Elaine Lucio

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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA NÚCLEO DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO ELAINE LUCIO LOEBLIN A MATERIALIZAÇÃO DO PROGRAMA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL - PNAES PARA ESTUDANTES DE GRADUAÇÃO DA UNIR/ JI- PARANÁ/RO PORTO VELHO/RO 2015

Transcript of Elaine Lucio

  • FUNDAO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDNIA

    NCLEO DE CINCIAS HUMANAS

    DEPARTAMENTO DE CINCIAS DA EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO STRICTO SENSU EM EDUCAO

    MESTRADO EM EDUCAO

    ELAINE LUCIO LOEBLIN

    A MATERIALIZAO DO PROGRAMA NACIONAL DE ASSISTNCIA

    ESTUDANTIL - PNAES PARA ESTUDANTES DE GRADUAO DA UNIR/ JI-

    PARAN/RO

    PORTO VELHO/RO

    2015

  • ELAINE LUCIO LOEBLIN

    A MATERIALIZAO DO PROGRAMA NACIONAL DE ASSISTNCIA

    ESTUDANTIL - PNAES PARA ESTUDANTES DE GRADUAO DA UNIR/ JI-

    PARAN/RO

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao Stricto Sensu, Mestrado Acadmico em

    Educao, do Ncleo de Cincias Humanas da

    Universidade Federal de Rondnia como requisito

    para a obteno do grau de Mestre em Educao.

    Orientadora: Professora Dr. Suely Aparecida do

    Nascimento Mascarenhas.

    Co-orientadora: Professora Dr. Marilsa Miranda

    de Souza.

    Linha de Pesquisa: Polticas e Gesto Educacional.

    PORTO VELHO/ RO

    2015

  • FICHA CATALOGRFICA

    BIBLIOTECA PROF. ROBERTO DUARTE PIRES

    L825m Loeblin, Elaine Lucio.

    A materializao do programa nacional de assistncia estudantil PNAES para os estudantes de graduao da UNIR - Ji-Paran-RO / Elaine Lucio Loeblin. - Porto Velho, Rondnia, 2015.

    153f.:il.

    Orientadora: Prof. Dr. Suely Aparecida do Nascimento Mascarenhas Coorientadora: Marilsa Miranda de Souza

    Dissertao (Mestrado em Educao) - Fundao Universidade Federal

    de Rondnia - UNIR

    1. Educao. 2.Universidade pblica. 3. Ensino superior. 4 . assistncia

    estudantil PNAES. I.Mascarenhas, Suely Aparecida do Nascimento.II. Souza, Marilsa Miranda de. III.Fundao Universidade Federal de Rondnia UNIR.IV. Ttulo.

    CDU: 378

    Bibliotecria Responsvel: Carolina Cavalcante CRB11/1579

  • Aos meus Pais, Maria e Carlos (in memoriam),

    Ao esposo e companheiro Elizeu,

    Aos trabalhadores da Amaznia.

  • AGRADECIMENTOS

    A Deus, pelo amor e pelo dom de amar.

    Aos meus Pais, Maria e Carlos (in memoriam), exemplo de batalha e simplicidade como

    classe trabalhadora para garantir nosso sustento de alimento e amor.

    Ao meu esposo e companheiro, Elizeu, pela pacincia, dedicao e ajuda mtua durante o

    curso, marcado pela correria da vida contempornea para garantir a subsistncia e pelo

    cuidado e carinho com a Mel (sinnimo de amor e ternura).

    famlia (irmos e sobrinhos), pela compreenso nas ausncias e ateno dedicada.

    s amigas e aos amigos, pelo apoio incondicional.

    minha orientadora, Professora Suely Mascarenhas, pela dedicao, delicadeza e

    preocupao comigo, mesmo quando sua sade no permitia tanto. Exemplo de luta pela

    populao esquecida da Amaznia, sem perder a doura e o entusiasmo.

    Aos Professores do PPGE/UNIR, em especial a Professora Marilsa, pela disponibilidade

    constante e compromisso com a classe trabalhadora; ao Professor Marco Antnio pela

    dedicao e olhar atento s necessidades materiais do outro; ao Professor Antnio Carlos

    Maciel pelo compromisso com o rigor cientfico.

    coordenao do PPGE, representado pela Professora Rosngela Frana, pela dedicao e

    compromisso para o crescimento do programa.

    professora Arminda Rachel Botelho Mouro do PPGE/UFAM pela disponibilidade de

    contribuio na Banca.

    Ao IFRO/Campus Ji-Paran pelo apoio durante o curso, em especial aos colegas e amigos da

    CAED (Lisiane, Valria, Alice, Snia, Alyne, Luiz, Lvia, Wanis, Vilson Rafael, Andria,

    Josi, Rosimeire, Rosiele e Magda) pelo apoio, fora e companheirismo.

    UFAM, por ter proporcionado os primeiros passos profissionais envolvendo a assistncia

    estudantil para a classe discente.

    Aos colegas e amigos de turma, em especial ao Altemir, pelos constantes questionamentos e

    desafios, pela amizade sincera, acolhedora e, principalmente, pelo dom de fazer rir diante das

    situaes menos fceis... com certeza, permitiu o percurso do curso ser mais encantador.

    Rudhy, Claudia, Roniel, Flvio, Dari e Juliane, obrigada pelo companheirismo.

    Aos demais professores e funcionrios da UNIR, pela ateno.

    Aos sujeitos da pesquisa e a UNIR, representada pela PROCEA e o Campus Ji-Paran, o meu

    muito obrigada.

  • RESUMO

    O presente estudo tem como foco a materializao do PNAES (Programa Nacional de

    Assistncia Estudantil) na UNIR, Ji-Paran, localizado na regio central de RO. Alargando os

    horizontes da pesquisa e direcionando o olhar para as literaturas revisadas possvel perceber

    que o PNAES est inserido no cenrio contemporneo que tem como marca as relaes de

    trabalho na era da reestruturao produtiva, poltica neoliberal como legitimadora do iderio

    burgus e suas fortes interferncias nas diversas polticas pblicas, em especial a educacional.

    O PNAES foi legitimado em 2010 diante da conjuntura de retrocesso dos direitos sociais,

    porm o mesmo tambm parte das estratgias dos organismos multilaterais em especial o

    Banco Mundial para a educao no Brasil. A pesquisa em questo tem natureza bibliogrfica,

    documental e de campo, com anlise terico-emprica sob a luz do materialismo histrico-

    dialtico. Os resultados evidenciam que Aes envolvendo assistncia estudantil destinada

    aos estudantes em situao socioeconmica vulnervel na UNIR, recente e no caso do

    campus Ji-Paran, a pesquisa somente identificou seu incio a partir da aprovao e

    implementao do PNAES por meio da portaria 39/2007 do MEC. Os dados evidenciam

    ainda que se tratando de matrculas trancadas (evaso) dos estudantes envolvidos na pesquisa,

    representa 5,5% da amostra, porm o insucesso acadmico (dbito de disciplinas, referente ao

    perodo do curso que se encontra matriculado) de 53%. A pesquisa identificou tambm que

    a compreenso de estudantes e servidores que fazem parte da amostragem dos dados a AE na

    UNIR, tem caractersticas de poltica focalizada, seletista e tem como estratgia garantir os

    mnimos necessrios para suprir as despesas acadmicas dos estudantes beneficiados e em

    situao socioeconmica vulnervel. No que se refere compreenso dos servidores e

    discentes sobre evaso ou reteno, os dados demonstram que so resultantes de mltiplos

    fatores. Outra evidncia dos dados que o PNAES na UNIR Ji-Paran possui vrios limites e

    desafios, dentre eles o de tornar-se poltica universalista no mbito do desenvolvimento das

    aes e nas vagas ofertadas, buscando superar o seu carter atual de bolsificao, alm da

    necessidade urgente de monitoramento/acompanhamento e autonomia de gesto no campus.

    PALAVRAS CHAVE: Universidade Pblica. Ensino Superior. Assistncia

    Estudantil/PNAES.

  • ABSTRACT

    This study focuses on the materialization of PNAES (National Student Assistance Program)

    in UNIR, Ji-Paran, located in central area RO. Widening the perspectives of the research

    and directing his gaze to the revised literature it is possible see that the PNAES is inserted

    in the contemporary scenario that has branded as labor relations in the era of corporate

    restructuring, neoliberal politics as legitimating the bourgeois ideology and its strong

    interference in various public policies, particularly related to education. The PNAES was

    legitimized in 2010 before the social rights kicking situation, but it is also part of the

    strategies of multilateral organizations notably the World Bank for education in Brazil. The

    research in question is bibliographical, documentary and field, with theoretical and

    empirical analysis in the light of historical and dialectical materialism. The results show that

    Actions involving student assistance aimed at those in a vulnerable socio-economical

    situation in UNIR, is recent and in Ji-Paran campus particularly, the research has identified

    only at the beginning from the approval and implementation of PNAES by decree 39/2007

    MEC. The data also shows that when it is related to registration locked (evasion) of the

    students involved in the research, it represents 5.5% of the sample, but academic failure

    (debit in disciplines, referring to the course of the period that is registered) is about 53%.

    The research also found that the comprehension of students and servers that are part of the

    sampling data to AE on UNIR, has focused and selected political characteristics and has a

    strategy to ensure the minimum necessary to meet the academic costs of the benefited

    students and socioeconomic vulnerable status. According to understanding of the servers

    and students about retention, the data shows that they are the result of multiple factors.

    Further evidence of the data is that the PNAES in UNIR Ji-Paran has several limitations

    and challenges, among them to become universal policy on the development of Actions and

    the offered vacancies, seeking to overcome its current character schoolarship system

    beyond the urgent need for tracking / monitoring and management autonomy on campus.

    PALAVRAS CHAVE: Public university, Higher Education Student Assistance /PNAES.

  • 9

    LISTA DE GRFICOS

    Grfico 01: Sexo dos participantes beneficirios com AE 2013..............................................83

    Grfico 02: Renda familiar dos beneficirios com AE 2013....................................................92

    Grfico 03: Renda per capita familiar beneficirios com AE 2013..........................................94

    Grfico 04: Composio do ncleo familiar beneficirios com AE 2013................................95

    Grfico 05: Municpio de residncia dos beneficirios com AE 2013.....................................96

    Grfico 06: Ensino Fundamental dos beneficirios com AE 2013...........................................97

    Grfico 07: Ensino Mdio dos beneficirios com AE 2013.....................................................97

    Grfico 08: Participao em grupo de pesquisa dos beneficirios com AE 2013....................99

    Grfico 09: Distribuio dos Programas de Assistncia Estudantil........................................100

    Grfico 10: Curso dos beneficirios com AE 2013................................................................101

    Grfico 11: Situao atual de matriculas dos beneficirios com AE 2013.............................102

    Grfico 12: Reteno por curso dos beneficirios com AE 2013...........................................103

    Grfico 13: Permanncia sem reteno acadmica, por curso dos beneficiados com AE

    2014.........................................................................................................................................104

    Grfico 14: Bom rendimento dos beneficiados com AE 2014...............................................106

    Grfico 15: Rendimento acadmico mdio dos beneficiados com AE 2014..........................106

    Grfico 16: Importncia da Assistncia Estudantil para garantir a permanncia e concluso do

    curso de graduao discentes...............................................................................................106

    Grfico 17: Servidores que consideram AE importante para permanncia e concluso dos

    cursos de graduao................................................................................................................123

  • 10

    LISTA DE QUADROS ENTREVISTAS

    Quadro 01 Crise do Modelo Fordista-Taylorista, gnese e avano da Reestruturao

    Produtiva:..................................................................................................................................23

    Quadro 2: Concepes da poltica de ensino superior nos Governos Collor, Itamar, FHC e

    Lula, perodo referente at o ano de 2010:................................................................................56

    Quadro 03 Dimenso: Motivo pelo qual consideram importantes o Programa de Assistncia

    Estudantil/PNAES:..................................................................................................................107

    Quadro 04 Dimenso: Aes que a universidade deve realizar com vistas a garantir a

    permanncia e a concluso dos cursos dos alunos de graduao do Campus Ji-Paran:........109

    Quadro 05: Dimenso - Situaes que levam os alunos a ficarem retidos ou evadir-se:........113

    Quadro 06: Dimenso - Universalizao das aes e vagas...................................................117

    Quadro 07: Dimenso - Monitoramento/Acompanhamento...................................................121

    Quadro 08: Dimenso - Necessidade de autonomia da gesto...............................................121

  • 11

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 01: Rio Machado...........................................................................................................84

    Figura 02: Prdio previsto para biblioteca................................................................................87

    Figura 03: Prdio das atividades do curso de Engenharia Ambiental.......................................88

    Figura 04: Atividades dos cursos de Estatstica e Intercultural................................................88

    Figura 05: Bibliotecas e salas de aula de Pedagogia e Fsica...................................................88

    Figura 06: Salas de aula do Mestrado Profissional em Fsica, graduao em Fsica e

    Matemtica................................................................................................................................88

    Figura 07: Faixa colocada na entrada da UNIR campus Ji-Paran...........................................90

    Figura 08: Futuras Instalaes do RU construo...............................................................113

    Figura 9: Futuras instalaes do RU maquete.....................................................................113

  • 12

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    AE Assistncia Estudantil

    ANDES-SN Sindicato Nacional dos Docentes das Instituies de Ensino Superior

    ANDIFES Associao Nacional dos Dirigentes das Instituies Federais de Ensino

    Superior

    BM Banco Mundial

    BP Bolsa Permanncia

    CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior

    CFE Conselho Federal de Educao

    CEP Comit de tica e Pesquisa

    CEUs Casa dos Estudantes Universitrios

    DAE Diretoria de Assuntos Estudantis

    DCE Diretrio Central dos Estudantes

    EBSERH Empresa Brasileira de Servios Hospitalares

    EAD Ensino a Distncia

    ENEM Exame Nacional do Ensino Mdio

    ESB Educao Superior Brasileira

    ES Educao Superior

    FCM Fernando Collor de Mello

    FHC Fernando Henrique Cardoso

    FIES Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior

    FMI Fundo Monetrio Internacional

    FONAPRACE Frum Nacional de Pr-Reitores de Assuntos Comunitrios e Estudantis

    HUs Hospitais Universitrios

    IDH ndice de Desenvolvimento Humano

    IES Instituies de Ensino Superior

    IFES Instituies Federais de Ensino Superior

    IFRO Instituto Federal de Educao Profissional e Tecnolgica de Rondnia

    INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira

    IPEA Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

    LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

    LOAS Lei Orgnica da Assistncia Social

    MEC Ministrio da Educao

    MERCOSUL Mercado Comum do Sul

    MP Medida Provisria

    OMC Organizao Mundial do Comrcio

    ONU Organizao das Naes Unidas

    PAE Poltica de Assistncia Estudantil

    PEC Projeto de Emenda Constitucional

    PIB Produto Interno Bruto

    PL Projeto de Lei

    PN Portaria Normativa

    PNAES Plano Nacional de Assistncia Estudantil

    PNE Plano Nacional da Educao

    PNEDH Plano Nacional de Educao em Direitos Humanos

    PPGE Programa de Ps-Graduao em Educao

    PROCEA Pr-Reitoria de Cultura, Esporte e Assuntos Estudantis da UNIR

  • 13

    PROGRAD Pr-Reitoria de Graduao da UNIR

    ProUni Programa Universidade para Todos

    REUNI Programa de Apoio ao Plano de Reestruturao e Expanso das

    Universidades Federais

    RU Restaurante Universitrio

    SISU Sistema de Seleo Unificada

    SUAS Sistema nico de Assistncia Social

    SUS Sistema nico de Sade

    TAE Tcnicos-Administrativos em Educao

    UNE Unio Nacional de Estudantes

    UNESCO Organizao das Naes Unidas para Educao, a Cincia e a Cultura

    UFAM Universidade Federal do Amazonas

    UNIR Universidade Federal de Rondnia

  • 14

    SUMRIO

    INTRODUO.......................................................................................................................16

    1 AS CONFIGURAES DO MUNDO DO TRABALHO E A DESIGUALDADE

    SOCIAL ................................................................................................................................... 21

    1.1 Trabalho e suas evolues: da satisfao at a forma exploratria da contemporaneidade

    .................................................................................................................................................. 21

    1.2 A reificao da mercadoria em detrimento do trabalhador e a desigualdade social na era

    do imperialismo ........................................................................................................................ 26

    1.3 Neoliberalismo: gide do capital como forma de manter o status quo: ........................... 29

    1.4 Poltica pblica de educao no Brasil: diante das mazelas do capitalismo .................... 37

    2. EDUCAO SUPERIOR REFORMA DO ESTADO, UNIVERSIDADE PBLICA

    E O PROGRAMA DE ASSISTNCIA ESTUDANTIL (PNAES) .................................... 45

    2.1 - Ensino superior nas universidades pblicas e federais..................................................... 45

    2.2 - Reforma do Estado no Brasil e sua incidncia na universidade pblica ........................47

    2.3 - O programa nacional de assistncia estudantil no ensino superior das universidades

    federais...................................................................................................................................... 62

    2.4 O PNAES na Universidade Federal de Rondnia/UNIR ................................................ 74

    2.4.1 Breve histrico .......................................................................................................... 74

    2.4.2 O PNAES no campus Ji-Paran .............................................................................. 77

    3- PERCURSO DA PESQUISA ............................................................................................ 79

    3.1 - Problema de pesquisa/questes norteadoras .................................................................... 79

    3.2 Objetivos da pesquisa ...................................................................................................... 79

    3.2.1 Objetivo geral ........................................................................................................... 79

    3.2.2 Objetivos especficos ................................................................................................ 79

    3.3 Coleta e anlise dos dados ............................................................................................... 80

    3.4 Participantes da pesquisa ................................................................................................. 82

    3.5 Caracterizao do local da pesquisa ................................................................................ 84

    4- RESULTADOS E DISCUSSO ....................................................................................... 91

    4.1 Perfil socioeconmico dos alunos beneficirios da Assistncia Estudantil/PNAES na

    UNIR, campus Ji-Paran em 2013 ........................................................................................... 91

    4.2 Distribuio do PNAES na UNIR/campus Ji-Paran .................................................... 100

  • 15

    4.3 Permanncia, reteno e concluso dos curso de graduao dos Estudantes

    Beneficirios do PNAES no campus Ji-Paran. ..................................................................... 102

    4.4- O PNAES na compreenso da classe discente beneficiria no campus Ji-Paran .......... 105

    4.5 Os limites e desafios do PNAES na UNIR, sob a tica dos estudantes do campus Ji-

    Paran ..................................................................................................................................... 117

    4.6 - Compreenso de servidores do campus Ji-Paran, membros da equipe executora e

    gestores dos assuntos estudantis da UNIR acerca do PNAES ............................................... 122

    CONSIDERAES FINAIS. ............................................................................................. 129

    REFERNCIAS .................................................................................................................. 134

    APNDICES ......................................................................................................................... 142

    Apndice 1: Modelo do Termo de Consentimento Livre e esclarecido..................................143

    Apndice 2: Modelo Carta de Anuncia para autorizao da

    pesquisa...................................................................................................................................144

    Apndice 3: Modelo de Entrevista com Gestores da AE........................................................146

    Apndice 4: Modelo de Entrevista com Estudantes................................................................147

    Apndice 5: Modelo de Entrevista com Servidores do Campus Ji-Paran............................148

    Apndice 6: Modelo de Entrevista a Equipe Responsvel pela AE na UNIR.......................149

    ANEXOS ............................................................................................................................... 150

    Anexo 1: Modelo de Formulrio Socioeconmico utilizado pela PROCEA/UNIR ..............151

  • 16

    INTRODUO

    As discusses em torno dessa pesquisa almejam demonstrar a materializao do

    Programa Nacional de Assistncia Estudantil (PNAES) na Universidade Federal de Rondnia

    (UNIR), no campus do municpio de Ji-Paran-RO, bem como em que medidas esse

    programa contribui para a permanncia e a concluso dos cursos de graduao nessa

    instituio.

    A necessidade de tal estudo partiu das inquietaes da pesquisadora como profissional

    que realiza seu trabalho no mbito da Poltica de Assistncia Estudantil, especificamente do

    PNAES, destinada aos discentes de graduao e ensino tcnico em situaes socioeconmicas

    vulnerveis.

    Considerando a gritante desigualdade social que se reproduz na sociedade brasileira e

    consequentemente entre a categoria dos discentes das universidades pblicas brasileiras, faz-

    se necessrio e fundamental o levantamento de informaes sistematizadas sobre a execuo

    do Programa Nacional de Assistncia Estudantil na UNIR campus Ji-Paran, buscando

    demonstrar como ocorre a materializao desse programa, nessa instituio, analisando,

    ainda, em que medida contribui para a permanncia e concluso dos cursos superiores dos

    graduandos envolvidos. As questes norteadoras da pesquisa so as seguintes: a) como ocorre

    a operacionalizao do PNAES na UNIR campus Ji-Paran?; b) o PNAES contribui na

    permanncia e xito dos estudantes de graduao?; c) quais so seus avanos, limites e

    desafios?

    importante ressaltar que a pesquisa em questo seguiu os padres tico vigentes,

    sendo submetida e aprovada pelo comit de tica em pesquisa (CEP) da UNIR com o

    protocolo nmero: 37652214.1.0000.5300.

    Optou-se por estruturar o presente trabalho em quatro captulos, focalizando-se no

    primeiro, os processos de transformaes no mundo do trabalho. Essa a categoria central do

    materialismo histrico-dialtico, sendo o meio pelo qual se delineia as mltiplas

    transformaes do ser humano e consequentemente do mundo, bem como o difere dos demais

    animais.

    Partindo dessa premissa, buscou-se caracterizar o trabalho desde a sua forma de

    satisfao em tempos primitivos. Marx (2006) destaca que com o advento do capitalismo o

    trabalho assume forma de explorao e alienao. Nesta seo so enfocados ainda as

    caractersticas da gesto da fora de trabalho, no regime fordista, que Gramsci (1968) define

    como americanismo, at o toyotismo, forma atual de gesto do trabalho.

  • 17

    Outros destaques do primeiro captulo so: a desigualdade social na fase imperialista

    do capitalismo; o neoliberalismo como forma de manter o status quo; bem como a poltica

    pblica de educao diante das mazelas, ou melhor, das atuais condies do capitalismo.

    A desigualdade social tem como caracterstica principal a gritante disparidade na

    distribuio da riqueza socialmente produzida, que se manifesta na questo social. No Brasil,

    uma pequena parcela de pessoas, detm os meios de produo e consequentemente,

    acumulam a maioria das riquezas socialmente produzidas, ao passo que a maioria da

    populao divide o restante. Entre a maioria da populao que se apropria da minoria da

    riqueza existem ainda os que possuem melhores condies de poder aquisitivo e outros que

    possuem, ou chegam at no possuir condies mnimas de subsistncia, sobrevivendo em

    situao socioeconmica vulnervel.

    Essa realidade no inerente somente ao Brasil, mas praticamente a todos os pases

    que possuem como caracterstica principal, a posio de colnia ou semicolnia do

    imperialismo1, que se trata de algumas naes consideradas as grandes potncias mundiais

    que ditam como deve se comportar as naes consideradas menores. Pode soar que

    nesses pases considerados desenvolvidos no h desigualdade social, porm trata-se de um

    engano, haja vista que essa desigualdade inerente ao modo de produo capitalista.

    Para dar legitimidade aos ditames do capital, foi idealizado o neoliberalismo por

    Hayeck em 1944, com o lanamento do livro o Caminho da Servido (1944), de carter anti-

    socialista e que se opunha radicalmente ao Welfare State da poca. Posteriormente, em 1960,

    Friedman tambm lana perspectivas tericas em torno do neoliberalismo e, a partir de 1970,

    este comea a ser praticado, sendo que a primeira experincia aconteceu no Chile por meio da

    ditatura de Pinochet, assessorado por Milton Friedman.

    Logo em seguida, foi implantado por Ronald Reagan nos Estados Unidos da Amrica-

    EUA e por Margareth Tatcher na Inglaterra. Tal ideologia, que em sua essncia no se difere

    muito do liberalismo econmico clssico do sculo XVII, tem como premissa bsica utilizar o

    Estado burgus como regulador das fronteiras nacionais, porm cada vez mais mnimo para a

    sua funo pblica e mximo para financiar os ditames do mercado.

    1 O imperialismo, ou domnio do capital financeiro o capitalismo no seu grau superior, em que essa separao

    adquire propores imensas. O predomnio do capital financeiro sobre todas as demais formas do capital implica

    o predomnio do rentier e da oligarquia financeira, a situao destacada de uns quantos Estados de "poder"

    financeiro em relao a todos os restantes (LENIN, 1984, p.37).

  • 18

    As diretrizes do neoliberalismo atualmente se baseiam pelo Consenso de Washington2.

    De acordo com Gentilli (1998), apesar da concordncia em centralizar a ateno para as

    polticas econmicas a partir de suas diretrizes, possvel defender a tese que existe tambm

    um Consenso de Washington no campo das polticas educacionais (p.16). O autor ressalta

    essa prerrogativa, no porque existe de fato esse o consenso para educao, mas sim, devido

    suas fortes interferncias e diretrizes poltica de educao, no qual busca delinear as

    polticas pblicas que em sntese devem servir ao mercado ao invs de serem baseadas na

    perspectiva transformadora.

    Em suma, Frigotto (2010) sinaliza que os processos educativos na era neoliberal

    passam por um processo de ressignificao no campo das concepes e das polticas. Cada dia

    mais se estreita a dimenso do educativo e do formativo, desvinculando a compreenso

    ontolgica do trabalho e da produo, aproximando-os apenas do economicismo e da

    empregabilidade.

    O segundo captulo deste estudo traz a discusso inerente ao Ensino Superior nas

    universidades federais brasileiras. At o ano de 1808, no Brasil, existia somente o curso de

    teologia, e os pretendentes a cursar outros cursos nessa modalidade de ensino se dirigiam

    geralmente, Europa. A partir de ento, foram sendo criados novos cursos em algumas

    escolas/faculdades. Do Brasil colnia ao Brasil repblica sempre houve bastante resistncia

    criao de instituies universitrias, acontecendo ento, em 1911 a criao da Universidade

    de Manaus, atual Universidade Federal do Amazonas (UFAM). A partir de ento,

    gradativamente, foram sendo criadas novas instituies universitrias Brasil a fora.

    No captulo dois ressalta-se ainda a reforma do Estado Moderno no Brasil, a partir da

    ideologia neoliberal e suas consequncias que desencadeiam nas aes que caracterizam a

    reforma universitria, haja vista que a reforma do Estado tem efeito cascata e atinge todos os

    patamares das polticas sociais. As aes da reforma universitria tem como premissa

    fundamental a privatizao do ensino superior no Brasil.

    O acesso ao ensino superior e a concluso dele, mesmo nas universidades federais,

    considerado historicamente elitista e seletista. Na contemporaneidade, observa-se o discurso e

    a implantao de programas de democratizao, melhor dizendo, de ampliao do ensino

    superior como, por exemplo, do projeto de reestruturao e expanso das universidades

    2 Fruto de uma reunio realizada em 1989 na capital dos EUA, entre funcionrios do governo norte-americano e

    dos organismos financeiros internacionais ali sediados - FMI, Banco Mundial e BID - especializados em

    assuntos latino-americanos e alguns economistas latino-americanos (grifo nosso). A expresso Washington

    Consensus foi usado pela primeira vez por John Williansom, pesquisador do Institute For Internationational

    Economics, para fazer referncia geral s politicas de ajuste econmico (GENTILLI, 1998, p.14).

  • 19

    federais (REUNI), bem como o PNAES e a recente lei de cotas. Esses programas,

    aparentemente, vo contramo do carter elitista e seletista, bem como das mazelas

    instauradas pelo capitalismo.

    Diante disso, surge a indagao: o capital est ficando bonzinho e se redimindo com

    a classe trabalhadora? Pois bem, esses programas analisados a partir da sua essncia, em

    suma, fazem parte das diretrizes dos organismos internacionais, em especial do Banco

    Mundial para pases considerados em desenvolvimento como o caso do Brasil, pois se

    acredita que por meio da qualificao individual ser possvel tambm ampliar a

    produtividade econmica e o crescimento econmico do pas de forma geral, alm do que

    quanto maior a oferta de mo de obra especializada, menor o preo que se pagar por ela. Para

    a classe trabalhadora em situao de vulnerabilidade socioeconmica, a qualificao no

    garantia de ascenso social, haja vista que o desemprego inerente ao capital e este nos

    ltimos anos s tem aumentado.

    Em se tratando da Assistncia Estudantil aos estudantes em situao de

    vulnerabilidade socioeconmica, analisando seu percurso histrico, observa-se que essa

    esteve presente primeiro no Rio de Janeiro em aproximadamente 1930. A partir disso foi

    surgindo paulatinamente em diversas universidades do pas, porm em forma de aes

    isoladas e pontuais de cada universidade.

    Com criao do frum nacional dos pr-reitores de assuntos comunitrios das

    universidades federais-FONAPRACE em 1987 que em parceria com a UNE fortaleceu a luta

    pela AE, porm o processo foi marcado por percalos e contradies j que maioria das IFES

    no possua nenhuma poltica ou programa de assistncia estudantil, a no ser Universidades

    totalmente saqueadas, e programas de bolsas estudantis ineficientes (FONAPRACE, 2012, p.

    17) . A partir disso o frum adotou estratgias de dilogo com o MEC e a produo de

    documentos com dados sistematizados sobre a realidade da classe discente. Dentre os

    documentos, foram produzidos relatrios de dados socioeconmicos e culturais dos

    estudantes dos cursos de graduao no perodo de 1993 a 1996, 2003 a 2004.

    A partir de 2007 com aprovao do PNAES atravs da portaria 39 do MEC, a AE

    passa a atingir todas as universidades federais do pas com destinao de rubrica oramentria

    especfica. Para a criao do PNAES (Programa Nacional de Assistncia Estudantil)

    importante lembrar que o Frum Nacional de Pr-reitores de Assuntos Comunitrios -

    FONAPRACE, Associao Nacional dos Dirigentes das Instituies Federais de Ensino

    Superior - ANDIFES e a Unio Nacional dos Estudantes UNE tiveram importante assumir

    caractersticas de poltica pblica em 2010 atravs do decreto governamental 7.234.

  • 20

    No caso da UNIR, aes nfimas destinadas assistncia estudantil aos alunos em

    situao de vulnerabilidade social, comearam em 2005. Mas, o aumento gradativo das aes

    aconteceu somente a partir da implantao do PNAES, no caso do campus Ji-Paran, no

    encontramos registros de existncia de aes nesse mbito anterior a aprovao do PNAES.

    Somente em 2009, posterior aprovao do PNAES iniciou-se gradativamente o

    desenvolvimento de algumas aes de cunho assistencial aos estudantes do campus.

    O captulo trs destinado ao percurso metodolgico da pesquisa, no qual o estudo

    realizado a partir do embasamento do materialismo histrico-dialtico, sendo que na

    perspectiva da pesquisadora as categorias que possibilitam melhor apreenso das mltiplas

    determinaes do objeto de estudo so a totalidade, a contradio, a prxis e a luta de classes.

    Os participantes da pesquisa so estudantes beneficirios das diversas modalidades de

    auxlios financeiros do PNAES na UNIR, campus Ji-Paran, alm de gestores e profissionais

    da AE na UNIR, bem como servidores do referido local. Alm disso, no presente captulo

    caracterizada panoramicamente a regio do municpio de Ji-Paran, bem como o campus da

    UNIR localizado nessa cidade.

    No ltimo captulo, apresentada a materializao do PNAES aos estudantes em

    vulnerabilidade socioeconmica da UNIR, campus Ji-Paran, demonstrando dentre outras

    questes: a) a permanncia e a concluso dos cursos de graduao dos beneficirios da

    assistncia estudantil no campus; b) a importncia da AE; c) fatores considerados

    determinantes para a evaso e reteno acadmica na tica dos estudantes beneficirios,

    servidores e gestores e; d) os avanos, limites e desafios da AE no campus na percepo dos

    discentes, dos servidores e dos gestores.

  • 21

    1 AS CONFIGURAES DO MUNDO DO TRABALHO E A DESIGUALDADE

    SOCIAL

    E desse pecado original data a pobreza da grande massa que at agora, apesar de

    todo seu trabalho, nada possui para vender seno a si mesma, e a riqueza dos poucos

    que cresce continuamente, embora h muito tenham parado de trabalhar...(MARX,

    1985, p. 261).

    1.1 Trabalho e suas evolues: da satisfao at a forma exploratria da

    contemporaneidade

    Para iniciar o presente texto, faz-se essencial abordar algumas questes inerentes ao

    trabalho, pois a a produo da vida material engendra todas as formas de relaes humanas e

    assim sendo, a categoria ontolgica do trabalho torna-se imprescindvel em qualquer estudo

    que se anuncie na perspectiva da totalidade histrica (MARTINS, 2006, p.12-13). atravs

    do trabalho que giram as diversas formas de acumulao capitalista. Marx (1999, p. 211)

    pontua que o homem atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo

    tempo modifica sua prpria natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecida e

    submete ao seu domnio o jogo das foras naturais. por meio do trabalho que o homem

    transforma a natureza e a si mesmo.

    Remetendo-se h tempos antigos, possvel observar que o homem em sua evoluo

    por meio do trabalho descobriu habilidades e desenvolveu idealizaes, buscando satisfazer

    suas necessidades. possvel citar os artesos e camponeses do regime feudal, que atingiam o

    reconhecimento de si no objeto construdo ou modificado. Com o advento de acumulao do

    capital, o fato de se reconhecer no objeto foi se perdendo, devido fragmentao do processo

    produtivo. As formas de acumulao primrias do capitalismo ocorreram, por exemplo, por

    meio de roubos das terras comuns, expropriao da terra e do campo, xodo rural e etc.

    Nesse processo, o homem/produtor afastado dos meios de produo, passando a no

    se reconhecer nos produtos do seu trabalho, j no domina todo o processo de produo, o

    trabalho (na maioria das vezes manual) no mais desenvolvido em sua casa com a famlia e

    sim nas fbricas; d-se incio ao que chamado de estranhamento ou alienao do trabalho.

    Sobre este processo Marx (2006, p. 112) pontua que:

    Sim, o trabalho transforma-se em objeto, que ele s consegue adquirir com o

    mximo de esforo e com interrupes imprevisveis. A apropriao do objeto

    manifesta-se a tal ponto como alienao que quanto mais o trabalhador produzir,

  • 22

    tanto menos ele pode possuir e mais se submete ao domnio do seu produto, do

    capital.

    O trabalho que antes servia como fonte primria de satisfao, torna-se

    mercadoria/coisificao, fonte de gerao de mais valia, tornando o homem escravo do objeto.

    Marx (2006 p. 266), pontua que o que o sistema capitalista requeria, era ao contrrio, uma

    posio servil da massa do povo, sua transformao em trabalhadores de aluguel e a de seus

    meios de trabalho em capital. A classe trabalhadora diante da conjuntura do modo de

    produo capitalista matria prima de explorao, ou melhor, parte atuante que proporciona

    o nascimento do excedente gerando lucro.

    O trabalho atinge o patamar mximo de alienao a partir do advento da Revoluo

    Industrial, alcanando a sua forma perversa e se torna peso, fadiga e escravizao, a jornada

    diria passa a alcanar at 16 horas por dia, includos neste patamar esto as crianas e as

    mulheres. Dessa forma, tornando-se incompatvel com a vida externa, o tempo para o cio j

    no existe mais, necessrio o mximo de esforo para obter as mnimas condies de

    subsistncia, mudando todo o processo de maneira veloz e cruel. A aglomerao humana em

    espaos inadequados propiciava a acelerada proliferao de doenas infectocontagiosas, ao

    mesmo tempo em que a periculosidade das mquinas era responsvel por mutilaes e mortes.

    Com o incio da Revoluo Industrial, o trabalhador torna-se presa da mquina, de

    seus ritmos, dos ditames da produo que atendiam necessidade de acumulao rpida de

    capital e de mximo aproveitamento dos equipamentos, antes de se tornarem obsoletos.

    Com o aperfeioamento da produo, ganham espao as relaes de trabalho

    marcadas pela forma de gesto da fora de trabalho reconhecida como binmio

    fordismo/taylorismo que teve seu incio em aproximadamente 1914 e foi hegemnico at o

    final da dcada de 1960.

    Sobre este binmio e seus processos de trabalho, Antunes (1991, p. 29) ressalta que:

    [...] O trabalhador um animal, tem que ser dcil. Mas o trabalhador taylorista-

    fordista, o trabalho capitalista da era da indstria do automvel e dos seus

    prolongamentos ao longo de todo sculo XX era um trabalho marcado por uma

    alienao/estranhamento, por esse carter parcelar-fragmentado, da indstria seriada

    da produo em srie. No binmio taylorismo/fordismo a concepo e a elaborao

    so responsabilidade da gerncia cientfica, a execuo (manual) responsabilidade

    dos trabalhadores.

    De acordo com Antunes (1991), o Fordismo/Taylorismo se baseava na produo em

    massa, produo de mercadoria de forma homognea e verticalizada, o tempo do trabalhador

    era racionalizado e o ritmo de trabalho aumentado, com vistas a evitar o desperdcio na

    produo.

  • 23

    Buscava-se a intensificao da produo, atravs da linha rgida, a fabricao,

    articulava diferentes trabalhos, tecendo vnculo entre as aes individuais e a esteira, que fazia

    as interligaes dando o ritmo e tempo necessrio para execuo das tarefas. Nesse modelo de

    gesto da fora de trabalho, o capital se apropriava do savoir-faire do trabalhador, ou seja,

    suprimia a sua dimenso intelectual. Para Gramsci (1968), fordismo conceituado como

    americanismo e significa que o homem deve ser integral para o Capital. Mouro (2006)

    destaca que as:

    [...] varias estratgias de gesto do processo de trabalho e da fora de trabalho tem

    engendrado elaboraes tericas que trazem subentendida a impossibilidade do

    modelo taylorista/fordista de assegurar a expanso do capital e de conter a

    resistncia dos trabalhadores, fato que vem obstar o desenvolvimento capitalista e

    caracterizar uma situao de crise. Isto, no entanto, no equivale dizer que houve

    ruptura do modelo dominante (p. 22).

    O binmio fordismo/taylorismo entra em crise e o capital como forma de se

    reinventar, a partir do final da dcada de 1960, tem-se incio o novo mtodo de gesto do

    trabalho, ou melhor, nova forma de acumulao do capital denominado de toyotismo. Esse

    novo modelo de acumulao capitalista

    consolida dois processos: o de integrao como caminho renovado para obteno de

    ganhos de produtividade e o de flexibilizao, no s das linhas produtivas para o

    atendimento de um mercado flexvel e diferenciado, mas, sobretudo, da

    flexibilizao das novas relaes de trabalho [...] O princpio da integrao esta

    intimamente ligado aos princpios de economia de tempo taylorista/fordista. Por ser

    imperioso que as mquinas seja ocupadas em todo seu potencial, uma nova

    organizao da produo se efetiva, na qual a informtica e a eletrnica so

    utilizadas como potencializadoras (MOURO, 2006, p. 22-23)

    Abaixo, expe-se uma tabela3 baseada nas expresses de Ricardo Antunes (1999) com

    as principais caractersticas que envolvem a crise do binmio fordismo/taylorismo, bem como

    os principais atributos que envolveram a gnese do toyotismo.

    Quadro 01 Crise do Modelo Fordista-Taylorista, gnese e avano da Reestruturao

    Produtiva:

    Crise do Capital e do Modelo Fordista-

    Taylorista

    Resposta do Capital Crise

    Reestruturao Produtiva - Caractersticas

    do Toyotismo 1) queda da taxa de lucro dada, entre outros

    elementos causais, pelo aumento da fora de

    trabalho, conquistado durante o perodo ps

    1945 e pela intensificao das lutas sociais

    dos anos 1960, que objetivavam o controle

    1) uma produo muito vinculada demanda,

    visando atender as exigncias mais individualizadas

    do mercado consumidor, diferenciando-se da

    produo em srie e de massa do

    taylorismo/fordismo. Por isso, sua produo

    3 Quadro construdo a partir da exposio do livro de ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho: Ensaios

    sobre a afirmao e negao do trabalho. IN: Dimenses da Crise estrutural do capital e As repostas do Capital a

    sua crise estrutural: a reestruturao produtiva e suas repercusses no processo de trabalho. So Paulo,

    Boitempo, 1999. P. 29-59.

  • 24

    social da produo. A conjugao desses

    elementos levou a uma reduo dos nveis de

    produtividade do capital, acentuando a

    tendncia decrescente da taxa de lucro;

    2) o esgotamento do padro de acumulao

    taylorista/fordista de produo (que em

    verdade era a expresso mais fenomnica da

    crise estrutural do capital), dado pela

    incapacidade de responder a retrao do

    consumo que se acentuava. Na verdade

    tratava-se de uma retrao em resposta ao

    desemprego estrutural que ento se iniciava;

    3) hipertrofia da esfera financeira, que

    ganhava relativa autonomia frente aos

    capitais produtivos, o que tambm j era

    expresso da prpria crise estrutural do

    capital e seu sistema de produo, colocando-

    se o capital financeiro como um campo

    prioritrio para a especulao, na nova fase

    do processo de internacionalizao;

    4)a maior concentrao de capitais graas s

    fuses entre as empresas monopolistas e

    oligopolistas;

    5) a crise do Welfare State ou do estado do

    bem-estar social e dos seus mecanismos de

    funcionamento, acarretando a crise fiscal do

    Estado capitalista e a necessidade de retrao

    dos gastos pblicos e sua transferncia para o

    capital privado;

    6) incremento acentuado das privatizaes,

    tendncia generalizada as

    desregulamentaes e a flexibilizao do

    processo produtivo, dos mercados e da fora

    de trabalho, entre tantos outros elementos

    contingentes que exprimiam esse novo

    quadro crtico.

    variada e bastante heterognea, ao contrrio da

    homogeneidade fordista;

    2) fundamenta-se no trabalho operrio em equipe,

    com multivariedades de funes, rompendo com

    carter parcelar tpico do fordismo;

    3 ) a produo se estrutura num processo flexvel,

    que possibilita ao operrio operar simultaneamente

    vrias mquinas (na Toyota, em mdia at 5

    mquinas), alterando-se a relao homem mquina

    na qual se baseava o taylorismo/fordismo;

    4) tem como princpio o just in time o melhor

    aproveitamento possvel do tempo de produo;

    5) funciona segundo o sistema de kanban placas ou

    senhas de comando para reposio de peas de

    estoque. No toyotismo, os estoques so mnimos

    quando comparados ao fordismo;

    6) as empresas do complexo produtivo toyotista,

    inclusive as terceirizadas, tm uma estrutura

    horizontalizada, ao contrrio da verticalizada

    fordista. Enquanto na fbrica fordista

    aproximadamente 75% da produo era realizada

    no seu interior, a fbrica toyotista responsvel por

    somente 25% da produo, tendncia que vem se

    intensificando ainda mais. Essa ltima prioriza o

    que central em sua especialidade no processo

    produtivo (a chamada teoria do foco) e transfere a

    terceiros grande parte do que antes era produzido

    dentro de seu espao produtivo. Essa

    horizontalizao estende-se s subcontratadas, as

    firmas terceirizadas acarretando a expanso dos

    mtodos e procedimentos, para toda a rede de

    fornecedores. Desse modo, flexibilizao,

    terceirizao, subcontratao, CCQ, controle de

    qualidade total, kanban, just in time, kaizen, team

    work, eliminao do desperdcio, gerncia

    participativa, sindicalismo de empresa, entre tantos

    outros pontos, so levados para um espao

    ampliado do processo produtivo;

    7) organiza os crculos de controle de qualidade

    (CCQs) constituindo grupos de trabalhadores que

    so instigados pelo capital a discutir seu trabalho e

    desempenho, com vistas a melhorar a produtividade

    das empresas, convertendo-se num importante

    instrumento para o capital apropriar-se do savoir

    faire intelectual e cognitivo do trabalho, que o

    fordismo desprezava;

    8) o toyotismo implantou o emprego vitalcio

    para uma parcela dos trabalhadores das grandes

    empresas (cerca de 25% a 30% da populao

    trabalhadora, onde se presenciava a excluso das

    mulheres), alm dos ganhos salariais intimamente

    vinculados ao aumento da produtividade. O

    emprego vitalcio garante ao trabalhador japons

    que trabalha nas fbricas inseridas nesse modelo a

    estabilidade do emprego, sendo que aos 55 anos o

  • 25

    trabalhador deslocado para outro trabalho menos

    relevante, no complexo de atividades existente na

    mesma empresa. FONTE: Autora, 2015.

    O modelo japons baseado na empresa, produo e emprego flexvel, que tem como

    marca o advento de trabalhador mais qualificado, participativo, multifuncional, polivalente

    dotado de maior realizao no espao de trabalho (ANTUNES, 1991, p. 48).

    O capitalismo a partir de 1970 at o presente momento, marcado pela crise

    estrutural, fundamentado na gesto da fora de trabalho do toyotismo e caracterizado pela

    reestruturao produtiva e de acumulao flexvel, sendo que essa uma das estratgias da

    burguesia para conter o crescimento do movimento operrio.

    De acordo com Antunes (2009, p. 52), o modelo de liofilizao se fundamenta num

    padro produtivo organizado e tecnologicamente avanado. Trata-se de uma poca onde o

    trabalho e suas relaes so precarizadas, as mltiplas facetas da precarizao se manifestam

    nas terceirizaes, por meio do trabalho informal e das condies subumanas de subsistncia.

    Essa lgica destrutiva do capital, bem como a crise estrutural enfrentada a partir de 1970, para

    Mszros (2008), uma condio para a manuteno do sistema de metablico de reproduo

    social do capital.

    Diante do exposto, possvel perceber que na sua trajetria histrica, o trabalho vai

    adquirindo novas roupagens e sofrendo mutaes em seus objetivos, tanto que na

    contemporaneidade, dividido em produtivo e improdutivo, ou seja, se torna produtivo

    somente quando tem valor de uso, quando gera alguma forma de valor monetrio, e

    improdutivo quando o que se fixa na sua finalidade no vem sendo utilizado como meio de

    gerar mais valia.

    De acordo com Antunes (2006, p. 45) na contemporaneidade o trabalhador:

    Alm de operar com vrias mquinas (por isso se fala em especializao

    multifuncional) no mundo do trabalho atual, tem-se tambm a intensificao do

    trabalho imaterial. o que hoje o discurso dominante denomina como a sociedade

    do conhecimento, dada pelo exerccio do trabalho nas esferas de comunicao, nas

    esferas de marketing etc., uma vez que estamos presenciando as sociedades das logo

    marcas, do simblico.

    Marx destaca ainda outro ponto inerente ao trabalho produtivo e improdutivo, onde

    para o capital, o trabalho considerado produtivo no apenas o que produz mercadoria, mas o

    que gera mais-valia para o capitalista, enquanto que o trabalho improdutivo aquele que

    trocado por renda para o trabalhador, que pode ser em forma de salrios ou outros. Para Marx,

    o ponto de partida deve ser o trabalho e no o seu valor, conforme enfocado na sociedade

  • 26

    mercantil. Mszros (2008, p. 93) pontua que uma sociedade que valoriza apenas o material,

    possui grandes possibilidades de fracasso, j que:

    Muito se fala hoje nas sociedades canibalisticamente avanadas sobre a agenda do

    respeito. Consiste na ilusria projeo de resolver a crise de valores cada vez mais

    aprofundada manifesta na forma da crescente criminalidade e delinquncia, ao

    lado da alienao cada vez pior do jovem em relao sua sociedade por um apelo

    direto e retrico conscincia dos indivduos, postulando em vo, o adequado

    respeito pelos valores da cidadania democrtica. E quando toda essa pregao

    vazia fracassa, como tem de fracassar, uma vez que evita, como a uma praga, as

    causas sociais dos sintomas negativos denunciados, as personificaes polticas do

    alto capital, inclusive o mais alto deles, comeam a falar de como podem identificar

    a futura delinquncia j no tero da me, indicando as medidas legislativas

    estatais autoritrias necessrias para lidar com a futura criminalidade potencial no

    estgio mais inicial possvel.

    Assim, o fracasso colocado sob a responsabilidade de modo geral, principalmente,

    s classes sociais menos favorecidas em termos de riqueza, pois so detentoras de talentos e

    esforos individuais, mas, apesar disso, no conseguem galgar melhores condies de vida,

    fazendo aumentar a criminalidade e a violncia. A ningum questionado sobre as bases

    materiais do sistema vigente, apenas de tempos em tempos so adotadas novas receitas para

    solucionar problemas que tem suas razes no capitalismo.

    1.2 A reificao da mercadoria em detrimento do trabalhador e a desigualdade social

    na era do imperialismo

    O momento presente marcado pela mxima explorao dos meios da produo e da

    prpria natureza pelo capital. tempo de intensa desigualdade social, ou melhor, a poca de

    barbrie social, de acordo com Mszros (2008, p 75-76):

    Nosso dilema histrico definido pela crise estrutural do sistema do capital global.

    Est na moda falar, com total auto complacncia, sobre o grande xito da

    globalizao capitalista. Um livro recentemente publicado e propagandeado de

    modo devotado tem como titulo: Why globalization works. Contudo, o autor, que o

    principal comentarista econmico do financial times de Londres, esquece-se de fazer

    a pergunta realmente importante: Ela funciona para quem? Se que funciona.

    Certamente funciona, por enquanto (mas no to bem), para os tomadores de deciso

    do capital transnacional, e no para a esmagadora maioria da humanidade, que tem

    sofrer as consequncias. E nenhuma integrao jurisdicional advogada pelo autor

    isto , em linguagem direta, o maior controle direto sobre um deplorvel grande

    nmero de Estado por parte de umas potncias imperialistas, especialmente a maior

    delas vai conseguir remediar a situao.

    Marx & Engels, em suas obras tericas analisando a essncia do capitalismo,

    buscaram alertar sobre as etapas de desenvolvimento desse modo de produo, no qual no

    possvel ter previso a seu respeito, em que tudo incerto para o futuro, haja vista a falta de

    controle sobre seus caminhos e descaminhos, pois o controle no se encontra nas mos da

  • 27

    classe trabalhadora, mas algo que foge do seu domnio, porque na sociedade cuja fora

    hegemnica o da burguesia, quanto mais se desenvolve a produo capitalista e as relaes

    sociais de produo que alienam os homens, muito maiores sero as potncias externas que os

    reprimem.

    O poder social, isto , a fora de produo multiplicada que nasce da cooperao de

    diversos indivduos condicionada pela diviso do trabalho aparece a esses

    indivduos, porque a prpria cooperao no voluntria, mas natural, no como seu

    prprio poder unificado, mas sim como uma potncia estranha, situada fora deles,

    sobre a qual no sabem de onde veio nem para onde vai, uma potncia, portanto, que

    no podem mais controlar e que, pelo contrrio, percorre agora uma sequncia

    particular de fases e etapas de desenvolvimento, independente do querer e do agir

    dos homens e que at mesmo dirige esse querer e esse agir (MARX & ENGELS,

    2007, p.38).

    Nesta etapa de desenvolvimento, o trabalhador se torna cada dia mais intensamente

    alienado, a explorao se torna ainda mais perversa, o seu trabalho no voluntrio, mas

    imposto, trabalho forado. No constitui a satisfao de uma necessidade, mas apenas um

    meio de satisfazer outras necessidades. O trabalho externo, o trabalho em que o homem se

    aliena, um trabalho de sacrifcio de si mesmo, de martrio (MARX, 2006, p. 114).

    A sociedade atual baseada na reificao das coisas materiais em detrimento das

    relaes sociais que deveriam qualificar as relaes humanas, o valor e a fantasia caminham

    juntas na sociedade do consumo, onde se materializam as relaes e se personificam as coisas.

    Conforme crescem as foras produtivas que dominam o proletariado, na mesma proporo

    cresce a pobreza, a indigncia, a misria e submisso do trabalhador. A atualidade marcada

    pelo sentido surreal das coisas, parafraseando Mszros:

    Vivemos sob condies de uma desumanizante alienao e de uma subverso

    fetichista do real estado das coisas dentro da conscincia (muitas vezes tambm

    caracterizada como reificao) porque o capital no pode exercer funes sociais

    metablicas de ampla reproduo de nenhum outro modo. Mudar essas condies

    exige uma interveno consciente em todos os domnios e em todos os nveis da

    nossa existncia individual e social. (2008, p. 59).

    Volta-se a afirmar que o momento presente se aproxima de barbrie social, j que as

    diversas manifestaes da ordem vigente simultaneamente, excluem a esmagadora maioria

    da humanidade no mbito da ao dos sujeitos, e condena-os, para sempre, a serem apenas

    considerados como objetos (e manipulados no mesmo sentido), em nome da suposta

    superioridade da elite meritocrtica, tecnocrtica, empresarial (MSZROS, 2008, p.

    49).

    Segundo dados da OIT (Organizao Internacional do Trabalho), o ndice de

    desempregados no mundo aumentou em 4,2 milhes em 2012, para 5,9 %. De acordo com as

  • 28

    tendncias mundiais de emprego, em 2013, quando se trata da juventude at 24 anos, esse

    ndice sobe para 12,6%. notrio tambm que pessoas acima dos 40 anos de idade so um

    grande nmero na lista de desempregados. Trata-se de um mercado de trabalho,

    extremamente excludente e seletivo, no qual Gramsci (1968) realizando sua anlise sobre o

    fordismo j averiguava que aconteceria inevitavelmente, uma seleo forada, uma parte da

    velha classe trabalhadora ser impiedosamente eliminada do mundo do trabalho e talvez do

    mundo tout court. (p. 397).

    Os dados supracitados apontam que, caso o sistema de reproduo metablica do

    capital continue no mesmo sentido atual, caminhamos para a construo de sociedades cada

    vez mais desigual, excludente e insustentvel em longo prazo, ou melhor, para um

    acirramento da luta das classes sociais.

    De acordo com Lenin (1979) a fase atual do capitalismo considerada como a sua fase

    superior denominada de imperialismo. Segundo ele, a gnese do imperialismo ocorre na

    medida em que:

    [...] o resumo da histria dos monoplios o seguinte: 1) Dcadas de 1860 e 1870, o

    grau superior, culminante, de desenvolvimento da livre concorrncia. Os

    monoplios no constituem mais do que germes quase imperceptveis. 2) Depois da

    crise de 1873, longo perodo de desenvolvimento dos cartis, os quais constituem

    ainda apenas uma exceo, no so ainda slidos, representando ainda um fenmeno

    passageiro. 3) Ascenso de fins do sculo XIX e crise de 1900 a 1903: os cartis

    passam a ser uma das bases de toda a vida econmica. O capitalismo transformou-se

    em imperialismo (LENIN, 1984, p.10).

    Para Lenin, o imperialismo surgiu aps a substituio da livre concorrncia do

    mercado para a forma de monoplio dos setores estratgicos da economia. Os carteis so as

    bases da vida econmica que estabelecem entre si acordos de vendas, prazos de pagamentos,

    as regies de mercado, quantidades de produo, os preos e posteriormente fazem a

    distribuio dos lucros entre as empresas.

    Segundo Souza (2014), a fase imperialista do capitalismo se inicia em 1870 ou 1880,

    quando as grandes potncias da Europa dividiram entre si todo o mundo ainda no

    colonizado. No final do sculo XIX e incio do sculo XX, boa parte do mundo estava sob

    domnio de pases como a Inglaterra, Alemanha, Frana entre outros pases, na condio de

    colnia ou semicolnia que, como historicamente sabido, renderam muito lucro aos seus

    exploradores. No satisfeitos com a diviso do mundo com seus pertences, as grandes

    potncias lanam a guerra para realizar uma nova diviso, e aps as duas histricas guerras

    mundiais, o mundo alm de ter os antigos donos passa a ter tambm os EUA como uma

    grande potncia.

  • 29

    O interessante que:

    A dependncia dos pases dominados pelo imperialismo se desenvolve por meio das

    aes do capital financeiro que se movimenta de vrias formas, na instalao de

    empresas para extrarem altos lucros advindos da superexplorao da mo-de-obra

    barata, da flexibilizao dos direitos trabalhistas, da sonegao de tributos e da

    legislao favorvel; na compra de aes de empresas j existentes; em

    financiamentos e emprstimos a empresas privadas e ao Estado e em investimentos

    no Imperialismo e capitalismo burocrtico controle das fontes de recursos naturais e

    de matrias-primas, de forma a manterem um controle econmico e poltico dos

    pases dominados (SOUZA, 2014, p. 39-40).

    O imperialismo tem como marca central a unificao do capital industrial com o

    capital bancrio que gera o capital financeiro, atravs da criao de bancos, fundos e acordos

    internacionais como o BM, BIRD, FMI etc. que buscam financiar as atividades industriais

    com o prprio capital industrial.

    O Brasil, neste cenrio de explorao, uma mera semicolnia das grandes potncias

    mundiais que garante a estes a sua obedincia, principalmente ao atual Senhor do Imprio

    (EUA), ou a outros pases representados pela burguesia transnacional, adotando todos os tipos

    de ajustes necessrios e seguindo as diretrizes do Banco Mundial como forma de manter o

    poder imperial e garantir o financiamento econmico em diversas reas.

    No Brasil, o desenvolvimento das foras capitalistas possui hegemonia notria, o que

    torna de acordo com Pochamann a 4enorme concentrao da renda e da riqueza como marca

    registrada do pas. O motivo da perverso distributiva a correspondente concentrao do

    poder, e, na raiz deste fator, encontra-se a fragilidade da democracia brasileira. Em cinco

    sculos de histria, no somamos mais de quarenta anos de regime democrtico.

    1.3 Neoliberalismo: gide do capital como forma de manter o status quo

    Para responder crise estrutural do capital instalada a partir da dcada de 1970, a

    burguesia mundial adotou um novo modelo de poltica e controle denominado como

    neoliberalismo, cuja nfase a minimizao do Estado e a garantia que o mercado corra

    livremente, ou seja, sem fronteiras. O papel do Estado neste modelo deve ser apenas cuidar

    das fronteiras.

    O iderio neoliberal passou a fazer parte do cenrio poltico mundial, a partir dos

    interesses da burguesia manifestada na obra terica de Hayeck lanada publicamente em

    4 Bibliografia encontrada em http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=30, acessado em 10 de junho de

    2015 s 14:00h.

    http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=30

  • 30

    1944, no qual o mesmo defende que enquanto a democracia procura a igualdade na

    liberdade, o socialismo procura a igualdade na represso e na servido (1944, p. 52). As

    principais crticas de Hayeck giram em torno do socialismo e do Welfare State, pois segundo

    o autor:

    Est claro que todo o Estado tem de agir, e toda ao do Estado implica intervir

    nisto ou naquilo. Mas no isso que vem ao caso. O importante saber se o

    indivduo pode prever a ao do Estado e utilizar esse conhecimento como um dado

    na elaborao de seus planos particulares - o que significa que o Estado no pode

    controlar a forma como seu mecanismo empregado e que o indivduo sabe

    exatamente at que ponto ser protegido contra a interferncia alheia - ou se o

    Estado est em condies de frustrar os esforos individuais. O Estado que controla

    pesos e medidas (ou impede de qualquer outro modo o estelionato e a fraude)

    indubitavelmente ativo, ao passo que o Estado que permite o uso da violncia - por

    piquetes de grevistas, por exemplo inativo. Entretanto, no primeiro caso que o

    Estado observa os princpios liberais, enquanto no segundo no o faz (HAYECK:

    1944, p.104).

    Posteriormente, na dcada de 1960, o neoliberalismo ganha um novo defensor, Milton

    Friedman, contudo, a partir de 1970, essa ideologia teve sua prtica inaugurada por alguns

    pases, sendo que sua primeira experincia foi no Chile, atravs da ditadura de Pinochet e

    posteriormente com a eleio de Margareth Tatcher na Inglaterra (1979) e Ronald Reagan

    Nos Estados Unidos (1980) e, sucessivamente, alastrando-se por boa parte do globo.

    O neoliberalismo em pouco se difere, do liberalismo clssico instaurado nas ltimas

    dcadas do sculo XVII, em conformidade com o ponto de vista do capital e da economia

    poltica da poca, o grande dolo do liberalismo moderno, John Locke um latifundirio

    absentesta em Somersetshire, e tambm um dos mais generosamente pagos funcionrios do

    governo (MSZROS, 2008, p.39).

    A aproximao do neoliberalismo com o liberalismo acontece na prpria essncia,

    alis, todas as reinvenes do capital possuem fortes influncias e caractersticas

    conservadoras, que apenas se revestem de novas roupagens, mas com as caractersticas

    essenciais da natureza exploratria do capitalismo.

    No olhar vesgo da burguesia, a crise atual, uma vez mais aparece como um desvio

    das leis naturais do mercado. A pedra de toque dos neoconservadores est na

    crtica excessiva interveno e agitamento do Estado, e postula-se, como remdio,

    a volta da regulao do mercado e as polticas monetaristas. O iderio neoliberal e

    neoconservador protagonizado por Tatcher e Reagan, malgrado seu insucesso

    naquelas sociedades, tornou-se a palavra de ordem para o ajustamento (leia-se

    submisso s regras dos novos senhores do mundo e suas instituies: FMI, BIRD,

    BID etc.) nos pases da Amrica Latina e, agora, de forma avassaladora, para o leste

    Europeu (FRIGOTTO, 2010, p. 84).

    De acordo com Gentilli (1998, p. 104):

  • 31

    O projeto poltico econmico e hegemnico at os dias atuais no se apresentou

    como vilo ou detentor de mazelas, mas foi apresentado com o compromisso de

    solucionar e atentar-se as demandas de diversas naes[...] A Promessa que

    formulava esta perspectiva era que o mercado conseguiria responder s demandas

    individuais e que, ao mesmo tempo, o prprio crescimento econmico iria gerar uma

    multiplicao da oferta de empregos e um aumento geral da riqueza que resultaria

    num incremento dos ingressos individuais. O mercado expandia-se e nele existia

    lugar para todos .

    Pouco tempo depois da adoo pela Inglaterra, esse modelo ganhou novos

    patrocinadores e disseminadores, sendo que na Amrica Latina a sua instaurao foi ainda

    mais brutal, haja vista que a ortodoxia neoliberal promovida pelos organismos financeiros

    internacionais, especialmente o Banco Mundial e o Fundo Monetrio Internacional, foi

    assumida pelas elites econmicas locais como a nica receita vlida para superar o dficit

    pblico e estabilizar as convulsionadas economias da regio (GENTILLI, 1998, p. 14). De

    acordo com esse mesmo autor:

    [...] o neoliberalismo se instalou nos pases latinos no incio dos anos setenta e

    tendo como marco a origem da ditadura militar imposta no Chile, logo aps a queda

    do governo constitucional de Salvador Allende o programa de reformas

    desencadeado pelo neoliberalismo na Amrica Latina expandiu-se progressivamente

    a quase todos os pases da regio. Por um lado a frgil institucionalizao que

    marcou a transio para a democracia naquelas naes que superavam a traumtica

    experincia de longas ditaduras, e, por outro, as peculiaridades de regimes polticos

    democrticos de carter tutelar e alto grau de corrupo de nos poucos pases que

    no enfrentaram governos de facto durante esse perodo, constituram fatores

    propcios para expanso do neoliberalismo na Amrica Latina (GENTILLI, 1998, p.

    13).

    Sobre a experincia Chilena, alguns autores pontuam que se trata de um perodo brutal

    contra qualquer vestgio de democracia, alis, a ditadura a preferncia dos idealizadores

    neoliberais, haja vista que na democracia, a maioria pode decidir pelos direitos incondicionais

    e atrapalhar o andamento das questes ideolgicas principais do modelo.

    De fato, ainda que em seu conjunto tenha chegado a hora das privatizaes

    massivas, depois dos pases da OCDE e da antiga Unio Sovitica,

    genealogicamente este continente foi testemunha da primeira experincia neoliberal

    sistemtica do mundo. Refiro-me, bem entendido, ao Chile sob a ditadura de

    Pinochet. Aquele regime tem a honra de ter sido o verdadeiro pioneiro do ciclo

    neoliberal da histria contempornea. O Chile de Pinochet comeou seus programas

    de maneira dura: desregulao, desemprego massivo, represso sindical,

    redistribuio de renda em favor dos ricos, privatizao de bens pblicos. Tudo isso

    foi comeado no Chile, quase um decnio antes de Thatcher, na Inglaterra. No

    Chile, naturalmente, a inspirao terica da experincia pinochetista era mais norte-

    americana do que austraca. Friedman, e no Hayek, como era de se esperar nas

    Amricas. Mas de se notar que a experincia chilena dos anos 70 interessou

    muitssimo a certos conselheiros britnicos importantes para Thatcher, e que sempre

    existiram excelentes relaes entre os dois regimes nos anos 80 (ANDERSON,

    1995, P. 13).

  • 32

    O neoliberalismo possui uma base slida, tendo partido da premissa de que os

    senhores do capital consideram como algo seguro e inatingvel, haja vista que recebe apoio e

    reinventado pelos principais organismos financeiros internacionais e possui documentos

    para sua legitimao, um desse o famoso Consenso de Washington:

    O programa de ajuste e estabilizao proposto no marco desse consenso inclui

    dez tipos especficos de reforma que, como assinala Williamson, foram quase

    sempre implementados com intensidades pelos governos latino-americanos a partir

    da dcada de oitenta: disciplina fiscal; redefinio das prioridades dos gasto

    pblico; reforma tributria; liberalizao do setor financeiro; manuteno de taxas

    de cmbio competitivas; liberalizao comercial; atrao das aplicaes de capital

    estrangeiro; privatizao de empresas estatais; desregulao da economia; proteo

    de direitos autorais (PORTELA FILHO, 1994, apud GENTILLI, 1998, p. 14).

    O Consenso de Washington no apresenta um verdadeiro consenso e sim utiliza

    alguns instrumentos de persuaso contra as naes tidas como inferiores, semicolnias frente

    s naes que so destacadas como potncias mundiais. De acordo com Gentilli (1998, p. 29),

    o que o Consenso de Washington sintetiza a hegemonia neoliberal no contexto de um

    capitalismo globalizado. Esse como todo processo hegemnico, no se reduz apenas

    construo de uma poltica de consentimento, mas tambm a uma poderosa estratgia de

    coero.

    De acordo com Frigotto (2010, p.85) o neoliberalismo possui algumas caractersticas

    bsicas que apesar de no serem unvocas baseiam-se na

    retirada do Estado da economia ideia do Estado mnimo, a restrio dos ganhos de

    produtividade e garantias de emprego e estabilidade de emprego; a volta das leis de

    mercado sem restries; o aumento da taxa de juros para aumentar e arrefecer o

    consumo; a diminuio dos impostos sobre o capital e diminuio dos gastos e

    receitas pblicas e, consequentemente, dos investimentos em polticas sociais.

    De Acordo com Gentilli (1998, p. 102), o neoliberalismo deve ser compreendido

    como um projeto de classe que orienta, ao mesmo tempo e de forma articulada, um conjunto

    de reformas radicais no plano poltico, econmico, jurdico e cultural. Frigotto (2010, p.87),

    pontua ainda que:

    Em relao ao Estado, a questo crucial no se um Estado mximo ou Estado

    mnimo, mas qual Estado. Neste sentido, Francisco de Oliveira mostra que a

    perspectiva conservadora, na realidade, no postula reduzir o Estado em todas suas

    faces, mas apenas estreitar ou eliminar sua face pblica.

    No mbito da mquina pblica, conforme possvel identificar, as artimanhas

    neoliberais paulatinamente conquistam os espaos pblicos e os tornam privados. Pactua-

    se, dessa maneira, a privatizao direta ou indireta, descoberta ou encoberta, da educao

    como (aparentemente) o nico mecanismo que possibilitar uma administrao eficiente e

  • 33

    produtiva dos recursos destinados s instituies escolares. O Pacto constitui o espao para

    legitimar tais decises (GENTILLI, 1998, p. 66).

    [...] a privatizao econmica e a privatizao escolar: elas so mecanismos de

    redistribuio regressiva que acabam sempre favorecendo os ricos. A privatizao

    das empresas produtiva do Estado amplia ainda mais a concentrao de poder

    econmico. A privatizao escolar cria ainda mais condies para uma ampla e

    marcada concentrao de poder educacional de consequncias evidentemente

    antidemocrticas: a dualizao do sistema se aprofunda entre ganhadores e

    perdedores , da distribuio desigual dos bens educacionais vo cristalizando suas

    posies. A escola melhora para alguns poucos e piora para a grande maioria.

    (GENTILLI, 1998, p 98).

    Dessa forma, observa-se que o ajuste neoliberal traz uma receita avassaladora contra

    as classes trabalhadoras. Trata-se de um modelo para poucos, no mais que 30% da populao

    e nos indicadores de vrios organismos nacionais e internacionais apresentam e mostram o

    agravamento da pobreza (FRIGOTTO, 2010, p. 93). Partindo dessa premissa se apresenta:

    ao lado das ilhas de riqueza e ostentao, aninham-se o abandono infantil, a fome, a

    misria, as doenas endmicas e consequentemente a morte prematura. A ONU,

    levando em conta a expectativa de vida, as taxas de mortalidade infantil, a

    distribuio de renda e o nvel educacional da populao, classifica o Brasil no

    septuagsimo pas do mundo em qualidade de vida (Isto, p.13, de 16 a 22 de maio

    de 1993 apud FRIGOTTO, 2010, p.94)

    A situao atual das naes de terceiro mundo foi pensada anteriormente por alguns

    tericos que tiveram por base o carter predatrio do capital e suas mltiplas facetas.

    Especificamente,

    [...] os pases da Amrica Latina no seu conjunto, C. Villas (1991) mostra-nos que a

    aplicao das polticas neoliberais representaram uma violncia brutal sobre a vida

    da maioria dos cidados destas naes. Nas ltimas duas dcadas, evidencia-nos este

    autor, o nmero de miserveis absolutos aumentou em 70 milhes. Isto equivale,

    aproximadamente, a duas vezes a populao total da Argentina[...]. A realidade

    econmico-social que se est produzindo na Amrica Latina torna uma das teses

    bsicas da doutrina neoliberal de Hayek que a desigualdade fundamental para a

    eficincia e produtividade capitalista uma lastimvel profecia que vem se

    realizando (FRIGOTTO, 2010, p.95).

    Observando essa reflexo e o contexto atual de desenvolvimento do capital, baseado

    na reestruturao produtiva e ajustes neoliberais, verifica-se interferncia direta na poltica

    educacional, em especial nos pases em desenvolvimento, onde a cada momento os mesmos

    so colocados na agenda internacional apenas como forma de satisfazer os interesses

    hegemnicos dos pases desenvolvidos.

    Parafraseando Antunes (2011, p 40):

    O neoliberalismo passou a ditar o iderio e o programa a serem implementados

    pelos pases capitalistas, inicialmente no centro e logo depois nos pases

  • 34

    subordinados, contemplando reestruturao produtiva, privatizao acelerada,

    enxugamento do Estado, polticas fiscais e monetrias, sintonizadas com os

    organismos mundiais de hegemonia do capital como fundo monetrio internacional.

    O discurso e as propostas neoliberais de ajuste aos pases de terceiro mundo no se

    apresentam como algo que resulte no aumento da desigualdade social e na acentuao de

    problemas crnicos, alis, exposto como soluo aos problemas existentes e como detentor

    das condies necessrias para o desenvolvimento com equidade. Porm, isso no passa de

    mera iluso, pois o impacto das polticas, em suma, est cada vez mais distante da realidade

    justa que se almeja.

    [...] De fato, os estudos recentes demonstram que o desempenho dos pases latino-

    americanos que aplicaram ou aplicam programas de ajuste estrutural e setorial

    financiado pelo Banco Mundial, foi no sentido contrrio das promessas formuladas

    por esses organismos e pelos governos que a efetivaram. Na Amrica Latina, e ao

    longo da dcada de oitenta, esses pases foram: Argentina, Brasil, Bolvia,

    Colmbia, Costa Rica, Repblica Dominicana, Equador, Guatemala, Haiti, Guiana,

    Honduras, Jamaica, Mxico, Panam, Uruguai e Venezuela [...] (GENTILLI, 1998,

    p. 33).

    No caso especial do Brasil, as influncias neoliberais se aprofundam a partir da dcada

    de 1990, cujo foco principal foram as fortes ofensivas do capital na minimizao dos direitos

    sociais e diminuio de investimento nas polticas sociais, haja vista que os objetivos do

    neoliberalismo so que o Estado diminua os gastos com direitos sociais, procure zelar das

    fronteiras nacionais, bem como garantir que o mercado caminhe livremente ou de forma

    transnacional.

    O Brasil possui diversas formas de riquezas, o crescimento econmico notrio e

    significativo, porm a riqueza se encontra nas mos da minoria pertencente classe burguesa,

    enquanto que do lado oposto se acumula misria.

    A interpretao meritocrtica do neo-economicismo baseia-se na necessidade de

    destruir a lgica dos direitos que garantem a conquista da cidadania e a imposio de

    uma lgica mercantil segundo a qual os indivduos realizam-se a si mesmos, precisa

    esfora-se, trabalhar e competir para ser um consumidor racional, responsvel e

    empreendedor (GENTILLI, 1998, p. 114).

    No mbito da Poltica de Educao, o neoliberalismo se manifesta de diversas formas.

    Gentilli (1998) pontua que possvel defender a tese de que existe tambm um Consenso de

    Washington no campo das polticas educacionais (p.15). A afirmativa de Gentilli leva em

    considerao que o Consenso de Washington o principal documento norteador da poltica

    neoliberal na atualidade e analisando as reformas e as configuraes das polticas

    educacionais, notrio que

  • 35

    [...] Tal regularidade verifica-se na expanso de um mesmo ncleo de diagnsticos,

    propostas e argumentos oficiais acerca da crise educacional e de suas supostas

    sadas, assim como na circulao e no impacto (direto e indireto) que documentos e

    recomendaes do Banco Mundial e do FMI tm na definio das polticas

    pblicas destinadas a esse setor. Um novo senso comum tecnocrtico tambm

    penetrou capilarmente nos Ministrios da Educao, orientando diagnsticos e as

    decises polticas dos administradores do sistema escolar. A regularidade e a

    semelhana entre as polticas educacionais desenvolvidas nos diferentes pases da

    regio, para alm e contra as diferenas especficas de cada caso nacional, passou a

    ser uma das caractersticas mais destacadas das reformas escolares implementada

    durante os ltimos quinze anos (GENTILLI, 1998. p. 15-16).

    Gentilli (1998) realiza tais afirmaes e apresenta algumas caractersticas da influncia

    do Consenso de Washington na poltica neoliberal e nas polticas educacionais dos pases da

    Amrica Latina.

    [...] os sistemas educacionais latino-americanos cresceram quantitativamente sem

    garantir um consequente crescimento qualitativo [...] a crise de produtividade na

    escola no sintetiza outra coisa seno a crise do centralismo e da burocratizao

    prprias de todo Estado interventor [...] os ndices de excluso e marginalidade

    educacional uma expresso clara da falta de eficincia do sistema e no de sua

    escassa universalizao [...] a possibilidade de combinar qualidade e quantidade com

    critrios igualitrios e universais uma falsa promessa dos estados interventores e

    populistas [...] Com os mesmos recursos financeiros, a mesma quantidade de

    professores e professoras, de alunos, de escolas e de salas de aula, os governos

    neoliberais prometem fazer uma verdadeira revoluo educacional[...]A reforma

    administrativa proposta pelo neoliberalismo orienta-se a despublicizar a educao, a

    transferi-la para a esfera da competio privada. Reduzida a sua condio de

    mercadoria, a educao, s deve ser protegida no por supostos direitos sociais,

    mas pelos direitos que asseguram o uso e a disposio da propriedade privada por

    parte de seus legtimos proprietrio (p. 17, 18,19 e 20).

    No mbito da privatizao, ou melhor, da terceirizao dos servios pblicos,

    notrio que as polticas sociais so em sua magnitude afetadas e cooptadas, pois no se trata

    de mudar a fonte de financiamento, mas de realizar financiamento para as empresas

    capitalistas com recursos pblicos sociais.

    A privatizao do fornecimento de atividades educacionais que continuam mantendo

    financiamento pblico revela uma dimenso peculiar e pouco estudada da reforma

    escolar em curso. Uma dinmica complexa onde se produzem acordos e arranjos

    entre aparelho governamental e grupos privados que, usando recursos pblicos,

    passam a monopolizar e controlar funes ou atividades que o Estado abandona em

    benefcio deles. Semelhante processo vai criando uma serie de mediaes onde o

    Estado e os grupos privados que operam no campo educacional se fundem em

    confundem. A privatizao em jogo , portanto muito mais complexa e difusa que a

    referida nos casos anteriores. Enquanto a transferncia das responsabilidades do

    financiamento constitui, de maneira geral, um mecanismo de delegao e abandono

    (o Estado se desfaz das suas funes de agente central na subsidiarizao do sistema

    escolar, transferindo essas responsabilidades a prpria comunidades ou as

    corporaes empresariais), a privatizao do fornecimento torna o Estado um agente

    ativo, com capacidade de controle e poder decisrio quase sempre discricionrio e

    autoritrio. O governo perde assim de forma clara qualquer pretenso de tornar-se

    um genuno espao publico, assumindo a fisionomia de uma verdadeira quadrilha de

    depredadores ocultos numa enganosa funo tcnica [...]. (GENTILLI, 1998, p.86-

    87).

  • 36

    O mais interessante que aps angariar recursos pblicos ou prestar servios ao

    Estado, boa parte dos empresrios utiliza de tal situao para melhorar o marketing

    empresarial e pessoal de suas empresas, porm, por trs do bel discurso existem fortes

    interesses empresariais que buscam influenciar o processo educativo, conforme lhes

    conveniente:

    O argumento do empresrio bom e responsvel. De forma complementar, os

    defensores dos sistemas de apadrinhamento, afirmam que, num contexto de

    profunda crise econmica, aqueles que tm mais deve ajudar aos que tm

    menos. A solidariedade responsvel dos empresrios (individual ou

    corporativamente) acaba tornando-se apelo moral que justifica e legitima um

    compromisso maior dos homens de negcios com os problemas sociais do pas. Este

    argumento foi formulado de forma clara pelo Presidente Fernando Henrique

    Cardoso no seu primeiro pronunciamento nacional sobre questes educacionais.

    Apelando para que cada um faa sua parte, afirmava o Presidente no dia 07 de

    fevereiro de 1995: as pessoas com mais recursos, as empresas grandes e pequenas,

    tambm deve pensar no futuro do Brasil, assumindo a manuteno de mais uma

    escolas em sua vizinhana (GENTILLI, 1998, p. 82).

    No mbito da participao popular e lutas sociais em geral, possvel perceber que

    nos dias atuais, isso vem sofrendo fortes foras antidemocrticas e uma constante distoro do

    que de fato deve ser participao social. No campo da educao:

    Os atores sociais so convidados para um jogo fraudulento. Um bom exemplo

    disso a consulta acerca da reforma especificamente pedaggica. De fato, quando a

    comunidade educacional convocada a participar, espera-se que concorde de

    forma cega com parmetros ou contedos bsicos de um milagroso currculo

    nacional, previamente definido por comisses de especialistas locais ou estrangeiros.

    Ela convidada a se submeter docilmente s provas de avaliao, cujo objetivo

    quantificar a qualidade e o rendimento do sistema e seus agentes, hierarquizando

    instituies e pessoas. A participao da comunidade escolar s promovida quando

    legitima os sistemas de prmios e castigos destinados a injetar competitividade na

    rede educacional; quando a modernizao perifrica imposta as escolas (compra

    de antenas parablicas, aparelho de fax e de televiso para prdios, sem energia

    eltrica, livros para biblioteca inexistentes, vdeos para videotecas virtuais), etc.

    (GENTILLI, 1998, p. 66- 67).

    De acordo com Gentilli (1998) o Consenso de Washington na Amrica Latina no fez

    mais que aprofundar o carter estruturalmente antidemocrtico dos sistemas educacionais,

    alm de agravar ainda mais a falta de recursos materiais, de infraestrutura, deteriorao

    salarial, deteriorao da qualidade pela quantidade, de universalizao para seletividade, ou

    melhor, sem as mnimas condies para construo e transmisso de saberes. Na verdade, o

    que mais se observa apenas reproduo de alguns contedos que em muitos casos no

    correspondem realidade.

    Dadas essas condies, possvel verificar que os pases que aplicaram ou aplicam o

    ajuste estrutural e setorial promovido pelo Banco Mundial no podem demonstrar

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    melhorias substantivas na qualidade dos processos pedaggicos, mas que

    contrariamente evidenciam um agravamento nas pssimas condies de ensino

    aprendizagem nas instituies escolares (GENTILLI, 1998, p.34).

    Em suma, possvel observar que depois do dilvio neoliberal, nossas escolas sero

    muito piores do que j so agora. No se trata apenas de um problema de qualidade

    pedaggica, ainda que tambm o seja. Trata-se de um problema poltico e tico: nossas

    escolas sero piores porque sero mais excludentes (Gentilli, 1998, p. 35). Porm, o nosso

    olhar no deve ser fatalstico, mas coerente e consciente de todo processo histrico, pois

    atravs deste possvel perceber que:

    O triunfo do neoliberalismo no ser eterno; nunca foi nenhum projeto hegemnico.

    Porm as contradies do sistema no resolvero por si ss e de forma redentora a

    crise do capitalismo. Hoje precisamos de novas armas de luta. O pessimismo radical

    da inteligncia pode ser uma delas. Simplesmente para no sermos derrotados pelo

    pragmatismo e pela complacncia irresponsvel; para manter intacto o oti