] desse capítulo é principalmente nademonstração do teorema de Van der Waerden usando dinâmica simbólica(é lá que o teorema de Tychono� no caso enumerável é usado).

3.1 Topologia Produto

Aqui, pretende-se de�nir uma topologia para um espaço topológico que sejao produto cartesiano de outros espaços topológicos. Note que �zemos issono exemplo 1.5.1. Podemos estender a de�nição do exemplo ao caso de umproduto �nito de espaços topológicos (produto de n espaços topológicos).

Esse capítulo terá como objetivo essa extensão da de�nição e, posterior-mente, a construção de uma topologia para um produto in�nito de espaços.

3.1.1 Produto Finito de Espaços

De�nição 3.1 Seja {Xi}i∈L uma família �nita de espaços topológicos, ondeL = {1, . . . , n}. A família

B =

{∏i∈L

Ui : Ui é subconjunto aberto de Xi

}

53

54 CAPÍTULO 3. TOPOLOGIAS PRODUTO E QUOCIENTE

é uma base de uma topologia de∏i∈L

Xi. Essa topologia é denominada topologia

produto de∏i∈L

Xi e, quando não mencionado o contrário, o produto �nito de

espaços topológicos sempre é munido dessa topologia.

De fato, essa família é a base de uma topologia. Fica a cargo do leitoressa veri�cação, mas basta ver que a interseção de membros da família Bpertence a B.

O espaço topológico∏i∈L

Xi munido da topologia produto é denominado

espaço produto. As aplicações projeção pi : X → Xi, pi(x) = xi, desempe-nham papel principal quando falamos em topologia produto (de fato, elasque motivam a de�nição da topologia produto).

Proposição 3.1 As projeções do espaço produto∏j∈L

Xj em qualquer um dos

espaços Xi são aplicações contínua. Ou seja, as projeções

pi :∏j∈L

Xj → Xi

(x1, . . . , xn) 7→ xi

são contínuas.

Prova: Dado A ⊂ Xi aberto, segue que

p−1i (A) =

(i−1∏j=1

Xj

)× A×

(n∏

j=i+1

Xj

),

ou seja, a imagem inversa p−1i (A) é um aberto em

∏j∈L

Xj. Isso completa a

prova de que pi é contínua (∀i ∈ L). �

O lema abaixo mostra uma outra forma que a topologia de um produto�nito de espaços poderia ter sido de�nida.

Lema 3.2 Seja {Xj}j∈L uma família �nita de espaços topológicos. A família

F ={p−1i (U) : i ∈ L e U é aberto em Xi

}

3.1. TOPOLOGIA PRODUTO 55

é uma sub-base da topologia produto em∏i∈L

Xi.

Prova: Com efeito, os abertos básicos da topologia produto de∏j∈L

Xj são

os conjuntos∏j∈L

Uj, onde Uj é aberto em Xj. Logo cada aberto básico∏j∈L

Uj

é dado por⋂j∈L

p−1j (Uj). Isso prova que a base da topologia produto está con-

tida na base gerada por F . A recíproca é truísmo. �

Logo poderíamos ter de�nido a topologa do produto �nito de espaçoscomo sendo a topologia gerada pela subbase descrita acima. O teoremaabaixo também caracteriza a topologia produto.

Teorema 3.3 Sejam L um conjunto �nito de índices e {Xj}j∈L uma famíliade espaços topológicos. Uma aplicação com contradomínio no produto dessesespaços é contínua se, e somente se, as suas projeções são contínuas (asfunções coordenadas são contínuas). Isto é, sejam pi :

∏j∈L

Xj → Xi as

projeções,f : Y →

∏j∈L

Xj

é contínua se, e somente se, a composição pj ◦ f é uma aplicação contínuaseja qual for o j ∈ L.

Prova: Se f é contínua, segue que as composições pi ◦ f são composições defunções contínuas e, portanto, são contínuas. Reciprocamente, se todas ascomposições pi ◦ f são contínuas, segue que, dado A ⊂

∏j∈L

Xj pertencente à

sub-base, ou seja, dado A = p−1i (U) (onde U é aberto em Xi e i ∈ L), segue

que f−1(p−1i (U)) é aberto, pois pi ◦ f é contínua. Isso completa a prova de

que f é contínua. �

De fato, �ca a cargo do leitor veri�car que o teorema acima caracteriza atopologia produto. Ou seja, um produto de espaços está munido da topologiaproduto se, e somente se, vale o teorema acima. Futuramente, isso será

56 CAPÍTULO 3. TOPOLOGIAS PRODUTO E QUOCIENTE

interessante para veri�car se uma métrica é �coerente�/induz com a topologiaproduto.

Lema 3.4 Seja f : X → Y uma aplicação contínua. Se Z é um espaçotopológico qualquer, g : X × Z → Y , g(x, z) = g(x), é contínua.

Prova: Com efeito, dado U ⊂ Y aberto, g−1(U) = f−1(U) × Z, ou seja, éum aberto. �

Proposição 3.5 Seja f : X → Y uma aplicação contínua. Segue que

(f × f) : X ×X → Y × Y(x, y) 7→ (f(x), f(y))

é contínua. E, se f é aberto, então (f × f) é aberto.

Prova: Com efeito, para provar basta notar que as projeções de (f × f) sãocontínuas. Isso completa a prova de que (f × f) é contínua. Dados aber-tos U, V deX. Tem-se que (f×f)(U×V ) = f(U)×f(V ). Logo f é aberta. �

Uma outra propriedade importante da topologia produto é que produtode conexos é conexo. O caso de produto �nito de espaços é provado abaixo.

Teorema 3.6 Sejam X1, . . . , Xk espaços topológicos. O espaço topológicoX1×· · ·×Xk é conexo se, e somente se, para todo j = 1, . . . , k, Xj é conexo.

Prova: De fato, se o produto X1 × · · · × Xk é conexo, então, dado j ∈{1, . . . , k}, Xj é a imagem do espaço X1 × · · · × Xk pela j-ésima projeção(que é uma aplicação contínua). Portanto Xj é conexo.

Reciprocamente, provemos que o produto de dois espaços conexos é co-nexo (a prova para k espaços conexos sai por indução). Sejam X1, X2 sãoespaços conexos. Escolhe-se b ∈ X2 e, para cada a ∈ X1, de�ne-se

Pa = ({a} ×X2) ∪ (X1 × {b}).

Note que X1 é homeomorfo a X1 × {b}, e X2 é homeomorfo a {a} ×X2 sejaqual for a ∈ X1. Portanto X1 × {b} e {a} ×X2 são conexos.

3.1. TOPOLOGIA PRODUTO 57

Temos que, para todo a ∈ X1, (a, b) ∈ (X1 × {b}) ∩ ({a} ×X2), logo Paé conexo (pois é união de conexos não disjuntos). Escolhe-se f ∈ X1. Temosque, para todo a ∈ X1,

(f, b) ∈ X1 × {b} ⊂ Pa.

Logo⋃a∈X1

Pa é uma reunião de conexos não-disjuntos. Portanto⋃a∈X1

Pa é

conexo. �

3.1.2 Topologia Produto

Seja {Xi}i∈L uma família in�nita de espaços topológicos. Essa subseção será

dedicada a encontrar uma topologia razoável para o produto∏i∈L

Xi.

Lembremos que o conjunto∏i∈L

Xi é, na verdade, o conjunto de todas as

funções u : L →⋃i∈L

Xi tal que u(j) ∈ Xj (∀j ∈ L). O axioma da escolha

garante que esse produto cartesiano é não-vazio (se todos os conjuntos Xi

não forem).Para muní-lo de uma topologia, nos motivaremos com o caso �nito. Uma

das propriedades que seria razoável manter para o caso in�nito é o fato dasprojeções serem contínuas. Note que, se Y é um espaço topológico e f :X → Y é uma aplicação, é possível encontrar uma topologia τ para X quetorna f : X → Y contínua. Uma topologia τ que satisfaria isso é a topologiadiscreta: de fato, a topologia discreta é a maior topologia que satisfaz isso.

Para que as projeções pj :∏i∈L

Xi → Xj sejam contínuas, devemos ter

que a topologia τ em∏i∈L

Xi seja maior ou igual (mais �na) que a topologia

gerada pela subbase F ={p−1i (U) : i ∈ L e U é aberto em Xi

}.

De�nição 3.2 (Topologia produto) Seja {Xk}k∈L uma família de espa-

ços topológicos. A topologia em∏k∈L

Xk gerada pela subbase

F ={p−1i (U) : i ∈ L e U é aberto em Xi

}

58 CAPÍTULO 3. TOPOLOGIAS PRODUTO E QUOCIENTE

é chamada topologia produto de∏j∈L

Xj.

Teorema 3.7 Seja {Xi}i∈L uma família in�nita de espaços topológicos. Asprojeções

pj :∏i∈L

Xi → Xj

x 7→ xj

são contínuas (∀j ∈ L).

Prova: Conseqüência direta da de�nição da topologia produto. �

Teorema 3.8 Seja∏i∈L

Xi um espaço produto. Temos que as projeções

pj :∏i∈L

Xi → Xj

são aplicações abertas, ou seja, as imagens de conjuntos abertos são a con-juntos abertos.

Prova: Com efeito, basta provar que a imagem de cada elemento da baseda topologia em

∏i∈L

Xi é um berto em Xj. Para isso, note que os elementos

da base são do tipo

U = {x : α ∈ F e xα ∈ Uα} ,

para algum F ⊂ L �nito, onde Uα ⊂ Xα é aberto. Note que pj(U) = Uj sej ∈ F , ou pj(U) = Xj caso contrário. Ou seja, a imagem de U é aberta.

Portanto pj é uma aplicação aberta. �

Temos, abaixo, o principal resultado que envolve a topologia produto econtinuidade de funções. Esse resultado, como veremos, caracteriza a topo-logia produto.

3.1. TOPOLOGIA PRODUTO 59

Teorema 3.9 Sejam {Xi}i∈L uma família de espaços topológicos e Y umespaço topológico. Uma função

f : Y →∏i∈L

Xi

é contínua se, e somente se, cada projeção pj ◦ f (j ∈ L) é contínua; onde

pj :∏i∈L

Xi → Xj é a função projeção da j-ésima coordenada.

Prova: De fato, se f é contínua, temos que pj ◦ f é uma composição deaplicações contínuas, ou seja, é contínua. Reciprocamente, se cada projeçãopj ◦ f da função

f : Y →∏i∈L

Xi

for contínua, segue que, para todo j ∈ L e todo Uj ⊂ Xj, a imagem inversaf−1

(p−1j (Uj)

)é um aberto. Ou seja, a imagem inversa por f dos elementos

da subbase p−1j (Uj) da topologia produto são abertos. Portanto f é contínua.

A propriedade acima é uma caracterização da topologia produto. Ou seja,∏i∈L

Xi está munido da topologia produto se, e somente se, o teorema acima

vale. Provemos a recíproca do teorema como lema.

Lema 3.10 Seja {Xi}i∈L uma família de espaços topológicos. Mune-se o∏i∈L

Xi de uma topologia τ . Suponha que, para qualquer espaço Y , uma função

f : Y →∏i∈L

Xi

é contínua se, e somente se, cada projeção pj ◦ f (j ∈ L) é contínua; onde

pj :∏i∈L

Xi → Xj é a função projeção da j-ésima coordenada.

Segue, então, que τ é a topologia produto.

Prova: Com efeito, temos que a aplicação identidade Id :∏i∈L

Xi →∏i∈L

Xi

é contínua (na topologia τ). Logo, segue da hipótese, que as aplicações

60 CAPÍTULO 3. TOPOLOGIAS PRODUTO E QUOCIENTE

projeção são contínuas na topologia τ . Temos que a topologia produto é amenor topologia que torna todas projeções contínuas. Portanto a topologiaproduto é menor (ou igual) que a topologia τ .

Seja P o produto cartesiano dos conjuntos Xi munido da topologia pro-duto. De�ne-se

T : P→∏i∈L

Xi

z 7→ z

Compondo T com as projeções, teremos exatamente as aplicações proje-ção no espaço P (que é munido da topologia produto). Logo teremos apli-cações contínuas. Segue, então, da hipótese que T é contínuo. Ou seja, atopologia τ é menor ou igual à topologia produto. �

Sempre, num produto de espaços, consideramos a topologia produto. Asituação do lema é aquela em que você mune um produto cartesiano deconjuntos de uma topologia e, depois, prova que, na verdade, essa topologiaé a topologia produto em relação a uma família de espaços topológicos (espaçoproduto daqueles conjuntos munidos de certas topologias).

O produto de uma família de espaços conexos é conexo. Segue o resultadoem sua forma mais geral.

Teorema 3.11 Seja {Xα}α∈L uma família de espaços topológicos. Segue que∏α∈L

Xα é conexo se, e somente se, para todo α ∈ L, Xα é conexo.

Prova: Com efeito, se∏α∈L

Xα é conexo, dado k ∈ L, temos que Xk é a

imagem de∏α∈L

Xα pela k-ésima aplicação projeção (que é contínua). Logo

Xk é conexo.Reciprocamente, se Xα é conexo para todo α ∈ L, escolhe-se, para cada

λ ∈ L, aλ ∈ Xλ. Então, para cada subconjunto �nito F ⊂ L, toma-se

AF =

(∏α∈F

( ∏γ∈L−F

{aγ}

).

3.1. TOPOLOGIA PRODUTO 61

Observe que AF é homeomorfo a∏α∈F

Xα e, portanto, é homeomorfo a um pro-

duto �nito de espaços conexos: em particular, é conexo. Seja Pf o conjunto

das partes �nitas de L. Temos que Z =⋃F∈Pf

AF é conexo pois (aλ) ∈⋂F∈Pf

AF .

Veri�que que todos os abertos da base da topologia produto de∏α∈L

possui interseção não vazia com Z. Portanto Z =∏α∈L

Xα, o que completa a

prova de que∏α∈L

Xα é conexo. �

Como veremos futuramente, nem todo produto de espaços métricos é me-trizável (apenas produtos enumeráveis). Mas uma propriedade interessantede espaços produto é que o produto (qualquer) de espaços Hausdor� é umespaço Hausdor�. Segue o teorema que estabelece isso.

Teorema 3.12 Seja {Xα}α∈L uma família de espaços topológicos Hausdor�.Segue que ∏

α∈L

é um espaço Hausdor�.

Prova: Com efeito, basta notar que, se a, b ∈∏α∈L

Xα são pontos distintos,

temos que, para algum h ∈ L, ah 6= bh. Portanto existem vizinhanças Uh(de ah) e Vh (de bh) disjuntas em Xh, donde segue que p

−1h (Uh) e p

−1h (Vh) são

vizinhanças disjuntas de a e b (respectivamente) no espaço produto∏α∈L

Xα.

A recíproca do teorema acima também é verdadeira. A demonstraçãodesse fato será adiada para a próxima seção.

Um dos mais famosos resultados sobre espaços compactos de topologiageral, o teorema de Tychono�, envolve a topologia produto. Esse teoremaa�rma que o produto de conjuntos compactos é compacto.

62 CAPÍTULO 3. TOPOLOGIAS PRODUTO E QUOCIENTE

Seja X um espaço topológico. Usando o lema de Zorn, é fácil provar que,dada uma família F de subconjuntos de X satisfazendo a propriedade deinterseção �nita, existe uma família M ⊃ F de subconjuntos de X maximalem relação à propriedade interseção �nita. É usando esse resultado, queprovaremos o teorema de Tychono�.

Lema 3.13 Sejam X um espaço topológico e F uma coleção de partes deum conjunto X com a propriedade de interseção �nita. Existe, então, umacoleção M de partes de X maximal satisfazendo a propriedade de interseção�nita e contendo F.

Prova: SejaP a família das coleções (de subconjuntos deX) que satisfazema propriedade de interseção �nita e que contém F. Dada uma cadeia em P, ébem fácil veri�car que a reunião dos elementos dessa cadeia também pertencea P. Portanto, essa reunião é uma cota superior para a cadeia.

Portanto segue do lema de Zorn que P possui elemento maximal M. �

Segue o enunciado e a demonstração do teorema de Tychono�.

Teorema 3.14 (Teorema de Tychono�) Seja {Kλ}λ∈L uma família de

espaços compactos. Segue que∏λ∈L

Kλ é compacto.

Prova: Seja {Kλ}λ∈L uma família de espaços compactos. Usaremos o

teorema 2.25 para provar que∏λ∈L

Kλ é compacto.

Dada uma família F de fechados em∏λ∈L

Kλ satisfazendo a propriedade da

interseção �nita, segue do lema precedente que existe M maximal contendoF e satisfazendo a propriedade de interseção �nita.

Para completar a demonstração, precisamos provar que⋂F∈F

F 6= ∅. Mas,

para isso basta provar que M∈MM é não vazio.Note que, para todo λ ∈ L, a projeção pλ(M) = {pλ(M) : M ∈M}

satisfaz a propriedade de interseção �nita. Portanto, por Xλ ser compacto(para todo λ ∈ L), segue que ⋂

A∈pλ(M)

A 6= ∅.

3.2. TOPOLOGIA QUOCIENTE 63

Logo, para cada λ ∈ L, podemos escolher xλ ∈⋂

A∈pλ(M)

A ⊂ Xλ. Esco-

lhendo dessa forma, segue que, para todo λ ∈ L, toda vizinhança U de xλ etodo M ∈M, vale

U ∩ pλ(M) 6= ∅.

Portanto p−1λ (U) ∩ M 6= ∅ para quaisquer λ ∈ L, vizinhança U de xλ e

M ∈ M. E, como M é maximal em relação à propriedade de interseção�nita, isso implica que, para todo λ ∈ L e todo aberto U contendo xλ,p−1λ (U) ∈M.Segue, então, que, dados λ1, . . . , λm ∈ L e abertos U1, . . . , Um contendo

xλ1 , . . . , xλm (respectivamente), a interseção

M ∩ p−1λ1

(U1) ∩ · · · ∩ p−1λm

(Um)

é não vazia.Isso provou que todo aberto básico contendo x = (xλ) tem interseção não

vazia com M (para todo M ∈ M). E, então, segue que x ∈ M para todoM ∈M, donde segue que

x ∈⋂M∈M

M.

Em particular, isso provou que⋂M∈M

M 6= ∅, o que completa a prova do

teorema. �

3.2 Topologia Quociente

Seja f : X → Y uma aplicação sobrejetiva. Se X é um espaço topológico,pode-se munir Y de uma topologia que torne f : X → Y contínua. Porexemplo, se Y estiver munido da topologia indiscreta, teria-se f contínua.No entanto, o interesse está em encontrar a maior topologia que satisfaz isso.

De�nição 3.3 Seja f : X → Y uma aplicação. A topologia quociente em Y(em relação a f) é a de�nida por

τ ={U : f−1(U) é aberto em X

}.

64 CAPÍTULO 3. TOPOLOGIAS PRODUTO E QUOCIENTE

É fácil veri�car que, de fato, essa é a maior topologia que torna f contínua.No entanto, será provado na proposição a seguir.

Proposição 3.15 Seja f uma aplicação contínua de (X, τX) em (Y, τY ). Seϑ é a topologia quociente de Y (em relação a f), então τY ⊂ ϑ. Ou seja, atopologia quociente é a maior topologia que torna f contínua.

Prova: Dado U ∈ τY , por f ser contínua, tem-se que f−1(U) é aberta emX. Portanto U ∈ ϑ. Isso completa a prova de que ϑ é, de fato, a maiortopologia que torna f contínua. �

Teorema 3.16 Seja f : X → Y uma sobrejeção contínua de (X, τX) em(Y, τY ). Se f é aberta (ou fechada), então a topologia τY é exatamente atopologia quociente de Y em relação f .

Prova: Seja f : X → Y uma sobrejeção contínua e aberta. Denotemos porϑ a topologia quociente em Y . Dado U ∈ ϑ, segue que f−1(U) é aberto. Porser uma sobrejeção, tem-se que f (f−1(U)) = U e, por ser aberta, U ∈ τY .Isso prova que ϑ ⊂ τY . E, por ϑ ser maximal, isso prova que ϑ = τY . �

Seja f : X → Y uma aplicação sobrejetiva. Quando a topologia em Ycoincide com a topologia quociente em relação a f : X → Y , f : X → Y échamada de aplicação quociente.

O teorema precedente provou que uma aplicação aberta (ou fechada)sobrejetiva é necessariamente uma aplicação quociente. E, então, segue doteorema 2.23 que toda aplicação sobrejetiva de um compacto num Hausdor�é uma aplicação quociente.

O teorema abaixo caracteriza a topologia a quociente.

Teorema 3.17 Seja f : X → Y uma aplicação quociente. Segue que umaaplicação g : Y →M é contínua se, e somente se, g◦f : X →M é contínua.

Prova: Com efeito, se g é contínua, g ◦ f é uma composição de funções con-tínuas e, portanto, é contínua. Reciprocamente, se g ◦f é contínua, dado umaberto U ⊂ M , tem-se que f−1 (g−1(U)) é aberto em X. Logo, por Y estarmunido da topologia quociente, tem-se que g−1(U) é necessariamente aberto

3.2. TOPOLOGIA QUOCIENTE 65

em Y . Portanto g é contínua. Isso completa a demonstração do teorema. �

O teorema precedente, na verdade, caracteriza a topologia quociente. Ouseja, um espaço topológico Y está munido da topologia quociente em relaçãoa uma aplicação f : X → Y se, e somente se, o teorema precedente é válido.

Seja X um espaço topológico. Uma relação nos pontos de X é encaradocomo sendo um subconjunto E ⊂ X×X. Se R é uma relação de equivalência,denotamos o conjunto das classes de equivalência por X/R. De�ne-se aprojeção

P : X → X/R

x → x

Onde x ∈ X/R é a classe de equivalência de x. Evidentemente que P estábem de�nida e é uma sobrejeção. Mune-se, então, X/R da topologia quoci-ente (em relação a P ).

Dada uma aplicação quociente g : X → Y , temos que X =⋃y∈Y

g−1(y).

Podemos, então, de�nir uma relação de equivalência emX: R = {(x, y) : g(x) = g(y)}.Assim, podemos identi�car Y com X/R: e, então, todo espaço quociente éobtido da forma acima.

Teorema 3.18 Seja X um espaço topológico. Se R é uma relação de equiva-lência no conjunto X, tal que a aplicação quociente P : X → X/R é aberta.Temos que X/R (munido da topologia quociente) é Hausdor� se, e somentese, R é fechado em X ×X.

Prova: Com efeito, seja P : X → X/R a aplicação quociente. A�rmamosque (P ×P ) : X×X → X/R×X/R, dada por (P ×P )(y, z) = (P (y), P (z)),é aplicação quociente (visto que é uma aplicação aberta e sobrejetiva).

Se X/R é Hausdor�, segue que a diagonal de X/R ×X/R é fechada emX/R × X/R. Logo temos que a imagem inversa da diagonal pela P × P éfechada em X×X. Essa imagem inversa é justamente a relação R ⊂ X×X.Ou seja, provamos que R é fechada em X ×X.

Reciprocamente, se R é fechada em X × X, então o complementar deR é aberto. Mas o complementar é imagem inversa do complementar dadiagonal de X/R × X/R. Portanto, pela topologia quociente, segue que o

66 CAPÍTULO 3. TOPOLOGIAS PRODUTO E QUOCIENTE

complementar da diagonal é aberto em X/R×X/R. Ou seja, a diagonal deX/R×X/R é fechada. Portanto X/R é Hausdor�. �

Para completar o capítulo, provaremos um resultado que relaciona as duastopologias: quociente e produto. De fato, as projeções do espaço produto sãoaplicações quociente.

Teorema 3.19 Seja {Xα}α∈L uma família de espaços topológicos. Temosque as aplicações de projeção pγ : Πα∈LXα → Xγ são aplicações quociente.

Prova: Esse resultado sai imediamente do fato de que as projeções são apli-cações abertas (sobrejetivas). �

Um exemplo de aplicação do resultado acima é o teorema abaixo.

Teorema 3.20 Seja {Hα}α∈L uma família de espaços. Temos que Πα∈LHα

é Hausdor� se, e somente se, Hα é Hausdor� para todo α ∈ L.

Prova: Se Hα é Hausdor� ∀α ∈ L, já provamos que o produto dessesespaços será Hausdor� na seção precendente. Reciprocamente, se o produtoé Hausdor�, dado γ ∈ L, temos que a projeção

pγ :∏α∈L

Hα → Hγ

é aplicação quociente. Toma-se o conjunto

R =

{(u, j) ∈

(∏α∈L

(∏α∈L

): pγ(u) = pγ(j)

}.

Note que R é fechado em

(∏α∈L

(∏α∈L

). Como a projeção é

uma aplicação quociente aberta, segue que Xγ é Hausdor�.�

Capítulo 4

Espaços Métricos

De�nição 4.1 Um métrica num conjunto X é uma função d : X ×X → Rtal que

1. d(x, y) = d(y, x);

2. d(x, x) = 0;

3. x 6= y ⇒ d(x, y) > 0;

4. ∀x, y, z ∈ X, d(x, z) ≤ d(x, y) + d(y, z).

A última condição é chamada desigualdade triangular (devido a suaorigem). A função d é chamada de �métrica� ou �função distância� em X, eo par (X, d) é um espaço métrico.

É bem fácil encontrar exemplos de espaços métricos. R é um espaçométrico, quando munido da métrica usual (d(x, y) = |x− y|). De formamais geral, um espaço vetorial normado E é um espaço métrico, com suamétrica usual (d(x, y) = ‖x− y‖) e qualquer subconjunto de do espaço é umsubespaço métrico.

De�nição 4.2 (Bola aberta) Seja (M,d) um espaço métrico. A bola abertade centro a ∈ M e raio R é o conjunto B(a;R) = {x ∈M : d(a, x) < R}.De�ne-se também a bola fechada e a esfera de centro a ∈ M e raio Rcomo sendo os conjuntos B [a;R] = {x ∈M : d(a, x) ≤ R} e S(a;R) ={x ∈M : d(a, x) = R}, respectivamente.

67

68 CAPÍTULO 4. ESPAÇOS MÉTRICOS

4.1 A Topologia da Métrica

Um espaço métrico M é um �tipo� especial de espaço topológico, quandoadotamos a topologia �induzida� pela métrica do espaço em questão. Taltopologia será apresentada abaixo.

De�nição 4.3 (Topologia da métrica) Um espaço métrico (M,d) é deforma natural um espaço topológico, munindoM da topologia τd que tem baseHd = {B(a; r) : a ∈M e r ≥ 0}. Para ver que existe uma topologia cuja baseé Hd basta veri�carmos os tópicos do lema 1.3. Com efeito, ∀x ∈M , temos,evidentemente, que x ∈ B(x; 1), e, dadas duas bolas não-disjuntas B(a; r) eB(b;R), toma-se t ∈ B(a; r)∩B(b;R) e, então B (t,min {R− d(t, b), r − d(t, a)}) ⊂B(a; r) ∩ B(b;R) (Veri�que!). O que foi mostrado somado ao fato de queB(a, 0) = ∅ ∈ Hd completa a prova de que B é uma base para uma topologia.

A topologia τd �gerada� pela base Hd é chamada topologia induzida pelamétrica d, ou simmplesmente topologia do espaço métrico (M,d).

Observação: Podemos munir um conjuto M com duas métricas diferentesd1 : M ×M → R e d2 : M ×M → R. Assim temos dois espaços métricosdiferentes, são eles (M,d1) e (M,d2). Quando essas duas métricas induzema mesma topologia em M , elas são ditas equivalentes.

Exemplo 4.3.1 (Subespaço métrico) Seja (M,d) um espaço métrico. SeA ⊂ M , (A, d|A×A) é chamado de subespaço métrico de M . Note que atopologia induzida por d|A×A em A é justamente a topologia do subespaçotopológico A de M , de�nida no exemplo 1.5.2.

Um dos problemas que motivaram uma parte da pesquisa em topologiano passado foi o de metrizibilidade. Ou seja, descobrir quando um espaçotopológico pode ser munido de uma métrica coerente com sua topologia.

De�nição 4.4 (Espaço topológico metrizável) Um espaço topológico (X, τ)é metrizável, se podemos de�nir uma métrica d em X que induza a topologiaτ . Um espaço métrico pode ser considerado um par (X, d), onde X é umespaço topológico metrizável e d é uma métrica que induza a topologia de X.

Exemplo 4.4.1 Dado um conjunto X, de�ne-se a métrica �zero-um� d :X ×X → R dada por:

4.1. A TOPOLOGIA DA MÉTRICA 69

d(x, y) = 1, se x 6= y;d(x, y) = 0, se x = y.

A topologia induzida por essa métrica é a topologia discreta (Veri�que!).É bem fácil veri�car a recíproca, ou seja, que todo espaço topológico discretoé metrizável: e a métrica zero-um é coerente com a topologia.

O produto �nito de espaços métricos é metrizável. E existem algumasmétricas coerentes com a topologia produto. Segue a de�nição.

Exemplo 4.4.2 (Métrica produto) Sejam (M1, d1), (M2, d2), (M3, d3), . . . ,(Mn, dn) espaços métricos. O produto cartesiano M1×M2× · · ·×Mn torna-se um espaço métrico ao muní-lo com uma das três métricas abaixo. Dadosx = (x1, x2, . . . , xn) e y = (y1, y2, . . . , yn), sendo xi, yi ∈ Mi, essas métricassão tais que:

dC(x, y) =n∑i=1

di(xi, yi); (4.1)

dm(x, y) = maxi∈{1,...,n} {di(xi, yi)} ; (4.2)

dE(x, y) =

(n∑i=1

di(xi, yi)2

)1/2

. (4.3)

Tais métricas induzem a �topologia produto�1 das topologias induzidas pord1, . . . , dn em M1, . . . ,Mn. Todas as três são, portanto, equivalentes.

O produto in�nito (enumerável) de espaços métricos é metrizável, masadiaremos essa a�rmação para a subseção de conjuntos limitados.

As topologias induzidas por uma métrica têm algumas propriedades es-peciais. Um exemplo é que todas as topologias induzidas por uma métricasão Hausdor�.

Proposição 4.1 Todo espaço métrico é Hausdor�. E, portanto, todo espaçotopológico metrizável é Hausdor�.

1Ver seção 3.1.

70 CAPÍTULO 4. ESPAÇOS MÉTRICOS

Prova: SejaM um espaço métrico. Dados a, b ∈M distintos, basta ver que

B(a; d(a,b)

2

)e B

(b; d(a,b)

2

)são abertos que satisfazem a condição de Haus-

dor�. �

Assim, todo espaço que não for Hausdor� não é metrizável. Outra propri-edade topológica interessante que espaços métricos (e metrizáveis) possuemé de possuírem bases locais enumeráveis. Isso quer dizer que, para cada xnum espaço métrico, existe uma família enumerável de vizinhanças abertasde x tal que, para qualquer vizinhança V de x, existe um elemento dessafamília que é subconjunto de V . Note que, num espaço métrico M , paracada x ∈M , podemos tomar a família {B(x; 1/n) : n ∈ N}.

Quando um espaço topológico X possui bases locais (também chamadasde sistema fundamental de vizinhanças abertas) enumeráveis, dizemos queeX satisfaz o 1o axioma da enumerabilidade.

Nem todo espaço topológico satisfaz o 1o axioma da enumerabilidade e éfácil ver que isso é uma propriedade topológica, portanto, quando um espaçotopológico não satisfaz o 1o axioma da enumerabilidade, ele não é metrizável.

Quando um espaço topológico possui uma base enumerável, diz-se queele satisfaz o segundo axioma da enumerabilidade. É bem fácil de veri�carque todo espaço que satisfaz o segundo axioma da enumerabilidade, satisfaz,também, o primeiro axioma da enumerabilidade.

Diferente do primeiro axioma da enumerabilidade, nem todo espçao mé-trico satisfaz o segundo axioma da enumerabilidade. Na verdade, se M éum espaço métrico, M satisfaz o segundo axioma da enumerabilidade se, esomente se, M é separável2.

Vale, então, o seguinte lema de Urysohn (que não será provado por nãoter muita importância no contexto).

Lema 4.2 (Lema de Urysohn) Seja X um espaço topológico. Se X éHausdor�, satisfaz o segundo axioma da enumerabilidade e todo par de fecha-dos disjuntos em X possui um par de abertos disjuntos os contendo3, entãoX é metrizável.

Como conseqüência desse lema, temos que todo espaço Hausdor� com-pacto com base enumerável é metrizável.

2Ser separável signi�ca possuir um subconjunto enumerável denso em M .3Essa condição é chamada de �espaço regular�.

4.1. A TOPOLOGIA DA MÉTRICA 71

Teorema 4.3 Todo espaço Hausdor�, compacto com base enumerável é me-trizável.

Prova: É bem fácil de provar que um espaço é Hausdor� se, e somente se,separa compactos por abertos (ou seja, todo par de subconjuntos compactosdisjuntos no espaço possui um par de abertos disjuntos os contendo (cadaum aberto contém um compacto)).

Logo, dado um par de fechados disjuntos num espaço Hausdor� compactoX (satisfazendo o segundo axioma da enumerabilidade), segue que temos umpar de subconjuntos compactos disjuntos em X. E, portanto, esse par é �se-parado� por abertos. Isso completou a prova do teorema, pois provamos queo espaço Hausdor�, compacto com base enumerável satisfaz a hipótese dolema de Urysohn. �

4.1.1 Conjuntos Limitados

Uma propriedade métrica é aquela que é preservada por isometrias (aplica-ções bijetivas que preservam distâncias). Como é fácil ver, toda propriedadetopológica é uma propriedade métrica, mas nem toda propriedade métrica étopológica.

Veremos, aqui, uma propriedade que não é topológica: a limitação. Mas,usando isso, nesta subseção, mostraremos que um produto enumerável deespaços metrizáveis é metrizável.

De�nição 4.5 (Conjunto limitado) Seja M um espaço métrico. A ⊂ M

é um conjuto limitado, se o conjunto {d(x, y) : x, y ∈ A} é limitado. De�ne-se, também, o diâmetro de A. Com efeito, se A é limitado, o diâmetro de Aé dado por diam(A) := sup {d(x, y) : x, y ∈ A}.

Note que a propriedade de A ser limitado não é uma propriedade topoló-gica, já que depende da métrica em A.

Seja M um espaço métrico. Se M é limitado, dizemos que a métrica deM é limitada. O lema abaixo diz que todo espaço metrizável possui umamétrica coerente com a topologia que é limitada.

Lema 4.4 Seja (M,d) um espaço métrico. Para todo k ∈ N, segue que existeuma métrica dl limitada por 1/k equivalente à métrica d.

72 CAPÍTULO 4. ESPAÇOS MÉTRICOS

Prova: Com efeito, basta de�nir

dl(x, y) =d(x, y)

k(1 + d(x, y)).

É fácil de veri�car que dl é métrica. Além disso, de fato, dl(x, y) ≤ 1/k paraquaisquer x, y ∈M . �

O lema precendente implica, em particular, que, de forma geral, �limita-ção� não é uma propriedade topológica, a�nal, todo espaço topológico me-trizável possui uma métrica limitada.

Com essas observações, podemos provar que o produto enumerável deespaços metrizáveis é metrizável.

Proposição 4.5 Seja {Mn}n∈N uma família de espaços metrizáveis. Segue

que M =∏n∈N

Mn é metrizável.

Prova: Com efeito, basta ver que, para cada espaço metrizável Mn dafamília, existe uma métrica dn limitada por 1/2n. Logo, dados x, y ∈ M ,podemos de�nir

d(x, y) =∑n∈N

dn(xn, yn).

De fato, isso converge e, portanto, está bem de�nido. Veri�car que isso éuma métrica e que é coerente com a topologia produto é fácil. �

Seguem alguns resultados básicos sobre conjuntos limitados.

Lema 4.6 Seja M um espaço métrico. São verdadeiras as seguintes a�rma-ções:

1. Todo subconjunto de um conjunto limitado é limitado;

2. As bolas abertas, bolas fechadas e esferas são conjuntos limitados;

3. A reunião de duas bolas abertas é limitada;

4.1. A TOPOLOGIA DA MÉTRICA 73

Prova: (1): Seja A ⊂M limitado. Dada uma cota superior c das distânciasd(x, y) (x, y ∈ M), basta ver que, d(x, y) ≤ c,∀x, y ∈ M e, em particular,d(x, y) ≤ c,∀x, y ∈ A.

(2): Dada uma bola aberta B (a; r) ⊂ M , tomando x, y ∈ B (a; r), tem-seque, pela desigualdade triangular, d(x, y) ≤ d(X,T ) + d(a, y) ≤ r + r = 2r.Logo 2r é cota superior do conjunto {d(x, y) : x, y ∈ B (a; r)}, ou seja, B (a; r)é limitado. As demonstrações para as esferas e para as bolas fechadas sãoanálogas.

(3): Dadas as bolas abertas B1 = B (a; r) e B2 = B (b;R). Basta ver que,dados x, y ∈ B1 ∪ B2. Ou eles pertecem cada um a um conjunto, ou elespertecem a um mesmo conjunto. Se supormos que x ∈ B1 e y ∈ B2. Tem-se,pela desigualdade triangular, que:

d(x, y) ≤ d(x, b) + d(b, y) ≤ d(x, a) + d(a, b) + d(b, y) ≤ R + r + d(a, b)

Ou seja, temos que max {(d(a, b) +R + r) , 2R, 2r} é uma cota superiordo conjunto {d(x, y) : x, y ∈ B1 ∪B2}, ou seja, B1 ∪B2 é limitado.

Lema 4.7 Seja M um espaço métrico. X ⊂M é limitado se, e somente se,X está contido numa bola aberta.

Prova: Como toda bola aberta em M é limitado, se A é subconjunto deuma bola aberta, então A é limitado. Reciprocamente, tem-se que, seX ⊂Mé limitado, então, ∀a ∈ X, tem-se B (a; sup {d(x, y) : x, y ∈ X}) ⊃ X. O quecompleta a demonstração da recíproca. �

Proposição 4.8 Seja M um espaço métrico. A reunião de dois conjuntoslimitados A,B ⊂M é limitada. Conseqüentemente, podemos generalizar, ouseja, sejam Xi ⊂ M, ∀i ∈ {1, . . . , n} conjuntos limitados, então a reuniãon⋃i=1

Xi é limitada.

74 CAPÍTULO 4. ESPAÇOS MÉTRICOS

Prova: Sejam A,B ⊂M limitados. Tomando as bolas abertas B1, B2 ⊂Mtais que B1 ⊃ A e B2 ⊃ B, basta ver que, pelo lema 4.6, B1 ∪B2 é limitadoe, como B1 ∪B2 ⊃ A ∪B, tem-se, pelo mesmo lema, que A ∪B limitado.

Se Xi ⊂ M é limitado ∀i ∈ {1, . . . , n, n+ 1}, supõe-se por indução quen⋃i=1

Xi é limitado. Basta ver quen+1⋃i=1

Xi =

(n⋃i=1

Xi

)∪Xn é uma reunião de

dois conjuntos limitados, logo é limitado. �

Segue um lema bem interessante sobre espaços metrizáveis compactos.

Lema 4.9 Todo espaço métrico compacto é limitado.

Prova: Seja M um espaço métrico compacto. Basta tomar uma coberturaaberta por bolas abertas de raio 1. Pela hipótese de compacidade, segue queexiste uma subcobertura �nita.

Ou seja, M está contido numa reunião �nita de limitados. E, portanto,M é limitado. �

O lema precedente mostrou que todas as métricas de um espaço metrizávelcompacto são limitadas. Tínhamos visto que todos os espaços metrizáveispossuem uma métrica limitada. No caso de espaços compactos, vemos quesó existem métricas limitadas.

4.1.2 Espaços Vetoriais Normados

Exemplo 4.5.1 (Métrica em Rn) A métrica usual da reta R é a métricadada por d(x, y) = |x− y|. Ela induz a topologia usual da reta (Veri�que!).Em R2 usamos distância de ponto a ponto e teremos a métrica euclidianade : R2 × R2 tal que, dados

x = (x1, x2) ∈ R2

e

y = (y1, y2) ∈ R2,

de(x, y) =√

(x1 − y1)2 + (x2 − y2)2.

Essa métrica induz a topologia usual de R2.

4.1. A TOPOLOGIA DA MÉTRICA 75

De forma geral, a métrica euclidiana de Rn é tal que, dados

x = (x1, x2, . . . , xn) ∈ Rn

e

y = (y1, y2, . . . , yn) ∈ Rn,

dE(x, y) =

(n∑i=1

(xi − yi)2

)1/2

(4.4)

A métrica euclidiana induz a chamada topologia usual de Rn (note que essamétrica coincide com as que vimos para os casos n = 3, n = 2 e n = 1).

Outras métricas induzem a mesma topologia em Rn. São elas a métricadC : Rn×Rn e a métrica dm : Rn → Rn tais que, dados x = (x1, x2, . . . , xn) ∈Rn e y = (y1, y2, . . . , yn) ∈ Rn,

dC(x, y) =n∑i=1

|xi − yi| (4.5)

e

dm(x, y) = maxi∈{1,...,n} {|xi − yi|} . (4.6)

Essas três métricas são equivalentes.

Podemos de�nir de maneira natural uma métrica num espaço vetorialnormado. Antes de de�ní-la, vamos relembrar o que queremos dizer por�espaço vetorial normado�. Comecemos por de�nir o que é uma norma numespaço vetorial.

De�nição 4.6 (Função norma) Seja E um espaço vetorial. Uma normaem E é uma função ‖‖ : E → R tal que:

1. ‖u‖ = 0 =⇒ u é o vetor nulo;

2. ∀λ ∈ R e ∀u ∈ E, ‖λ · u‖ = |λ| · ‖u‖;

3. ∀u, v ∈ E, ‖u+ v‖ ≤ ‖u‖+ ‖v‖.

A última condição também é chamada desigualdade triangular.

76 CAPÍTULO 4. ESPAÇOS MÉTRICOS

Observação: Um espaço vetorial E munido de uma função norma é cha-mado de espaço vetorial normado. Um espaço vetorial normado pode serdenotado pelo par (E, ‖‖), sendo E o espaço vetorial e ‖‖ : E → R a funçãonorma nele.

Antes de de�nir a métrica do espaço vetorial normado, vamos apresentaralguns resultados básicos sobre a função norma.

Proposição 4.10 Seja (E, ‖‖) um espaço vetorial normado. Segue, então,que:

1. ‖u‖ ≥ 0, ∀u ∈ E;

2. Se z é o vetor nulo do espaço E se, e somente se, ‖z‖ = 0.

Prova: Para demonstrar 1, utilizamos a �desigualdade triangular� da funçãonorma. Com efeito, dado u ∈ E, basta ver que ‖u‖+ ‖(−u)‖ ≥ ‖u+ (−u)‖,ou seja, ‖u‖+ ‖(−1)u‖ ≥ ‖0‖ = 0, donde tem-se que ‖u‖+ |(−1)| · ‖u‖ ≥ 0.Portanto ‖u‖+ ‖u‖ ≥ 0, id est, 2 · ‖u‖ ≥ 0 e, então, ‖u‖ ≥ 0.

Para provar o 2, se z é o vetor nulo, é evidente que z = 0 · z. Portanto

‖z‖ = ‖0 · z‖ = |0| · ‖z‖ = 0,

o que completa a demonstração do 2, já que a recíproca já é uma condiçãopara que ‖‖ seja uma norma. �

De�nição 4.7 Seja (E, ‖‖) um espaço vetorial normado. De�ne-se em E

a métrica d : E × E → R, d(x, y) = ‖x− y‖. Tal métrica é chamada demétrica proveniente da norma ‖‖.

Observação: Resta-nos provar que a métrica acima de�nida é realmenteuma métrica, id est, satisfaz os 4 postulados da métrica. Com efeito,

1. Dados u, v ∈ E, d(u, v) = ‖u− v‖ = ‖(−1)v − u‖ = |(−1)| ‖v − u‖ =1 · ‖v − u‖ = ‖v − u‖ = d(v, u).

2. ∀u ∈ E, d(u, u) = ‖u− u‖ = 0;

3. Dados u 6= v em E, tem-se que u − v não é o vetor nulo. Portantod(u, v) = ‖u− v‖ > 0.

4.1. A TOPOLOGIA DA MÉTRICA 77

4. ∀u, v, w ∈ E, d(u,w) = ‖u− w‖ = ‖(u− v) + (v − w)‖ e, pela desi-gualdade triangular da norma, d(u,w) = ‖(u− v) + (v − w)‖ ≤ ‖u− v‖+‖v − w‖ = d(u, v) + d(v, w). Ou seja, d(u,w) = d(u, v) + d(v, w).

O que completa a prova de que estamos realmente falando de uma métrica.

Exemplo 4.7.1 (Espaço vetorial Rn) No espaço vetorial Rn normalmentede�ne-se uma das três normas:

1. Dado x = (x1, . . . , xn) ∈ Rn, ‖x‖ =

(n∑i=1

x2i

)1/2

;

2. Dado x = (x1, . . . , xn) ∈ Rn, ‖x‖ =n∑i=1

|xi|;

3. Dado x = (x1, . . . , xn) ∈ Rn, ‖x‖ = max {|x1| , . . . , |xn|}.

Note que as métricas provenientes dessas normas são as métricas 4.4, 4.5e 4.6 do exemplo 4.5.1. Fica a cargo do leitor demonstrar que essas funçõesacima de�nidas são realmente normas em Rn.

As três normas acima são ditas equivalentes pelo fato de que as métricasprovenientes delas o serem.

Exemplo 4.7.2 Sejam (E1, ‖‖1), . . . , (En, ‖‖n) espaços vetoriais normados.Segue que E1× · · ·×En é um espaço vetorial e podemos muní-lo de uma dastrês normas abaixo:

1. Dado x = (x1, . . . , xn) ∈ (E1 × · · ·En), ‖x‖ =

(n∑i=1

(‖xi‖i)2

)1/2

;

2. Dado x = (x1, . . . , xn) ∈ (E1 × · · · × En), ‖x‖ =n∑i=1

‖xi‖i;

3. Dado x = (x1, . . . , xn) ∈ (E1 × · · ·En), ‖x‖ = max {‖x1‖1 , . . . , ‖xn‖n}.

As métricas provenientes dessa norma são as métricas 4.3, 4.1 e 4.2 doexemplo 4.4.2, as quais são equivalentes; logo as normas acima também sãochamadas de equivalentes.

78 CAPÍTULO 4. ESPAÇOS MÉTRICOS

4.1.3 Métrica da convergência uniforme

De�nição 4.8 Uma aplicação f : X →M , de�nida num conjunto arbitrárioX e tomando valores num espaço métrico (M,d), chama-se limitada quandosua imagem f(X) é um subconjunto limitado de M .

Exemplo 4.8.1 (Métrica da convergência uniforme) Sejam X um con-junto arbitrário e (M,dM) um espaço métrico. Indica-se com a notaçãoβ (X;M) o conjunto das funções limitadas f : X →M .

Dadas f, g ∈ β (X;M), as distâncias dM (f(x), g(x)), quando x variaem X, formam um conjunto limitado, pois f(X) ∪ g(X) é uma reunião delimitados temos que:

{d (f(x), g(x)) : x ∈ X} ⊂ {d(a, b) : a, b ∈ f(X) ∪ g(X)} ,

ou seja, é um subconjunto de um conjunto limitado, portanto limitado.Por {d (f(x), g(x)) : x ∈ X} ser limitado, pode-se de�nir

dcm : β (X;M)× β (X;M) → R(f, g) 7→ sup {d (f(x), g(x)) : x ∈ X} .

Fica a cargo do leitor mostrar que isso realmente é uma métrica. Essa mé-trica é chamada métrica do sup ou métrica da convergência uniforme.4

4.2 Funções Contínuas

Nesta seção, será trabalhado com funções contínuas em espaços métricos:será �de�nido� e alguns resultados serão provados.

De�nição 4.9 Sejam (M,dM) e (N, dN) espaços métricos. f : M → N

é contínua no ponto a ∈ M , se ∀ε > 0, ∃δ > 0, tal que d(x, a) < δ =⇒d(f(x), f(a)) < ε. A função f é contínua, se for contínua em todos os pontosa ∈M . Ou seja, f : M → N é contínua, se para toda bola BN(f(a); ε) ⊂ N ,existe uma bola BM(a; δ) ⊂M tal que f (BM(a; δ)) ⊂ BN(f(a); ε).

Vamos, primeiramente, provar que essa de�nição de continuidade é equi-valente à de�nição de continuidade em espaços topológicos metrizáveis. Comefeito, a proposição abaixo estabelece isso.

4Esse último nome é devido a um fato que �cará claro na seção 4.3.

4.2. FUNÇÕES CONTÍNUAS 79

Proposição 4.11 Sejam M e N espaços topológicos metrizáveis com métri-cas dM e dN respectivamente. Então f : M → N é contínua se, e somentese, para toda bola BN(f(a); ε) ⊂ N , existe uma bola BM(a; δ) ⊂ M tal quef (BM(a; δ)) ⊂ BN(f(a); ε).

Prova: É fácil ver que, se f é contínua com as topologias induzidas pe-las métricas, então a imagem inversa de um bola aberta B(f(a); ε) é umaberto; logo podemos tomar uma bola aberta B(a; δ) tal que B(a; δ) ⊂f−1 (B(f(a); ε)), ou seja, f (B(a; δ)) ⊂ f−1 (B(f(a); ε)).

Para provar a recíproca, basta ver que, se f : M → N é contínua se-gundo a de�nição acima, e se A′ ⊂ N aberto, então, dado a ∈ f−1(A′), porA′ ser aberto, existe ε > 0 tal que BN (f(a); ε) ⊂ A′. Pela de�nição acima,segue que existe δ > 0 tal que f (BM(a; δ)) ⊂ BN (f(a); ε) ⊂ A′. O que querdizer que B(a; δ) ⊂ f−1(A′), ou seja, ∀a ∈ f−1(A′), existe δ > 0 tal queB(a; δ) ⊂ f−1(A′). Isso quer dizer que f−1(A′) é um aberto, o que completaa prova da recíproca. �

Logo poderíamos ter de�nido (de forma mais interessante) uma funçãocontínua entre espaços métricos como sendo uma função contínua de acordocom as topologias induzidas.

Exemplo 4.9.1 Um exemplo de aplicação contínua é uma função sobrejetivaf : M → N tal que d(f(x), f(y)) = d(x, y) para quaisquer x, y ∈ M . Essetipo de aplicação é chamado de isometria. De fato, toda isometria é umhomeomor�smo.

As propriedades preservadas por isometrias são chamdas de proprieda-des métricas (dois espaços métricos isométricos são indistinguíveis). Peloobservado, segue que toda propriedade métrica é uma propriedade topológica.

Quando a aplicação satisfaz a igualdade, mas não é sobrejetiva, ela é cha-mada de imersão isométrica. Nesse caso, o espaço do domínio é isométricoa sua imagem (um subconjunto do espaço contadomínio)5.

De�nição 4.10 (Seqüência e seqüência convergente) Uma seqüência depontos num espaço topológico M é uma função x : N→M . Diz-se que x(n)é o n-ésimo termo da seqüência e denota-se por xn. A seqüência pode serdenotada por (x1, x2, . . .), ou por (xn)n∈N, ou ainda por apenas (xn).

5Veri�que que toda imersão isométrica é injetiva.

80 CAPÍTULO 4. ESPAÇOS MÉTRICOS

Diz-se que (xn) converge para L ∈ M , se, para toda vizinhança aberta Ude L, existe N ∈ N, tal que n > N =⇒ xn ∈ U . Escreve-se limxn = L ouxn → L. L é denominado o limite da seqüência (xn)

Como os espaços topológicos podem ter �comportamentos� �patológicos�,o teorema da unicidade do limite não vale para todos os espaços topológicos.Assim, uma seqüência num espaço topológico pode convergir para mais deum ponto.

No caso de espaços Hausdor�, perdemos essa possibilidade.

Proposição 4.12 Num espaço de Hausdor�, se (xn) converge, então seulimite é único.

Prova: Seja M um espaço topológico de Hausdor�. Por absurdo, casoexistissem dois limites x, y ∈ M distintos de uma seqüência (xn), teríamosque existem abertos Ux e Uy tais que x ∈ Ux, Uy ∈ Uy e Ux ∩ Uy = ∅.Pela de�nição de convergência, teríamos que existem Nx ∈ N e Ny ∈ Ntais que n > Nx =⇒ xn ∈ Ux e n > Ny =⇒ xn ∈ Uy. Portanto n >max {Ny, Nx} =⇒ xn ∈ Ux e xn ∈ Uy, ou seja, xn ∈ Ux ∩ Uy, o que é umabsurdo (pois Ux ∩ Uy = ∅). O que completa a prova por absurdo de que olimite é único. �

Como todo espaço métrizável é Hausdor�, segue uma conseqüência óbvia.

Corolário 4.12.1 Em um espaço métrizável M , se (xn) for uma seqüênciade pontos de M convergente em M , então seu limite é único.

Prova: Pela proposição 4.1, todo espaço métrizável é Hausdor� e, pelaproposição precedente, temos que isso infere que todo espaço metrizável temos limites de suas seqüências convergentes únicos. �

Trabalharemos, aqui, apenas com seqüências em espaços metrizáveis.Portanto as seqüências convergentes, aqui, consideradas terão necessaria-mente limites únicos.

Proposição 4.13 Seja X um espaço métrico e (xn) um seqüência em X.Então (xn) converge para L ∈ X se, e somente se, ∀ε > 0, existe N ∈ N talque n > N =⇒ xn ∈ B(L; ε).

4.2. FUNÇÕES CONTÍNUAS 81

Prova: Se (xn) é contínua, então, dado uma vizinhança B(L; ε) de L, existeN ∈ N tal que n > N =⇒ xn ∈ B(L; ε).

Para provar a recíproca, basta ver que se ∀ε > 0, existe N ∈ N talque n > N =⇒ xn ∈ B(L; ε), então, dada uma vizinhança U de x, tem-se que existe uma bola B(L; ε) ⊂ U e, portanto, existe N ∈ N tal quen > N =⇒ xn ∈ B(L; ε) ⊂ U , ou seja, x ∈ U . O que completa a demonstra-ção da proposição. �

Podemos caracterizar a topologia de um espaço metrizável por seqüên-cias. Assim, muitos conceitos topológicos, como conjuntos serem fechados,conjuntos serem abertos, dentre outras, podem ser caracterizadas de acordocom o comportamento de certas seqüências.

Segue uma caracterização desse tipo: caracterização de funções contínuaspor seqüências.

Teorema 4.14 Sejam M e N espaços métricos. Então f : M → N écontínua se, e somente se, (xn) em M ser tal que xn → a implicar f(xn)→f(a) (em N).

Prova: Seja f : M → N contínua. Dada uma seqüência xn → a, tem-se que, dada uma vizinhança aberta U de f(a), a imagem inversa de Utambém é um aberto (vizinhança aberta de a). Logo existe N ∈ N tal quen > N =⇒ xn ∈ f−1(U), ou seja, existeN ∈ N tal que n > N =⇒ f(xn) ∈ U ,o que completa a prova de que f(xn)→ f(a).

Seja f : M → N tal que (xn) em M converge para a implique f(xn) →f(a). Por absurdo, suponhamos que f não é contínua em um dado a ∈ M .Logo tem-se que, existe ε > 0 tal que para cada n ∈ N, podemos escolherxn ∈ B (a; 1/n) e d (f(xn), f(a)) ≥ ε; ou seja, temos que xn → a, mas nãof(xn) não converge para f(a), pois, caso f(xn) → f(a), teríamos que, paraalgum N ∈ N, n > N =⇒ d (f(xn), f(a)) < ε. O fato de f(xn) não convergirpara f(a) (e xn → a) contraria a hipótese, o que completa a demonstraçãopor absurdo da recíproca do teorema. �

Existe uma noção de continuidade uniforme em espaços métricos. En-quanto a noção de continuidade é local (fala-se em continuidade em umponto), a noção de continuidade uniforme é global. Segue a de�nição.

82 CAPÍTULO 4. ESPAÇOS MÉTRICOS

De�nição 4.11 Sejam M,N espaços métricos. Uma aplicação f : M → Ndiz-se uniformemente contínua, quando para todo ε > 0 existe δ > 0 tal qued(x, y) < δ ⇒ d(f(x), f(y)) < ε.

Exemplo 4.11.1 Evidente que toda aplicação uniformemente contínua écontínua.

Sejam X, Y espaços métricos. Uma aplicação f : X → Y chama-seaplicação de Lipschitz, se existe λ > 0 tal que, para todo x, y ∈M ,

d(f(x), f(y)) ≤ λd(x, y).

Segue que toda aplicação de Lipschitz é uniformemente contínua. A�nal,dado ε > 0, basta tomar δ = ε

2λe, então, segue que

d(x, y) < δ ⇒ d(f(x), f(y)) < ε.

4.3 Convergência Uniforme

De�nição 4.12 (Convergência uniforme) Seja fn : X → Y uma seqüên-cia de funções de um espaço métrico (X, dX) num espaço métrico (Y, dY ).Diz-se que (fn) converge uniformemente para a função f : x → Y , se,para todo ε > 0, existir um N ∈ N tal que

n > N =⇒ dY (fn(x), f(x)) < ε,∀x ∈ X.

Note que (fn) converge uniformemente para f , se (fn) converge para f noespaço métrico (β (X;M) , dcm)6.

Teorema 4.15 Seja fn : X → Y uma seqüência de funções contínuas deum espaço topológico X num espaço métrico Y . Se (fn) converge uniforme-mente para f : X → Y , então f é contínua.

Prova: Dados um ponto xo ∈ X e uma bola aberta B(f(xo); ε) em Y , existeN ∈ N tal que

n > N =⇒ d(fn(x), f(x)) <ε

3,∀x ∈ X.

6Espaço métrico apresentado no exemplo 4.8.1.

4.4. ESPAÇOS MÉTRICOS COMPLETOS 83

Pela continuidade de fN+1, segue que existe uma vizinhança V de xo tal que

x ∈ V =⇒ d(fN+1(xo), fN+1(x)) <ε

3

.Segue que

x ∈ V =⇒ d(f(x), f(xo)) < d(f(x), fN+1(x)) + d(fN+1(x), fN+1(xo)) + d(fN+1(xo), f(xo))

3+ε

3+ε

3< ε

Isso completa a prova de que f é contínua. �

4.4 Espaços Métricos Completos

Para apresentar a de�nição de espaços métricos completos, precisamos fazeruso de um tipo de seqüência chamada seqüência de Cauchy.

De�nição 4.13 (Seqüência de Cauchy) Seja (M,d) um espaço métrico.Uma seqüência (xn) de pontos em M é dita de Cauchy, se ∀ε > 0, existe Ntal que: m,n > N ⇒ d(xn, xm) < ε.

Para começarmos a discutir a noção acima introduzida, enunciaremos aproposição abaixo.

Proposição 4.16 Seja M um espaço métrico. Toda seqüência (xn) em Mconvergente é Cauchy.

Prova: Seja (xn) convergente. Basta ver que, dado ε > 0, existe N ∈ Ntal que n > N implica xn ∈ B(L; ε

2) (onde L é o limxn), donde segue que

m,n > N implica que d(xn, xm) ≤ d(xn, L) + d(xm, L) = ε2

+ ε2

= ε. �Note que a recíproca da proposição 4.16 nem sempre é verdadeira. Bastaver o espaço métrico (Q, d) dos racionais com a métrica induzida da reta étal que podemos tomar uma seqüência de Cauchy que não tenha limite (fatoque é explicitado em cursos de Análise). Por exemplo, se tomarmos (xn) talque xn = 3, a1a2 . . . an, onde an é o n-ésimo digito do π. Evidente que essa

84 CAPÍTULO 4. ESPAÇOS MÉTRICOS

seqüência é de Cauchy e, no entanto, sabemos que ela não converge paranenhum ponto em Q.

Quando a recíproca da proposição acima vale para um espaço métrico(M,d), dizemos que (M,d) é completo. Por exemplo, a reta com a métricausual é completa.

De�nição 4.14 (Espaço métrico completo) Diz-se que um espaço mé-trico M é completo, quando toda seqüência de Cauchy de pontos em M con-verge para um ponto em M , ou seja, quando toda seqüência de Cauchy éconvergente.

Veremos, futuramente, que um espaço métrico ser completo não é umapropriedade topológica. Um exemplo é o espaço dos números irracionais.Com a métrica usual (induzida pela métrica usual da reta), esse espaço não écompleto. Mas existe uma métrica equivalente à usual que o torna completo.

Um exemplo mais fácil é um intervalo aberto da reta. Evidente que,com a métrica usual, intervalos abertos não são completos. Mas sabemosque intervalos abertos são homeomorfos à reta; logo, tomando a métricainduzida por esse homeomor�smo (que é equivalente à métrica usual porinduzir a mesma topologia), os intervalos abertos se tornam completos.

Uma das importantes caracterizações de espaços métricos completos tema ver com fechados encaixantes. Segue o teorema que estabelece essa carac-terização.

Teorema 4.17 (Caracterização) Um espaço métrico (M,d) é completose, e somente se, toda seqüência decrescente F1 ⊃ F2 . . . Fn . . . de fecha-dos não-vazios em M , com diamFn → 0 tem interseção unitária, ou seja,∞⋂i=1

Fi = {a} para algum a ∈ F1.

Prova: Com efeito, seM é completo, dada F1 ⊃ F2 . . . Fn . . . uma seqüênciade fechados não-vazios em M satisfazendo as condições da hipótese, segueque, para cada j ∈ N, podemos tomar aj ∈ Fj. A seqüência (an) é obviamentede Cauchy, pois, dado ε > 0, existe m ∈ N, tal que diamFm < ε. Logo, comon, k > m implica an, ak ∈ Fm, segue que isso implica d(a,ak) < ε. Logo (an)é, de fato, de Cauchy. Donde segue que an → L ∈ M . Como an ∈ Fm para

4.4. ESPAÇOS MÉTRICOS COMPLETOS 85

todo n ∈ N e para todo m ∈ N, por Fm ser fechado (para todo m ∈ N, segueque L ∈ Fm para todo m ∈ N. Ou seja,

L ∈∞⋂i=1

Fi.

Dado um ponto z 6= L no espaço métrico M , segue que existe t ∈ N tal que

diam(Ft) <d(z, L)

2. Portanto z 6∈ Ft e, em paticular,

z 6∈∞⋂i=1

Fi.

Isso completou a prova de que∞⋂i=1

Fi = {L}.

Reciprocamente, se toda seqüência de fechados não-vazios num espaçométricoM satisfazendo as condições da hipótese tiverem interseção unitária,então, dada uma seqüência (an) de Cauchy, segue que

Fm = {an : n > m}

é um seqüência decrescente de fechados não-vazios. Por (an) ser de Cauchy,tem-se que, dado ε > 0, existe m0 ∈ N tal que d(x, y) < ε para quais-quer x, y ∈ {an : n > m0}, ou seja, diamFm0 ≤ ε. Isso provou que F1 ⊃F2 . . . Fn . . . é um seqüência decrescente de fechados em M e diamFn → 0.

Logo, pela hipótese,∞⋂i=1

Fi = {L}. Note que, dado ε > 0, existe t0 ∈ N

tal que n > t0 ⇒ diam(Fn) < ε e, em particular,

n > t0 ⇒ d(an, L) < ε.

Portanto an → L. E isso completa a prova de que M é completo. �

Com a caracterização acima, �ca fácil provar que todo espaço métricocompacto é completo.

Corolário 4.17.1 Todo espaço métrico compacto é completo.

86 CAPÍTULO 4. ESPAÇOS MÉTRICOS

Prova: Com efeito, se M é compacto, dada uma seqüência decrescente defechados não-vazios F1 ⊃ . . . Fn ⊃ . . . como diam(Fn) → ∞, tem-se que,para qualquer subfamília �nita α = {Fj1 , . . . , Fjk} de {Fn : n ∈ N},

k⋂i=1

Fjk = Fmáxji 6= ∅.

Logo essa família de fechados necessariamente satisfaz a propriedade de inter-

seção �nita. PorM ser compacto, segue que a interseção∞⋂i=1

Fi 6= ∅. Portanto

podemos tomar L ∈∞⋂i=1

Fi.

Dado um ponto z 6= L do espaço métrico M , segue que existe q0 ∈ N tal

que diam(Fq0) <d(z, L)

2. Logo z 6∈

∞⋂i=1

Fi. Portanto

∞⋂i=1

Fi = {L} .

Isso completou a prova de que M é completo. �

O corolário acima é muito interessante, pois mostra que toda métricanum espaço compacto metrizável é completa. É bem fácil de provar que todamétric

4.4.1 Espaços topologicamente completos

Um espaço topológico é topologicamente completo quando é homeomorfo aum espaço métrico completo, ou seja, ele é metrizável e existe uma métricacompleta para ele. Em particular, todo espço métrico completo é topolo-gicamente completo. Existem alguns importantes resultados para espaçostopologicamente completos (em particular, para espaços completos). Algunsdeles, serão usados no livro de dinâmica topológica.

Teorema 4.18 Todo aberto de um espaço métrico topologicamente completoé topologicamente completo.

4.4. ESPAÇOS MÉTRICOS COMPLETOS 87

Prova: Com efeito, se M é um espaço topolgicamente completo e A ⊂M éum aberto, mune-seM de uma métrica completa. De�ne-se a função contínuaφ : M → R , onde φ(x) = d(x,M − A) .

Como φ(x) > 0 para todo x ∈ A, segue que podemos de�nir f : A → R,onde f(x) =

1

φ(x). Tem-se que f é contínua.

Note que o grá�co da função f é a imagem inversa de {1} pela funçãocontínua F : M × R → R, onde F (x) = t · φ(x) . Logo o grá�co de f é umfechado deM ×R e, comoM ×R é completo (por ser produto de completos), segue que o grá�co G de f é completo com a métrica induzida.

Como o domínio de uma função contínua é homeomorfo ao seu grá�co,segue que A é homeomorfo a um espaço métrico completo G . �

O teorema precedente generalizou o fato de intervalos abertos possuíremmétricas (equivalentes às usuais) completas.

Teorema 4.19 Seja M um espaço topologicamente completo. Se F ⊂ M éfechado, então F é topologicamente completo.

Prova: Mune-se M de uma métrica completa. Um fechado de um completoé completo (evidentemente). Logo F , com a métrica induzida, é completo. �

Teorema 4.20 Seja M um espaço topologicamente completo. Se {Ai}i∈N é

uma família enumerável de abertos em M , segue que∞⋂i=1

Ai é topologicamente

completo.

Prova: Com efeito, tem-se, pelo teorema já demonstrado, que todo abertodeM é topologicamente completo. Logo Ai é topologicamente completo para

todo i ∈ N. Mune-se Ai de sua métrica di completa. Logo∞∏i=1

Ai com alguma

das métricas produto (por exemplo, d(x, y) =∑ 1

2ndn(xn, yn) ) é completo.

Tem-se que a diagonal ∆ =

{(xn) : xi = xj∀j, i ∈ N, (xn) ∈

∞∏i=1

Ai

fechada em∏∞

i=1Ai, logo ∆ é completo.

88 CAPÍTULO 4. ESPAÇOS MÉTRICOS

De�ne-se φ : ∆ →∞⋂i=1

Ai, onde φ(xn) = x1. Tem-se que φ é obviamente

um homeomor�smo. �

Exemplo 4.14.1 Se X é um espaço topologicamente completo, todo sub-conjunto H de X tal que o complementar é enumerável é topologicamentecompleto (ou seja, se "tirarmos"uma "quantidade"enumerável de pontos deum espaço topologicamente completo, o espaço permanece topologicamentecompleto). Com efeito, basta ver que, se X −H é enumerável, então

H =⋂

x∈X−H

X − {x}

é uma interseção enumerável de abertos de X.Segue disso que o conjunto dos números irracionais (munido da topolo-

gia usual) é topologicamente completo. Além disso, o conjunto dos númerostranscendentes (com a topologia usual) é topologicamente completo.

Um subconjunto de um espaço topológico X diz-se magro se ele estácontido numa reunião enumerável de fechados com interior vazio. O comple-mentar de um subconjunto magro é chamado residual. Um espaço topológicodiz-se de Baire se todo subconjunto magro possui interior vazio.

Teorema 4.21 (Teorema de Baire) Todo espaço topologicamente completoé de Baire.

Prova: Seja M um espaço topologicamente completo. Mune-se M de umamétrica completa. Se X ⊂M é um conjunto magro, tem-se que

X ⊂∞⋃i=1

Fi ,

para alguma família enumerável {Fi}i∈N de fechados com interior vaizoem M . Logo {Ai}i∈N, onde Ai = M − Fi , é uma família de abertos densos.

Para provar queX tem interior vazo, basta provar que⋃∞i=1 Fi tem interior

vazio. E, para isso, podemos provar que A =∞⋂i=1

Ai é denso.

Dada uma bola aberta B ⊂ M , provemos que B ∩ A é não-vazio. PorA1 ser denso, tem-se que A1 ∩B é não-vazio e aberto. Logo existe uma bola

4.4. ESPAÇOS MÉTRICOS COMPLETOS 89

B1 ⊂ A1 ∩B aberta de raio menor que 1. De�ne-se indutivamente, Bn+1 daseguinte forma: Bn∩An é (aberto) não vazio por An ser denso, logo podemos

tomar uma bola aberta Bn+1 ⊂ Bn ∩ An+1 com raio menor que1

(n+ 1).

Como M é completo, segue que∞⋂i=1

Bi = {a} , ou seja, a ∈ Bn ⊂ An para

todo n ∈ N, e a ∈ B1 ⊂ B. Portanto a ∈ B ∩ A .�

Teorema 4.22 Se X é um espaço de Baire e X =∞⋃i=1]

Fi, tem-se que int(Fj)

é não-vazio para algum j ∈ N .

Prova: Com efeito, caso X fosse uma reunião enumerável de fechados cominterior vazio, seguiria que X tem interior vazio. Absurdo. �

Teorema 4.23 SejaM um espaço topologicamente completo. SeM =∞⋃i=1

Fi,

onde {Fi}i∈N é uma família de fechados em M , segue que∞⋃i=1

intFi é denso

em M .

Prova: Dado um aberto U ⊂M , segue que U é topologicamente completo.Além disso, ele é escrito como a reunião enumerável de fechados em U :

U = U ∩∞⋃i=1

Fi =∞⋃i=1

(Fi ∩ U).

Logo, por U ser de Baire, segue que intUFj = U ∩ intFj é não-vazio para

algum j ∈ N . Portanto U ∩∞⋃i=1

Fi é não vazio.

Isso provou que∞⋃i=1

Fi é denso. �

Exemplo 4.14.2 Todo espaço enumerável topologicamente completo tem,como conjunto (aberto e) denso, o conjunto dos pontos isolados. Com efeito,

90 CAPÍTULO 4. ESPAÇOS MÉTRICOS

se X é um espaço topologicamente completo enumerável, segue que ele é areunião enumerável de seus pontos. Logo a reunião dos interiores dos pontosé densa (ou seja, a reunião dos pontos isolados).

Segue desse exemplo que Q não é topologicamente completo (com a topo-logia usual). Com efeito, Q é enumerável e, no entanto, não possui pontosisolados (o conjunto dos pontos isolados é vazio). Pelo exemplo, se Q fossetopologicamente completo, seguiria que ∅ é denso em Q: absurdo.

Analogamente, o conjunto dos números algébricos (com a topologia usual)não possui pontos isolados e é enumerável. Logo não é topologicamente com-pleto.

4.5 Espaços Métricos Compactos

Existem muitas propriedades importantes que são inferidas de um espaçocompacto metrizável. Algumas dessas propriedades serão trabalhadas nessecapítulo. Começaremos com um teorema de caracterização.

De�nição 4.15 Um espaço métrico M é chamado de �totalmente limitado�,se para todo ε > 0, existe uma família �nita e bolas com raios menores que εque cobrem M .

Proposição 4.24 (Caracterização) Seja M um espaço métrico, as se-guintes a�rmações são equivalentes

• M é compacto;

• Todo subconjunto in�nito de M possui um ponto de acumulação;

• Toda seqüência em M possui subseqüência convergente;

• M é completo e totalmente limitado.

Prova: (1)⇒ (2):Com efeito, sejam M um espaço métrico compacto e A ⊂M um subcon-

junto. Se A não possui ponto de acumulação, segue que A contém o conjuntodos seus pontos de acumulação e, portanto, A é fechado. Como A ⊂ M éfechado de um compacto, segue que A é compacto. Por A não ter pontos de

4.5. ESPAÇOS MÉTRICOS COMPACTOS 91

acumulação, segue que existe, para cada x ∈ A uma vizinhança aberta Vx dex tal que A ∩ Vx = {x}.

Portanto A ⊂⋃x∈A

Vx é uma cobertura aberta de A. Disso segue que

existem x1, . . . , xn ∈ A tais que A ⊂⋃ni=1 Vxi . Mas isso implica que A ⊂

{x1, . . . , xn}. Ou seja, A é �nito. Isso completa a prova de que (1)⇒ (2).

(2)⇒ (3):Com efeito, dada uma seqüência (xn) emM , segue que, se {xn : n ∈ N} é

�nito, evidente que (xn) possui uma subseqüência constante e, portanto, con-vergente. Se {xn : n ∈ N} é in�nito, segue, pela hipótese, que {xn : n ∈ N}possui um ponto de acumulação z. E, disso, segue que, pode-se tomarxn1 ∈ {xn : n ∈ N} e, dado k ∈ N, pode-se tomar nk > nk−1 tal qued(xnk , z) < 1/k. Disso segue que xnk → z.

(3)⇒ (4):Dada uma seqüência de Cauchy (xn) em M , segue, pela hipótese, que

(xn) possui uma subseqüência convergente. Por (xn) ser de Cauchy, possuisubseqüência convergente implica que (xn) converge. Isso completou a provade que M é completo.

Supõe-se, por absurdo, que M não é totalmente limitado. Logo existeε > 0 tal que toda coleção �nita de bolas abertas de raio 2ε não cobre M .Fixa-se x1 ∈ M e, então, escolhe-se x2 ∈ B[x1; ε]. Indutivamente, tomados

x1, . . . , xn−1, como(⋃

B[xi; ε])C6= ∅, toma-se

xn ∈(⋃

B[xi; ε])C

.

De�nida assim, temos uma seqüência (xn). Logo a seqüência (xn) é tal qued(xm, xk) ≥ ε, ∀m, k ∈ N, donde segue que (xn) não possui subseqüênciaconvergente. Absurdo. Logo deve-se ter M totalmente limitado.

(4)⇒ (1):

92 CAPÍTULO 4. ESPAÇOS MÉTRICOS

Supõe-se por absurdo que existe uma cobertura aberta M =⋃λ∈L

Aλ que

não possui subcobertura �nita. Como M é totalmente limitado, pode-secobrir M por um número �nito de fechados de diâmetros menores que 1.Segue que pelo menos um desses fechados não pode ser coberto por umasubfamília �nita de {Aλ}λ∈L. Seja X1 um desses fechados. Indutivamente,supõe-se que foram tomados X1 ⊃ · · · ⊃ Xn−1 fechados tais que Xi não podeser coberto por uma subfamília �nita de {Aλ}λ∈L, e tal que diam(Xi) < 1/i.Como Xn−1 ⊂ M , segue que Xn−1 é totalmente limitado. Portanto pode-secobrir Xn−1 por um número �nito de fechados com diâmetros menor que1/n. Como Xn−1 não possui subcobertura �nita, segue que pelo menos umdesses fechados (da cobertura) não possui subcobertura �nita. Seja Xn umdesses fechados. Isso provou que podemos tomar uma seqüência de fechadosX1 ⊃ · · · ⊃ Xn · · · com diamXn → 0 e tal que Xi não possui subcobertura�nita para todo i ∈ N. Por M ser completo, segue de 4.17 que existe a ∈Mtal que ⋂

n∈N

Xi = {a} .

Tem-se que, para algum γ ∈ L, a ∈ Aγ. Como Aγ é aberto, segue queexiste n0 ∈ N tal que a ∈ B(a; 1/n0) ⊂ Aγ. Mas tem-se que a ∈ Xn0 ediamXn0 < 1/n0, logo

Xn0 ⊂ B(a; 1/n0) ⊂ Aγ.

Ou seja, Xn0 possui uma subcobertura �nita. Absurdo. Segue queM é com-pacto.

Temos o primeiro resultado sobre aplicações contínuas de�nidas em espa-ços métricos compactos.

Teorema 4.25 Sejam K um espaço compacto e M um espaço metrizável.Funções contínuas f : K →M são limitadas (em qualquer métrica de M).

Prova: Com efeito, f(K) é compacto e é subespaço de M . Segue que éum espaço metrizável compacto. Portanto f(K) é limitado (independente da

4.5. ESPAÇOS MÉTRICOS COMPACTOS 93

métrica coerente com a topologia adotada em M). �

Antes de provar o próximo resultado importante sobre funções contínuasde�nidas em espaços metrizáveis compactos, vamos falar sobre uma interes-sente propriedade relacionadas com coberturas abertas de espaços métricos:existência de um número de Lebesgue. Essa propriedade é extensamente uti-lizada em argumentos básicos que envolvem espaços métricos compactos (eaplicações contínuas de�nidas nele). Em particular, essa propriedade é usadaem argumentos elementares de Dinâmica Topológica. Segue a de�nição denúmero de Lebesgue.

De�nição 4.16 Sejam M um espaço métrico e M =⋃λ∈L

Cλ uma cobertura

de M . Diz-se que ε > 0 é um número de Lebesgue da cobertura M =⋃λ∈L

Cλ,

seS ⊂M,diam(S) < ε =⇒ ∃γ ∈ L : S ⊂ Cγ.

Proposição 4.26 (Existência de número de Lebesgue) Se o espaço mé-trico M é compacto, então toda cobertura aberta de M possui um número deLebesgue.

Prova: Supõe-se por absurdo que existe uma cobertura aberta M =⋃λ∈L

que não possui um número de Lebesgue. Toma-se, para cada n ∈ N, Sn ⊂Mcom diam(Sn) < 1/n tal que Sn 6⊂ Aγ para todo γ ∈ L. Como Si 6= ∅ paratodo i ∈ N, segue que, para cada n ∈ N, pode-se tomar xn ∈ Sn.

PorM ser compacto, segue que existem L ∈M e uma subseqüência (xnj)tais que xnj → L. Tem-se que L ∈ Aγ para algum γ ∈ L. Logo existe n0 ∈ Ntal que B(L; 4/n0) ⊂ Aγ. Como xnj → L, segue que existe m0 ∈ N tal quem0 > n0 e tal que d(L, xm0) < 1/n0. Logo tem-se que

y ∈ Sm0 ⇒ d(L, y) ≤ d(L, xm0)+d(xm0 , y) ≤ 1/n0+1/m0 < 1/n0+1/n0 < 4/n0.

Disso segue que Sm0 ⊂ B(L; 4/n0) ⊂ Aγ. Absurdo, pois contraria a hipótese.E isso completa, então, a prova de que toda cobertura aberta de M possuium número de Lebesgue. �

Segue um teorema muito importante sobre aplicações contínuas de�nidasem espaços métricos compactos. Ele será extensamente utilizados no [6].

94 CAPÍTULO 4. ESPAÇOS MÉTRICOS

Teorema 4.27 Sejam M,N espaços métricos. Se f : M → N é contínua eM é compacto, segue que f é uniformemente contínua.

Prova: Com efeito, dado ε > 0, tem-se que, como f(M) é compacto, existem

f(x1), . . . , f(xn) ∈ f(M), tais que f(M) ⊂n⋃i=1

B(f(xi); ε/2). Logo

M =n⋃i=1

f−1 (B(f(xi); ε/2))

é uma cobertura aberta deM . Disso segue que existe um número de Lebesgueδ tal que

d(x, y) < delta =⇒ ∃j ∈ {1, . . . , n} : x, y ∈ f−1 (B(f(xj); ε/2))

=⇒ d(f(x), f(y)) ≤ d(f(x), f(xj)) + d(f(xj), f(y)) < ε.

E, então, isso completou a prova do teorema. �

4.6 Semicontinuidade Inferior e Superior

Um dos teoremas de Furstenberg em Dinâmica Topológica que dão apoiopara a demonstração de um dos resultados em teoria dos números (Teoremade Van der Waerden) na referência [6] recorre à de�nição de �Semicontinui-dade Inferior�. Segue a de�nição e, para encerrar o capítulo, um resultadoelementar a respeito.

De�nição 4.17 Sejam M um espaço métrico e f : M → R uma aplica-ção. f diz-se semicontínua inferiormente, se, para todo α ∈ R, tem-sef−1((α,+∞)) aberto em M . Analogamente, f diz-se semicontínua superi-ormente, se, para todo α ∈ R, tem-se f−1((−∞, α)) aberto em M .

Note que uma aplicação f : M → R é semicontínua superiormente se,e somente se, é −f semicontínua inferiormente. Além disso, uma aplicaçãof : M → R é contínua se, e somente se, f é semicontínua superiormente einferiormente.

Teorema 4.28 Se uma função f : M → R de�nida num espaço métricocompleto é semicontínua superiormente (ou inferiormente), então o conjuntode pontos em que f é contínua é residual.

Capítulo 5

Grupos Topológicos

Um conceito que estará intimamente ligado com toda teoria de dinâmicatopológica exposta no texto de [6] é o de grupos topológicos. Antes de abordá-los, será feita uma breve revisão da teoria básica de grupos.

Existem vários livros de álgebra que possuem um tratamento interessantede teoria básica dos grupos. O leitor interessado pode recorrer a esses livros.

5.1 Teoria Básica dos Grupos

De�nição 5.1 (Grupo) Um par (G, ·), onde G é um conjunto e · é umaoperação de�nida em G, é um grupo quando a operação · é associativa, comelemento neutro, e com inversos. Ou seja,

1. (a · b) · c = a · (b · c),∀a, b, c ∈ G;

2. ∃e ∈ G tal que a · e = e · a = a ∀a ∈ G;

3. ∀a ∈ G, ∃a−1 · a = e.

Quando a operação · é comutativa, o grupo é chamado abeliano.

Resultados elementares sobre grupos podem ser encontrados em qualquerlivro de álgebra.

De�nição 5.2 Seja (G, ·) um grupo. Um subconjunto H ⊂ G é denominadosubgrupo de G e denotado por H ≤ G, se (H, ·) é um grupo.

95

96 CAPÍTULO 5. GRUPOS TOPOLÓGICOS

Exemplo 5.2.1 R,Q,Z,C são grupos aditivos (ou seja, são grupos em re-lação à operação de adição). R,Q,C são grupos multiplicativos. Em amboscasos, Q é subgrupo de R.

Também, dados dois grupos (G, ·) e (H,�), G×H se torna naturalmenteum grupo quando é munido da operação ◦ tal que (a, b)◦ (c, d) = (a · c, b�d).O grupo G×H é chamado de grupo produto.

5.1.1 Homomor�smo de grupos

Em toda teoria, montamos uma relação de equivalência de tal forma que aspropriedades estudadas são invariantes por classe de equivalência. Assim aspropriedades topológicas (que provém unicamente da estrutura �topologia� doespaço) são mantidas por homeomor�smos Em espaços métricos, a isometriapreserva a estrutura que provém da métrica (propriedades métricas).

Em álgebra, dá-se o nome de isomor�smo à relação (de equivalência)que mantém a �estrutura� algébrica. E, na teoria (básica) dos grupos, aspropriedades que se mantém por classes de equivalência dessa relação quesão o objeto de estudo. Aqui será apresentado o chamado isomor�smo degrupos.

De�nição 5.3 (Homomor�smo de grupos) Sejam (G, ·) e (H, ∗) grupos.Uma aplicação f : G → H é um homomor�smo, se satisfaz f(a · b) =f(a) ∗ f(b) para todo a, b ∈ G. Quando f é bijeção, f é denominado isomor-�smo e G e H dizem-se isomorfos. Quando f é sobrejetivo, f é chamadoepimor�smo. E, quando f é injetivo, é chamado monomor�smo.

A relação de isomor�smo é, de fato, uma relação de equivalência. A de-monstração é de caráter trivial e �ca a cargo do leitor. Outras proposiçõeselementares sobre homomor�mos e isomor�smos podem ser encontradas emqualquer livro de álgebra 1, por exemplo, no livro [8] da referência bibliográ-�ca.

De�nição 5.4 O Núcleo ou Kernel de um homomor�smo f : G → H é oconjunto

Ker(f) = {g ∈ G : f(g) = eH} .A imagem de f é o conjunto

Im(f) = {h ∈ H : ∃g ∈ G tal que f(g) = h} .

5.1. TEORIA BÁSICA DOS GRUPOS 97

Teorema 5.1 Seja f : G→ H um homomor�smo. As seguintes a�rmaçõessão verdadeiras:

1. O núcleo Ker(f) é um subgrupo de G;

2. A imagem Im(f) é um subgrupo de H;

3. f é um monomor�smo se, e somente se, Ker(f) = {eG};

4. f é um epimor�smo se, e somente se, Im(f) = H

Prova: A última a�rmação é óbvia. Para provar 1, basta ver que, dadosa, b ∈ Ker(f),

f(a · b) = f(a) · (f(b))−1 = eH · eh = eH ,

ou seja, a·−1 ∈ Ker(f). Isso mais o fato de que ao menos eG ∈ Ker(f)completa a prova de que, de fato, Ker(f) ≤ G.

Analogamente, dados a, b ∈ Im(f), segue que existem g, t ∈ G tais quef(g) = a e f(t) = b. Logo

f(g · t−1) = f(g) · f(t)−1 = a · b−1,

ou seja, g · t−1 ∈ G é tal que f(g · t−1) = a ·b−1. Portanto g · t−1 ∈ Im(f). Issojunto com o fato de que ao menos eH ∈ Im(f) completam a demonstraçãode que, de fato, Im(f) ≤ H.

Para provar 3, primeiramente, nota-se que, se f é monomor�smo, segueobviamente que Ker(f) = {eG}. Reciprocamente, se Ker(f) = {eG}, tem-seque, dados a, b ∈ G tais que f(a) = f(b), segue que

f(a) · f(b)−1 = f(a · b−1) = eH ,

ou seja, (a · b−1) ∈ Ker(f). Pela hipótese, isso implica que a · b−1 = e. Ouseja, a = b. Isso completa a prova da recíproca. �

Exemplos de homomor�smos e isomor�smos normalmente são trabalha-dos e apresentados em livros de álgebra 1.

Como foi dito anteriormente, do ponto de vista algébrico, dois gruposisomorfos são indistinguíveis. Mas nem sempre a estrutura de grupo é a únicapresente em algum �objeto� de estudo como é o caso dos grupos topológicos.

98 CAPÍTULO 5. GRUPOS TOPOLÓGICOS

5.1.2 Teorema de Lagrange

De�nição 5.5 Sejam G um grupo e H ≤ G. De�ne-se a seguinte relaçãode equivalência:

a ∼ b(modH)⇐⇒ a−1 · b ∈ H.

As classes de equivalência dessa relação são chamadas classes laterais daesquerda de H e são, na verdade, os conjuntos b ·H.

De�ne-se analogamente, a relação de equivalência:

a ∼ (modH)b⇐⇒ a · b−1 ∈ H.

As classes de equivalência H · b são denominadas classes laterais da direitade H.

Prova-se que, de fato, essa relação é uma relação de equivalência. Paraisso, provaremos para a primeira relação de�nida (a demonstração para asegunda é análoga).Prova: Basta provar que a relação é re�exiva, simétrica e transitiva.

1. Re�exividade: evidentemente que, ∀a ∈ G, a · a−1 = e ∈ H. Issocompleta a prova da re�exividade.

2. Simetria: se (a−1 · b) ∈ H, então, por H ser um subgrupo,

(a−1 · b)−1 = b−1 · a ∈ H.

Isso completa a prova da simetria;

3. Transitividade: se a−1 · b ∈ H e b−1 · c ∈ H, segue que

a−1 · b · b−1 · c ∈ H,

ou seja, a−1 · c ∈ H. Isso completa a prova da transitividade.

Portanto, de fato, trata-se de uma relação de equivalência. �

De�nição 5.6 (Índice) A quantidade de classes laterais à esquerda distin-tas é denominado índice de H em G e denotado por (G : H). Ou seja,

5.1. TEORIA BÁSICA DOS GRUPOS 99

a cardinalidade da família das classes laterais à esquerda {g ·H : g ∈ G} échamada de índice de H em G.

Onde está escrito �classe lateral à esquerda� pode ser substituído por�classe lateral à direita�. Basta notar que

φ : {g ·H : g ∈ G} → {H · g : g ∈ G}g ·H 7→ H · g

é uma bijeção, ou seja, as duas famílias tem mesma cardinalidade.

Proposição 5.2 Sejam G um grupo e H ≤ G um subgrupo. Todas classeslaterais de H possuem mesma cardinalidade de H.

Prova: Dado x ∈ G, seja φ : H → x ·H tal que φ(g) = x · g. Provemos queφ é uma bijeção. De fato, dados g, h ∈ H tais que φ(g) = φ(h), segue que

x · g = x · h

e, portanto, g = h. Isso prova que φ é injeção. Dado k ∈ x ·H, tem-se quex−1 · k ∈ H e que φ(x−1 · k) = k. Isso prova que φ é sobrejeção. Portanto φé uma bijeção e a cardinalidade de H é a mesma de x ·H. �

A cardinalidade um grupo é denominada a ordem do grupo. A ordem deum grupo pode ser �nita ou in�nita. A ordem de um elemento é a ordem dosubgrupo gerado por esse elemento. Seja G um grupo, o subgrupo gerado porum elemento a ∈ G é o subgrupo {an : n ∈ Z} denotado por 〈a〉. Note que,de fato, isso é um subgrupo de G. Um subgrupo gerado por um subconjuntoS de G é o menor subgrupo que contém S e é denotado por 〈S〉.

Teorema 5.3 (Teorema de Lagrange) Sejam G um grupo �nito e H umsubgrupo de G. Então |G| = |H| (G : H). Em particular, o índice e a ordemde H dividem a ordem de G.

Prova: Com efeito, as classes laterais g ·H são, evidentemente, uma partiçãode G. Existem (G : H) classes laterais com cada uma |H| elementos (comofoi provado em 5.2). �

100 CAPÍTULO 5. GRUPOS TOPOLÓGICOS

Corolário 5.3.1 Seja f : G → H um homomor�smo de grupos �nitos.Tem-se que

|G| = |Ker(f)| |Im(f)| .

Prova: Note que |Im(f)| é exatamente o índice do núcleo em G.De outra forma, note que

{a ·Ker(f) : a ∈ G}

é uma partição de G. E a quantidade de elementos distintos nessa família éexatamente o número de elementos da imagem (pois para cada elemento daimagem, escolhe-se um representante a na imagem inversa). �

5.1.3 Grupo Quociente

Aqui, o objetivo é generalizar a idéia da construção do grupo (Z/mZ,+).Para isso, de�ne-se subgrupo normal.

De�nição 5.7 (Subgrupo Normal) Seja G um grupo. Um subgrupo N ≤G é denominado normal, se ∀g ∈ G g ·N · g−1 ⊂ N .

Proposição 5.4 Um subgrupo N ≤ G é normal se, e somente se, g·N = N ·g∀g ∈ G.

Prova: Com efeito, se N ≤ G é normal, segue que, dados g ∈ G e g·n ∈ g·N ,tem-se, por N ser normal, que

g · n · g−1 ∈ N.

Logo g ·n · g−1 · g ∈ N · g, ou seja, g ·n ∈ N · g. Isso completa a prova de queg ·N ⊂ N · g. A prova da inclusão N · g ⊂ g ·N é análoga.

Reciprocamente, se g · N = N · g ∀g ∈ G, então, dados g ∈ G e n ∈ N ,tem-se que

g · n ∈ g ·N = N · g.

De g · n ∈ N · g segue que g · n · g−1 ∈ N . Logo N é normal e isso completaa prova da recíproca do teorema. �

5.1. TEORIA BÁSICA DOS GRUPOS 101

Proposição 5.5 Todo subgrupo de um grupo abeliano é normal.

Prova: Sejam G um grupo abeliano e N ≤ G. Dados n ∈ N e g ∈ G,

g · n · g−1 = g · g−1 · n = e · n = n ∈ N.

Isso demonstrou a proposição. �

Proposição 5.6 Sejam G um grupo e H,K ≤ G. Segue que H ∩ K é umsubgrupo de H (e de G). E, ainda, se K é subrupo normal de G, então H∩Ké subgrupo normal de H.

Prova: A primeira a�rmação é de fácil demonstração. Se K é normal, dadosn ∈ H ∩K e g ∈ H, segue que g ·n · g−1 ∈ K (por K ser subgrupo normal deG). Mas, também, g · n · g−1 ∈ H, pois n, g ∈ H. Logo g · n · g−1 ∈ K ∩H.Isso completou a prova de que K ∩H é subgrupo normal de H. �

Teorema 5.7 O Kernel de um homomor�smo f : G → H é um subgruponormal de G.

Prova: Dados g ∈ G e n ∈ Ker(f), segue que

f(g · n · g−1) = f(g) · f(n) · f(g−1)

= f(g) · eH · f(g)−1

= f(g) · f(g)−1

= eH

Ou seja, g · n · g−1 ∈ Ker(f). Isso completa a prova de que Ker(f) é umsubgrupo normal. �

De�nição 5.8 O centro de um grupo G é o conjunto

Z(G) = {g ∈ G : g · h = h · g,∀h ∈ G} .

Proposição 5.8 Um grupo G é abeliano se, e somente se, G = Z(G).

102 CAPÍTULO 5. GRUPOS TOPOLÓGICOS

Prova: Evidente que se G é um grupo abeliano, G = Z(G). E, se Z(G) = G,então G é abeliano. �

De�nição 5.9 Sejam G um grupo e N ≤ G um subgrupo normal. De�ne-sea operação · em

G/N = {gN : g ∈ G}

da seguinte forma gN · hN = ghN .

Prova: Resta provar que a operação acima está bem de�nida. Dados j 6= he g 6= t do grupo G tais que gN = tN e jN = hN . Segue, então, que

gN · jN = gjN = ghN = gNh = tNh = thN = tN · hN.

Isso completa a prova de que · está bem de�nida. �

Teorema 5.9 O conjunto G/N munido da operação de�nida em 5.9 é umgrupo. Ele é chamado de grupo quociente.

Prova: O elemento N = eN ∈ G/N é o elemento neutro de ·, pois

∀gN ∈ G/N, gN · eN = eN · gN = egN = gN.

Dado gN ∈ G/N , g−1N ·gN = eN = N . Isso completa a prova da existênciade inversos.

Para provar a associatividade, basta ver que

aN · (bN · cN) = a · (bcN) = a(bc)N = (ab)cN = abN · cN = (aN · bN) · cN.

Proposição 5.10 Sejam G um grupo abeliano e H um subgrupo de G. Segueque o grupo quociente G/H é abeliano.

5.1. TEORIA BÁSICA DOS GRUPOS 103

Prova: A demonstração é trivial. Com efeito, basta ver que, dados aH, bH ∈G/H,

aH · bH = abH = baH = bH · aH.

Observação: Seja G um grupo e H ≤ G um subgrupo normal. Muitasvezes, denota-se os elementos xH ∈ G/N por x ∈ G/N , ou por

Teorema 5.11 (Primeiro teorema do isomor�smo) Se f : G → H éum homomor�smo de grupos. Segue que G/Ker(f) é isomorfo à Im(f).

Prova: Com efeito, de�ne-se φ : G/Ker(f) → Im(f), φ(xKer(f)) = f(x).Provemos que isso está bem de�nido. Com efeito, dados a ∈ bKer(f), segueque a = bt (onde t ∈ Ker(f)). Portanto f(a) = φ(aKer(f)) = f(bt) =f(b). Ou seja, a função está bem de�nida. Nota-se facilmente que isso é umhomomor�smo e que é sobrejetivo. Nota-se que

Ker(φ) = {xKer(f) : x ∈ Ker(f)} = {Ker(f)} = {e}

Logo, de fato, φ é um isomor�smo. �

Teorema 5.12 Sejam G,H grupos e N ≤ G, M ≤ H subgrupos normais.Tem-se que G/N×H/M é isomorfo a (G×H)/(N×M). Em especial,(G/N)n

é isomorfo Gn/Nn.

Prova: Com efeito, primeiramente deve-se provar que (N ×M) é subgruponormal de G×H. Dados g ∈ G×H e a ∈ N ×M ,

gag−1 = (g1a1g−11 , g2a2g

−12 ) ∈ N ×M.

Agora, de�ne-se o seguinte homomor�smo:

f : G/N ×H/M → (G×H)/(N ×M), f(xN, yM) = (x, y)(N ×M).

104 CAPÍTULO 5. GRUPOS TOPOLÓGICOS

Prova-se que isso se trata realmente de um homomor�smo. Note que,dados (x1N, x2M), (y1M, y2M) ∈ (G/N ×H/M), tem-se que:

f ((x1N, x2M)(y1N, y2M)) = f ((x1y1)N, (x2y2)M)

= (x1y1, x2y2)(N ×M)

= (x1, x2)(N ×M)(y1, y2)(N ×M)

= f ((x1N, x2M)) f ((y1N, y2M))

Evidente que f é uma sobrejeção. Provemos que f seja um monomor-�smo (para isso, basta provar que o Kernel é unitário). Com efeito, sef((x1N, x2M)) = (eG, eH)(N ×M), segue que x1 = eGN, x2 = eHM . Por-tanto isso completa a prova de que f se trata de um isomor�smo. �

5.2 Grupos Topológicos

Agora, vamos tratar de grupos topológicos. Grupos topológicos são conjun-tos munidos da estrutura de grupo e de topologia, com as duas estrturasconcordando. A de�nição abaixo estabelece de forma precisa o que é grupotopológico.

De�nição 5.10 (Grupos topológicos) Um grupo topológico é um grupo(G, ·) munido de uma topologia tal que:

1. A operação m : G×G→ G, m(x, y) = x · y, é contínua;

2. I : G→ G, I(x) = x−1, é contínua.

Lema 5.13 Um grupo (G, ·) munido de uma topologia τ é um grupo topoló-gico se, e somente se, a função g : G×G→ G, g(x, y) = x · y−1, é contínua.

Prova: Na demonstração desse lema, f : G→ G denotará a função de�nidapor f(x) = x−1,m : G×G→ G denotará a função de�nida porm(x, y) = x·y,e g : G×G→ G denotará a função de�nida no enunciado.

Seja (G, ·) munido de τ tal que a função g : G×G→ G é contínua. Segueque a função g|H restrita ao domínio H = {e}×G é contínua. Evidente que afunção k : G→ H, g(x) = (e, x), é contínua e, portanto, g|H ◦k = f : G→ G

5.2. GRUPOS TOPOLÓGICOS 105

é contínua (note que, de fato, f(x) = x−1). Ou seja, a função que associacada elemento ao seu inverso é contínua.

Seja I : G → G, I(x) = x, a aplicação identidade. Por f ser contínua,segue que a aplicação

(I × f) : G×G → G×G(x, y) 7→ (x, y−1)

é contínua. Logo m = g ◦ (I×f) : G×G→ G, m(x, y) = x ·y é contínua.Isso completa a prova de que G é, de fato, um grupo topológico.

Reciprocamente, seja (G, ·) um grupo topológico. Temos que

g = m ◦ (I × f) : G×G→ G,

logo g é contínua. �

Exemplo 5.10.1 Qualquer grupo munido da topologia discreta (ou indis-creta) é um grupo topológico. Também, o grupo aditivo R munido da topo-logia usual, assim como o gupo multiplicativo R − {0} munido da mesmatopologia, são grupos topológicos. O grupo multiplicativo C−{0} é um grupotopológico usando a topologia usual de C.

Lema 5.14 Seja H um subgrupo de G. Se G é um grupo topológico, Hmunido da topologia induzida por G é um grupo topológico e é chamado desubgrupo topológico de G.

Prova: Basta ver que as restrições das funções m : G→ G, m(x, y) = x · y,e f : G → G, f(x) = x−1, a H × H e a H permanecerão, evidentemente,contínuas. �

Exemplo 5.10.2 O subgrupo S1 = {x ∈ C : ‖x‖ = 1} de C−{0} é um sub-grupo topológico de C− {0}.

Tem-se, também, que Z, Q são subgrupos topológicos de R com respeitoà adição.

106 CAPÍTULO 5. GRUPOS TOPOLÓGICOS

5.2.1 Sistema de vizinhanças do elemento neutro

Os sistemas de vizinhanças dos elementos de um grupo topológico tem pro-priedades bem interessantes. Essas propriedades normalmente nos servembastante quando se quer provar algo a respeito de de grupos topológicos.Por isso, essa subseção é dedicada a apresentar tais propriedades.

Teorema 5.15 Seja G um grupo topológico. As translações à direita Ra e àesquerda La são homeomor�smos.

Prova: Provemos que a translação à direita

Ra : G → G

x 7→ xa

é contínua. Com efeito, Ra = (m ◦ t), onde t : G → G × G é tal quet(x) = (x, a) e m : G × G → G é a operação. Resta apenas provar que té contínua. Para isso, basta tomar um aberto básico U × V de G × G enotar que, ou a ∈ V , ou a 6∈ V . Se a 6∈ V , segue que t−1(U × V ) = ∅, ouseja, aberto. Caso a ∈ V , segue que t−1(U × V ) = U , ou seja, aberto. Issocompleta a prova de que t é contínua.

Portanto Ra é uma composição de funções contínuas, ou seja, contínua.Evidentemente que Ra é uma bijeção e, também, que Ra−1 é a inversa deRa. Como Ra−1 é, também, uma translação a direita, segue que é contínua.Portanto Ra é homeomor�smo.

A prova para a translação à esquerda La é análoga. �

Os resultados abaixo descrevem o �bom comportamento� das vizinhançasnum grupo topológico. Como conseqüência dos resultados abaixo, dizemosque os grupos topológicos são �espaços uniformes�.

Teorema 5.16 Seja G um grupo topológico. Dado g ∈ G, U é vizinhança deG se, e somente se, Ug−1 é vizinhança de e (onde e é o elemento neutro). Ouseja, todas vizinhanças de g ∈ G são do tipo gV , onde V é uma vizinhançade e. E, se V é uma vizinhança de e, então gV é vizinhança de g.

O teorema vale também para translações à direita das vizinhanças.

5.2. GRUPOS TOPOLÓGICOS 107

Prova: Com efeito, dado g ∈ G, se U é vizinhança de e, então Lg(U) = gUé uma vizinhança de g (por Lg homeomor�smo). Da mesma forma, se V évizinhança de g, então Lg−1(V ) = g−1V é vizinhança de e (por Lg−1 ser umhomeomor�smo).

A prova para translações à direita da vizinhança do elemento neutro éanáloga. �

Corolário 5.16.1 Seja G um grupo topológico. Se U é uma vizinhança dee ∈ G, então, para todo gUg−1 é uma vizinhança de e.

Prova: Com efeito, dada uma vizinhança U de e ∈ G. Pelo teorema 5.16,gU é vizinhança de g. E, pelo mesmo teorema, segue que gUg−1 é vizinhançade e. �

Note que, com os resultados anteriores, veri�camos que a topologia de umgrupo topológico é bem descrita, quando sabemos o sistema de vizinhançasdo elemento neutro.

Todo espaço vetorial normado (ou, de forma mais geral, topológico) é, emparticular, um grupo (abeliano aditivo) topológico. Logo as vizinhanças são�bem comportadas� (por translações) de forma semelhante à descrita pelosresultados anteriores.

Proposição 5.17 Seja G um grupo topológico. Se U é uma vizinhança dee, então existe uma vizinhança V de e tal que V V −1 ⊂ U .

Prova: Com efeito, por G ser um grupo topológico, tem-se que

m : G×G → G

(g, h) 7→ gh−1

é contínua. Logo, dada uma vizinhança U de e, m−1(U) é aberto em G×G.Por m−1(U) ser aberto, segue que existe uma vizinhança V tal que

e ∈ V × V ⊂ m−1(U).

Isso acontece por {U × T : U e T são abertos em G} ser a base da topologiade G×G. Note que essa vizinhança V é tal que

V V −1 ⊂ m(V ) ⊂ U.

Isso completa a demonstração do teorema. �

108 CAPÍTULO 5. GRUPOS TOPOLÓGICOS

5.2.2 Axiomas de Separação

Para enunciar o único resultado desta subseção, serão feitas algumas de�-nições sobre os �axiomas de separação� de espaços topológicos. Essa únicaproposição diz que, se dois elementos distintos de um grupo topológico po-dem sempre ser de alguma forma �topologicamente distinguidos�, então elessempre podem ser separados por vizinhanças, ou seja, o grupo topológico éHausdor�.

De�nição 5.11 (Axiomas de separação) Um espaço topológico X é cha-mado T0, se, dados dois pontos distintos x, y ∈ X, existe uma vizinhança Ude pelo menos um dos dois pontos que não contém o outro ponto.

Um espaço topológico X é denominado T1, se, dados dois pontos distintosx, y ∈ X, existe uma vizinhança U de x e uma vizinhança V de y tais que:x 6∈ V e y 6∈ U .

Um espaço é T2 se é Hausdor�.

Teorema 5.18 Seja G um grupo topológico. Se G é T0, então é T2.

Prova: Com efeito, seja G um grupo topológico T0. Dados x, y distintosdo grupo G, sem perda de generalidade, supõe-se que x 6∈ T (onde T éuma vizinhança de y) e, então, xy−1 6∈ Ty−1 = U . Segue que U = Ty−1 évizinhança do elemento neutro. Pela proposição 5.17, existe uma vizinhançaV de e tal que

V −1V ⊂ U.

Por absurdo, existe u ∈ V x ∩ V y 6= ∅ e, portanto,

u−1u = e ∈ x−1V −1V y ⊂ x−1Uy.

Disso segue que existe t ∈ U tal que x−1ty = e, ou seja, t = xy−1 ∈ U .Absurdo. Portanto

V x ∩ V y = ∅.

Isso completa a prova de que G é Hausdor�. �

5.2. GRUPOS TOPOLÓGICOS 109

5.2.3 Subgrupos de grupos topológicos

Agora, vamos tratar de subgrupos topológicos. O primeiro resultado sobre oassunto é que um subgrupo de um grupo topológico, com a topologia indu-zida, é um grupo topológico: esse resultado foi provado em 1051.

Seja G um grupo tpológico. O teorema abaixo diz que o fecho de umsubgrupo topológico de G é um subgrupo topológico. Note que, pelo lema,segue que a única coisa que precisamos provar é que o fecho de um subgrupoé um subgrupo.

Teorema 5.19 Sejam G um grupo topológico e H um subgrupo de G. Ofecho de H é um subgrupo (topológico). E o fecho de um subgrupo normal éum subgrupo normal (topológico).

Prova: Seja m : G × G → G a operação de G. Com efeito, supõe-sepor absurdo que existem a, b ∈ H tal que ab 6∈ H. Logo existe uma vi-zinhança U ⊂ (G − H) de ab. Tem-se que m−1(U) é uma vizinhança de(a, b), logo m−1(U) contém um conjunto V × K, onde V é vizinhança dea e K é vizinhança de b. Logo m−1(U) ∩ H × H 6= ∅. Ou seja, existe(q, r) ∈ m−1(U) ∩H ×H tal que qr 6∈ H. Absurdo, pois H é um subgrupo.Logo isso prova que ab ∈ H.

De forma análoga, supõe-se por absurdo que existe a ∈ H tal que a−1 6∈H. Segue que existe uma vizinhança V de a−1 cuja interseção com H é vazia.Pela continuidade de

f : G → G

g 7→ g−1

segue que V −1 é uma vizinhança de a e, por a ∈ H, segue que

V −1 ∩H 6= ∅.

Ou seja, existe g ∈ H tal que

g−1 ∈ V ⊂ (G−H).

Isso, novamente, contraria a hipótese de que H é subgrupo de G. Absurdo.Logo a−1 ∈ H e isso completa a demonstração de que H é um subgrupo.

1Lema 5.14

110 CAPÍTULO 5. GRUPOS TOPOLÓGICOS

Seja N ≤ G um subgrupo normal. Pelo demonstrado, N é um subgrupo.Supõe-se por absurdo que N não é um subgrupo normal. Ou seja, existea ∈ G tal que aNa−1 6⊂ N e isso quer dizer que existe t ∈ N tal queata−1 6∈ N . Logo existe uma vizinhança

U ⊂ (G−N)

de ata−1. Portanto a−1Ua tem interseção não-vazia com N (por ser umavizinhança de t ∈ N), logo existe k ∈ U ∩N .

Todo subgrupo aberto de um grupo topológico é, também, fechado. Issoé facilmente veri�cado ao tomar as classes laterais: a�nal, as classes lateraisde um subgrupo aberto são abertas2.

Proposição 5.20 Seja G um grupo topológico e H ≤ G um subgrupo. Se Hé aberto então também é fechado.

Prova: Com efeito, seja H um subgrupo aberto. Segue, pelos resultadosprovados anteriormente, que as classes laterais aH são abertas (e, eviden-temente, são disjuntas e formam uma partição do grupo). Nota-se, então,que

G−H = HC =⋃a6∈H

aH.

Isso prova que o complementar de H é uma reunião de abertos e, portanto,é aberto. �

Como conseqüência do resultado anterior, segue um resultado muito in-teressante: todo aberto não-vazio de um grupo topológico conexo G gera ogrupo todo. Um exemplo é a reta (grupo (topológico) aditivo): um intervaloaberto gera a reta toda.

Mas antes de enunciar e provar o resultado descrito, provamos o seguinteresultado.

Proposição 5.21 Seja G um grupo topológico e A ⊂ G um conjunto abertonão-vazio. Se H é um subgrupo de G tal que H ⊃ A, então H é aberto. E,então, aberto-fechado.

2Pois as translações são homeomor�smos.

5.2. GRUPOS TOPOLÓGICOS 111

Prova: Com efeito, toma-se t ∈ A. Segue que B = At−1 ⊂ H é umavizinhança de e. Tem-se que

⋃g∈H

gB ⊂ H por H ser um subgrupo (portanto

fechado para a operação) e a outra inclusão é óbvia, então

H =⋃g∈H

gB,

ou seja, H é uma reunião de abertos. Logo H é aberto. Pela proposição 5.20,segue que H também é fechado. �

Exemplo 5.11.1 Nenhum subgrupo próprio de (R,+) contém um intervalo.Com efeito, se H ≤ R contém um intervalo, pela proposição 5.21, o subgrupoH é aberto-fechado em R. R é conexo, logo, por H ser conexo, ou H = R,ou H = ∅. Evidente que H 6= ∅, pois H é um subgrupo. Logo H = R. Issoprova a a�rmação.

De outro modo, (R−{0} , ·) possui subgrupos que contém intervalos. Porexemplo,

R+ = {x ∈ R : x > 0} .

Mas, analogamente a R, R+ não possui subgrupos (com respeito à multipli-cação) que contém intervalos.

Corolário 5.21.1 Todo aberto não-vazio de um grupo topológico conexo Ggera G todo.

Prova: Dado um aberto A ⊂ G não-vazio, tem-se que o subgrupo geradopelo conjunto A é, por de�nição, o menor subgrupo que contém A.

Se H é o subgrupo gerado por G. Como H ⊃ A, segue do resultadoanterior que H é aberto-fechado. Como H não é vazio e G é conexo, issoimplica que H = G. �

Segue um teorema que encerra essa subseção sobre a componente conexada identidade.

Teorema 5.22 Sejam G um grupo e e ∈ G seu elemento neutro. A compo-nente conexa de e é um subgrupo normal de G.

112 CAPÍTULO 5. GRUPOS TOPOLÓGICOS

Prova: Seja N ⊂ G a componente conexa do elemento neutro. Segue queN ×N é conexo, logo

N ·N = {gh : g, h ∈ N}

é conexo (pela continuidade da operação). Como e ∈ N · N , segue queN ⊃ N ·N (por N ser componente conexa). Analogamente,

N−1 ={g−1 : g ∈ N

}é conexa (pela continuidade da �inversão�). Como e = e−1 ∈ N−1, segue queN ⊃ N−1 (por N ser componente conexa). Isso completa a prova de que Né subgrupo.

Provemos que N é normal. Com efeito, dado g ∈ G, nota-se que gNg−1

é conexo (pela continuidade das translações à direita e à esquerda). Tem-seque gNg−1 é conexo e contém e, logo N ⊃ gNg−1. Isso completa a prova doteorema. �

Um exemplo óbvio é a componente conexa do elemento neutro no grupo(multiplicativo) R− {0}. Tal componente conexa é o grupo (multiplicativo)R+, e esse subgrupo é evidentemente um subgrupo normal.

5.2.4 Grupos topológicos quocientes

Sejam G um grupo topológico e N ≤ G um subgrupo normal. Na subseção5.1.3, foi �construído� o grupo quociente G/N . Aqui, será provado que G/Ncom a topologia quociente é um grupo topológico e que algumas propriedadessão carregadas para o grupo quociente. Para isso, serão usados resultadosda seção 3.2 do capítulo 3. Para evitar confusão, os elementos de G/N serãodenotados por x = xN .

Proposição 5.23 Sejam G um grupo topológico com a operação · e N ≤ Gum subgrupo normal. A projeção P : G→ G/N , P (x) = x, é uma aplicaçãoaberta (quando G/N está munido da topologia quociente).

Prova: Com efeito, dado U ⊂ G/N aberto, segue que P−1(P (U)) = U ·N ,ou seja, é uma reunião de abertos, logo é um aberto. Portanto P (U) é aberto.Isso completa a prova de que P é aberta. �

5.2. GRUPOS TOPOLÓGICOS 113

Teorema 5.24 Sejam G um grupo topológico e N ≤ G um subgrupo normal.Segue que G/N , munido da topologia quociente, é um grupo topológico.

Prova: Seja P : G→ G/N , P (x) = x , a projeção. Prova-se primeiramenteque

I : G/N → G/N

x 7→ x−1

é contínua. Tem-se que

(I ◦ P ) :: G → G/N

x 7→ x−1

é contínua, pois (I ◦ P ) = (P ◦ i), onde i : G → G é tal que i(x) = x−1; ouseja, (I ◦P ) = (P ◦ i) é uma composição de aplicações contínuas e, portanto,contínua. Pelo teorema 3.17, a continuidade de (I ◦ P ) implica que I écontínua.

Resta provar que

m : G/N ×G/N → G/N

(x , y) 7→ xy

é contínua. Seja (P × P ) = P2 : G × G → G/N × G/N . P2 é contínuae aberta, pois P ser contínua e aberta. Denota-se por j : G × G → G aoperação de G. Logo

(m ◦ P2) = (P ◦ j) : G×G→ G/N

é contínua (por ser a composição de funções contínuas (P e j)). Portanto,dado um aberto U ⊂ G/N , tem-se que P−1

2 (m−1(U)) é aberto em G×G. P2

ser aberto implica que

P2(P−12 (m−1(U))) = m−1(U)

é aberto. Portanto m é contínua e isso completa a prova de que, de fato,G/N é um grupo topológico. �

Algumas propriedades são �carregadas� do grupo G para o grupo quo-ciente G/N . Essas são propriedades topológicas que são preservadas poraplicações contínuas, como compacidade e conexidade. Uma não tão trivialcaracterística que é preservada no grupo quociente será apresentada abaixo.

114 CAPÍTULO 5. GRUPOS TOPOLÓGICOS

Proposição 5.25 Seja G um grupo topológico Hausdor�. G/N é Hausdor�se, e somente se, N é fechado.

Prova: Seja

P : G → G/N

a 7→ a

a projeção e seja G um grupo Hausdor�. Com efeito, se N é fechado, dadosa 6= b do grupo G/N , as imagens inversas (da projeção P : G → G/N)P−1(a) = aN e P−1(b) = bN . Como N é fechado, segue que o complementarde bN é um aberto que contém aN . A imagem desse complementar por Pserá um aberto U que a contém a mas não contém b (pois U ∩ bN = ∅).Issoprova que G/N é ao menos T0. Mas, pelo teorema 5.18, o fato de G/N serT0 implica que G/N é Hausdor�.

Reciprocamente, se G/N é Hausdor�, segue que os pontos em G/N sãofechados. Logo {e} é fechado (onde e é o elemento neutro). Pela continui-dade da projeção P−1(e) = N é fechado. �

De�nição 5.12 (Grupo metrizável) Seja G um grupo topológico. Se atopologia de G é metrizável, ele é denominado grupo metrizável.

Proposição 5.26 Sejam G um grupo metrizável, separável e localmente com-pacto, e N um subgrupo normal fechado. Segue que também é metrizável ogrupo G/N .

Prova: Com efeito, prova-se que G/N é T1, satisfaz o segundo axioma daenumerabilidade e é regular. Pela proposição anterior, G/N é Hausdor� (e,em particular, T1).

Seja

P : G → G/N

a 7→ a

a projeção. Dada uma base enumerável B = {βi}i∈N de G, tomam-se asimagens dos abertos báscos pela projeção P . Dado um aberto U ⊂ G/N ,segue que existe βj ∈ B tal que βj ⊂ P−1(U). Logo P (βj) ⊂ U . Isso

5.2. GRUPOS TOPOLÓGICOS 115

completa a prova de que G/N possui uma base enumerável, ou seja, satisfazo segundo axioma da enumerabilidade.

Dados x ∈ G/N e uma vizinhança U de x , a imagem inversa P−1(U)é uma vizinhança de x. Por G ser metrizável (e, portanto, regular), segueque existe uma vizinhança fechada V ⊂ P−1(U) contida numa vizinhançacompacta K de x (portanto V é vizinhança compacta). Logo P (V ) ⊂ U éuma vizinhança compacta de x . Como G/N é Hausdor�, segue que P (V ) ⊂U é uma vizinhança fechada de x. Isso completa a prova de que G/N éregular.

Pelo teorema de Urysohn3, como G/N satisfaz o segundo axioma da enu-merabilidade , é regular e é T1, G/N é metrizável. �

Para encerrar essa subseção será provado um teorema análogo ao teorema5.12. Ele será vastamente usado no livro [6].

Teorema 5.27 Sejam G,H grupos topológicos e N ≤ G, M ≤ H subgruposnormais. Tem-se que

(G/N ×H/M), (G×H)/(N ×M)

são grupos topológicos isomorfos (quando munido da topologia quociente).Em especial, (G/N)n, (Gn/Nn) são grupos topológicos isomorfos.

Prova: Com efeito, basta provar que o isomor�smo de�nido em 5.12 é umhomeomor�smo. Sejam P : G × H → (G × H)/(N ×M), P1 : G → G/Ne P2 : H → H/M as funções projeções. Será denotado P3 = P1 × P2 ef será o isomor�smo de�nido em 5.12.f ◦ P3 é exatamente a projeção P de(G×H) no grupo quociente (G×H)/(N×M) e, portanto, é contínua. DadoU ⊂ (G×H)/(N ×M), P−1

3 ◦f−1(U) é aberto em G×H. Por P3 ser aberto,tem-se que

P3(P−13 ◦ f−1(U)) = f−1(U)

é aberto. Isso completa a prova de que f é contínua.Prova-se que f−1 é contínua. Com efeito, tem-se que f−1 ◦ P = P3, logo

f−1 ◦ P é contínua. E, pelo teorema 3.17, segue que f−1 é contínua. Issocompleta a prova do teorema. �

3Mais detalhes sobre o teorema no livro [2].

116 CAPÍTULO 5. GRUPOS TOPOLÓGICOS

Referências Bibliográ�cas

[1] Halmos, P. R. Naive Set Theory. Springer-Verlag, 1960.

[2] Kelley, J. L. General Topology. The University Series inHigher Mathematics, 1961.

[3] Lima, E. L. Curso de Análise, vol. 1. Projeto Euclides.IMPA, 1994.

[4] Lima, E. L. Análise Real, vol. 1. Coleção de MatemáticaUniversitária. IMPA.

[5] Lima, E. L. Espaços Métricos. Projeto Euclides. IMPA,2005.

[6] Lucatelli Nunes, F. Dinâmica Topológica e Aplicações àTeoria dos Números.

[7] Lucatelli Nunes, F. Relatório da Iniciação Cientí�ca 2009-2010.

[8] Shokranian, S. Álgebra 1. Ciência Moderna, 2010.

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