Eleicoes 2008

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Livro que fala sobre as campanhas eleitorais do ano de 2008 no Brasil e nos Estados Unidos, analisando fatos, estratégias e principalmente o uso da internet

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2008O BRASIL E O EFEITO OBAMA

ELEIÇÕES

Gustavo Fleury

BRASÍLIA • DF2009

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Título: Eleições 2008. O Brasil e o Efeito Obama

2ª EdiçãoBrasília – Outubro 2009

ISBN: 978-85-909845-0-4

Diagramação e projeto gráfico: Rogério Fernandes GuimarãesRevisão: Gustavo Fleury

Os leitores interessados no assunto deste livro estão convidados a entrar em contato com o autor nos seguintes endereços eletrônicos:

www.gugafleury.com.br - E-mail : [email protected]

Agradecimentos

Agradeço inicialmente a Deus que me deu a oportunidade de viver até aqui com paz, serenidade e saúde. E também a minha querida família, que me apoiou com carinho e amor, mesmo nas decisões mais difíceis.

Às pessoas com quem tive o prazer de trabalhar tanto na área da comu-nicação quanto da política – Lula Kehl, Gilberto Kny, Ana e Wilson Donnini; os deputados federais Frank Aguiar, Rebecca Garcia, Jorge Tadeu Mudalen, Dr.Pinotti (in memorian), Eleuses Paiva e a Vereadora Sandra Tadeu.

Aos colegas que sempre estiveram ao meu lado e que fazem parte da his-tória da minha vida. Em especial Carlos Eduardo (Kadu) Ciarlini Rosado, amigo que debateu comigo muitos temas aqui expressos nesta obra; Mau-rício Brusadin (a quem credito grande parcela do meu voto de esperança na política e nos homens que fazem este país melhor) e os professores Caio e Carlos Manhanelli, grandes mestres e conhecedores do marketing político qualificado.

Um agradecimento especial aos amigos Ricardo Almeida (Clube deautores.com.br), Marcus Georg (MeuParlamentar.com.br), Dr. Itamar Godoy (Cunha Godoy Advocacia e Assessoria Política) e Urbano Villela Neto (LCTV.com.br).

Brasília, Setembro de 2009

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Sumário

Introdução .........................................................................................................9

Prefácio I ..........................................................................................................11

Prefácio II ........................................................................................................13

São Paulo..........................................................................................................17

Rio de Janeiro ..................................................................................................65

Belo Horizonte ................................................................................................91

Salvador .........................................................................................................111

Porto Alegre ...................................................................................................119

A Imprensa Brasileira no Mundo Virtual .....................................................127

O Marketing Político Digital e as Ferramentas de Comunicação ...............137

A Obamania e a Web 2.0 ...............................................................................173

Bibliografia ....................................................................................................215

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Introdução

Toda eleição é uma experiência nova. Um fato incontestável para quem trabalha de tempos em tempos em alguma campanha política. As evidências nos mostram que a cabeça dos eleitores altera-se conforme o momento social vivido e as prioridades de cada um (os desejos, os sonhos e os anseios pesso-ais). Se há cinquenta anos atrás as pessoas se preocupavam com a educação de seus filhos, hoje a insegurança das escolas compromete o bem-estar das crianças. Se um dia o sonho dourado de um adolescente era ter um carro, hoje é como conseguir utilizá-lo num trânsito cada vez mais caótico.

O ano de 2008 certamente será marcado certamente como aquele que a democracia da informação “fincou os pés no chão”. O aparecimento de va-riadas formas de interação na rede mundial de computadores possibilitou, sem dúvida, mais transparência nos dados e aproximação entre as pessoas (abriu-se o debate).

Talvez este tenha sido o grande legado que Obama e sua Web 2.0 puderam deixar para o mundo – a participação das pessoas no processo construtivo de ideias, projetos e programas. E esta será, com certeza, a tônica do futuro elei-toral. Quem não “surfar essa onda” estará fadado a morrer na praia.

Este livro é o resultado de alguns anos de estudos e outros tantos de vivências (mesmo que indiretas) daquilo que é chamado marketing político eleitoral. A ciência que estuda as ações e estratégias operacionalizadas por profissionais da comunicação em conjunto com um grupo extenso de outras pessoas.

Na obra são apresentados pequenos “traços históricos” do que foram as campanhas de algumas capitais brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Porto Alegre), além de análises sobre as novas tecno-logias, ferramentas de comunicação existentes e o chamado “Efeito Obama”. É um pequeno relato deste jornalista apaixonado por eleições, que desde os

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11 anos de idade procura decifrar o que está por detrás das cortinas do teatro político.

Convido os leitores a ingressarem num mundo de fábulas eleitorais, em que monstros políticos, duendes tecnológicos e bruxos do marketing político lhes farão companhia.

Prefácio I

SANGUE NOVO, PRONTO E COMPETENTE

Falar do Gustavo Fleury como consultor político é, no mínimo, constatar a sua vocação. Ele nasceu para isso, ele é o cara.

Foi meu aluno e de imediato em sala de aula se destacou. Passamos a nos corresponder e fui constatando aquele espírito empreendedor aflorando. Reconheci-me na historia desse “garoto”.

Comecei minha vida de consultor político eleitoral em 1974 aos 20 anos de idade e abri minha empresa especializada em marketing eleitoral e comu-nicação política em 1978, época ainda com resquícios da ditadura militar. Fazer campanha eleitoral com técnica naquele momento era utopia pura, uns loucos que ousavam estudar e praticar técnicas consagradas no exterior e adaptá-las à realidade brasileira. E ousadia é a palavra de ordem do Gustavo (Guga para os íntimos). Enquanto não descobre o que quer, não é convencido de que aquelas atitudes e técnicas mercadológicas são as mais perfeitas para aquele momento. Ele não sossega. Perturba mesmo. Mas aprende e ensina. Não tenho como recusar os vários e-mails com questionamentos que ele sem-pre me fez. Eu também era assim e foi assim que aprendi. Estou pagando o que fiz com grandes mestres como Gaudêncio Torquato, Paeco (Antonio de Pádua Prado Jr.), Joe Napolitan , Chico Santa Rita, Ney Lima Figueiredo e tantos outros que eu perturbei e na verdade, ainda perturbo.

Esse livro traz para seus leitores essas contestações e suas conclusões, marcando a consagração da trajetória de um jovem, promissor e já velho co-nhecedor das técnicas do marketing político/eleitoral. O Livro foi feito para quem quer saber o que faz um consultor político eleitoral e analisar o que acontece no nosso mundo – e como aprender com tudo isso.

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Sinto-me honrado em poder fazer esse prefácio e tenho certeza do suces-so desse Consultor Máster em Comunicação Política e Marketing Eleitoral.

Gustavo Fleury. Esse é o cara.

Prof. Carlos Manhanelli

Presidente da Associação Brasileira de Consultores Políticos (ABCOP), Publicitário, Jornalista, Radialista, Professor no curso

“Máster en Asesoramiento de Imagen y Consultoría Política (MAICOP)” da Universidad Pontificia de Salamanca na Espanha. Autor de dez livros, entre eles “Estratégias Eleitorais e Marketing

Político”, “Eleição é Guerra”, “Voto é Marketing”, “Marketing Eleitoral e “O Marketing Pós-Eleitoral”. Já participou de mais

de 150 campanhas eleitorais e ministra cursos em diversos locais do país. Atualmente é consultor de vários políticos e governos no

Brasil e no mundo.

www.manhanelli.com.br

Prefácio II

As maiores características que separam os profissionais da área de Co-municação Política capazes de traçar estratégias e ações gloriosas daqueles que veem eleição e Marketing Político apenas como nicho rentável da Publi-cidade - predominado por fórmulas prontas que invariavelmente produzem o fracasso de um projeto político – é, em síntese, o que leva Gustavo Fleury a escrever esta obra. O entusiasmo sobre o tema e a sensibilidade analítica dos fatos, estratégias, circunstâncias e reações da opinião pública diante de todo o processo político e da manifestação de seus atores – os candidatos.

O interesse em comum ao tema foi a razão do nascimento de nossa ami-zade em 2008. Através do meio virtual, pudemos trocar experiências e apro-ximar ideias. Entre postagens num blog que criei e discussões muito profícu-as num fórum virtual que participávamos - ambos sobre Marketing Político - conheci o Gustavo e logo estendemos esta amizade para o campo real.

Não obstante, conheci o ineditismo deste livro ao dissecar numa narrati-va rica e absolutamente fidedigna - de quem esteve no cenário dos aconteci-mentos - aos ingredientes que compuseram caso a caso contados nesta obra. As vitórias, as derrotas e as demarcações de posições perante o eleitorado. Antes mesmo da finalização dos textos, discutimos muitas vezes alguns pon-tos específicos, chegando a atravessar noites a fundo.

Desta forma, não tenho dúvida que a obra é uma extraordinária síntese do estabelecimento de contemporâneas práticas e da ruptura de velhos pa-radigmas. Um conjunto de ideias que nos evidencia quais são os caminhos em que o Marketing e a Comunicação Política deverão estar focados numa campanha vitoriosa nos próximos anos.

Carlos Eduardo (Kadu) Ciarlini Rosado

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SÃO PAULO

C A P Í T U L O

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Não tem por que mudar, tá andando direito

Muitos pensam que uma eleição se ganha na hora do voto, no dia em que as urnas se abrem. Assim pensam os estatísticos, jor-nalistas de plantão no TSE e grande parcela da população. Mas para quem analisa friamente um pleito, sabe que muito antes do

“show” começar as coisas já foram trabalhadas nos bastidores. E grande parte deste jogo vem das relações intra e interpartidárias, onde os mais rápidos e hábeis conseguem colocar as cartas na mesa. Em São Paulo, quando Marta Suplicy (PT) e Geraldo Alckmin (PSDB) buscavam apoios do “Rei PMDB”; Gil-berto Kassab (DEM) , ou melhor, o governador e articulador José Serra, já tinha costurado uma forte aliança com o ex-governador Orestes Quércia.

Enquanto isso, Marta brigava com outros partidos para conseguir o apoio do famoso “bloquinho” (PC do B, PDT e PSB) e Alckmin se contentava com o PTB de Campos Machado. Mal sabiam eles o quanto custaria esse distancia-mento do PMDB e seus preciosos minutos de televisão, rádio e tudo mais. Por outro lado, a candidata do PT contava com o forte apoio do presidente Lula e

Foto divulgação. A convenção democrata atraiu além de tradicionais parceiros, gente do PMDB, PV, PR e até do “rival” PSDB.

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toda a máquina federal, além do trabalho bem sucedido à frente do Ministé-rio do Turismo. Uma administração de ações voltadas sobretudo à área social e à terceira idade.

Não podemos deixar de esquecer os méritos de uma gestão que pela pri-meira vez investiu de forma decidida na captação e organização de um pro-grama de viagem direcionado a quem sempre esteve marginalizado e com poucos recursos para pagar um pacote turístico – os aposentados brasileiros. O programa “Viaja Mais” foi um passo importante dentro da área de gestão do turismo e foi muito explorado pelo governo federal. Se não fosse o famoso “relaxa e goza” (equivocadamente e maldosamente interpretado pela mídia) proferido pela então ministra, talvez sua administração pudesse ser mais re-levante para a imprensa. Entretanto, como uma eleição municipal pouco tem a ver com a esfera federal, o cenário foi outro, diferente.

Portal Globo.com 20.03.08

O governo e o governante

O que poderia fazer um prefeito que herdara um governo razoavelmen-te bem avaliado, mas que “caíra em seu colo” abruptamente? Em meados de 2007 decidi fazer um pequeno teste, algo bem informal e amador do pon-to de vista estatístico. Uma experiência pessoal para avaliar naquele ponto

como estaria o conceito de Kassab perante as pessoas de São Paulo. Subi num ônibus no centro da cidade de São Paulo e passei cerca de 6 horas dentro do veículo (O motorista e o cobrador acharam que fosse eu louco, mas expliquei que se tratava de uma pesquisa) conversando com pessoas de diferentes clas-ses sociais e idades, sempre “puxando conversa” para temas que remetessem à prefeitura e o seu governante maior. O instigante foi que naquele dia tive uma sensação exata do que as próprias pesquisas (quantitativas) não mos-travam – Kassab não tinha um alto índice de provação dos paulistanos, mas sua imagem não era negativa. E o melhor de tudo, apresentava potencial para crescer. Na verdade era muito desconhecido pela população, mas estava re-ferendado por Serra. Ele poderia sim ganhar o apreço das pessoas. Para isso, precisaria “aparecer” para ser conhecido. Era preciso ser feito algo e imedia-tamente.

O governo acreditou tanto no programa “Viaja Mais” que investiu fortemente em pro-paganda na Internet e em aeroportos. Na foto, o salão de desembarque do Aeroporto de Congonhas em São Paulo. Infelizmente, pela própria cultura administrativa-política de nosso país, os bons projetos não têm seguimento ou a abrangência necessária. Depois que Marta saiu do ministério, ninguém mais ouviu falar do programa. (Foto: Gustavo Fleury)

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E nada melhor do que ganhar o agrado das pessoas e exposição na mídia, quando existem projetos que vão ao encontro do desejo da maioria dos elei-tores. “Toda e qualquer ação política precisa ser balizada numa pesquisa bem feita. É necessário ouvir as pessoas, aquelas serão beneficiadas”, diz o Profes-sor Carlos Manhanelli em seus cursos de Marketing Político. E ele vai mais além. “Quando o político começar a pensar na ideia, esta deve ter já um em-basamento técnico que comprove sua necessidade, sua aplicabi lidade”.

Contudo, infelizmente, no Brasil, as ações de marketing eleitoral e pós-eleitoral são realizadas de forma personalística, no campo das conjecturas. Não há dados e números que traduzam os desejos e anseios da população (para qual se trabalha). Falta profissionalismo, faltam profissionais qualifi-cados.

E os exemplos são vários.Um prefeito que pretende instalar uma fábrica não poluente em sua cidade, achando que será reconhecido como “grande defensor das políticas sustentáveis”, quando na verdade os cidadãos daquela localidade não desejam isso. Isto é, não é prioridade deles ou mesmo vai de encontro ao que pensam. Toda ação, seja ela eleitoral ou não, deve ter uma pesquisa que mostre se o caminho será árduo para se atingir um objetivo (Ci-dade Limpa) ou não. E, principalmente, se ele é viável, atende às necessidades dos “consumidores”.

Pensando em tudo isso (e um pouco mais) Kassab se valeu muito dos pro-jetos polêmicos e do enfrentamento que fez aos combustíveis adulterados, às poluições visual, sonora e ambiental. Inicialmente o Programa Cidade Limpa foi muito rejeitado por toda a classe empresarial e a sociedade entendia como mais um projeto que não iria conseguir se desenvolver efetivamente, algo efêmero e sem propósito numa metrópole como São Paulo. Desgastada pela poluição visual, por uma falta de urbanização adequada e ocupação do centro da cidade.

Todavia, o prefeito sabia que estava no caminho certo e “bateu o pé” para que o projeto vingasse – com todos os percalços que poderia existir, as brigas da oposição etc. Através da implementação das ações da prefeitura (e com Kassab à frente de tudo), os paulistanos puderam conhecer mais os ideais deste programa e vivenciar as diferenças que ele começara a produzir em cada um. Muito mais do que uma simples “limpeza” em áreas críticas e no excesso de propagandas (a maioria irregular), a mudança de visão das pessoas para com a cidade, um sentimento de orgulho por viver em São Paulo. E nisto também que consistem os projetos de reurbanização, trazer de volta o enten-dimento de cidadania e de amor pelo local em que se vive.

Uma vez, conversando com meu cunhado que é arquiteto, ele me disse: “Estou gostando do Kassab, ele enfrentou um problema que muitos gover-nantes não tiveram coragem de peitar. Penso que ele está fazendo um bom governo e este Cidade Limpa será um marco não só para São Paulo, mas para o Brasil”. E ele não morava nem nunca morou em São Paulo, mas sim no Pa-raná. Isso demonstra o quanto aquela proposta tinha avançado em termos de alcance, projeção. E a matéria seguinte ilustra bem o momento da implanta-ção do projeto.

KASSAB ENTREGA À CÂMARA PROJETO QUE PROÍBE OUTDOORSFolha de São Paulo – 09.06.06DANIELA TÓFOLI

O prefeito Gilberto Kassab (PFL) entregou ontem à Câmara o polêmi-co projeto de lei que regulamenta a propaganda nas ruas da cidade. Chamado de Cidade Limpa, ele enfrenta resistência de empresas de publicidade e anunciantes, pois proíbe outdoors e painéis eletrônicos e limita as placas com o nome dos imóveis comerciais em estruturas de até quatro m2.

Se depender do prefeito, a proposta será aprovada ainda neste ano. Mas o presidente da Câmara, Roberto Trípoli (sem partido), disse que a votação deverá ocorrer apenas depois das eleições. “Não pedimos re-gime de urgência no projeto porque acreditamos que será necessária uma ampla discussão com a sociedade”, diz Kassab. “Mas espero que o interesse público prevaleça sobre o lobby das empresas e que essa lei seja aprovada aqui no Legislativo o mais rápido possível.”

Até que a proposta seja votada, explica o prefeito, fica suspensa a lici-tação do mobiliário urbano: pontos de ônibus, lixeiras e relógios. Tudo porque ele se tornará o principal lugar para as propagandas na cidade.

O projeto da prefeitura proíbe a maioria dos anúncios existentes hoje. Além dos outdoors, ficam vetadas propagandas em ônibus, carros e motos; anúncios infláveis, faixas, avisos de liquidação em vitrines e anúncios nas laterais e nas coberturas de prédios, entre outros. Pro-

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pagandas eleitorais serão permitidas de acordo com a lei federal, mas ficam proibidas em muros, por exemplo.

Para Kassab, se a lei for aprovada, a fiscalização ficará mais fácil. “Como tudo será proibido, qualquer cidadão poderá fazer denúncias. Hoje, é difícil fazer a fiscalização porque a legislação é muito complicada”.

De acordo com a prefeitura, há cerca de 4.500 anúncios regulares na cidade e 15 mil irregulares. Por ano, a arrecadação com eles é de R$ 3 milhões. “A receita é baixa e vamos abrir mão dela para ter uma cidade mais bonita”, disse o prefeito.

CRÍTICAS

A proposta é duramente criticada pelas empresas. Para Rubens Dama-to, presidente da Federação Nacional de Empresas de Mídia Exterior, a culpa pela poluição visual não é só da propaganda, mas também da fia-ção elétrica. A federação, diz participará de todas as discussões sobre o projeto na Câmara e na Justiça. O mesmo fará a Associação Brasileira de Anunciantes. “As principais empresas anunciantes do Brasil rece-beram a notícia com perplexidade”, informa comunicado da entidade. Já a Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura comemorou o projeto.

Contudo, quem andava pelas ruas de São Paulo no início das eleições po-deria visualizar muitos protestos contra o prefeito Gilberto Kassab. Recla-mações diversas – descontentamentos de camelôs, moradores, comerciantes, entre outros. Com o decorrer da campanha, principalmente depois do início da propaganda na televisão, estes divergências foram cessando e o índice de aprovação do prefeito e de sua gestão cresceu sem fim.

Artesão com uma caveira onde se lia o nome de Kassab. (Foto: Gustavo Fleury)

Tá tudo resolvido. Geraldo Alckmin será o novo prefeito16.07.08 – Marta 35%, Alckmin 32%, Kassab 11%, Maluf 11% e Soninha 1%

Apesar da investida de Kassab no lançamento dos programas da prefeitu-ra e da insistente aparição em locais populosos, no início do pleito um cená-rio mostrava-se claro e contundente. Alckmin era o escolhido pela população para enfrentar o poder do PT e de Marta Suplicy até o segundo turno, onde venceria pela alta rejeição da candidata. Tudo parecia calmo, tranquilo e na-tural. Esse era o caminho que os candidatos percorreriam. Não conheci nin-guém que duvidasse desse sofisma no início do ano. Porém, como um jogo só termina quando o juiz apita, na política a partida vai além do tempo de acrés-cimo. E vai mesmo. Para piorar a situação, um dos jogadores se contundiu ao dar uma “botinada” em si mesmo – como fez Marta no meio do segundo tempo (nas terríveis e improváveis investidas contra Kassab). E porque não dizer Alckmin também, ao se lançar numa eleição onde as cartas estavam marcadas na mão de Serra e do PMDB.

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(Foto: divulgação)

E quando as coisas estavam ruins, o barco quase afundou de verdade

O cenário favorável a Alckmin era gigantesco e avassalador. E a velocidade com que Marta se distanciava de todos, fez com que Kassab aplicasse talvez aquela que tenha sido uma das piores ideias: usar a máquina da prefeitura para tentar influir numa avaliação do Datafolha. Através de um email que o jornal Folha de São Paulo teve acesso, o prefeito enviara pessoalmente mensagem aos subprefeitos com o objetivo de alterar uma pesquisa, pedindo abertamen-te que eles fizessem uma “ação” nos locais onde entrevistadores abordariam eleitores. E a desculpa dada por Kassab de que o email seria apenas um “alerta” para evitar supostos abusos dos adversários (petistas), não colou e quase “aze-dou” de vez o caldo. Mas nada como ter uma equipe de coordenação centrada e um “mago” ao seu lado chamado Luiz Gonzalez (marquetólogo consagrado de outras campanhas e muita experiência na área política).

Outra ação indigesta foi a campanha do prefeito distribuir pelas ruas da cidade um panfleto intitulado “Sujou”, no qual explorava a divulgação da ad-versária Marta Suplicy na lista de candidatos que respondiam a processos, publicada pela Associação dos Magistrados Brasileiros. Além de não surtir

efeito, o próprio candidato sentiu o gosto do veneno quando a instituição o colocou na mesma lista.

Muitos pensaram que neste momento o barco tinha afundado de vez. Kassab estava “metendo os pés pelas mãos” e parecia que sua derrota era inevitável (além do abalo sísmico de sua imagem). Entretanto, o futuro reser-vava um cenário absurdamente diferente. Crianças, apertem os cintos!

Marta e sua ascensão perturbadora15/08/08 – Marta 41%, Alckmin 26%, Maluf 9%, Kassab 8% e Soninha 1%

Quando os números de Marta começaram a ultrapassar o patamar dos 30% nas pesquisas, houve um grande medo nas duas principais campanhas adversárias. Ela poderia ter tido seus dias de glória, com certeza. Ainda mais quando assistia de camarote a Kassab e Alckmin se enfrentarem continua-mente. Momentos que fizeram até o PT e Lula trabalhar – ou pensar – apenas num primeiro turno. E os fatos indicavam que a munição de Alckmin contra a petista tinha cano virado. A cada bombardeio, o tucano abaixava a crista e caía. E não se preocupava muito com quem vinha lá atrás, na terceira posição. Gilberto Kassab, que patinava nos 10% – muito próximo do deputado e ex-prefeito Paulo Maluf – era a figura de um candidato derrotado previamente. Será que ele iria morrer ali? Veja o que os jornais da época diziam.

LULA CRÊ EM VITÓRIA DE MARTA NO 1º TURNO, DIZGOVERNADOR DE PEFolha de S.Paulo – 12.09.08RANIER BRAGON

O governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), afirmou ontem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acredita na possibilidade de vitória, no primeiro turno, da candidata do PT à Prefeitura de São Pau-lo, Marta Suplicy (PT).

Campos almoçou com Marta em um restaurante de comidas nordesti-nas da zona oeste de São Paulo.

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“Falei para a militância entrar com tudo nessa reta final para ver se ela cresce e resolve a situação já no primeiro turno”, disse o governador, que acompanhou a visita de Lula a Pernambuco na semana passada. “Ele está muito entusiasmado e também acha que dá para ganhar no primeiro turno.”

Marta afirmou que não trabalha com essa hipótese.

Os números mostram ser difícil, no cenário atual, uma vitória da pe-tista no primeiro turno. De acordo com a última pesquisa Datafolha, Marta tem 40% das intenções de voto contra 51% de seus adversários. Para liquidar a disputa no dia 5, ela teria que tirar deles pelo menos seis pontos percentuais (cerca de 500 mil votos).

Nas três disputas municipais que participou Marta –que tem rejeição de 32%, pelo Datafolha– nunca atingiu índice de intenção de voto su-perior a 41%.

A petista anunciou ontem a intenção de fazer um evento em São Paulo, no final do mês, com a presença de quatro governadores do Nordeste – Campos, Jaques Wagner (PT-BA), Marcelo Déda (PT-SE) e Cid Gomes (PSB-CE). “A população nordestina de São Paulo mantém o contato com suas raízes, então isso pode nos favorecer bastante”, afirmou ela.

PT QUER LULA EM SP PARA TENTAR VITÓRIA JÁ NO PRIMEIRO TURNOFolha de S. Paulo – 17.08.08CONRADO CORSALETTECATIA SEABRARANIER BRAGONJOSÉ ALBERTO BOMBIG

Sob ameaça de derrota para a petista Marta Suplicy já no primeiro tur-no, seus adversários apostam suas fichas, mais do que nunca, na pro-paganda eleitoral, que estréia nesta semana. Para conter o crescimento

de Marta na corrida pela Prefeitura de São Paulo, DEM e PSDB deverão redesenhar pontos estratégicos de campanha.

Pesquisa Ibope divulgada na sexta-feira mostrou Marta liderando, iso-lada, a disputa com 41% das intenções. O tucano Gerado Alckmin, que tinha 31% em julho, caiu para 26%. O prefeito Gilberto Kassab (DEM) continua estacionado, dividindo o terceiro lugar com o ex-prefeito Pau-lo Maluf (PP).

Motivada pelo resultado, Marta vai investir na entrada de vez do pre-sidente Luiz Inácio Lula da Silva na campanha para tentar liquidar a fatura no primeiro turno, desejo já externado por líderes do partido.

Lula seria o antídoto contra o alto índice de rejeição da petista –34%, segundo a mais recente pesquisa Datafolha. Um entrave, porém, está no fato de Lula ter perdido para Alckmin em São Paulo nos dois turnos da eleição de 2006.

Oficialmente, os coordenadores de campanha da ex-prefeita trabalham com a disputa em dois turnos, devido ao histórico das eleições na cida-de. Chegar na frente –e de preferência com folga– é visto como meta mais realista. Eles afirmam que Marta tem “gordura” para queimar, já que Lula ainda não entrou na sua campanha.

“Vamos trabalhar para ter o máximo de votos no primeiro turno, mas é muito difícil uma vitória assim. São Paulo é uma cidade grande, mas não homogênea”, disse ontem Carlos Zarattini, coordenador da cam-panha petista. Marta, durante caminhada no Brás (centro), se esqui-vou de falar em vitória no primeiro turno.

O PT conta com uma forte estrutura eleitoral na cidade. Há uma sema-na, 700 cabos eleitorais a serviço do partido estão visitando residên-cias para tentar convencer eleitores.

Os petistas atribuem o recente crescimento de Marta à consolidação dos votos que ela tem na periferia. Com Lula, dizem eles, será possível chegar aos eleitores das regiões mais centrais. Não é à toa que a ex-prefeita dirige seu discurso ao que chama de “nova classe média”.

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Demo-tucanos

O crescimento de Marta acendeu a luz amarela nas campanhas de Al-ckmin e Kassab. Aliados históricos em São Paulo, os dois partidos já temem que a divisão neste ano favoreça o PT no primeiro turno.

Reservadamente, os tucanos avaliam que, se a petista abriu essa van-tagem sem recorrer à imagem de Lula, a diferença poderá aumentar ainda mais.

Lula atingiu popularidade recorde em março, segundo o Datafolha, com 55% se aprovação. “É surpreendente. Agora, vamos ver com cla-reza qual é o peso da rádio e televisão numa campanha. Tenho minhas dúvidas de que seja tão relevante. Marta tem um padrinho notável: Luiz Inácio Lula da Silva. Eu queria esse padrinho”, disse o ex-governa-dor Cláudio Lembo (DEM), que foi vice de Alckmin de 2003 a 2006.

A ameaça de derrota em primeiro turno precipitará a participação do próprio governador de São Paulo, José Serra (PSDB), na campanha de Alckmin, caso o tucano e Kassab não esbocem reação nos primeiros dias de programa. Serra teme ser responsabilizado pela eleição da pe-tista. Ele tentará costurar difícil aproximação entre Alckmin e Kassab.

Alckmin disse ontem que o Ibope mostrou “pequenas alterações”. “Acho que essa pesquisa está fora do ponto, não devia ser considerada.”

Geraldo ruim de equipe, ruim de voto

13.09.08 – Marta 37%,Kassab 20% e Alckmin 21%

Recordo-me quando acessei pela primeira vez o site de Geraldo Alckmin. No mesmo dia em que fora lançada a página do tucano, saiu do forno a de Kassab. Se minha memória não estiver falhando, dia 17 de julho. E naquele momento tive duas reações. A primeira de surpresa, e positiva, ao ver um conjunto de boas ideias, figuras, cores e palavras em Kassab. Algo novo estava sendo lançado na política brasileira em termos de marketing digital.

Já do outro lado, espanto, decepção e preocupação. “Alguma coisa não está cheirando bem”. E como dizem que a primeira impressão é a que fica, no caso do tucano, foi a que ficou mesmo. E ficou tanto que amordaçou a campanha num mar de desânimo e falta de rumo. Para que lado Alckmin estava indo? Ninguém sabia. Por culpa dele sim, mas muito também pelas “qualidades” dos adversários. Assim como disse Chico Santa Rita em seu li-vro “Batalhas eleitorais.25 anos de marketing político” quando afirmou que na eleição de 1989 Ulysses Guimarães era o homem certo na hora errada e Fernando Collor o contrário, posso “copiar” a máxima e afirmar também que Alckmin fez o papel de Ulysses e Kassab o de Collor. Não é de todo certo, porque Kassab apresentava todas as condições de se afirmar como um grande gestor, mas ninguém poderia negar que seu oponente tucano não teria boas qualidades técnicas e políticas para assumir a megalópole.

Website da Campanha de Geraldo Alckmin Prefeito. A foto do candidato apa-rece em tamanho reduzido e com imagem apagada, assim como o tímido 45 do partido. No início da campanha as circunstâncias evidenciavam apenas um caminho: Geraldo Alckmin seria eleito com apoio de grande parte da po-pulação em função da rejeição estabelecida por Marta Suplicy. Foi o que to-dos pensaram. Entretanto ele acreditava que teria a adesão do PMDB e seus minutos preciosos.

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Kassab e a Televisão

É certo e sabido que o efeito da televisão é avassalador. Este aparelho com feições quadráticas e retangulares adentra em praticamente todos os lares com mensagem que dão significância grande a fatos simples. A espetaculari-zação que muitos conhecem e que segue o jogo de produzir “novelas da vida real”, como o caso do seqüestro e morte da menina Eloá.

Um dos fatos que me chamou a atenção foi quando comecei a perceber que Kassab seguidas vezes ia ao programa do jornalista José Datena. Em quase todos os momentos (que me recorde), criando, ou tentando criar um diálogo com a população sobre os problemas da cidade, coisas que estavam acontecendo naquele momento – greves, transporte e trânsito, entre outros. Não sei se aconselhado por sua equipe ou não, mas penso que Kassab fez bem ao colocar seu rosto na TV, para que todos o conhecessem e começassem a criar a ideia de que fosse “o prefeito que trabalha”, algo que foi bem explorado durante sua campanha. Não podemos negar a proximidade do ideário explo-rado no marketing lulista de 2006 – “deixa o homem trabalhar”.

Imagens do programa de televisão do candidato Gilberto Kassab

Já durante a campanha, Kassab foi para “dentro” da periferia reforçar o conceito de pai dos pobres. Mostrar na propaganda eleitoral da TV a imagem de trabalho e realização pelos menos favorecidos. Quem não se lembra do episódio em que foi a um hospital na madrugada para “saber” como andava o trabalho dos plantonistas, dos funcionários do local ? Nada melhor que isso. O “grande pai” iria ver como seus “filhos” estavam sendo cuidados.

Conforme definiu o Prof. Cid Pacheco em palestra proferida no ano de 2.000 no Congresso Brasileiro de Consultores Políticos, as quatro imagens consagradas e possíveis para um candidato, estabelecido pelo marketing po-lítico seriam : Herói, Pai, Líder-charme e Homem Simples. O exemplo para o primeiro é o ex-presidente e senador Fernando Collor – aquele que veio para resolver todos os problemas. “Tenho um revólver e uma bala apenas, dou um tiro na inflação!”. O segundo, está espelhado não só no candidato menciona-do (Kassab), mas muitos outros políticos brasileiros – Fernando Henrique “O Pai do Real” , e o principal de todos – Getúlio Vargas, “O Pai dos pobres”, “O Grande Pai”. O terceiro, Líder-charme, refere-se àquele que conquista as pes-soas (o eleitorado) por seu charme, elegância, inteligência e carisma – Jusce-lino Kubitschek e Barack Obama. E por fim, o personagem que emerge das massas para comandá-las – o Homem simples. E ninguém melhor do que o Presidente Lula para exemplificá-lo. “Ele conhece os pobres porque já foi um deles, sabe o que é passar fome”. Fala com uma linguagem singular, apropria-da para seu público principal.

Pensando nisso, a receita na televisão foi a todo o tempo emocionar, “pe-gar as pessoas pelo coração”, mostrando que os acontecimentos produzidos pela sua gestão modificavam a qualidade de vida dos paulistanos. Mais do que isso, a auto-estima e a alegria de viver de todos. Por outro lado, no rádio, o objetivo era entreter os ouvintes com mensagens instantâneas e satíricas – em ambas campanhas – Kassab e Marta. Aliás aqui vai uma dica interessante em qualquer eleição. Quando há nitidamente um candidato enfrentando o outro (em detrimento de um terceiro), o embate está certamente localizado entre os dois. São Paulo foi um bom exemplo disso – Alckmin não era citado. Foi esquecido. E foi neste veículo também onde se conseguiu melhor efeito no fortalecimento da rejeição da petista. Através de piadas, jogos de palavras, brincadeiras efêmeras, as pessoas eram instigadas a pensar que tudo que fora feito anteriormente não valia, não prestava.

Um mico à solta

Um momento tenso e tenebroso da campanha Alckmin ocorreu no úl-timo dia de setembro. O site do candidato saiu do ar durante um dia por falta de pagamento, segundo alegou a empresa contratada para desenvolver o mesmo. Naquele exato momento me questionei onde estaria o profissio-

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nalismo desta equipe que gerenciava a comunicação. “Onde já se viu fazer isso?”. Pensei no portfólio que seria apresentado aos futuros clientes – “So-mos aquela agência que tirou do ar o site do candidato Geraldo Alckmin”. Tamanho problema tinha visto antes na campanha da deputada e candidata à prefeitura Luiza Erundina em 2000, quando a empresa que gerenciava toda sua comunicação havia feito algo do gênero, ou melhor, pior. Publicara em sua página da Internet todos os materiais que tinha feito para Luíza, dizendo abertamente que os serviços não tinham sido pagos. E eu pensei que alguém jamais faria isso novamente. Mas cada cabeça uma sentença, e as dificuldades de cumprir prazos e pagamentos existem mesmo.

Imagem do site do candidato Alckmin – 30.09.08

Esquecendo-se os problemas ou falta de comunicação entre empresa e candidato na questão do pagamento, podemos dizer que as coisas não anda-vam bem sintonizadas. E o fraco material que apresentava o candidato era algo que trazia por si só um vazio político-semântico. A falta de caminho, de lirismo. Não havia charme, despojamento e norteamento ideário. Era um problema de forma e também de conteúdo.Além disso , havia uma mudança de rumo constante. Ora batia em Kassab, ora em Marta. Aparecia com Ser-ra ao lado, agradecendo seu apoio, mas quando mirava em Kassab, também atingia duplamente Serra – pelo próprio envolvimento do partido (PSDB) na gestão democrata, assim como os meses em que Serra esteve à frente da pre-feitura. Não poderia existir maior incongruência...

Imagem do portal Folha.com.br – 01.10.08

O confronto verdadeiro

As pessoas conversavam nas ruas de São Paulo e se perguntavam “Por que votar em Alckmin se tem o Kassab aqui comigo, do meu lado?”. (Neste momento é bom recordar o jingle do democrata – “Não tem porque mudar, tá andando direito; quero continuar, Kassab prefeito!” – o que reforçava muito a mensagem na mente dos paulistanos de que era preciso deixar ele lá, fazendo o que deveria ser feito). A ideia de que as coisas estavam indo bem, então não seria preciso mudar o time. O fato é que os dois tinham o mesmo público e isso foi decisivo para a escolha do voto.

De um lado, um homem experiente, muito simpático, ex-candidato à pre-sidência e que trazia suas conquistas do passado, de um governo de 10 anos (contabilizando-se o legado de Mário Covas). Na outra ponta, um candidato defendendo seu mandato de prefeito, falando de coisas muito atuais, con-temporâneas e que aconteciam cotidianamente na cidade de São Paulo.

No meu entendimento essa foi a grande diferença entre um e outro. Es-quecendo o destemido apoio do PMDB, a boa equipe de trabalho e o tempo mais prolongado na televisão, as palavras que separaram um do outro eram: local e atual.

A primeira revela a mensagem de Kassab focada em ações pontuais, exe-cutadas no habitat comum dos eleitores, não em coisas distantes. Isto é, se Al-

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ckmin fizera um bom programa habitacional em seu governo, ele estava “pul-verizado” nas cidades paulistas. E as pessoas só conseguem aprovar aquilo que enxergam, vivenciam (na rua de casa, dentro do ônibus que circulam, no posto médico das Amas onde procuram auxílio e por aí vai). Como diz o professor Manhanelli, “não basta fazer uma bela obra e grandes investimentos em propa-ganda para mostrar que algo é bom para a população. É necessário que as pes-soas utilizem o serviço prestado pela administração pública para comprovarem tal qualidade”. Somente assim se pode ter a certeza que irão aprovar ou não. E aprovando, facilmente divulgarão aos outros que aquilo é útil, oportuno.

E Kassab fez isso. Apresentou em suas diversas mídias o sentimento de contentamento que é sentido na pele de quem vivia todos os dias em São Pau-lo. Programas sociais como “Mãe paulistana”, “Viva Leite”, “Cidade Limpa” e criação das UBS (Unidades Básicas de Saúde) e AMAs (Assistência Médica Ambulatorial) – carro chefe de sua campanha.

Por outro lado, Marta tinha quase toda a periferia ao seu lado (leia-se grande parte da Zona Leste e Sul). E um legado de projetos e ações que be-neficiaram em sua gestão (1997-2000) a classe-baixa – Céus, bilhete único, criação da Secretaria de Segurança Urbana, recuperação das bases comunitá-rias e os programas de prevenção nas escolas.

E, pensando nisso, foi por estas bandas que Kassab decidiu acertadamen-te surfar a onda. Com rejeição nas áreas mais carentes, ele conseguiu “minar” o espaço de Marta com aparições frequentes e ações pontuais em cada bairro que compunha, principalmente, a Zona Leste de São Paulo. Passo a passo ele foi se posicionando e conquistando a fatia eleitoral onde Marta tinha como certa, ganha. Mais do que isso, ele investiu pesado também em outra área “martista”, a Zona Sul, englobando a chamada “Tattolância” (região que abri-ga bairros dominados politicamente em sua maioria pela família Tatto).

Mudança de rumo, mudança de marquetólogo. E começam os ataques25.09.08 – Marta 37%,Kassab 24% e Alckmin 20%

Quando o time está perdendo, todos sabem que é preciso mexer mesmo, mudar o cenário. A única ação normalmente realizada é a troca dos jogado-res ou dos técnicos. Entretanto, qual é o efeito produzido numa modificação

realizada aos quarenta minutos do segundo tempo? Será que dá certo? As-sim como no futebol, no marketing político são poucos os casos com bons resultados. E contrariamente ao esporte, em campanhas eleitorais não existe “sorte” ou alguém “iluminado” que consiga proeza incrível – com raríssimas exceções.

E foi justamente isso que aconteceu em São Paulo, quando Alckmin dispensou o marquetólogo Lucas Pacheco, resgatando de Ribeirão Preto o profissional Raul Lima que lá realizava um excelente trabalho. A pressão da cúpula da campanha do candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo foi ta-manha que ninguém resistiu. O resultado apontado pelas pesquisas (o empa-te técnico entre o tucano e o prefeito Kassab) foi o estopim para a turma da insatisfação cacarejar alto.

Mas o que fazer restando tão pouco tempo para fim do jogo? Uma partida em que a campanha kassabista utilizou tamanha inteligência ao juntar a figu-ra do democrata com o tucano, chegando a ponto de muitas pessoas votarem em Kassab achando que ele fosse um legítimo tucano!

Uma verdadeira confusão. E o primeiro passo de Lima foi tentar “desco-lar” a imagem de Alckmin a de Kassab. E assim começavam os ataques e o fim da epopéia “Geraldinho paz e amor”. Estava selada de vez a guerra entre os dois partidos que estiveram unidos em muitas e muitas eleições paulistas. Nas figuras a seguir é possível identificar o que cada um fez e as Consequên-cias de tudo isso.

Vídeo produzido pela equipe de Alckmin.

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No programa televisivo do dia 26 de setembro apareceria o famoso vídeo que comparava a trajetória política (tentando vincular também ao lado pes-soal) dos dois principais oponentes.

Geraldo Alckmin pedia então ao eleitor que o comparasse com o adversá-rio para decidir quem deveria disputar o segundo turno com Marta Suplicy (PT). A ideia era essa mesmo, mostrar que somente o tucano poderia vencer a candidata de Lula no segundo turno.

Porém, logo em seguida, veio o troco. E foi uma saída de mestre. Para quem comparava histórias de vida, o momento era agora de analisar quem tinha duas personalidades. Ora dizia uma coisa, ora dizia outra.

Imagem do programa eleitoral do candidato Gilberto Kassab

A resposta à comparação feita por Alckmin em seu programa. A ação da

equipe de campanha era mostrar a “decepção” do eleitorado paulistano por sentir que Alckmin possuía duas caras. Primeiramente apoiara Kassab e após o início das eleições o atacava impiedosamente.

Website da campanha Alckmin Prefeito

Página remodelada. A ideia da nova equipe de marketing transparecia na tentativa de mostrar de forma mais alusiva o partido que o candidato re-presentava e uma feição mais carismática de Alckmin, que até então estava “apagada” no material de campanha. Observa-se o tamanho que o 45 ganhou no site.

Os ataques continuam. E a situação piorava cada vez mais pro lado tucano30.09.08 – Marta 35%,Kassab 27% e Alckmin 19%

Primeiro ato. O vice

“Kassab foi imposto por seu partido como vice do então candidato a pre-feito José Serra (PSDB) em 2004”. Assim proferiu Alckmin a toda imprensa.

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De acordo com ele, por causa da imposição, Serra quase desistiu de ser candi-dato. O que só poderia soar como um absurdo... “Serra queria como candida-to a vice Lars Grael. Depois, se acertou e estava escolhido Alexandre Moraes. Foi um golpe na véspera da eleição, Serra quase desistiu de ser candidato”, afirmou o tucano.

Segundo ato. O tucanato

“Kassab é dissimulado e quer desestabilizar o PSDB. Ele estimula a intri-ga interna no PSDB e confunde a opinião pública”. “Os Demos estão unidos lá com o PT”. Para qualquer analista atento, era óbvio que no meio desta batalha, tucanos e democratas iriam se enfrentar. Na verdade, Alckmin não contava com as traições e as articulações pró Kassab desde o início do plei-to, capitaneadas por alguns secretários municipais, pela vereança tucana e pelos subprefeitos ligados à Kassab. A figura abaixo ilustra bem a situação e o momento em que os tucanos decidiram, por assim dizer, fugir do ninho. O povo em casa, ao assistir a televisão e ver Kassab tão próximo de Serra, só poderia sentir que o voto anti-petismo estava laqueado no “demo”.

Soninha e a outra batalha30.09.08 - Maluf 6% e Soninha 4%

A estratégia de apresentar-se como uma candidata despojada, alterna-tiva e original, fez com que Soninha cativasse a atenção de muita gente jo-vem. Entretanto, não conseguiu surtir todos os resultados que ela esperava. A população poderia aceitar até algo novo, mas com consistência e algumas pitadas de responsabilidade administrativa. Coisa que faltou em seu discur-

so evasivo. Isso sem contar respaldo político e os péssimos programas de televisão, onde um fundo preto “escurecia todas suas ideias”. Até hoje me pergunto quem teve a pretensa intenção de “inovar” numa campanha políti-ca com um cenário daqueles em que o candidato parecia mais estar num ve-lório. Além dos letreiros onde não se enxergava nada – haviam cores mistu-radas demais. É bom sempre lembrar que qualquer campanha eleitoral deve ser feita pensando na maioria das pessoas, naqueles que tem dificuldade de visão, audição, compreensão.

Quem assistiu aos debates que a televisão mostrou, pôde perceber que Soninha parecia estar num botequim batendo um papo com amigos. Com linguagem informal, gesticulando continuamente e sem fazer oposição cla-ra a nenhum dos três principais oponentes (Marta, Kassab e Alckmin), a candidata não conseguia se fazer entendida. E como diz Duda Mendonça, “comunicação não é aquilo que você fala, mas sim o que o outro entende”. Acredito que este seja um importante referencial para aqueles que pensam serem todos os jornalistas bons comunicadores políticos. Os públicos são di-ferentes e é preciso sempre pensar na linguagem corporal – que muitas vezes é mais importante do que a verbal num debate político (mostra a segurança do candidato, a forma como ele reage às perguntas de seus adversários e como ele sente diante de um momento tenso).

Arte produzida pela campanha Soninha Prefeita

Num determinado momento da campanha paulistana, decidi tomar uma decisão. Pensei comigo mesmo, “vou fixar os olhos e ouvidos na Soninha e tentar abstrair sua fala, entender seu discurso”. Mesmo parando por muitos minutos em frente à televisão, não consegui adivinhar o que falava. Dessa

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forma, podemos chegar a simples conclusão que havia aí uma falha grave de comunicação. Para que público suas propostas estavam sendo encaminha-das? Será que um cidadão comum conseguiria “pegar a mensagem”? Creio que não. E o resultado das urnas foi o reflexo disso. Se por um lado ela termi-nou maior (em sentido político) do que entrou na campanha, por outro dei-xou a desejar na representação daquilo que poderia ter sido – uma alternativa diante de velhos caciques. E não apenas uma pessoa alternativa. Coisas bem distintas.

Sabendo também que não chegaria ao segundo turno, a estratégia (e bem pensada) foi tentar angariar mais votos que Paulo Maluf. Obviamente que não conseguiu resultado prático esperado. Entretanto, ao final do pleito con-seguiu fazer com que o candidato perdesse alguns votos, ao mesmo tempo ganhou um certo “fôlego político” para as eleições futuras – na medida em que chegou mais longe do que muitos imaginavam. E algumas mensagens ficaram - a mudança no sistema de trânsito com as ciclovias foi sua principal bandeira demarcada. Veja na figura.

Material de campanha Soninha Prefeita

Cartaz de divulgação do Projeto Político de Soninha. Uma proposta alter-nativa e diferenciada para São Paulo. A ideia não “colou” porque numa eleição paulistana com mais de 6 milhões de eleitores, é preciso agradar grupos di-

versos – não só aqueles que gostam de bicicleta. Entendo que o pensamento dela era mostrar os outros lados de seu programa. Mas devido às falhas co-municacionais e, principalmente, o pouco espaço na mídia e apoio político, a maioria das pessoas acabou (como de costume) apoiando projetos conser-vadores, com experiência comprovada e que atendiam as necessidades mais básicas: saúde, emprego e segurança.

Website da campanha Soninha Prefeita

Contrariando a lei eleitoral, a página da Vereadora Soninha permaneceu a campanha toda com um link para o site da “Candidata Soninha”. Até mesmo após o período exigido pela legislação para que todos sites saiam do ar – dois dias antes da eleição no primeiro turno.

Maluf. Um revólver na mão e apenas uma bala

Uma pergunta simples.O que é melhor? Cinco ideias medianas ou uma excepcional? Acredito que nem é necessária uma grande reflexão. Pois foi jus-tamente o que Maluf e sua equipe pensaram. Um tema que chamasse a aten-ção dos paulistanos e um projeto que trouxesse soluções imediatas. Pronto. Estava aí formado o projeto da Freeway, um alongamento da Marginal Pi-nheiros que permitiria maior fluxo de veículos, menos tempo no trânsito e consequentemente menor engarrafamento.

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Nos idos de 2007, pude ouvir da boca do próprio Paulo Maluf (ao falar aos deputados federais numa reunião do seu partido em Brasília) que iria ser candidato a prefeito de São Paulo e que a temática abordada seria o trânsi-to. Nada mais peculiar e próximo da vida de quem mora naquela cidade (Não nos esqueçamos das duas palavras anteriormente mencionadas para ilustrar a separação entre Alckmin e Kassab – local e atual. Pois é, o “velho lobo” tam-bém tem das suas espertezas).

O que parecia ser simples conseguiu cativar muitas pessoas. Mesmo àqueles que não votariam no candidato. Mas quem não andou nas marginais em São Paulo durante a eleição e não pensou “realmente Maluf é o cara”. E este foi o tema central usado por sua equipe durante a campanha, “Maluf é o cara”, além do “São Paulo tem pressa” (que é uma mistura dos problemas do trânsito com a necessidade urgente das melhorias na cidade). Podemos di-zer que o Dr. Paulo não venceu a eleição; perdeu a batalha, mas não a guer-ra. Teve menos votos do que no início das pesquisas, mas conseguiu demar-car mais uma vez o território.

E um território muito competitivo. Quem poderia contra a máquina mu-nicipal, estadual e federal? Nestes momentos é preciso que os novatos em campanhas façam uma reflexão daquilo que é vencer uma eleição. O que é perder ou ganhar? Nem sempre “perder” quantitativamente significa ser en-terrado politicamente. Assim como Soninha, Maluf demarcou o espaço elei-toral perpetuando sua relação de amor aos seus seguidores. Ninguém ficará surpreso se daqui a dois anos não o vermos como o deputado federal nova-mente mais votado do país...

Website da campanha Maluf Prefeito.No início com a vice, deputada Aline Corrêa. Depois ficou sozinho. Aliás, este foi um fato curioso. Nas capitais, os candidatos a prefeito “escondiam” seus vices nestas eleições.

Vídeo institucional veiculado no site do candidato.Na pági-na era possível conhecer detalhes em 3D do famoso proje-to Freeway. É justamente isso o que as pessoas querem ver. Como, onde, quando e de que forma fazer. Não basta falar e se valorizar por aquilo que já foi feito. É preciso alimentar os sonhos e desejos.

Foto: Gustavo Fleury. Carro-slogan “São Paulo tem pressa”.

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Foto: Gustavo Fleury. Bicicletas-outdoors paradas no centro de São Paulo. Kassab apostava tanto na televisão e no rádio que não se via em toda a cidade um cabo eleitoral democrata na rua. Era a batalha midiática.

O segundo turno e as mazelas de Marta. A baixaria total10.10 - Kassab 54%, Marta 37%

“Ai, ai, ai Dona Marta! Isso não se faz”. Bem que esta frase poderia ser uma marchinha de carnaval. Realmente ela agiu errado e de forma leviana. É evidente que Kassab não gostava de falar sobre sua vida pessoal e sentiu-se constrangido. A ideia de João Santana (marquetólogo da petista) de falar do passado do candidato, seus ex-aliados e sua vida política era aceitável, mas o texto sobre o universo particular do candidato ecoaram mal na sociedade. E a história (dita por Marta) de que não teria assistido ao programa antes dele ser veiculado é realmente conversa para boi dormir...

A verdade é que a população se interessa é por quem faz mais e melhor. Isso é o que importa. É evidente que a história da pessoa também conta.

As tentativas para desestabilizar Kassab de alguma forma foram perma-nentes na reta final da campanha. Um comercial veiculado no rádio apresen-tava duas mulheres conversando sobre as eleições.

“Viu menina com quem o Kassab anda?”.“Não”.”Com o Pitta!”.“Ai meu deus, eu não vou mais votar nele então!”.

No entanto, é muito difícil desestabilizar um adversário sem ter uma car-ta na manga forte, algo que realmente possa mudar o jogo nos 40 minutos do segundo tempo. E em vez do treinador segurar time (João Santana), o colo-cou no ataque para recuperar os gols já sofridos. Resultado: tomou goleada. No primeiro e no segundo turno. Aliás, no segundo foi pior. Veja abaixo a última tentativa de fazer um golzinho, já nos acréscimos.

Imagem do portal Folha.com.br. A equipe de Marta mandou ao ar no último programa da TV a figura do prefeito Kassab xingando o mani-festando numa AMA.

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Website da campanha Marta Prefeita. Na Internet Marta parecia “perder a estribeira” com ações como a “Vaza Kassab” - a famosa tênue linha que separa a linguagem informal do ridículo. Era nítida a falta de munição para reverter o cenário criado.

Imagem do jornal Folha de São Paulo. Enquanto Marta atacava Kassab, a equipe dele colocava uma “enxurrada” de mensagens positivas sobre o governo municipal. E a aprovação do prefeito crescia à medida em que o tempo passava. E na medida certa para acabar com qualquer pretensão vermelha.

Imagem do programa de televisão do candidato Gilberto Kassab

Foto: Gustavo Fleury. A imagem mostra a reta final da campanha de Kassab - atraindo toda imprensa para seus olhos, concedendo autógrafos nas ruas como um popstar e conquistando a simpatia e confiança da população. De candidato inexpressivo e prefeito desconhecido, a político que conseguiu dois feitos importantes. O primeiro, conquis-tar um terreno historicamente comandado por tucanos. O segundo, fazer com que a coligação DEM-PR-PMDB elegesse muitas cadeiras na Câmara Municipal. Políticos co-tadíssimos para serem eleitos perderam votos e terreno político com a queda acintosa de Alckmin. Foi uma perda sofrida principalmente por candidatos do PTB. Dr. Farhat (conhecido como advogado do Ratinho) e Robson Tuma que o digam!

E a guerra terminaKassab (DEM) – 60,72% Marta Suplicy (PT) – 39,28%

Chegava-se ao fim mais uma eleição paulistana. Atípica, suada, com mui-to sangue e mágoas para todos os lados. Ou quase todos, pois com o retorno de Alckmin ao governo paulista na forma de Secretário Estadual de Desen-volvimento e a incorporação de Soninha à subprefeitura da Lapa, um lado ficou suavizado. Marta perdeu espaço e poder, certamente. Porém continuará

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a carregar os seus 30% bem consolidados, além de certo prestígio nacional. Entretanto, terá dificuldade em passar desse patamar (por mais que queira ser a “referência eleitoral” de Dilma em São Paulo na próxima eleição presi-dencial).

A campanha kassabista conseguiu fazer com que tudo que tivesse de re-jeição à Marta viesse à tona. Promoveu uma bela “cegueira” (bem orquestra-da) na população para que esta não enxergasse os grandes feitos do governo petista. E que não foram poucos – bilhete único, Céus, entre tantos outros já ditos aqui neste livro. E os últimos vídeos produzidos no segundo turno fo-ram algo de extrema criatividade. Bonecos de pano cantavam músicas contra ações à gestão de Marta na prefeitura, solidificando ainda mais sua rejeição.

“Não quero belezura com escola de lata (fazendo referência à criação dos Céus, enquanto a cidade ainda possuia escolas de lata), não quero taxa (as famosas taxas) com a saúde abandonada. Toc, Toc, Toc, bate na madeira, Marta outra vez, nem de brincadeira, vixe!”.

Pois é. O que os grandes mestres do marketing político nos ensinam é que numa eleição não basta mostrar o que é “nosso”, mas também “minar” o crescimento do outro, os feitos e a administração adversária. E isso o mago Luiz Gonzalez (Lua Branca Propaganda) fez, com brilhantismo, genialidade, criatividade e maestria. Palmas a ele e toda sua equipe, incluindo a parceria firmada com o publicitário Moriael Paiva (Diretor Executivo de Criação da Talk Interactive) numa inovadora campanha digital.

Contudo, o que é relevante no âmbito geral é avaliar as razões pela vitória de Kassab, um verdadeiro fenômeno político. Além dos efeitos produzidos pelo marketing, alguns pontos são intrínsecos e convergentes.

O primeiro fato importante foi a classe média ter abandonado o petismo (em consequencia Marta e todos que estivesse a ela ligados). O que vimos foi uma grande mudança do padrão de voto, em que regiões tradicionalmente de voto à esquerda, optaram por Kassab e seu “conservadorismo. Podemos dizer que a nova classe média (tão vilipendiada por Lula) rejeitou o retorno da ex-prefeita e isso se deve em parte ao fator “mensalão” de 2005, quando o país se viu numa maré de escândalos envolvendo membros do Partido dos Trabalhadores.

Um segundo ponto é observar que Kassab carregava consigo o ideário da direta que antes estava enraizada na figura de Maluf e Jânio (o voto consoli-dado da direita política). O terceiro é o entendimento de que o democrata fez

seu nome através de projetos polêmicos e que de certa forma tiveram eco na sociedade. O enfrentamento da poluição, do comércio ambulante, do trânsito caótico, do combustível adulterado, entre outros.

Por fim, no plano político, teve a habilidade de manter os tucanos alia-dos nas subprefeituras e os demais cargos adjacentes. Mais do que próximos, verdadeiros cabos eleitorais. Seu futuro ainda é incerto, ou seja, ninguém sabe se sua candidatura ao governo do estado é apenas conjectura (ou está mesmo nas mãos de Alckmin e Aloysio Nunes). No entanto, sua força dentro do partido (em nível estadual e nacional) e o alinhamento à Serra em relação às suas pretensões nacionais, é indiscutível. Kassab, de vice-prefeito quase desconhecido a um dos principais líderes políticos do país. Esta é sua história até aqui.

Candidatos a vereador. O espetáculo dos heróis.

Candidatos exóticos, folclóricos, oportunistas, engraçados etc. Muitos adjetivos são empregados pelas pessoas que acompanham os programas elei-torais na televisão. Quem não se recorda de Frank Aguiar e Clodovil nas elei-ções de 2006? Dois fenômenos eleitorais marcantes.

O fato é que todos estes candidatos – vitoriosos ou não – são a pura per-sonificação da figura do político herói, “aquele que vem para resolver todos os problemas da população” (já comentado na obra). Os discursos são os mesmos, não havendo um foco central de discussão (com exceção de alguns casos). “Quero resolver os problemas da periferia”. “Vou transformar minha experiência em ações concretas”. “Chega de políticos corruptos, o negócio é trabalhar”. “Quero utilizar minha experiência pessoal para melhorar o mun-do”. Com bordões simples e industrializados, estes homens e mulheres têm conseguido de tempos em tempos conquistar uma parcela do imaginário das massas.

No entanto, serei obrigado a abrir um parêntese aqui para falar das campanhas de Frank Aguiar e Clodovil. O músico, hoje ex-deputado fede-ral e Vice-prefeito de São Bernardo do Campo, conquistou uma cadeira na Câmara federal por razões específicas e que explicam em parte o fenôme-no das eleições. Primeiramente, conseguiu agrupar votos de grande parce-la da comunidade nordestina que vive no estado de São Paulo. Além disso, obteve forte apoio político de Campos Machado – o homem forte do PTB.

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Por fim, um excelente ingrediente que na maioria das vezes é o diferen-cial entre uma pessoa famosa e outra: o carisma e a simpatia, utilizando-se do figurino de músico e a imagem do artista na televisão para conquis-tar as pessoas.

Já Clodovil experimentou um fenômeno maior – o descrédulo da popula-ção em relação à classe política e ao sistema parlamentar – fruto do momento pós-mensalão em que o país viveu (uma maré de denúncias). É evidente que a televisão foi uma ferramenta indispensável para sua vitória e o candidato soube utilizá-la de forma brilhante (pela própria experiência de trabalho), numa espécie de provocação permanente. “Vocês verão o que farei e o que sou capaz. Brasília nunca mais será a mesma!”. Engana-se, contudo, quem pensa que Clodovil representava alguma parcela do eleitorado homossexual. Pelo contrário, no seu discurso residia justamente um apelo contrário às causas das associações GLBT (aliás ele deixava isso bem claro). O eleitorado dele es-tava focado nas pessoas de classe baixa e nos jovens principalmente – grupos costumeiramente desinteressados no entendimento político.

Imagens dos vídeos de campanha de candidatos a vereador em São Paulo

Assim como Agnaldo Timóteo (7.015 votos), cuja fama o conduz como alguém “bom de briga” – aquele que luta pelas pessoas – Clodovil traduziu um movimento pseudo-messiânico conclamando o povo a apoiá-lo e assim trazer a “salvação” e a “purificação” do poder político. E muitos acreditaram. Contudo, sua estada no parlamento foi de isolamento e ostracismo político. Mas isso é pano de fundo para outro livro...

O candidato-vereador Agnaldo Timóteo. (Foto: Gustavo Fleury)

Aqui uma reflexão. Por que será que muitos artistas não conseguem se eleger? A razão está justamente no fato de que não é só o brilhantismo, o glamour que faz um nome político. Não é apenas a exposição midiática. Mais do que isso, é preciso ter uma imagem de combatimento formada, credibili-dade e ser alguém que busque verdadeiramente resultados pelo público-alvo. Lembremos novamente da figura do herói. Quem deseja ser salvo por alguém que não inspira confiança?

Acrescentado a isso, a necessidade de uma base eleitoral consolidada. Grupos sociais, institucionais, religiosos ou sindicais coligados que tragam substância eleitoral. Isto é, apoiadores com um universo grande de pessoas que estejam dispostas a projetar o voto no candidato. Um trabalho político consolidado. “Eleição é época de colheita, não de semeadura”, já dizia o pro-fessor Tadeu Comerlatto em seus cursos de marketing político eleitoral.Clo-dovil e Frank Aguiar foram exceções à regra. E no caso do segundo, além do processo de encontro na tv, foi também realizado outro muito interessante – o embate direto nas ruas, o corpo a corpo tão importante.

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(Foto: Gustavo Fleury)

Restaurante na Vila Maria. Apesar da proibição da lei eleitoral, o local era um verdadeiro “mar de panfletos, adesivos e faixas” do candidato Wadih Mu-tran (29.030 votos). A região já é conhecida como “Mutrolândia”. É o famoso candidato-bairro. Idem para a “Tattolândia” e seus Tattos.

(Foto: Gustavo Fleury)

Cabo eleitoral de Sérgio Mallandro. Se ele queria chamar a atenção, conseguiu.

Folder de campanha de Sérgio Mallandro

A ideia era “colar” a imagem da diversão, despojamento e alegria – princi-palmente direcionada ao público jovem. E quase chegou lá. Foram 22 mil votos que não podem ser desprezados. Na verdade só não ganhou porque escolheu a coligação errada. Se tivesse optado por alguns dos partidos que apoiavam Kas-sab, certamente teria sido eleito. Entretanto, acredito que ainda poderá ven-cer alguma eleição futura – para deputado estadual ou novamente vereador.

Foto: Gustavo Fleury

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O cartaz ilustra bem o cenário novamente do herói (agora na versão pe-riferia). Entretanto, não basta ser um candidato do gueto. É preciso ser “o” candidato. Tem que ser habilidoso o bastante para ser engolido pela mídia e fazer uma movimentação social constante que o credencie como tal. Netinho de Paula que o diga...

Reprodução – Imagem de Propaganda política na Internet

“Meu nome é Enéeeeaaas Filho! Vou continuar o trabalho do meu pai!”. E a Televisão Brasileira ficou sem um dos integrantes mais sagazes de seu “circo eleitoral”. Que pena. Muita gente reclamou, porque eles queriam de novo o “filho do Enéas”.

Reprodução – Imagem de Propaganda política na Internet

Entretanto, o Ministério Público entendeu que se tratava de propaganda enganosa. E era mesmo, pois o rapaz na foto não era filho de Enéas Carneiro, ex-deputado federal e um dos mais votados da história do País. Na realidade, se tratava de Luciano Enéas Martines Nantes Soares (1.631 votos), 37 anos, filho do ex-vereador Osvaldo Enéas Nantes Soares.

Foto: Gustavo Fleury

Salete Campari (2.821 votos) candidata a vereadora. A cada dois anos alguém da turma do “topa tudo” é candidato a alguma coisa. “Topa topa topa tudo por um voto!”.

Carro do candidato a vereador Léo Áquila. Da mesma turma de Salete. (Foto: Gustavo Fleury)

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Vou abrir um pequeno parêntese aqui, ao comentar sobre a candidatura de Léo Áquila (6.515 votos). Em 2006, quando concorreu ao cargo de depu-tado estadual, disse uma vez no programa televisivo da Luciana Gimenez que teria ficado muito feliz se tivesse tido a oportunidade de trabalhar na Câmara Federal em Brasília. Vejam o tamanho da incongruência e desconhecimento político (como poderia ser eleito deputado estadual e trabalhar no planalto central?). E na campanha de 2008 lançara mão de outro erro. Veja na figura que mostra seu site.

Website de campanha Léo Áquila Vereador

Léo Áquila queria uma vaga na Assembléia Legislativa. Não seria a Câma-ra Municipal? Não conheço nenhum vereador que trabalhe na Assembléia.Um equívoco atrás do outro...

Website de campanha Kid Bengala Vereador

Kid Bengala (902 votos), ator pornô. O que ele teria de “substancial” a oferecer a seus eleitores?

Website de campanha Havanir Vereadora

Meu nome é Havanir (8.081 votos) , e não Enéas! Conhecida pelo bordão que a fez ser uma das deputadas mais votadas do país, foi “sepultada” nessa eleição. Em 2006 já perdera um pleito sofrível, utilizando-se de um carro, o “bat-havanir” que circulava pelas ruas dizendo “Meu nome é Havanir, meu número é tal”. Saiu do PRONA e foi para o PSDB, migrando depois para o nanico PTC – ex-partido de Clodovil. Nada feito, amargou mais uma derrota. E talvez a última de todas.

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Website de campanha Netinho de Paula Vereador

Netinho de Paula foi eleito com uma votação expressiva em São Pau-lo. Terceiro colocado nas eleições com 84.383 votos, o cantor que acredita-va muito em sua vitória, ficara estarrecido com o apoio abonado. Sua vitória teve enredo semelhante a de Frank Aguiar – carisma, identificação popular e a imagem de herói consolidada (o povo o escolhera). Um trabalho reconhe-cido dentro da periferia com ações nas comunidades mais carentes, com for-te penetração na cultura marginalizada. Minha intuição política é que ele sairá candidato a deputado federal em 2010 e será eleito com folga. É espe-rar e ver.

Website de campanha Oscar Maroni Vereador

Oscar Maroni (5.804 votos), o homem do Barramas! Essa campanha foi muito hilária. E misteriosa também, porque após analisar pontualmente seus objetivos e intenções políticas, não entendi aonde ele queria chegar. Seu bor-dão principal era “chega de hipocrisia”, em referência a uma possível “perse-guição” do governo municipal e parcela da imprensa aos seus negócios – uma casa de mulheres de fino trato na região de Moema. O local fora envolvido indiretamente no caso do acidente do avião da TAM em julho de 2007. Na ocasião, levantaram suspeitas de que o Hotel que Maroni estava construindo iria interferir significadamente na rota dos voos que descem no aeroporto de Congonhas. Ele se sentiu perseguido e decidiu lançar-se à política pela indig-nação das coisas mundanas.

As “Maronetes” se despiam no centro de São Paulo para divulgar o número do candidato. De forma improvisada, ele criou um palanque com uma caixa de madeira na região do viaduto do Chá.

Adesivo de Maroni. Uma campanha depreciativa ou alegórica?

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Website de campanha Dinei Vereador

“Quem é corintiano, vota em corintiano. Nunca vou te esquecer”. Esse era o tema da campanha do ex-jogador de futebol Dinei (22.732 votos). Ao contrário do jogador Túlio – que venceu a eleição de vereador em Goiânia – o paulista não conseguiu seduzir a fiel torcida. Presença constante nos jogos do timão na série B do campeonato brasileiro, (eu mesmo o vi três vezes no Paca-embu) tentou utilizar ao máximo esse movimento de “superação” corintiana como forma de trazer os torcedores para seu lado. Penso que se ele tivesse usado melhor sua imagem, gerenciado bem suas ações, poderia até ter che-gado lá (ou mais perto quem sabe). Teve o mesmo número de votos de Sérgio Mallandro. Ninguém pode jogar fora estes preciosos números...

(Foto: Gustavo Fleury)

Kombi do candidato-pagodeiro Luiz Carlos do Raça Negra (7.015 votos). Muitas pessoas cogitavam nas ruas que ele teria votação expressiva em fun-ção do carisma com o público, principalmente feminino. Entretanto, mais um artista que não conseguiu ligar a imagem, a simpatia e personalidade à figura do herói.

(Foto: Gustavo Fleury)

Trio elétrico “Chalitão” no comitê do candidato Gabriel Chalita (102.048 votos). A grande surpresa do ano, o mais votado de todos na eleição para

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vereador em São Paulo. Representante da Canção Nova, não precisou fazer muito esforço para chegar lá. Autor de vários livros, articulado e próximo do ex-governador Geraldo Alckmin – de quem foi Secretário de Educação – conseguiu angariar muitos votos pelo bom trânsito político e expressiva simpatia com o eleitorado. Quem estiver vivo em 2010, provavelmente verá este vereador ser eleito deputado estadual, federal ou senador. É a minha opinião. 2

C A P Í T U L O

RIO DE JANEIRO

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O início do jogo (ou quase)05.07 – Crivella (PRB) 26%, Jandira (PC do B) 17%, Solange Amaral (DEM) 10%, Eduardo Paes (PMDB) 9% e Gabeira (PV) 5%

“O apresentador do Balanço Geral da Record e primeiro lugar nas pesquisas para intenção de votos nas eleições munici-pais do Rio de Janeiro, Wagner Montes, desistiu de sua can-didatura a Prefeitura do Rio de Janeiro”. E assim começou

a campanha na Guanabara. Sim, isso mesmo. Começava com um fim, ou um fim em si mesmo. Com a desistência de um candidato que era potencialmente forte em votos, abriu-se espaço para o Bispo Crivella, que na época já estava em 2º lugar.

(Foto: divulgação)

Coincidentemente ou não o comunicador trabalhava (e ainda trabalha) na televisão cujo tio do bispo é proprietário. Havia também chances do pró-prio PDT ( partido da base aliada de Lula), coligar-se com o PRB de Crivella, – que era a verdadeira opção de Lula no início do jogo. Montes alegou que sua principal plataforma política era a segurança e pouco poderia fazer como

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prefeito – seu objetivo era o governo do Estado (e ainda é, ainda mais quando apresenta-se bem cotado em todas pesquisas). No final das contas, o PDT ficou com o deputado estadual Paulo Ramos e morreu nadando sozinho.

O reinado de Crivella. E sua derrocada24.07 – Crivella (PRB) 24%, Jandira (PC do B) 16%, Eduardo Paes (PMDB) 13% e Gabeira (PV) 7%

06.09 – Eduardo Paes (PMDB) 25%, Crivella (PRB) 21%, Jandira (PC do B) 12%, e Gabeira (PV) 8%

Marcelo Crivella começou radiante a campanha rumo à prefeitura do Rio de Janeiro. Favorito em todas as pesquisas iniciais, contratara Duda Men-donça para engendrar uma vitória que estava sendo desenhada há anos, em todas as campanhas que participara e que fora derrotado. Sua mensagem era simples em 2008 – “sou o candidato dos pobres e do Presidente Lula”. “Em seus discursos e andanças pelos periferia da cidade, dizia incessantemente que aquele era um momento de “da zona oeste e norte contra a sul”.

Durante o período pré-eleitoral houve toda uma movimentação de sua assessoria para projetar seu nome, o que incluía desde o projeto “Cimento So-cial”, até aparições em programas de televisão (principalmente na TV Record) e artigos em jornais cariocas que tentavam mostrar possíveis caminhos para as resoluções dos problemas da cidade. No entanto, assim como nas últimas eleições majoritárias (prefeito e governador), amargou uma queda vertigi-nosa nas pesquisas eleitorais. E o que parecia estar consolidado foi por água baixo (basta analisar os números apresentados acima).

Ao longo das eleições cariocas fiquei pensando com meus botões onde estaria a “genialidade” de Duda Mendonça em tudo que estava sendo produ-zido. No dia em que vi o site de Crivella (analisando as ideias, mensagens e textos) cheguei a conclusão que ele não poderia ir longe mesmo. Para piorar, seus programas de TV eram sem sal e açúcar. As únicas ações que tiveram o “dedo” de Duda foram ações xerocadas de campanhas anteriores. Inicialmen-te o jingle “Crivella lá”, uma cópia insossa da musica de Lula em 1989. Logo depois a tão aclamada “Carta ao Povo do Rio de Janeiro” (em referência ao texto criado em 2002 para Lula – “Carta ao povo brasileiro”).Um manifes-to no intuito de derrubar o preconceito sobre a ligação do candidato com a

Igreja Universal. Nela, constava a afirmação de que ele não seria o prefeito de uma instituição religiosa. E sim alguém que asseguraria a liberdade das pes-soas. No final das contas, quase nenhum resultado obtido o candidato teve. É nessas horas que enxergamos que o bom técnico não ganha necessariamente um campeonato. E não havia nada de errado em Duda. O momento não era para Crivella. Além disso, criou-se um entendimento na cabeça dos cidadãos do Rio que se ele chegasse ao segundo turno perderia a eleição – em função das seguidas derrotas que teve em 2006 e 2004. É o famoso voto útil. Muitas pessoas deixam de votar nos candidatos de sua preferência para não perder o voto. Processo semelhante ao de São Paulo, quando os eleitores de Alckmin colocaram suas fichas em Kassab – aquele que poderia vencer Marta Suplicy no segundo turno.

Website da campanha Marcelo Crivella Prefeito.

A maior rejeição entre o eleitorado carioca era algo difícil de “descolar”. Quem poderia acreditar em sua vitória? Somente ele e o Presidente Lula, que “minou” a eleição de seu apadrinhado direto, o deputado estadual André Molon. Contudo, ao perceber que o senador não atingiria o patamar eleitoral

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desejado, centrou suas forças em Eduardo Paes – fortalecendo ainda mais a parceria com o governador.

O crescimento de Eduardo Paes

(Foto: Wilson Dias/Abr)

Afinal, quem era Eduardo Paes? Um jovem com muita audácia nos olhos, experiência política no legislativo e executivo, dinamismo e carisma? Ou en-tão um político oportunista, possuidor de um currículo com muitas filiações partidárias, que vivia à margem de Sérgio Cabral e não representava nada de novo?

A definição para cada um dos lados é simplista e primária demais para entender este carioca de 38 anos de idade que conseguiu crescer de forma abrupta num cenário dominado por velhos cacifes. O certo é que para derro-tar Gabeira no segundo turno precisou utilizar táticas pouco éticas, deline-adas por uma premissa básica de que os fins realmente justificam os meios (quem sabe nem todas foram mesmo de seu agrado).

Embora tenha tido como aliados o presidente e o governador nesta cam-panha, não é possível tão somente delegar aos dois sua vitória. É necessário também posicionar Paes como um candidato pronto para vencer. E talvez um

vencedor mesmo. Vereador mais votado do país, deputado federal por duas vezes, Secretário Municipal do Meio Ambiente do Rio de Janeiro.Alguém que conseguiu estar à frente de um complexo projeto de execução as obras dos Jo-gos Pan-Americanos de 2007, no papel de Secretário Estadual de Turismo, Esporte e Lazer.

A questão central é que numa eleição ninguém ganha sem a vontade po-pular. E o pensamento de que o marketing político pode mudar a “imagem” de uma pessoa, seu conteúdo, suas posturas, é extremamente leviano, equi-vocado. As técnicas de comunicação e propaganda são apenas ferramentas para melhor conduzir o caminho de quem pleiteia um cargo político, ou mes-mo aqueles que desejam ampliar seu poder. O bordão “marqueteiro” é sempre mal empregado e já foi tema de muitas discussões nos fóruns de profissio-nais da área. O termo melhor empregado seria “cientista eleitoral” ou mesmo marquetólogo.

Programa eleitoral de Eduardo Paes apresentava os projetos para a área da saúde. (Reprodução: YouTube)

Um dos pilares de sua ascensão foram algumas ideias “plantadas no ima-ginário popular” (e bem pensadas) como a ampliação das UPA (Unidades de Pronto Atendimento) 24 horas que efetivamente conseguiram atacar um dos principais problemas da cidade – a gestão do setor de saúde, que de complica-da anteriormente passara à caótica. Novamente o pensamento de que é sem-pre imprescindível ao candidato, ao político, saber o que a população deseja do novo comandante e o que a prefeitura fará por ela.

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Website da campanha Eduardo Paes Prefeito.

Apesar da vitória considerável, não consegui enxergar nada de inovador nas estratégias de marketing político e na comunicação do candidato com a sociedade através da Internet (coube mesmo a Gabeira fazer o diferencial). Apesar disso tudo, seus programas de televisão e rádio eram muitos bem delineados, com um texto direto, franco e que pautava sempre a figura do governador e do presidente.

No início do pleito, escrevi um artigo na comunidade de marketing políti-co do orkut afirmando que ele seria eleito. Isso bem antes de Gabeira crescer e Crivella descer – a gangorra carioca. Paes era um candidato limpo, com sim-patia e com o apoio de Sérgio Cabral. Acrescentado a isso, podemos conside-rar as rejeições dos outros principais postulantes. Além de Crivella (já citado anteriormente), Jandira Feghali, Gabeira e Solange Almeida. A primeira por representar uma esquerda que a colocara “de escanteio” através da migração dos votos para o candidato verde. O segundo por algumas razões apresenta-

das neste livro e, também, pela visão da população sobre ele como alguém que se sobressai bem no legislativo, mas que não tem a imagem de bom exe-cutor, tocador de obras e realizador. Já a última, apesar de bom histórico e ideias interessantes, estava fadada a carregar o “enfraquecimento” do gover-no César Maia. O grande homem do Rio não poderia transmitir o que um dia possuiu – votos e mais votos.

E assim, Paes, que no início “patinava” nas pesquisas eleitorais, foi cami-nhando para uma grande vitória. Aos poucos conquistava a atenção, a sim-patia e a confiança da população do Rio de Janeiro (sobretudo a classe baixa, como podemos visualizar nos dois arquivos- texto e mapa. Principalmente este último, que evidencia espacialmente esta diferença de votos).

MAPA ELEITORAL DO RIO MOSTRA CIDADE DIVIDIDA ENTRE RI-COS E POBRESFolha de São Paulo – 27.10.08

ANDRÉ ZAHARColaboração para a Folha Online, no Rio

O mapa eleitoral do Rio de Janeiro no segundo turno revela uma cidade dividida. Enquanto o candidato derrotado à prefeitura Fernando Ga-beira (PV) ganhou com folga nas partes mais ricas do município (zona sul e área mais próspera da zona oeste), o prefeito eleito Eduardo Paes (PMDB) foi o mais votado nas áreas com piores indicadores sociais e econômicos (zonas norte e suburbana e zona oeste pobre).

Derrotado por uma diferença de 55.225 votos, Gabeira registrou na zona sul 70,31% dos votos válidos (302.670 no total), contra 29,69% (127.790 votos) do peemedebista. A área – que abrange Copacabana, Ipanema, Leblon e outros bairros de classe média e alta– equivale, po-rém, a apenas 13,45% do eleitorado da cidade.

A zona sul também registrou os maiores índices de abstenção (25,69% do eleitorado, contra uma média de 20,25% da cidade) – o que pode ter prejudicado o candidato verde. Um total de 158.172 eleitores – quase três vezes o número de votos que deu vitória a Paes – não compareceu para votar.

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Em outra área nobre do Rio, a região da zona oeste que inclui Barra da Tijuca, Recreio, Itanhangá e Alto da Boa Vista, o verde também foi vitorioso. Ali, onde se concentra 1,63% do eleitorado total do Rio, ele recebeu 65,46% dos votos válidos, contra 34,54% do adversário.

Paes, em compensação, levou vantagem na zona oeste menos desen-volvida, região que corresponde a 33,62% do eleitorado do Rio. Com 668.221 votos, o candidato do PMDB derrotou Gabeira por uma di-ferença de 187.804 votos. O verde obteve 480.417 votos. Na conta-gem de votos válidos, portanto, Paes teve 58,23% contra 41,77% de Gabeira. Obteve também uma vitória na região suburbana, que repre-senta 40,63% do eleitorado total do Rio. O prefeito eleito conquistou ali 54,97% das preferências (744.353 votos), contra 45,03% (609.811 votos) de Gabeira. Na outra região da zona norte, que representa 8,13% dos eleitores do Rio, Gabeira venceu por 63,69% a 36,31%. O centro, com 2,54% dos eleitores, também deu vitória ao verde: 50,79% a 49,21%.

Mapa eleitoral que representava nitidamente a diferença geográfica dos votos de Paes e Gabeira.(Fonte: Portal Estadao.com.br)

A ascensão de Gabeira e a “onda” verde30.09 – Paes – 29%, Crivella 18% e Gabeira 15%

Quando muitos acreditavam que o debate estava polarizado entre Jandi-ra e Paes e que a queda de Crivella era algo expressivo, surgiu um então candi-dato “nanico” que por muito tempo fora desacreditado nas eleições cariocas. Seu nome, Fernando Gabeira.

Veja mais em http://www.flickr.com/photos/gabeira-43(Foto: divulgação)

Entender as razões pelas quais sua campanha cresceu nas ruas é anali-sar um momento que o Rio de Janeiro viveu de forma intensa. Na verdade um movimento de duas correntes. Inicialmente a escolha de um candida-to que representasse (ou que transparecesse) ética, pluralismo de pensa-mentos e sinceridade. Do outro lado, uma indecisão sobre os atores políti-cos que se apresentavam como sucessores de César Maia. Quem escolher? Crivella, Gabeira, Jandira ou Paes? Isso sem contabilizar os outros candida-tos, que não são menores como pessoas ou políticos (longe disso), mas que não são citados nesta obra em função de não atingirem um patamar elei-toral mínimo.

Foi aí que juntadas essas duas circunstâncias e a efetiva penetração ideo-lógica do Verde nos confins do Rio, Gabeira experimentou localmente o mes-mo sentimento que vivera em 2006, após o confronto direto com o ex-presi-

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dente da Câmara Severino Cavalcanti. Um verdadeiro êxtase e uma completa repaginação política.

Digo nestes termos porque podemos comparar (de forma grosseira) o ho-mem Gabeira com as sandálias havaianas. Os dois sofreram um mesmo proces-so. Ambos estavam no “exílio” e ressurgiram como verdadeiros “gigantes mi-diáticos”. Ambos não modificaram em nada sua essência. Uma sandália é uma sandália e o Gabeira é o mesmo de sempre – analítico, incisivo, introspectivo e questionador. No entanto, o “produto” e o “ser político” foram reconstruídos, redesenhados e reapresentados. Quem não se recorda da imagem que todos ti-nham destas singelas sandálias anos atrás? Elas não cabiam à alta e média classe social. Hoje, apresentam cores e modelos diversos, vendidas em muitos países.

Gabeira, o homem combativo, exilado na ditadura, que conviveu com to-dos os percalços da vida, sempre teve o carimbo maldoso da sociedade – ora aclamado de homossexual, ora reacionário, ora ecólogo pelego, ora usuário de drogas. Todas estas definições justamente por defender um posicionamento diverso do país sobre questões antes intocadas, que criavam embate na “pa-ralisia mental” dos velhos políticos.

E o evento ocorrido na Câmara dos Deputados em 2005, quando sucum-biu da tribuna para fazer um enfrentamento ao então presidente da Câmara, o tornou num mártir – por extravasar o sentimento de toda uma sociedade naquele momento. Nas eleições de 2006, pude acompanhar de perto um fe-nômeno talvez nunca antes visto no país. Pessoas de estados diferentes que-riam depositar seu voto em Gabeira, mesmo sem saber que a legislação não permitisse tal ação. Talvez aí tenha sido a primeira “onda verde brasileira”.

Desde o início de 2008 acompanhei através da Internet as ações do can-didato – reuniões, artigos, fotos de eventos, propostas e outros mais. E fiquei pensando aonde ele chegaria. O ex-guerrilheiro das ideias inovadoras ao mes-mo tempo em que tentava conquistar o voto dos conservadores, intensificava seu contato com a pluralidade – jovens universitários, artistas, sindicalistas, entre outros grupos da sociedade. Como muitos, pensei que tudo aquilo so-mente renderia bons frutos para consolidar uma futura vitória, uma possível reeleição à Câmara ou então uma escalada mais longa ao Senado.

Gabeira sabia que não poderia desprezar o poder de apoio da classe mé-dia. Além de ela ser cada vez mais numerosa e expressiva no país, foi funda-mental para o crescimento dessa campanha. Assim como em São Paulo, no Rio estudantes, engenheiros, bancários, comerciantes e aposentados foram importantes para que o segundo turno ocorresse, e fosse ampliada a discus-são entre duas vertentes extremadas.

No entanto, o grande problema foi atingir aqueles que não tinham acesso ao site do candidato, seus materiais coloridos e alternativos. Atrair as pessoas que não entendiam as mensagens transmitidas através do programa eleitoral no rádio e na televisão. Nesse ponto Paes se sobressaiu, não só pela simplici-dade na fala, um texto bem alinhado, palavras diretas e que demonstravam firmeza, segurança por parte do candidato (além das outras qualidades aqui já comentadas). E aí é que incide o verdadeiro valor do poder político da In-ternet. Num país em que muitas pessoas ainda não têm acesso a este serviço, é muito difícil construir uma “campanha virtual”. Ou seja, ela é necessária, mas não pode ser considerada somente como “causa”, e sim como ferramenta de uso do candidato para transmissão de pensamentos, projetos, motivação, persuasão, aproximação com a imprensa e quem sabe até arrecadação de re-cursos (tema discutido na nova legislação eleitoral que tramita no Congresso Nacional).

E se o candidato verde já tinha problemas de comunicação e identificação com a periferia, eles se acentuaram no decorrer do tempo por algumas ações infelizes que foi protagonista. Algumas até hoje não tão críveis, mas que des-pertaram a atenção daqueles que se sentiam “marginalizados”. Paes explorou como pode isso, ampliando e ecoando a todos. Apesar de todos os pesares, o final do primeiro capítulo aproximou muito um do outro. Começava então a batalha final.

FIM DO PRIMEIRO TURNOEduardo Paes 31,98%, Gabeira 25,61%, Crivella 19,06% e Jandira 9,79%,

As brigas e as gafes25.10 – Eduardo Paes 51% e Gabeira 49%

Como nem toda eleição é uma calmaria do começo ao fim, restou a Fer-nando Gabeira um fim trágico e ao mesmo tempo apoteótico. Acabamos as-sistindo em 2008 a campanhas, como de Marta e Paes, que criaram um cal-do de insinuações preconceituosas de caráter sexual, calúnias publicadas em panfletos clandestinos e o uso ostensivo da máquina pública.

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Imaginava-se que o segundo turno no Rio daria lugar a um debate de alto nível, mas lá também a campanha descambou para a baixaria. O alvo acabou sendo o candidato verde, cujo desempenho surpreendente tirou do sério a campanha de Eduardo Paes. No início do segundo turno, o Datafolha apre-sentava Gabeira com 44% das intenções de voto, contra 42% do peemedebis-ta. Um dos momentos de maior tensão foi quando folhetos foram distribuí-dos acusando o candidato verde de discriminar os suburbanos. O objetivo era explorar uma fala de Gabeira. Numa suposta conversa ao telefone (e ouvida por jornalistas), ele se referia à vereadora Lucinha (PSDB) como uma “anal-fabeta política que tinha uma visão suburbana”. E a notícia ao cair no colo de Paes, foi utilizada de forma abrangente justamente nos bairros conhecidos como “subúrbios” (principalmente a Zona Oeste da cidade).

Além disso, o peemedebista produziu uma passeata cujo tema era “fora Gabeira”, entregando panfletos com dizeres pejorativos a respeito do candi-dato verde. Outros entraves existiram entre os cabos eleitorais dos dois can-didatos. De brigas pontuais e outras mais generalizadas – batalhas campais e outras virtuais como as frases enviadas pelos celulares de torcedores nos telões do estádio do Maracanã – “O subúrbio merece respeito”.

O FIM DA POESIAÂngelo da Ciawww.angelodacia.blogspot.com

Como diria Zé Trindade, “O que é a natureza?”. Gabeira perdeu por 55.000 votos, num mundo de mais de 927.000 abstenções e na princi-pal polêmica do primeiro turno, a vereadora Lucinha, a mais votada da cidade, teve 60.000 votos...

Porém, independente do resultado, o modo Gabeira de fazer política veio pra ficar e sai fortalecido desta eleição, principalmente dois itens: utilizar bem a ferramenta internet e não sujar a cidade. Acredito que não agredir adversários também seja correto, desde que você não seja agredido por um deles. Vejam como é sujo o meio da política: ao final do primeiro turno, quem levantou a bola de que Eduardo Paes era um “duas caras” por bater em Lula na CPI dos Correios e agora bradar aos quatro cantos que este estava lhe apoiando foi Jandira Feghali. E quem

foi ao palanque do segundo turno pedir votos para Paes? Pasmem, a mesma Jandira Feghali...

E o pior não é isso. Jorge Picciani e Sergio Cabral são os dois maio-res caciques do PMDB no RJ e o PMDB apoiaria o candidato do PT (Alessandro Molon) na cidade maravilhosa. Porém, como o PT lançou candidato próprio em Queimados, contrariando um acordo com Jorge Picciani, o PMDB decidiu lançar candidato no Rio de Janeiro e Sergio Cabral fez com que Eduardo Paes, então no PSDB (partido que apoiou Gabeira), trocasse de partido um dia depois do prazo exigido pela Lei Eleitoral e se filiasse ao PMDB para disputar a eleição carioca.

Esse mundo da política é mesmo muito sujo. Fico triste pela sua der-rota, Gabeira, mas acho que foi melhor assim. O futuro prefeito já des-cumpriu duas promessas de campanha, sem nem mesmo assumir o car-go... São 83 promessas em seu plano de governo, estaremos de olho!

Propositalmente me abstive de opinar sobre as eleições municipais do Rio. Nunca fui ao Rio, não sei dos pormenores da política local e, tal como Gabeira, não conheço as linhas de ônibus cariocas. Aliás, eu sempre fico em dúvida se os moradores da cidade são cariocas ou flu-minenses, uma vez que o futebol de lá tem seu campeonato estadual com o nome de “Campeonato Carioca”, que com nosso menosprezo e arrogância típica de paulista chamamos de “Carioquinha”.

Tendo em conta esta minha ignorância, somado também ao oba-oba midiático em torno de Gabeira, coisa jamais vista por estas bandas, fiquei aqui quietinho fazendo figa pela vitória do ex-terrorista e ex-petista. E quais seriam os motivos desta torcida?

Por mais que eu ficasse com vergonha alheia ao ver jornalistas sérios agirem infantilmente antes, durante e após as eleições em análises pró-Gabeira, minha torcida por Gabeira se devia por princípios que conside-ro relevantes na hora de decidir o meu voto. E dentre eles não está ja-mais o que moveu muita gente de tudo quanto é canto do Brasil meter o bedelho sobre as eleições paulistanas: Eu não pensava em o quanto Ga-beira fortaleceria Serra ou enfraqueceria Lula, nada disso. Tal como dis-se Gabeira na eleição à presidência da Câmara em que votou por Thomaz

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Nonô contra Aldo Rebelo (causou espanto à época entre as rodinhas de esquerda esta opção ), também acredito que o embate fundamental na política hoje não se dá entre esquerda e direita ou nós ( não petistas ) contra eles ( petistas ). A grande guerra hoje é entre os oportunistas, os sem-caráter, frente aos que têm um mínimo de retidão moral.

Não é preciso ser carioca para ler na história política de Eduardo Paes um caminho errante e de oportunismos mil! De cria de César Maia, debandou-se ao PSDB onde ocupou importante cargo na Executiva Nacional, usando desta importante função como bilhete de entrada no rol dos mais importantes parlamentares. E assim ocupou o seu devido papel no CPMI dos Correios! Eu acho que ele agiu corretamente àque-la época, já ele diz que não é bem assim: Em qualquer das hipóteses para ele assumir este “erro”, sobressai-se um político inescrupuloso! Ou ele foi inescrupuloso ao fazer acusações infundadas na esteira do Mensalão, ou é um sem-vergonha agora ao negar as suas convicções de outrora apenas para obter o apoio presidencial.

Fico um tanto, bem pouquinho mas um tanto, preocupado quando vejo pessoas demonizarem a priori tudo o que é relacionado ao PT. A verdade é que o PT é sim o grande mal na política hoje do país, mas apenas porque aparelhou o estado definitivamente e de cabo-a-rabo por vencer o poder central. Somando-se isto à noção de bando e de-voção canina ao Partido que têm, há então esta mistura explosiva que resulta na deterioração institucional e política brasileira. Hoje o PT é o carro-chefe do que há de pior na política, mas isto não impede enxer-gar aqui e ali políticos que, com o mesmo poder, seriam iguais ou até piores do que o que temos. Olhando para Eduardo Paes, seus métodos, sua campanha e sua luta sem pudores pelo poder, chega a dar medo do futuro político deste novo prefeito do Rio.

Não acho que o voto nulo seja uma covardia ou omissão, até porque eu mesmo me neguei a votar nos candidatos a prefeito de minha cida-de, via nos principais postulantes os mesmos vícios e a mesma origem maléfica... Terá sido este o caso no Rio? Além das abstenções, foram muitos votos nulos/em branco! Diferente dos colunistas-torcedores, não creio que a abstenção tenha sido fundamental ( entre primeiro e segundo turno, houve um crescimento de 3%: Para virar a eleição nes-

tes novos ausentes, Gabeira deveria fazer uma diferença muito grande, para lá de 70% destes votos ), é apenas um ingrediente a mais e até um bom bode expiatório. Tudo bem que Gabeira também já mudou algumas vezes de partido, mas é preciso errar muito e ser muito cara-de-pau para se igualar à carreira de Paes. Até porque Gabeira quando saiu do PT ele justamente se afastou do grupo do poder, ao contrário de Paes, cuja bússola só aponta para os caixas do estado.

Passado o oba-oba da campanha, está claro que Gabeira era um candi-dato-conceito muito mais do que a promessa de um bom gestor. Infe-lizmente, neste caso, a população do Rio optou por um candidato que não tem conceito de nada, que como diz o chavão dos nossos tempos, quer o poder pelo poder e não liga para os meios empregados nesta luta. Tem lugar melhor para alguém assim do que ao lado do sucessor de Garotinho e do presidente Lula?

O resumo da ópera na GuanabaraEduardo Paes (PMDB) – 50,83 % Gabeira (PV) – 49,17 %%

As eleições de 2008 para a prefeitura da cidade do Rio de Janeiro reser-varam emoções até o último instante. A disputa foi tão acirrada que nenhu-ma pessoa em sã consciência poderia imaginar o resultado final. Nem mesmo quem estivesse acompanhando a contabilização dos votos, nem mesmo os pró-prios candidatos e suas assessorias. Finalizado o pleito, duas certezas. Eduardo Paes seria o futuro prefeito e Gabeira sairia muito mais forte do que entrara.

A vitória de Paes mostrou sem dúvida dois lados que em algum lugar do in-finito se cruzam. Primeiro, a questão ideológica – o voto conservador do eleito-rado do peemedebista carioca que um dia elegeu o rebelde Brizola e que colocou um ex-guerrilheiro e defensor de temas polêmicos no segundo turno. O segundo ponto, de ordem fisiológica, com o uso indiscriminado das máquinas estaduais e federais – a chamada “parceria”. O esforço contínuo de ligar a imagem de Lula ao peemedebista, tentando assim mostrar que o Rio de Janeiro sairia do isola-mento político. Leia-se César Maia e sua oposição democrata (o que nada diz so-bre a eficácia ou não de um governo, uma vez que a prefeitura de São Paulo – nas mãos da oposição à Lula – é um dos maiores receptores de recursos federais).

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Gabeira trouxe artistas em seus programas eleitorais para apoiá-lo. No entanto, este era apenas um apoio que sensibilizava a Zona Sul. Reforçava-se aí mais ainda a figura de candidato “burguês”.

Para Eduardo Paes, que já havia transitado pelo PMDB, PFL, PSDB e até PV e que aos 23 anos tinha assumido a subprefeitura de Jacarepaguá e da Barra, nada estranho em pensar que um dia chegaria mesmo ao posto máxi-mo do executivo municipal.

Entretanto, pelear com um político simbólico como Gabeira e que fez uma campanha completamente fora dos padrões normais, não foi nada fácil e deixou marcas em sua imagem de bom moço. O que se percebeu, no entan-to, é que o próprio Paes não se sentiu totalmente confortável com as armas utilizadas para minar a contínua subida de seu adversário. Mas talvez eram as únicas que dispunha.

Seu futuro político é ainda incerto, assim como a avaliação de seu go-verno que começou há pouco tempo. Contudo, é evidente que o “Choque de Ordem” (programa cujo objetivo é combater a desordem urbana, retirando moradores de rua, o comércio ilegal, crianças abandonadas, motoristas in-fratores e sem documentação, entre outras irregularidades) , foi idealizado com os olhos voltados para o sucesso que o prefeito Kassab teve com seu “Cidade Limpa”. E até o prezado momento (agosto de 2009) , grande parcela da população carioca tem aprovado este que deve ser um projeto piloto para as metrópoles.

A grande questão é o tratamento para com os desabrigados, indigentes, menores de rua, que não podem ser simplesmente “afastados” da Zona Sul.

Será necessário fazer com que estas pessoas possam ser ressocializadas atra-vés atendimentos médicos, psicológicos (e até pedagógicos) qualificados, assim como um possível retorno ao ambiente familiar ou um local de bom acolhimento. Tarefa nada fácil.

É de considerar também que os deslizes e as gafes de Gabeira contribuí-ram também para uma pequena e ligeira queda no momento mais importan-te da campanha.

(Foto: Wilson Dias/Abr)

Porém nada foi mais perverso do que o feriado editado pelo governador Sérgio Cabral no limite do tempo, decidindo marcar o dia do Funcionário Público (um feriado tradicionalmente móvel) para segunda-feira, dia 27 de outubro – 24 horas depois do segundo turno da eleição para prefeito. Criou-se então um feriadão, com uma eleição no meio, para fabricar uma abstenção expressiva. E os números das urnas deixaram bem claro isso. Aproximada-mente 20% do eleitorado “fugiu” da cidade em direção ao interior. Justamen-te o público eleitoral de Gabeira – aquilo que o candidato contabilizava como diferencial na reta final (as classes média e alta).

Mas para Gabeira, o maior objetivo foi atingido. Provar que era possível chegar lá. Para quem iniciou a campanha com menos de 4% das intenções

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de voto (sem respaldo de nenhum governo), precários recursos financeiros e totalmente embolado com os outros adversários; o segundo lugar foi uma acachapante vitória.

Ninguém poderia acreditar que um candidato que saiu praticamente do zero chegaria tão longe – sem contar os rumores pós-primeiro turno que di-ziam que ele seria facilmente batido por Paes no segundo round.

Ele provou que era capaz fazer uma campanha política correta, sem acu-sar ou denegrir ninguém, com simplicidade e tecnologia. Pecou em alguns pontos, mais foi ousado e utilizou a Internet como ferramenta de dissemi-nação de ideias e pensamentos. Apesar de não ter as mesmas ferramentas e orçamentos de Kassab, fez desta uma eleição inovadora. Em vez de papel, utilizou-se da tecnologia, fomentando um debate que nunca fora visto antes. Flickr, YouTube, fórum de discussões, interatividade e participação dos in-ternautas, notícias atualizadas com comentários, um blog bem desenhado e com um movimento de persuasão e envolvimento com vídeos de apoio. Além de três grandes iniciativas - o uso do Google Maps (determinando as regiões da cidade, seus problemas e possíveis soluções – mais à frente apresentado neste livro). A criação de uma rede de voluntários, que cresceu enormemente, tendo como ensejo a campanha americana de Barack Obama. E por fim, foi também o primeiro candidato a publicar em seu site o nome dos doadores e os valores recebidos.

Por estas e outras razões, o candidato verde conseguiu, apesar de todos os pesares e deslizes na reta final, sair muito mais forte do que entrara. E me-lhor do que isso, conseguiu ampliar seu espectro eleitoral, demarcando bem o “território político” para os próximos anos. Veja a seguir alguns textos que mostram este movimento e, também, uma iniciativa curiosa e audaciosa de Eduardo Paes já como administrador público do Rio de Janeiro. Vale a pena ler e poder vislumbrar bons motivos para enxergar nele um visionário.

GABEIRA É VISTO COMO PEÇA-CHAVE PARA 2010AE – Agencia Estado – 28.10.08

Qualquer que seja seu caminho agora, o candidato derrotado da Frente Carioca (PV-PSDB-PPS) à Prefeitura do Rio, Fernando Gabeira, será peça-chave para as eleições de 2010 no estado, avaliam políticos que o apoiaram na disputa de 2008. Uma possível candidatura a governador, a senador e até a vice-presidente na chapa de José Serra (PSDB) à Pre-

sidência são algumas alternativas levantadas para o futuro político do parlamentar, que perdeu por apenas 55.225 votos para Eduardo Paes (PMDB).

No campo verde-tucano fluminense, ninguém quer desperdiçar o patri-mônio político acumulado pelo candidato – 1.640.970 votos, 49,17% dos válidos, e uma invejável exposição à mídia. Entre verdes, tucanos e integrantes do PPS, o chamado de Gabeira às forças que o apoiaram para uma mobilização anti-dengue, anteontem, foi interpretado como sinal de que o parlamentar pretende ser um ator importante na próxi-ma eleição, talvez concorrendo a algo mais que apenas uma reeleição para a Câmara dos Deputados. Antes de admitir oficialmente a derrota, no domingo, Gabeira expôs a ideia a aliados.

“Conversei com ele por telefone”, contou a vereadora Andréa Gouvêa Vieira (PSDB). “Ele disse para continuar o movimento, juntar a socie-dade civil, a iniciativa privada, entrar nessa questão da dengue, melho-rar o Rio de Janeiro. Então, acho que tem aí, sim, uma caminhada para frente, para 2010”.

DOIS “OBAMAS”: GABEIRA E KASSABArnaldo Jabor

Nos velhos tempos do Partidão, o PCB, havia o conceito de “massa atrasada”. Assim eram chamados os militantes que ainda não eram ba-tizados pelas luzes salvadoras de Lenin ou Stalin, para fazer com fé e preparo a “revolução brasileira”, esse milagre que nunca chegou. Hoje, a “massa atrasada” continua sendo o alvo da velha política brasileira e une tanto o populismo de direita do Rio como o populismo de esquerda de São Paulo. No entanto, as eleições para as prefeituras de São Pau-lo e do Rio talvez inaugurem uma nova lucidez política pelas “massas atrasadas” ou massas iludidas ou massas do “chopinho” ou massas de manobra de supermercados evangélicos. É uma ilação arriscada, mas o fenômeno Barack Obama, com seu bordão de “mudança”, pode ter uma sutil influência nas prováveis vitórias de Gabeira e Kassab. Há algo novo nesta disputa; estamos entendendo que a competência de uma administração pública é mais importante que ideologias, que a

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eficiência presente conta mais do que o velho conto do vigário do “fu-turo”; gestão, em vez de revolução. Bush sujou o nome da América e Obama nasce desse vexame de oito anos. 

Gabeira e Kassab podem ser dois “obamas”. Este artigo é uma adesão explícita aos dois candidatos, não porque prefiro branco ou preto, “fla ou flu”, fulano ou sicrano, mas porque sou um cidadão preocupado com o delicadíssimo momento da vida brasileira, em que práticas maléficas por roubalheiras cariocas e utopias paulistas têm de ser apontadas. Há semelhanças entre Gabeira e Kassab. Gabeira pode desconstruir uma velha mentira carioca e Kassab, uma recente mentira paulista. Gabeira será uma interrupção nas décadas da sordidez populista que regem o Rio, será um “break” nos resquícios de chaguismo, de moreirismo, de brizolismo, de garotismos e da grande anomalia que foi César Maia, o prefeito que virou blog. Além da política, Gabeira é uma mudança cultural. Em São Paulo, o perigo era outro (creio que afastado): se Mar-ta fosse eleita, a cidade congestionada de problemas urgentes seria apenas um trampolim ideológico para fortalecer o PT nas eleições de 2010, para o que restou da gangue bolchevista que o salvador Jefferson devastou. Os petistas sempre desconfiaram da democracia “burguesa”, usando-a como um “meio” para chegarem a um poder enfeitado pelas jóias falsas de um socialismo imaginário.

E pior: como se acham “acima” do mundo “burguês”, podem cometer todas as sacanagens, justificadas pelo “ideal”: acham que o mensalão foi necessário, pois assim funciona o sistema burguês, que as alianças mais sujas são inevitáveis e têm até uma visível volúpia “revolucioná-ria” (quase sexual) em se aliar com o mal em nome do bem. Fingem ignorar crimes políticos, como vimos nos últimos anos. Sindicatos acabam de provocar quase uma invasão do palácio do governo de São Paulo, sob o comando de Paulinho da

Força, usando a Polícia Civil para dissolver as acusações que pendem sob si; Lula pode defender Marta, depois de sua gafe contra Kassab, dizendo que ela é que é vítima de preconceito, como ele foi por não ter diploma, tática tradicional do PT desde que entrou no poder: a vítima é o réu ou vice-versa. Kassab é a vitória do útil, do concreto sobre o abs-trato porque, se o Rio foi corroído por décadas de corrupção, moleza e

burrice, São Paulo é visto pelo PT como um “meio” para algo mais que não está ali. 

Para eles, a democracia não é um fim em si mesma. E as prefeituras também não. Vêem com desprezo o conceito de “administração”, que acham algo “menor”, até meio reacionário, pois administrar é manter, preservar, em suma, “coisa de capitalistas”. Kassab pensa no presente. Sua ideologia vem das coisas, das ruas, dos meio-fios, dos centros de-gradados pelo “crack”, vem dos imundos “outdoors” que enfeiavam a cidade, veio da clareza de que São Paulo precisava ser limpo, que re-ca-pear 1.300 km de estradas é mais importante que bravatas ideológicas, que pavimentar periferias é mais “de esquerda” que chorar pela sorte dos miseráveis, que subprefeitos têm de ser técnicos e competentes, em vez de “comissários do povo” pelegos enfurnados em “boquinhas” do Estado. Gabeira eu conheço há 40 anos. E não é por isso que voto nele, pois também conheci muito vagabundo nesse tempo. Gabeira vai além de partidos ou ideologias fixas. É uma pessoa em transe. Houve vários “gabeiras”. Na ditadura, sua passagem pela luta armada teve a marca da imaginação – o caso do embaixador norte-americano inovou métodos em toda a esquerda mundial. 

Exilado, atualizou-se no exterior, percebendo outros níveis de luta po-lítica que agregavam comportamentos sociais, sexuais, ecologia, direi-tos humanos e a realidade do mercado. Em suma, ele entendeu que o pensamento político “dedutivo”, genérico, não levava a nada, que ideo-logias têm de surgir dos fatos a resolver e não o contrário. Sempre teve uma visão quase “artística” da política, até o dia em que botou o dedo na cara do Severino Cavalcanti, aquele que levava bola dos garçons do restaurante da Câmara e que Lula não teve vergonha de apoiar agora. No Brasil de hoje, pós-ideológico, emergente, as prefeituras têm um papel purificador. Podem ser as células-tronco de um pais infecciona-do pelo clientelismo e pelo aliancismo torpe. As prefeituras são labo-ratórios de democracia e imaginação criadora. Artistas e intelectuais cariocas têm de se mexer agora, botar a boca nas ruas, pois a vitória de Gabeira ainda não é certa. Gabeira e Kassab tem de ser eleitos... Não apenas para melhorar as cidades a que presidirão, mas para haver um sopro de oxigênio na velha esquerda ou na velha direita, que, como escreveu Norberto Bobbio, se igualam pelo ódio à democracia.

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EDUARDO PAES USA NO RIO ‘’CÉREBROS PAULISTAS’’Prefeito carioca cria ‘’usina de ideias’’ com jovens do setor privado e busca soluções diferenciadasEstadão – 14.07.09Alexandre Rodrigues

O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), está importando cérebros de São Paulo para traçar estratégias para a administração. Quando precisa formatar projetos ou encontrar inovações para reorganizar órgãos da prefeitura, logo decreta: “Quero um ?japonês? na reunião!” Convoca-se um dos três jovens paulistas de origem oriental, coisa rara entre os cariocas, que integram uma espécie de usina de ideias na Casa Civil. A missão deles é ouvir os problemas, seja de que área for, e bolar solu-ções.

Fábio Sakamoto, de 29 anos, Paulo Andrade e Fabiano Tiba, de 27, são um retrato do investimento de Paes em uma nova geração de gestores oriundos da iniciativa privada com formação multidisciplinar, que está mudando a cara da administração municipal carioca. Há dois meses, a administradora Renata Maragno, de 30 anos, trocou São Carlos (SP) pelo Rio para reforçar o time.

Em meio a uma equipe de 20 pessoas, cuja faixa etária vai dos 22 aos 45 anos, eles arregaçaram as mangas e já marcaram gols como parce-rias com a iniciativa privada, projetos como a revitalização do Porto, o remodelo da companhia de limpeza, a unificação de ouvidorias, metas para a educação. Em agosto, finalizam um ambicioso plano estratégico, com metas para o Rio até 2020.

Lançados em áreas estratégicas para Paes, da saúde ao transporte, eles avaliam o cenário, organizam ideias dos servidores, cotejam experi-ências similares, identificam oportunidades e apresentam um plano da ação. “Nosso papel é estrutural. Ajudamos o gestor a organizar e concretizar o que está na cabeça deles”, resume Tiba, engenheiro de computação com mestrado no Canadá.

“O prefeito não abre mão de um japonês nas reuniões. E cada um aqui quer ter o seu”, conta o secretário-chefe da Casa Civil, Pedro Paulo Car-

valho, que mantém Andrade sempre por perto. “Cada um tem seu ta-magochi. O meu ?japonês? é melhor que o dos outros”, provoca o sub-secretário, Marcelo Falhauber, que tem Tiba como assistente. Para as missões, Carvalho exige que os “japas” se apresentem de terno. “Com essa cara de jogadores de videogame, ninguém dá crédito, né?”

Na sala onde instalou o cérebro da prefeitura, Paes une jovens qualifi-cados do setor privado com técnicos experientes do quadro da prefei-tura para acelerar resultados. O modelo é parecido com o do primeiro mandato do ex-prefeito Cesar Maia (1993-1996), que projetou novos políticos como o próprio Paes e executivos como Maria Sílvia Bastos Marques, que dirigiu companhias como CSN e Icatu depois de passar pela Secretaria de Fazenda.

Com o limite salarial do setor público, que a iniciativa privada não tem, a experiência na gestão pública é o que atrai os jovens executivos para a prefeitura. O canto da sereia de Carvalho é a promessa de que pretende formar uma vitrine exemplar de gestores e projetos bem-sucedidos. “Eles estão aprendendo aqui numa área que está crescendo no mundo inteiro.”

EMPREGO NA HORA

De olho no crescimento dos países em desenvolvimento, Sakamoto de-cidiu, em passagens profissionais em Hong Kong, Cingapura e Moçam-bique, direcionar sua carreira para a gestão pública. “Profissionais com essa experiência serão cada vez mais atraentes. Não fechamos a porta do setor privado. Todo mundo aqui, pela qualificação, consegue empre-go na hora. É um risco que dá para assumir”, diz Sakamoto, formado em administração pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Para Andrade, eles e a prefeitura ganham. “O setor público não busca o lucro, mas o que a gente traz da iniciativa privada é o foco em resulta-do”, diz o engenheiro químico da USP, com MBA da FGV. “O que mais me atraiu foi o impacto que poderíamos causar para a população. Ao contrário do que esperava, encontramos aqui a mesma energia para fa-zer as coisas acontecerem. Estamos muito perto do prefeito para levar as ideias”, empolga-se Tiba, que não fica chateado com apelidos que os

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chefes criam. “Trabalhar com carioca é diferente. Há uma descontração que dá mais leveza ao trabalho.”

O clima não significa que prevaleça a imagem de que cariocas gostam menos de trabalho do que os paulistas. O próprio prefeito carioca dá o tom: madruga no gabinete e é dos últimos a sair. E todo mundo se-gue o ritmo. Por outro lado, viver no Rio alivia o estresse crônico dos workaholics de São Paulo. Instalada em Copacabana, Renata aproveita a vista correndo no calçadão antes de ir para o trabalho. “Tinha acaba-do de sair do mestrado na USP quando recebi o convite. Fiquei empol-gada com os projetos, mas também pesou bastante a chance de morar no Rio. Não sabia que era tão bom morar perto do mar.”

Mais à vontade no perfil de carioca esportista, Sakamoto aproveita a natureza da cidade e ganha fôlego para a maratona de trabalho peda-lando todas as manhãs da Gávea até a Vista Chinesa, na Floresta da Tijuca. E se empenha em desafiar o sedentário prefeito a acompanhá-lo. Já Andrade adora como os cariocas aproveitam a informalidade dos botecos para se reunir. Tiba estranha quando visita São Paulo: “Fico muito, muito estressado com o trânsito”, queixa-se.

3C A P Í T U L O

BELO HORIZONTE

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E ela quase chegou lá24.07 – Jô Moraes (PC do B) 20% , Leonardo Quintão (PMDB) 9% e Márcio La-cerda (PSB) 6%

Se a vitória de Kassab em São Paulo foi algo totalmente inesperado, fechem os olhos das crianças na sala. Em Belo Horizonte, a campanha poderia ter todos os adjetivos possíveis – misteriosa, pragmática, instável etc. Mas nenhum deles conseguiria decifrar o que a capital

mineira viveu em 2 ou 3 meses – uma verdadeira gangorra. O que parecia ser fatalístico no início, a permanência do candidato do governo no final da lista dos postulantes a prefeito – tornou-se um pão de queijo indigesto para mui-tos peemedebistas consagrados, como o ministro Hélio Costa e o ex-senador Nilton Cardoso.

No começo do jogo, a candidata Jô Moraes (PC do B) teve seus quinze minutos de glória. Sim, a possibilidade de termos uma mulher comandando uma das maiores administrações nacionais numa terra em que os homens sempre foram “donos do espaço”. E esta chance pareceu clara e substancial no momento em que semanas foram sendo “comidas” e o candidato da máquina não se mostrava ao grande público. Márcio Lacerda (PSB) derrapava no úl-timo lugar e Jô ganhava a simpatia das pessoas nas ruas e nas conversas de bar. Até aquele momento, Lacerda era desconhecido pela maioria das pessoas (principalmente as mais humildes). Veja matéria seguinte que evidencia o começo das batalhas.

EM BELO HORIZONTE, JÔ MORAES SOMA 17% E QUINTÃO, 14%, SEGUNDO IBOPE30% não opinaram ou disseram não saber em quem votar. Pesquisa tem margem de erro de três pontos percentuais.

Portal G1 – 21.07.08

Pesquisa Ibope realizada entre os últimos dias 14 (segunda) e 16 (quar-ta) indica Jô Moraes (PC do B) com 17% das intenções de voto e Leo-

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nardo Quintão (PMDB) com 14% na disputa eleitoral pela Prefeitura de Belo Horizonte. Dentre os 805 entrevistados pelo Ibope, 30% preferi-ram não opinar ou informaram que ainda não sabem em quem votar.

Candidato apoiado pelo governador Aécio Neves (PSDB) e pelo prefei-to Fernando Pimentel (PT), Márcio Lacerda (PSB) tem 8% das inten-ções de voto, de acordo com o levantamento. Vanessa Portugal (PSTU) aparece com 4%, seguida de Sérgio Miranda (PDT), com 3%, Gustavo Valadares (DEM), com 2%, e André Antonio Alves (PT do B), com 1%. Votos brancos ou nulos somaram 19%.

Jorge Perequito (PRTB) e Pepê (PCO) não alcançaram 1% das inten-ções de voto, segundo a pesquisa, cuja margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos. Encomendada pelo jornal “O Es-tado de S. Paulo”, que já está nas bancas, a pesquisa está registrada na 26ª Zona Eleitoral de Belo Horizonte com o número 46239/2008. Espontânea

Na modalidade espontânea da pesquisa (quando o pesquisador apenas pergunta ao entrevistado em quem vai votar, sem mostrar a ele a lista dos candidatos), Jô Moraes registra 11% das intenções de voto, Leo-nardo Quintão, 7%, e Márcio Barbosa, 5%. Brancos ou nulos são 17%. Os que preferiram não opinar ou disseram não saber em quem votar são 54% na modalidade espontânea, de acordo com o Ibope.

Segundo turno

O Ibope simulou três cenários para um eventual segundo turno em Belo Horizonte. De acordo com a pesquisa, Jô Moraes teria 26% contra 21% de Leonardo Quintão. Nesse cenário, 25% manifestaram intenção de votar branco ou nulo e 28% disseram não saber em quem votar ou prefe-riram não opinar. No cenário contra Márcio Lacerda (16%), a candidata do PC do B somaria 27% das intenções de voto. Brancos e nulos, nessa hipótese, somam 27%. Os que não sabem em quem votar ou não opi-naram são 30%. Em um confronto entre Lacerda e Quintão, o primeiro venceria, segundo o Ibope, por 24% a 16%. Nesse cenário, 30% optaram por branco e nulo e e outros 30% disseram não saber ou não opinaram. 

Rejeição

Ao perguntar aos entrevistados em quem não votariam de jeito ne-nhum, o Ibope apurou que 47% não sabem ou preferem não opinar. Dentre os candidatos, Pepê tem taxa de rejeição de 14%, seguido de Vanessa Portugal (10%), Jorge Periquito (8%), Jô Moraes (6%), André Antonio Alves (6%), Leonardo Quintão (5%), Gustavo Valadares (5%), Márcio Lacerda (4%) e Sérgio Miranda (4%). Um total de 11% dos en-trevistados disseram que poderiam votar em todos e 47% afirmaram não saber ou preferiram não opinar. 

A deputada aguerrida (presa duas vezes no período militar) se lançava às ruas como uma terceira via, frente à pseudo-esquerda e a união PT-PSB-PSDB. (Foto: divulgação)

Quem tivesse os olhos atentos poderia observar um índice muito mais importante do que qualquer outra coisa nestes dados publicados. O índice de rejeição. Ele é tão (ou mais) poderoso que a própria análise quantitativa dos candidatos que largam na frente. Em alguns casos apresenta-se como deter-minante, como na eleição paulista em que a candidata Marta Suplicy teve sua “aversão” (críticas pontuais) exacerbada pela campanha de Kassab – evento já comentado na obra.

Mudando-se de plano, um outro ingrediente acrescido neste início foi a “pitada salgada” que o bloco dos petistas descontentes deram ao feijão tro-

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peiro de Fernando Pimentel e Aécio Neves. Azedara tudo! Além de capitanear apoios importantes dentro do Partido dos Trabalhadores, como o ministro Patrus Ananias, a equipe de Jô organizou um evento que “oficializou” este descontentamento – deixando todos de “cabelos em pé” (era o exato momen-to na campanha em que a comunista atingia seu êxtase político. Naquele dia pensei mesmo que as coisas seriam diferentes. Ou sonhei...) A união dos dois vermelhos indicava que não seria nada fácil à dupla dinâmica (Governador e Prefeito) virar o jogo de forma tranqüila. Era preciso colocar “a força” nas ruas. E toda imprensa alardeou os acontecimentos daquele embate entre membros de um mesmo partido.

PETISTAS DE MINAS ANUNCIAM APOIO A PC DO B, DIZ CANDIDATAJô Moraes, candidata à prefeitura de Belo Horizonte pela Coligação “BH é Você” (PCdoB/PRB), anunciou nesta quinta-feira que receberá o apoio de cerca de 100 petistas.Portal IG – 10.07.08

Segundo a assessoria de comunicação de Moraes, os petistas são “li-deranças, sindicalistas e militantes do PT que não concordam com a maneira como se deram o processo da sucessão municipal no partido e a indicação do candidato oficial”. A campanha de Moraes, porém, não divulgou o nome dos dissidentes.

Na capital mineira, o PT apóia Márcio Lacerda, do PSB, ex-secretário do governador Aécio Neves (PSDB). O vice do socialista é o deputado estadual petista Roberto Carvalho. Os tucanos não compõem oficial-mente a chapa de Lacerda, mas o apoio é público e notório: Aécio e o atual prefeito de Belo Horizonte, o petista Fernando Pimentel, são aliados e tentaram convencer a cúpula nacional do PT a aceitar uma aliança formal entre PT, PSDB e PSB.

A direção nacional do PT vetou a proposta de coligação formal. A solu-ção encontrada foi do apoio sem coligação oficial. Aécio apóia Lacerda, mas não pode participar do programa de TV do socialista.Jô Mora-es afirma que os petistas vão lançar o logo “Sou PT voto Jô” duran-te ato público nesta sexta-feira, às 16h.

A escalada de MárcioMárcio Lacerda (PSB) 21%, Jô Moraes (PC do B) 17% e Leonardo Quintão(PMDB) 13% 

E de repente, não mais que de repente, como num passe de mágica, a candidata comunista que brilhava nas ruas de BH, com belos sorrisos e cami-nhadas de um “levante socialista”, viu seu Muro de Berlim ruir assim que o programa eleitoral começou a ser veiculado. Poderíamos dizer que sofreu do mesmo veneno de Heloísa Helena (Psol) nas eleições de 2006, que, antes do início do horário eleitoral gratuito na TV, ameaçara as pretensões de Geraldo Alckmin (PSDB) na disputa pelo segundo turno com o Presidente Lula. Pou-cos se recordam deste fato, mas ele é real,verdadeiro.

E como um candidato desconhecido poderia chegar à vitória numa cida-de tão extensa como aquela? Percorrer todos os caminhos, bairro a bairro, comércios, escolas e universidades. Este era seu destino. Todos os espaços deveriam ser preenchidos e o tal de “Márcio Lacerda” deixaria de ser um ser estranho.

Apesar de ter uma forte participação política desde 1969, quando em Consequência de sua militância no Partido Comunista Brasileiro e posterior adesão à  Aliança Libertadora Nacional sofrera uma prisão de quatro anos, ainda era uma figura pouco conhecida pelos eleitores, pela grande massa. Nem mesmo a presença no governo Aécio Neves na gestão da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais conseguiu colocar inicialmente seu nome no imaginário popular. Podemos considerar este fato até pela sua personalidade, mais centrada, introspectiva. Um técnico ad-ministrativo a serviço do poder público. Ainda bem que ele soube explorar justamente este ensejo. Como serviu bem à Pimentel, não poderia ter outro número de vestuário tão perfeito ao candidato do PSB.

Era preciso fazer um trabalho de marketing de guerrilha, de contágio. O tempo era escasso e tudo indicava que a população belo-horizontina pare-cia não querer “engolir” o acordo e a aproximação de Pimentel e Aécio. Mas nada que um show de imagens, cores e a presença dos dois nos programas de TV não resolvesse a causa. O “show” foi tão grande que o Ministério Público solicitou à Justiça a inelegibilidade de Lacerda, de seu vice, Roberto Car-valho (PT), do governador de Aécio Neves e do prefeito da capital mineira, Fernando Pimentel (PT), por abuso de poder econômico, político e de au-toridade durante a campanha eleitoral.O problema iniciou-se com a fala de

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Aécio sobre um investimento de R$ 1,5 bilhão em obras e programas durante o lançamento oficial do programa de governo da candidatura do pessebista. Era apenas mais uma jogada do grupo PT-PSDB-PSB para “minar” a ascensão de qualquer adversário. Além disso, os promotores entenderam que Aécio se aproveitara daquele momento para fazer propaganda pessoal.

Não foram poucas as vezes que a dupla de administradores políticos (as-sim como outras figuras conhecidas) se lançaram à TV para inserir na cabeça dos cidadãos o pensamento de que somente Lacerda seria o efetivo represen-tante do governo Lula no estado.

Desta forma, seria escolhido aos poucos aquele que daria continuidade à consagrada administração de Pimentel! A imagem de Márcio foi moldada como alguém sério, competente e um bom administrador – identidades que lhe cabiam bem, porque estavam em sintonia com sua própria personalidade. – um grande empreendedor e um homem visionário. Alguém que começou “de baixo” e galgou níveis pouco tangíveis para um rapaz sonhador.

A ideia era simples, porém não fácil – fazer-se conhecido e ligar a imagem do candidato aos dois figurões, tentando sempre “angariar” parcela de votos do PT. (Foto: Roosewelt Pinheiro/Abr)

Um outro obstáculo à sua entrada (de vez) na vida política era ainda o envolvimento no caso do Mensalão – um suposto recebimento de dinheiro do empresário Marcos Valério no escândalo deflagrado em 2005. Apesar de

ter sido inocentado (tempos depois), seus adversários utilizaram desta arti-manha nas eleições para tentar denegrir sua imagem. Como a munição era baixa, qualquer coisa valeria. E foi não só do outro lado que a artilharia andou solta. Quintão foi também alvo de muitas denúncias, de desvio de dinheiro e enriquecimento ilícito. O que se pode enxergar é que o debate das ideias e dos projetos foi ficando para trás, cada vez mais...

Um quintão de ideias

Por outro lado, ao mesmo tempo em que Jô Moraes caía vertiginosamen-te, um certo Leonardo Quintão, de rosto afável e jovem, despontava calma e serenamente (como um legítimo mineiro) no espaço das Gerais. Com passa-gens pela Câmara Municipal de Belo Horizonte e Assembléia Legislativa de Minas Gerais, o deputado federal oriundo de uma família de políticos, come-çava a colocar uma pedra no sapato de todo mundo.

Website da campanha Leonardo Quintão Prefeito. No primeiro turno a imagem do coração criava o pano de fundo – humanizar e amole-cer as pessoas pela própria personalidade do candidato (muito uti-lizado por outros candidatos em tempos diferentes. Maluf sempre o usou, com motivos já conhecidos). E ele foi, sem dúvida, grande surpresa de 2008 em BH. Vencer a batalha pela pessoa e não pelo partido (como Lacerda-Aécio-Pimentel).

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E num cenário onde havia uma política forte de esquerda (com uma traje-tória de grandes conquistas e votos avassaladores) e um candidato desconhe-cido (sem valor agregado), só poderia dar no que deu – um futuro sombrio, em que nenhum vidente, pai de santo ou até mesmo analista político poderia ter a certeza do que iria acontecer. Logicamente que o peemedebista estava neste bolo. Aliás, ele era parte primordial de toda confusão eleitoral.

É tanto verdade que as pesquisas apresentadas por diversos institutos chegaram a mostrar Quintão com 20% dos votos à frente de Lacerda e outras mostravam justamente o contrário. Ninguém mais sabia o que acontecia e isso era o verdadeiro retrato do pleito – ganharia o menos pior.

Sua facilidade em lidar com o povo era visível e diferenciada. Apesar de não ter a “no-toriedade intelectual” e os anos de experiência de Lacerda, seu carisma e seu envolvi-mento pessoal constituíam-se grande diferencial. A tentativa de “colar” a imagem de Quintão a um político “jovem, sereno, afável e com propostas novas” representou gran-de parte do seu crescimento eleitoral. (Foto: Júnia Garrido)

Nesse espectro político, o belo-horizontino escolheu num primeiro mo-mento Quintão que crescera 30 pontos percentuais nos últimos 15 dias de campanha e que a tiracolo largara com mais 20 de vantagem no embate do 2º turno. Articulado, desenvolto, jovial e hiperativo; Quintão dava declarações

que traduziam este espírito e que, observando atentamente, ultrapassava o tom ideal. Em seus pronunciamentos dizia que era muito melhor que o ad-versário e fazia brincadeiras a todo instante. Fruto do momento de apoteose? Não. Estas atitudes eram peculiares à sua personalidade mesmo. O chavão “A diferença entre o remédio e o veneno é a dose” é inconteste.

FIM DO PRIMEIRO TURNOMarcio Lacerda – 43.59%Leonardo Quintão – 41.26%

Os ataques e o uso da internet como ferramenta de inteligência

Parece que a concepção de que os artistas podem mexer no imaginário popular e reforçar decisivamente as campanhas voltou com força total. Tive-mos Caetano Veloso no Rio vaticinando a ida de Gabeira ao 2º turno; depois vieram os sambistas na campanha de Eduardo Paes (reza a lenda que estes deram o ar da graça, mas não “de graça”). Esta polêmica de uma suposta apa-rição em troca de dinheiro também aconteceu em Belo Horizonte. Se paga ou não, a imitação de Tom Cavalcante no programa do socialista Márcio Lacerda parodiando Leonardo Quintão estava imperdível.

Programa eleitoral Márcio Lacerda Prefeito na televisão. O vídeo ocupou por um dia o sexto lugar entre os mais vistos do mundo, evidenciando-se mais ainda o poder da rede mundial associada ao momento de “guerrilha eleitoral”. Um recurso que pode, num deter-minado momento, chacoalhar uma eleição ou uma tendência estabe-lecida – o recurso do humor bem empregado. (Imagem do YouTube)

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Essa aparição nos fez lembrar muito a campanha de 1998 do então depu-tado federal Marconi Perillo (PSDB) a governador – um dos grandes exem-plos do poder de técnicas de Marketing Político no país, através do uso do humor e da simplicidade na criação. Para entender o que aconteceu naquela eleição é necessário antes de tudo relembrar o momento histórico e político vivido em Goiás à época.

O sistema liderado hegemonicamente por Íris comandava o estado há 16 anos e o então governador Maguito Vilela possuía uma boa avaliação admi-nistrativa. Íris iria para o 3º mandato como Governador e ainda deixaria a esposa como senadora, uma vez que era sua suplente. Então que surge uma peça publicitária criada pelo “mago” Chico Santa Rita colocando o persona-gem “Nerso da Capitinga” (interpretado pelo ator Pedro Bismarck) num ví-deo satirizando o poder de Íris, adversário de Perilo naquela campanha.

Programa eleitoral Marconi Perillo Governador (1998) na televisão. Pedro Bismarck brincava com dinossauros de plástico dizendo “O Goiás é meu, é meu curral eleitoral”. Em outra cena colocava e tirava objetos de uma panela, numa alusão ao “troca-troca” de pessoas do mesmo ambiente po-lítico, mesmo partido, coligação. (Imagem do YouTube)

A peça acabou sendo retirada do ar pelo TER estadual, mas depois vol-tou e foi uma ferramenta extremamente importante para a realização de um acontecimento histórico – a queda de um político consagrado e que iniciara o pleito com 80% dos votos em todas as pesquisas. Certamente, se as mesmas críticas fossem feitas de maneira formal, corriqueira, o impacto seria ínfimo a favor de Marconi, que começara a campanha com 5 pontos de intenção de voto contra 60 de Resende.

Veja abaixo a repercussão dos embates entre os dois candidatos.

DEBATE: LACERDA E QUINTÃO TROCAM ACUSAÇÕES SOBRE PATRIMÔNIO PESSOALAgência Brasil – 24.10.08Marco Antônio Soalheiro

BELO HORIZONTE – No último momento em que estão frente a fren-te antes da eleição do próximo domingo, os candidatos à prefeitura de Belo Horizonte Márcio Lacerda (PSB) e Leonardo Quintão (PMDB) mantiveram a tônica de ataques pessoais, que marcou o segundo turno na capital mineira. No primeiro bloco do debate, que acontece neste momento na Rede Globo Minas, o destaque foi um questionamento de Lacerda a Quintão sobre o suposto envolvimento do peemedebista em um esquema de lavagem de dinheiro e remessa ilegal de recursos para o exterior. O jornal Estado de Minas publicou nesta sexta-feira, reportagem sobre o assunto, com base em documentos da promotoria de Nova York.

– Quem tem que se explicar é o jornal. Eu tive contas estudantis quan-do estudava nos Estados Unidos – respondeu Quintão para, em segui-da, fornecer no ar o número de seu CPF. – Vai na Receita Federal e puxa meu nome e verá que não tem nada. Nesse perído de reta final aparece coisas e você eleitor decide se acredita. Sou homem integro e onde eu passei fiz direitinho, não fiz nada de errado. Não tem nada na Justiça Federal, nem na Receita Federal que desabone o meu nome – acrescentou.

Lacerda insistiu no ataque e disse que Quintão foi “um dos deputa-do federais que teve maior aumento de patrimônio nos últimos dois anos”, colocando o fato sob suspeição. Quintão rebateu ao declarar que Lacerda tem patrimônio “vinte vezes maior ” que o dele.

– O candidato Lacerda é mais rico que Paulo Maluf. Não sou em quem precisa se explicar, é ele – assinalou.

No campo das propostas, os candidatos divergiram em relação aos meios para viabilizar a conclusão do metrô da capital. A obra é con-

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siderada fundamental para melhorar a viabilidade urbana. Quintão acredita ser possível fazê-la apenas com “recursos a fundo perdido” do governo federal, dentro dos investimentos previstos para a Copa do Mundo de 2014. Márcio Lacerda anunciou que, se eleito, irá imple-mentar uma parceria público-privada para concluir o metrô, medida com a qual o presidente Lula já teria concordado. Segundo Lacerda, com a atual crise econômica “será muito difícil conseguir recursos do governo federal”.

E o “Efeito Obama” não circulou pelas Gerais

Do meio para o final do pleito, restaram apenas críticas violentas, falta de objetividade dos dois candidatos numa apresentação de conteúdos vazios – um espelho real do medo e insegurança das duas equipes. Ao contrário do que se viu em São Paulo e Rio de Janeiro, onde a batalha campal deu espa-ço também a projetos bem servidos – reurbanização de favelas, atração de investimentos, remodelamento da saúde, entre outros, em Minas Gerais o que reinou foi apenas o “ataque” e “contra-ataque”. Pior do que isso, de nada adiantaram as novas ferramentas tecnológicas utilizadas por Obama, Kassab e Gabeira (principalmente) para interação entre os eleitores, debate sobre conflitos sociais e motivação para o engajamento nas disputas.

Candidatos baixam o nível das campanhas na reta final Alexandre Soares Carneiro - www.espacodemocratico.wordpress.com

Desde que foi divulgado um vídeo em que o candidato Leonardo Quin-tão (PMDB) aparece dizendo que ganharia a eleição e “chutaria a bunda deles”, o nível da campanha dos candidatos à prefeitura de Belo Hori-zonte não pára de baixar. O vídeo ainda é fonte de muitos comentários e também de chacota por parte da população. As primeiras justifica-tivas de Quintão procuravam dar um ar de brincadeira ao episódio, o que acabou por municiar ainda mais o candidato adversário, Márcio Lacerda (PSB). “Com política não se brinca”, retrucou.

Os candidatos voltaram a trocar farpas quando Quintão deu declara-ções sobre o passado de Lacerda, que durante a ditadura esteve envol-

Website da campanha Márcio Lacerda Prefeito. Uma página bem de-senhada, com bons recursos de informação e notícias atualizadas. No entanto, nada de inovador do ponto de vista do “marketing políti-co digital” – nenhuma rede de interação, motivação. Nada que se as-semelhava aos movimentos vividos pelas campanhas paulistas e ca-riocas. O candidato não imaginava o poder que tinha em suas mãos para difundir seus projetos numa ampla rede de relacionamentos. Obama não foi à Minas.

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sua vez, acusou os partidários de Lacerda de chutarem seu carro após um debate. “Estudante não faz isso”, bradou o candidato do PMDB.

No debate realizado pela rede de televisão Alterosa entre os dois can-didatos, ambos tiveram direito de resposta concedido por motivo de ofensa. Quintão disse que o adversário foi acusado de envolvimento no mensalão. Já Lacerda afirmou que Leonardo Quintão responde a mais de 20 processos na justiça, e que seu pai, Sebastião Quintão, responde a 280. Em outro momento, referiu-se ao candidato do PMDB como “malvado”. Márcio Lacerda ameaçou processar Quintão por injúria e difamação.

Na última semana de campanha, foram veiculados vídeos anônimos nos canais de televisão por ambos os adversários políticos. Um deles, favorecendo Quintão, exibe Marcos Valério, operador do escândalo do mensalão, dizendo durante a CPI dos correios que o contato para o pagamento de dívidas de campanha do Deputado Federal Ciro Gomes (PSB) havia sido feito por Márcio Lacerda. O vídeo foi retirado do ar por meio de liminar. Outros dois vídeos favorecem Márcio Lacerda. Um deles faz referências a uma reportagem publicada pela revista “Veja”, onde o ex-governador Newton Cardoso (PMDB) é apontado como um dos principais cabos eleitorais de Quintão. O outro vídeo mostra uma foto de Cardoso e Quintão juntos, enquanto escuta-se uma entrevista com o ex-governador. No fim do vídeo, Newton Cardoso refere-se ao candidato do PSB como “Márcio de m…”

Na quinta, dia 23, parte da equipe do “espacodemocratico.wordpress.com” flagrou a distribuição de adesivos anônimos em frente à entrada prin-cipal do Campus Coração Eucarístico da PUC-Minas, localizado na Avenida Dom José Gaspar. As pessoas que dis-tribuíam o material estavam vestidas com camisas do PSB, e também por-tavam bandeiras do partido. Os ade-sivos continham os dizeres “A minha bunda ninguém chuta”. Na sexta, dia

vido na luta armada: “Ele foi preso comum, porque é assaltante, ele foi lá no comércio e deu coronhadas na cabeça de um moço. Preso político foi Lula,” disse. Lacerda respondeu dizendo que “Você ofendeu não só a mim, mas a Fernando Pimentel (prefeito), Jorge Nahas – meu coorde-nador de programa de governo -, a ministra Dilma Rousseff e Fernan-do Gabeira (candidato no Rio de Janeiro)”. As declarações resultaram em uma interpelação criminal no Supremo Tribunal Federal (STF), na qual Lacerda cobra explicações de Quintão.

Na segunda feira, 20 de outubro, as acusações continuaram. Lacerda chamou Quintão de “fascista”, devido a panfletos anônimos distri-buídos no clássico entre Cruzeiro e Atlético, disputado no dia ante-rior, que acusavam Lacerda de ter envolvimento com o escândalo do mensalão. O candidato do PSB também acusou os correligionários de Quintão de tirar seu website do ar. Sobre o ataque dos hackers, La-cerda disse existir “quadrilheiro no meio”. Leonardo Quintão, por

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24, foram flagrados cartazes anônimos no Bairro Padre Eustáquio, na rua Olinto Magalhães, relacionando Márcio Lacerda ao mensalão. O local onde os cartazes foram vistos fica a poucos metros do comitê elei-toral de Leonardo Quintão.

A vitória da máquina e 2010 no belo horizonteLacerda (PSB) – 59,12%Leonardo Quintão (PMDB) – 40,88%

De milionário desconhecido a prefeito de uma das mais importantes capitais do País. A rápida ascensão do empresário Marcio Lacerda (PSB) na política deve-se muito ao apoio do governador Aécio Neves (PSDB) e do pre-feito Fernando Pimentel (PT). Isso é fato. Os padrinhos o colocaram em boas condições na disputa, mas Lacerda tomou um susto com a aproximação de Leonardo Quintão (PMDB) no 2º turno.

Sem nunca ter disputado um cargo eletivo, começara a campanha com 8% das intenções de voto na pesquisa Ibope. Um mês depois, em 15 de agosto, Jô Moraes ainda liderava com 18% das intenções de voto, enquanto Lacerda aparecia em terceiro com 9%. O candidato do PSB só assumiu o primeiro lugar quando começou o horário eleitoral na TV, no final de agos-to. Em pesquisa Datafolha divulgada no dia 23 de agosto, ele tinha 21%, um crescimento de 15 pontos percentuais em relação à rodada anterior. Jô aparecia com 17%. Uma semana depois os institutos já indicavam que ele venceria em primeiro turno.  Em setembro, Quintão cresceu e se aproximou de  Lacerda no segundo lugar. O resultado foi a surpresa do segundo turno, em que o peemedebista esteve na frente durante todo o mês de outubro. Desta vez, a zebra foi Lacerda, que venceu a eleição contra as previsões das pesquisas.

A problemática toda desta profusão de números esteve centrada em tor-no da escolha de um candidato desconhecido para representar uma aliança polêmica. E todos sabem que pessoas votam em pessoas, não em alianças, grupos ou produtos formados. E o vaivém das pesquisas comprovou a tese de que é difícil “fabricar” um candidato, um símbolo. Todavia, o esforço deu resultado e o sucesso veio justamente pela falta de uma figura que fizesse verdadeira oposição a Lacerda. Também pelos méritos do candidato pesse-

bista, conseguindo com certa dose mostrar aos eleitores mineiros que tinha sim vocação para ser um grande “executor”. Quintão não tinha “culhão” para isso, patinou em estratégias erradas e por um apelo sentimental exagerado (como caracteriza o humorista Tom Cavalcanti em seus vídeos no YouTube).

Por outro lado, Jô Moraes padecia de um sentimento de “boa legisladora” (combativa e próxima dos núcleos populares), mas não alguém que pudesse ter as rédeas do poder executivo nas mãos – o mesmo caso de Gabeira, Arthur Virgílio, Soninha, entre outros. E este é um dos trabalhos mais difíceis para qualquer consultor político – alterar a imagem que a sociedade tem sobre determinado político. É muito mais fácil alguém do executivo migrar para o legislativo do que o contrário. As pessoas tendem a acompanhar com mais clareza, transparência o que seus prefeitos, governadores e presidentes fa-zem (campo direto da visão – obras, segurança, educação e habitação). E é por isso que a velha máxima perdurará para sempre nas eleições para vere-ador, deputado estadual e federal principalmente “Vou melhorar seu bairro, asfaltar sua rua, cuidar da sua saúde etc”. Em tese ninguém numa Câmara ou Assembléia tem este poder de ações que são desempenhadas pelo executivo. Mas é quase impossível observar uma campanha que não traga este ensejo – e isto de certa forma referenda o papel do “herói do nosso bairro”, “herói da nossa instituição”. E no final das contas, ninguém é herói de ninguém...

Com a eleição de Lacerda, Aécio saiu muito fortalecido para tentar dispu-tar a Presidência e Pimentel ganhou pontos para disputar o Senado, o gover-no mineiro em 2010 ou a própria condução de Dilma ao Palácio do Planalto – o que já vem realizando antes mesmo de 2008 (pela própria proximidade antiga entre os dois mineiros”).

O certo é que Leonardo Quintão chegou muito perto. Perdeu por alguns detalhes e precisa saber construir seu futuro, que ainda é longo, devido sua pouca idade. Muitos que perderam uma eleição conseguiram ressuscitar mais adiante – FHC, Maluf, Serra, Roriz, Collor etc.

E um grande político deve saber que a verdadeira conquista numa eleição não é a vitória propriamente dita (as urnas). O que se espera de um candidato bem assessorado em qualquer campanha é algo bem diferente. Ele precisa sair desta “batalha” com imagem melhor do que no momento em que entrara.

Penso que Quintão, neste ponto, teve bom êxito. Qualificou-se para ser reeleito ao cargo do legislativo ou então galgar espaços na política mineira em patamares mais elevados. Contudo, necessitará ter paciência e trabalhar as deficiências ecoadas nesta campanha. Já Lacerda, terá ainda muito tempo pela frente para mostrar ao que veio.

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A queda do Carlismo e o nascimento do Geddeísmo. Uma realidade?

Depois de aparecer na maioria das pesquisas no início da campa-nha eleitoral em último lugar, o prefeito João Henrique Carneiro (PMDB) se reelegeu. Uma eleição tumultuada e emocionante, em que as principais surpresas apareceram no final. A primeira delas

foi colocação de ACM Neto (DEM) no primeiro turno (terceiro mais votado), uma vez que permanecera durante quase todo o tempo em primeiro lugar nas estatísticas eleitorais. A segunda (tão contundente como a primeira) es-teve centrada na figura de Walter Pinheiro (PT) . Alguém que saíra de alguns dígitos nas pesquisas, alcançando o segundo turno de forma avassaladora. Quebrava-se assim dicotomia DEM x PMDB (antigos rivais). Processo este que fortaleceu ainda mais o embate entre o governador Jaques Wagner e o ministro Geddel Vieira Lima.

Com uma carreira meteórica, este baiano de família política (filho do ex- senador baiano João Durval Carneiro), conquistou popularidade com uma forte atuação na área de defesa do consumidor. E também seguindo os passos

Website da campanha João Henrique Prefeito. Com uma administração com-plexa e marcada pela troca de secretariado e rompimentos políticos, o cami-nho não poderia ser fácil mesmo. Havia “algumas pedras” graúdas em sua trajetória - Pinheiro e ACM Neto.

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de Eduardo Paes, mudou várias vezes de partido, passando por PFL, PSDB, PDT e por fim PMDB. Vereador em Salvador de 1989 a 1995, deputado esta-dual por dois mandatos consecutivos, foi beneficiado em 2004 pelo dilema “carlismo x não carlismo”, ano em que se elegeu prefeito da capital baiana. Já na campanha de 2008, mostrou-se como “pai dos pobres”, dizendo que estaria olhando para a periferia como nenhum outro gestor político o fizera antes. Sua munição esteve centrada no seu antecessor, e também candida-to, Antônio Imbassahy. Em todos seus discursos, dizia que o tucano havia deixado a cidade com muitas dívidas e problemas sérios na área da saúde. Já Imbassahy (que permaneceu algum tempo bem avaliado nas pesquisas) surgiu como uma frase sugestiva “testado e aprovado”. Mas como o momento político não era “conveniente” para sua vitória, ficou a ver navios. Além disso, viu seus votos migrarem para Pinheiro já no primeiro turno – (públicos elei-tores semelhantes e contrários à Neto e Henrique).

O “Neto” era mais destacado do que o “ACM”. Tática expressiva de seus estrategistas. (Material de campanha ACM Neto Prefeito)

Neste reboliço de informações, é preciso relembrar os ataques feitos por ACM Neto ao presidente – fato muito explorado por seus adversários e en-tendido como “afronta inadmissível” num local onde Lula “nada de braçada” no quesito popularidade, avaliação positiva de seu governo. Talvez seja por isso que os dois candidatos que disputaram o segundo turno digladiaram-se

para mostrar ao grande público quem era o “verdadeiro queridinho” do go-verno federal.

Além disso, a vitória de Neto poderia representar ao povo soteropolita-no o retorno imediato do “carlismo”. Sua chegada à prefeitura seria então o resgate das figuras políticas que governaram o estado por muito tempo. Isso sem contar que muitos não queriam que ele deixasse o cargo do legislativo de forma efêmera, pela necessidade de representatividade de alguém com voz ativa. (É um fato curioso que permeia muitas campanhas. O eleitor prefere votar no candidato adversário, justamente para que seu preferido não deixe o posto que é entendido como estratégico).

Mesmo com boas avaliações na maioria das pesquisas (durante quase todo tempo), apresentava continuamente altos índices de rejeição. fenôme-no semelhante ao de Marta Suplicy em São Paulo nas eleições daquele ano. A bem da verdade, o democrata era visto como “alvo” da artilharia pesada dos adversários (e isso influenciava também na forma como as pessoas o viam, isto é, na desconstrução de sua figura política). No final acabou “sufocado” pelo uso da máquina estadual. Leia-se o PMDB. Um vatapá indigesto mesmo para quem pleiteava o cargo do executivo.

Website de campanha Pinheiro Prefeito. Pinheiro explorou ao má-ximo a imagem do presidente Lula e do governador Wagner. Come-çou a corrida eleitoral com cerca de 5% das intenções de voto e conseguiu tirar o deputado federal ACM do páreo por alguns votos apenas. No final do primeiro turno e com as pesquisas mostrando um equilíbrio milimétrico entre os quatro principais candidatos, os programas de televisão tentaram ligar a imagem de cada um deles ao governo federal. João Henrique foi aquele tentou mais atrelar a sua história com Lula, mostrando fotos e vídeos. “A parceria não é só de amizade, mas de trabalho também”, dizia ele.

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Pensando nisso, o candidato democrata utilizou-se de uma estratégia muito interessante para se descolar da imagem do avô. Usava apenas o nome “Neto” e pedia para que as pessoas “olhassem para frente”, como se quises-se esquecer aquilo que pertencia, ou então forçando as pessoas a enxergarem como outro ator político. Não como “neto” do senador, mas sim um político com uma vida própria (e na verdade as duas análises são corretas). Apesar da derrota, terá ainda muitas cartas na manga para galgar patamares mais eleva-dos na política baiana. Contudo, mesmo permanecendo no front das batalhas na Câmara dos Deputados, será preciso mostrar ao que veio - a construção de uma nova e efetiva liderança sem os olhos para seu avô.

Entretanto, esquecendo-se os motivos pelos quais Henrique foi vitorioso e ACM Neto teve uma derrocada surpreendente, devemos nos ater ao princi-

Material de campanha do candidato a prefeito Antônio Imbas-sahy. Apesar de ter sido realmente “testado e aprovado”, sua candidatura fosse sendo desgastada aos poucos. Se um era do PMDB de Geddel, o outro do PT de Lula e Wagner e o último do DEM do carlismo e de grupos enraizados, quem seria Imbassahy neste cenário? É uma soma do momento não propício à conjun-ção de muitas forças contrárias.

pal fato da eleição. O grande vencedor daquela eleição não foi João Henrique, mas seu “padrinho”, Geddel Vieira Lima – o todo poderoso ministro da In-tegração Nacional. Aquele que uma vez os jornais diziam despachar na Bahia (às segundas-feiras) com os prefeitos de forma leve e solta. “Venham aqui que resolvo tudo”. E sua força política está expressa no “medo” de José Dirceu em perder o apoio do fiel escudeiro nas eleições de 2010. Além de cobiçar o governo baiano – colidindo frontalmente com Wagner e todo o PT – poderá (segundo o próprio Dirceu) rumar para os lados do PSDB. Mesmo com as constantes viagens e contatos do “Cardeal Dirceu Richeleu” ao estado, será uma tarefa árdua essa aproximação que envolve poder, ganância e o medo do ressurgimento do “Neo-carlismo”.

Lula precisará de muito jogo de cintura para poder encaixar o PT e o PMDB numa coali-zão de forças em 2010. O poder de Geddel no Nordeste é tão forte que seu nome ain-da é cogitado para compor a chapa de Dilma Rousseff (Apesar do presidente da Câma-ra Michel Temer estar dois passos à sua frente). (Foto: José Cruz/Abr)

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A batalha entre duas forças

Em Porto Alegre tivemos uma eleição polarizada por uma nova “fren-te ideológica” capitaneada pelo prefeito José Fogaça (que rumara do PPS para o PMDB) e toda a esquerda partidária, figurada na imagem de três mulheres – Maria do Rosário (PT), Manuela D’ Ávila (PC do

B) e Luciana Genro (Psol).O enredo das criticas ao prefeito esteve centrado sobretudo no não cum-

primento das promessas de campanha em 2004, pela mudança de partido e por alguns índices pontuais de sua gestão: a queda no número de matrículas na rede de ensino municipal e o funcionamento problemático dos postos de saúde – duas áreas bem atacadas pelo PT de Rosário e em que nas administra-

Em 2004, o bordão de Fogaça era “manter o que estava bom e mudar o que fosse preciso”.O PT o atacou de todas as formas dizendo que em seus anos de governo, aquilo que então “estava bom” não teria continuado. Não deu certo. E a disputa pela candidatura ao governo do estado com o ex-governador Ger-mano Rigotto será inevitável em 2010 – o sonho de todo integrante do parti-do. Retornar ao Palácio Piratini após a vergonhosa derrota de 2006. (Foto: An-tonio Cruz/ABr)

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ções vermelhas funcionavam bem. Apesar dos conflitos, o prefeito assistiu a tudo de camarote. Líder de todas as pesquisas, apresentou poucas variações na preferência do eleitorado, mostrando que sua administração estava sendo bem avaliada.

A grande bússola política desta eleição foi certamente a dicotomia entre os anos de administração petista e o novo governo de Fogaça que, de certa forma, conseguiu conquistar os eleitores das vilas, dos subúrbios e até da classe média de Porto Alegre, antigos redutos petistas. Tudo indicava que o povo estava mesmo cansado do partido que nos anos anteriores provocara uma grande revolução na habitação, nos transportes e na educação da cidade, que passara a ser referência em serviços urbanos e qualidade de vida. Possi-velmente o efeito do “mensalão” e o abandono da classe média ao Partido dos Trabalhadores corrido em São Paulo, tenham ecoado na terra dos pampas.

O debate firmado entre a comunista e a petista no primeiro turno foi um dos principais destaques. De um lado o enraizado antipetismo e a proposta de “algo “novo”, de uma força jovem amparada pela maior votação para Câ-mara Federal em 2006. Do outro lado, uma militância vermelha histórica e provocações contínuas à capacidade da comunista para comandar uma das

A candidata tentou mostrar-se como uma “novidade política” (sangue novo, propostas criativas e dinamismo para mudar a prefeitura da capital gaúcha). Apesar de ser bem qualificada e avaliada, sofreu com o momento político inadequado para sua vitória ao executivo. (Foto: divulgação)

principais capitais brasileiras (principalmente na sua pouca idade e inexpe-riência de gestão). Não podemos deixar de recordar que dos oito candidatos à prefeitura, quatro eram mulheres. Além de constituir por si só um fato his-tórico, também proporcionou subjetivamente a ascensão de Fogaça, uma vez que três delas acabaram se digladiando – Manuela, Rosário e Luciana.

E o que vimos no segundo turno foi justamente o revide de Manuela, quando seu “apoio” ao PT de Rosário foi dado somente dias após o retorno da disputa (de forma muito tímida). Era nítida a divisão da esquerda, a come-çar pelo PDT que estava articulado com o PMDB desde o início e de grande parcela do PPS que apoiava de forma escondida o prefeito (mesmo que os socialistas estivessem oficialmente coligados com o PC do B de Manú).

Website da campanha Maria do Rosário Prefeita. Em todos os momentos a cam-panha da candidata tentou “implantar” a ideia de que as pessoas tinham sau-dades da marca administrativa dos 16 anos de comando do PT na capital porto-alegrense. A estratégia não deu certo e as urnas mostraram isso. Foi mais uma derrota difícil de engolir.É hora do partido refletir sobre seus futuros caminhos no estado. Qual a nova mensagem e o rumo a ser tomado?

A verdade é que em todos os momentos a campanha de Rosário tentou “implantar” a ideia de que as pessoas tinham saudades da “marca” adminis-trativa do PT. A tentativa não colou muito e as urnas mostraram isso. Era a primeira vez de muitos anos de administração não petista que as urnas iriam colocar em cheque.

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Imagem do website Maria do Rosário Prefeita. Desenho feito pelo grande chargista Luciano KAYSER Vargas. O efeito novamente da satirização, de recursos de humor e quadrinhos. Por sua vez, Manuela dizia em seus progra-mas “Esta não é uma eleição entre idades, mas sim entre ideias”. Veja mais www.blogdokayser.blogspot.com.

Desarticular a ideia do “novo” era uma premissa básica para poder “en-terrar” o crescimento político da comunista. O objetivo seria então fazer com que as pessoas enxergassem sua candidatura como algo “inseguro”. Dessa for-ma, Manuela foi apresentada diversas vezes como a “menina”, a “guria sem maturidade”. E o pior é que deu certo mesmo. Foi uma grade sacada do PT.

Uma forma encontrada pela equipe de Rosário para desestabilizar o pre-feito estava calcada no apoio da governadora do estado (Yeda Crusius) ao candidato peemedebista. Na época, a tucana já se encontrava desgastada de-vido a alguns casos (possíveis) de corrupção de membros de seu Staff. Um outro ponto foi a acusação de que Fogaça trocaria a prefeitura pelo governo em 2010, passando o comando para as mãos do vice, Fortunati.

Entretanto, assim como em São Paulo em 2004, quando Marta afirmara “Com o Kassab a gente nunca sabe” – expressão eternizada no debate político

da época - pouco sucesso teve a candidata petista. E o provável é que o pee-medebista dê mesmo uma “serrarada” (ou quem sabe “tarssarada” como em 2002) na prefeitura e no povo porto-alegrense.

O fato é que Manuela conseguiu mobilizar nestes meses de campanha parcela respeitável da população, mas morreu politicamente na incerteza de sua capacidade administrativa. Isso não se pode configurar como uma derro-ta. Justamente neste ponto reside o pensamento novamente da relativização da vitória e da derrota.

Para quem foi eleita vereadora de forma contundente em 2004, e logo após em 2006 conseguiu ser a deputada federal mais votada do estado, o ano de 2008 foi um aprendizado e uma “demarcação de território” inconteste para os próximos pleitos. Um nome que ainda renderá muita história. Como diz o mestre Maluf. “A cada eleição que perco, é um investimento que faço, que realizo”. E para quem quer galgar “andares” mais altos na política, nada como a continuidade de um bom trabalho, uma excelente comunicação e a solidificação de um nome que transparece seriedade, compromisso e obstina-ção. De 1% de votos à vereança em 2004, passou a contabilizar 10% do elei-torado porto-alegrense em 2006 na eleição à Câmara Federal. Considerar que os 16% obtidos em 2008 é muito pouco, sem dúvida constitui-se como um equívoco sem precedentes. Política se faz com espaço e tempos de ventanias.

Nem mesmo as viagens que Dilma fez à capital gaúcha surtiram algum efeito na campanha do PT. Comprova-se aí mais ainda a separação entre o poder federal e as disputas regionais. Um descolamento total. (Foto: Antônio Cruz/ABr)

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Por outro lado, a candidata petista enfrentou os resquícios da derrota política de 2004, quando Fogaça assumira o governo municipal. Naquela eleição, a derrota consumida por Raul Pont e por ela própria (como candidata a vice) foram o reflexo de um “desgaste” de administrações petistas consecu-tivas – Olívio Dutra – (1989-1992), Tarso Genro – PT (1993-1996), Raul Pont (1997-2000), Tarso Genro (2001-2002) e João Verle – PT (2002-2004). O candidato peemedebista conseguira então “seduzir” a população para apoiar algo novo, que fosse bom, e que de certa forma respeitasse os ganhos do passado.

Maria do Rosário infelizmente padeceu na imagem de seu partido junto à população. Não de sua própria figura – Mulher de muitas lutas e parlamentar extremamente atuante (principalmente nas áreas da educação e em defesa da mulher e das crianças).

No entanto, lá no Rio Grande, o difícil é separar o joio do trigo, o que é o vermelho do não vermelho.. O pleito em 2012 certamente colocará uma dú-vida na mente dos gaúchos. Apoiar o continuísmo do PMDB de Fogaça (que aparentemente não possui em seu partido um sucessor de fato) ou então res-gatar numa possível esquerda única (o que não será fácil) . É ver para crer.

A história política da capital gaúcha mostra que na maioria das vezes que a esquerda esteve unida, as eleições se mostraram mais tênues para o PT no Rio Grande.. Entretanto, com a ruptura deste partido (principalmente no momento pós mensalão) com o consequente nascimento do Psol de Lucia-na Genro e as pretensões (legítimas) do PC do B de conquistar a prefeitura – através de sua principal expoente política (Manuela), era inevitável uma abertura maior de enfrentamentos. E o enfraquecimento de todos.

O afastamento do PDT deste grupo (por sentir-se subjulgado continu-amente nas outras eleições pelo próprio PT), fez com que o prefeito saísse mais fortalecido. E assim ele venceu tranqüilamente...

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A IMPRENSABRASILEIRA NO

MUNDO VIRTUAL

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24 horas no ar

A o contrário de outras eleições, em 2008 houve mais agilidade na apresentação dos números apurados através dos sites do TSE e portais nacionais (que divulgavam notas constantemente daquilo que as urnas diziam). Além disso, parcela da sociedade teve a

oportunidade de nutrir-se de outras informações (além do horário eleitoral gratuito), principalmente através de boas experiências midiáticas desenvol-vidas pelos sites Estadao.com.br e Oglobo.com.

O primeiro criou uma página dedicada aos candidatos a vereador de São Paulo com vídeos em que estes comentavam seus projetos (caso fossem elei-tos) e falavam sobre suas histórias de vida (quem eram, de onde vinham e o que faziam). É evidente que muitos nem sabiam o que estavam fazendo lá – não tinham preparo para explanar projetos, objetivos – o que tornava até certo ponto “hilário”.

Todavia, esta ferramenta desenvolvida pelo Estadão pode ser conside-rada um grande avanço na democratização da informação, por proporcionar condições reais para que os candidatos pudessem ir ao encontro de seus elei-tores (e de forma facilitada, uma vez que não era cobrado nada deles para se divulgarem). Mais do que isso, todos tinham o mesmo tempo para falar e não se fazia distinção entre partidos e pessoas (na abordagem e no roteiro das perguntas – mesmo a quem já era conhecido do povo na figura de um político consagrado).

É preciso dar os parabéns a toda equipe do Estadao.com.br. Espero que outras empresas jornalísticas copiem a ideia para que a sociedade brasilei-ra possa ter melhor clareza e compreensão dos representantes que escolhe. Evidentemente, demorará muito ainda para que “todos” tenham acesso a esta ferramenta de comunicação. Mas são ações como estas que marcam um ponto divisório na história da comunicação. E em se tratando de informação política, mais ainda.

Veja a seguir as páginas dos portais de comunicação, observando o que cada um possuía como diferencial e inovador do ponto de vista tecnológico e informacional.

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Reprodução: Portal Estadao.com.br. Além do “Vereador Digital”, outro espaço também criado foi o “Eu Prometo 2008”, onde os candidatos lançavam suas propostas de forma organizada e téc-nica.

Reprodução: Portal Estadao.com.br. Na página era possível compa-rar os programas dos candidatos paulistanos.

VEJA MAISwww.estadao.com.br/nacional/eleicoes2008/

O portal IG saiu na frente também ao realizar um debate on-line entre os candidatos a prefeitura de São Paulo - o primeiro daquele ano. O evento, transmitido ao vivo, possibilitou a participação dos eleitores através víde-os previamente gravados. A empresa selecionara dez filmagens que foram exibidas no encontro, em que os paulistanos indagavam os políticos sobre soluções aos principais problemas da cidade.

Já o portal “O Globo.com” possibilitou aos internautas uma ampliação na discussão dos projetos e programas dos candidatos à prefeitura (do Rio principalmente), através de recursos de multimídia. Infográficos, enquetes, pequenos clipes com comentários dos eleitores, informações eleitorais, en-

Reprodução: Portal Oglobo.com. De fácil leitura e com muitos re-cursos alocados, o eleitorado participava de maneira interativa. No “Pergunte ao candidato”, as pessoas indagavam o que cada um po-deria fazer pela cidade.

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trevistas com os candidatos definidas por temas; além de um fórum de dis-cussões aberto ao público. A ação era uma parceria entre os jornais O Globo, Extra e Diário de São Paulo. Também constava um manual completo de vota-ção para os internautas-eleitores com o objetivo de sanar a maioria das dúvi-das corriqueiras (onde e como votar, justificação, boca de urna, informações aos cadeirantes, entre outras).

VEJA MAIShttp://oglobo.globo.com/pais/eleicoes2008

O jornal “Folha de São Paulo” eficientemente desenvolveu um modelo diferenciado de blog – “Campanha no ar”. Além de notícias atualizadas sobre os fatos eleitorais paulistanos, trazia informações em áudio, vídeo, compa-rações com campanhas do passado e presente (análises bem feitas), charges, entre outras ferramentas.

Mais do que um complemento da versão impressa, um verdadeiro relato histórico-político. A Folha conseguiu mesmo instigar internautas, jornalistas e marquetólogos de carteirinha a fixarem seus olhos nesta página durante

Reprodução: Blog da Folha de São Paulo (Caderno Brasil) com curiosidades e bastidores – “Campanha no ar”. Uma inovação não só de conteúdo, mas de formato também.

várias semanas. A equipe era composta por uma dezena de bons articulistas e repórteres de política - Catia Seabra, Ana Flor, Fernando Barros de Mello, Claudio Dantas Sequeira, Ranier Bragon, Laura Mattos, Ana Paula Boni, Mi-chele Oliveira, Nelson Sá, José Alberto Bombig, Flávio Ferreira, João Wainer e Thiago Reis.

Além disso, o blog veiculava reportagens realizadas por repórteres que viajavam o país mostrando como eram as eleições e as campanhas nos locais mais longíquos do Brasil.

VEJA MAISwww.campanhanoar.folha.blog.uol.com.br

Outro veículo que se sobressaiu de maneira contunde foi o portal G1 do grupo Globo através de um vasto acompanhamento dos candidatos a prefeito no país. Com notícias diárias das eleições brasileira e americana, destacou-se pela qualidade na forma como expunha (de forma fácil e instrutiva) infor-mações complexas – utilizando-se de infográficos, gráficos, vídeos e imagens bem desenhadas.

Reprodução: Portal G1.com.br. Além de proporcionar uma cobertura ágil dos fatos políticos, realizou simultaneamente e ao vivo os debates de algumas capitais em parceria com a TV Globo. Assim como em 2006, fez com que a instantanei-dade da Internet aumentasse de forma considerável a audi-ência. É de se esperar que em 2010 estes recursos sejam ampliados a serviço da democracia.

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CAPÍTULO 6 • A IMPRENSA BRASILEIRA NO MUNDO VIRTUAL

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VEJA MAISwww.1.globo.com/Eleicoes2008/0,,15693,00.html

Acompanhando este “levante de blogueiros e profusões tecnológicas na

Internet”, o publicitário Duda Mendonça ingressou na era do blog, criando um verdadeiro alvoroço entre os internautas que tem gosto por propaganda política ou mesmo aqueles que estavam profissionalmente envolvidos nas campanhas.

No início de sua “navegação” publicou dicas interessantes e vídeos de eleições anteriores. Contudo, no momento em que suas campanhas come-çaram a “pegar fogo”, teve que abandonar o barco. Era de se esperar isso mesmo, em função das demandas de trabalho. E ele próprio comentara al-gumas vezes que não sabia até onde iria com aquilo. Não teve tempo nem de deixar o site atualizado, mesmo que não fosse o principal protagonista. Logo depois retirou o site do ar – www.blogdoduda.com.br. Já a página oficial do profissional está sendo reconstruída – www.dudamendonca.com.br – e deve vir recheada de novas informações

O YouTube ganhou finalmente versões oficiais. E as duas emissoras que conseguiram se sobressair no quesito informação e interatividade foram as

Reprodução: Blogdoduda.com.br. Um projeto simples que causou alvoroço na web – os acessos à página superaram o que Duda tinha inicialmente imaginado. Assista aos videos: www.youtube.com/user/blogdoduda1

Redes Bandeirantes e Globo. A primeira, pela própria história e experiência na cobertura das primeiras campanhas eleitorais desde a reabertura demo-crática. Já a segunda, pelo desenvolvimento tecnológico adquirido ao longo de anos, acrescido do fato de ter alta credibilidade e padrão jornalístico.

Reprodução: Canal Band “Eleições no YouTube”.

Neste ano de 2008, a TV Bandeirantes apresentou para os internautas uma nova ferramenta de acesso às informações – um canal direto e atualiza-do no site Youtube.com. Nele, as pessoas puderam acompanhar as principais reportagens sobre seus candidatos e tudo que estava permeando as principais campanhas Um verdadeiro “show de informações” e que colocou a empresa à frente das principais concorrentes em audiência – Record e SBT. Levando-se em conta ainda o fato destas duas nem terem um canal de noticias na Inter-net. Algo inacreditável nos dias de hoje, em se tratando de mídia nacional.

VEJA MAIS

Vale a pena conferir o Blog do jornalista José Roberto de Toledo no Portal Terra – Cobertura completa das eleições 2008.

http://blogeleicoes2008.blog.terra.com.br

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O MARKETING POLÍTICO DIGITAL E

AS FERRAMENTAS DE COMUNICAÇÃO

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As estratégias estão nas ruas e na netO ano de 2008 será lembrado dentro da área de comunicação política como um marco histórico no processo de democratização da informação

Pela primeira vez a Internet ganhou ferramentas e poderes ilimita-dos na exposição das ideias, ações dos candidatos, troca de informa-ções entre profissionais, convergência de discussões entre eleitores e ampliação da divulgação de notícias entre as mídias consagradas

estabelecidas também na esfera virtual (casos já comentados, como os jor-nais “O Globo”, “Folha de São Paulo” e “Estadão”.)

Um mecanismo muito utilizado pelos marquetólogos foi, sem dúvida, a exposição de vídeos em sites dos candidatos. Um movimento interessante, em que a televisão “entrou” no mundo virtual - trazendo consigo as características peculiares que fizeram deste veículo um grande sucesso no século XX (a combi-nação de imagens e sons que encanta a todos). Muito desta mudança de cons-trução da interface virtual se deu em razão do “fenômeno youtube” www.you-tube.com), no acesso ilimitado por pessoas que queriam acompanhar aquilo que era veiculado diariamente na TV. Ora para criticar os adversários, ora para analisar mais calmamente a mensagem dos candidatos e seus partidos, ora para rir com as hilariantes aparições na telinha, ora para acompanhar o seu ou sua “preferido(a)” mais de perto (isso sem contabilizar a necessidade constan-te de nós, profissionais da comunicação, analisarmos ponto a ponto a fala da-queles que representávamos ou mesmo como os outros estavam os vendo.

Após algumas semanas, os estrategistas da campanha de Geraldo Kassab “captaram” este processo e entenderam que era preciso utilizar com precisão o efeito da tv no espaço virtual. Isto é, apresentar na página principal víde-os que remetessem a fala do candidato ou reportagens especiais (linguagens simples, diretas e com recursos de imagem e som). Desta forma houve uma mudança de formato no sites dos principais candidatos à prefeitura, um ver-dadeiro “levante” de novas propostas de mídia. Seguindo os mesmos passos do democrata, as campanhas de Marta (SP) e Jô Moraes (MG) veiculavam algumas chamadas que tentavam de alguma forma “aprisionar o imaginá-rio” do eleitor para aquilo que suas equipes entendiam como foco principal. Aprisionar no sentido de prender a atenção, ater-se ao que era prioritário em

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CAPÍTULO 7 • O MARKETING POLÍTICO DIGITAL E AS FERRAMENTAS DE COMUNICAÇÃO

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termos de mensagem. Se o tema era colocar-se contra determinado candida-to, nada melhor do que se apresentar ao eleitor de forma contundente já no primeiro espaço disponível.

Website da campanha Kassab Prefeito. O objetivo era trazer para a rede de computadores o “fenômeno youtube”, em que milhares de pessoas procura-vam o site para assistir aos programas e as falas dos candidatos. O candidato soube bem explorar isso, mostrando pedaços de programas de tv do horário eleitoral que sua equipe entendia como um bom cenário de mensagens posi-tivas.

Na virada do primeiro para o segundo turno, Marta mudou também seu site e fez dele uma verdadeira vitrine de ataques pessoais a Kassab. Sua inten-ção, que num primeiro momento esteve centrada na comparação entre ela e o adversário (história de vida e participação política), agora aparecia na forma de “chamamentos” à população a fim de criar um factóide de possíveis erros, mentiras ou excessos do atual prefeito (a candidata precisava desestabilizar de alguma forma o democrata)

E o que restou foi o último programa de TV em que apareceria a cena fa-mosa do “vagabundo” e a “famosa carta” em que a prefeitura alegava motivos para despejar os moradores da favela.

E isso é um ingrediente básico de uma eleição. Para tentar reverter uma situação, é preciso criar um fato, um factóide, para que os holofotes se voltem contra o oponente. O problema é quem sempre funciona. Precisa-se de algo que seja comprovadamente “pertubador”, que realmente desestabilize e que não possa se voltar ao criador.

Quem não se lembra do momento nas eleições presidenciais de 2006 quando todos estavam voltados aos problemas de Lula (casos de corrupção,

Mensalão e cia ltda) e o presidente-candidato jogou no colo de Alckmin a “bomba da privatização”. O candidato tucano teve que passar um bom tempo se explicando que não era privatista, que não iria se “desfazer” das principais estatais brasileiras – Petrobrás, Correios, entre outras. E com isso o petis-ta ganhou tempo. Parece-me um acontecimento recente na história política, quando um presidente do Senado foi salvo por um tal de pré-sal. Ninguém mais se falou nele.E por aí vai...

Na figura abaixo, a visita da candidata petista ao Céu da Vila Formosa – obra em construção e que conforme dissera anteriormente o prefeito, estaria pronto no final do ano. Marta foi ao local e conclamou (previamente) a im-prensa a estar presente no que ela deliberou como “ato à enganação, à menti-ra”. Na ocasião alardeou que a citada escola jamais poderia ser construída em tempo tão pequeno. A bem da verdade, estava lançando de um artifício para chamar a atenção de todos. Qual seria o “grande temor” em ter uma escola com seu término um mês antes ou depois do que o previsto? Considero que ela teve algum êxito nesta propositura, nesta ação. Só não entendi como pode ser tão amadora ao colocar militantes do PT no local (travestidos de mani-festantes espontâneos) no dia em que o candidato adversário foi vistoriar as obras. Esses “supostos militantes” estavam todos com narizes de palhaço dizendo estar indignados e cansados das “promessas falsas de Kassab”. O te-atro foi encenado demais...

Website campanha Marta Prefeita. A página mostra o início do segundo turno e a chamada da candidata para a sociedade. “Cadê o prefeito?”. (para resolver o problema queria dizer ela). A ideia de colocar um fato na mídia era o que restava. Então naquele momento o que se observava é que restava pouco mesmo. Ou quase nada.

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Website da campanha Jô Moraes Prefeita. O mesmo uso da televisão-online (de Kassab) na abertura do site. Um novo modelo de comunicação estava sendo desenhado – mais direto e atraente àqueles que não queriam “perder tempo” na navegação do site dos candidatos.

Apesar dos problemas de abordagem da campanha, a equipe de Marta não fi-cou para trás no quesito interatividade. No site da candidata existia um Chat onde os eleitores trocavam informações on-line e comentavam ao vivo os de-bates da televisão. Uma iniciativa inovadora que conquistou muitas pessoas.

Além de ousar na rede mundial de computadores com um site moderno, totalmente diferente de tudo que existe em matéria de campanha eleitoral ponto de vista da forma, de layout, Fernando Gabeira aproveitou-se muito bem das novas tecnologias da web para divulgar suas ideias e projetos (traba-lhar bem o conteúdo). Na página do candidato existia um mapa completo das milícias e do tráfico de drogas no Rio – 71 comunidades da cidade ocupadas. Os mapas utilizavam-se da tecnologia do Google Maps. A partir desta ação, muitos internautas passaram a visitar a página e opinar sobre os problemas da cidade, propondo soluções para problemas conhecidos – segurança, meio ambiente, educação, cultura etc.

Google Maps da campanha Gabeira Prefeito. Uma verdadeira aula de como cla-rear os propósitos de um candidato, montrava onde, como, quando e de que forma atuar na solução dos problemas. Tecnologia da informação a serviço da boa compreensão e de construção de uma imagem positiva do político. Alguém que se propunha a ouvir as pessoas e divulgar constantemente o feedback dos seus seguidores.

O candidato verde também publicou pólos de desenvolvimento das prin-cipais regiões da capital carioca, fazendo assim uma análise conectiva entre regiões e as atividades econômicas.

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Website da campanha Gabeira Prefeito. A tecnologia como ferramenta de dis-tribuição de conteúdo e de construção de projetos. O Google Maps foi “um coelho na cartola” que nem os mais ávidos por propaganda eleitoral pode-riam prever seu uso neste ano de 2008.Gabeira e sua equipe ousaram na dose certa.

Em São Paulo, além da própria página do candidato Gilberto Kassab, pos-suindo suas funcionalidades e atrações diversas, foi criada uma rede social extremamente apropriada para a condução daquela campanha e que tinha como objetivo “motivar e perpetuar as mensagens do candidato” (uma ação sem dúvida pra lá de obamática).

A Rede K25, organizada pela equipe de campanha do democrata foi uma das melhores ferramentas de comunicação política e de interação social já de-senvolvida em uma eleição. Lá, seus eleitores, militantes e simpatizantes dis-cutiam os mais variados temas. A ideia central era fazer com que as mesmas habilidades e facilidades presentes no Orkut fossem disponibilizadas para o público paulistano.

Reprodução: Website de campanha Kassab Prefeito

Nela coexistiam fotos, vídeos, blogs e fórum de discussões. Também ha-via um espaço para que as pessoas comentassem sobre as ações de Marta no comando da prefeitura. Um contra-ponto importante que não era um “fogo trocado”, mas um constante alerta dos “kassabianos” quanto às preparações necessárias para antever os futuros combates.

Foto: divulgação. Evento promovido pela equipe de Kassab e por vários inter-nautas da comunidade K25. O candidato não só foi ao evento, como também dialogou com as pessoas presentes.

Esta iniciativa pode ser considerada parte importante de uma nova era digital, um novo conceito de se fazer campanha e contato pós-eleição (po-dendo servir também de modelo para já tem mandato). Registrou-se assim a primeira reunião entre militantes e simpatizantes de uma campanha real, realizada através de mobilização organizada através da Internet. Um evento histórico e que mostrava por si só o encaixe perfeito entre três processos. Ini-cialmente a ação do candidato em favor do contato aberto do eleitor, apresen-tando suas propostas e permitindo que este opinasse livremente (“Semeando Ideias”). O segundo momento, a valorização do contato, o feedback daquilo que era analisado pelo “consumidor eleitoral” (a publicação das informações oriundas dos internautas e a discussão entre eles) . E por fim, a construção de um processo conciliatório entre os dois entes - o eleitor e o candidato (com o advento do encontro da Rede K25 e o permanente contato, seja através de mensagens de texto em celulares, nos e-mails enviados e na comunicação do site). Fechava-se portanto o ciclo interativo.

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Página inicial da Rede K 25

As ideias de Obama invadiram outros continentes mesmo. A página era dividida em grupos temáticos. Havia noticias atualizadas, informações sobre as reuniões, fotos, vídeos e muita interação entre os participantes. A motiva-ção dos seguidores aumentou a cada dia e desencadeou um efeito em cascata, em que novos eleitores eram “sugados” pelo crescimento do candidato (pela forma como ele conduzia sua eleição). É bom frisar, para efeitos de compara-ção, que os principais adversários de Kassab nem de longe chegaram a este “esquema de persuasão e comunicação”. Geraldo Alckmin, por exemplo, ti-nha uma página muito aquém de sua figura política emblemática (um ex-governador bem avaliado, um homem com muitos anos de história política e que havia sido recentemente candidato à presidência da república).

Kassab no celular. Uma ferramenta que outros candidatos não utilizaram. Mais uma genialidade de grandes profissionais que gerenciaram esta brilhante campanha – Luiz Gonzalez, Woile Guimarães, Moriael Paiva, entre outros. Todos os dias uma in-formação nova motivando seus eleitores. A cada pesquisa nova, uma mensagem de texto comunicava a subida do candidato nas pesquisas.

“Semeando ideias”, mais um subproduto da Rede K25. Um espaço no site onde as pessoas poderiam sugerir ideias para melhorar a qualidade de vida na cidade (cons-tava o nome do autor, a data de publicação e o projeto criado). O início de um mo-vimento interativo que terá cada vez mais força no mundo: a participação das pesso-as na construção da informação. Vejamos o site abaixo, portal Dzai, lançado há pouco tempo e que é fruto inteiramente daquilo que os internautas produzem como informa-ção, notícia (eles são os redatores).

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Portal Dzai.com.br –Os internautas são os autores dos textos publicados.A interatividade está ganhando um corpo maior e mais rápido daquilo que se imaginava.

Website da Campanha de Kassab – Jogo da Memória

Poucas vezes vi algo tão interessante como o “Jogo da Memória” de Kas-sab que conseguira “entreter na medida certa” o eleitor. Nele, o internauta era convidado a “brincar”, procurando uma frase igual no tabuleiro de peças. Frases como “Não investiu nenhum realzinho no metrô” e “Plantou coqueiros em bairros de ricos”, eram mensagens que ligavam à Marta. Já as de Kassab eram “Criou o Cidade Limpa”, “Criou 2 hospitais e 110 Amas” e assim por diante. Isto é, de maneira lúdica e descontraída, as pessoas armazenavam as informações e se contrapunham à adversária. Este é o grande “jogo” do marketing político e dos bons profissionais da área! Nada de mensagens com-plexas. Apenas boa “memória” e criatividade...

Website da campanha Kassab Prefeito – Jogo da memória (contagem de pontos e ranking dos melhores “jogadores”)

O objetivo da equipe de Kassab era ir mais adiante do que se poderia ima-ginar. Além fazer com que o internauta participasse do “jogo da memória”, eles desenvolveram um ranking dos melhores pontuadores (no sentido de es-timular o uso contínuo do produto, assim como atrair outros “jogadores”). Uma ação bem empregada que utiliza ferramentas de humor e entretenimen-to, coisa que muitos candidatos e equipes não sabem lidar. Na figura abaixo, vê-se o site de campanha do candidato Zé Maranhão (PMDB) ao governo da Paraíba (hoje governador). Um caso típico de funcionalidade baixa. Um jogo on-line sem fundamento algum. A “brincadeira” virtual não possuía nenhuma vinculação à sua campanha ou a do adversário. A ideia não agregou nada. Pior do que isso, dava a impressão que o político não teria informação para repassar ao seu eleitor ou mesmo não estava sabendo utilizar-se de primoroso espaço.

Website da campanha Zé Maranhão Governador 2006

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Youtube da campanha Marta Suplicy Prefeita.

Alguns candidatos tiveram também páginas especiais de vídeos publi-cadas na Internet. Um fenômeno norte-americano que conquistou os bra-sileiros e que ajudou a disseminar os programas televisivos dos partidos. A campanha da petista soube captar bem o momento.Além de trazer a tele-

Website da campanha Kassab Prefeito – Mapas indicativos de obras em execução pela sua administração.

visão para dentro do site, da Internet, procurou outros caminhos em que de forma oficial seus seguidores poderiam acompanhar diariamente seus programas.

Kassab mapeou em seu site as regiões de São Paulo e as obras de sua gestão. De forma semelhante à de Gabeira, utilizando-se tecnologia para le-var a informação aos internautas-eleitores. A diferença entre os dois estava justamente no fato de um possuir mandato (e poder divulgar aquilo que era visível às pessoas, aos moradores daquela cidade) e o outro colocar medidas e providências no campo ainda das ideias, dos projetos possíveis. Essa separa-ção entre os dois não poderia excluir o “ganho” que o candidato carioca teria com sua proposta. Contudo, é notório que as pessoas se prendem muito mais naquilo que já é “presente”, “real”, daquilo que poderá um dia ser. Mesmo assim Gabeira deu vários passos importantes...

Website da campanha Kassab Prefeito – Mapas indicativos de obras em execu-ção pela sua administração.

Além dos mapas físicos, o candidato-prefeito Kassab se utilizava indica-dores que demonstravam o quanto investira até aquele momento em cada bairro de São Paulo. Não só a quantia financeira, mas quando e de que forma tinha sido aplicada (e quais os resultados obtidos).

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Website de Gabeira. Uma produção muito bem desenvolvida pela empresa “OEstudio” (www.oestudio.com).

Além de um aspecto visual inovador (assim como seu jingle que tinha um apelo mais musical do político), o site de Gabeira criava sinergia entre os eleitores-internautas com enquetes e discussões. O blog era um espaço diferenciado, em que o político tornava-se mais “libertário”, e o candidato poderia escrever mais livremente seus pensamentos e reflexões sobre aconte-cimentos da campanha (aliás o próprio político sempre foi assim, um grande arquiteto de projeto e sonhos. Quem acessar sua página virá que ainda per-manece o espírito modificador e democrático. Um espaço em que os leitores podem “navegar” nos muitos modelos existentes do homem-político (jorna-lista, fotógrafo, escritor, entre outros). www.gabeira.com

Um ponto interessante (e que chamou a atenção de todos) foi o siste-ma de doação on-line desenvolvido pelo candidato carioca. Sem dúvida um pontapé inicial para a nova proposta que tramita no Congresso Nacional, a despeito de alterações na Reforma Eleitoral.

Material de campanha de Gabeira. Outra ação positiva foi o farto material colocado no ar para os internautas fazerem download – santinhos, jingles, fotos, programas de governo, wallpapers, emotiocons, entre outros.

Folder-email da candidata Manuela D’ Ávila. Muito bem produzido nas duas linguagens – texto e formato.

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Manuela iniciou um novo modelo de contato, comunicação via web. E os cuidado com a linguagem e layout (como veremos adiante) são marcas desta jovem política que surgiu para o mundo político no ano de 2004 (como verea-dora eleita na cidade de Porto Alegre), não só como um “rostinho bonitinho”, mas uma postura diferente sobre as causas sociais e a forma de se comunicar com a sociedade. Tanto foi que ao chegar a Brasília nos idos de 2007, fora co-tada para assumir o Ministério dos Esportes, hoje comandado pelo também comunista Orlando Silva.

Website de campanha de Manuela.

Uma das inovações desta campanha (e muito bem vinda) foi a utilização do espaço concedido pelos candidatos majoritários para divulgação dos pro-porcionais. Os vereadores em algumas campanhas ganharam um local nos sites dos candidatos a prefeito para divulgar suas propostas. É uma pena que poucas propostas ainda existem neste sentido. Parece-me claramente que os candidatos a prefeito, governador e presidente entendem que as eleições dis-putadas pertencem somente a eles...

Foto:Gustavo Fleury.

Ao passear propositalmente (para colher informações para o livro) na ci-dade de Campinas-SP, nos últimos dias das eleições, vi estes materiais pro-duzidos pelos vereadores que compunham a chapa do candidato a prefeito Carlos Sampaio (PSDB). Neles, era possível identificar uma ideia também inovadora, na medida em que os eleitores poderiam visualizar nas mensa-gens dos candidatos o grupo temático mais apropriado, próximo a eles (“Eu sou comerciante, “Eu sou professor etc). Numa cidade tão grande como esta, muito oportuno focar a campanha em grupos específicos. Não que o candi-dato não pudesse trabalhar outros. Mas ali poderiam vir vários votos certos.

Foto:Gustavo Fleury.

Embora os Carrinhos-de-som ambulantes já tenham sido utilizados em outras campanhas, em 2008 ganharam novos modelos e usos. Alguns candi-

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Foto: Gustavo Fleury. Peça da campanha do candidato tucano Carlos Ro-berto em Guarulhos-SP. Uma forma de fixar a imagem do político, seu partido, nome e número. Sua equipe produziu um tucano em dois tama-nhos para que os eleitores simpatizantes à sua campanha pudessem co-locar em suas casas ou mesmo em seus comércios o souvenir.

datos apoiaram-se nestas ferramentas de comunicação para “marcar” o jingle do candidato (a mensagem). Contudo, assim como apregoa o professor Ma-nhanelli em seus cursos e em um de seus livros “Eleição é Guerra”, é neces-sário sempre ao coordenador das equipes de rua avaliar numa campanha o quanto a ferramenta está sendo utilizada, como o operador a conduz, com que efetividade etc. Isto é, saber se aquele “soldado” está sabendo manusear bem a “arma” que ganhara inicialmente. Para isso, quem o acompanha deve instruí-lo, posicioná-lo bem no “campo de batalha!”, apresentar-lhe um plano coeso e transparente de ações (os ataques), além de fiscalizá-lo permanente para analisar os movimentos e os caminhos a percorrer. Ou seja, muitas ve-zes vale mais 100 soldados bem treinados, equipados e motivados no campo de batalhas do que 10.000 que não têm a menor ideia do que fazem lá. Não estão envolvidos com a guerra, não têm comprometimento.

Na foto abaixo, podemos ver uma ideia que deu certo. Numa feira em Guarulhos-SP, os simpatizantes da candidatura de Carlos Roberto (PSDB) expressavam seu apoio pendurando tucaninhos (peça publicitária criada por sua equipe) nas suas barracas. Além de mostrarem o apoio, evidentemente ajudavam muito na divulgação da “marca” Carlos Roberto. Deu tanto certo

que se tornou uma febre local. Seus adversários logo ingressaram na justiça alegando que aquele objeto representaria um brinde. Entretanto, a Justiça Eleitoral indeferiu os pedidos alegando não se tratar daquilo que fora apon-tado uma vez que não trazia “benefícios” aos eleitores. Um excelente debate em âmbito jurídico.

Outra ação inovadora do mesmo candidato em Guarulhos-SP . Faça uma reflexão: você é candidato a prefeito numa cidade populosa, de grande exten-são territorial e sem programa eleitoral gratuito de televisão. Logo, para a informação chegar a todos os cantos, o custo é alto e o tempo é escasso para isso. Foi pensando justamente nisso que Carlos Roberto decidiu produzir milhares de DVDs com seu programa de governo para a cidade. Tecnologia, criatividade e marketing pessoal bem articulado. Mais um momento em que ele se posicionava, delimitando territórios. Este foi um caso isolado em todo o País, até onde tenho conhecimento. Entretanto, deve ser uma nova proposta que será copiada e reproduzida em outras ocasiões eleitorais.

Material de campanhaCarlos Roberto Prefeito.

Quem mora numa cidade pequena sabe o quanto significa uma carta sim-ples de um político, escrita de forma direta e franca (ainda mais quando este tem uma boa avaliação da população). Destinada principalmente às famílias

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o texto pode expressar de forma sintética e amistosa aquilo que o político pensa. Entrar na casa das pessoas de forma suave, sem estrondos e alardes. Na foto abaixo podemos ver o que o prefeito (reeleito) Luis Carlos Hori fez em Jaboticabal-SP. Para quem quer gastar milhares de reais em propagandas evasivas, muitas vezes o caminho mais fácil é o da simplicidade. Recordo-me uma vez em que minha própria mãe recebera um texto de um político que era tinha seu apreço.Ele pedia delicadamente um voto numa carta bem produzi-da, mas sem a aparência de propaganda política pura.

Material de campanha Luiz Carlos Hori Prefeito.

Material de divulgação Kassab Prefeito

Santinho de Kassab. Além de ser produzido num material plástico di-ferenciado – dificilmente de ser quebrado - conseguia agregar várias coisas interessantes. Primeiro, a figura do kassabinho, marca de identidade da cam-

panha. Segundo por ser altamente alegórico, colorido e com visual moderno, chamava a atenção de todos Além de transparecer uma imagem de alegria, descontração.

Foto: Gustavo Fleury

Kassabão e as kassabetes na Vila Sabrina em São Paulo. A imagem do bo-nachão boneco para conquistar os eleitores e posicionar a figura do candidato nos principais pontos da cidade.Mais uma estratégia dirigida pela fantástica indústria de ideias do marquetólogo Gonzalez (e sua turma).

Foto: Gustavo Fleury

Kit campanha. Outra ação que a campanha de Kassab colocou em prática com sucesso. As pessoas se cadastravam no site do candidato recebiam um conjunto de materiais políticos (adesivos, cartazes, folhetos, entre outros) em suas residências. Não se tratava de inovação, mas sim de compromisso e aproximação com o leitor. Eu mesmo fiz um teste para avaliar o quanto

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aquele serviço seria eficaz. E perdi a aposta. Em apenas uma semana, recebi o material. Já no comitê da adversária petista, onde estive algumas vezes , além de haver falta de material, não existia nenhum mecanismo coordenado de realimentação dos materiais que saíam de lá.

Foto: Gustavo Fleury

A temática da proibição do uso das camisetas esteve presente em todas as grandes cidades. Em Guarulhos, a campanha do tucano Carlos Roberto conseguiu colocar nas ruas aproximadamente cinco mil pessoas (desde o iní-cio de sua campanha) vestidas de 45 e seu nome impresso naquilo que ficou conhecido como “enxurrada dos amarelinhos”. Através de uma articulação bem sucedida de sua equipe jurídica, foi possível espalhar por toda o muni-cípio sua imagem, seu símbolo e suas ideias – jornais muito bem feitos eram distribuídos logo após cada comício.

É importante aqui salientar o parecer do juiz eleitoral daquela comarca em favor do candidato. Mesmo que esta obra não se prenda (e não tenha foco) na área jurídica, convém apresentar a análise do magistrado.

A resolução n.22.205, que regulamenta a Lei nº 11.300, de 10 de maio de 2006, que dispõe sobre propaganda, financiamento e prestação de contas das despesas com campanhas eleitorais, traz o seguinte texto em seu artigo terceiro e parágrafo sexto:

“É vedada na campanha eleitoral a confecção, utilização, distribuição por comitê, candidato, ou com a sua autorização, de camisetas, chavei-ros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas ou quaisquer outros bens ou materiais que possam proporcionar vantagem ao eleitor”.

No entendimento do juiz eleitoral que analisou o caso não era possível afirmar que o material (as camisetas) proporcionaria vantagem ilícita (ele as julgou como simples propagandas eleitorais), uma vez que não seriam utiliza-das para distribuição ao eleitoral em geral. Além de restritas ao uso dos cabos eleitorais, estes teriam que assinar um termo se comprometendo a entregar as vestimentas ao término da eleição.

E esta estratégia funcionou tanto que o “quase desconhecido” candidato saiu de míseros 4% de intenções de votos no início para um segundo turno disputadíssimo com o candidato que fora eleito, Sebastião Almeida do PT. Em alguns anos de experiência poucas vezes vi uma gestão tão bem suce-dida, orquestrada e organizada. Penso que Carlos Roberto seja o mais puro exemplo de alguém que perdeu uma batalha, mas não a guerra. Nestes 3 ou 4 meses que esteve nas ruas, no rádio, na Internet e nos jornais (em Guarulhos não há horário eleitoral televisionado) conseguiu o que muitos gostariam de fazer numa eleição. Sair dela muito mais forte do que entrou – independente de vitória ou de derrota. E mais do que isso, criar uma circunstância muito favorável para o futuro.

Mais um caso de alternativa frente à proibição do uso de camisetas – o uso da criatividade. Na foto, o cabo eleitoral circula pela cidade de São Paulo divulgando o nome e o número do candidato. Uma ideia um tanto quanto inovadora, uma vez que naquela cidade (e no país inteiro) era proibido o uso de vestimentas com o nome do candidato.Foto: Gustavo Fleury

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Website da campanha Barbosa Prefeito

Carta temática. Nela, o candidato (eleito) a prefeito de Londrina-PR, Barbosa Neto (PDT), expõe seu programa de governo aos servidores daque-le município. Esta é uma arma muito poderosa que poucos políticos lançam mão. Na verdade, todo material que possa ser segmentado, quando pensa-mos numa cidade de médio ou grande porte, traz significados positivos para os grupos sociais. Alguns são mais sensíveis e respondem de forma melhor estas ações: GLS, Portadores de Necessidades Especiais, Idosos, entre outros. Entretanto, é sempre necessário conduzir qualquer campanha de forma a “abraçar” o maior número possível de seguidores. O candidato deve enfrentar as situações sem pré-conceito, avaliando quais sãos os grupos que tem faci-lidade de penetração política na sociedade e quais precisa trabalhar melhor. Neste ponto, torna-se fundamental o uso das pesquisas qualitativas.

Marketing político na rede

Uma oportunidade de discussão interessante para as pessoas que são apai-xonadas por campanhas (ou que “arregaçam as mangas” a cada quatro anos) foi a utilização do orkut para assuntos variados nestas eleições. Desde as es-tratégias mais simples até aquilo que poderia ou não ser realizado foi tema de

discussão entre os membros da comunidade “Marketing Político”, criada pelo professor Carlos Manhanelli. Ela possibilitou (e ainda possibilita) que muitas pessoas pudessem se ajudar mutuamente, mostrando, analisando aquilo que estavam utilizando na época como ferramenta para seus clientes ou mesmo para elas próprias (já que muitos ali também eram os próprios interessados).

Tive a grata satisfação de compartilhar muitos pensamentos com os ami-gos que lá fiz (alguns duram até hoje e saíram do mundo virtual), assim como auxiliar outros tantos em seus caminhos tortuosos. Certamente esta rede so-cial continuará a ser muito acessada nos próximos anos e ganhará companhia com outras tecnologias em que eleitores estarão mais atentos às propostas inovadoras da ciência eleitoral.

Comunidade do Orkut intitulada “Marketing Político”. Um instrumento de debates políticos e de troca de informações profissionais.

Abaixo publico um texto produzido pelos redatores do projeto “E-leicao.com”, o qual considerei muito pertinente para explicar as questões jurídicas e publicitárias das campanhas dos três principais estados da federação – São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Marketing Viral & Campanha Eleitoral – Como, no tempo da web 2.0, se faz marketing viral na campanha eleitoral à luz de legislação brasileiraGabriel de Azevedo – Projeto e-leicao.com

Dizia o latim que: Dura Lex, Sed Lex. De fato, a lei é dura, mas nem sempre é seguida de maneira tão rígida. A prova ficou registrada em algumas campanhas do País. Em São Paulo, as determinações do TSE proibindo qualquer tipo de ação na internet que extrapolasse os li-mites das páginas oficiais dos candidatos foi cumprida sem questio-

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namentos. Marta Suplicy, do PT, lançou um site sem grandes apelos de interatividade. O atual prefeito e candidato eleito Gilberto Kassab (DEM) tentou inovar sem sair dos limites da legislação, que levou Ge-raldo Alckmin (PSDB) a suspender a veiculação de vídeos do Youtube em sua página por determinação do TRE paulista.

Tudo foi muito diferente no Rio de Janeiro. Na eleição carioca ambien-tes como Youtube, Orkut, Twitter, MySpace e Flickr fizeram parte da estratégia dos postulantes à cadeira do ex-blogueiro e atual prefeito Cesar Maia. Eduardo Paes (PSDB), Solange Amaral (DEM) e Fernando Gabeira (PV) colocaram a sua campanha sem rodeios dentro da inter-net. Os três candidatos fizeram o que muitos colegas de outros estados gostariam de tentar, mas se sentiram impedidos diante da Resolução 22.278 do TSE.

Gabeira, Paes e Solange postaram fotos no Flick, vídeos no Youtube e comunidades no Orkut. O candidato do partido verde foi, sem dúvidas, o mais arrojado. Divulgou suas andanças pelo serviço de microblog Twitter, o software que permite atualizações por meio de telefones ce-lulares. Solange Amaral fez na sua página um mashup, termo comum no mundo da web 2.0 que representa a união de dois serviços com o objetivo de gerar informação para os usuários. No caso da candidata democrata, ela resolveu localizar dentro do Google Maps onde moram os eleitores que visitaram seu site. Eduardo Paes montou sua galeria de fotos no Flickr, a rede social de imagens do Yahoo!.

Essas campanhas municipais de São Paulo e Rio de Janeiro são exem-plos claros de que o uso da internet não pode ser regulado como tentou o TSE. Não há como impedir que os políticos dialoguem com os seus simpatizantes, e que estes utilizem as comunidades ou serviços on-line para passar as mensagens certas. Outro fato importante em relação à rede é que ela não é uma concessão pública, como rádio ou televisão e diante deste fato não pode ser submetida às mesmas regras. As pes-soas pagam para ter banda larga em casa, mandar emails e freqüentar a rede. É assim que funciona o mundo 2.0. Na contramão de toda a interatividade 2.0 seguiu Marta Suplicy. Ao considerar a legislação, ela optou por ignorar a web 2.0, enquanto Kassab optou por incluí-la nos limites do seu site, como determinava a lei.

Na internet não havia espaço para o discurso dos políticos, e sim con-versa com o eleitor. Para que o marketing eleitoral se transforme em Marketing Viral é necessário que haja uma interação entre a vontade do eleitor e o que serve à campanha.

Gabeira virou o nosso Obama nacional no âmbito na internet por construir uma campanha que oferecia algo que se multiplicava na rede: interação e participação do eleitor. Gabeira utilizou inúmeros recursos da web 2.0. Uma campanha bonita.

Entretanto, no campo da política, não é só de beleza que vive o marke-ting viral político. No segundo turno das eleições em Belo Horizonte, a internet foi um dos campos de batalha onde lutaram os dois candida-tos. Na TV, no rádio e nos jornais, as alfinetadas foram, na maioria das vezes, irônicas ou veladas. Mesmo nos sites dos candidatos, os ataques foram civilizados. Mas, como na internet a autoria e a veracidade são difíceis de provar, uma onda de ataques, de ambos os lados, via e-mail, nas redes sociais e blogs, proliferam diariamente. O maior fenômeno viral ficou por conta da equipe de Márcio Lacerda, que conseguiu car-regar um vídeo no youtube, com a participação do ator Tom Cavalcante imitando Leonardo Quintão. Foram quase um milhão de visualizações em pouco menos de duas semanas. Somado ao vídeo, um canal chama-do Paredão do Quintão, foi criado de modo a ironizar o candidato com vídeos que apelavam para o humor e a ironia. E-mails, Twitter, blog anti-Quintão...um verdadeiro arsenal foi montado no segundo turno, na campanha do candidato do PSB, usou-se tudo aquilo que não havia sido utilizado.

Do lado do Quintão: dois blogs comunidades no Orkut, correntes de e-mail atacaram o adversário...

Já por parte dos eleitores... dois blogs “anti” cada candidato foram cria-dos: o anti-Lacerda e o anti-Quintão. Basicamente, repassavam (não criavam) os conteúdos dos e-mails disparados diariamente pelas equi-pes de cada candidato. Isso sem falar nos inúmeros posts “off-topic” – fora do tema geral – postados por blogueiros comentando sobre os candidatos em seus blogs pessoais.

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Também no YouTube, vídeos prós e contras para Quintão e Lacerda. Vá-rios deles, inclusive, amadores ou de debates em universidades de BH.

Todo esse marketing virou viral, se espalhando pela rede. Na campa-nha do segundo turno, o tom mudou... E a campanha na internet, em ambos os lados sentiu isso. Por exemplo, o site oficial de Quintão pas-sou a exibir, em destaque, mensagens dos eleitores-internautas.

Em suma, marketing viral na eleição resumi-se em abolir a postura de discurso em cima de palanque para uma tentativa de diálogo com o eleitor. (Fonte: http://www.e-leicao.com/?p=211)

Marta Suplicy a primeira de todos candidatos a prefeitura de São Paulo a lançar sua pagina na Internet (12.07.09), trouxe outras boas experiências – além daquelas aqui já analisadas.Uma delas foi o pensamento à frente dos demais adversários (Kassab e Alckmin principalmente) no intuito de conse-guir agregar um grupo etário historicamente desprezado pelos políticos: os jovens. Através da proposta de criação da Internet banda larga gratuita – uma realidade em muitos paises do exterior –, grande parcela das pessoas (e ainda poderiam ser incluídos até aqueles que não considerados estatisticamente “jovens”) entusiasmou-se e viu neste projeto uma ideia pra lá de fascinante. Eu mesmo tive a oportunidade de realizar uma pesquisa com cerca de 100 pessoas entre idades de 16 a 30 anos, e senti esta mudança repentina. En-tretanto, seus principais oponentes fizeram de tudo para “minar” a ação e no final acabaram criando um sentimento de “descrédito” – o que inviabilizou a estratégia. É bem sabido que a “desconstrução” deste projeto acabou ocor-

Website da Campanha Marta Suplicy Prefeita.

rendo pela própria desfiguração da candidata – que sofrera ataques diversos e não resistiu à subida meteórica de Kassab nas pesquisas. Mas poderá servir para outras campanhas e momentos políticos....

Marta também lançou mão de outras boas propostas como o “Metrô da Periferia”, que tinha como objetivo central atrair os votos daqueles que um dia foram seu público-alvo (e que naquela ocasião estavam aos poucos mi-grando para o lado de Kassab).

Foto do Designer de Interface Gustavo Mandú. Veja mais seus trabalhos em www.cidadevazia.com

Uma outra ferramenta utilizada por alguns políticos, quando da proibição do uso das camisetas, foi sem dúvida a criatividade. Na foto acima podemos ver uma espécie de “baner ambulante”, em que o cabo eleitoral circula pela ci-dade de São Paulo levando o nome, numero do candidato e seu slogan – todos de fácil leitura e com grande poder de chamar atenção do eleitorado.

Foto:Gustavo Fleury.

Outra artimanha bem utilizada por vários candidatos no país em 2008 foi sem dúvida o uso do “carro-outdoor”, uma espécie de painel ambulante que soube muito bem divulgar o nome do candidato. Apesar da legislação elei-

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toral possibilitar o uso desta ferramenta, muitos candidatos chegaram a um limite jamais imaginado (no que diz ao tamanho da propaganda). Em duas fotos podemos evidenciar este uso. O primeiro é do candidato Carlos Roberto (PSDB) – foto na página anterior –, que preencheu a cidade com milhares de peruas com sua logomarca estampada (uma estratégia bem desenvolvida em harmonia com outras aqui já evidenciadas).

Foto:Gustavo Fleury

Já o outro se refere ao “foguete eleitoral” criado pela equipe do candidato a vereador da mesma cidade (Guarulhos), Alan Neto (PSC) – foto acima. Era impossível não ser notado ao circular pelas ruas. Aliás Alan, o vereador mais votado daquela eleição, é mesmo mestre em divulgação e persuasão eleitoral. Seu jingle “Vote certo no Alan Neto....” é o mais conhecido no município e ele utilizou-se de uma estratégia muito interessante. Seu pai circulava em todos os bairros com um carro (convencional) tocando sua música numa pequena caixa de som acoplada ao veículo. Considerado uma figura simpática, afável e com grande entusiasmo, este senhor percorria quilômetros a fio diariamente realizando aquele trabalho. Resultado: as pessoas se comoviam com o esforço realizado e sentiam que a energia produzida não poderia ser em vão - além do fato óbvio de armazenar em suas mentes o jingle. Urnas abertas, o candidato foi o mais votado. É evidente que esta ação não foi a mais preponderante para que fosse eleito. O homem político já existia (oriundo de uma família política, já era um vereador bem atuante naquela ocasião, tanto que depois foi eleito presidente da Câmara Municipal). Entretanto, estas são marcas importantes e que muitas vezes colocam “um tempero especial” na eleição. E mais do que isso, mostram como o fator “emoção” conta muito numa campanha (a forma

como se apresentar ao eleitor, o carisma, o envolvimento, a interação, o res-peito e a motivação criados).

Para isso, novamente é importante frisar um detalhe dito anteriormente. Nada adianta numa campanha ter um “exército” de soldados mal treinados, desmotivados, que não conhecem as armas que tem nas mãos (como manu-seá-las) e não têm em mente um plano bem elaborado de ataque.

Uma outra ação do mesmo candidato tucano em Guarulhos (e muito louvável em termos de persuasão e fortalecimento do contato com os cida-dãos) eram seus eventos políticos. Veja abaixo o relato da sua assessoria de comunicação explicando como se processava a logística dos comícios e o pós-evento.

A interatividade com os populares foi bastante marcante nos 45 comí-cios realizados pelo candidato Carlos Roberto (PSDB).O sucesso das reuniões dependia da conclusão do seguinte ciclo:

1. Equipes eram enviadas ao bairro onde seria realizado o comício com

o intuito de levantar as problemáticas e buscar soluções dentro do plano de governo;

2. Populares (comerciantes e moradores mais antigos) eram convida-dos a comparecer a reunião e indagarem o candidato quanto à suas propostas;

3. Já na reunião, o vídeo institucional da campanha, de aproximada-mente 8 minutos era exibido e iniciava-se então a interação com a população;

Uma equipe de jornalistas colhia informações e depoimentos para elaboração do jornal do bairro, que era distribuído no dia seguinte à reunião.

Foto: PSDB Guarulhos. Na imagem o candidato com uma eleitora. A emoção e o envolvimento foram marcas de sua campanha.

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Veja a seguir uma entrevista que fiz com o publicitário Moriael Paiva, dire-tor de criação da Agência Talk Interactive (talk2.com.br) e um dos “mentores” da campanha online de Gilberto Kassab, juntamente com os profissionais da Agência Lua Branca (luabranca.com.br) – Luiz Gonzalez e Woile Guimarães.

No processo de criação do site (kassab 25), vocês utilizaram al-guma ideia da campanha americana do Obama? Vocês acompa-nhavam o que acontecia nos EUA?

Moriael – Acompanhamos tudo o que rolou na campanha do Obama, desde o início das prévias no ano anterior. A campanha sem dúvida é um marco, mas no que diz respeito às tecnologias, é o que também dispomos por aqui. A diferença é que nos EUA o uso é mais intensi-vo. Não utilizamos as idéias, mas apostamos no mesmo conceito que representa a era da web 2.0: distribuir poder pela web. Falar com to-dos abertamente, sem medo de receberem críticas. Procuramos ouvir e não apenas falar. A partir dos espaços criados, fomos em busca de engajar pessoas e mobilizar a favor do nosso candidato.

Existiu da parte do candidato algum desejo de levar adiante o projeto, no sentido de ter uma página no ar para manter con-tato com os eleitores? (Uma pagina .com ou .com.br, uma vez que o TSE retirada do ar as páginas .can.br ao final do processo eleitoral)

Moriael – É oportuna a pergunta, porque dá a deixa para mostrar como precisamos avançar no que diz respeito à legislação. No Brasil, pasme, não é possível sequer comemorar a vitória no site! 48 horas antes da eleição o site teve que ser retirado do ar e não pôde voltar nem pra gritar que ganhou, sob pena de configurar propaganda fora de época. É até ridículo, mas é a nossa lei. O Prefeito Kassab pode e deve mesmo é continuar o contato com as pessoas na Internet enquanto no cargo, mas não pode fazer uso do mesmo mailing da eleição, nem mesmo fazer referência ao pleito. O Obama parece frequentemente com mensagens para toda a sua base, enviada pelo partido via um pro-jeto chamado "Oganization For America", que nada mais é do que a continuidade da estrutura de campanha. Como vê, precisamos evoluir bastante nisso ainda.

Você tem conhecimento de alguma outra campanha que tenha utilizado ferramentas semelhantes? Acredita que a Internet é uma ferramenta preponderante para o sucesso de um candida-to? Isto é, antes pensada apenas como consequência, hoje pode ser entendida também como causa de um movimento virtual de motivação e interatividade?

Moriael – No Brasil, a campanha que buscou a mesma linha foi da do Gabeira. No entanto, vejo que não havia um alinhamento de comuni-cação com outros meios – o que é fundamental. E nem mesmo a devi-da promoção dos espaços, criados e depois abandonados. Sobre o que a Internet representa, acredito que é um caminho sem volta que os políticos conheçam e façam uso do meio que mais cresce em presença no dia-a-dia das pessoas. Por isso fica cada vez mais importante. E o grande valor desse meio interativo que hoje permite dar voz às pesso-as se tornará decisivo numa campanha eleitoral no momento em que conseguir, além de mobilizar as pessoas on-line, levar esses movimen-tos para o mundo real, convencendo pessoas que não são atingidas no primeiro impacto. Esse é o objetivo a perseguir. Afinal, o voto que elege é o da urna e não tem nada de virtual, não é mesmo?

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Obamas Unidos da América

Barack Obama era um ilustre desconhecido para o Brasil e muitos pa-íses no início de 2008, mas não para os Estados Unidos. Eleito em 1996 pela primeira vez para o Parlamento estadual de Illinois, trans-formou-se numa figura nacional ao proferir o discurso principal da

Convenção Democrata em 2004. Discurso que para muitos é considerado um dos melhores da história americana.

Nascia naquele momento uma nova figura política no cenário yankee. Não apenas um candidato ao Senado de um estado, mas alguém com um carisma e uma energia que contagiava quem estivesse por perto. Qualidades fartas ao “homem político” diferenciado- uma luz interna que aproxima e cativa às pessoas. Assim foi com Kennedy, Reagan, Clinton, entre outros que cresce-ram sobre um forte holofote pessoal. Uma inegável virtude de sensibilizar os cidadãos pelo seu discurso.

Embolado na disputa do partido democrata americano nas prévias, Obama conseguiu superar não só o pré-conceito de ser o primeiro presidente

Foto: divulgação. O Herói na sua forma mais natural possível. Oba-ma, o líder de uma nova nação ou o seguidor de velhos paradigmas?

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negro a comandar o país, mas também a preferência evidente pelo nome de Hillary Clinton – a favorita e “queridinha” da América. Lembrando-se que no ano de 2000, o candidato nem conseguira ao menos um passe para o pátio central da convenção democrata.

Aqui no Brasil, aqueles que puderam acompanharam o retorno do siste-ma democrático vivenciaram um fenômeno semelhante (em alguns pontos), encarnado na figura de Luis Inácio Lula da Silva – o “homem simples”. Sem dúvida um grande exemplo deste “mito carismático”, com peculiaridades próprias em terras tupiniquins, aliado ao “sonho tropical e de revolução es-querdista” que mais tarde seria esvaziado em função dos próprios caminhos do governo petista. Já o americano a imagem da elegância, da postura e da boa oratória – com doses de emotividade e racionalidade ao mesmo tempo.

A esperança

Ao contrário do que poderia ser, o discurso de Obama naquela data fes-tiva de 2004 não oferecia aos eleitores ideias inovadoras, apenas reforçava as promessas de um Estado protecionista e de um bloco antagônico às ações de Bush e seu governo (o mesmo enfoque ditado por todos os democratas americanos).

Porém, ali apareceria um ingrediente apimentado e que traduziria mais à frente o tema de sua campanha vitoriosa – a palavra “hope” (esperança). Ele deixaria no evento mensagens subentendidas em expressões como “the au-dacity of hope” (a audácia da esperança), que viria a ser mais tarde o título do livro publicado que serviu de manifesto para a sua campanha presidencial. E levantaria questões que muitos não souberam “abraçar” politicamente. “Mi-nha presença neste palco é improvável. Sou filho de um estudante estrangei-ro do Quênia que veio aos EUA. Minha história é parte da história americana maior, que tem fé em sonhos simples: vida, liberdade e busca pela felicidade. Não há uma América liberal ou conservadora, uma América branca ou negra, há os Estados Unidos da América” dizia ele.

Poucos meses depois, triunfaria na corrida ao Senado do Illinois (muito mais facilmente do que se esperava, em parte porque seus adversários repu-blicanos se autodestruíram). Em 2006, avançaria com a sua candidatura à presidência lentamente até conquistar a confirnaça de todos.

Yes, we can (Sim, nós podemos)

“We can change”, uma das frases mais pronunciadas em todos os meses daquele ano. Mas que mudança era essa afinal? Uma mudança dos rumos da economia? Uma nova forma de relacionamento com os países latinos, afri-canos e asiáticos? Muitos se questionaram ao longo dos meses da campanha, mas poucos se aprofundaram efetivamente em entender o que significaria aquela frase....

O fato concreto é que a primeira “grande mudança” começaria já na par-ticipação popular na eleição, o envolvimento do eleitorado e a motivação criada por um conjunto de sinergias pré-estabelecidas. Ações desenvolvidas por uma equipe cuidadosamente escolhida (e gerenciada também). Estádios e palanques lotados, shows de música com cantores famosos. Tudo muito co-lorido e espetacularizado. Uma energia sem dúvida revitalizante e que trouxe para perto um dos públicos mais abandonados nas últimas eleições – os jo-vens americanos.

Material de campanha de Obama. O símbolo da mudan-ça, sempre presente em todos os momentos da cami-nhada democrata.

Na foto, o candidato olhava para o infinito, querendo transparecer que “seus olhos” não tinham limites. “Ele enxergaria aquilo que ninguém con-seguira anteriormente” (essa era mensagem inconsciente). Sim, ele poderia. E, para isso, precisaria do auxílio de todos – esta era ferramenta principal de

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persuasão do eleitoral. E seu jingle, “We can change” (Nós podemos mudar) traduzia o “sonho americano” de reconquistar a esperança em si mesmo. Ob-serve o jingle oficial do candidato (as palavras empregadas e o que está por trás delas).

YES WE CAN

Música oficial da campanha de Obama composta pelo integrante do Black Eyed Peas, Will.I.Am

Veja no Youtube o video:http://www.youtube.com/watch?v=jjXyqcx-mYY

It was a creed written into the founding documents that declared the destiny of a nation.Na fundação, num documento escrito, foi declarado o destino de uma nação.

Yes we can! Sim, nós podemos!

It was whispered by slaves and abolitionists as they blazed a trail toward freedom.Foi sussurrado pelos escravos e abolicionistas, no caminho para liberdade. Yes we can!Sim, nós podemos!

It was sung by immigrants as they struck out from distant shores and pioneers who pushed westward against an unforgiving wilderness.Foi cantado pelos imigrantes, distantes de suas pátrias, e pelos pioneiros que foram pressionados para o oeste, contra um inesquecível e implacável território.

Yes we can! Sim, nós podemos.

It was the call of workers who organized; women who reached for the ballots; a President who chose the moon as our new frontier; and a King who took us to the mountaintop and pointed the way to the Promised Land.Foi o convite aos trabalhadores organizados; mulheres que puderam votar; um presidente que escolheu a lua como sua nova fronteira; e um rei que nos trouxe ao topo das montanhas e apontou o caminho para a terra prometida.

Yes we can to justice and equality. Sim, nós podemos ter justiça e igualdade.

Yes we can to opportunity and prosperity. Sim, nós podemos ter oportunidade e prosperidade.

Yes we can heal this nation. Sim, nós podemos cicatrizar esta nação.

Yes we can repair this world. Sim, nós podemos reparar este mundo.

Yes we can! Sim, nós podemos. We know the battle ahead will be long, but always remember that no matter what obstacles stand in our way, nothing can stand in the way of the power of millions of voices calling for change. Nós sabemos que a batalha futura sera longa, mas lembrem que não importa os obstáculos no nosso caminho, nada pode conter o poder de milhares de vozes que clamam por mudanças. We have been told we cannot do this by a chorus of cynics...they will only grow louder and more dissonant ........... We’ve been asked to pause for a reality check. We’ve been warned against offering the people of this nation false hope.Um coro de cínicos nos têm dito que nós não podemos fazer isto. Eles vão apenas gritar e parecer mais dissonantes, nos tem sido pedido que encare-mos a realidade. Nós temos sido avisados contra oferecer falsas esperanças para o povo desta nação.

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But in the unlikely story that is America, there has never been anything false about hope.Mas, improvável na historia do que e a América, a esperança nunca foi falsa. Now the hopes of the little girl who goes to a crumbling school in Dillon are the same as the dreams of the boy who learns on the streets of LA; we will remember that there is something happening in America; that we are not as divided as our politics suggests; that we are one people; we are one nation; and together, we will begin the next great chapter in the American story with three words that will ring from coast to coast; from sea to shining sea.As esperanças de uma menina que vai para uma escola em Dillon, e a mesma dos sonhos dos meninos que aprenderam nas ruas de Los Angeles; nós iremos lembrar que alguma coisa aconteceu na América; que nós não estamos divididos como e sugerido por nossos políticos; nós somos um único povo; nós somos uma nação; e juntos, nós começaremos o próximo grande capitulo na historia da América, com três palavras, que ressonarão de costa a costa; do mar ao brilhante mar.

Yes. We. Can.Sim. Nós. Podemos.

O homem

Nascido em 1961 no Havaí, Barack Hussein Obama II viu seus pais se separarem ao completar dois anos de idade. Quando criança, morou na Indo-nésia após a mãe se casar com um indonésio. Mais tarde foi para o Havaí viver com seus avós brancos.

Iniciou sua carreira como líder de algumas das comunidades mais po-bres da cidade de Chicago. Frequentou a Faculdade de Direito de Harvard, na qual foi o primeiro afro-americano eleito presidente da Harvard Law Review (Revista de Direito de Harvard). Na universidade conheceu sua mulher, Mi-chelle, com quem se casou em 1992. No mesmo ano dirigiu o Projeto “Vote Illinois”, que inscreveu 150 mil novos eleitores (começaria aí o conhecimento do processo de envolvimento com as comunidades).

Para todos que conviviam com aquele jovem, uma das coisas que mais lhe chamavam a atenção era o incrível autocontrole e capacidade de orga-nização de ideias, expondo em gestos e vozes uma segurança descomunal aquilo que ele sonhava. Apesar de toda essa construção de força de imagem que veio desde a juventude, Obama mostrou-se durante a campanha um lado descontraído, no intuito claro de dizer que o super-herói era tão igual aos outros. Um americano fã de basquete e cheeseburger, que confessara em sua autobiografia ter usado maconha e cocaína – “Dreams from my father”. Isso também era estratégico. “Somos iguais enquanto cidadãos”.

As barreiras

Durante a campanha foi “acusado” várias vezes de pertencer à religião muçulmana (com o objetivo claro de ligar sua imagem ao extremismo e o terrorismo do 11 de setembro). E as “falácias” foram reforçadas com a divul-gação de uma foto na qual aparecia com trajes típicos em visita ao Quênia, onde sua família paterna mora até hoje. Entretanto, soube de forma serena evidenciar sua preferência à Igreja Baptista da Trindade Unida em Cristo, em Chicago (além da proximidade com o reverendo Jeremy Wright, mentor espiritual de Obama e cujos polêmicos sermões criaram problemas para sua campanha eleitoral). Mais do que isso, conseguiu angariar muitos votos da-queles que se sentiam “perseguidos” pelo pré-conceito instalado nos Estados Unidos. Isto é, o feitiço acabou se voltando contra o próprio feiticeiro (leia-se Partido Republicano que “pregou” o boato...).

Entretanto, algumas pedras ainda existiam em seu caminho. Todas as pesquisas afirmavam que seu calcanhar de Aquiles estava centrado na clas-se média-baixa, nos trabalhadores brancos e naqueles estados politicamente conservadores. Locais onde a turma de Bush dizia ser Obama a representação do mal, daquele que não teria “pulso firme” para vencer dois dos principais problemas nacionais: segurança e política externa. Em função disso, teve que percorrer todas os estados, fortalecendo (através da Internet e de mobiliza-ções sociais) a relação com as pessoas – principalmente os grupos que se sen-tiam “marginalizados” pela retórica democrata.

Outro ponto incômodo era a existência de uma concorrente de “peso” ao seu lado. Uma mulher com carreira política meteórica e com grande carisma junto à população. Referendada pela experiência do marido (ex-presidente

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norte-americano), Hillary Clinton, conseguira vencer Obama na primária de New Hampshire, na qual ele era tido como grande favorito. Na ocasião, foi necessário a Obama fazer uma extensa reflexão com relação aos caminhos que deveria percorrer até o final da disputa pela vaga dentro do partido. Caso contrário, não chegaria estabilizado emocionalmente e confiante para vencer os republicanos. E isso era preciso, mais do que necessário. Não transparecer ansiedade, uma vez que toda campanha estava embasada na construção da sua figura política, do “eu” Obama.

Mesmo diante de todas dificuldades, em todo o país ocorriam manifes-tações de apoio a seu nome – da Costa Leste a Oeste. Grandes eventos como San Antonio Pride, Utah Pride Festival, West Hollywood Pride Parade e na movimentação das pessoas que saíam às ruas em favor do seu nome, sua mensagem de mudança.

Na visão de Obama, não era só necessário conquistar o voto dos latinos e dos negros. Era preciso ir além, resgatar a “esperança” de todas as comu-nidades americanas, uma vez que os “Anos Bush” foram extremamente des-gastantes não só para aquelas pessoas, mas todo o mundo. Não só de guer-ras infundadas, mas destruição do capital social. A esperança precisaria ser revigorada e ele teria a “missão” de dizer ao mundo que os americanos não desejariam mais conviver com o “carimbo da soberba” em suas testas. Para isso, teve que usar do poder da retórica e carisma para vencer qualquer medo ou temática política negativa.

Website FighttheSmears.com (Lute contra os Ataques). Para combater os rumores negativos sobre sua campanha e sua pessoa, a equipe de Obama desenvolveu uma página na qual várias acusações e boatos eram rebatidos.

O rival

Nascido no canal do Panamá em 1936, pai de sete filhos (três deles adota-dos), casado com a herdeira de uma das maiores cervejarias americanas; John McCain seguiu a trilha comum daquele que é coadjuvante de um momento histórico, mas que não esmorece diante das dificuldades. Lutou até o fim, com as armas que eram possíveis.

Tido como um “liberal”, num universo de ultraconservadores, este senhor de cabelos grisalhos conquistaria antecipadamente a vaga na disputa pelo partido republicano. Isso tudo num cenário mais disputado (politicamente) que Obama, em que figurões da política nacional jogaram pesado na con-quista dos eleitores. Rudolph Giuliani, (ex-prefeito de Nova York, apelidado de “O prefeito da América”); Mike Huckabee (ex-governador do Arkansas e grande revelação daquela eleição) e Mitt Romney (ex-governador republicano do Massachusetts).

Defensor da guerra do Iraque e contrário à legalização do casamento homossexual e do aborto (excetuando-se o incesto e o estupro), mostrava-se favorável a restrições mais enérgicas na contenção da imigração ilegal no país. Crítico ferrenho dos gastos do governo Bush e na conduta empregada nas várias guerras daquele governo, apresentava também uma conduta mais decidida na questão ambiental.

Neste jogo complicado em que o ex-combatente militar McCain se envol-veu, o “senador cabeça-quente” – apelido ganho na vida política – utilizou-se de uma estratégia simples: colocar o “medo” à população pela ameaça real dela ser comandada por um presidente jovem (sinônimo de inexperiente) de-masiadamente liberal (sinônimo de inseguro) e que não conseguiria segurar o freio da crise econômica mundial e a ineficiência americana nas relações exteriores (despreparado tecnicamente). Justamente por estas razões que Obama escolhera o veterano senador Joe Biden para formar sua chapa na campanha - considerado com um amplo conhecimento em dois assuntos de grande interesse da população americana: segurança nacional e política ex-terna.

Em seus diversos discursos – principalmente no final da campanha – o republicano tentou criar no imaginário popular a figura de alguém com es-pectro combativo e com jogo de cintura para enfrentar as críticas contra sua própria personalidade. Presença constante em talkshows nacionalmente co-nhecidos e em comícios lotados, McCain não só se complicou, como também

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não conseguiu reverter a imagem consolidada por Obama (prestou-se até em muitos momentos a “grandes papelões”. O limite ínfimo entre o divertido e o ridículo).

E o pior de tudo, não conseguir tirar os méritos da referendada “mudança” que seu opositor apregoava. Como poderia ele querer colocar-se na posição de alguém que iria alterar o cenário social e econômico deixado pelo legados de oito anos do governo Bush ? As pessoas estavam “fartas” dos erros do ex-presidente, de sua forma hostil nas relações externas e na fragilidade sócio-econômica em que o país se encontrava, devido a uma crise hipotecária.

É a mesma cena que nós, brasileiros, vivenciamos em 2002. Quem se recorda da canção da campanha de José Serra na eleição daquele ano ? “A mudança é azul, a mudança...”. Mas que mudança, se ele, Serra (Ministro da Saúde), era a imagem em pessoa do continuísmo de FHC ? Por mais compe-tente e avaliado que fosse, não conseguiria mudar “os ventos daquela eleição” que tinham apenas um norte.

Na verdade, o grande obstáculo de McCain não fora ele mesmo, mas sim o sentimento que estava no semblante de cada americano. “Sim, nós pode-mos”. “Podemos fazer diferente, podemos ser diferentes para nós mesmos e para o resto do mundo. Podemos reconstruir o american dream e reconquis-tar o mercado financeiro mundial, atualmente nas mãos da gigante China”.

Novamente podemos nos remeter a um dos pensamentos básicos do ma-rketing político – o momento eleitoral. Aquele cenário americano urgia por mudanças, a população queria algo novo, diferente. Poderia ser Obama, como poderia ser Hillary (ou até outro). A diferença entre um e outro esteve centra-da menos na qualidade técnica e mais na forma como cada um conduziu sua campanha – a comunicação, o processo de persuasão, conquista e deflagração de novos territórios (físicos e virtuais).

As armas e táticas eleitorais A interatividade, o poder de persuasão, a contínua motivação, o respeito pelos eleitores e a organização da informação.

Uma das ferramentas mais potentes da campanha de Obama foi, certa-mente, o uso das novas tecnologias e táticas de disseminação de informa-ções. E na maior parte do tempo o “campo de batalha” esteve centrado na rede mundial de computadores.

Talvez a grande percepção da equipe que conduziu sua campanha foi de que a Internet não seria só “Consequência” das ações do candidato, de suas ideias, desejos e visões (assim como os políticos brasileiros pensam até hoje). E sim uma das principais “causas” de um grande movimento. Nunca antes alguém havia pensado e arquitetado uma campanha no mundo utilizando-se de tamanhas artimanhas –uma rede virtual capaz de aproximar pessoas, motivá-las, inseri-las num processo maior, ouvindo ideias, pensamentos e todos aqueles que quisessem opinar sobre a construção de um novo país, um novo modelo de se fazer política. Entretanto, vale a pena frisar que de nada teria adiantado todo este “aparato”, caso os norte-americanos não quisessem a mudança. Mas isso será falado mais adiante.

Para este trabalho, a campanha de Obama resgatou do mundo cibernético um jovem de 23 anos formado em história e literatura, dinâmico, irreverente e criativo – Chris Hughes. O criador do Facebook foi o então responsável pela implementação e o gerenciamento de duas armas de guerra imprescindíveis para a vitória do democrata – BarackObama.com e o My.BarackObama.com (MyBO). O primeiro era inicialmente uma página de informações do candi-dato, contando sobre sua vida, projetos e notícias. Já o segundo utilizava a mesma concepção do projeto do Facebook ou mesmo do Orkut (produto velho conhecido pelos brasileiros)- o princípio da interação entre comuni-dades e pessoas. O resultado disso tudo foi a reunião de 2 milhões de perfis, quase 40 mil grupos, 1 milhão de visitantes que doaram alguma quantia para a campanha Obama (uma arrecadação de U$ 639 milhões de dólares de pes-soas no mundo inteiro - 1 /3 de tudo que o candidato conseguira em termos financeiros) e muitos e muitos blogs,. E o principal de tudo, a motivação de pessoas que quiseram participar de alguma forma desta conquista – uma es-pécie de “Second Life da Política”.

Para ilustrar o poder das redes sociais e do envolvimento das pessoas, na chamada “Super Terça-feira” (o dia em que muitos estados americanos têm eleições primárias e quando são eleitos o maior número de delegados – aque-les que indicam quem será vencedor ou não da eleição geral), os militantes de 24 dos 50 Estados americanos foram às urnas escolher os candidatos de seus partidos. Em Maryland, quando os chefes da campanha de Obama de-sembarcaram lá se extasiaram com o que viram. Um grupo expressivo de voluntários formado a partir do MyBO (que se reunia semanalmente) con-seguira tudo o que precisavam. Eles haviam montado um escritório completo de fomento à candidatura do democrata. E esta ação se repetiu várias e várias vezes em pontos distantes dos Estados Unidos.

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Ali estava evidenciado o poder da Internet, que antes somente mobiliza-va pessoas sem saírem do mundo virtual.Com um país extenso, o uso da co-municação eficiente entre os organizadores e os “ativistas políticos” fazia-se necessário. Iniciava-se então um novo momento na história da rede, aquele em que os internautas utilizavam os seus contatos para mobilização e or-ganização com objetivos a encontrarem um mesmo fim : a vitória do de-mocrata. Algo parecido com o encontro realizado pelo movimento da comu-nidade K 25 (da campanha de Gilberto Kassab). Contudo, a diferença sutil é que nos Estados Unidos este fenômeno foi apenas motivado, não gerenciado, como em São Paulo. Lá os paulistanos não realizaram sozinhos um evento. O que eles vivenciaram foi fruto do trabalho da equipe de Kassab. Excetuando-se as diferenças, o importante é que em ambas o resultado (ou resultados) atingido foi benéfico, fortificou o sentido de envolvimento, motivação entre as pessoas. Isso é o importante...

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Numa entrevista à Revista Veja em 2009, um dos coordenadores da cam-panha do candidato, Bem Self (sócio fundador da Blue State Digital), expli-cou algumas das ações realizadas por ele e sua equipe nesta engenharia de comunicação e marketing. “Usamos um software que registra tudo sobre as pessoas que frequentavam o site do candidato, desde nome e email até o tipo de interação que elas tiveram com a campanha. Conseguíamos, por exemplo, saber quais eleitores liam os email que enviávamos e em quais links das men-sagens eles clicavam..”.

De acordo com ele, existia uma outra “arma” que transformava os apoia-dores de Obama em cabos eleitorais por telefone. “Com base em informações que disponibilizávamos no site da campanha sobre eleitores indecisos, os apoiadores de Obama podiam ligar para cada um deles sem sair de casa, para fazer propaganda. Em outros tempos teríamos de ter uma central de telema-rketing”.

O estrategista comentou também sobre o processo de convencimento ordenado pelos seguidores do candidato. “Outra ferramenta do nosso site era chamada “Vizinho a vizinho”. As pessoas encontravam na página de Obama o endereço dos dez eleitores indecisos mais perto de sua casa. O voluntário, então, ia até a casa dessas pessoas, conversava com elas e, na volta, colocava todas as informações coletadas no nosso site, contribuindo

para o nosso gigantesco banco de dados. Com isso, éramos capazes de saber quem ainda precisava ser convencido a votar em Obama e com quais argu-mentos”.

Por fim, explicou como seria possível utilizar estas informações (que no Brasil são restritas). “Nos Estados Unidos, qualquer um pode ir a uma re-partição do seu estado e pedir uma lista dos eleitores registrados. As únicas informações que a gente dava no site era o nome e o endereço dos eleitores, o que pode ser encontrado na lista telefônica. São informações públicas”. E isso por si só mostra a diferença entre o planejamento estratégico de campanhas tão diferentes num mesmo continente.

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Se antes as campanhas tinham apenas a televisão como canal de comu-nicação principal - aquela caixinha quadrada, iluminada, que converge ao mesmo tempo imagem e som - agora os eleitores encontravam uma ferra-menta em que a “programação” seria decidida por eles próprios (os chama-dos consumidores da informação). O costumeiro zap do controle remoto se transformaria nos clics do mouse. E mais do que a audiência propositiva, uma escolha pragmática por quem tivesse disposição para ouvir os anseios de todos e ao mesmo fazer destes desejos grande parcela dos programas de governo (o processo de interação e construção também utilizado em campa-nhas brasileiras como as de Fernando Gabeira (PV) e Gilberto Kassab (DEM) – principalmente nesta última). No entanto, é importante salientar que nem mesmo a campanha de Obama pôde se valer apenas do efeito daquilo que era produzido única e exclusivamente pelas redes de TV. Os sites e os canais de video do youtube eram nutridos constantemente pelas ações do candidato - discursos, propa-gandas, eventos, mensagens de eleitores etc. E, se pensarmos no nosso país, certamente ainda mais a dependência da internet fez-se presente nos usos de transmissão dos programas eleitorais gratuitos. As ações dos marquetólogos e profissionais de comunicação no Brasil foram exitosas à medida em que uti-lizavam as apresentações dos candidatos nas diversas aparilões e comerciais rápidos de pequenas inserções. E dificilmente teremos alguma “grande mu-dança” nos próximos anos. Isto é, a TV certamente continuará a ser talvez a mais importante ferramenta não só de disseminação de ideias, mas também de apreensão de informações básicas sobre partidos e políticos.

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Foto: divulgação. Chris Hughes, o mentor da campanha de Oba-ma para a internet. Utilizou-se da sua própria criação, o Fa-cebook, para levar a todo o país as ideias e a sinergia que o candidato engendrava nos palanques e nas visitas por to-dos quatro cantos dos Estados Unidos. No site do democra-ta as pessoas eram estimuladas a fornecer informações como endereço, nome e a se envolver de alguma forma na campa-nha. Bastava digitar o código postal de sua rua. Havia sempre algo que se encaixava dentro das possibilidades do visitante do site. Desta forma, a lista de participantes foi crescendo, e com a ela o banco de dados tão precioso.

Reprodução: Material de campanha de Obama.

O símbolo da campanha estava estampado não só nas palavras “mudan-ça” e “esperança”, mas também na expressão “você”. A ideia era mostrar que cada americano faria parte dessa grande transformação no modo de fazer po-

lítica. Pensando nisso, as equipes enviavam constantemente emails para os usuários do site democrata. Além de informar diariamente os eleitores e ob-servadores através de notícias, o uso de vídeos com trilhas sonoras especiais criavam um cenário motivador – “I ask you” (Eu lhe pergunto, lhe indago). Obama queria mesmo fazer das pessoas “agentes transformadores”. E mes-mo que não o fizesse na prática (o que é bem provável), conseguira semear o respeito e o diálogo entre os americanos.

Reprodução: Youtube. O uso contínuo do site foi uma marca . O número de pessoas que assistiram ao discurso da vitória do candidato na Internet foi superior à soma de todos telespectadores das redes de televisão nos Estados Unidos.

Na figura acima o comercial “Barack Obama loses election by on vote”. (Barack Obama perde a eleição por um voto). Nele, os eleitores assistiam a um vídeo que contava a história da derrota do candidato pela perda de um voto apenas. Um eleitor que não teria comparecido ao processo de vota-ção. Simplesmente brilhante. Além de divertido, reforçava a ação do “you” (você), de que cada um faria a diferença e que todos estariam inseridos neste movimento nacional. E a cartada final veio a poucos dias da eleição, quando Obama comprou o espaço na televisão para apresentar um vídeo de 30 mi-nutos ininterruptos. Nele, o democrata não apresentava nada de novo, ape-nas reforçava todas as ideias contidas nas mensagens anteriores, repetidas e repetidas inúmeras vezes (entre elas, os passos necessários para se vencer a crise econômica). Para a exibição do comercial, Obama gastou nada menos do US$ 1 milhão por canal de televisão. Um montante financeiro completa-mente fora dos padrões brasileiros. Porém, uma grande lição para os políticos brasileiros (e aprendizes de candidato também). A compreensão do valor e – da apreensão da mensagem. De acordo com os estudos na área da ciência

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eleitoral – depreendidos da propaganda – 12 inputs (inserções) são necessá-rios , seja na tv ou no rádio, para que o eleitor grave a mensagem e a processe de forma a compreendê-la. É por esta razão que os comerciais (não só de campanhas eleitorais) se repetem freneticamente, assim como os jingles e as aparições dos candidatos na televisão. E Obama era mestre nisso. Com uma rede virtual a seu favor 24 horas no ar, isso era fácil. Sem contar o fato de que o custo da campanha on-line era (e ainda é) menor do que os investimentos em televisão. Por mais que o democrata tivesse que perpetuar suas “bases” eleitorais, através de tecnologias de software, design e persuasão cibernéti-ca, os custos eram infinitamente menores. “Se a Internet pode ajudar-me a conquistar votos num custo menor e tem o poder de atrair pessoas que se dispõem a trabalhar de graça, porque não utilizá-la com critérios, organiza-ção e competência ?”

Acrescido a isso, o numeroso “exército” de voluntários para ajudar o candidato e suas equipes. Pessoas que se dispunham a trabalhar de graça, de forma organizada e com objetivos claros a conquistar o maior número possí-vel de indecisos. Para tanto, foi necessária uma metodologia de trabalho, per-mitindo ao mesmo que as pessoas se envolvessem sem limites para angariar novos financiadores e apoiadores, mas também criando mecanismos para que as ações tivesse mais amplitude. E todos seriam avaliados e “observados” pontualmente por organizadores da campanha de Obama.

Reprodução: Página do youtube – MyBO tour. No vídeo, a coordenadora de comunidades do mybo, Amy Hamblin, explicava como as pessoas poderiam se cadastrar, achar um grupo de afinidade e definir metas de arrecadação. Em seguida apresenta em telas específicas como divulgar as atividades em que o voluntário vai se engajar, e como lançar um blog pessoal para a Campanha. Ao final era apre-sentado o termômetro de arrecadação de dólares.

Reprodução: Página do twitter do candidato Barack Obama

Utilizado ferozmente pela equipe do candidato (atingiu a marca de 150 mil seguidores durante a eleição), o twitter só iria ganhar exposição no Bra-sil meses depois. No primeiro semestre de 2009 o universo das assessorias políticas produziu um verdadeiro “levante” em favor da aparição de inúmeros perfis de personalidades conhecidas e desconhecidas. Contudo, saber utilizá-lo profissionalmente, na dose certa do envolvimento e da proximidade com os seguidores é uma inconteste qualidade de poucos. Infelizmente, a maioria dos operadores brasileiros de ferramentas digitais, quando a serviço da classe política, são como aqueles soldados que não sabem dar um tiro de fuzil, nem ao menos identificar as pegadas do inimigo.

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Um produto tecnológico bem montado pelos membros da equipe do de-mocrata foi também o aplicativo para o telefone da empresa Apple que possibi-litava aos apoiadores de sua candidatura ligar para eleitores de outros estados para fazer campanha.  O software, através da opção “Call Friends” (ou “Ligue para amigos”) ajudava a organizar contatos em Estados americanos onde a dis-puta entre Barack Obama e o republicano John McCain estava mais acirrada.

A eleição no celular. Assim como na eleição de Kassab, os eleitores americanos eram constantemente informados sobre as ações do candidato. A diferença é que na eleição americana, os cidadãos poderiam se comunicar entre si pelo telefone.

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Uma mudança total de visual da página do candidato na Internet ocorreu no decorrer da eleição, em virtude diretamente da forma como sua campanha estava sendo desenhada, pensada. Numa primeira fase, o candi-dato simplista. Na outra, o estadista que levava sua mensagem de mudança. E mais do que isso: o super herói da nação americana. Para aqueles que du-vidavam do poder da Internet, em fevereiro de 2008, o candidato democrata já conquistara 1.276.000 doadores, 750 mil voluntários ativos e 8 mil grupos de afinidade – o que significa 55 milhões de dólares (45 milhões via Internet), 94% das doações apresentaram valores menores que 200 dólares.

Website da campanha Obama Presidente(www.barackobama.com)O início de tudo.

Website da campanha Obama Presidente no segundo momento da campanha. Tudo diferente e renovado – a imagem de estadista já bem projetada e os recur-sos de comunicação desenvolvidos. Já era possível notar o esforço da equipe do candidato em querer aproximar-se mais das pessoas (voluntários) e o uso dos te-lefones (fixo e móvel) no trabalho de convencimento e persuasão.

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Um dado interessante e que foi verificado ao final da campanha referiu-se ao número de pessoas que utilizaram a Internet para acompanhar aquela eleição. Constatou-se através de uma análise aprofundada que apro-ximadamente 55% dos cidadãos norte-americanos procuraram notícias po-líticas na rede, pesquisaram as posições de candidatos, debateram questões ou participaram de alguma forma da eleição pela Internet. Além disso, 43 % dos usuários da rede assistiram a vídeos on-line relacionados com política e eleição e 52 % dos usuários de redes sociais as usaram para fins políticos. Isso sem contar o fenômeno entre os jovens, pois em 2008 a Internet já superava o acesso a todas mídias tradicionais – TV, Rádio e Jornal.

Os recursos

“Palavras não enchem barriga”. Assim diz o famoso ditado brasileiro. E quem trabalha em campanhas políticas , principalmente as majoritárias, sabe o quanto o produto “dinheiro” torna-se um diferencial interessante – quando bem empregado. Se as letras do alfabeto não preenchem o vazio das barrigas (e mentes eleitorais), o que dizer de jatinhos para cruzar o país e um arsenal de funcionários bem preparados a ser custeado? Como qualquer trajetória eleitoral presidencial digna de um país continental e capitalista, a de Obama não foi diferente.

Uma campanha que mesmo na recessão mundial não conheceu a palavra “crise financeira”. Contabilizando-se de Janeiro de 2007 até o final da eleição (final de 2008), o candidato recebera quase R$ 1,5 bilhão em contribui-ções de doadores particulares (um fato imprevisível e agressivo ao mesmo tempo). Valor proveniente das 6,5 milhões de contribuições online feitas por um total de 3 milhões de pessoas (80 dólares em média). Além disso, tornara-se o primeiro a abrir mão do sistema de financiamento público presidencial para as eleições gerais desde que o sistema fora criado, em 1976. Já o adversá-rio republicano, John McCain, manteve-se no sistema tradicional e recebeu um valor limitado de US$ 80 milhões para toda a campanha. Num determi-nado momento até disparou contra Obama no que chamou de “compra de eleição” afirmando que o passado recente mostrava que quantidades ilimita-das de recursos em campanhas teriam como fim um grande escândalo, em di-

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reta referência ao caso Watergate. Fato conhecido mundialmente e revelado quando cinco homens foram detidos na sede do Comitê Nacional Democrata por buscarem informações confidenciais a fim de conseguir a vitória repu-blicana e reeleger Richard Nixon – o que mais tarde provocaria a sua queda.

O certo é que o sistema de motivação e interação criado e operaciona-lizado pelos “magos” da campanha de Obama conseguiu surtir efeito tam-bém no lado econômico e as doações atingiram valores vultosos no “calor” das disputas. “Nós descobrimos que as pessoas adoram fazer esse tipo de conexão, mesmo que elas não se conheçam. E elas voltam para doar 3, 4, 5 dólares”, afirmou Ben Self à época para a imprensa. Este era a “grande sacada” que traria milhares de pessoas com pequena doações, fragmentadas em cada espaço virtual existente na Internet. Somente no mês de setembro, o demo-crata arrecadar o equivalente a R$ 300 milhões. E tudo isso só foi possível graças a uma potente ferramenta, responsável por 2/3 das doações na eleição do democrata, utilizada de forma profissional pelos operadores da campanha digital: o e-mail marketing. Contudo, a equipe tinha conhecimento de que as mensagens precisavam ser objetivas, rápidas e com poucas informações ou solicitações. Outro cuidado era o foco no conteúdo dos e-mails. Além de ter uma linguagem mais informal e direcionada a quem deveria receber a infor-mação (em cada texto havia o nome do destinatário), os estrategistas procu-ravam “atingir em cheio” o objetivo pelo qual estavam ali se comunicando. Se era preciso angariar mais fundos, eles não perdiam tempo comunicando eventos, encontros.

Brasil

Recentemente tivemos no país a aprovação na Câmara de um projeto de reforma eleitoral que regulamenta justamente este dispositivo – as doações. Pela nova lei que foi acordada na Câmara (e que ainda tramita no Senado), as campanhas brasileiras poderão entrar numa nova era financeira.

A ideia é que pessoas físicas possam fazer cessões de quantias financeiras por meio de cartão de crédito a políticos, desde que respeitado o teto de 10% do rendimento de cada cidadão no ano. Antes da reforma, as doações a can-didatos só eram possíveis por meio de cheques nominais, transferências para contas dos partidos e depósitos identificados.

É um passo importante para que candidatos sem expressão ou partidos nanicos consigam de alguma forma se sobrepor aos demais. Também entre os avanços do texto aprovado está a liberação geral da Internet nas cam-

panhas, com algumas regras de proteção dos candidatos, dos partidos e da sociedade. Mas isso ainda é debate grande no Congresso Nacional e precisa ser validado.

A imprensa

Num mundo em que as premissas da liberdade de empresa se confron-tam com a liberdade de pensamentos (da imprensa), a eleição americana de 2008 foi um marco simbólico de que nenhuma informação é idônea, límpida e transparente (e não deve ser mesmo). A Lexis Nexis, uma empresa ameri-cana que rastreou a cobertura das campanhas, informou num relatório di-vulgado no mês de outubro de 2008 que o candidato Obama apresentava (na época) nada menos do que 18% a mais de inserções do que seu oponente, o republicano John McCain. E esse fenômeno não esteve localizado somen-te nos Estados Unidos. Na Europa, na Ásia, em todo o mundo. No Brasil o candidato foi “comprado” de uma forma escancarada pela mídia nacional. Só dava ele. E as pessoas nas ruas nem sabiam quem era seu adversário. “John o quê?” A construção do super-herói estava formada no imaginário de todos.

Uma pesquisa também divulgada em data próxima à primeira mostrou que grande parte da população sentia este mesmo “ar” de parcialidade. De acordo com os dados apresentados, para quase 60% dos eleitores a cobertura da mídia da campanha presidencial estava mais favorável ao candidato demo-crata e menos imparcial do que em eleições passadas.

Entretanto, o que as pesquisas não mostravam (qualitativamente) é que as inúmeras inserções na mídia – sejam quais fossem – eram fruto das pró-prias ações do candidato e do eco que reverberava na sociedade. Isto é, mes-mo tendo tempo semelhante para operacionalizar suas campanhas, a equipe do democrata conseguira de forma substancial se sobrepor a qualquer ação mais “criativa e avassaladora” de McCain. E como a Internet é uma rede mun-dial de computadores, o próprio nome já indica que seria difícil parar este fenômeno da “Obamania”. Um outro ponto fundamental é que o momento vivido pelos norte-americanos contagiou a todos, independente da profissão ou atividade profissional desenvolvida. Sim, os jornalistas também foram envolvidos, “abocanhados” pelo grande dragão da mudança. Eu conheço um país em que esse mesmo fenômeno aconteceu algumas vezes. Só não me re-cordo agora o nome.

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No enredo das conquistas do mundo virtual, Obama chegou triunfante para a vitória, como se nada pudesse abater aquilo que já era aguardado por todos. No dia em que sua vitória foi consolidada, o candidato afirmava que ‘A mudança chegava à América’. O 44º presidente da história dos Estados Uni-dos estava cercado de uma multidão (250 mil) no Grant Park, em Chicago, às margens do Lago Michigan. Veja o pronunciamento completo.

DISCURSO DA VITÓRIA – CHICAGO – 05.11.08

“Olá, Chicago!

Se alguém aí ainda dúvida de que os Estados Unidos são um lugar onde tudo é possível, que ainda se pergunta se o sonho de nossos fundado-res continua vivo em nossos tempos, que ainda questiona a força de nossa democracia, esta noite é sua resposta.

É a resposta dada pelas filas que se estenderam ao redor de escolas e igrejas em um número como esta nação jamais viu, pelas pessoas que esperaram três ou quatro horas, muitas delas pela primeira vez em suas vidas, porque achavam que desta vez tinha que ser diferente e que suas vozes poderiam fazer esta diferença.

É a resposta pronunciada por jovens e idosos, ricos e pobres, democra-tas e republicanos, negros, brancos, hispânicos, indígenas, homosse-xuais, heterossexuais, incapacitados ou não-incapacitados.

Americanos que transmitiram ao mundo a mensagem de que nunca fomos simplesmente um conjunto de indivíduos ou um conjunto de estados vermelhos e estados azuis.

Somos, e sempre seremos, os Estados Unidos da América.

É a resposta que conduziu aqueles que durante tanto tempo foram aconselhados por tantos a serem céticos, temerosos e duvidosos sobre o que podemos conseguir para colocar as mãos no arco da História e torcê-lo mais uma vez em direção à esperança de um dia melhor.

Demorou um tempo para chegar, mas esta noite, pelo que fizemos nes-ta data, nestas eleições, neste momento decisivo, a mudança chegou aos EUA.

Esta noite, recebi um telefonema extraordinariamente cortês do sena-dor McCain.

O senador McCain lutou longa e duramente nesta campanha. E lutou ainda mais longa e duramente pelo país que ama. Agüentou sacrifícios pelos EUA que sequer podemos imaginar. Todos nos beneficiamos do serviço prestado por este líder valente e abnegado.

Parabenizo a ele e à governadora Palin por tudo o que conseguiram e desejo colaborar com eles para renovar a promessa desta nação duran-te os próximos meses.

Quero agradecer a meu parceiro nesta viagem, um homem que fez cam-panha com o coração e que foi o porta-voz de homens e mulheres com os quais cresceu nas ruas de Scranton e com os quais viajava de trem de volta para sua casa em Delaware, o vice-presidente eleito dos EUA, Joe Biden.

E não estaria aqui esta noite sem o apoio incansável de minha melhor amiga durante os últimos 16 anos, a rocha de nossa família, o amor da minha vida, a próxima primeira-dama da nação, Michelle Obama.

Sasha e Malia amo vocês duas mais do que podem imaginar. E vocês ga-nharam o novo cachorrinho que está indo conosco para a Casa Branca.

Apesar de não estar mais conosco, sei que minha avó está nos vendo, junto com a família que fez de mim o que sou. Sinto falta deles esta noite. Sei que minha dívida com eles é incalculável.

A minha irmã Maya, minha irmã Auma, meus outros irmãos e irmãs, muitíssimo obrigado por todo o apoio que me deram. Sou grato a todos vocês. E a meu diretor de campanha, David Plouffe, o herói não reco-nhecido desta campanha, que construiu a melhor campanha política, creio eu, da história dos Estados Unidos da América.

A meu estrategista chefe, David Axelrod, que foi um parceiro meu a cada passo do caminho.

À melhor equipe de campanha formada na história da política. Vocês tornaram isto realidade e estou eternamente grato pelo que sacrifica-ram para conseguir.

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Mas, sobretudo, não esquecerei a quem realmente pertence esta vitó-ria. Ela pertence a vocês. Ela pertence a vocês.

Nunca pareci o candidato com mais chances. Não começamos com muito dinheiro nem com muitos apoios. Nossa campanha não foi ide-alizada nos corredores de Washington. Começou nos quintais de Des Moines e nas salas de Concord e nas varandas de Charleston.

Foi construída pelos trabalhadores e trabalhadoras que recorreram às parcas economias que tinham para doar US$ 5, ou US$ 10 ou US$ 20 à causa.

Ganhou força dos jovens que negaram o mito da apatia de sua geração, que deixaram para trás suas casas e seus familiares por empregos que os trouxeram pouco dinheiro e menos sono.

Ganhou força das pessoas não tão jovens que enfrentaram o frio ge-lado e o ardente calor para bater nas portas de desconhecidos, e dos milhões de americanos que se ofereceram como voluntários e organi-zaram e demonstraram que, mais de dois séculos depois, um Governo do povo, pelo povo e para o povo não desapareceu da Terra.

Esta é a vitória de vocês.

Além disso, sei que não fizeram isto só para vencerem as eleições. Sei que não fizeram por mim.

Fizeram porque entenderam a magnitude da tarefa que há pela frente. Enquanto comemoramos esta noite, sabemos que os desafios que nos trará o dia de amanhã são os maiores de nossas vidas – duas guerras, um planeta em perigo, a pior crise financeira em um século.

Enquanto estamos aqui esta noite, sabemos que há americanos valen-tes que acordam nos desertos do Iraque e nas montanhas do Afeganis-tão para dar a vida por nós.

Há mães e pais que passarão noites em claro depois que as crianças dormirem e se perguntarão como pagarão a hipoteca ou as faturas mé-

dicas ou como economizarão o suficiente para a educação universitária de seus filhos.

Há novas fontes de energia para serem aproveitadas, novos postos de trabalho para serem criados, novas escolas para serem construídas e ameaças para serem enfrentadas, alianças para serem reparadas.

O caminho pela frente será longo. A subida será íngreme. Pode ser que não consigamos em um ano nem em um mandato. No entanto, EUA, nunca estive tão esperançoso como estou esta noite de que chega remos.

Prometo a vocês que nós, como povo, conseguiremos.

Haverá percalços e passos em falso. Muitos não estarão de acordo com cada decisão ou política minha quando assumir a presidência. E sabe-mos que o Governo não pode resolver todos os problemas.

Mas, sempre serei sincero com vocês sobre os desafios que nos afron-tam. Ouvirei a vocês, principalmente quando discordarmos. E, sobre-tudo, pedirei a vocês que participem do trabalho de reconstruir esta nação, da única forma como foi feita nos EUA durante 221 anos, bloco por bloco, tijolo por tijolo, mão calejada sobre mão calejada.

O que começou há 21 meses em pleno inverno não pode acabar nesta noite de outono.

Esta vitória em si não é a mudança que buscamos. É só a oportunidade para que façamos esta mudança. E isto não pode acontecer se voltar-mos a como era antes. Não pode acontecer sem vocês, sem um novo espírito de sacrifício.

Portanto façamos um pedido a um novo espírito do patriotismo, de responsabilidade, em que cada um se ajuda e trabalha mais e se preo-cupa não só com si próprio, mas um com o outro.

Lembremos que, se esta crise financeira nos ensinou algo, é que não pode haver uma Wall Street (setor financeiro) próspera enquanto a Main Street (comércio ambulante) sofre.

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Neste país, avançamos ou fracassamos como uma só nação, como um só povo. Resistamos à tentação de recair no partidarismo, na mesqui-nharia e na imaturidade que intoxicaram nossa vida política há tanto tempo.

Lembremos que foi um homem deste estado que levou pela primeira vez a bandeira do Partido Republicano à Casa Branca, um partido fun-dado sobre os valores da auto-suficiência e da liberdade do indivíduo e da união nacional.

Estes são valores que todos compartilhamos. E enquanto o Partido De-mocrata conquistou uma grande vitória esta noite, fazemos com certa humildade e a determinação para curar as divisões que impediram nosso progresso.

Como disse Lincoln a uma nação muito mais dividida que a nossa, não somos inimigos, mas amigos. Embora as paixões os tenham colocado sob tensão, não devem romper nossos laços de afeto.

E àqueles americanos cujo apoio eu ainda devo conquistar, pode ser que eu não tenha conquistado seu voto hoje, mas ouço suas vozes. Pre-ciso de sua ajuda e também serei seu presidente.

E a todos aqueles que nos veem esta noite além de nossas fronteiras, em Parlamentos e palácios, a aqueles que se reúnem ao redor dos rá-dios nos cantos esquecidos do mundo, nossas histórias são diferentes, mas nosso destino é comum e começa um novo amanhecer de lideran-ça americana.

A aqueles que pretendem destruir o mundo: vamos vencê-los. A aque-les que buscam a paz e a segurança: apoiamo-nos.

E a aqueles que se perguntam se o farol dos EUA ainda ilumina tão for-temente: esta noite demonstramos mais uma vez que a força autêntica de nossa nação vem não do poderio de nossas armas nem da magnitu-de de nossa riqueza, mas do poder duradouro de nossos ideais: demo-cracia, liberdade, oportunidade e firme esperança.

Lá está a verdadeira genialidade dos EUA: que o país pode mudar. Nos-sa união pode ser aperfeiçoada. O que já conseguimos nos dá esperan-ça sobre o que podemos e temos que conseguir amanhã.

Estas eleições contaram com muitos inícios e muitas histórias que se-rão contadas durante séculos. Mas uma que tenho em mente esta noite é a de uma mulher que votou em Atlanta.

Ela se parece muito com outros que fizeram fila para fazer com que sua voz seja ouvida nestas eleições, exceto por uma coisa: Ann Nixon Cooper tem 106 anos.

Nasceu apenas uma geração depois da escravidão, em uma era em que não havia automóveis nas estradas nem aviões nos céus, quando al-guém como ela não podia votar por dois motivos – por ser mulher e pela cor de sua pele.

Esta noite penso em tudo o que ela viu durante seu século nos EUA – a desolação e a esperança, a luta e o progresso, às vezes em que nos disseram que não podíamos e as pessoas que se esforçaram para conti-nuar em frente com esta crença americana: Podemos.

Em uma época em que as vozes das mulheres foram silenciadas e suas esperanças descartadas, ela sobreviveu para vê-las serem erguidas, expressarem-se e estenderem a mão para votar. Podemos.

Quando havia desespero e uma depressão ao longo do país, ela viu como uma nação conquistou o próprio medo com uma nova proposta, novos empregos e um novo sentido de propósitos comuns. Podemos.

Quando as bombas caíram sobre nosso porto e a tirania ameaçou ao mundo, ela estava ali para testemunhar como uma geração respondeu com grandeza e a democracia foi salva. Podemos.

Ela estava lá pelos ônibus de Montgomery, pelas mangueiras de irriga-ção em Birmingham, por uma ponte em Selma e por um pregador de Atlanta que disse a um povo: “Superaremos”. Podemos.

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O homem chegou à lua, um muro caiu em Berlim e um mundo se inter-ligou através de nossa ciência e imaginação.

E este ano, nestas eleições, ela tocou uma tela com o dedo e votou, porque após 106 anos nos EUA, durante os melhores e piores tempos, ela sabe como os EUA podem mudar.

Podemos.

EUA avançamos muito. Vimos muito. Mas há muito mais por fazer. Por-tanto, esta noite vamos nos perguntar se nossos filhos viverão para ver o próximo século, se minhas filhas terão tanta sorte para viver tanto tempo quanto Ann Nixon Cooper, que mudança virá? Que progresso faremos?

Esta é nossa oportunidade de responder a esta chamada. Este é o nos-so momento. Esta é nossa vez.

Para dar emprego a nosso povo e abrir as portas da oportunidade para nossas crianças, para restaurar a prosperidade e fomentar a causa da paz, para recuperar o sonho americano e reafirmar esta verdade fundamental, que, de muitos, somos um, que enquanto respirarmos, temos esperança.

E quando nos encontrarmos com o ceticismo e as dúvidas, e com aque-les que nos dizem que não podemos, responderemos com esta crença eterna que resume o espírito de um povo: Podemos.

Obrigado. Que Deus os abençoe. E que Deus abençoe os Estados Uni-dos da América”.

O Pós-campanha. Como fidelizar eleitores

O que poderia fazer um político eleito ao cargo de chefe da nação mais poderosa do mundo? Fechar as portas e dizer simplesmente “adeus milhares de eleitores e pessoas do mundo inteiro que me acompanharam nestes dois anos” ? Sim, ele diria isso, se estivéssemos no século passado (ou então se ele fosse brasileiro, como poderemos ver adiante), quando vencer uma campa-nha era o que bastava apenas.

No entanto, com a tamanha sinergia com que a campanha de Obama con-quistara o mundo e os canais de comunicação que se estabeleceram (e que fo-ram, sobretudo seu diferencial para a vitória), era sensato pensar que teríamos mesmo um novo modelo de governança.

Não digo do ponto de vista técnico, da gestão dos recursos humanos e da implementação das ações prometidas em campanha. Mas sim um novo jeito de dialogar com a sociedade, com aqueles que confiaram seu voto em alguém que saberia usufruir destes “dados preciosos”.

E foi justamente isso que Obama fez, ou melhor, tem feito até o prezado momento. De pequenas a grandes ações de intervenção na sociedade a fim de colher opiniões e ideias, até a manutenção e ampliação dos contatos firmados durante o processo eleitoral.

Assim como fez Cristina Kirchner, logo após sua vitória à Presidência Argentina, não só manteve sua página de campanha no ar, mas começou a fomentar novas discussões, mostrando as ações posteriores à conquista da presidência. Como diz o professor e consultor Carlos Manhanelli, “Na polí-tica é preciso aprender não só como se manter no poder, mas também saber de que forma ampliar os eleitores e a projeção social”. E quem duvida dessa assertiva? Estava nascendo mais uma semente de sucesso. (A segunda fase da Obamania...)

Website Change.gov – Ações do governo transitório.

Uma das primeiras atitudes de Obama como presidente foi abrir uma li-nha direta através do número de um telefone para que os cidadãos pudessem contatá-lo, sugerindo informações ou questionando suas ações. E isso foi só o começo. Também criou uma seção em seu site para divulgar as medidas adotadas em seu governo na resolução de problemas sociais – impostos, em-pregos, educação, serviços, entre outros. Os valores de investimento foram

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mapeados nos estados e divulgados criteriosamente. Novamente aparecia a ideia de mostrar de forma concreta, objetiva ao cidadão – como fazer, quando e onde investir. “Governar com prioridades” como diz o governador paulista José Serra (PSDB).

Website do Presidente Obama. O movimento nacional pela or-ganização do sistema de saúde.

Seguindo os princípios eleitorais, o democrata deu início a uma campa-nha pela reforma do sistema de saúde do país – uma tarefa nada fácil. Ele terá que buscar apoio para mudar um sistema caro e ineficiente que, segundo ele mesmo, está afundando a economia americana. E foi justamente durante sua campanha que prometeu criar um plano de saúde pública universal, já que 46 milhões de americanos, cerca de 15% da população, não têm plano de saúde – Um “SUS” que funcione efetivamente (ao contrário do brasileiro). Quem assistiu ao documentário “Sicko” de Michael Moore, sabe o poder do lobby das empresas privadas de saúde os percalços que aquele país vive há muito tempo. No vídeo, o cineasta expõe de forma clara e contundente como é ge-renciada a saúde em outros países (Inglaterra, Franca, Canadá, Cuba entre outros). Vale a pena assistir...

Se considerarmos todas as ações iniciais de governo, podemos refletir que talvez seja a primeira vez que um governante consiga não só manter a atenção de todos para si, mas também trazer a sociedade para seu lado, na construção (pelo menos no campo teórico) de um novo país. E isso por si só já é um novo modelo de se fazer política, que certamente será copiado nos quatro cantos do mundo. A começar pelo Brasil em 2011 quem sabe...

Reprodução de um dos vários e-mails marketing que tenho recebido desde o início da campanha de Obama (e após sua vitória também). E por qual razão ele deveria interromper sua comunicação? Mais um mod-elo bem sucedido de aproximação do político com seu eleitorado. Ações derivadas da administração básica: a venda e o pós-venda.

Fazendo um contra-ponto às ações de Obama e desse processo de manu-tenção da informação e da comunicação, gostaria de fazer alguns comentá-rios sobre a eleição brasileira a presidente em 2006, no tocante a duas cam-panhas específicas.

Website de campanha Geraldo Alckmin Presidente – 2006.

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Website de campanha Cristovam Buarque Presidente – 2006.

Como podemos ver, as duas páginas remetem ao ano de 2006, quan-do tivemos a reeleição de Lula e a consequente derrota dos dois candidatos apresentados. Duas formas de se apresentar ao eleitor após o final do pro-cesso eleitoral. A primeira delas, de Geraldo Alckmin, apresenta uma simpá-tica e educada carta aos seus eleitores, agradecendo os votos. A segunda é a primeira ação que tenho conhecimento que tenha mais se aproximado do que Obama fez, tem feito. O senador Cristovam, ao final da eleição, man-teve um canal de contato com as pessoas a fim de manter o laço que havia criado na campanha. E este “laço” estava fortemente ligado ao tema edu-cação – principal bandeira erguida por ele em toda a campanha e em sua vida de professor universitário. Todavia, o parlamentar não manteve duran-te muito tempo a página no ar e não criou nenhum mecanismo de comuni-cação para “abrigar e agregar permanentemente” os seus eleitores ou mes-mo aqueles que não tiveram seu voto, mas que tinham grande simpatia por seus ideais.

A bem da verdade não podemos “crucificar” o senador por não ter dado continuidade, não ter levado a cabo a ideia. Pelo contrário, é preciso louvar a iniciativa e aqui qualificá-la como importante no processo histórico do ma-rketing político brasileiro. É bem verdade que os recursos existentes hoje, apenas três anos após, são infinitamente superiores e mais qualificados. Não só isso, mas como a quantidade de cidadãos que tem acesso à Internet e fami-liaridade com estas comunidades sociais.

Certamente as eleições de 2010 serão marcadas por um novo padrão, que seguirá modelos copiados ou aperfeiçoados da campanha de Obama. No caso

do Brasil, poderia ser considerada a campanha de Kassab. Porém poucos se detiveram os olhos a esta que foi, ao meu ver, o mais sensacional caso de co-municação política aplicada a uma eleição. Espero que este livro possa eluci-dar um pouco os consultores políticos distraídos.

As lições de Obama e o Brasil

A campanha de Barack Obama foi sem dúvida um marco histórico. Os efeitos produzidos pelas ações gerenciadas por sua equipe – e os objetivos alcançados – tornaram-se referência como um novo modelo de se fazer cam-panha. Certamente estes novos processos influenciarão tudo que vier pela frente, não só em matéria de marketing eleitoral, como também das ações de quem já possui mandato (pós-eleitoral). O contato permanente com os eleitores através de formas diferentes de envolvimento, o uso dos vídeos como figura de persuasão, os eventos bem orquestrados e produzidos, a uti-lização de material humano jovem e criativo, a sabedoria de refletir as ações no tempo certo, a utilização de canais de comunicação como forma de levar a mensagem do candidato ao país inteiro, de forma dinâmica e transparente (facebook, websites, twitter, youtube, entre outros) e; por fim, a oportuni-dade deixada para que cada pessoa interviesse de forma “livre”, ampliando o espectro democrático da Internet (sua própria essência).

Contudo, é importante analisar alguns pontos separadamente para que se entenda de forma menos “apaixonada” o fenômeno e suas variantes.

Cada eleição representa um momento político específico e os desejos da sociedade são mutantes

“Uma pesquisa nada mais é do que o retrato de um momento estático”. Frase proferida inicialmente por José Serra, ganhou dimensão na boca de muitos políticos. Ela traduz aquilo que os números muitas vezes não mos-tram – as avaliações que as pessoas fazem sobre os candidatos nas eleições são dificilmente mensuradas em dados estatísticos. Isto é, elas tendem a ru-mar para norte ou sul muito mais rápido do que se imagina. Assim é o desejo das pessoas numa sociedade: mutantes. E foi justamente nisso que Obama se apegou, desde o início. Quando falou pela primeira vez em “esperança”,

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“mudança”, estava nada mais do que referendando, captando um sentimen-to escondido em cada norte-americano – a vontade de transformação. E se ela era real, seria preciso suscitar sua existência, fazer com que as pesso-as entendessem que era possível. “Yes, we can” (Sim, nós podemos) – uma imitação clara do mesmo slogan utilizado em outras campanhas Em 2002, Gozanlo “Goni” Sánchez de Lozada apresentou-se como candidato à suces-são da Bolívia , com o lema voluntarista “Sí, se puede”. (A mesma expressão utilizada por Obama na campanha na sua versão em espanhol para atrair os latinos).

Dessa forma, a vitória do candidato democrata fora construída com base naquilo que era validado por todos: mudar os rumos do país, da forma como conduzir o “neo-expansionismo econômico e geográfico”, a segurança inter-na, a “América para todos” (imigrantes, homossexuais, negros e índios) e a reconquista do sonho americano da vida tranqüila. “Minha história é parte de história americana maior, que tem fé em sonhos simples: vida, liberdade e busca pela felicidade” dizia ele. Conseguir ser presidente foi o primeiro passo. As outras “alterações” estão sendo processadas agora e tendem a melhorar não só a visão que os outros povos têm dos habitantes daquele país, mas também a administração pública – uma vez que se pretende criar um Sistema de Saúde Único. Obama é a mudança em si. Não foi só maquiagem. Essa é a referência...

Quando há fogo, alguém precisar mostrar-se disposto a apagá-lo. Es-tar no local certo é o primeiro passo para o sucesso político

Se existiam num determinado momento dois nomes políticos (Hillary e Obama) de consenso dentro de um partido – e aprovados pela população da-quele país-, era preciso mostrar “quem verdadeiramente” poderia encarnar melhor a ideia da mudança.

Dessa forma, a vitória do candidato não se deu apenas por sua cor de pele, por ser filho de imigrantes ou mesmo em ser jovem (representando algo novo). Mas sim por colocar-se deliberadamente como alguém que iria resolver os problemas. “Estou aqui e preparado”. E isso estava expresso na segurança com quem exprimia as palavras, na postura perante a população (a figura do líder charme comentada em outro capítulo), às câmeras e o conte-údo dos seus discursos (a retórica). Ele estava lá. Isso é o que importava na-quele momento. Quando tudo culminou para um embate entre duas figuras

diferenciadas, aquele que estabelecera melhor diálogo com a população fora o escolhido para dar cabo ao processo de transformação.

O marketing político não inventa nada. No máximo esconde, e por pouco tempo. O que faz o bom profissional é melhorar a comunicação e a compreensão das pessoas

Nunca mais me esquecerei o que dissera o mestre Chico Santa Rita num evento. “Um candidato chegou para mim e me disse. Quero fazer uma cam-panha que emocione as pessoas, com muita emoção”. E ele, Chico, respondeu na lata. “Não, você não emociona ninguém porque é desconhecido. Tem que mostrar racionalmente o que pensa, como age, etc.”.

Essa pequena cena traduz muito o pensamento equivocado dos políticos brasileiros (ou aqueles que pleiteiam uma vaga a um cargo político). Eles cos-tumeiramente “importam” conceitos e compram ideias que não conseguem viabilizar efetivamente, uma vez que as culturas de cada país são diferentes (muitas vezes até entre estados, regiões de um país extenso como o nosso). O modo de cada cidadão no mundo agir, pensar, posicionar-se perante a tudo não é o mesmo.

O fato é que os brasileiros historicamente têm um problema grave de im-portar “culturas enlatadas”, prontas. Não só no modo como fazer uma cam-panha eleitoral, mas em tudo – o jeans dos anos 60, a contracultura dos anos 70, o colorido do new wave e o sombrio dos góticos dos 80. Esta atitude não é ruim, faz parte da construção de nossa identidade, mas precisa ser bem digerida, relativizada.

Analisar os efeitos de Obama para o mundo é entender que ferramen-tas de comunicação são iguais a quaisquer outras – tem suas aplicabilidades, suas ações que podem não surtir efeito algum. Evidentemente que a Inter-net é uma facilitadora de encontros entre pessoas com mesmo desejo, pen-samento (para o bem ou para o mal – vide o inúmero casos de pedófilos en-raizados na rede mundial de computadores). Além disso, a própria agilidade na transmissão de informações traz mais rapidez na distribuição de noti-cias e consequentemente fatos políticos. E isso contribui para a contínua desconstrução de um candidato ou para a ampliação de ecos favoráveis a al-guém.

Contudo, a experiência nos mostra que um candidato que não traga em sua caminhada política uma mensagem clara, estará certamente fadado a

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morrer na praia. E isso Obama fez de forma clara, transparente. Ele tinha uma mensagem e conteúdo para aguentar todos os embates que sofrera. Mais do que isso, estava preparado tecnicamente e politicamente para as-sumir o cargo. O que os “magos” de campanha democrata fizeram, foi, nada além de melhorar a compreensão das pessoas perante o candidato e aquilo que ele representava. Tudo que foi utilizado contribuiu logicamente para sua vitória. Mas eles por si só não representariam nada se Obama fosse McCain.

Os ensinamentos de uma experiência positiva e o que os brasileiros podem aprender. Utilizar as ferramentas e adequar os conceitos às realidades

Os aprendizados de Obama, ao contrário do que as pessoas imaginam, não estão situados somente no campo da Internet. Mas sim em conceitos an-tigos e sólidos: a motivação da liderança, a interação entre pessoas, o respei-to, o conhecimento do que pensam os outros e a segurança para fazer o que tem que ser feito. Tudo isso poderia ser aplicado mesmo se não usássemos uma rede mundial de computadores, ou se estivéssemos em 2020 ou 2050. Pensemos numa cidade de 10 mil habitantes ou mesmo numa periferia de uma grande cidade...

Todo marquetólogo inteligente sabe que a comunicação precisa ser reali-zada, construída, pensando-se no homem que possui dois carros na garagem de sua casa, um laptop e um emprego estável; mas também na figura da Dona Maria, uma consumidora de novelas e que só se informa através de um jornal diário (em que a maioria das notícias é apresentada como um “relâmpago”).

Qual o efeito das “redes sociais”, de todo este aparato virtual e tecnológi-co para estes grupos tão distintos ? É evidente que cada um faz uma leitura diferente e tem um nível próprio de compreensão da realidade.

Mesmo que a maioria da imprensa se norteie cada vez mais pelas fer-ramentas digitais (utilizando-se de tudo que apresentado – notícias, fotos, vídeos, blogs, fóruns de discussão, entre outros) ainda é difícil prever como isso pode afetar o país. Além disso, é difícil acreditar que os brasileiros serão tomados por uma “onda de doações” (caso esse dispositivo seja válido para as novas campanhas) como ocorreu nos Estados Unidos. A cultura eleitoral é di-ferenciada e muitas pessoas veem a eleição não como um momento “oportu-nista”, mas sim a construção de um momento social melhor. E o apoio a este

projeto é natural, espontâneo. Não forçado ou deliberado freneticamente por ações publicitárias.

Entretanto, como pudemos observar neste livro, a campanha vitoriosa de Gilberto Kassab apresentou detalhes muito próximos daquilo que Obama produziu nos Estados Unidos. A Internet foi uma arma importante na disse-minação de ideias, de conceitos. Também ajudou muito a estabelecer a própria campanha, a existência das equipes, dos eventos e das inserções nos veículos de comunicação.Tudo isso é fruto de uma boa execução de campanha e ferra-mentas de comunicação desenvolvidas seguindo o perfil de cada cliente. Uma equipe bem treinada, preparada e com conhecimento daquilo que estava fa-zendo (o exército com um plano de ações bem definido e sabendo utilizar sua armas). Todas as ações foram combinadas e tiveram como foco produzir um sentimento de que aqueles candidatos estavam em condições melhores que os outros.

Entretanto, precisamos analisar nossa realidade, muito mais do que o tão falado “número de brasileiros que acessam a Internet” (que tende a crescer significadamente a cada ano). Temos que ter em mente que nossa cultura (ainda) é diferente. E o que importa não é “como chegar” a informação ao leitor, mas sim “qual informação”.

Não faltarão pessoas que prometerão “mundos e fundos” nestas próxi-mas campanhas, dizendo-se conhecedores das novas tecnologias e de ferra-mentas que transformarão a vida dos candidatos (a maquilagem virtual).

A grande lição que os futuros candidatos e atuais políticos brasileiros de-vem ter do “Efeito Obama” é que ele foi produto de um momento social ade-quado para aquelas ações. E que ninguém se sustenta com “meias verdades” ou “falsas impressões”. No momento em que todos estiverem estabelecidos neste novo “campo de batalhas virtuais” (eleitores e candidatos), se expressa-rá ainda mais a diferença entre o bom e o mal gestor público.

Por fim, gostaria de publicar um artigo do professor Gaudêncio Torqua-to, grande conhecedor da matéria e, também, veicular nesta obra um site importante, desenvolvido também nos Estados Unidos, que serve como “ter-mômetro” das promessas e ações efetivas do governo Obama. Uma analíti-ca ferramenta que divulga constantemente aquilo que foi “prometido” e o que está sendo cumprido, realizado pelo presidente. O site Politic Fact (www.politifact.com) é uma iniciativa do jornal americano St. Petersburg Times e analisa as mais de 500 promessas feitas durante a campanha. Para isso, foi criado o “Obameter”, que avalia a situação de cada uma delas e as classifica como “sem ação”, “em andamento” ou “adiada”.

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A ESPERANÇA LÁ E CÁGaudêncio Torquato1

É até compreensível que platéias assumidamente lulo-petistas procu-rem, neste momento, olhar para o espelho eleitoral dos EUA e enxergar nele a cara de Luiz Inácio. Se a eleição de Barack Obama, o primeiro presidente negro e o 44º da história dos EUA, se reveste de simbolis-mo, por representar uma mudança profunda no paradigma da políti-ca norte-americana, a conquista de dois mandatos presidenciais pelo ex-metalúrgico brasileiro também se impregna de extraordinária força simbólica. A estupenda vitória de Obama, num pleito que contou com a participação de 70% dos eleitores registrados para as eleições presi-denciais, bem mais que os 63,1% de 1960, quando John Kennedy che-gou ao poder, reacende a chama quase apagada da crença nos valores da maior democracia ocidental. O novo mandatário norte-americano desfralda a bandeira da mudança. Vale lembrar: Lula abriu o primeiro discurso de posse com a palavra mudança. E, para fechar a planilha comparativa, em suas campanhas eleitorais ambos usaram o mesmo slogan: a esperança venceu o medo.

Pois bem, a semelhança esbarra aí. Se os dois viveram uma infância hu-milde, Obama pôde estudar em boas escolas, formando-se em Direito, em 1991, em Harvard, centro educacional de excelência, freqüentado pela elite norte-americana e internacional. Lula minimiza o fato de não ter estudado. Obama não é o Lula americano. É tresloucada a idéia de que o presidente eleito, como Luiz Inácio, representa a nova esquerda internacionalista, sob a qual se abrigam as bandeiras do aborto, do de-sarmamento, do diálogo com inimigos, dos direitos de minorias, etc. Quanto ao compromisso de mudança, que mobilizou multidões ao cor-rer de 21 meses de jornada, Obama disporá de bagagem suficiente para levá-lo adiante. Aos 47 anos, cercado de alguns dos melhores quadros do país, o novo presidente depara-se com uma sociedade saturada da forma Bush de fazer política. Encontra, assim, ambiente propício para reformar o que for preciso. A dúvida, que ele mesmo levanta, é sobre o tempo necessário para obter resultados palpáveis e satisfazer as de-

1 Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP, é consultor político e de comunicação – www.gtmarketing.com.br

mandas imediatas de contingentes aflitos. O perigo é o de que, no meio de uma crise sem proporções, cuja administração exige tempo e apoio prolongado da sociedade, sua imagem se esfumace nas pesadas nuvens que permanecerão por bom tempo sobre os lares norte-americanos.

O discurso mudancista do lulismo, por sua vez, deu com os burros n’água. As estacas macroeconômicas fincadas no ciclo FHC foram bem conservadas e até aperfeiçoadas, trazendo conforto ao País, que conse-guiu zerar sua dívida externa. Trata-se de mérito inegável do governo Lula, não significando, porém, alentados avanços. Na política tupini-quim, tudo é tão velho quanto nos primeiros anos da redemocratiza-ção. O patrimonialismo continua a dar as cartas, sob o império do pre-sidencialismo de coalizão, que torna o Parlamento refém do Executivo. Os jovens que, por ocasião das diretas-já e do impeachment de Collor, acorreram às ruas delas fugiram. As multidões aclamam hoje o presi-dente não por ações inovadoras, mas porque festejam a entrega de bol-sas, que expressam uma visão ortodoxa (por não apontar uma porta de saída) de política social. O campo das relações de trabalho é dominado por centrais de trabalhadores motivadas a manter as correntes de um sindicalismo à sombra do Estado. A seara dos tributos é um deus-nos-acuda. A bocarra do leão se alarga sob os olhos concupiscentes dos bu-rocratas. Estados e municípios se engalfinham para tirar lasquinhas dos impostos, cujas partes gordas vão para os cofres da União. E a es-fera política continua a fazer círculos ao redor do Palácio do Planalto, empunhando a mão franciscana.

A conclusão salta aos olhos: a mudança do lulismo tem a cara de um ve-lho sofá remendado. O simbolismo de suas vitórias se esgarça a olhos vistos. A era Lula nem sequer conseguiu fechar o ciclo de 64. Veja-se essa discussão sobre a imprescritibilidade da tortura. A guerra entre torturados e torturadores, pela voz autorizada do presidente do Su-premo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, ganha novos ato-res: os grupos terroristas. O jogo entra no tabuleiro do passado. Neste povnto, convém voltar à eleição de Obama, que significou, ao mesmo tempo, o fim de três eras: a da economia, que teve início no boom dos anos 80; a da política, simbolizada pela ideologia conservadora e que culmina com os dois mandatos de George W. Bush; e, ainda, a da gera-ção pós-guerra, nascida entre 1946 e 1964, que deixa arquivada no baú

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da história a sua supremacia. Barack é intérprete, porta-voz e fiador de um novo tempo, assinalado em perorações acaloradas, coroadas com a exaltação feita após os resultados das urnas.

Ao apelar para que se feche o ciclo do bipartidarismo, exprime o desejo de convocar partidários de todas as cores para participar da ação gover-namental, a partir dos republicanos. (Quem imaginaria o PT convidan-do adversários do PSDB ou do DEM para integrarem a administração?) Eis aí uma maneira revolucionária de fazer política, inspirada no novo espírito de patriotismo, de responsabilidade (sic). Sua plataforma abri-ga valores do diálogo, da pluralidade, do acesso de todos à riqueza, da liberdade e da esperança. Ao martelar o conceito de que nós podemos abrir as portas da oportunidade, restaurar a prosperidade, promover a paz, retomar o sonho americano e reafirmar a verdade fundamental de que, entre tantos, nós somos um, o jovem presidente eleito puxa para o centro da cena as massas dispersas, os jovens, os cidadãos de crenças adormecidas. A aragem que sopra sobre a maior democracia ocidental deverá espraiar-se pelos rincões mais afastados do mundo. Que nin-guém ouse enxergar nele a cor da pele como parâmetro para balizar políticas públicas. Na campanha essa foi uma questão ultrapassada.

Barack Hussein Obama simboliza o aceno a uma nova ordem. Que Lula prometeu e, até agora, não cumpriu. Que a esperança, lá, consiga efe-tivamente vencer o medo.

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