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Projetos Sociais Planejamento de Elaboração e // Samira Kauchakje 2008

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Projetos SociaisPlanejamento de

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// Samira Kauchakje2008

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K21 Kauchakje, Samira. / Elaboração e Planejamento de Projetos Sociais. / Samira Kauchakje. — Curitiba : IESDE Brasil

S.A. , 2008. 220 p.

ISBN: 978-85-387-0137-8

1. Pesquisa de avaliação (Programas de ação social). 2. Ação social. 3. Projeto social. I. Título.

CDD 330.015195

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Pós-Doutora pela Universidade Federal do Rio de Ja-neiro (UFRJ), Mestre em Ciências Sociais aplicadas à Edu-cação e Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Especialista em Ecologia Humana pela Unicamp, em Supervisão em Serviço Social e em Me-todologia do Serviço Social pela PUC-Campinas. Graduada em Serviço Social pela PUC-Campinas.

Samira Kauchakje

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SumárioPlanejamento: aspectos teóricos e históricos...............................................9

Aspectos teóricos ....................................................................................................................................... 9Aspectos históricos ..................................................................................................................................14

Questão social: expressões históricas e atuais ...........................................25

Questão social ...........................................................................................................................................25Questão social e planejamento no Brasil .........................................................................................31

Direitos humanos, econômicos, sociais e culturais e o desenvolvimento......................................................................39

Direitos humanos, econômicos, sociais e culturais ......................................................................39Desenvolvimento humano ...................................................................................................................43

Atores sociais e o planejamento de políticas e projetos sociais ...........................................................................57

Atores sociais .............................................................................................................................................57Os direitos sociais e a responsabilidade dos atores sociais .......................................................61

Políticas públicas ...................................................................................................71

Políticas públicas: noções gerais .........................................................................................................71Áreas e setores das políticas públicas ...............................................................................................77Ciclo das políticas públicas ...................................................................................................................78

Políticas sociais ......................................................................................................85

Políticas sociais: noções gerais ............................................................................................................85Objetivos e população destinatária e políticas sociais no Brasil .............................................87

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Sistema Brasileiro de Proteção Social ............................................................97

Proteção social: uma prática social e política .................................................................................97Sistema Brasileiro de Proteção Social .............................................................................................101Políticas sociais e princípios constitucionais ................................................................................106

Projetos sociais: aspectos teóricos e metodológicos ............................115

Projetos sociais ........................................................................................................................................115Etapas e processos .................................................................................................................................122

Rede de parceiros e o planejamento de projetos sociais ....................129

Identificação dos responsáveis pelo projeto e a articulação de parceiros em rede ..............................................................................................130Rede de parcerias: Estado e organizações da sociedade civil local e internacional ..........................................................................................136

Análise da situação social e objetivos ........................................................145

Análises da situação social: localidade e população-alvo .......................................................145Definição dos objetivos e metas .......................................................................................................150

Recursos e gestão de projetos sociais ........................................................161

Recursos de projetos sociais...............................................................................................................161Modos de gestão de projetos sociais ..............................................................................................165

Avaliação e o processo de planejamento..................................................177

Avaliação de projetos sociais .............................................................................................................177Cronograma de atividades..................................................................................................................183Roteiro de projeto social ......................................................................................................................185

Gabarito .................................................................................................................191

Referências ...........................................................................................................209

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Apresentação

Nos acostumamos a ouvir a palavra “projeto” nas mais variadas utilizações: seja no que se refere a um “projeto de vida”, um “projeto empresarial”, um “projeto de pesquisa” ou mesmo um “projeto social”. A ampla utilização da pala-vra “projeto” no nosso cotidiano, muitas vezes equivocada ou leviana, por si só justificaria a importância da presente disciplina se esta se limitasse a tratar da gestão de ações planejadas.

Porém, Elaboração e Planejamento de Projetos So-ciais adota um viés muito mais promissor. Em vez de se constituir em um roteiro de procedimentos para o bom andamento dos projetos sociais, busca trazer à tona uma discussão de princípios e temas fundamentais àquilo que se considerou “questão social”.

Ao tomar como ponto de partida a constatação das desigualdades e injustiças sociais (mesmo nas variadas so-ciedades de democracia representativa), o presente livro parte do princípio de que as leis, regras e acordos não são muitas vezes efetivados por obstáculos históricos, polí-ticos, econômicos, gerenciais ou socioculturais, visando contribuir para a sua superação.

Por isso, a disciplina busca articular toda a dimensão das políticas sociais para construir seus temas, tratando de direitos humanos, da discussão das implicações das políti-cas públicas, e portanto, envolvendo-se em uma discussão acerca da democracia e cidadania, sempre tendo como pano de fundo exemplos derivados de contextos históricos, leis, emendas ou declarações internacionais acerca do tema.

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A autora, através da utilização de uma ampla e atual bibliografia, trata do processo de elaboração de um proje-to (englobando as metas, objetivos, planejamento e avalia-ção); das relações entre os diversos atores sociais (Estado, empresas, sociedade civil organizada, movimentos sociais e ONGs); das políticas sociais e suas conexões com os pro-gramas e projetos específicos, sem deixar de dar atenção às implicações dos diferentes modos de gestão das ações específicas.

Desta forma, o presente livro se constitui como uma importante referência não apenas para os estudantes de-dicados às questões sociais, mas também para os cidadãos comprometidos em reivindicar seus direitos e tomar parte ativa na direção da sociedade em que vivem, contribuindo para consolidação e ampliação da democracia.

Boa leitura!

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Questão social: expressões históricas e atuais

Questão socialPobreza, desigualdade social, agravos sociais para a saúde, desemprego, condi-

ções de moradia abaixo do patamar do que seria digno num contexto social, infância e velhice desassistidas, exploração do trabalho e expropriação do produto do trabalho; precário acesso ao patrimônio cultural; dificuldade de aquisição de alimentos que ga-rantam a nutrição, são condições e situações sociais conhecidas e experienciadas de formas diversas ao longo da história.

São fenômenos que em si mesmos não se configuram como questão social, pois para isto há a necessidade de uma conjunção de fatores culturais, políticos e econô-micos que façam com que a própria sociedade indague sobre as razões e os meios de debelar, controlar ou minimizar tais situações. Em outras palavras, para que seja reco-nhecido como questão social, e uma de suas expressões, um fenômeno social precisa ser desnaturalizado, quer dizer, seus fatores, geradores e possíveis soluções buscados nas próprias relações sociais e não em justificativas exteriores a elas.

Exemplos de concepções e visões de mundo que não questionam as situações sociais são: a desigualdade de renda e de aquisições materiais e culturais entendida como própria à ordem do mundo social (e não sendo gerada por processos político-econômicos); a pobreza compreendida como o lugar em que forças divinas colocam algumas pessoas seja para sua redenção ou por falta de mérito e castigo; a doença (ainda quando causada por condições de trabalho e moradia) vista como fatalidade ou vontade de Deus; educação e escolarização como privilégio; o trabalho e parte do seu produto como doação; assistência na velhice e infância dependente de laços de pertencimento familiar e comunitário; e a falta de alimento de qualidade, vista como parte da escassez natural generalizada, ou naturalmente concentrada em determina-dos grupos sociais de castas, etnias, camadas e classes consideradas inferiores. Diante de tais concepções as atitudes poderiam ser de lamento, repulsa, caridade, indiferença, resignação perante o que não pode ser mudado, ou ainda de revolta diante da sorte pessoal ou grupal ou do abuso de poderes e poderosos, porém, dificilmente poderiam mobilizar movimentos sociais e implementação de legislação e políticas de caráter uni-versal sob responsabilidade do Estado.

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Esta visão predominou durante a maior parte dos períodos históricos, sendo que tais fenômenos e as suas possíveis situações geradoras ou agravantes não eram inter-rogados e questionados nos termos das estruturas sociais e responsabilidades da ação e das relações sociais. A partir do século XIX esta indagação sobre a própria realidade e a ordem social promove a passagem do que seria um fato imutável e um proble-ma social para a concepção de questão social. “[...] o conceito questão social sempre expressou a relação dialética entre estrutura e ação, na qual sujeitos estrategicamente situados assumiram papéis políticos fundamentais na transformação de necessidades sociais em questões – com vista a incorporá-las na agenda pública e nas arenas decisó-rias...” (PEREIRA, 2001, p. 51)

O marco no século XIX explica-se pela consolidação da industrialização aos moldes capitalistas e pela urbanização acelerada e desordenada que rompem com as condições e modos de vida cuja referência seria a proteção próxima ou horizontal (isto é, de familiares, paróquias, vizinhança, de fidelidade entre senhor–servo ou mestre–aprendiz de tempos anteriores). Mas também, este é um marco da emergência dos movimentos trabalhistas e das lutas sociais sob a inspiração dos direitos e do socia-lismo que convulsionaram especialmente as sociedades europeias, e possibilitaram o questionamento das necessidades vivenciadas como carências, demandando mudan-ças ou transformações sociais para enfrentá-las.

A tríade – necessidades, carências e demandas1 – são inseparáveis para a apreen-são da questão social como modo de interpretar e interpelar a realidade.

Necessidades humanas são, todas, em alguma medida, necessidades sociais e cul-turais2. Homens e mulheres igualmente têm necessidade de alimento, de abrigo, de condições reprodutivas e satisfação sexual, e também têm as necessidades de caráter intangível como autonomia e criação (trabalho), entre outras. Quais são as necessida-des humanas e quais as maneiras do seu cumprimento variam historicamente a de-pender de fatores socioambientais, culturais e econômicos (tais como o que é conside-rado alimento, os requisitos dignos para a habitação, o que seria aceito em termos da sexualidade, as qualidades humanas do trabalho).

Portanto, em certo grau, todas as necessidades são também produções huma-nas, sendo que algumas delas decorrem diretamente de outros artefatos: a educação digital é uma necessidade relativa às tecnologias da informação e da comunicação; o saneamento e o mínimo de habitabilidade vêm do próprio modo de vida nas urbes, por exemplo. Por isso é um equívoco escalonar necessidades como básicas (também denominadas biológicas/primárias/naturais) e complexas, pois as necessidades sejam

1 De forma resumida: “entende-se por necessidade tanto o que é requisitado no patamar fisiológico na vida individual, como as necessidades criadas socio-culturalmente. Carência liga-se ao processo social que leva a que pessoas ou coletividades não tenham atendidas as necessidades. Demanda é a vocalização das carências, seja por meio de manifestações e reivindicações participativas, seja pelo próprio reconhecimento público da existência da carência; em outras palavras: demandas são vocalizadas em movimentos sociais, fóruns, conselhos, audiências e/ou identificadas por igrejas, mídia, legisladores, gestores públicos, partidos políticos etc.)” (KAUCHAKJE, 2008, p. 1).2 Para uma discussão detalhada sobre o tema é indicado Pereira (2000).El

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Questão social: expressões históricas e atuais

quais forem têm dimensões culturais, e passam a ter na vida pessoal e social importân-cia equivalente. Assim como as demais, são necessidades humanas iguais e prementes o alimento e a autonomia.

Carências, por sua vez, são produtos de relações sociais nas quais processos de estratificação social (por sexo, etnia, casta, classe, entre outros) privam ou dificultam o acesso de alguns grupos sociais e coletividades aos recursos e meios para satisfa-zer as necessidades colocadas por seu tempo e sociedade. Os exemplos a seguir são ilustrativos:

todos têm necessidade de alimento com qualidade nutricional, mas como fruto das relações sociais locais e glo-bais grupos sociais estão em situação de carecimento, isto é, no mundo exis-tem cerca de 863 milhões de pessoas (FAO, 2008) subnutridas;

todos os seres humanos igualmente têm necessidade de autonomia. Uma das manifestações que reconhecem a satisfação desta necessidade como direito é a Declaração dos Direitos Humanos de 19483. Por princípio as sociedades que aderem a esta declaração cumprem ou zelam nas relações internacionais pelo cumprimento de artigos como os art. 18 e 19:

Art. 18

Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, em público ou em particular.

Art. 19

Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Todavia, foram registrados 45 países que mantêm prisioneiros de consciência (isto é, pes-soas presas por expressarem pensamento, credo religioso e posição política contrários aos oficiais no Estado) e 77 países que restringem a liberda-de de expressão e de imprensa, conforme Anis-tia Internacional – Informe 2008.

3 Ver íntegra da Declaração dos Direitos Humanos no site da ONU: <www.onu-brasil.org.br>.

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Nelson Mandela.

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Demandas sociais são formas de vocalização, quer dizer, de manifestações (por movimentos sociais, participação política, revoluções etc.) que reivindicam garantias de condições sociais para que as necessidades possam ser satisfeitas, portanto, para que carecimentos sejam debelados ou minimizados.

A construção da diferença entre necessidades e carências (necessidades humanas partilhadas por todos sendo diferente das carências sociais que por razões calcadas na própria sociedade – razões não naturais ou de ordem sobrenatural – seriam encargo de grupos sociais específicos), portanto, faz parte de um processo social que se intensificou a partir das lutas igualitárias e por direitos do século XIX que ex-pressavam demandas sociais. Ao mesmo tempo, os próprios movimentos sociais foram questionando e formando a diferenciação entre necessidade e carência, mediada pela noção dos direitos.

Trata-se aqui do processo de construção dos direitos a partir das chamadas re-voluções gêmeas (HOBSBAWM, 2005), isto é, a revolução política (Revolução France-sa, no século XVIII) e a revolução econômica (cuja emergência remonta ao século XVII especialmente na Inglaterra) que esteve conjugada aos ideais liberais4 de liberdade e cidadania civil.

Tais direitos são problematizados pelas lutas sociais que criticam a contradição entre as péssimas condições de vida e trabalho num período de crescimento econômico e rei-vindicam legislação trabalhista e direitos sociais (como habitação, educação, saúde) jun-tamente com as liberdade civis e a participação política. Engels (1987 apud Hobsbawm, 2005, p. 255) ilustra o que seria o ambiente da Inglaterra do século XIX:

Um dia andei por Manchester com um destes cavalheiros da classe média. Falei-lhe das desgraçadas favelas insalubres e chamei-lhe a atenção para a repulsiva condição daquela parte da cidade em que moravam os trabalhadores fabris. Declarei nunca ter visto uma cidade tão mal construída em minha vida. Ele ouviu-me pacientemente e na esquina da rua onde nos separamos comentou: E ainda assim, ganham-se fortunas aqui. Bom dia, senhor!

Neste sentido, a concepção de direitos forneceu as bases para que as condições de vida e trabalho do período fossem percebidas como produto das relações sociais injustas nas sociedades capitalistas.

A questão social significa justamente o desvendamento das contradições sociais, portanto, trata-se menos da existência da pobreza, da desigualdade e de privações (que já faziam parte da experiência de diversas sociedades desde tempos imemoriáveis) e mais da nova forma que estes fenômenos estavam sendo gerados e interpretados.

4 Ver autores no campo da teoria liberal clássica: Locke, Tocqueville, Stuart Mill, por exemplo.

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Revolução Francesa.

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Questão social: expressões históricas e atuais

Com efeito, se não era inédita a desigualdade entre as várias camadas sociais, se vinha de muito longe a polarização entre ricos e pobres, se era antiquíssima a diferente apropriação e fruição dos bens sociais, era radicalmente nova a dinâmica da pobreza que então se generalizava.

Pela primeira vez na história registrada, a pobreza crescia na razão direta em que aumentava a capacidade social de produzir riquezas. (NETTO, 2001, p. 42)

Por um lado, a questão social era objeto das lutas sociais, e por outro, as elites po-líticas e econômicas viam nestas lutas um perigo à ordem social, e como tais deveriam ser combatidas (seja de forma repressiva ou pelo atendimento de parte de suas reivin-dicações por meio de legislação e políticas sociais) – isto é, os próprios movimentos sociais eram tidos como uma das expressões da questão social. Em síntese,

Originalmente, a chamada questão social constitui-se em torno das grandes transformações econômicas, sociais, políticas, ocorridas na Europa do século XIX e desencadeadas pelo processo de industrialização. Essa questão assentou-se basicamente, na tomada de consciência [...] de um conjunto de novos problemas, vinculados às modernas condições de trabalho urbano, e do pauperismo como um fenômeno socialmente produzido. Assim, se a pobreza, nas sociedades pré-industriais, era considerada um fato natural e necessário para tornar os pobres laboriosos e úteis à acumulação de riquezas [...], agora ela deveria ser enfrentada e resolvida para benefício, inclusive, do progresso material em ascensão. Tal tomada de consciência foi despertada pela constatação do divórcio existente entre o crescimento econômico e o aumento da pobreza, de um lado, e entre [...] reconhecimento dos direitos do cidadão e uma ordem econômica negadora destes direitos, por outro lado. (PEREIRA, 1999, p. 51)

Atualmente, a questão social é entendida como o conjunto das diversas expressões da desigualdade social reconhecidas nas sociedades a partir do século XIX, cujo funda-mento são as contradições do capitalismo como forma de produção e de organização social, bem como os modos de resistência a elas (IAMAMOTO, 1982; NETTO, 2001).

As expressões atuais da questão social conjugam as já tradicionais, como a pobreza e a desigualdade (que se tornaram mais vinculadas ao contexto interna-cional e global), às recentes manifestações, tais como: retomada da precarização do trabalho; desemprego de longa duração; conflitos ligados às diferenças étnicas e culturais; disputas em torno das identidades de gênero; riscos ambientais; e fluxos migratórios motivados pela busca de refúgio diante de conflitos políticos e da extrema pobreza que beira ao exter-mínio (às vezes com o agravante de ocorrências de catástrofes ambientais).

No decorrer do tempo, hoje como no passado, são basicamente duas as respostas à questão social:

implementação de um aparato repressivo: tradicionalmente para a contenção dos movimentos operários e populares e para a punição daqueles que não tinham ou se negavam ao trabalho; e recentemente, além da permanência destes aspectos, este aparato é montado para o fechamento de fronteiras e expulsão de imigrantes de territórios nacionais;

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Cruz Vermelha.

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composição de legislação e políticas sociais: tradicionalmente vinculadas ao mundo do trabalho e financiadas nas relações de trabalho5; e atualmente com relativo afastamento do mundo do trabalho e das contribuições diretas por conta das taxas de desemprego e de trabalho informal precário6 (como no caso dos programas de transferência de renda e do auxílio-desemprego) (TELLES, 1996). De toda forma, tais legislações e políticas significaram e signi-ficam conquista de direitos e, também, condições de manutenção da ordem socioeconômica.

De toda forma, a emergência da questão social fez com que o planejamento de polí-ticas sociais ocupasse um lugar central na dinâmica das relações entre Estado e sociedade. Embora pudesse haver maior concordância sobre a importância do planejamento, houve e há posições diversas e divergentes sobre políticas e serviços públicos, tais como:

os que concebem que políticas e serviços sociais públicos podem contribuir para a tessitura de relações pautadas na justiça social nas sociedades capitalis-tas (concepção que animou a formulação, em algumas sociedades, do Estado de Bem-Estar Social, entre os anos 1940 e 19707);

os que admitem sua importância para a manutenção da ordem social, seja porque podem restringir os movimentos sociais, seja porque favorecem a acu-mulação do capital8; e

os atores sociais que veem as políticas e projetos sociais como uma forma de assegurar direitos como estratégia de acúmulo de forças e de condições para a constituição de um futuro projeto alternativo de sociedade9.

No Brasil, estas posições sobre o planejamento de políticas estão presentes atu-almente, nos conselhos, nas secretarias de Estado, nas ONGs (organizações não go-vernamentais) e na sociedade em geral, onde os atores sociais dialogam e disputam para direcionar o sentido e a implementação das políticas. Por isto, as legislações que regulamentam as políticas sociais resultam de negociações e jogos de força entre estes atores, e o texto das leis sociais expressam este debate10.

5 Cabe lembrar que uma legislação social relativa a regular o mundo do trabalho é formatada, especialmente na Inglaterra, desde o final do século XV e no século XVI. Estas leis obrigam ao trabalho, reprimem os “vagabundos e esmoleiros” e favoreceram o avanço do capitalismo e a própria Revolução Industrial (MARX, 1983; CASTEL, 2001). No Brasil, após os anos 1930 até ao menos a década de 1980, para se mostrar digno dos direitos de cidadania e de tratamento respeitoso era preciso apresentar a carteira de trabalho antes que a “carteira de identidade”. A isto Santos (1979) chamou de cidadania regulada.6 Ver Indicadores sociais do IBGE – Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: <www.ibge.gov.br>.7 O Estado de Bem-Estar Social é caracterizado pelo planejamento e financiamento de políticas e oferta de serviços públicos e, ao mesmo tempo, de um alto nível de consumo que mantém aquecida a economia. Ver Draibe (1989).8 Uma das interpretações sobre políticas e projetos sociais é que ele permite que a reprodução do trabalhador tenha um custo baixo para o empregador, au-mentando as condições de sua acumulação, pois a educação pública, a saúde pública e a moradia popular, por exemplo, são financiadas pela sociedade como um todo, via tributação, enquanto que a acumulação de capital e seu usufruto são privados. No Brasil, aliás, há demandas pela reforma tributária para diminuir a evasão e a injustiça fiscal. Segundo Brami-Celentano e Carvalho (2007, p.10) os objetivos da justiça fiscal/social seriam “o aumento da tributação sobre as rendas mais altas e sobre o patrimônio, a redução da tributação incidente sobre o consumo da maioria da população e a desoneração da folha de salários”.9 Esta é a posição de partidos e setores de esquerda que optam pelo jogo democrático e participação no Estado em cargos legislativos e executivos.10 Interessante conhecer a legislação social como: Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB); Lei Orgânica da Saúde (LOS); Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), entre outras disponíveis nos sites oficiais dos Ministérios da Educação, da Saúde e da Assistência Social.

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Questão social: expressões históricas e atuais

Questão social e planejamento no BrasilNa Constituição Federal de 1988 são destacados o planejamento econômico, o

primado do trabalho, da dignidade humana e do bem-estar social, conforme os se-guintes artigos11

Art. 1.º

A República Federativa do Brasil (...), tem como fundamentos:

[...]

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

[...]

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei [...]

Os artigos constitucionais são base para o planejamento de políticas sociais en-quanto que a questão social provoca sua elaboração. Em outras palavras, a questão social e suas expressões na realidade social são nucleares para o planejamento e elaboração de políticas e projetos sociais. Políticas e projetos são demandados pelo próprio reconheci-mento da questão social e se configuram como uma forma de resposta social a ela.

Dentre as expressões da questão social, a pobreza parece ser um eixo catalisador e, também irradiador: potencializa e gera insegurança alimentar e doenças, e também é agravada por desemprego de longa duração12 e formação profissional e educacional reduzida, por exemplo.

No caso brasileiro a pobreza está associada à acentuada desigualdade de renda. Estudos baseados no PNAD de 1997 – Pesquisas Nacional por Amostra de Domicílio /IBGE – demonstravam que

[...] pessoas com renda acima de R$1.500 estavam entre os 5% mais ricos da população brasileira em 1997. Vários indicadores mostram a grande desigualdade da distribuição. Os 10% mais ricos ficam com quase 48% da renda total. A participação do 1% mais rico na renda total (13,8%) supera a participação da metade mais pobre da população (11,8%). Pode-se verificar que a renda média do1%

11 Agradeço a Fabiane Bessa pela sugestão dos artigos.12 Para Pochmann (2002), desemprego de longa duração seria o desemprego por oito meses ou mais.

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mais rico é quase 59 vezes maior do que a renda média dos 50% mais pobres. A renda média dos 10% mais ricos é 25,7 vezes maior do que a renda média dos 40% mais pobres. (HOFFMANN, 2000, p. 83)

A tabela 1 resume estas informações.

Tabela 1 – Distribuição do rendimento familiar per capita no Brasil, conforme a situação do domicílio – 1997

40% mais pobres 7,4

(HO

FFM

AN

N, 2

000)

50% mais pobres 11,8

20% mais ricos 64,4

10% mais ricos 47,8

5% mais ricos 34,1

1% mais rico 13,8

Dados recentes do Pnad apontam que

[...] em 2006, havia no país 36 153 687 pessoas classificadas como miseráveis, o que equivale a 5,87 milhões a menos que em 2005, quando foram registradas 42 033 587 com renda per capita abaixo de R$125 mensais. Nos últimos três anos (2004, 2005 e 2006), a redução acumulada da pobreza foi de cerca de 36%. [...] Em 2006, os 50% mais pobres aumentaram a sua participação nas riquezas do país em 12%. Já os mais ricos, aumentaram sua participação em 7,8%. Além disso, o índice de Gini, que mede o grau de desigualdade segundo a renda domiciliar per capita, também caiu em 2006, chegando a 15%. [...] A proporção de pessoas abaixo da linha de pobreza, [...] atingiu uma marca histórica no ano passado, ao chegar a 19,31%. Em 2005, essa proporção era de 22,77%. Em 1993, chegou a ser de 35%. (CARTA CAPITAL, 2007)

Estes dados fornecem subsídios para o debate sobre programas e projetos que prio-rizam segmentos populacionais e situações sociais (tais como os programas Bolsa–Esco-la, Bolsa Família, e Programa de Erradicação do Trabalho Infantil13) e os riscos que trazem para a universalização dos direitos sociais. Isto porque o princípio da universalização significa que uma política não se destina a grupos sociais específicos, mas independente de qualquer fator de classe, etnia, religião, sexo, idade, renda etc., ela se destina e afeta a todos os cidadãos. No Brasil são políticas sociais universais as de educação (fundamen-tal), saúde e assistência social (em termos de que todos que dela necessitarem).

Draibe, todavia, afirma que programas e projetos que privilegiam determina-dos grupos e segmentos sociais vulneráveis ou em risco social14 podem ter efeito redistributivo15 desde que realizados de forma conjugada e no interior de programas

13 Para uma discussão sobre estes programas é recomendável ler GIOVANNI; YAZBER; SILVA. A Política Social Brasileira no Século XXI – a prevalência dos programas de transferência de renda. São Paulo: Cortez, 2004.14 São consideradas situações de vulnerabilidade e risco social: perda ou fragilidade de vínculos de afetivos, de pertencimento e sociais; ciclos de vida (criança, adolescente idoso); identidades estigmatizadas em termos étnico (no Brasil: negros, índios, por exemplo), cultural, sexual ou de gênero; desvantagem pessoal resultante de deficiências; pobreza; frágil ou insuficiente acesso às políticas e aos serviços públicos; uso de substâncias psicoativas; diferentes formas de vio-lência; inserção precarizada ou não inserção no mercado de trabalho formal e informal; estratégias e alternativas diferenciadas de sobrevivência que podem representar risco pessoal e social, entre outros. (ver texto da Política Nacional da Assistência Social. Disponível em: <www.mds.gov.br>).15 Políticas e programas redistributivos são os que propiciam renda, bens, assim como oferta de serviços e equipamentos públicos por meio da transferência de recur-sos de um setor ou segmento da sociedade para outro. Um estudo interessante desta modalidade de política no Brasil encontra-se em Giovanni; Yazbek; Silva (2004). El

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universais. Isto porque estes programas podem “reduzir as chances da reprodução da desigualdade sob o manto de programas universais, frequentes, sobretudo em sociedades muito desiguais” (DRAIBE, 2003, p. 11). Os dados sobre os primeiros anos de 2000 confirmam que as políticas sociais e programas destinados aos grupos mais empobrecidos promoveram uma diminuição da desigualdade de renda no Brasil (NERI, 2007; ARBIX, 2007).

Porém, a despeito da redução da desigualdade e do número de pessoas destitu-ídas de direitos de cidadania pela pobreza, estas persistem como graves expressões brasileiras da questão social.

Disto decorre a importância das políticas e projetos sociais (portanto, políticas e projetos de educação, saúde, assistência social, trabalho, habitação e segurança alimentar, principalmente) contemplarem em seu planejamento ações destinadas a combater a pobreza e a desigualdade, o que quer dizer ações que conjuguem esforços para a democratização dos bens e recursos sociais.

TEXTO COMPLEMENTAR

Questão social e cidadania(TELLES, 1999, p. 84-130)

[...] a sociedade brasileira sempre teve, para o bem ou para o mal, a questão social no seu horizonte político. É uma sociedade na qual sempre existiu uma cons-ciência pública de uma pobreza persistente – a pobreza sempre apareceu no dis-curso oficial, mas também nas falas públicas de representantes políticos e de lide-ranças empresariais, como sinal de desigualdades sociais indefensáveis [...]. Tema do debate público e alvo privilegiado do discurso político, a pobreza é e sempre foi notada, registrada, documentada. Poder-se-ia mesmo dizer que, tal como uma sombra, a pobreza acompanha a história brasileira, compondo o elenco dos pro-blemas e dilemas de um país que fez e ainda faz do progresso um projeto nacional. É isso propriamente que especifica o enigma da pobreza brasileira. [...] essa é uma sociedade que não sofreu a revolução igualitária [...] em que as leis, ao contrário dos modelos clássicos, não foram feitas para dissolver, mas para cimentar os privilégios dos “donos do poder”; e em que, por isso mesmo, a modernidade anunciada pela universalidade das regras formais não chegou a ter o efeito racionalizador [...], con-vivendo com éticas particularistas do mundo privado das relações pessoais que, ao serem projetadas na esfera pública, repõem a hierarquia entre pessoas no lugar em

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que deveria existir a igualdade entre indivíduos. E essa é a matriz da incivilidade que atravessa de ponta a ponta a vida social brasileira, de que são exemplos conhecidos a prepotência e o autoritarismo nas relações de mando, para não falar do reitera-do desrespeito aos direitos civis das populações trabalhadoras. Incivilidade que se ancora num imaginário persistente que fixa a pobreza como marca da inferiorida-de, modo de ser que descredencia indivíduos para o exercício de seus direitos, já que percebidos numa diferença incomensurável, aquém das regras da equivalência que a formalidade da lei supõe e o exercício dos direitos deveria concretizar [...]. O enigma da pobreza está inteiramente implicado no modo como direitos são nega-dos na trama das relações sociais. Não é por acaso, portanto, que tal como figurada no horizonte da sociedade brasileira, a pobreza apareça despojada de dimensão ética e o debate sobre ela seja dissociado da questão da igualdade e da justiça. Pois essa é uma figuração que corresponde a uma sociedade em que direitos não fazem parte das regras que organizam a vida social. [...]

Seria um equívoco creditar tudo isso à persistência de tradicionalismos de tempos passados, resíduos de um Brasil arcaico. [...] É certo que a sociedade brasi-leira carrega todo o peso da tradição de um país com passado escravagista e que fez sua entrada na modernidade capitalista no interior de uma concepção patriarcal de mando e autoridade, concepção esta que traduz diferenças e desigualdades no registro de hierarquias que criam a figura do inferior que tem o dever da obediência, que merece favor e proteção, mas jamais os direitos. Tradição esta que se desdobra na prepotência e na violência presentes na vida social, que desfazem, na prática, o princípio formal da igualdade perante a lei, repondo no Brasil moderno a matriz histórica de uma cidadania definida como privilégio de classe. [...]

Pois o que chama a atenção é a constituição de um lugar em que a igualda-de prometida pela lei reproduz e legitima desigualdades, um lugar que constrói os signos do pertencimento cívico, mas que contém dentro dele próprio o princípio que exclui as maiorias, um lugar que proclama a realização da justiça social, mas bloqueia os efeitos igualitários dos direitos na trama das relações sociais. [...]

É o lugar no qual a pobreza vira “carência”, a justiça se transforma em caridade e os direitos em ajuda [...]

Se é verdade que muita coisa mudou no Brasil contemporâneo, se direitos, parti-cipação, representação e negociação já fazem parte do vocabulário político ao menos nos principais centros urbanos do país, a questão da pobreza permanece e persiste desvinculada de um debate público sobre critérios de igualdade e de justiça. [...]

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[...] a “descoberta da sociedade” se fez na experiência dos movimentos sociais, das lutas operárias, dos embates políticos que afirmavam, frente ao Estado, a iden-tidade de sujeitos que reclamavam por sua autonomia, construindo um espaço pú-blico informal, descontínuo e plural por onde circularam reivindicações diversas. Espaço público no qual se elaborou e se difundiu [...] uma “consciência do direito a ter direitos”, conformando os termos de uma experiência inédita na história brasilei-ra em que a cidadania é buscada como luta e conquista e a reivindicação de direitos interpela a sociedade enquanto exigência de uma negociação possível, aberta ao reconhecimento dos interesses e das razões que dão plausibilidade às aspirações por um trabalho mais digno, por uma vida mais decente, por uma sociedade mais civilizada nas suas formas de sociabilidade.

No horizonte da cidadania, a questão social se redefine e o “pobre”, a rigor, deixa de existir. Sob o risco de exagero, diria que pobreza e cidadania são categorias antinômicas. Radicalizando o argumento, diria que, na ótica da cidadania, pobre e pobreza não existem. O que existe, isso sim, são indivíduos e grupos sociais em situ-ações particulares de denegação de direitos. [...]

E é contra a desrealização da questão da pobreza que a prática da cidadania se põe, na medida em que torna presentes necessidades sociais e coletivas no in-terior de uma linguagem – a linguagem dos direitos – que as coloca no centro das relações sociais e da dinâmica política da sociedade. Para colocar a questão num outro registro, é através das práticas de cidadania que se faz a passagem da nature-za para a cultura, tirando o outro do indiferenciado e inominado, elaborando sua(s) identidades(s), construindo o(s) seu(s) lugar(es) de pertencimento e integrando-o(s) por inteiro nesse espaço em que a experiência do mundo se faz como história.

ATIVIDADES

O que é questão social? Cite cinco expressões da questão social (escreva até 20 1. linhas).

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Qual o marco histórico para a emergência da questão social? Explique por quê (es-2. creva até 15 linhas).

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Pesquise individualmente nos jornais e na internet expressões da questão social. 3. Escolha uma notícia e discorra sobre ela em no máximo duas páginas. Relate:

qual é o tema/situação social;

quem são as pessoas que vivenciam esta situação (se possível coloque os números e dados estatísticos);

quais ações, políticas, projetos sociais estão sendo realizados para intervir nesta situação/expressão da questão social;

quais as organizações e atores sociais que realizam estas ações.

Apresente sua opinião com relação à situação social escolhida em termos de direitos e cidadania.

Lembre-se: não copie textos de sites da internet ou dos jornais, escreva as infor-mações com suas próprias palavras.

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