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Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 24 e 25 de setembro de 2013 Elaborações imaginativas sobre a maternidade presentes em ví- deos brasileiros disponíveis na internet Graciele Fernanda de Almeida Reis Faculdade de Psicologia Centro de Ciências da Vida [email protected] Prof. Dra. Tania Mara Marques Granato Grupo de Pesquisa ou Programa do Orientador Centro de Ciências da Vida [email protected] Resumo: Pesquisas recentes sobre imaginários co- letivos apontam para a alta expectativa que ainda hoje nutrimos em relação à figura materna, o que nos permite supor uma indisponibilidade para o acolhi- mento do conflito e sofrimento maternos. Pressupon- do o enraizamento cultural dessas produções imagi- nativas sobre o lugar da mãe, buscamos vídeos dis- poníveis na internet (YouTube), com o objetivo de discutir concepções sobre a maternidade veiculadas por um dos sites de compartilhamento de vídeos mais utilizados na atualidade. Assistimos a 80 vídeos resultantes de uma busca realizada no site YouTube a partir das palavras-chave “mãe” e “maternidade”, que foram agrupados em categorias temáticas: pro- fissionais, mensagens, reportagens e narrativas ma- ternas. Este último grupo de vídeos foi tomado como objeto de análise psicanalítica, em um total de 15 vídeos produzidos e protagonizados pelas próprias mães, em busca dos sentidos afetivo-emocionais que organizam tais narrativas fílmicas. Para além da multiplicidade de temas maternos, notamos que tais vídeos foram realizados no próprio espaço domésti- co, de maneira informal e espontânea, em tom de conselho íntimo, por mães que desejam compartilhar suas experiências pessoais com outras mulheres, a título de alerta, encorajamento ou companhia. A voz feminina é onipresente e a maternidade ainda figura como assunto exclusivamente feminino, expressando tanto idealizações quanto posturas mais críticas. Palavras-chave: maternidade, narrativa, vídeo (in- ternet). Área do Conhecimento: Grande Área do Conheci- mento – Sub-Área do Conhecimento – CNPq. 1. INTRODUÇÃO Desde Anna O. e sua “cura pela fala” e “A Inter- pretação dos Sonhos” de Freud, o narrar participa da instauração do campo psicanalítico que se estabele- ce entre um paciente que narra sua história e um terapeuta que a interpreta, em busca de aspectos inconscientes da conduta examinada. Benjamin[1] traz o narrar como o diálogo que se estabelece entre o interlocutor e o narrador que,ao transmitir experiências ancestrais a partir de sua própria vivência,contribui com a perenidade de histó- rias que presentificam os dramas da vida cotidiana. Ao narrar espontaneamente, o homem se conhece e se dá a conhecer, trazendo as muitas versões de si ao longo da vida. A narrativa que se mantém aberta permite que o interlocutor viva a experiência narrada de modo a completar os sentidos que dela emanam. Winnicott [1] também concebe o homem como um ser essencialmente criativo, no sentido do esta- belecimento de relações autênticas com o outro a partir da experiência de ilusão provida pelo cuidado materno. O bebê que um dia imaginou ter criado o mundo trilhará o caminho de seu desenvolvimento emocional até atingir a maturidade e a humildade que dela decorre, amparando-se na mãe que acolhe seu gesto espontâneo. Este self emocional pode en- contrar expressão em narrativas que transportam a emoção que lhe dá corpo [1]. Uma forma contemporânea de narrar é a que se dá por meio de sites de compartilhamento de vídeos na internet, como é o caso do YouTube, , criado em 2005 por Steve Chen, Chad Hurley e JawedKari [2]. Dentro da gama de vídeos disponíveis atualmente no YouTube é possível identificar uma quantidade con- siderável que veiculam produções imaginativas sobre a maternidade, objeto de estudo desta pesquisa. Considerando-se que as mídias transportam crenças, valores, expectativas, enfim, modos de ser, entende-se esse meio de comunicação audiovisual como expressão de um pensamento coletivo, o que se amplifica pelo compartilhamento que a internet promove [3]. Nesse sentido poderíamos conceber esse espaço do YouTube como um campo transicio- nal [4], ou seja, um espaço intermediário de experi- mentação entre o vivido pessoalmente e o que é compartilhado com o outro, ou o mundo externo. Distintamente da televisão e do rádio, a internet promove uma participação efetiva de seu público que interativamente amplia o lugar de mero consumidor e

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Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178

Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420

24 e 25 de setembro de 2013

Elaborações imaginativas sobre a maternidade presentes em ví-deos brasileiros disponíveis na internet

Graciele Fernanda de Almeida Reis Faculdade de Psicologia

Centro de Ciências da Vida [email protected]

Prof. Dra. Tania Mara Marques Granato Grupo de Pesquisa ou Programa do Orientador

Centro de Ciências da Vida [email protected]

Resumo: Pesquisas recentes sobre imaginários co-letivos apontam para a alta expectativa que ainda hoje nutrimos em relação à figura materna, o que nos permite supor uma indisponibilidade para o acolhi-mento do conflito e sofrimento maternos. Pressupon-do o enraizamento cultural dessas produções imagi-nativas sobre o lugar da mãe, buscamos vídeos dis-poníveis na internet (YouTube), com o objetivo de discutir concepções sobre a maternidade veiculadas por um dos sites de compartilhamento de vídeos mais utilizados na atualidade. Assistimos a 80 vídeos resultantes de uma busca realizada no site YouTube a partir das palavras-chave “mãe” e “maternidade”, que foram agrupados em categorias temáticas: pro-fissionais, mensagens, reportagens e narrativas ma-ternas. Este último grupo de vídeos foi tomado como objeto de análise psicanalítica, em um total de 15 vídeos produzidos e protagonizados pelas próprias mães, em busca dos sentidos afetivo-emocionais que organizam tais narrativas fílmicas. Para além da multiplicidade de temas maternos, notamos que tais vídeos foram realizados no próprio espaço domésti-co, de maneira informal e espontânea, em tom de conselho íntimo, por mães que desejam compartilhar suas experiências pessoais com outras mulheres, a título de alerta, encorajamento ou companhia. A voz feminina é onipresente e a maternidade ainda figura como assunto exclusivamente feminino, expressando tanto idealizações quanto posturas mais críticas.

Palavras-chave: maternidade, narrativa, vídeo (in-ternet).

Área do Conhecimento: Grande Área do Conheci-mento – Sub-Área do Conhecimento – CNPq.

1. INTRODUÇÃO Desde Anna O. e sua “cura pela fala” e “A Inter-

pretação dos Sonhos” de Freud, o narrar participa da instauração do campo psicanalítico que se estabele-ce entre um paciente que narra sua história e um terapeuta que a interpreta, em busca de aspectos inconscientes da conduta examinada.

Benjamin[1] traz o narrar como o diálogo que se estabelece entre o interlocutor e o narrador que,ao transmitir experiências ancestrais a partir de sua própria vivência,contribui com a perenidade de histó-rias que presentificam os dramas da vida cotidiana. Ao narrar espontaneamente, o homem se conhece e se dá a conhecer, trazendo as muitas versões de si ao longo da vida. A narrativa que se mantém aberta permite que o interlocutor viva a experiência narrada de modo a completar os sentidos que dela emanam.

Winnicott [1] também concebe o homem como um ser essencialmente criativo, no sentido do esta-belecimento de relações autênticas com o outro a partir da experiência de ilusão provida pelo cuidado materno. O bebê que um dia imaginou ter criado o mundo trilhará o caminho de seu desenvolvimento emocional até atingir a maturidade e a humildade que dela decorre, amparando-se na mãe que acolhe seu gesto espontâneo. Este self emocional pode en-contrar expressão em narrativas que transportam a emoção que lhe dá corpo [1].

Uma forma contemporânea de narrar é a que se dá por meio de sites de compartilhamento de vídeos na internet, como é o caso do YouTube, , criado em 2005 por Steve Chen, Chad Hurley e JawedKari [2]. Dentro da gama de vídeos disponíveis atualmente no YouTube é possível identificar uma quantidade con-siderável que veiculam produções imaginativas sobre a maternidade, objeto de estudo desta pesquisa.

Considerando-se que as mídias transportam crenças, valores, expectativas, enfim, modos de ser, entende-se esse meio de comunicação audiovisual como expressão de um pensamento coletivo, o que se amplifica pelo compartilhamento que a internet promove [3]. Nesse sentido poderíamos conceber esse espaço do YouTube como um campo transicio-nal [4], ou seja, um espaço intermediário de experi-mentação entre o vivido pessoalmente e o que é compartilhado com o outro, ou o mundo externo.

Distintamente da televisão e do rádio, a internet promove uma participação efetiva de seu público que interativamente amplia o lugar de mero consumidor e

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receptor passivo. Por outro lado, a internet apresenta algumas desvantagens, como a de proporcionar um amplo campo de divulgação e disseminação de con-teúdos ilegais ou inadequados, de difícil fiscalização [5].

Segundo Arruda et al. a internet é muito usada como meio de expressar sentimentos, opiniões, ou divulgar ideias, projetos, ou ainda buscar popularida-de, sendo que muitas vezes esse desejo por popula-ridade se sobrepõe ao receio de perder sua privaci-dade. Tudo pode estar nas redes informacionais, o particular e o privado, a vida profissional, pessoal, social, as exposições, os fins de semanas, passeios banais são fotografados e imediatamente postos em redes. Percebe-se que não são histórias com enre-dos complexos e desfechos elaborados, na verdade não passam da vida cotidiana, elevada ao estado de arte pura.

Torna-se importante destacar, afirmam Arruda et al., que a indústria cultural acaba por produzir semi-deuses, que se encontram no limite entre o fantasia-do e o real. O lado humano é explorado por meio da exposição da sua vida íntima, enquanto a sobre-humanidade é vendida como modelo cultural, produ-zindo imagens facilmente manipuladas ideologica-mente com a promessa de fama, sucesso e diviniza-ção, o que supõe sacrifícios para atingir um padrão inalcançável.

Sibilia e Diogo [6] estabelecem relações entre a internet e a evolução da fotografia. Por mais de um século, as fotografias detinham uma aura comparti-lhada pela família no interior de suas casas, eram uma forma de conexão com o passado, permitindo uma viagem no tempo e o resgate de lembranças que passavam a compor um patrimônio íntimo de valor inestimável.

Com o avanço da tecnologia e as transforma-ções sociais que lhe são decorrentes o processo de subjetivação sofre um deslizamento, de acordo com Sibilia e Diogo [6], passando a ser orientado pela exposição ao outro, em um espaço em que tudo é compartilhado em encontros rápidos e superficiais, não havendo mais o auto-reconhecimento em algo fixo como uma fotografia. Em tempos de subjetivida-des flexíveis e mutantes, a ideia de “acesso” vem substituir o antigo ideal de posse, hoje incompatível com a economia efêmera que caracteriza o capita-lismo contemporâneo.

Bauman [7] se refere aos padrões sociais con-temporâneos como característicos de “tempos líqui-dos”, ou seja, as transformações de nossa época se dão em um ritmo tão acelerado que se torna difícil

acompanhar a fluidez de costumes, valores e hábi-tos, recorrendo-se para tal à mídia. Aros [8] reafirma com Bauman a questão da fluidez dos tempos pós-modernos:

Em decorrência disso, a sociedade líquido-moderna apresenta características que lhe são bas-tante peculiares: a vida líquida, o amor líquido, o me-do líquido e os padrões de relações de consumo, que constituem um ponto nodal cuja influência se dá diretamente nos seus demais aspectos. (p.23)

Além disso, considera-se relevante assinalar que o papel da mulher sofreu grandes modificações no sec. XX, no que diz respeito à sua forma de agir no mundo, antes de maneira submissa à autoridade do pai e do marido, em oposição à gradual conquista de autonomia, independência e liberdade, por meio da luta por direitos iguais, como afirmam Emídio e Hashimoto [9].

A interação da mãe com seu filho também sofreu grandes transformações ao longo da história, uma vez que o antigo costume de encaminhar os bebês para amas de leite, logo após o nascimento, impedia o estabelecimento de um vínculo afetivo. Com o sur-gimento das ideias iluministas, a maternidade adqui-riu um sentido diferente para as progenitoras, pas-sando a ser valorizada e estimulada socialmente. A antiga indiferença foi substituída pela dedicação ex-trema, que colocava o bebê no centro das priorida-des maternas [9 e 10].

Sintonizadas com esse panorama a Psicologia e a Psicanálise passam a enfatizar a importância dos primeiros contatos entre mãe e filho, como se estes fossem os únicos pilares sobre os quais repousa a saúde física e mental do ser humano.Esta postura de responsabilizar a mãe pelo destino dos filhos tem sido alvo de crítica, principalmente daqueles que se opõem à psicanálise clássica e sua orientação para o mundo psíquico e seus mecanismos. Winnicott, re-presentante de uma escola de pensamento alternati-va, debruçou-se sobre o vínculo mãe-bebê a fim de compreender como a relação concreta entre a mãe e seu filho podem facilitar o desenvolvimento emocio-nal do bebê.

Winnicott [11] entende que a mãe suficientemen-te boa é capaz de satisfazer as necessidades bási-cas de seu bebê, dosando o contato deste com o mundo, adaptando-se sensivelmente à condição de imaturidade e dependência do bebê. Ainda segundo Winnicott,é a dedicação materna que permite que se estabeleça uma sintonia fina entre a mãe e o recém-nascido,mas que tende a diminuir à medida que o bebê desenvolve os próprios recursos para lidar com

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um mundo que, no início, é completamente mediado pela proteção materna.

A preocupação materna primária a que Winnicott [11] se refere é exatamente essa capacidade de identificação da mãe com seu filho, a qual permite atendê-lo em suas necessidades físicas e psicológi-cas, de modo a garantira continuidade de ser do be-bê, conduzindo-o de uma fase de dependência abso-luta para a de dependência relativa, rumo à indepen-dência.

Ferrari, Picinini e Lopes [12] retomam o conceito freudiano de narcisismo para reafirmar o amor paren-tal como derivado desse investimento ancestral no próprio eu, o que permitiria ver a si mesmo nos fi-lhos, resgatando sonhos antigos e a expectativa de realizá-los por meio dos filhos. Embora não se opo-nha totalmente a essa concepção, os conceitos win-nicottianos de preocupação materna e ambiente sufi-cientemente bom nos parecem enfatizar a dedicação e o respeito à alteridade.

As pesquisas de Granato e Aiello-Vaisberg [13 e 14] sobre imaginários coletivos acerca do cuidado materno têm apontado para uma figura materna idealizada de quem se espera que proteja e garanta o desenvolvimento da prole, a despeito das dificul-dades que venha a enfrentar. Em um estudo sobre o imaginário de um grupo de enfermeiras obstétricas, Granato, Tachibana e Aiello-Vaisberg [15] constata-ram uma dificuldade dessas profissionais no que se refere ao acolhimento das necessidades emocionais de suas pacientes, uma vez que delas se esperava que aceitassem o filho sem hesitação e exibissem a felicidade imaginada. Se o desejo de ser mãe e a visão utópica da maternidade colocava essas profis-sionais em condições afetivas de acolher o recém-nascido, o mesmo não se observava em relação às pacientes-mães.

2. OBJETIVO Realizar um estudo exploratório de narrativas visuais sobre a maternidade apresentadas em vídeos brasi-leiros, publicados no site YouTube, a fim de identifi-car o imaginário coletivo sobre a figura materna e o cuidado infantil.

3.MÉTODO Procedimento Na primeira etapa do estudo foi realizado um levan-tamento de vídeos brasileiros disponíveis no site YouTube, compreendidos como narrativas visuais de nossa cultura, sendo selecionados80 vídeos a partir

da busca pelas palavras-chave “mãe” e “maternida-de”, bem como pela janela de vídeosrelacionados que costuma acompanhar cada busca realiza-da.Essas narrativas foram assistidas, registradas e discutidas, a fim de identificarmos produções imagi-nativas a respeito da maternidade compartilhadas via internet. O registro do material para análise foi realizado de acordo com a mídia em que o material estava dispo-nível, ou seja, através dos links aos vídeos selecio-nados no YouTube, sendo realizada uma pequena descrição, com título, tema e número de visualiza-ções(acessos aos vídeos registrados no próprio site) para cada vídeo assistido.O número de visualizações foi considerado relevante não apenas pelo alcance que esse fator representa, mas por supormos que tal número informa sobre o interesse pelo tema e/ou adequação da abordagem escolhida pelo autor do vídeo. Após a assistência aos 80 vídeos elencados, estes foram agrupados em quatro categorias temáticas, surgidas a partir da discussão deste material: os ví-deos de Profissionais, as Mensagens, as Reporta-gens e, finalmente, as Narrativas Maternas, sendo estes últimos aqueles que foram selecionados para análise e interpretação de concepções sobre a ma-ternidade,, totalizando 15 vídeos.Optamos pelo re-corte do material colhido, privilegiando sua análise cuidadosa, além de identificar neste procedimento uma perspectiva enriquecedora para o estudo do imaginário materno por meio de vídeosdirigidos a mães, mas também realizados por mães. Análise das narrativas O material coletado e selecionado, segundo a pre-sença de referências maternas à experiência da ma-ternidade, foi interpretado segundo a abordagem psicanalítica que propõe a identificação dos sentidos afetivo-emocionais que organizam essas narrativas fílmicas. Embora cada uma das produções audiovisuais tenha sido considerada em sua singularidade foram toma-das como elementos que se organizam em torno de um todo que é coletivo, sendo estabelecidas corres-pondências e contrastes entre estas partes, em dire-ção a um imaginário materno compartilhado pelas mães autoras. O conjunto de 15 vídeos maternos selecionados foi interpretado à luz das ideias winnicottianas acerca da tarefa materna em sua articulação com o desenvol-vimento emocional infantil, bem como algumas das pesquisas recentes sobre internet, imaginário e ma-

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ternidade. Mais do que confirmar ou contestar teori-as, buscamos compreender o que tais narrativas ma-ternas estariam comunicando sobre como a materni-dade está sendo concebida na contemporaneidade, da perspectiva daquela que vivencia pessoalmente esta experiência.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO A partir da assistência aos 80 videos resultantes do levantamento realizado no site de compartilhamento YouTube, em busca de produções imaginativas so-bre a maternidade,identificamos quatro eixos temáti-cos em torno dos quais as narrativas audiovisuais se organizavam: Profissionais, Mensagens, Reporta-gens e Narrativas Maternas. Em virtude do volume de material a ser trabalhado em um único estudo, optamos pela escolha de apenas uma das categori-as, focalizando a perspectiva materna. O primeiro eixo se refere a vídeosgravados por pro-fissionais de saúde com o intuito de explicar ou ori-entar mães seja no acompanhamento de sua gravi-dez, ou no reconhecimento dos sinais de parto, tipos de parto ou técnicas de amamentação. Esta série foi descartada enquanto objeto de análise por tratar-se de material pedagógico orientado por ideologia e práticas médicas, perspectiva não adotada neste estudo. Na segunda categoria, as Mensagens circulam no site de vídeos, usualmente em formato Powerpoint, cujas imagens bem produzidas e melodias suaves veiculam conselhos e ensinamentos morais, algumas vezes de tonalidades religiosas, cuja autoria se man-tinha anônima. As Reportagens constituíam produ-ção profissional, preparada por equipes de jornalis-mo ligadas a emissoras de TV, em formato de docu-mentário, a partir de entrevistas com mães a respeito dos mais variados temas da maternidade. Tanto as Mensagens quanto as Reportagens foram excluídas deste estudo, quando decidimos por nos debruçar sobre as Narrativas Maternas, das quais nos ocupa-remos agora. Denominamos Narrativas Maternas aqueles vídeos realizados por mães que pareciam querer transmitir suas experiências a outras mulheres, por meio de apresentações caseiras, pessoais, cuja linguagem informal adquiria o tom de conselho íntimo. Estas narrativas maternas foram filmadas, aparentemente sem roteiro prévio, no espaço privado da própria re-sidência, frequentemente no quarto do bebê, trazen-do confiabilidade ao relato da autora, que comparti-lhava suas experiências como mãe de modo muito próximo do vivido. Como nos lembram Granato,

Corbett e Aiello-Vaisberg [1] essas narrativas se con-figuram como oportunidade de diálogo a partir das experiências do narrador que alcança seu interlocu-tor por meio dos dramas narrados. Nesse sentido, a quantidade de acessos a um de-terminado vídeo pode ser indicativo de que uma de-terminada experiência é compartilhada por um gran-de número de pessoas, pelo interesse que manifes-tam por um determinado tema ou abordagem. Por exemplo, em grande parte dos vídeos consultados, identificaram-se concepções idealizadas a respeito da maternidade, na medida em que era ressaltada a “magia” da gravidez, do nascimento e da educação dos filhos, enquanto eram raros os relatos sobre as dificuldades implícitas à tarefa materna, confirmando as pesquisas de imaginários coletivos sobre a ma-ternidade, acima referidas. Outro aspecto da maternidade contemporânea que chamou nossa atenção foi o fato de que o cuidado infantil segue sendo vivenciado como assunto femi-nino, ou seja, vivido por mulheres que contam suas experiências a outras mulheres. Pouco espaço é destinado à figura paterna ou à participação mútua do casal na experiência de gerar e cuidar de um fi-lho, uma vez que em nenhum dos 15 vídeos foi ob-servada a presença do pai ou de outros homens, sejam parceiros ou demais familiares do sexo mas-culino. Vale apontar alguns dos temas mais trabalhados no grupo de vídeos Narrativas Maternas: relação entre irmãos, convivência de crianças com animais domés-ticos, sintomas de gravidez,significados da materni-dade, preparação para a maternidade, kit de enxoval para levar para o Hospital-maternidade,parto, deco-ração do quarto do bebê, e uso da internet na con-temporaneidade. Além da intenção de compartilhamento de experiên-cias por meio da internet, há uma considerável expo-sição de cenas domésticas que remetem à privaci-dade das famílias e seus relacionamentos pessoais, uma vez que são comunicados sentimentos, ideias e experiências íntimas que, em tempos pré-internet, ficariam reservados às pessoas mais íntimas. O es-tudo do impacto emocional da assistência por milha-res de pessoas que acessam um vídeo em que uma mãe exibe a filmagem de seu parto cesárea, como pudemos atestar, pode se converter em uma pesqui-sa relevante no panorama atual em que, como suge-rem Arruda, Teixeira, Bastos, Abreu e Vieira [5],o desejo de tornar uma imagem ou assunto públicos parece se sobrepor ao cuidado com a própria priva-cidade.

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É o que também afirmam Sibilia e Diogo [6] sobre a falta de reserva no compartilhamento de imagens e relatos pessoais em face do desejo de exibi-los. Co-mo por exemplo, uma mãe que reflete sobre a rela-ção entre a sua convivência anterior com animais de estimação e o florescimento do desejo de ser mãe. Esta mesma mãe argumenta que como seus cães eram tratados como filhos, compartilhando inclusive sua cama, ela pôde viver uma espécie de ensaio com os animais, sentindo-se mais segura, antes que tivesse seus próprios filhos, desvencilhando-se de seus animais de estimação assim que teve seu pri-meiro filho. Dessa forma, intimidades que poderiam se revelar constrangedoras são publicadas e com-partilhadas tanto com amigos como com desconhe-cidos. No que diz respeito à preocupação materna primária (WINNICOTT, 1956/2000), podemos supor que tanto as Narrativas Maternas quanto a busca de mães por esses vídeos na internet revelam o desejo de prepa-rar o outro ou a si mesma de forma a garantir que as necessidades de seus bebês sejam atendidas. Fa-zendo uso dos meios de comunicação contemporâ-neos gestantes e mães parecem estar substituindo os antigos contatos pessoais com a vizinha, amiga ou a própria mãe por contatos virtuais com estranhos que de um certo modo, ao sanar suas dúvidas, aca-bam por se tornar companheiros de experiência. A exposição da intimidade do lar, dos bebês e das experiências vividas pode fazer referência ao narci-sismo da mãe, como lembram Ferrari, Picinini e Lo-pes (2006), que faz um relato das próprias vivên-cias,com o bebê no colo, solicitando que o mesmo mande beijos e sorria para um suposto espectador. Entretanto, também podemos levantar duas outras hipóteses, uma que alude ao desejo de compartilha-mento que está na base do narrar enquanto proces-so de elaboração e legitimação de experiências que, dessa forma,tornar-se-iam integradas à personalida-de do narrador e disponíveis para uso do receptor em um diálogo vivo. Outra possibilidade de interpre-tação do mesmo fenômeno seria considerá-lo ex-pressão de um profundo sentimento de solidão e insegurança que leva a jovem mãe buscar alívio no aparente clima de liberdade e intimidade virtual, sen-do ambos os aspectos marcas da contemporaneida-de. A exemplo da dinâmica idealizada da maternidade encontrada no estudo de Granato, Tachibana e Ai-ello-Vaisberg (2001) pode-se citar um vídeo em que a mãe discorre sobre os motivos pelos quais deseja ter mais um filho. Esta mãe relata que “sempre se viu

como mãe, que é uma experiência maravilhosa, que gostaria de passar muitas vezes em sua vida” (sic), fazendo uma menção especial ao parto como expe-riência única, como “o momento mais lindo da minha vida” (sic). Outro aspecto que revela o imaginário das mães so-bre a maternidade é explicitado em um vídeoque desafia mães com a seguinte pergunta: “Se pudes-sem voltar no tempo até pouco antes de ter seu pri-meiro filho, o que diriam a si mesmas?” (sic). Algu-mas das respostas foram: “Siga seu instinto de mãe, ele nunca falha”; “Tudo o que hoje é importante, tor-na-se tão pequeno”; “Prepare-se para recomeçar, sua vida se tornará mais emocionante”; “Prepare o braço para dar muito colo”; “Jogue a culpa fora”; “Amamentação é como amor, não se pesa, não se mede, não se limita”; “Prepare-se para se conhecer profundamente”. Aqui já se pode notar uma visão mais realista da maternidade, de acordo com a qual as conquistas e prazeres são colocados lado a lado com os sacrifícios que a tarefa materna demanda, além de acrescentar uma preocupação com as ne-cessidades da mãe, e não apenas do recém-nascido. Embora sejam frequentes os enunciados sobre a maternidade como experiência transcendental ou paradisíaca, comunicando ainda certa tendência à idealização, também é fato que um outro grupo de manifestações ganha espaço na virtualidade, como é o caso de um conjunto de vídeos organizado por um grupo de mulheres-mães identificado como “Mama-traca”, cuja principal característica é comunicar a realidade da maternidade por meio de sua problema-tização e de uma postura crítica que visa, por exem-plo, alertar mães quanto aos comerciais enganosos sobre alimentação de bebês, o uso da internet, os perigos da fascinação, ou o culto à mulher-princesa, dentre outros mitos anunciados pela mídia. Por fim, consideramos relevante citar um vídeo de mães que discute o uso da internet como fonte de informação, ressaltando a importância desse meio de comunicação em suas vidas, sobretudo agora que são mães, sem que se descuide da qualidade e con-fiabilidade dos conteúdos virtuais acessados. Estas mães reconhecem na internet um espaço importante de compartilhamento de experiências, além de pro-mover a socialização que as retira do sentimento de solidão. Daqui podemos depreender o sucesso das redes sociais de relacionamento que vêm substituin-do as relações pessoais presenciais como contra-ponto ao desamparo vivido, mas também como pos-sibilidade de construção de realidades e identidades

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alternativas sempre que o mundo concreto falha em nos satisfazer. Mães solitárias e mães sociáveis unem suas vozes na confecção e/ou assistência de vídeos comparti-lhados na internet para dividir problemas, conselhos, conquistas e angústias em um mundo líquido [7] que parece ameaçar a todos com o anonimato, a solidão, a insegurança e a dispersão. Angustiados, buscamos na realidade virtual um lugar de destaque, a partir do qual sejamos reconhecidos, valorizados e salvos do ostracismo. Quem sabe nesta realidade alternativa as mães de nossa pesquisa tenham encontrado a sustentação emocional necessária para seguir com a árdua tarefa de maternar o outro enquanto buscam um lugar para si mesmas.

AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer ao grupo de pesquisa pelo apoio, auxílio, discussões e especialmente a orienta-dora Tânia Granato por toda atenção e dedicação dispensadas.

REFERÊNCIAS [1] GRANATO, T. M. M.; CORBETT, E.; AIELLO-

VAISBERG, T. M. J. Narrativa interativa e Psica-nálise. Psicologia em Estudo, 16 (1), 149-155, 2011.

[2] CRUZ, S. Blogue, YouTube, Flickr e Delicious: Software Social. Manual de Ferramentas da Web 2.0 para Professores.

[3] RONZANI, T. M.et al . Mídia e drogas: análise documental da mídia escrita brasileira sobre o tema entre 1999 e 2003. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 5, Dec. 2009 . Available-from<http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S14138123 2009000500016&lng=en&nrm=iso>. accesson 12 Dec. 2012. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232009000500016.

[4] WINNICOTT, D.W. (1951) Objetos Transicionais e Fenômenos Transicionais In. Da Pediatria à Psicanálise. Rio de Janeiro: Imago Editora, 2000. p.316- 3

[5] ARRUDA, B. S.; TEIXEIRA, M. K.; BASTOS, N. B.; ABREU, P. V.; VIEIRA, Y. A Exposição do Jovem na Internet: Um estudo sobre o caso Feli-pe Neto, UNAMA, 2010.

[6] SIBILIA, P.; DIOGO, L. Vitrines da intimidade na internet: imagens para guardar ou para mostrar? Estud. sociol., Araraquara, v.16, n.30, p.127-139, 2011.

[7] BAUMAN, Z. Tempos líquidos. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.

[8] AROS, A. G. S. P. Invalidade, Futilidade e Vazio: Sofrimentos radicais e Sociedade Contemporâ-nea, TESE (Doutorado), PUC-Campinas, 2008.

[9] EMIDIO, T. S.; HASHIMOTO, F. Poder feminino e poder materno: reflexões sobre a construção da identidade feminina e da maternidade. Collo-quium Humanarum, Presidente Prudente, v. 5, n. 2, p. 27-36, dez. 2008. DOI: 10.5747/ch.2008.v05.n2.h057

[10] BADINTER, E. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

[11] WINNICOTT, D. W. (1956) A Preocupação Ma-terna Primária In. Da Pediatria à Psicanálise. Rio de Janeiro: Imago Editora, 2000. p. 399- 405.

[12] FERRARI, A.G; PICININI, C.A & LOPES, R.S. O narcisismo no contexto da maternidade: Algumas evidências empíricas. Psico v. 37, n. 3, pp. 271-278, set./dez. 2006.

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